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Entendemos que psicodiagnóstico é um procedimento científico de investigação e intervenção clínica,
limitado no tempo, que emprega técnicas e/ou testes psicológicos com o propósito de avaliar uma ou mais
características psicológicas visando um diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico), construído à luz
de uma orientação teórica que subsidie a compreensão da situa ção avaliada, gerando uma ou mais
indicações terapêuticas e encaminhamentos. Levando em consideração esse conceito, acreditamos que ele
pode ser realizado de diferentes maneiras e com diferentes objetivos.
A avaliação da demanda indicará qual aspecto avaliativo deverá ser priorizado em cada caso, situando
se o objetivo do psicodiagnóstico a partir dessa reflexão inicial. Segundo Cunha (2000), precursora do
psicodiagnóstico em nosso meio, os objetivos podem priorizar: a) a classificação simples; b) a descrição; c)
a classificação nosológica; d) o diagnóstico diferencial; e) a avaliação compreensiva; e) o entendimento
dinâmico; f) a prevenção; g) o prognóstico; e h) a perícia forense. Concordamos basicamente com Cunha
(2000) com relação a esse aspecto. Contudo, entendemos que, ao realizar uma perícia forense, não
necessariamente está se fazendo um psicodiagnóstico.
Na perícia forense, o objetivo, na maioria das vezes, é responder a quesitos legais, solicitados pelo juiz
(para uma leitura mais aprofunda da, ver Rovinski, 2013). Conforme Rovinski (2010, p. 95), “. . . a avaliação
fo rense, mais especificamente, quando exercida como atividade pericial, diferenciase em muitos aspectos
daquela realizada no contexto clínico. A não diferenciação de tais padrões de avaliação acaba por gerar
conflitos de papéis e, consequentemente, condutas antiéticas.”.
Uma pessoa que busca auxílio de um psicó logo para lidar com o sofrimento geralmente estabelece com
o profissional uma relação de cooperação e aliança de trabalho diferente daquele sujeito que é encaminhado
para uma perícia em contexto jurídico. Neste último, fenômenos como simulação e dissimulação
conscientes, inerentes a essa realidade avaliativa, acabam exigindo cuidados técnicos específicos, que
diferem daqueles eminentemente clínicos. Ainda assim, reconhecemos a semelhança entre muitos aspectos
técnicos adotados na perícia e no psicodiagnóstico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressaltamos que o psicodiagnóstico é uma atividade profissional do psicólogo, cuja formação durante o
período de graduação é essencial, mas carece de um estudo continuado, especialmente no que tange aos
avanços em termos de instrumentos de avaliação psicológica e psicopatologia. O cuidado com aspectos
psíquicos da pessoa do psicólogo é condição sine qua non para a abertura à atualização e à reflexão técnica
e o consequente fazer avaliativo adequado.
Assim, os objetivos do psicodiagnóstico são coerentes com essa formação e exigem do psicólogo
amplo conhecimento de competências, além de estudos sobre diversas áreas da psicologia. A forma de
conduzir um processo psicodiagnósti co será trabalhada intensamente neste livro, mas, nesse momento,
queremos marcar a necessidade de se ter claro, ao iniciálo, o que é esperado, com que tipo de população se
trabalha e o que é possí vel atingir com ele, de forma que sua potenciali da de possa ser atingida,
reconhecendose suas forças e limitações, sempre respeitando os preceitos éticos da profissão.
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O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO
Maisa S. Rigoni
Samantha Dubugras Sá
E
ste capítulo abordará o processo de reali zação de um psicodiagnóstico, apresentando os passos
recomendados para a sua execução. Também serão apresentados os diferentes modelos e objetivos
dessa prática, realizada exclusivamente pelo psicólogo, que represen ta, como sintetiza Barbieri
(2010), um marco distintivo da identidade desse profissional. A Lei Federal nº 4.119, de 27 de
agosto de 1962, que dispõe sobre a formação em psicologia e regulamenta a profissão no Brasil, define que
a prática de diagnóstico psicológico, bem como a realização de um psicodiagnóstico, é atribuição exclusiva
do profissional da psicologia (Brasil, 1962).
O psicodiagnóstico é um dos tipos de avaliação psicológica realizada com objetivos clínicos, portanto,
não abrange todas as formas de avaliação psicológica. Atualmente, a avaliação psicológica é entendida
como um processo que permite descrever e compreender a pessoa em suas diferentes características,
investigando tanto aspectos da personalidade quanto aspectos cognitivos, abordando possíveis sintomas,
questões do de senvolvimento, questões neuropsicológicas, características adaptativas e desadap tativas, entre
outros, permitindo, assim, que se chegue a um prognóstico e à melhor estratégia e/ou à abordagem ‐
terapêutica necessária.
De modo geral, podese afirmar que o psico diag nóstico é um processo bipessoal (psicólo go –
avaliando/grupo familiar), de duração li mitada no tempo, com um número aproxima damente definido de
encontros, que procura descrever e compreender as forças e as fraquezas do funcionamento psicológico de
um indivíduo, tendo foco na existência ou não de uma psicopatolo gia (Cunha, 2000). Assim, o
psicodiagnóstico pode ser entendido como um processo com início, meio e fim, que utiliza entrevistas,
técnicas e/ou testes psicológicos para compreender as potencialidades e as dificuldades apresenta das pelo
avaliando, tendo por base uma teoria psicológica e buscando, assim, coletar dados mais substanciais para a
realização de um encami nha mento mais apropriado. Então, possibilita descrever o funcionamento atual,
confirmar, refutar ou modificar impressões; realizar diag nóstico diferencial de transtornos mentais,
comportamentais e cognitivos; identificar necessidades terapêuticas e recomendar a intervenção mais
adequada, levando em conta o prog nóstico (Witternborn, 1999).
Cabe salientar que, como bem lembra Cunha (2000), o psicodiagnóstico derivou da psi cologia clínica
em torno de 1896, quando surgiram os primeiros testes mentais. Nessa época, o psicólogo se limitava a
aplicar um ou outro teste solicitado por outros profissionais, e trabalhava com um modelo médico de
atendimento, mantendo certo distanciamento do avaliando, buscando não perder a objetividade em seu
trabalho. Não havia um procedimento em que o avaliando fosse atendido de forma integrada e
compreensiva. Esse cenário começou a ser modificado com o surgimento da psicanálise e com o
desenvolvimento das técnicas projetivas, o que permitiu que se pudesse ter uma compreensão mais profunda
e abrangente do sujeito avaliado (Carrasco & Sá, 2010; Werlang & Argimon, 2003). Uma das atividades do
psicólogo clínico é identificar e compreender, na singularidade do indivíduo, suas caracte rís ticas, seus
sintomas e seu funcionamento psíquico, e, assim, explicitar diagnósticos. A pa lavra “diagnóstico” originase
do grego diagnõstikós e significa discernimento, faculdade de conhecer. No sentido amplo do termo, a ação
de diagnosticar é inevitável, já que, sempre que se explicita a compreensão de um fenômeno, reali zase um
dos possíveis diagnósticos. Mas, no campo da ciência, esse termo referese à possibilidade de conhecimento
por meio da utilização de conceitos, noções e teorias científicas (AnconaLopez, 1984).
Pensando no conceito de psicodiagnóstico, palavra também de origem grega (psique = mente, dia =
atráves, gnosis = conhecimento), Sendín (2000) entende que se trata da expressão mais antiga e que melhor
reflete, etimologicamente, o caráter processual da tarefa de diagnosticar, pois se refere a um conhecimento
dos aspectos mais relevantes do funcionamento psíquico. Embora na contemporaneidade se entenda o
psicodiagnóstico como um processo de avaliação amplo, esse termo ainda está associado à sua procedência
do campo médico, com enfoque diagnóstico estritamente classificatório. Em função disso, alguns psicólogos
rechaçam esse termo e defendem sua substituição pela expressão avaliação psicológica. Entretanto, Cunha
(1993) esclarece que essa expressão é um conceito muito amplo, enquanto “psicodiagnóstico” explicita uma
avaliação psicológica com propósitos clínicos. A autora salienta, ainda, que o termo “testagem” se refere a
um tipo de recurso da avaliação psicológica, enquanto o “psicodiagnóstico” pressupõe a utilização de outros
instrumentos/procedimentos que vão além do emprego de testes, a fim de abordar os dados psicológicos de
forma mais sistemática, científica e orientada para a re solução de problemas.
Diante dessa situação, surgiu a necessida de de um enquadramento que atendesse às características
específicas do psicodiagnóstico, por se tratar de um processo limitado no tempo e que utiliza técnicas e/ou
testes psicológicos, po dendo, assim, ter vários objetivos. Esses objetivos podem ser referentes a uma
classificação simples, a uma descrição ou até mesmo a uma classificação nosológica, entre outros, conforme
o que foi abordado no Capítulo 2.
Nessa perspectiva, Arzeno (1995) refere que o psicodiagnóstico contempla algumas finalidades, como:
1. Investigação diagnóstica: tem como objetivo ex plicar o que acontece além do que o avaliando
consegue expressar de forma consciente – e isso não significa rotulálo.
2. Avaliação do tratamento: visa avaliar o anda mento do tratamento. Seria o “reteste”, no qual
se aplica novamente a mesma bateria de testes usados na primeira ocasião ou uma bateria
equivalente.
3. Como meio de comunicação: procura facilitar a comunicação e, em consequência, a tomada
de insight.
4. Na investigação: com o intuito de criar novos instrumentos de exploração da personalidade e,
também, de planejar a investigação para o estudo de uma determinada patologia, etc.
Ampliando os conceitos de Arzeno (1995), acreditamos que, além do que foi exposto anteriormente,
um psicodiagnóstico pode ter um alcance ainda maior. Embora não seja sua principal finalidade, pode ser
terapêutico, uma vez que o vínculo estabelecido entre avaliador e avaliado, assim como os resultados
obtidos e comunicados, pode contribuir para uma decisão mais assertiva por parte do avaliado quanto à ‐
escolha entre um ou outro tratamento, à mudança de um estilo de vida, ou mesmo quanto ao rumo que dará
às recomendações do avaliador. Outro ponto relevante diz respeito ao uso ou não de uma bateria de testes e
“retestes”, isto é, entendemos que os testes psi cológicos e as técnicas são recursos disponíveis, mas que em
nenhum momento substituem ou são mais importantes do que a escuta e o olhar clínico do avaliador, pois
nem sempre será necessária a utilização des sas ferramentas.
Quando se opta pelo uso de testes psicológicos, Ocampo, Arzeno e Piccolo (2005), Arzeno (2003) e
Trinca (1984) inferem que a escolha das estratégias e dos instrumentos a serem empregados é feita sempre
de acordo com o referencial teórico, com a finalidade e com o objetivo (clí nico, profissional, educacional,
forense, etc.) do psicodiagnóstico. Arzeno (1995, p. 10) refere que “. . . as conclusões de todo o material
obtido são discutidas com o interessado, com seus pais, ou com a família completa, conforme o ca so e o
sistema do profissional”. Dessa forma, a entrevista de devolução visa informar os resultados, mas nela
podem surgir, de maneira involuntária, efeitos terapêuticos, denominados de psicodiagnóstico interventivo,
que equivale a uma avaliação terapêutica, caracterizada pela realização de intervenções como
assinalamentos, in terpretações, entre outros, durante as entrevistas e as aplicações de técnicas projetivas
(Barbieri, 2010). Salientamos, assim, a existência de estudos que consideram o psicodiagnóstico uma
possibilidade de intervenção terapêutica, e não apenas diagnóstica (Carrasco & Sá, 2010). No que diz
respeito ao psicodiagnóstico interventivo, ele será mais bem analisado no Capítu lo 15.
Entretanto, “diagnosticar” alguém é algo se cundário, caso se pense que, ao identificar as forças e as
fraquezas do avaliando, estamos ten tan do entender o que se passa com ele nesse mo mento de sua vida e de
quais recursos dispõe pa ra que seja possível formular recomenda ções te rapêuticas ade quadas (terapia breve
e prolon gada, individual, sistêmica, de grupo, entre ou tras; frequência; tratamento medicamentoso; etc.).
Mesmo quando é de tectada a presença de algum transtorno mental, o objetivo maior do psicodiagnóstico é
encaminhar o indivíduo para o tratamento mais adequado.
O processo tem início no encaminhamento, que é o que justifica a sua realização. Vários são os
profissionais que podem solicitar a avaliação psicológica, como neurologistas, psiquiatras, pedagogos, entre
outros. No entanto, muitas vezes o encaminhamento é vago, cabendo ao psi cólogo o seu esclarecimento
prévio, para en tão ter certeza de que a indicação é, de fato, para um psicodiagnóstico. E como se realiza um
psi codiagnóstico?
Para Ocampo e colaboradores (2005), o pro cesso envolve quatro etapas. A primeira principia no
contato inicial, estendendose até a primeira entrevista com o avaliando; a segunda consiste na aplicação de
testes e técnicas psicológicas; a terceira diz respeito à conclusão do processo, com a devolução oral ao ‐
avaliando (e/ou aos pais); e a última referese à elaboração do informe escrito (laudo/relatório) para o
solicitante e para o avaliando (e/ou aos pais). Propomos, de forma mais detalhada, oito etapas (ver Quadro
3.1).
QUADRO 3.1
Passos de um processo de psicodiagnóstico
Passos Especificações
1. Determinar os motivos da consulta e/ou do encaminhamento e levantar dados sobre a história pessoal
(dados de natureza psicológica, social, médica, profissional, escolar).
2. Definir as hipóteses e os objetivos do processo de avaliação. Estabelecer o contrato de trabalho (com o
examinando e/ou responsável).
3. Estruturar um plano de avaliação (selecionar instrumentos e/ou técnicas psicológicas).
4. Administrar as estratégias e os instrumentos de avaliação.
5. Corrigir ou levantar, qualitativa e quantitativamente, as estratégias e os instrumentos de avaliação.
6. Integrar os dados colhidos, relacionados com as hipóteses iniciais e com os objetivos da avaliação.
7. Formular as conclusões, definindo potencialidades e vulnerabilidades.
8. Comunicar os resultados por meio de entrevista de devolução e de um laudo/relatório psicológico. Encerrar
o processo de avaliação.
Vejamos o passo a passo: uma vez de posse do encaminhamento, cabe ao psicólogo ampliar o motivo,
elencando as principais queixas e sofrimentos psíquicos apresentados pelo avaliando. O psicodiagnóstico
pode ser realizado em consultórios privados, clínicas psicológicas ou psi quiá tri cas, instituições, postos de ‐
saúde ou hospi tais. Dependendo do local onde irá ocorrer o pro cesso, poderá haver certa urgência na ‐
avaliação. Por exemplo, em um ambiente de internação, geralmente sua realização ocorre de forma mais ‐
breve, pois, muitas vezes, a conclu são e a emissão do laudo serão determinantes para a adequação de
alguma medicação ou mesmo para a alta e futuro tratamento ambulatorial. Já em uma avaliação em uma
clínica, cujo fun cionamento costuma ser ambulatorial, há mais tempo para a realização do processo; no
entanto, o mesmo tende a durar, em média, dois meses, podendo ter uma frequência semanal maior ou
menor, dependendo do caso, totalizan do, aproximadamente, 6 a 12 encontros, no máximo.
Seja qual for o local, em um primeiro mo mento devese realizar a primeira entrevista (en trevista
inicial) para que se esclareça o encami nhamento. Ocampo, Arzeno e Piccolo (2009, p. 29) referem que, “. . .
No motivo de consulta devese discriminar entre o motivo manifesto e motivo latente”. O motivo manifesto
diz respeito ao que levou à solicitação do psicodiagnóstico, e é o que, de fato, preocupa, a ponto de tornarse
um sinal de alerta; já o motivo latente diz respeito ao que não é tão óbvio, às hipóteses subjacentes
elaboradas pelo psicólogo en quanto escuta e reflete sobre o que é manifes to. Ainda nesse primeiro encontro,
é preciso que fiquem bem definidos os papéis do psicólo go, dos familiares e do avaliando. O primeiro deve
coletar o máximo de informações possível para que se possa conhecer exaustivamente a pessoa a ser
avaliada e extrair da entrevista da dos para a formulação de hipóteses, viabilizan do, assim, o planejamento da
avaliação; aos demais cabe não sonegar in formações ao profissional. Se não tivermos os objetivos bem
claros e acordados entre o avaliador e a pessoa que solicitou o psicodiagnósti co, o processo dificilmente será
satisfatório (Urbina, 2007). Também nesse primeiro contato, após se esclarecer como o processo ocorrerá,
sugerimos que se proceda à assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, em que a pessoa a
ser avaliada ou o seu responsável legal autorizará a realização da avaliação. É importante salientar que, no
caso de crianças, a primeira entrevista precisa ser feita com os pais ou responsáveis; já no caso de adultos,
nem sempre é necessário entrevistar algum familiar. Em alguns casos, tornase relevante a inclusão de en ‐
trevistas com membros da família que possam estar implicados na demanda do avaliando (AnconaLopez,
2002).
No que diz respeito ao psicodiagnóstico de adolescentes, a primeira entrevista poderá ser realizada com
os pais/responsáveis ou com o próprio adolescente, dependendo de seu caso e/ou idade. Ainda assim,
salientamos que o contato com os pais/responsáveis é imprescindível, uma vez que eles precisam autorizar o
processo de avaliação, já que se trata de um menor de idade.
Muitas vezes, em caso de avaliandos crianças e adolescentes, embora seja solicitado que em um
primeiro momento compareçam somente os pais ou responsáveis, os avaliandos acabam por vir junto.
Nesses casos, é de suma importância que o psicólogo tenha muito cuidado com o que será abordado na
primeira entrevista, procurando preservar o avaliando, evitando expor questões mais delicadas. É
fundamental que, ao final desse primeiro encontro, fique agendado um próximo momento somente com os
pais ou responsáveis, devendose explicar para o avaliando que isso ocorrerá uma vez que não é necessária
sua presença, pois serão coletadas informações que ele não teria condições de fornecer. Com o intuito de
manter um vínculo com o avaliando, agendase um horário somente com ele, dando início à escuta
privativa, procurando valorizar esse espaço ao demonstrar a importância de escutálo.
Para que o psicólogo tenha clareza do que deverá ser investigado, bem como para que tenha dados
suficientes para construir a história de vida do avaliando, podem ser realizadas quantas entrevistas forem
necessárias. Ainda assim, o profissional dispõe de um tempo limitado, pois tanto a duração excessiva do ‐
processo como o seu abreviamento podem ser prejudiciais. Ao longo dessas entrevistas, o psicólogo
naturalmente elenca algumas hipóteses, e, dessa forma, define que tipo de instrumentos preci sará utilizar e
em que ordem deverá aplicálos.
A partir do que foi coletado nas primeiras entrevistas, o psicólogo terá condições de ela borar o plano
de ação. O plano inicia com as pri meiras entrevistas, e, ao longo delas, se constrói o contrato de trabalho,
em que são previstos os papéis de cada parte; a questão de sigilo e privacidade; o número aproximado de
encontros, incluindose as primeiras entrevistas; a bateria de testes que será utilizada, se necessário; as
entrevistas de devolução; e a forma como serão pagos os honorários (caso se trate de consultas particulares
ou em uma instituição paga). Esse plano é construído nos primeiros encontros, podendo sofrer variações ao
longo do processo. Por exemplo, ao ser feita uma hipótese inicial, decidese, então, pela aplicação de alguns
testes, mas pode ocorrer que, em um segundo teste, se obtenha uma resposta para a demanda. Assim, deve
se abrir mão da aplicação de outros instrumentos planejados a priori, pois ela não será mais necessária, e,
com isso, o número de en contros diminui. O inverso também pode ocorrer, uma vez que se pode acrescentar
outros métodos, testes ou técnicas, o que acarretaria um número maior de entrevistas para que se tenha uma
compreensão mais exata do caso. Por meio do instrumental utilizado no psicodiagnóstico, é possível
alcançar uma compreensão da demanda, incluindo os problemas, os sintomas e as queixas apresentados pelo
avaliando, com mais brevidade do que o necessário com outros métodos (González, 1999).
Um exemplo: em uma avaliação psicológica em que o avaliando veio encaminhado por seu psiquiatra
com suspeita de déficit intelectual, ve rificamos, durante a testagem, que seus resultados no WAISIII foram
todos superiores à média estimada para sua faixa etária, mudando, assim, o rumo da investigação. Em ‐
decorrência disso, tornouse necessária a utilização de ou tros testes que focassem no funcionamento da
personalidade e não no intelecto. Logo, o plano de avaliação deveria contemplar todo o processo e servir de
orientação ao profissional; ou seja, é o passo a passo do que será realizado.
Quanto à duração do processo, cabe ressaltar que, quando o profissional abrevia o tempo, corre o risco
de deixar hipóteses em aberto, o que acaba resultando na precariedade dos resultados por um déficit de
informação, independentemente dos recursos utilizados (Ocampo et al., 2009), e, com isso, compromete o
encaminhamento. Já o oposto, isto é, o prolongamento do processo, pode ocasionar um vínculo inade quado
para o psicodiagnóstico, fazendo o ava liando confundir o processo com uma psicoterapia, o que dificulta o
fechamento e também compromete o encaminhamento. Um bom exemplo disso seria quando o avaliando
não busca o tratamento indicado, argumentando desejar um seguimento com o profissional que o avaliou.
No entanto, muitas vezes o profissional trabalha exclusivamente com avaliação psicológica, e, nesses casos,
ao final do processo, realizamse os devidos encaminhamentos; outros psicólogos preferem iniciar seus ‐
atendimentos com um psicodiagnóstico e, a partir disso, iniciar ou não um processo psicoterapêutico,
dependendo dos achados ao longo do processo.
Ainda sobre os passos do psicodiagnóstico, podese incluir a aplicação de testes e/ou técnicas
psicológicas, que constituem ferramentas auxiliares no trabalho do psicólogo. Tais ferra mentas podem ser
um meio para se alcançar um fim, porém nunca um fim em si (Urbina, 2007). Dessa maneira, “. . . como
outras ferramen tas, os testes psicológicos podem ser extremamente úteis – e até mesmo insubstituíveis –
quando usados de forma apropriada e hábil” (Urbina, 2007, p. 14). Então, em um segundo momento, define
se a bateria a ser utilizada. O planejamento deve levar em consideração as características do caso (idade,
sexo, escolaridade, ocupação/pro fissão, condições físicas, etc.), a sequência (ordem de aplicação) e o ritmo
(número de en trevistas previstas para a aplicação dos testes se lecionados).
Os testes psicológicos (psicométricos ou projetivos) refinam a capacidade do profissional de captar e
compreender indivíduos, grupos e fenômenos psicológicos (Urbina, 2007; Werlang, VillemorAmaral, &
Nascimento, 2010). Contudo, para que os resultados alcançados sejam válidos, além de seguir à risca as
instruções e o sistema de levantamento e interpretação do instrumento, é fundamental também garantir
condições básicas no ambiente físico, certifi carse dos estados físico e psicológico do exami nado, bem como
gerenciar o contexto clínico em que será desenvolvida a avaliação (Werlang & Argimon, 2003). As
condições físicas e psicológicas do examinado devem estar preservadas pa ra que a tarefa a ser desenvolvida
seja compreen dida de forma correta, sendo essenciais a motivação, o interesse e o desejo de se submeter ao
processo de avaliação. Em situações especiais, como em casos de internação psiquiátrica, é fundamental
considerar o estado mental e até mesmo a possibilidade de impregnação por medicamentos que possam
diminuir a motivação para o trabalho e alterar os resultados da testagem. No caso de avaliação forense, em
que o periciado não se submete por livre vontade ao processo psicodiagnóstico, mas por imposição judicial,
a resistência a responder aos testes, a não cooperação e a distorção consciente e intencional das respostas
certamente irão repercutir na validade dos achados. Em situações especiais, o psicólogo deve contar com
sua sensibilidade clínica para manejar a situação com propriedade, atenuando os obstáculos, observando e
analisando todos os indícios comportamentais de modo a isentar as variáveis que possam prejudicar o
processo de avaliação.
Quando pensamos na ordem de aplicação da bateria de testes selecionada, é recomendável que os
primeiros testes sejam os menos ansiogê nicos para a pessoa a ser avaliada, justamente para que não se
desenvolva alguma resistência an te o processo. Dito de outra forma, o teste que mo biliza o motivo
manifesto para a realização do psicodiagnóstico nunca deve ser o primeiro a ser administrado. Assim, por
exemplo, em uma criança encaminhada para avaliação cognitiva, jamais se deve iniciar a bateria de testes
pelo WISCIV.
Fica evidente, então, que o primeiro objeti vo diz respeito à formação do vínculo entre o profissional e
seu avaliando, a fim de garantir o bom andamento do processo, o que justifica a não utilização, em um
primeiro momento, de testes que mobilizem uma conduta que corresponda ao sintoma. Tais testes devem ser
deixados para um segundo momento.
Habitualmente, os testes gráficos tendem a ser os mais apropriados, uma vez que abarcam aspectos
mais dissociados, são mais econômicos quanto ao tempo e envolvem materiais mais simples e familiares ao
avaliando, propiciando, dessa forma, o estabelecimento de um vínculo favorável para a continuidade do
processo. Em grande parte dos casos, desenhar é uma tarefa conhecida e que o avaliando já realizou em
algum outro momento da vida, utilizando lápis e papel. Obviamente, essas tarefas não são recomendáveis
para avaliandos que tenham, por exemplo, alguma dificuldade de motricidade fina, devendose optar, então,
por algum teste psicométrico que não provoque ansiedade.
Em seguida, podese usar os testes que abor dam, de certa forma, o conflito ou a pro blemática que
originou o processo. No caso da necessidade de se verificar as características da personalidade, é
interessante que seja acrescentado um teste projetivo e outro psicométri co, que devem chegar a conclusões
aproximadas, objetivando uma intervalidação de resultados. Na sequência, podese dar continuidade com a
utilização de testes que avaliam as questões cognitivas, tendo sempre o cuidado de fechar a bateria com um
teste que não eleve a ansiedade, pois isso pode prejudicar o momento da devolução, com a recusa do
avaliando a comparecer à entrevista de devolução.
A questão dos testes já foi bastante discutida ao longo da profissão de psicólogo, mas acreditamos que
seu uso é extremamente útil para que se tenha mais objetividade e para que não se tenha um olhar subjetivo
em relação à história e às reações do avaliando. Urbina (2007) refere dois motivos para a utilização de testes
psicológicos. O primeiro seria a eficiência, já que contemplam tempo e custo reduzidos, uma vez que, em
certas situações, como, por exemplo, para a determinação de um diagnóstico diferencial visando a definição
do uso de medicação, não é oportuna a realização de observações e intera ções prolongadas com quem está
sendo avaliado. O segundo motivo seria a objetividade, pois os testes seguem padrões de fidedignidade e
validade que asseguram quem está aplicando; porém, os dados observados são organizados de modo não
sistemático, o que pode levar a julgamentos pouco precisos. Ainda assim, nenhum teste isolado substitui o
olhar clínico acurado do profissional durante as entrevistas e a condução do psicodiagnóstico, ou seja, o
psicólogo não é meramente um “testólogo”, mas um profissional habilitado e capaz de integrar os achados
da testagem e das entrevistas, denotando um olhar mais amplo e compreensivo em relação ao avaliando.
Contudo, antes de aplicar qualquer teste, cabe ao profissional estar habilitado para usálo, isto é, o
psicólogo deve ter domínio quanto à aplicação, ao levantamento e à interpretação dos testes por ele
escolhidos. Deve também consultar o Sistema de Avaliação de Testes Psicológi cos (Satepsi) – disponível no
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site do Conselho Federal de Psicologia (CFP) –, a fim de certificarse que o teste escolhido apresenta
parecer favorável para o uso profissional, contendo estudos de validade, fidedignidade, normatização e
padronização para a população brasileira (CFP, 2003a).
É dever do psicólogo manterse atualizado quanto à literatura da sua área de atuação, e, no que tange à
avaliação psicológica, é imprescindível que esteja atualizado quanto às pesquisas mais recentes realizadas
com os instrumentos que utiliza. Recomendamos que o profissional busque informações além daquelas ‐
fornecidas nos manuais, lembrando que esses fornecem informações básicas, não tendo como abarcar todos
os dados da literatura já publicados (Alves, 2004).
Cabe relembrar a importância da Resolução 002/2003 (CFP, 2003a), um marco fundamental na
profissão do psicólogo no Brasil, que determinou os requisitos mínimos e obrigatórios que os instrumentos
psicológicos devem atender para o seu uso adequado (Noronha, Primi, & Alchieri, 2004). A partir dela, o
CFP passou a recomendar somente o uso dos testes avaliados com parecer favorável da Comissão
Consultiva; os demais, com parecer desfavorável ou ainda não avaliados, continuam tendo seu uso
permitido apenas em pesquisa.
Dando continuidade ao processo de psicodiagnóstico, após a aplicação, o levantamento e a
interpretação dos resultados obtidos, esperase que o profissional chegue a uma conclusão que responda à
demanda que o originou. Diante disso, deve comunicar os resultados encontrados, visando um
encaminhamento adequado para o avaliando. A transmissão dessa informação é, sem dúvida, o objetivo
primordial dessa avaliação, que culmina em uma entrevista final, posterior à aplicação do último teste
(Ocampo et al., 2009).
Essa comunicação ocorre em duas vias: escrita e oral. A primeira é realizada por meio de um
laudo/relatório, devendo conter uma linguagem clara, concisa, inteligível e precisa, adequada ao requerente,
conforme orientação do CFP (2003b) por meio da Resolução 007/2003, restringindose às informações que
se fizerem necessárias. A segunda trata da comunicação verbal, que pode ser realizada na forma de uma ou
mais entrevistas de devolução. Uma boa devolução inicia com um aprofundado conhecimento do caso, que
proporcionará uma base sólida para que se proceda com eficácia (Ocampo et al., 2009).
Mais uma vez, é fundamental que o psicólogo conheça e siga as recomendações contidas na Resolução
007/2003 (CFP, 2003b), que insti tui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo
psicólogo, decorrentes da avaliação psicológica. Essa resolução serve de orientação ao profissional no
momento de redigir qualquer documento que se torne necessário durante e/ou ao final do psicodiagnóstico.
Deve ser evita da a elaboração de laudos/relatórios de pouca qualidade técnicocientífica, que contenham
universalidades e ambiguidades, assim co mo a elaboração de laudos/relatórios sofisti cados (excessivamente
técnicos), sendo mais adequado um estilo que ressalte a individualidade e a objetividade, usando uma
linguagem correta, simples, clara e consistente, que facilite a comunicação clínica.
Objetivando o término do processo, as en tre vistas de devolução podem ocorrer de forma sistemática ou
assistemática. A forma sistemáti ca é a entrevista mais habitual, que tem como objetivo a devolução dos
resultados e a en trega do laudo. Já a forma assistemática é co mumente utili zada nos casos em que há o pre ‐
domínio de uma ansiedade mais elevada por parte do avaliando e/ou do seu responsável, em que se
considera pertinente o fornecimento de pequenos feedbacks ao longo do andamento do processo, visando a
dirimir essa ansiedade. Outra situação em que se faz necessária a devolução assistemática é em casos graves
ou de risco de suicídio.
Ainda no que tange à entrevista de devolu ção, recomendase que se inicie abordando os aspectos mais
sadios, adaptativos e/ou preservados da dinâmica de funcionamento do avaliando, para, em seguida,
comunicar aqueles que requerem maior cuidado, na medida e no ritmo em que possam ser compreendidos e
tolerados pelo avaliando e/ou seus responsáveis, já sugerindo os encaminhamentos apropriados. Se
realizado dessa forma, acreditamos que o processo favorecerá a compreensão e a aceitação das indicações
terapêuticas sugeridas pelo profissional.
Essas entrevistas devem ser realizadas dentro do contexto global do processo e serão de res ‐
ponsabilidade única e exclusiva de quem rea lizou o psicodiagnóstico. Mas, uma vez que não há um jeito de
saber como será acolhido ou não o encaminhamento recomendado, tornase arriscado mobilizar, no
avaliando e/ou em seus responsáveis, mais do que suas possibilidades egoicas lhes permitem entender ou
suportar. Outra questão diz respeito à escolha da linguagem mais apropriada para o momento. É
fundamental que o profissional seja claro, não utilize uma terminologia técnica, evite termos ambíguos e
utilize, na medida do possível, a mesma linguagem do avaliando e/ou de seus responsáveis, como bem
salientam Ocampo e colaboradores (2009).
Na devolutiva, é importante salientar a linguagem a ser empregada. No caso de devolução para colegas
psicólogos, podese usar termos técnicos, inclusive fazendo referência aos recursos utilizados e discutindo
de forma aprofunda da os achados mais primitivos, regressivos e ma duros do avaliando. Porém, quando a
devolutiva for dirigida a outros profissionais, é im prescindível aterse apenas às informações re levantes,
respondendo à demanda e preservando o sigilo e a confidencialidade (Pellini & Leme, 2011).
No decorrer deste capítulo, não nos aprofundamos na questão dos honorário, mas este é um aspecto
essencial. O profissional deverá levar em consideração que, no psicodiagnóstico, seu trabalho vai muito
além das sessões com o avaliando. Além de todo o planejamento do processo, o avaliador precisa integrar os
dados obtidos, estudar o caso em questão e refletir sobre os encaminhamentos mais adequados. Nessa linha
de raciocínio, pensamos que cada profissional precisa definir seu valor, isto é, os honorários que fazem jus a
seu trabalho. Cada profissional é livre para dispor sobre seus honorários, mas sugerimos que, no contrato
inicial, verbal ou escrito, fique claro ao avaliando e/ou aos seus responsáveis de que valor se trata. Mediante
essa comunicação e aceitação por ambas as partes, o profissional poderá definir a forma de pagamento, se
integral ou parcelada.
O objetivo deste capítulo foi abordar de forma sintética o processo de psicodiagnóstico, seus passos e
sua conclusão. Esses aspectos serão retomados de forma detalhada nos próxi mos capítulos. Aproveitamos
para destacar a importância do processo de psicodiagnóstico, uma vez que esse tipo de avaliação é exclusivo
e privativo da profissão de psicólogo, como assinala Patto (2000, p. 68) ao referir que a avaliação
psicológica com “. . . fins psicodiagnósticos é, por lei, privativa destes profissionais (os psicólogos)”. Cabe
reiterar que o psicólogo usa testes psicológicos e outras técnicas por meio de uma abordagem mais
sistemática dos dados psicológicos, com objetivos bem definidos e orienta dos para a resolução de
problemas, permitindo dar atenção não só às inadequações, mas, também, às potencialidades, visando,
assim, o melhor encaminhamento e a realização de avaliações mais completas. Não só o instrumento ou a
técnica utilizada são cruciais, mas também a formação, a sensibilidade clínica e a postura ética do
profissional da psicologia.
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