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Gramsci, Hegemonia e Cultura:

relações entre Sociedade Civil e Política


José Mario Angeli*

Falar em Gramsci é sempre muito concepção de mundo, estratégia para


inspirador e provocativo, pois ele nos influenciar a esfera da cultura e o
leva a refletir, a analisar a sociedade em sentido dos processos que acontece
que vivemos e nos força a pensar em nesta.
alternativas, em possibilidades de
Leandro Konder, em seu trabalho O
mudanças. Falar em Gramsci e refletir
futuro da filosofia da práxis: o
sobre as suas
pensamento de Marx
elaborações, sobre a
no século XXI,
forma como pensou a
pergunta se o legado
sociedade de seu
de Marx tem
tempo, certamente
potencialidade para
nos convoca e nos
contribuir na
reanima a pensar
compressão dos
numa sociedade
fenômenos
socialista diferente
contemporâneos.
desta em que estamos
Compreende Marx
vivendo. Este,
como um pensador
certamente, é o Antonio Gramsci (1891-1937) do século XIX, com
grande desafio que a profundas marcas do
humanidade tem à seu tempo, de seu ambiente intelectual,
sua frente. E para aqueles que estão mas que marcou de forma inequívoca a
preocupados com a transformação desta reflexão e criação cultural do século
sociedade capitalista e com a construção XX. Konder não escamoteia a crise que
de outra forma de relação entre os seres assolou o pensamento herdeiro de Marx
humanos, o tema que aqui vamos no final do século XX, na esteira do
debater é bastante oportuno. Ele irá fracasso do socialismo real, e conclui
tratar do conceito de hegemonia e que a “Filosofia da práxis”, dialogando
cultura no pensamento de Gramsci na com outras correntes de pensamento,
perspectiva da elaboração e da têm a solidez necessária para
construção da cultura das classes compreender as expressões das novas e
subalternas, pois entendemos aqui cada vez mais profundas crises do
hegemonia e cultura dentro de um capitalismo (KONDER, 1992).
sistema de força, por um lado; e, por
outro, como formas de busca de Esta mesma questão deve ser feita
consentimento desenvolvidas por reportando-se a Gramsci. De um lado,
políticas como expressão de uma porque Antonio Gramsci é um dos mais

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notáveis e importantes pensadores (KOSIC, 1976). Práxis entendida como
marxistas. Por outro, porque o elemento laborativo e existencial:
pensamento de Gramsci, apesar de ter
“ela se manifesta tanto na atividade
uma unidade intrínseca, aparece em sua
objetiva do homem, que transforma
obra de forma fragmentada e ao mesmo a natureza e marca com sentido
tempo em que ele enfrenta uma humano os materiais naturais, como
diversidade de temas de forma na formação da subjetividade
interrogativa e questionadora humana, na qual os momentos
desafiando a nossa compreensão. Isto, existenciais como a angústia, a
porque Gramsci – que nasceu em 1891 náusea, o medo, a alegria, o riso, a
na Sardenha, localizada em uma ilha ao esperança etc. não se apresentam
sul da Itália – passou seus últimos dez como experiência passiva, mas
anos de vida no cárcere fascista, onde como parte da luta pelo
escreveu grande parte de sua obra, os reconhecimento, isto é, do processo
de realização da liberdade humana”
chamados “Cadernos do Cárcere” e as
(idem, p. 204).
“Cartas do Cárcere”, e veio a falecer
em 1937 sem ter tido condições e tempo A filosofia da práxis é para Gramsci a
de organizar suas notas e reflexões. Os expressão do “historicismo absoluto”,
escritos de Gramsci estão sempre mundialização e terrenalidade absoluta
voltados para o debate, para a do pensamento, um humanismo
interlocução. Como homem de ação que absoluto da história” (GRAMSCI,
foi, sua reflexão teórica é um esforço 1977, p. 1437). Ela é o principal
para apreender a dinâmica dos eventos instrumento teórico-ideológico para
que aceleravam ou freiavam o avanço pensar a “realidade vivente” e suas
da classe operária da Itália, em contradições; e, mais que isso, para
particular. apontar as limitações e acobertamento
da produção intelectual que dá
Neste aspecto, a obra de Gramsci é sustentação às formas de representação
pedagógica. Acima de tudo com claro da realidade. As categorias construídas
objetivo pedagógico. Instrumentalizar a por Gramsci para desvendar as mais
classe operária para que ela assumisse diferentes expressões da produção
consciência da própria história e fosse cientifica, filosófica e cultural de seu
protagonista da sua emancipação tempo apontam em vários momentos
(Pfaifer, Friedmann Angeli, 2010). para o lugar que realiza a incorporação
formal dos jovens ao conhecimento
sistematizado das ciências sociais e das
Assumir a consciência da própria ciências da natureza, do universo
história em Gramsci significa linguistico e da lógica que os ordena.
compreender de fato como se estrutura e Gramsci realiza esta tarefa dialogando
se organiza a ideologia da classe com as correntes de pensamento que
dominante, isto é, como se dá “a expressavam a representação social de
organização material voltada para diferentes momentos e avaliando os
manter, defender e desenvolver a frente avanços e retrocessos da luta dos
teórica ideológica” (GRAMSCI, 1977, operários.
p. 332). Esta questão é nuclear para a
filosofia da práxis. Práxis aqui Neste contexto, nos perguntamos:
entendida como a objetivação do estudar Gramsci tem sentido? Em que
homem, domínio da natureza e como consiste a originalidade de Gramsci?
realização da liberdade humana Antes de tudo é importante observar que

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ele é um clássico do pensamento situações concretas, a exemplo do 18
político e, ao mesmo tempo, foi um Brumário.
militante político. Então, devemos
estudá-lo enquanto um clássico ou A análise de situações concretas levou-
devemos estudá-lo enquanto militante o, primeiramente, a refutar o
político? Na vida política ele não teve economicismo elementar, confundido
fortuna, como ele mesmo afirmou: “não geralmente com o marxismo ortodoxo.
tive sorte em minha luta política, por É necessário, dizia Gramsci, distinguir
um momento estou derrotado”. Ainda, as modificações econômicas que
no mundo de hoje, onde o apanágio da afetam profundamente a própria
modernidade tecnocrática predomina estrutura da sociedade, que são
triunfalmente e a luta pela construção de relativamente permanentes e repercutem
uma alternativa democrática nacional e sobre os interesses das classes sociais
popular, centrada na força organizada inteiras, das que são simples variações
dos trabalhadores, está em decadência, conjunturais que afetam apenas
seria possível encontrar na obra de pequenos grupos. Gramsci afirma que
Gramsci sugestões e respostas? São somente em relação às primeiras tem
questões que estão colocadas para nós sentido a afirmação de Marx, na
hoje. Introdução à Critica da Economia
Política, de que “os homens tomam
consciência, no campo da ideologia,
O pensamento de Gramsci é dos conflitos que se manifestam na
intrinsecamente difícil. E, depois das estrutura econômicas”. Estrutura que,
publicações dos “Cadernos do para Gramsci, não é um conceito
Cárcere” organizados pelo prof. especulativo, mas uma realidade que
Gerratana e das “Cartas do Cárcere” pode ser analisada com os métodos das
organizadas pelo prof. Santucci, vieram ciências naturais, e que não dever ser
à tona muitos conceitos que não foram estudada separadamente da
suficientemente compreendidos: entre superestrutura, porque “a estrutura e as
eles estão o de “hegemonia e cultura”. superestruturas formas um bloco
No nosso entendimento são dois histórico. Isto é, o conjunto complexo,
conceitos que estão profundamente contraditório e divergente, das
imbricados com o conceito de superestruturas é o reflexo do conjunto
“sociedade civil”, expressão da das relações sociais de produção”. As
originalidade desse pensador italiano. contradições destas relações sociais
podem ser percebidas
Ele vê a liberdade e a necessidade dos
“na existência de consciências
homens como uma questão aberta à
históricas de um grupo (coma
ação dos grupos e dos indivíduos da existências de estratificações
sociedade. Pode-se dizer que o mérito correspondentes a diversas fases do
de Gramsci, para quem o materialismo desenvolvimento histórico da
histórico era essencialmente “uma civilização e com antíteses entre os
teoria da história”, foi o de entender grupos que correspondem a um
que o método de interpretação da mesmo nível histórico),
história de Marx não podia ser deduzido manifestando-se nos indivíduos
dos princípios elementares expostos em isolados como reflexo desta
obras de caráter geral, como era feito desorganização vertical e
habitualmente, mas que era necessário horizontal” (GRAMSCI, 1977, p.
871).
extraí-los das obras que analisavam

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Gramsci rejeita a redução do Badaloni afirma que há duas
materialismo histórico a uma concepção concepções que marcam o pensamento
de “sociologia abstrata”. Sociologia de Gramsci, uma teórico-filosófica, que
abstrata entendida como pura teoria ou se liga a Croce; e, outra ético-política
como um corpo teórico preparada para que vai além de Croce, sobretudo,
interpretar diretamente a realidade, o contrária a Croce (BADALONI, 1987,
que implica, para ele, abandonar toda a p. 159). Segundo Badaloni, estas duas
sociologia e ou mesmo a história posições mudaram muito e hoje
abstrata para se chegar a uma realidade devemos situá-lo no interior da teoria
concreta. Esta “identidade” e marxista da história. Segundo a nossa
“diversidade” conceitual parece ser uma compreensão, Badaloni parece nos dizer
das características da metodologia que uma sociologia abstrata vem
gramsciana. Assim, sustenta Gramsci, a cedendo o seu lugar para uma
capacidade de “encontrar a identidade compreensão historicista, que por sua
real sob a diferenciação e contradição vez não despreza uma leitura mais
aparente, e encontrar a diversidade política de Gramsci.
substancial sob a identidade aparente é É possível identificar nos seus escritos,
o mais delicado, incompreendido, mas e particularmente nos “Cadernos do
essencial, dote do crítico das idéias e do Cárcere”, o valor por ele atribuído à
historiador do desenvolvimento social” leitura historicista. Segundo Gramsci, o
(idem, 2268). pesquisador da história não vai da teoria
Esta característica metodológica à realidade, à busca de espécies puras
gramsciana está muito presente, que correspondam àquilo que se previu
conforme observou Baratta, tanto na anteriormente:
teoria como na prática de sua própria “A realidade é rica nas
pessoa, na condição de vida de sardo combinações mais estranhas e é o
com a italianidade, com o sentimento teórico que está obrigado a buscar a
nacional e o cosmopolitismo, a prova decisiva de sua teoria nesta
consciência de classe e a universalidade mesma estranheza, a traduzir, para
do ser humano (Baratta, 2000). a linguagem teórica, os elementos
da vida histórica e não ao contrario,
Baratta dissimula a polêmica sobre o que seja a realidade que deva
pensamento de Gramsci, entre ser mais apresentar-se segundo esquema
historicista do que sociologista, definido abstrato” (GRAMSCI, 1977,
por alguns autores; ou que Gramsci teria p.1051).
utilizado mais a filosofia do que a Essa observação de Gramsci é-nos
história para a compreensão da importante porque, para alguns teóricos,
realidade italiana de seu tempo. Gramsci não teria se preocupado muito
Segundo Baratta, o pensamento da economia, não teria feito, como
gramsciano está consolidado pela Marx, a crítica da economia e sim se
percepção que vem dos de baixo, dos preocupado com a superestrutura.
subalternos e diferentes. Uma das Gramsci está atento às transformações
originalidades de Gramsci consiste em econômicas da Itália e do mundo. Ele
ter acolhido a importância do momento está muito atento a isto. Podemos
ideológico, cultural e teórico em afirmar que o que caracteriza o seu
conjunto da dimensão política do pensamento é a orientação historicista
processo histórico das classes cuja base se sustenta na historicidade
subalternas. dos fatos sociais.

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Na elaboração de seu pensamento a suficiente para provocar a superação do
orientação historicista será enriquecida capitalismo. As condições objetivas se
por outras categorias importantes na encarregariam da transformação
medida em que ela permite colher o histórica, mas sem levar em
“senso comum” e o “bom senso” que consideração as subjetividades dos
estão no fundo da concepção da vida e indivíduos e da classe trabalhadora.
do homem, difundida no passado e no Segundo Gramsci, a libertação do
presente, de que a linguagem é a homem toma a forma da compreensão
portadora. do grupo social que tem uma própria
concepção de mundo. Esta concepção se
A propósito, ele observou que
articula organicamente para construir
“coloca-se a questão, se uma uma hegemonia dominante sobre as
verdade teórica descoberta em classes subalternas. Por isso, é
correspondência a uma determinada necessário um esforço e disciplina
prática pode ser mais generalizada e
intelectual por parte dos indivíduos,
garantida universalmente em uma
época histórica. A prova da sua
para que possam exprimir uma
universalidade consiste entretanto concepção de classe.
naquilo que ela se torna, por um A correção proposta do marxismo em
lado se ela estimula conhecer
Gramsci está no Partido, cuja função é a
melhor a realidade efetiva ... e por
outra se estimulado e ajudado a da elaboração e difusão da concepção
melhor compreensão da realidade de mundo, enquanto elabora
fatual agora incorpora a realidade essencialmente a ética e a política
mesma como se fosse expressão conforme a experiência histórica da
originaria” (GRAMSCI, 1977, p. classe trabalhadora que vai se forjando
1134). na luta do operar. Ele observa que a
E, logo mais adiante, ele chama atenção “autoconsciência critica significa
do contraste entre pensar e operar: historicamente e politicamente
“Este contraste entre pensar e criação e uma elite intelectual: uma
operar, isto é, a coexistência de massa humana não se “distingue” e
duas concepções de mundo, uma não torna independente “por si”
firmada em palavra e a outra sem organização (no sentido lactu)
explicitada nas operações efetivas e não tem organização sem
do operar, não é devida intelectual, isto é, sem
simplesmente a má fé. A ma fé organizadores e dirigentes, sem
pode ser uma explicação satisfatória aquele aspecto teórico do nexo –
para alguns indivíduos teoria/prática – que se distingue
singularmente tomado ou para um concretamente num estrato de
grupo mais ou menos numeroso, pessoas “especializadas” de
mas não é satisfatória portanto elaboração conceitual e filosófica”
quando o contraste se verifica na (Idem, p. 1386).
manifestação de vida de uma Esta consciência crítica deve estar a
grande massa” (Idem, p. 1379).
serviço da organização e da unidade da
O contraste entre o operar e o pensar em classe subalterna, visto que
Gramsci se apresenta na polêmica historicamente e politicamente ela não
contra o determinismo da II e da III as possuem. A questão, para Gramsci, é
Internacional. Ela entendeu que o como estabelecer um vínculo com os
movimento das forças produtivas e das subalternos. Como construir a
relações sociais de produção seria hegemonia dos de baixo? Qual é o papel

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que a cultura tem no processo de “sociedade política”ou Estado, que
manutenção e instrumentalização das correspondem à função de
classes subalternas? Sob essa motivação “hegemonia” que o grupo
ele irá elaborar o conceito de “sociedade dominante exerce em toda a
civil” e de “sociedade política” ou sociedade e àquela de “domínio
direto” ou de comando, que se
“Estado integral”, na época em que
expressa no Estado e no governo
estava no cárcere. Condicionado, “jurídico” (GRAMSCI, p. 1518).
portanto, pelos estudos de realidades
“totalitárias” (Estado fascista e Estado Sociedade civil são organizações
soviético) e pelas mudanças ocorridas privadas como os sindicatos, partidos,
conhecidas nas sociedades associações, igrejas, jornais etc... São
metaforicamente nominada de organizações ligadas à iniciativa privada
“Ocidente–Oriente”. que não pertencem à esfera pública.
Elas não pertencem ao Estado. Aqui,
É fundamental compreender o conceito dois princípios básicos são instituídos:
de “sociedade civil” de Gramsci. Nele, primeiro, trata-se da adesão voluntária
há muitos conceitos de “sociedade e da iniciativa do
civil”. No momento individuo e dos
em que avança a grupos sociais e não
compreensão da ordem instituída
filosófico-teórica ele pelo Estado. Gramsci
estabelece uma ressalta aqui, que os
profunda relação com intelectuais têm um
o conceito de papel importante na
“hegemonia” e de organização e
“cultura”. Qual é o elaboração da cultura
sentido desses de uma sociedade,
conceitos numa capaz de construir
sociedade hegemonias. As
democrática? Teria organizações da
sentido falar desses sociedade buscam
conceitos se obter o consenso de
entendêssemos a uma larga massa ou
política como força ou como da inteira sociedade, originando-se uma
manipulação? O que é sociedade civil? luta pela hegemonia cultural e política
Gramsci irá trabalhar esse conceito para sobre a sociedade. Segundo, não é da
chegar ao de hegemonia. ordem da coerção, mas do consenso, do
Particularmente esse conceito é somente consentimento, através do diálogo
dele. Ele difere do conceito de chega-se à obtenção do consentimento.
sociedade burguesa, como foi entendida Para obtê-lo um grupo social deve usar
tanto por Hegel quanto por Marx. O que com sabedoria a capacidade de ser
ele entende por sociedade civil? hegemônico e fazer-se portador de um
Segundo ele: projeto universal: dos de baixo. Para
“pode-se por enquanto fixar dois esclarecer o conceito de hegemonia que
grandes “planos” superestruturais: o deve se colocar contrário à dominação
que pode ser chamado de direta, ele usa o exemplo da igreja
“sociedade civil” (isto é, o conjunto católica, entendida como “o aparato de
de organizações chamados hegemonia do grupo dirigente, que não
comumente de “privados”) e o da

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possuía um aparato próprio, isto é, não coisa. É somente uma questão de nexo.
tinha uma organização cultural e A distinção entre uma e outra feita pelos
intelectual própria, mas sentia como tal liberais. Segundo Gramsci:
a organização eclesiástica universal”.
(Idem., p. 763). “As idéias do movimento de
comércio livre baseiam-se num erro
Gramsci observa que teórico cuja origem política não é
“no Oriente, o Estado era tudo, a difícil de identificar, baseiam-se na
sociedade civil era primitiva e distinção entre sociedade civil e
gelatinosa: no ocidente, havia entre sociedade política que é
o Estado e a sociedade civil uma transformada e apresentada como
relação apropriada e, ao oscilar o orgânica, embora na realidade, seja
Estado, podia-se imediatamente apenas metodológica. Assim,
reconhecer uma robusta estrutura da afirma-se que a atividade
sociedade civil. O Estado era econômica pertence à sociedade
apenas uma trincheira avançada, civil, e que o Estado não deve
por trás da qual se situava uma intervir para a regular. Mas, como
robusta cadeia de fortalezas e na realidade a sociedade civil e o
casamatas” (idem, p. 866). Estado são um só, deve esclarecer-
se que o laissez-faire também é
Os elementos da sociedade civil uma forma de “regulação” de
correspondem aos sistemas de defesa na Estado, introduzida e mantida por
guerra de posição, por um lado; e, por meios legislativos e coercitivos”
outro, coloca a hegemonia em crise. (idem, SPN, 159) .
Como ele definiu:
Percebe-se a hegemonia frequentemente
“a separação da sociedade civil em
relação à sociedade política põe-se associada ao consentimento, aqui ela
um novo problema de hegemonia, expressa-a como força. Contradição esta
isto é, a base histórica do Estado se presente nas democracias modernas.
deslocou. Tem-se uma forma Segundo Gramsci a hegemonia se
extrema de sociedade política: ou reporta à democracia moderna. Ela tem
para lutar contra o novo e conservar uma importância na sociedade moderna.
o que oscila, fortalecendo-o Gramsci busca seu entendimento em
coercitivamente, ou como Maquiavel. Depois da Revolução
expressão do novo para esmagar as Francesa, “a burguesia pode
resistências que encontra ao apresentar-se como “Estado” Integral
desenvolver-se etc. ” (idem., p.
detentor de todas as forças intelectuais
876)
e morais de que precisava para
Em oposição à sociedade civil organizar uma sociedade completa e
ocidental, Gramsci acena que no perfeita” (idem., ibidem., p.270). A
Oriente a “sociedade política” ou iniciativa jacobina foi de instituir o
Estado – ditadura – se apresentava para culto do “Ser Supremo”, que surge,
a sociedade como uma unidade. Ele portanto, como uma iniciativa de criar
estabelece um princípio, que na os elementos entre Estado e sociedade
sociedade política (da diversidade) de civil, de unificar ditatorialmente os
um Estado Integral, a sociedade civil – elementos constitutivos do Estado em
lócus da organização privada – e a sentido orgânico e mais amplo (Estado
sociedade política – aparato político, propriamente dito e sociedade civil).
lócus da ordem com seu aparelho Segundo Gramsci os Jacobinos tiveram
jurídico e administrativo – são a mesma um atitude audaciosa, eles trouxeram os

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camponês para fazer a Revolução. num conjunto de verdades que se
Gramsci observa: acredita válido para toda a sociedade.
“O exercício “normal” da Neste sentido ganha importância o
hegemonia no terreno agora conceito de Cultura que aparece
clássico do regime parlamentar é
imbricado ao conceito de hegemonia.
caracterizado pela combinação de
força e consentimento, que se Cultura para Gramsci é cuidar de
equilibram um ao outro, sem que a alguma coisa. É fazer alguma coisa.
força predomine excessivamente Como dizemos acima é agir. Anterior
sobre o consentimento” (idem, ao cárcere sua preocupação era
ibidem., p. 90). organizar a classe operária, por isso
surgiu a Revista “L’Ordine Nuovo”.
Para Gramsci nas democracias
Segundo Gramsci,
modernas a hegemonia é a forma de
fazer a contra parte à representatividade “exercício de pensamento,
e ao sufrágio universal, que são as duas aquisição de idéias gerais, hábito de
características da democracia, no relacionar causas e efeitos. Para
momento em que os partidos e mim todos já são cultos porque
sindicatos estão consolidados. pensam, relacionam causas e
efeitos. Mas são empiricamente e
A partir dessa compreensão Gramsci irá não organicamente, .... tenho uma
elaborar uma Estratégia para o idéia socrática de cultura: pensar
movimento operário. Dois conceitos independentemente e proceder bem
aparecem em seu pensamento: “guerra independentemente do que se faz”
de movimento” e “guerra de posição”. (Gramsci, Jornal Socialista, Avanti,
Com esses dois conceitos ele enfatiza a 1917).
especificidade da hegemonia e da
No cárcere o conceito ganha novo
política. São elas que impulsionam o
significado, porque preocupado com a
desenvolvimento da democracia e de
cultura, ou seja, como podia ser
uma sociedade moderna. Sua afirmação
despertada e desenvolvida a consciência
conduz a um novo tipo de luta de classe,
política capaz de se opor efetivamente à
à altura das “trincheiras” e “casamatas”
da sociedade burguesa dominante. Ele
que vão mudando rapidamente o campo
insiste sempre numa “reforma cultural”
de batalha. Por que a democracia
que deve estar necessariamente ligada à
burguesa? Escreve ele porque
reforma econômica: “Poderá haver
“a classe burguesa põe-se a si reforma cultural, e poderá a posição
mesma como um organismo em dos estratos deprimidos da sociedade
contínuo movimento, capaz de ser melhorado culturalmente, sem uma
absorver toda a sociedade, reforma econômica previa e um a
assimilando-a a seu nível cultural e
mudança da sua posição nos campos
econômico; toda a função do
Estado é transformada: o Estado
sociais e econômicos?” (SPN, p. 113)
torna-se “educador” etc... (idem., Gramsci assinala o conteúdo da cultura.
ibidem., p. 937).
Ele concebe a cultura como um
O conceito de hegemonia se apresenta patrimônio reflexivo, emotivo e
como inovador. Ele mostra os processos intersubjetivo que caracteriza um
pelos quais uma classe pode exercer determinado ambiente social: classe,
domínio sobre as outras: estabelecendo grupos, razões, nações, etc.), que se
a superioridade mediante o consenso, manifesta nas formas de normas, idéias,
transformando a ideologia de um grupo convicções por um dado grupo social, e

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que constitui a fonte da vontade coletiva tempo e no espaço (Grehan, 2002,
e do comportamento coletivo. A cultura p.230).
então é qualquer manifestação da
espiritualidade humana – ciência, arte, Essa observação caracteriza uma
religião, filosofia e a política – desde conexão entre cultura, política e
que exprimi um produto no economia. Segundo o entendimento de
desenvolvimento histórico de um grupo Gramsci, esses conceitos são distintos,
social. Entretanto, Gramsci sabe que mas possuem uma interdependência. A
existem manifestações de cultura vida econômica proporciona o terreno
intelectual própria do capitalismo, de permanente e orgânico, desde que a
uma sociedade constituída por classes política seja um produto genuíno deste
onde se produz duas culturas: a dos terreno e que possa proporcionar uma
dominantes e a dos subalternos. Os vida superior ao capitalismo. São os
intelectuais têm a responsabilidade intelectuais – grupo social – que
política de transformar os inícios rudes conseguem fazer a passagem do terreno
e ásperos – senso comum – em culturas permanente e orgânico da vida
coerentes, poderosas e plausíveis, ou econômica para a organização política
seja, não se deixar levar pelo “canto do eficaz. Assim, se uma classe não
cisne” que a produz. consegue seus próprios intelectuais ela é
incapaz de se transformar numa força
A cultura das classes subalternas hegemônica. A obtenção da hegemonia
dependente tem para ele um significado por uma classe está ligada à “fundação
essencial, até porque essa cultura de de um Estado”: ex. dos jacobinos.
“massa”, isto é, do “povo”, é o principal
terreno onde se opera a política cultural. Para Gramsci, a hegemonia significa,
Ele, aqui, é crítico em confronto com a em parte, que uma classe ou uma
cultura burguesa, até porque nenhuma aliança de classes, conseguiu
classe social pode conquistar e transcender os seus próprios interesses
conservar o poder se não há o corporativos estritos e incorporou pelo
“consenso” das massas. Para obter o menos alguns dos interesses das classes
consenso deve exercitar a hegemonia subalternas. De tal forma que parece
sobre o povo, mas aqui também nem representar os interesses da sociedade
tudo que vem do povo é expressão da como um todo. Isto marca a passagem
consciência crítica, de modo que a decisiva da estrutura para a esfera da
política cultural que está sendo superestrutura. Segundo Gramsci, as
instituída é sempre movediça, classes podem ser os atores principais
transitória e contingente, estratégia de da história humana, mas para agirem de
força e consentimento para adequação modo consciente elas precisam de
das consciências. O principal para Partidos.
Gramsci, segundo Grehan, é que a
cultura – as culturas – que são, em O Partido é o termo-chave para
última instância, o produto de histórias Gramsci. Ele usa tanto para referência
especificas, são sempre entidades de organizações formais como as não-
fluídas e volúveis; e temos de nos formais porque numa sociedade
lembrar sempre que, quando falamos ninguém é desorganizado. Qual é o
sobre determinadas “culturas”, o seu ponto de referência para o novo mundo
caráter particular depende do lugar em gestação? O mundo da produção: o
exato e do momento histórico trabalho. E, assim, concluo essas
determinado de que nos ocupamos no observações com a pergunta feita no

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inicio: o quem temos a ganhar Referências
estudando Gramsci? BARATTA, G. Le rose e Gramsci. Roma. 2000
GRAMSCI, A. Quaderni del cárcere. Edizione
critica Dell’Istituto Gramsci di Roma (a cura de
V. Gerratana. Einaudi, Torino, 1977
GREHAN, K. Gramsci, cultura e antropologia.
Pluto Press. London. 2002.
KONDER, L. O futuro a filosofia da práxis: o
pensamento de Marx no século XXI, Ed. Paz e
Terra, Rio, 1992
KOSIC, K. Dialética do concreto. Paz e Terra.
Rio. 1996
PFAIFER. M. & ANGELI, Rosemari F.
“Contribuições de Gramsci para a educação”.
Mimeo, Curitiba. 2010.

*
JOSÉ MARIO ANGELI é Professor
do Departamento de Filosofia da UEL; Doutor
em Filosofia pela Pontificia Università San
Tommaso Di Aquino.

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