Você está na página 1de 81

„E OUVIRAM-SE AS VOZES DE MULHERES AFRICANAS...


O FEMINISMO AFRICANO E A ESCRITA DE CHIMAMANDA
NGOZI ADICHIE”

Natalia Telega-Soares

Dissertação
de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres.
As Mulheres na Sociedade e na Cultura.

Março, 2014
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em Mestrado em Estudos sobre as Mulheres.
Mulheres na Sociedade e na Cultura, realizada sob a orientação científica de
Professora Doutora Ana Paiva Morais e Professora Doutora Ana Maria
Mão de Ferro Martinho Carver Gale.
“I am not free while any woman
is unfree, even when her shackles
are very different from my own.
And I am not free as long as
one person of color remains chained.
Nor is any one of you.”

(Audre Lorde)
AGRADECIMENTOS

Esta dissertação representa um caminho – uma viagem ao meu interior – no sentido


de aquisição de conhecimentos, que considero preciosos e do despertar da consciência
sobre matérias que acredito me alargaram os horizontes e me enriqueceram pessoalmente.
Um percurso pautado, por vezes, por incertezas, questionamentos e pontual desalento mas
que, acima de tudo, se revelou num trilho cheio de luz, cores e fragrâncias – com novas
vozes que passaram a ecoar na minha vida – quando a minha imaginação e reflexões se
familiarizaram com a temática, na senda de respostas a perguntas que me colocara no
início da pesquisa.
Não existem palavras que possam exprimir a minha gratidão a quem comigo
embarcou nesta aventura e me fortaleceu, nomeadamente em momentos menos fáceis.
Os primeiros agradecimentos são endereçados à minha Orientadora, a Professora
Doutora Ana Paiva. Não será exagero se admitir que a Professora se revelou a orientadora
de sonho. Registo, com grande apreço, o entusiasmo com que me aceitou como orientanda
e como isso representou, para mim, um enorme privilégio. Pelo apoio técnico, referências,
sugestões, palavras reconfortantes, encorajamento e atenção que me dispensou – a minha
profunda gratidão.
Expresso palavras de agradecimento também à Professora Doutora Ana Mão de
Ferro Martinho Gale – pela gentileza ao aceitar a tarefa de coorientação desta dissertação,
pelo apoio no que se reporta a indicações bibliográficas e pela estimulante troca de ideias
que me proporcionou.
À São, minha querida cunhada e amiga, uma grande mulher que admiro e sempre
vou admirar, por todo o apoio ao longo dos últimos meses e pela leitura crítica do meu
trabalho. As suas palavras cheias de força animaram-me quando foi preciso.
Ao José, meu marido e grande amigo, minha alma gémea, pelo apoio constante em
cada fase de realização deste estudo, desde a conceção à paginação, acompanhando sempre
com afeto e entusiasmo as minhas inquietações e descobertas. Obrigada por teres
caminhado comigo!
Todos os meus pensamentos vão para os meus queridos Pais que, embora vivam
quase a 4.000 quilómetros de Portugal, estão presentes no meu coração. Estou grata por
terem sempre acreditado em mim e, com isso, me terem feito acreditar que com ética,
trabalho, esforço e determinação tornamo-nos naquilo que queremos ser.
Por fim, não posso deixar de mencionar as minhas amigas e amigos que estiveram
também ao meu lado e me prestaram atenção, auxílio, colocando questões que me
ajudaram a refletir e a prosseguir: Ewa K., Ewa S., Gabriela M., Juliana S., Joana C. e
Przemek Z. Obrigada por fazerem parte da minha vida!
RESUMO

„E OUVIRAM-SE AS VOZES DE MULHERES AFRICANAS...”


O FEMINISMO AFRICANO E A ESCRITA DE CHIMAMANDA NGOZI
ADICHIE”
NATALIA TELEGA-SOARES

Esta dissertação tem como objetivo analisar a problemática do pensamento de mulheres


negras, afro-americanas e africanas, expressamente nas suas obras selecionadas para o
efeito. Pretende-se aprofundar as questões relacionadas com a problemática do racismo e
das práticas de exclusão levadas a cabo por feministas brancas ocidentais perante mulheres
negras e denunciadas por intelectuais negras como bell hooks, Patricia Hill Collins, Audre
Lorde, feministas pós-coloniais como Uma Narayan, Chandra Talpade Mohanty e Gayatri
Chakravorty Spivak e africanas, nomeadamente Molara Ogundipe-Leslie, Oyeronke
Oyewumi, Chikwenye Ogunyemi, etc.
No âmbito deste trabalho, dar-se-á particular relevo à questão da voz de mulheres negras,
no sentido da sua capacidade de denunciar as práticas discriminatórias por parte dos
feminismos ocidentais que relegaram as mulheres negras à margem da vida cultural e
histórica. Analisar-se-á a razão por detrás de distanciamento de feministas negras de alguns
conceitos promovidos por feminismos ocidentais e explicar-se-á a importância da
insistência de mulheres negras no seu direito à auto-nomeação enquanto ato político e
simbólico. O ato que leva as mulheres negras a elaborar respostas mais adequadas à
realidade e às necessidades das suas conterrâneas que não são, de maneira nenhuma,
idênticas às verbalizadas pelas feministas no Ocidente.
Nesta dissertação de mestrado, optou-se, principalmente, por uma perspetiva cultural (na
sua parte dedicada à teoria feminista, por exemplo) de forma a enquadrar a problemática da
mulher africana enquanto sujeito com voz. A parte baseada em obras literárias incluída na
dissertação, que apresenta dois romances de autora nigeriana da nova geração,
Chimamanda Ngozi Adichie, terá como objetivo fornecer um instrumento de análise mais
prático dos problemas abordados na parte inicial.

PALAVRAS-CHAVE: feminismo, mulheres, África, voz, escrita


ABSTRACT

“AND THERE WERE HEARD AFRICAN WOMEN´S VOICES ...”


THE AFRICAN FEMINISM AND CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE´S
WRITING”

The aim of this thesis is to examine problematics of thought expressed in selected writings
by Black, Afro-American and African women. We sought to fathom questions related to
the problem of racism and exclusionary practices implemented by White Western feminists
toward Black women and denunciated by Black female intellectuals, such as bell hooks,
Patricia Hill Collins, and Audre Lorde; by post-colonial feminists, such as Uma Narayan,
Chandra Talpade Mohanty, and Gayatri Chakravorty Spivak; and, finally, by African
women, namely, Molara Ogundipe-Leslie, Oyeronke Oyewumi, and Chikwenye
Ogunyemi, among others.
Within the scope of this work, particular focus shall be placed on the question of Black
women´s voice, specifically its ability to denounce discriminatory practices implemented
by Western feminisms that relegate Black women to the margin of cultural and historical
life. We will examine the reasons behind detachment of Black feminists from some of the
concepts disseminated by Western feminisms, and we will expound significance of Black
women´s insistence upon their right to self-naming as a political and symbolic act - the act
which prompts Black women to elaborate more adequate answers to their own reality and
necessities which are not, by any way, synonymous to those expressed by the feminists in
the West.
In this Master Thesis, we have opted for a cultural perspective (in the Thesis´s part
dedicated to the feminist theory, for instance) to contextualise the problematics of the
African woman as an individual possessing her own voice. The part based on literary
works included in this study presenting two novels by a Nigerian female writer of the new
generation, Chimamanda Ngozi Adichie, has as its aim to provide a tool for a more
practical analysis of the questions touched upon in the initial part.

KEY WORDS: feminism, women, Africa, voice, writing


ÍNDICE

Introdução …………………………………………………………………..... 1

1. Mulheres Afroamericanas e a crítica do feminismo anglo-americano …... 5

1.1. O conceito de irmandade enquanto fundamento do feminismo branco ……… 5


1.2. Críticas do feminismo hegemónico e do conceito de irmandade
por mulheres negras …………………………………………………………… 7
1.3. Imagens estereotípicas das mulheres negras …………………………………... 8
1.4. As práticas de racismo e da exclusão no passado histórico ……………............ 11
1.5. As experiências das mulheres negras enquanto conhecimento subjugado ……. 12
1.6. As vozes emergentes de mulheres negras na contemporaneidade e na História
passada...…………………………………………………………………........... 14
1.7. Os pontos de rutura entre feministas brancas e negras…………………………. 17

2. Construção da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra” …………… 20


2.1. O que significa “Terceiro Mundo”? …………………………………………… 21
2.2. Mulher colonizada entre duas culturas em guerra ……………………………… 22
2.3. Imagens da “Outra” na epistemologia feminista ocidental …………………….. 25
2.4. Pode a “Outra” falar? ………………………………………………………….. 30

3. O Feminismo africano e o pensamento centrado nas mulheres ……………. 32


3.1. As linhas de demarcação entre o feminismo ocidental e africano ……………… 33
3.1.1. Género enquanto uma categoria da análise …………………………….. 33
3.1.2. Posicionamento perante homens e maternidade ………………………… 34
3.2. O ato libertador de auto-nomeação ……………………………………………. 36
3.3. Conceitos e alternativas oferecidos por mulheres africanas …………………….. 37
3.3.1. Womanism de Chikwenye Ogunyemi …………………………………… 38
3.3.2. Africana womanism de Cleonora Hudson-Weems ……………………… 40
3.3.3. Stiwanism de Molara Ogundipe-Leslie ………………………………….. 41
3.3.4. Motherism de Catherine Acholonu ……………………………………… 43
3.3.5. Negofeminismo de Obioma Nnaemeka …………………………………. 44
4. A escrita literária como voz de insurgência …………………………….... 47
4.1. Na margem do cânone – exclusão de escritoras africanas …………………. 48
4.2. Romper com os estereótipos à volta de mulheres africanas: a narrativa de
Chimamanda Ngozi Adichie ………………………………………………… 51
4.2.1. A Cor de Hibisco ……………………………………………………. 52
4.2.2. Meio Sol Amarelo …………………………………………………… 56
Conclusões ………………………………………………………………….. 62
Referências bibliográficas …………………………………………………. 65
Índice onomático …………………………………………………………… 70
Introdução

Esta dissertação intitulada “E ouviram-se as vozes de mulheres africanas…”


Feminismo africano e a escrita de Chimamanda Ngozi Adichie” nasceu da vontade de
contribuir para o campo dos Estudos sobre as Mulheres através da análise da temática da
voz da mulher negra, da invisibilidade desta e das múltiplas opressões que a relegam para a
margem da cultura. Ao longo dos últimos anos, através do processo de leitura e reflexão,
temo-nos apercebido da necessidade de estudar e analisar a problemática do pensamento da
mulher negra e da sua forma de abordar a sua condição e posição perante o mundo, para
que o seu pensamento e a escrita sejam mais conhecidos e apreciados. Acreditamos que a
análise da problemática das questões relacionadas com os feminismos negros e africanos, a
reflexão sobre a reação das mulheres negras no que diz respeito à construção da mulher do
Terceiro Mundo enquanto Outra e sobre a insistência das mulheres africanas no direito à
auto-nomeação, enriquecem o conhecimento académico, abrindo espaço para discussão e
reflexão acerca de questões levantadas neste estudo.
O presente trabalho pretende trazer respostas às questões que nos inquietaram
profundamente: porque é que as mulheres negras se separaram do movimento feminista
ocidental e não se identificaram com muitos aspetos que motivaram as feministas brancas,
porque é que as feministas ocidentais excluíram as mulheres negras do seu conceito de
“irmandade”, como é que as intelectuais negras, afro-americanas e da diáspora africana
reagiram ao conceito de “irmandade”, quais foram os pontos de rutura entre as feministas
brancas e negras, e, por fim, como as intelectuais negras usaram a sua voz, que lhes foi,
outrora, negada, para denunciarem as práticas racistas e discriminatórias dos feminismos
brancos. A insistência das feministas africanas em se autonomearem, em criarem a sua
própria terminologia que se adequasse melhor às suas vidas e realidades, constituiu um
ponto muito importante para este trabalho, pois permitiu demonstrar que as mulheres
africanas não são vítimas mudas sem a sua própria voz expressa através da palavra escrita.
Aliás, o termo “voz” é o fio condutor de todo o trabalho, ligando os seus capítulos com o
objetivo de desenhar uma imagem da mulher africana enquanto ser poderoso, ciente de si e
capaz de desafiar não só os estereótipos provenientes do ocidente mas também as normas
culturais africanas.

1
É de extrema importância aqui sublinhar que não se trata, e não se pode tratar, de
todas as mulheres africanas de forma equivalente, tal como todo o continente africano não
pode ser visto e “lido” segundo os mesmos critérios, pois a sua riqueza histórica e cultural
não o permite. Tratar as mulheres africanas como indivíduos homogéneos seria uma forma
de lhes recusar a sua singularidade e heterogeneidade.
Em termos de orientações teóricas, pretende-se apresentar algumas correntes da
teoria feminista, analisar o conceito de “irmandade” como um dos principais motivos de
atuação das feministas ocidentais da segunda vaga, para compreendermos melhor a
separação dos feminismos brancos por parte das algumas feministas pós-coloniais. Serão
ainda apresentados alguns dos conceitos fundamentais dos “feminismos” africanos para
compreender o caminho que as mulheres africanas percorreram e com que dificuldades se
depararam na sua busca de autodefinição, e de apresentação de soluções teóricas para a
problemática das mulheres que são provenientes delas próprias - do seu percurso
intelectual e da sua escrita - e não do mundo exterior, ocidental.
A bibliografia utilizada para o efeito foi escolhida cuidadosamente para que
pudesse ilustrar as problemáticas referidas. Revelou-se muito estimulante e importante
para nos apresentar algumas intelectuais negras que se tornaram ícones do pensamento
feminista negro e analisar alguns dos seus trabalhos. Desta forma, optou-se por livros e
ensaios escritos ainda nos anos 70, 80 e 90 do século XX por académicas negras como, por
exemplo, bell hooks, Patricia Hill Collins, Angela Davis, Audre Lorde, Mary Kolawole,
Oyeronke Oyewumi, Molara Ogundipe-Leslie, as feministas do Terceiro Mundo (o uso do
termo será apresentado no Capítulo 2) como Gloria Anzaldúa, Uma Narayan ou Chandra
Talpade Mohanty, visto que o que interessava era identificar o pensamento das mulheres
negras analisando a sua escrita e, desta forma, dar-lhes voz, em vez de analisar as obras das
feministas ocidentais sobre as mulheres negras.

O objetivo principal desta dissertação de mestrado será argumentar e provar que as


mulheres africanas lutam, com sucesso, contra a imagem que lhes é imposta de serem
mudas, de não terem a voz com que se possam autodefinir, de dar o nome à sua luta e ao
seu quotidiano. É importante realçar que se abordará, principalmente, a perspetiva cultural
(na sua parte dedicada à teoria feminista, por exemplo) de forma a enquadrar a
problemática das mulheres africanas enquanto detentoras de voz no sentido de elas serem
capazes de se pronunciar sobre a sua condição e vida. A parte desta dissertação que
incidirá sobre obras literárias terá como objetivo fornecer um instrumento mais prático de

2
análise dos problemas abordados na sua parte inicial. A escolha de uma escritora africana
que pudesse ilustrar a tese desta dissertação, de que as mulheres são detentoras de uma voz
própria, lutadoras e raramente se assumem como vítimas, foi ditada por várias razões. É
verdade que Chimamanda Ngozi Adichie é, atualmente, uma das mais conhecidas e lidas
autoras africanas e uma escritora cujas obras se encontram traduzidas para várias línguas.
Além disso, ela é considerada uma escritora talentosa, premiada por cada um dos seus
romances, e que, nas suas obras, se debruça sobre temáticas importantes para o povo
nigeriano. No entanto, a sua escrita toca nas problemáticas que são cruciais para este
trabalho – a situação das mulheres africanas nas suas sociedades e as estratégias de
sobrevivência que adotam face às dificuldades. Por escrever com mestria sobre mulheres,
celebrando as suas forças e capacidades, como recomendou às escritoras africanas a
académica e feminista nigeriana Chikwenye Ogunyemi (1985), Chimamanda Ngozi
Adichie revelou-se o exemplo perfeito da voz da escritora africana contemporânea.
O presente trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos, sendo os três
primeiros de cariz mais teórico. O capítulo 1 debruça-se sobre o conceito de “irmandade”
desenvolvido por feministas brancas ocidentais, o problema do racismo no movimento e
pensamento feminista na história passada e no presente, analisando a escrita das mulheres
afro-americanas e a sua insistência na necessidade de desconstruir a imagem negativa da
mulher negra e da sua sexualidade. Serão ainda apresentados exemplos das práticas de
exclusão por parte das feministas brancas ocidentais no mundo académico e literário. O
capítulo 2 centrar-se-á na denúncia do silenciamento das mulheres do Terceiro Mundo por
parte das feministas ocidentais. A partir dos textos de Uma Narayan e Chandra Talpade
Mohanty analisar-se-á como as obras sociológicas e literárias produzidas no Ocidente
contribuíram para a construção da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra”, vítima
sem voz. Da mesma forma, a mulher africana foi construída enquanto vítima pobre,
ignorante e inconsciente da sua situação. No capítulo 3 serão analisados os conceitos
ligados às várias versões do “feminismo” africano, questão muito importante para as
intelectuais africanas se autonomearem e autodefinirem, sendo que o poder de darem o
nome à sua luta constitui um ato político. Nesta parte do trabalho tentaremos compreender
quais são as vertentes e as leituras do feminismo africano e o motivo pelo qual as
intelectuais africanas fizeram o esforço de se separar do feminismo ocidental. O último
capítulo debruçar-se-á sobre dois romances de Chimamanda Ngozi Adichie – “A Cor do
Hibisco” (2003) e “Meio Sol Amarelo” (2006) de forma a compreender se, e em que

3
medida, a ficção duma das escritoras africanas da nova geração contribuiu para devolver a
voz perdida das mulheres africanas.
É verdade que Adichie publicou três romances (sendo “Americanah” publicado em
2013 o terceiro romance), um volume de contos (The Thing around Your Neck, 2009) e
uma peça de teatro (For Love of Biafra, 1998), no entanto, para objeto desta dissertação
centrar-nos-emos nos dois primeiros romances. Esta opção justifica-se porque o âmbito
desta dissertação não engloba toda a obra da autora e não pretende analisar de forma
exaustiva todas as dimensões da sua escrita. O romance “Americanah” merece, sem
dúvida, um estudo separado, visto que as questões de identidade racial, de pertença étnica e
da identidade construída à volta da raça e das relações inter-raciais nos Estados Unidos
transcendem o objetivo deste trabalho. A personagem principal de “Americanah” – Ifeoma
- é extremamente complexa e construída, também, em grande parte, em torno destas
questões raciais as quais merecem um tratamento específico e mais desenvolvido do que
seria possível realizar neste estudo, sob pena de resultar numa análise incompleta. Feita
essa escolha, procederemos à análise crítica de todas as questões enunciadas nesta
Introdução, na esperança de encontrar respostas para as perguntas e tentar contribuir, de
alguma forma, para imprimir visibilidade ao pensamento e à figura da mulher africana,
enquanto entidade dotada de voz própria.

4
1. Mulheres Afroamericanas e a crítica do feminismo anglo-americano
O objetivo deste capítulo será compreender, através de literatura selecionada para o
efeito, e criada, principalmente nos anos 80 e 90 do século XX, porque é que um dos
grandes conceitos dos feminismos brancos ocidentais – o da irmandade (sisterhood) –
nunca foi abraçado por mulheres negras. Tentaremos analisar criticamente as reações
expressas através da escrita – ensaios, artigos, livros completos – de mulheres negras que,
principalmente nas últimas décadas do século passado, se ergueram contra as imagens
estereotipadas dominantes das sociedades brancas ocidentais e que se estendem à crítica
feminista. Foram estas imagens, que datam dos tempos de escravatura e que perduram até
ao dia de hoje, que relegaram as mulheres negras à invisibilidade histórica e cultural.
Audre Lord (2007a) afirma que a invisibilidade de mulheres negras é o resultado da
visibilidade distorcida pela cultura e do silêncio imposto a mulheres negras. A noção de
irmandade promovida por feministas brancas assentava na crença de que todas as mulheres
sofriam do mesmo tipo de opressão (patriarcal) pelo que se revelou, graças ao trabalho
efetuado por várias feministas negras, um conceito oco, falso e hipócrita, como teremos a
possibilidade de verificar.

1.1. O conceito de irmandade enquanto fundamento do feminismo branco

Nas últimas décadas do século XX, durante a segunda vaga dos feminismos, viram
a luz do dia e, por conseguinte, abanaram a sociedade rompendo com ideias estabelecidas,
os livros que se tornaram as principais referências para as gerações contemporâneas e
futuras de mulheres cuja missão foi lutar pelos seus direitos. Em 1963 foi publicado o livro
de Betty Friedan “Feminine Mystique”, sete anos depois, em 1970, Kate Millet publicou a
sua tese de doutoramento “Sexual Politics”, no mesmo ano saiu o livro de Shulamith
Firestone “The Dialectic of Sex: A Case for Feminist Revolution” e, também em 1970,
Germaine Greer publicou o seu muito aclamado livro, “The Female Eunuch”. O ano de
1970 foi muito prolífico e testemunhou a explosão das publicações de grande impacto na
área dos feminismos. Estes trabalhos serviram de inspiração para os futuros trabalhos de
feministas e académicas/os. Finalmente, no mesmo ano (1970) Robin Morgan editou uma
antologia de textos feministas radicais sob o título significativo “Sisterhood is Powerful”.
Todos estes trabalhos, tal como outros, não mencionados aqui, mas considerados
importantes no mundo académico e ativista, visaram procurar resposta à pergunta: porque
é que a mulher é oprimida, quem a oprime e quais podem ser as eventuais soluções para a

5
sua situação. Uma das conclusões tiradas por académicas feministas foi que todas as
mulheres, em todos os cantos do mundo, sofrem da mesma maneira. O conceito de
patriarcado ganhou imensa popularidade dentro dos estudos sobre as mulheres e foi visto
enquanto elemento principal responsável pela situação precária das mulheres (Narvaz &
Koller, 2006: 51). O patriarcado é, para explicar sucintamente, a supremacia masculina em
todas as dimensões da vida que relega mulheres à posição marginal dentro da sociedade –
tanto no espaço público, como no privado. Como argumenta Kramarae (1993: 397), o
termo “patriarcado” foi usado por feministas com grande frequência, já que parecia esgotar
todas as explicações sobre a opressão de mulheres no mundo. Como afirma esta autora,
através da pesquisa dos livros e documentos que tratavam da condição marginalizada das
mulheres, o patriarcado foi identificado, em todos estes trabalhos, como o sistema comum
à subjugação das mulheres.
Neste contexto, segundo o pensamento feminista dominante na época, se todas as
mulheres sofriam do mesmo tipo de opressão das mãos de homens só por serem mulheres,
o que as unia era precisamente o facto de serem mulheres. Na base desta caraterística –
mulheres não relacionadas biologicamente mas sim ligadas em solidariedade em
sofrimento e em luta comum contra a opressão – foi criado o termo de irmandade. A
relação de amizade e irmandade entre as mulheres tornou-se a base fundamental do
feminismo da segunda vaga. Na ótica das feministas, só esta relação de respeito e de amor
mútuo, compreensão e solidariedade face ao sofrimento e abuso experienciado por
mulheres, tem o potencial de subversão e libertação da opressão patriarcal (Lugones &
Rosezelle, 2003: 406-407).
Curioso é o facto de todos estes textos publicados nos anos 70 e 80, se
concentrarem somente na figura da mulher branca da classe média cuja experiência da vida
no seio da sociedade branca e patriarcal passou a ser a experiência universal de todas as
mulheres, em todo o mundo. Problemas enfrentados por mulheres brancas, tais como falta
de oportunidades no mercado de trabalho e na vida académica, domesticidade forçada e
supremacia masculina visível em cada dimensão da vida, tornaram-se, por extensão, os
problemas principais de todas as mulheres.
Shulamith Firestone (1970) acusa no seu livro “The Dialectics of Sex” a família
patriarcal de ser um dos maiores obstáculos à autorrealização das mulheres. Betty Friedan
(1963) descobre na sua famosíssima obra “The Feminine Mystique” “o problema que não
tem nome” com que a maioria de mulheres americanas tem que se confrontar: o vazio da

6
existência da mulher da classe média que nunca trabalhou profissionalmente e que, por
obrigação externa, ficou confinada à vida doméstica:
“But the new image this mystique gives to American women is the old image:
´Occupation: housewife´. Beneath these sophisticated trappings, it simply makes certain
concrete, finite, domestic aspects of feminine existence – as it was lived by women whose
lives were confined, by necessity, to cooking, cleaning, washing, bearing children – into
religion, a pattern by which all women must now live or deny their femininity.”
(Friedan, 1963: 21)

Estes trabalhos e pontos de vista contribuíram para a visibilidade da mulher


enquanto vítima do sistema que a oprime ditando as condições da sua vida, as escolhas que
devia fazer, os padrões que devia seguir para corresponder à imagem da mulher perfeita e,
principalmente, feminina. Nestas imagens, as mulheres eram meramente bonecas, objetos
de decoração sem voz própria e vontade de dar rumo à sua vida (Bartky, 1998). Não se
pode, por isso, subestimar todo o efeito que as campanhas, as ações de sensibilização, os
livros, os discursos, etc. tiveram na mentalidade da sociedade na altura. As mulheres
feministas de segunda vaga, mostraram ao mundo que houve algo errado na forma como as
mulheres eram tratadas e representadas, privadas dos seus direitos e relegadas à posição de
cidadãs de segunda classe (Thompson, 2002: 338).

1.2. Críticas do feminismo hegemónico e do conceito de irmandade por


mulheres negras

O pensamento feminista desenvolvido durante a segunda vaga dos feminismos veio


a ser criticado fortemente por mulheres intelectuais afro-americanas e outras mulheres de
cor que entraram (ou tentaram entrar) em diálogo com os principais aspetos tratados no
feminismo chamado hegemónico (Thompson, 2002). Uma das principais acusações feitas
ao feminismo branco foi que este levou a cabo a tentativa de se posicionar na prática
política, enquanto o único movimento feminista que possuía a legitimidade para tal (Amos
& Parmar, 1984: 4). A experiência das mulheres brancas foi considerada a mais adequada,
a mais importante e quase universal, o que fez com que toda a panóplia de outras
experiências vividas por parte das mulheres negras fosse ignorada. Amor e Parmar
argumentaram que o pensamento feminista da segunda vaga nunca analisou devidamente a
questão do racismo, tão profundamente enraizado nas sociedades ocidentais. A ausência da
questão da raça na escrita e na prática feministas da época contribuiu para uma certa

7
miopia entre as feministas brancas, empurrando assim a história das mulheres negras para
as margens da consciência e do conhecimento.
Contra essa tradição de apagamento histórico e cultural das mulheres negras nos
Estados Unidos levantaram-se várias intelectuais negras fazendo o trabalho que visava
colocar as mulheres negras no centro do movimento feminista, devolvendo-lhes o valor
que mereciam. Contam-se entre estas intelectuais Angela Davis, Audre Lorde, Barbara
Smith, bell hooks, Frances Bell, Julianne Malveaux, Toni Cade Bambara e Patricia Hill
Collins, entre outras. É claro que mais mulheres negras se envolveram ativamente na
missão de devolver a voz às mulheres que foram silenciadas pelo mainstream cultural,
histórico e feminista, porém a dimensão deste capítulo permite-nos só mencionar e analisar
a escrita e as ideias de algumas destas intelectuais.

1.3. Imagens estereotípicas das mulheres negras

A denúncia relativamente à estereotipia e às imagens negativas sobre as mulheres


negras foi já referida por parte de Angela Davis (1981: 3) que, no seu importante livro
“Women, Race and Class” afirmou que, nos estudos e nas pesquisas feitos por
investigadores/as americanos/as não houve espaço para nem interesse em incluir as
mulheres negras. Nos trabalhos que tratavam assuntos relacionados com a família ou as
tradições dos escravos, a mulher ou era invisível ou aparecia como ser extremamente
sexuado e promíscuo. Aliás, os relatos e os estudos sobre a suposta promiscuidade e
sexualização dos negros abundavam no mundo académico e influenciaram o imaginário
popular. A mulher negra, em especial, foi considerada como “fácil” e sempre disponível
sexualmente – como argumentavam as académicas negras feministas – e esta imagem
prevalece até hoje, prejudicando a situação da mulher negra na sociedade contemporânea
(Gilman, 1985; hooks, 1982, 1998, 2000, 2003; Collins, 2000).
Para melhor compreendermos esta imagem negativa, que é, aliás, um conjunto
destas imagens relacionadas com a mulher negra na sociedade branca ocidental,
necessitamos de recuar no tempo. A sexualidade dos negros, já no século XVII, tornou-se
sinónimo do desvio, ato ilícito e repugnante. O apetite sexual e o desejo erótico
assemelhavam-se mais aos dum macaco do que aos do ser humano (Gilman, 1985: 230).
Foram estas as imagens que predominaram na literatura das viagens ou “científica” da
época (séculos XVII-XIX). Com efeito, a mulher negra tornou-se o símbolo da sexualidade
negra doentia – lasciva, incontrolável e contrária à sexualidade sublimada da mulher

8
branca. Estas diferenças, como explica Gilman, serviam para diferenciar (e valorizar
hierarquicamente) a raça negra e branca com o objetivo de elevar a raça branca. Vale a
pena aqui salientar, que com estas tendências na ciência, na filosofia, na arte, etc. que
visavam provar a superioridade biológica e moral da raça branca (Mama, 1995) a mulher
branca, embora oprimida em certas formas na sua sociedade, situava-se em posição de
superioridade em relação à mulher negra que se encontrava no fundo da camada social.
A ciência vai, assim, ao encontro do imaginário representado na arte – no
Dictionnaire des sciences médicales (1819), a natureza sexual dos negros é descrita como
“voluptuosa”, desconhecida nos climas do mundo ocidental, devido ao desenvolvimento
abundante dos órgãos sexuais dos negros. A fisionomia é o que distingue as raças e é
reveladora da natureza dos negros. A aparência física da mulher negra – a cor da sua pele e
a forma dos seus genitais são vistos como inerentemente diferentes (Gilman, 1985: 231).
Na literatura do século XIX a mulher negra era fortemente associada à prática de
prostituição. Assim, os dois elementos: o da prostituição e o da cor negra da pele iam de
mãos dadas com o discurso médico e literário da época. A mulher negra era associada
também aos órgãos sexuais anormais, e, por conseguinte, demonstrava a sexualidade
devoradora, perigosa e ilícita.
Estes argumentos sobre as imagens relativas à sexualidade das mulheres negras
ecoam na escrita de bell hooks (1982). No livro “Ain´t I a woman” a autora analisa a vida
das mulheres escravas transportadas para os Estados Unidos onde foram sujeitas a todos os
tipos de abusos, inclusive, ou talvez convenha admitir – principalmente – a abusos sexuais
por parte do seu dono branco. Violação na propriedade branca era uma realidade
quotidiana das mulheres negras. Bell hooks argumenta que toda a estereotipia ligada à
sexualidade ilícita e devoradora das mulheres negras tem as suas raízes no sistema de
escravatura quando todas as mulheres negras foram vistas como imorais, depravadas
sexualmente e “disponíveis” em qualquer momento. Têm aqui a sua culpa também as
mulheres brancas da época que contribuíram para esta opinião sobre as mulheres negras,
repetindo que as mulheres negras sempre iniciavam a relação sexual com homens, e por
isso justificava-se a exploração sexual das mulheres negras (hooks, 1982). Este trabalho,
escrito quando a autora era muito jovem é um documento muito importante dado que
imprimiu visibilidade à condição precária da mulher negra nos Estados Unidos, desde os
tempos da escravatura até aos dias de hoje. É também, um grito de revolta contra as
práticas de exclusão por parte das feministas brancas: «The success of sexist-racist

9
conditioning of American people to regard black women as creatures of little worth or
value is evident when politically conscious white feminists minimize sexist oppression of
black women» (hooks, 1982: 51).
Alguns anos mais tarde, bell hooks continua a sua luta contra a marginalização das
mulheres negras e prossegue o tema da objetificação dos corpos e da sexualidade destas
mulheres. In “Selling Hot Pussy” (1998) a autora sublinha o facto de, na cultura
contemporânea, estarmos a evidenciar as tendências que tiveram lugar já no século XVII e
XIX, como atrás foi mencionado. Continuam as imagens da mulher negra como o objeto
sexual atraindo os olhares que mutilam o seu corpo. Em pleno século XX as mulheres
negras continuam a ser vítimas dos estereótipos negativos sobre a sua sexualidade,
promiscuidade e disponibilidade “a pedido”. E, novamente, as mulheres negras ficaram
entregues a si próprias com o problema, visto que o pensamento e a ação feminista dos
tempos que corriam não colocavam questões acerca da condição das mulheres negras. Ou o
problema nunca foi identificado ou, se o foi, terá sido ignorado como não sendo um
problema que dissesse respeito ao feminismo branco.
Vale a pena ainda apresentar a posição de Patricia Hill Collins (2000: 76) acerca
das imagens estereotipadas (por ela denominadas “imagens controladoras” [controlling
images]) na sociedade branca acerca das mulheres negras. Todas as imagens estereotipadas
servem para manter o instrumento de controlo vivo e eficiente. No imaginário popular, as
mulheres negras são tudo: recebem o apoio social, são sexua(liza)das, são consideradas
como mães poderosas (matriarcas) que, com efeito, não necessitam realmente de ajuda, ou
também são vistas como dependentes de Estado, no sentido de beneficiarem de apoio
social sem sequer tentarem trabalhar. Estas imagens fazem com que a discriminação contra
elas seja “justificada” e sustentada.
A autora distingue os seguintes três tipos de opressão das mulheres negras, nos
Estados Unidos da América: a opressão de cariz económico (visto que as mulheres negras
são exploradas economicamente e constituem a parte da sociedade americana mais atingida
pelo desemprego), opressão política (por exemplo, dificuldades em aceder a educação de
qualidade) e opressão da imagem do corpo, já acima referida. Esta última imagem da
“mulher de má vida” representa uma imagem muito viva e atual da sociedade
contemporânea.

10
1.4. As práticas de racismo e de exclusão no passado histórico

O conceito da irmandade, ou seja, o sentido de união em prol dos direitos de todas


as mulheres, já existia, embora expresso de outra forma, nos tempos da luta pelos direitos
dos negros nos Estados Unidos. Pode-se afirmar, que no seio da atividade política das
mulheres em prol da libertação dos negros, nasceu a consciência de que as mulheres foram
subjugadas e forçadas à submissão. No caso das irmãs Grimké (Sarah e Angelina),
provenientes duma família sulista que possuía escravos, a consciência sobre a condição das
mulheres emergiu porque, na sua luta contra a escravatura, elas foram atacadas e
ridicularizadas por homens (Davis, 1981: 40.). Até a Igreja se pronunciou sobre a sua
atividade argumentando que, ao tentar substituir o lugar do homem na praça pública, elas
desafiavam a vontade de Deus em relação às mulheres.
Porém, no recente movimento dos direitos das mulheres e de todos os cidadãos,
aparece uma mancha, uma certa falha. Entre as mulheres brancas que defendem a abolição
da escravatura e os direitos das mulheres, não houve nenhuma mulher negra. Não só não
houve, como nem no discurso, nem nos documentos da época, a condição precária das
mulheres negras é sequer mencionada. Como argumenta Davis, só as irmãs Grimké
fizeram referências às condições das mulheres negras (escravas). Ambas criticaram
fortemente as ativistas brancas por estas terem ignorado as necessidades das mulheres
negras e por se terem “esquecido” de as envolver na luta contra a escravatura.
O racismo evidente dentro do movimento em prol das mulheres revelou-se
particularmente gritante e profundo quando começou a campanha pelo direito ao voto, no
seio do movimento sufragista. As sufragistas Elizabeth Cady Stanton ou Susan B. Anthony
opuseram-se ferozmente à emancipação política dos homens negros, se o direito ao voto
não fosse concedido às mulheres brancas (Davis, 1981: 78). Para o Partido Republicano, a
emancipação dos homens negros ia garantir mais votos porém, as líderes do movimento
sufragista revelaram profundo racismo rejeitando a hipótese de conceder o direito ao voto
aos homens negros, chamando-lhes ignorantes. Neste contexto, tem que se afirmar que as
mulheres negras nem sequer foram consideradas como merecedoras de um dos direitos
mais básicos da democracia. Foram ignoradas enquanto mulheres e cidadãs pelas suas
irmãs brancas (Sheftall-Guy, 1995).
O racismo no seio do movimento sufragista foi tão forte que a própria Susan B.
Anthony receava que as suas colegas brancas do sul pudessem separar-se do movimento e
da causa, se as mulheres negras fossem convidadas a se juntarem ao grupo (Davis, 1981).

11
É certo que as feministas americanas daquela época não estiveram à altura da situação
quando era urgente responder ao racismo cada vez mais forte da sociedade americana.

1.5. As experiências de mulheres negras enquanto conhecimento subjugado

Esta exclusão das mulheres negras da atividade política e feminista empreendida


por mulheres brancas foi denunciada também nos nossos dias por feministas negras. O
conceito de irmandade foi considerado hipócrita e oco – ele não trazia nada às mulheres
negras nos Estados Unidos. Até se pode argumentar que o pensamento eurocêntrico estava
e continua a estar no centro de interesse da epistemologia feminista (Collins, 2003: 322). A
autora sempre viu a relação entre o conhecimento e as relações de poder. Mais do que isso,
ela estabeleceu as ligações entre o feminismo negro e o projeto da justiça social. O meio
académico, enquanto lugar onde nasce o conhecimento e onde as feministas brancas
desenvolveram as suas teorias, pode-se tornar também o locus da exclusão. Como
demonstrado por feministas negras, a exclusão das mulheres negras das universidades e
dos programas em Estudos sobre as Mulheres e Feministas assegurou aos homens brancos
e às mulheres brancas o espaço dentro destas instituições. Esta exclusão levou também à
consolidação da hegemonia branca. Foi revelado (hooks, 2003) que as feministas
ocidentais brancas contribuíram para o silenciamento das mulheres negras, suprimindo as
suas ideias e não permitindo a divulgação das mesmas. Embora as mulheres negras tenham
tido, há muito, ideias explícitas acerca da intersecção de fatores tais como a raça, o sexo e a
classe na sua opressão, elas próprias não encontraram o seu lugar dentro das estruturas
feministas brancas. A título de exemplo, bell hooks afirma que, durante muito tempo, as
académicas feministas negras não foram aceites pelos seus pares. Nas organizações
feministas brancas que trabalhavam no terreno também faltou lugar para as mulheres
negras (exemplo de NAWSA)1.
Esta denúncia é exatamente feita por uma feminista negra, lésbica, poeta e mãe de
dois filhos – Audre Lorde. No seu volume de ensaios e discursos compilados num livro
sob o título marcante “Sister Outsider” (2007) questiona porque é que as mulheres negras
académicas nunca são convidadas para conferências, ou se são convidadas, é em número

1
NAWSA – National American Woman Suffrage Association foi uma organização que nasceu em 1890
como resultado da fusão de National Woman Suffrage e American Woman Suffrage Association. Fonte:
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/404319/National-American-Woman-Suffrage-Association-
NAWSA [acedido em 25 de Dezembro de 2013 às 10h23].

12
reduzido. Porque existe aquele medo de tentar compreender as vivências e as experiências
das mulheres negras?
A palavra escrita por mulheres negras não pode ser apropriada para os efeitos
planeados por mulheres brancas, para provar as “verdades” preestabelecidas (hooks, 2000)
mas tem que ser lida para ser compreendida. Lorde (2007c: 43) assume que não é viável o
argumento quando uma académica ou uma professora afirmam que não se sentem
suficientemente preparadas ou não lhes cabe a elas ensinar a literatura das mulheres negras.
Justificam-se por não possuírem a experiência duma pessoa de dentro, duma insider.
Porém o contra-argumento de Lorde é – então estas académicas sentem-se preparadas para
ensinar a escrita e o pensamento dos clássicos gregos ou de Shakespeare? Na verdade,
estamos a lidar aqui, segundo afirma Lorde, com um pretexto para evitar entrar na
realidade quotidiana das mulheres negras. É uma responsabilidade de mulheres perante as
outras que lhes deveria ditar o envolvimento na ação de quebrar os silêncios e constituir as
pontes entre as diferenças. As separações que foram impostas às mulheres, tanto às brancas
como às negras, pela sociedade racista, não podem servir de desculpas para não iniciar a
tentativa de diálogo. Os silêncios são o que imobiliza o movimento na direção do outro:
“The fact that I am here and that I speak these words is an attempt to break that silence
and bridge some of those differences between us, for it is not difference which immobilizes
us, but silence. And there are so many silences to be broken”2.
(Lorde, 2007c: 44)

A mesma autora diz que a recusa ou a falta de vontade de estudar profundamente a


palavra escrita por mulheres negras, de incluir as suas obras nos programas de estudos
sobre as mulheres ou nas disciplinas relacionadas com a literatura das mulheres se deve ao
facto de as mulheres negras continuarem a não ser consideradas enquanto pessoas na sua
íntegra, sujeitos independentes com um conjunto de ideias, observações, histórias e
vivências por contar.
Estas observações remetem-nos para o conceito utilizado por Michel Foucault
sobre conhecimentos subjugados (Clarke, 1980) e que se adequa muito bem à problemática
aqui apresentada. Segundo Foucault, os conhecimentos subjugados são os conhecimentos
ingénuos localizados no fundo da hierarquia que não atingem os níveis requeridos para
serem introduzidos no sistema oficial institucionalizado. Noutras palavras, são os
conhecimentos ”não validados”, que existem ao lado dos conhecimentos autorizados. São

2
Discurso apresentado no “Painel da Literatura e do Lesbianismo” da Modern Language Association (MLA)
em Chicago no dia 28 de dezembro de 1977.

13
os conhecimentos ocultos, desqualificados como não suficientemente credíveis. Cremos
que os conhecimentos das mulheres negras, as suas histórias e experiências possam ser
classificados consoante a definição de conhecimentos subjugados por terem sido,
precisamente, ocultos, ignorados, rejeitados por feminismos brancos. Vale a pena referir
que pode ser “útil” nomear ou categorizar um certo tipo de conhecimento como
“subjugado” porque, desta forma, ele perde a sua raison d´être ou a qualidade de ser
verdadeiro. Assim, o/a autor/a deste tipo de conhecimento é ignorado/a, desacreditado/a e a
sua experiência acaba por ser excluída.

1.6. As vozes emergentes de mulheres negras na contemporaneidade e na


História passada

Referindo os conhecimentos subjugados e colocando-os no contexto da


escrita/experiência das mulheres de cor, é oportuno mencionar a voz, expressa através da
palavra, na antologia dos textos criados por mulheres negras/de cor e editada por duas
escritoras e feministas chicanas – Cherríe Moraga e Gloria Anzaldúa. Esta antologia, sob o
título “This Bridge Called My Back”, publicada em 1981, foi trabalhada com o objetivo de
dar voz às mulheres oprimidas e apagadas na cultura e na história. As experiências do seu
quotidiano foram expressas em várias formas: através da poesia, do ensaio, dos discursos,
etc. Através da sua escrita, estas mulheres negras e de cor pretendiam prestar homenagem à
experiência que viviam e que constituía uma experiência muito diferente da de mulheres
brancas e também da de homens negros:
“By giving voice to such experiences, each according to her style, the editors and
contributors believed that they were developing a theory of subjectivity and culture that
would demonstrate the considerable differences between them and Anglo-American
women, as well as between them and Anglo-European men and men of their own culture”.
(Alcarón, 2003: 404).

Como afirma Norma Alcarón (2003: 407), a antologia em questão teve enorme
impacto na escrita e no pensamento feminista das décadas seguintes, porque abriu espaço
para os feminismos alternativos e não só para os feminismos brancos. A partir da data da
publicação do livro em 1981, foi possível incluir outros discursos feministas
(conhecimentos subjugados) no mainstream feminista e cultural. Tendo sido, todavia, a
brecha aberta, segundo explica a autora, há que renovar o debate acerca do impacto que
esta antologia provocou no feminismo branco. As feministas brancas citavam os textos do
livro apoiando-se neles para argumentar sobre as diferenças entre as mulheres de cor e

14
brancas, porém, ao mesmo tempo, apagavam as diferenças entre estes grupos apresentando
as mulheres negras e de cor como uma amálgama, um grupo homogéneo, sem as suas
próprias diferenças e variedades. Desta forma, todas as mulheres negras foram empurradas
para uma categoria de “mulheres de cor”, o que nos faz voltar ao pensamento de Audre
Lord, citado neste capítulo, que dizia que os estereótipos e a apresentação errada e
simplista de mulheres negras as relegou, na realidade, para a invisibilidade e apagamento
cultural.
A questão da diferença foi também abordada por Audre Lorde (2007b). No seu
artigo de grande relevância “The Master´s Tools Will Never Dismantle the Master´s
House” a autora expõe o argumento de que o grande erro do feminismo constituiu a
tentativa de tolerar as diferenças, em vez de as aproveitar para reforçar as relações entre as
mulheres. As diferenças assumem o potencial de criar uma fonte de enriquecimento e
empoderamento, porém, as mulheres foram socializadas ou para ignorarem as diferenças
entre elas ou para as tratar como uma fonte do potencial conflito, uma razão que está por
detrás da separação.
“Difference must not be merely tolerated, but seen as a fund of necessary polarities
between which our creativity can spark like a dialectic. Only then does the necessity for
interdependency become unthreatening. Only within that interdependency of different
strengths, acknowledged and equal, can the power to seek new ways of being in the world
generate, as well as the courage and sustenance to act where there are no charters”.
(Lorde, 2007b: 111)

A diferença é vista, então, como uma fonte da criatividade e pode-se revelar uma
força inspiradora que contribui muito mais para a aproximação mútua do que o silêncio, o
medo e a separação. A diferença não tem que ser, obrigatoriamente, destrutiva, como
aparece universalmente vertida no pensamento filosófico do mundo ocidental onde as
diferenças são pensadas em termos de hierarquização e binarismo. O diferente, o outro,
tem que ser desvalorizado e colocado na posição inferior (Braidotti, 1994).
É importante sublinhar que, nos anos 70 e 80 do século XX ouviram-se, com toda a
força, mais vozes de mulheres afro-americanas que falaram a respeito da diferença e da
condição da sua vida. Apareceram publicações importantes, ao lado da já mencionada
antologia editada por Cherríe Moraga e Gloria Anzaldúa. Foi publicada uma antologia
“The Black Woman” (1981) e editada por Toni Cade Bambara ou “Home Girls: A Black
Feminist Perspective” editada em 1983 por Barbara Smith (James & Busia, 1993), entre
outras, cujo objetivo foi recuperar a visibilidade da mulher negra. O grupo de feministas
negras e lésbicas, the Combahee River Collective, fundado por Barbara Smith também

15
tomou a sua posição na cena cultural e feminista da época, publicando em 1974 uma
importante declaração acerca das questões como o racismo, a opressão multifatorial, o
sexismo, a hegemonia heterossexual e a opressão de classe (The Combahee River
Collective, 2003).
Embora, como aqui temos provado, os feminismos brancos tenham contribuído,
conjuntamente com a cultura da sociedade e as suas práticas do racismo, do sexismo e do
classismo, para o sufocamento e silenciamento das mulheres negras, elas nunca se
adaptaram às regras ditadas pela maioria branca. O grande trabalho foi feito pelas mulheres
intelectuais negras com o objetivo de tirar das trevas as figuras importantes de mulheres na
história do movimento pelos direitos das mulheres. A “herstoria” – a história vista e
descoberta por mulheres e sobre mulheres traz-nos de volta nomes de mulheres
insubmissas, cientes do trabalho preciso para mudar a sociedade e as regras pelas quais
esta sociedade se governava.
Uma das primeiras intelectuais negras – Maria W. Stewart - já no século XIX
reconheceu a necessidade de as mulheres negras rejeitarem toda a estereotipia à sua volta
(Collins, 2003, Sheftall-Guy, 1995). Foi ela que argumentou que a opressão das mulheres
negras tem múltiplas caras, sendo uma delas a opressão de género, outra a opressão da
classe e a terceira a opressão de raça. Para Stewart não foi suficiente identificar as origens
da opressão; ela até tencionava ir mais longe e incentivava as suas irmãs negras para elas
procurarem denominar-se, criar autodefinições, buscar a sua própria força na fonte da
autonomia pessoal. Encorajava as mulheres para estas seguirem o exemplo dos homens na
luta pela independência e autonomia pessoal. As mulheres tinham que reclamar os seus
direitos e privilégios. A causa era a vida ou a morte. A inércia significava a morte, e a ação
prendia-se com a vida. Um forte instrumento de mudança e do empoderamento das
mulheres, na ótica de Stewart, foi a educação. O conhecimento permitia o acesso ao poder
– o poder de dar rumo à sua própria vida. O conhecimento era o poder em si próprio.
A atividade intelectual das mulheres negras no século XIX era bastante prolífica e
não se limitava à escrita de Stewart. Havia outras intelectuais negras que devolveram a voz
à mulher negra colocando-a no centro do seu interesse e da sua ação. Devolvidas ao mundo
por feministas do século XX, trazem-nos o depoimento que desmente o estereótipo sobre a
mulher negra enquanto ser passivo, somente vitimizado e não consciente da sua situação.
As obras que foram escritas no final de século XIX por mulheres negras tiveram como
objetivo analisar a situação sociopolítica à data e lutar contra a dura realidade da

16
comunidade afro-americana. As mulheres negras pronunciaram-se contra o linchamento, o
racismo, a falta de condições humanas e outras injustiças feitas aos negros nos Estados
Unidos, desde os tempos da escravatura (Mama, 1995). As angústias das mulheres afro-
americanas não se limitavam somente às “questões das mulheres” (Carby, 1985).
A escrita das mulheres como Ann Cooper3, por exemplo, tornou-se uma arma de
intervenção cultural e política. O desafio perante as mulheres negras consistiu, afinal de
contas, em dar uma nova forma à sociedade. Curiosamente, Ann Cooper não fazia a
distinção entre os aspetos biológicos dos sexos. No seio da sociedade, as mulheres também
sabiam adaptar-se às normas e às regras do sistema masculino, enquanto os homens
podiam apresentar as caraterísticas e seguir as virtudes femininas. Os textos de Cooper
atacavam fortemente as práticas da exclusão de mulheres/feminismos brancos, acusando-as
de falta de solidariedade (Guy-Sheftall, 1995: 43).
As mulheres brancas tiveram a sua parte na consolidação do sistema patriarcal que
criou e reforçou as estruturas sociais que assentavam no racismo e sexismo. Por manter o
silêncio sobre a múltipla discriminação das mulheres negras, por defender os interesses da
sua raça e classe e o estatuto social de que as mulheres brancas gozaram, elas, desta forma,
reforçaram o sistema de opressão. Como afirmava Ann Cooper, se o racismo tivesse sido
erradicado do movimento feminista, teria sido benéfico para as próprias mulheres brancas.
O que aconteceu foi que foram criadas instituições separadas, agendas/planos separados,
animosidade e tudo menos a solidariedade e irmandade tão amplamente defendidas por
feministas brancas.

1.7. Os pontos de rutura entre feministas brancas e negras

Tendo analisado todos os argumentos expostos por feministas negras e


apresentados até agora, parece-nos compreensível a posição de mulheres negras que não se
conseguiram rever nos objetivos e no pensamento do feminismo branco, nem identificar
com eles. Quase nada do que era exposto no pensamento feminista branco apelava às
mulheres negras visto que as experiências do quotidiano dos dois grupos eram totalmente
diferentes, para não dizer opostas. O nível da vida económico diferencia muito os dois

3
Anna Julia Cooper (1858 – 1964) – filha dum dono de escravos e ela própria uma escrava. Conhecida como
defensora dos direitos do povo negro e das mulheres, professora, primeira mulher negra a obter doutoramento
(com a tese dedicada à problemática de linchamento). Publicou um livro: ”A Voice From the South and Other
Important Essays, Papers and Letters”. Fonte: http://essays.quotidiana.org/cooper_a/ [acedido em 25 de
Dezembro de 2013 às 10h55].

17
grupos. Os padrões de feminilidade que se aplicavam às mulheres brancas (enquanto fadas
de lar, mães perfeitas, etc.) não eram compatíveis com as mulheres negras que se viam
obrigadas a trabalhar desde terna idade e depois, na vida adulta, para sustentar a família. O
direito ao aborto, invocado por muitas mulheres brancas também se revelou menos
adequado às mulheres negras que, frequentemente, foram forçadas à esterilização ou
contraceção contra a sua vontade (Altekruse & Rosser, 1993). São conhecidos muitos
casos de uso de medicamentos não testados ou perigosos como Depo Provera no âmbito de
políticas demográficas que atingiam as mulheres de cor, na tentativa de controlar o número
de filhos (Bulbeck, 1998). A família e a maternidade que eram apresentadas por muitas
feministas brancas enquanto instituições que oprimiam as mulheres (Firestone, 1970;
Delphy & Leonard, 1992; Rich, 1995; Badinter, 2010, etc.) revelaram-se, em muitos casos,
loci de resistência, de sobrevivência e de força para as mulheres negras. É de sublinhar que
a experiência de maternidade vivida por mulheres negras difere bastante da vivenciada por
mulheres brancas. Nas comunidades afro-americanas as mulheres criaram laços fortes fora
da família, com outras mulheres que, em casos de necessidade, podiam criar filhos de
outras mulheres. O termo em inglês “othermothering” refere-se à tradição vinda da África,
onde se atribuía imenso valor à maternidade e onde as mulheres que se ocupavam de filhos
das outras ganhavam estatuto social e respeito na comunidade (James, 1993: 48). As
mulheres afro-americanas transplantaram este conceito e esta prática para solo americano
aliviando, desta forma, a experiência da maternidade e, criando laços fortes dentro da
comunidade. Na vida das mulheres brancas esta prática era quase impossível sendo que as
mulheres brancas se viam obrigadas a educar os filhos sozinhas, sem o apoio de outras
mulheres brancas. Não é, por isso, uma tarefa penosa e solitária criar filhos na comunidade
afro-americana e, consequentemente, a maternidade assume um outro significado e valor
para elas. Neste contexto, a denúncia da família e da maternidade enquanto instrumentos
de controlo e submissão das mulheres não se aplica às mulheres negras não sendo este o
objetivo com o qual elas se podiam identificar.
Seria prudente também referir que, embora tenham peso maior, o racismo e as
práticas de exclusão como o vazio do termo irmandade não constituíram os únicos fatores
que afastaram as mulheres negras e de cor do movimento feminista branco. Além das
diferentes realidades do quotidiano vividas por mulheres desfavorecidas e menos
privilegiadas, registaram-se algumas propostas no pensamento feminista branco que não se
adequaram à mentalidade e à cultura das mulheres negras. Houve e continua a haver

18
leituras diferentes das realidades e das experiências. Um dos pontos de rutura ou de
separação entre as feministas brancas e negras é a atitude perante homens (Joseph &
Lewis, 1981). Na ótica das mulheres negras, as feministas brancas fizeram o necessário
para se separarem dos homens. Afirma Lewis (1981: 55), que na sua tentativa de
identificar a fonte da opressão das mulheres, uma parte importante das feministas brancas
radicais apontou os homens enquanto principais responsáveis pela situação precária das
mulheres. Na sua vertente radical, o feminismo imaginou o espaço sem homens onde a
criação e o individualismo no feminino podiam encontrar todas as condições para a sua
ampla expressão. Esta hipótese, porém, não convenceu as mulheres negras que não
queriam e não podiam criar o seu próprio mundo separado dos homens. Devemos ter
presente que, para as mulheres negras, os homens eram irmãos na luta contra a
discriminação racial e era com eles que faziam todos os esforços para sobreviver no seio da
sociedade racista (Joseph & Lewis, 1981). E é verdade também que, para as mulheres
negras de classes desfavorecidas, o alvo não é ganhar contra os homens para chegar ao
estatuto social por eles ocupado porque, como observa bell hooks (2003), os homens
negros de classes baixas também são alvo da opressão racista capitalista, da mesma forma
que as mulheres negras o são. Identificar o homem como o principal responsável da
opressão das mulheres não só não é suficiente, como contribui para o conflito e hostilidade
desnecessários entre seres humanos.
Filomena Chioma Steady (1993: 96) defendeu a tese de que o conceito de
irmandade, nestas condições e tendo em conta as diferentes realidades mais o racismo do
movimento feminista, é perigoso no sentido de ocultar os verdadeiros problemas das
mulheres negras. A irmandade é somente uma ideia ingénua que não nos permite ver com
clareza as múltiplas opressões das mulheres e a participação das próprias mulheres na
opressão das outras menos privilegiadas (Steady, 1993). A mesma autora avisa que para
evitar uma certa apatia dos feminismos e para prevenir que o sistema patriarcal se
reproduza e solidifique, a liderança dos movimentos feministas tem que, obrigatoriamente,
incluir as mulheres de minorias étnicas. Enquanto existirem mulheres excluídas do
movimento, os objetivos deste de promover a igualdade entre os sexos e pôr fim à
discriminação, não serão atingidos.

19
2. Construção da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra”

A contestação expressa por intelectuais afro-americanas como bell hooks, Patricia


Hill Collins, Audre Lorde e muitas outras a propósito do essencialismo e do racismo
inerente ao pensamento feminista da segunda vaga no seio dos feminismos anglo-
americanos, acendeu um rastilho que deu início e força à voz das mulheres de cor que
começaram a opor-se à hegemonia dos feminismos brancos. As reações das feministas
afro-americanas encontraram toda a compreensão e foram ainda mais fortalecidas no
espírito da irmandade política por outras mulheres de cor, nomeadamente as da América
Latina (Gloria Anzaldúa, Cherríe Moraga, Maria Lugones) ou as de origem asiática,
radicadas nos Estados Unidos (Elaine Kim ou Trinh T. Minh-ha,) (Tong, 2009).
Nas décadas seguintes, as feministas insistiram na necessidade de pensar e teorizar
as questões ligadas ao género não as separando de outros fatores sociais, mas em forte
ligação com outros problemas já levantados por pensadoras afro-americanas. Sublinhou-se
que o género tinha que ser analisado criticamente em conjunto com os fatores de classe,
raça, origem étnica, orientação sexual, idade, etc. Acrescenta-se o facto de a crítica
feminista proposta por mulheres do Terceiro Mundo conter mais um aspeto de extrema
relevância nas diferenças entre as mulheres: o da cultura e das diferenças culturais entre as
mulheres.
Este capítulo, então, será dedicado a uma análise de críticas e resistências
oferecidas por feministas do Terceiro Mundo, segundo as quais alguns dos feminismos
ocidentais, sendo fruto da mentalidade/filosofia ocidental que se posiciona no centro de
discurso filosófico e científico rejeitando outros conhecimentos (Lazreg, 1988: 84) e que
também se posiciona em oposição a outras culturas e sistemas de pensamento, projetaram a
visão da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra”, silenciando-a e marginalizando as
suas experiências e histórias. Serão analisados alguns dos trabalhos criados por intelectuais
do Terceiro Mundo com o objetivo de verificarmos como se opuseram às normas
estabelecidas por feministas ocidentais.

20
2.1. O que significa “Terceiro Mundo”?

É de grande importância, no entanto, pensarmos, em primeiro lugar, o que significa


a expressão “Terceiro Mundo” e em que contextos/situações é usada. A expressão não se
revela simples e unidimensional – ela carrega consigo uma carga emocional e, muitas
vezes, como afirmam os/as intelectuais, encontra-se associada à inferioridade cultural,
económica e civilizacional (Johnson-Odim, 1991). Propomos uma definição de Garber
(1992), que afirma o seguinte:
“What the so-called third world nations have in common is their postcolonial status, their
relative poverty, their largely tropical locations, and the fact that they were once subject to
Western rule.”
(Garber, 1992 apud Bulbeck, 1998: 34)

Como explica Bulbeck, no seu sentido original, a expressão “Terceiro Mundo” significava
a “terceira força” das nações posicionadas entre o primeiro mundo democrático e o
segundo mundo composto por países sob o regime comunista. Trinh T. Minh-ha, por sua
vez, sugere que o terceiro mundo continua a representar o subversivo, a voz reprimida que
está prestes a explodir na direção do centro (Bulbeck, 1998: 35). Bulbeck fornece a sua
própria definição do Terceiro Mundo: «”The third world” is a category produced and
reproduced by capitalist imperialism, referred to in the oppositions between industrialised
north and developing south, or core and periphery» (ibidem., p. 35). No seu trabalho de
grande impacto intitulado “Feminism Without Borders”, Mohanty (2003) aborda a questão
da expressão e acrescenta a sua leitura à polifonia do debate. Para a autora, os termos
“ocidental” e “Terceiro Mundo” continuam a constituir as designações com forte cariz
político, no entanto ela, passados vários anos a efetuar pesquisas e trabalhos académicos,
chegou à conclusão de que se sente mais à vontade com outras expressões, para substituir
“Terceiro Mundo”. Argumenta que “One-Third World” e “Two-Thirds World” se revelam
mais úteis, particularmente, quando estão associados à divisão “Third World/South” e
“First World/North” (Mohanty, 2003). 4 No contexto deste trabalho, utilizaremos a
expressão “Terceiro Mundo” porque a mesma foi abraçada por feministas pós-coloniais

4
Os conceitos de “one-third world” e “two-thirds world” são explicados brevemente no livro de Chandra
Mohanty “Feminism without Borders” publicado em 2003 onde a autora se inspira no trabalho efetuado por
Gustavo Esteva e Madhu Suri Prakash sobre qualidade de vida a nível económico no mundo desenvolvido e
em desenvolvimento.

21
que se identificaram com os objetivos, as necessidades e as lutas de pessoas do Terceiro
Mundo. Vejamos a interessante argumentação de Uma Narayan (1997) a este respeito:
“(…) Calling myself a “Third World feminist” is problematic only if the term is understood
narrowly, to refer exclusively to feminists living and functioning within Third World
countries as it sometimes is. But like many terms, “Third World feminist” has a number of
current usages. Some feminists from communities of color in Western contexts have also
applied the term “Third World” to themselves, their communities, and their politics. (…). As
a feminist of color living in the United States, I continue to be a “Third World feminist” in
this broader sense of the term”.
(Narayan, 1997: 4)

Trata-se de uma escolha consciente, embora a expressão suscite reações e associações


negativas. Porém, ela pode também tornar-se uma força e um meio de articular as vozes
dissidentes.

2.2. Mulher colonizada entre duas culturas em guerra

A perspetiva acima descrita verificou-se, de facto. As feministas do Terceiro


Mundo tornaram-se a voz da consciência de algumas das correntes dos feminismos brancos
e o grito de desobediência face às práticas imperialistas que subalternizaram as mulheres
nativas tornando-as “outras”. Segundo McCann e Seung-Kyung (1993: 4-5), é muito
importante examinar o percurso que conduziu as teorias feministas do Norte (as teorias dos
feminismos heterogéneos) a apresentarem os discursos e as vozes vindas de outras partes
do mundo como típicos e representantes de todas as mulheres. Vale a pena lembrarmo-nos
de que quem não faz parte do grupo subordinado, não se encontra, logicamente, afetado
pelo processo de dominação que define o grupo “inferior”. Mais do que isso, os membros
do grupo dominante não estão marcados por aspetos como a raça, a classe, processos
coloniais e neocoloniais de dominação. Não tendo vivido este tipo de experiência, as
atitudes das mulheres brancas do Norte apresentam exemplos de puro racismo e sexismo
(McCann & Seung-Kyung, 2003).
Prende-se também com este problema do sexismo e racismo praticados por
feministas ocidentais o problema da cultura e das diferenças que há entre as mulheres de
vários cantos do mundo. Afinal, serão todas as mulheres iguais, estarão todas elas expostas
ao mesmo tipo de opressão, onde a cultura não conta ou, se tem expressão, é na opressão
das mulheres que a mesma se manifesta, como afirmam os trabalhos levados a cabo pelas
antropólogas feministas do Ocidente sobre as vidas de mulheres do Terceiro Mundo?

22
Porque o efeito destes trabalhos foi (re)produzir, como adiante veremos, a mulher do
Terceiro Mundo enquanto vítima (McCann & Seung-Kyung, 2003: 4).
O trabalho nesta área, desenvolvido por Uma Narayan (1997, 2000, 2003)
académica feminista da Índia, radicada nos Estados Unidos, serve-nos de grande apoio
para podermos compreender como as questões culturais, extremamente complexas e
multidimensionais, foram distorcidas e manipuladas com o objetivo de criar a mulher do
Terceiro Mundo enquanto “Outra”. Vale a pena analisarmos com mais atenção o
pensamento e a argumentação desenvolvidos por Narayan, cujo trabalho marcou a teoria
cultural e feminista das últimas décadas. A argumentação apresentada pela autora suscitou
debates no mundo académico acerca das práticas imperialistas no seio do feminismo
ocidental e contribuiu para mais denúncias por parte de pensadoras do Terceiro Mundo no
que diz respeito à construção das mulheres não-ocidentais enquanto vítimas. Nos seus
textos, a autora sublinha o facto de o feminismo precisar de reconhecer o valor das
diferenças e das experiências diversificadas sob pena de as romantizar e de lhes atribuir o
valor ocidental ou, até, de as oprimir. Existe um grande risco de abordar as diferenças
culturais de uma forma pouco pragmática ou retirada do contexto.
Para muitas feministas do Terceiro Mundo, as mulheres que abraçaram as causas
feministas, abraçaram, ao mesmo tempo, as causas de hegemonia cultural originárias do
mundo ocidental. É muito importante sublinhar, para vermos com mais clareza a lógica no
pensamento de mulheres africanas que será analisado no próximo capítulo, que, segundo
Narayan, qualquer contestação da cultura nativa, no seio do próprio país, se depara com
forte resistência e é vista como fruto da educação ocidentalizada. Porém, no caso da autora,
a dor e a revolta contra as injustiças aplicadas às mulheres nasceram antes de ela ter
recebido a educação ocidentalizada. Apareceram como fruto da observação da vida e da
experiência da sua mãe, que, de forma silenciosa e obediente, passou à filha o legado de
desobediência, a coragem de falar em voz alta sobre as injustiças (Narayan, 2003: 12).
A crítica da sua própria cultura não é e não tem que ser, automaticamente, uma
prova de falta de lealdade perante “os seus” e a prova de impregnação da cultura ocidental.
Relembremos que, no caso de intelectuais afro-americanas, a relutância em criticar os
aspetos da sua própria comunidade e o machismo dos homens negros também teve as suas
raízes no medo de serem acusadas de deslealdade, de rejeitarem a sua raça e de
prejudicarem a luta que mulheres e homens afro-americanos partilhavam. Quando as
feministas do Terceiro Mundo avançam com críticas severas do sistema que oprime as

23
mulheres, elas, pura e simplesmente, repetem o que as mulheres não feministas, as suas
conterrâneas, afirmam acerca da sua cultura. Neste sentido, se a voz vem de dentro, é
repetida após a denúncia das mulheres, como argumenta Narayan, não pode ser acusada de
estar impregnada dos valores ocidentais. O feminismo do Terceiro Mundo não é, de forma
alguma, a imitação do feminismo ocidental. Se há, no entanto, semelhanças entre as
maneiras como (re)agem as feministas ocidentais e do Terceiro Mundo, isto explica-se
pelo facto de existirem certas formas de opressão e subjugação de mulheres, tanto no
mundo ocidental como no Terceiro Mundo.
Se a noção de “ocidentalização” é uma noção particularmente negativa no mundo
não ocidental, isto deve-se, claramente, à história da colonização e ao contraste profundo
entre a cultura ocidental e a “indígena” (Said, 1994; John, 1996; Mohanty, 2003;
Oyewumi, 2003). As lutas pela independência da dominação ocidental não só assentavam
na rejeição do domínio político dos colonizadores, mas também na rejeição total do valor
da cultura ocidental, imposta aos povos colonizados. Assistiu-se à tentativa de (re)valorizar
a cultura indígena/local conjuntamente com as suas práticas e tradições. Esta valorização
da cultura foi uma resposta à erradicação ou regularização dos costumes culturais dos
povos colonizados sendo uma forma de sobrevivência das pessoas e de comunidades
inteiras (Said, 1994).
No contexto da colonização, a figura da mulher tornou-se um campo de batalha de
forças políticas no que diz respeito à cultura ocidental e à cultura da colónia (Narayan,
1997: 55). Todas as práticas tradicionais dos tempos pré-coloniais tornaram-se um
importante ponto de conflito e de negociação entre as culturas ocidental e colonizada.
Nesta luta de valores e tradições, as práticas indígenas foram relegadas para o domínio da
barbárie e rotuladas de retrógradas pela cultura ocidental, que as via e interpretava como
uma prova de inferioridade da cultura indígena. A mulher colonizada tornou-se, neste
processo, o símbolo do corpo oprimido pelo discurso e pela cultura tradicional. Vale a pena
salientar que as elites masculinas do Terceiro Mundo defendiam estas práticas como as
reminiscências do passado glorioso do seu país. As mulheres, no discurso nacionalista e
libertário, foram apresentadas como guardiãs das tradições e como uma garantia de
continuação cultural e religiosa do povo (Narayan, 1997: 19).
Nestes discursos, tanto do lado do colonizador como do lado do colonizado, as
mulheres feministas (ou “somente” interessadas em questões de mulheres) tiveram a sua
contribuição no processo de jogo entre as duas culturas. A título de exemplo: as feministas

24
britânicas da época vitoriana constituíram a sua missão de levantamento da “Outra” da
miséria, propondo as reformas (ligadas à prostituição e prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis) sem sequer ouvir atentamente a voz da mulher indiana. Enquanto na
Inglaterra as mulheres reformistas lutaram pela dignificação das suas conterrâneas, no solo
colonizado a “Outra”, a mulher colonizada, tornou-se o peso da mulher branca (Narayan,
1997, Mohanty, 2003). Neste processo, falou-se em representação da mulher enquanto
outra construindo a sua subjetividade sem, porém, lhe dar a voz. As questões de género
foram usadas em prol de interesses políticos e culturais onde o importante, tanto para o
colonizador como para o colonizado, foi contrastar as mulheres de dois lados numa lógica
dicotómica.

2.3. Imagens da “Outra” na epistemologia feminista ocidental

As feministas do Terceiro Mundo vieram a denunciar os trabalhos efetuados no


Ocidente que tentaram explicar, através da apropriação dos valores ocidentais e usando os
instrumentos da análise crítica tipicamente ocidentais, os costumes e as tradições do
mundo não ocidental. As denúncias permitem-nos compreender que estes trabalhos, tanto a
nível literário, sociológico ou antropológico, demonstraram uma abordagem que ignorava
as especificidades históricas e políticas (Narayan, 1997). Estes trabalhos, de cariz
feminista, destinados, muitas vezes aos leitores ocidentais com pouco conhecimento na
área, revelaram falta de compreensão dos condicionalismos culturais e históricos por detrás
da descrição de certas práticas culturais, como sati, circuncisão genital feminina, dote, etc.
O exemplo clássico, já fortemente criticado por Audre Lord (2007a) na sua carta à autora
do livro em questão, Mary Daly (Gyn/Ecology, publicado pela primeira vez em 1978)5, é
como ela utiliza exemplos de práticas culturais na Índia e África sem pesquisar, de forma
objetiva, os contextos de cada uma das práticas que critica.
Como observaram as feministas do Terceiro Mundo, o feminismo ocidental teve
tendência para omitir e marginalizar as mulheres não-ocidentais que, por conta da sua
etnia, classe e/ou orientação sexual, já estavam marginalizadas. Os seus interesses,
simplesmente, não faziam parte das análises e agendas políticas das feministas ocidentais.

5
A carta (“An Open Letter to Mary Daly”) foi escrita no dia 6 de maio de 1979 e na sequência de falta da
resposta por parte de Mary Daly, quatro meses mais tarde, Audre Lorde decidiu publicar a carta para esta
poder ser lida por todos/todas os/as leitores/as. No entanto, alguns académicos mantêm que Mary Daly
chegou a responder à carta de Audre Lorde e esta resposta foi encontrada entre os dossiers de Lorde.
Fonte: http://www.historyisaweapon.com/defcon1/lordeopenlettertomarydaly.html [acedido dia 26 de
novembro de 2013 às 12h55].

25
Exclusões deste tipo contribuíram e continuam a contribuir para a construção de teorias
pouco verídicas e adequadas às mulheres do Terceiro Mundo. Estas teorias não conseguem
fornecer respostas ao que, supostamente, desejam fazer: unir todas as mulheres do mundo.
Por outro lado, quando aparecem os trabalhos que pretendem incluir no projeto feminista
as mulheres do Terceiro Mundo, o que eles realmente fazem é excluir e silenciar estas
mulheres através de uma representação mal informada e preconceituosa. Narayan acredita
que são estas representações erradas das culturas do Terceiro Mundo que constituem um
obstáculo à mútua compreensão e à construção de “comunidades de resistência” (Narayan,
1997: 45).
Quando as feministas ocidentais tratam os temas relacionados com as práticas
culturais como o sati, o casamento precoce de raparigas, o dote, a circuncisão genital
feminina ou a questão de véu, todas estas práticas são privadas do seu contexto que muda
de país para país, de comunidade para comunidade e que depende da época na história
(Lazreg, 1988: 86). Desta forma, argumenta Narayan, (e as palavras dela ecoam nos
trabalhos de Mohanty), apaga-se a história e oculta-se o contexto da tradição. O problema
habita na noção de durabilidade de certas práticas, como se as mudanças culturais não
operassem no seio da sociedade sujeita à transformação ao longo dos tempos. Deparamo-
nos aqui, sem dúvida, com o legado da filosofia ocidental segundo o qual os sítios como
África eram lugares sem história e que a sua história começou somente com a chegada do
colonizador branco (Said, 1994).
No mesmo sentido e com o objetivo de denúncia, ergue-se a voz de Chandra
Talpade Mohanty, outra feminista indiana radicada no Ocidente. Segundo ela, alguns dos
textos que perpetuam a imagem monolítica da mulher do Terceiro Mundo colonizam
novamente as vidas e as experiências de vários grupos de mulheres, apagando as suas
especificidades (Mohanty, 2003). No imaginário ocidental, é nestas terras – imóveis,
resistentes à mudança, subdesenvolvidas – é que a mulher se encontra vítima das tradições.
Segundo esta lógica, a “típica” mulher do Terceiro Mundo está severamente limitada e
vitimizada. Vejamos um fragmento muito relevante que ilustra esta tese:
“(…) Third World women as a group or category are automatically and necessarily defined
as religious (read: not progressive), family-oriented (read: traditional), legally
unsophisticated (read: they are still not conscious of their rights), illiterate (read: ignorant),
domestic (read: backward), and sometimes revolutionary (read: their country is in a state of
war; they must fight). This is how the “Third World difference” is produced.”
(Mohanty, 2003: 40)

26
Esta imagem contrasta claramente com a da mulher ocidental enquanto ser
moderno, livre de fazer as suas escolhas e opções, educada e não constrangida por religião
ou por tradição (Mohanty, 2003: 30). À medida que mulheres ocidentais têm todo o
controlo sobre as suas vidas e os seus corpos, mulheres do Terceiro Mundo apresentam-se
como seres passivos, pouco conscientes da sua condição precária, silenciados e, acima de
tudo, com necessidade de apoio por parte das suas “irmãs” ocidentais. Tal análise
normativa, com a distribuição desigual de poder e das capacidades, contribuiu fortemente
para a vitimização de mulheres do Terceiro Mundo e para a sua apresentação enquanto
“Outras”. A “Outra” aparece diante de nós como um ser construído através do discurso
normativo e redutor, nunca ganhando a subjetividade de uma mulher material, viva e real,
agente da sua própria vida e história.
Os títulos analisados por Mohanty a propósito de mulheres do Terceiro Mundo
corroboram a sua teoria e as denúncias feitas tanto por ela, como por outras intelectuais. A
título de exemplo, “Comparative Perspective of Third World Women: The Impact of Race,
Sex and Class” (1983) de Beverly Lindsay, “Women of Africa: Roots of Oppression”
(1983) de Lindsay Cutrufelli, “Frogs in a Well: Indian Women in Purdah” (1979) de
Patricia Jeffrey – todos estes trabalhos reproduzem a mesma imagem de mulheres do
Terceiro Mundo que não possuem interesses políticos, que são política e/ou
economicamente dependentes e não têm nenhum poder nas suas comunidades e vidas. A
mulher do Terceiro Mundo presente nestas imagens é sempre mutilada pela sua própria
comunidade. Questiona Mohanty: seria possível e aceitável publicar um livro intitulado
“Mulheres da Europa” quando se sabe muito bem que o tal essencialismo e o apagamento
de diferenças entre mulheres europeias seria uma forma de crime contra elas (Mohanty,
2003: 25)?
“When “women of Africa” as a group (versus “men of Africa” as a group?) are seen as a
group precisely because they are generally dependent and oppressed, the analysis of
specific historical differences becomes impossible, because reality is always apparently
structured by divisions – two mutually exclusive and jointly exclusive groups, the victims
and the oppressors. Here the sociological is substituted for the biological, in order,
however, to create the same – a unity of women. Thus it is not the descriptive potential of
gender difference but the privileged positioning and explanatory potential of gender
difference as the origin of oppression that I question.”
(Mohanty, 2003: 25-26)

Neste contexto, Taiwo (2003: 46) fala da pobreza profunda da teoria feminista
ocidental. Aborda a pobreza no sentido de ausência ou da insuficiência teórica. Como
explica, pode também existir pobreza no sentido de irrelevância duma teoria. Cremos que

27
no contexto da teoria feminista ocidental, na sua relação com a África e o modus operandi
com que tratou as mulheres africanas, podemos afirmar que Taiwo se refere não à ausência
da teoria mas à sua insuficiência em termos de categorias da análise. Não existe, segundo o
autor, a tal ligação necessária entre a vida e a teoria. Tal como Leila Ahmed (1982)
denunciou a ignorância total do mundo ocidental acerca de mundo árabe e os
condicionalismos da vida quotidiana de mulheres árabes, também os/as académicos/as
africanas acusaram as académicas ocidentais de ignorância e de falta de vontade de ouvir
as mulheres africanas. Analisando os aspetos estereotípicos do trabalho sobre as mulheres
Kaguru levado a cabo por Meeker & Meekers em 1997, pergunta Taiwo:
“Why is it necessary to generalize from Kaonde or Kaguru women to African women at
large? What is it about Kaguru or Kaonde women that magically transforms them into
typical African women unless we already assumed the coherence of the phrase or have
decided that all African women are the same? It is problematic enough, once one sets
out with some respect for the complexity of one´s subject matter, to speak of Kaguru
women. How much more will it be to speak of Tanzanian, not to talk about East African, or
African women? This penchant for generalization must be traced to a fundamental lack of
respect for the complexity of African life.”
(Taiwo, 2003: 60)

Trata-se de um exemplo de um fenómeno que Lazreg (1988: 96) denomina


«exercer poder discursivo sobre a “Outra”». Ela afirma que mulheres no Terceiro Mundo
encontram-se “capturadas” entre três tipos de discurso: o discurso disseminado por homens
sobre a diferença do género, o discurso sociológico (científico) sobre os povos do Terceiro
Mundo (no artigo dela, precisamente do Norte da África e do Médio Oriente) e o discurso
produzido dentro da academia feminista sobre as mulheres inseridas nas sociedades não-
ocidentais. Lazreg fornece alguns exemplos destes discursos, um deles sobre o uso de véu
como símbolo, na imaginação ocidental, da subjugação e opressão da mulher árabe. Não
interessam os contextos, as motivações políticas de mulheres que decidem usar o véu – o
discurso ocidental nega às mulheres árabes a liberdade de decidir se querem ou não usar
véu, bem como o respetivo motivo. Junto das feministas ocidentais, sublinhou-se o facto de
o véu poder, em alguns casos, em alguns contextos e em algumas épocas, tornar-se um
símbolo de resistência contra a cultura e as políticas imperialistas do Ocidente, porém as
vozes das feministas árabes continuam, muitas vezes, abafadas e negadas.
O argumento sobre o silenciamento da voz da mulher árabe é confirmado por
Taiwo quando refere uma situação bastante frequente na academia ocidental: dois anos
depois de Leila Ahmed ter publicado, na revista Feminist Studies, o seu artigo crítico sobre
a abordagem ocidental das complexidades do mundo árabe, tentando chamar a atenção

28
para a problemática de práticas de exclusão de “outros” conhecimentos, Barbara K. Larson
publica noutra revista de renome, Signs, um artigo onde descreve a condição oprimida da
mulher árabe, a vítima, muda e passiva, do Islão, sem sequer ter mencionado o trabalho
efetuado por Ahmed. A triste conclusão é que «No Arab or African scholar qualifies as
required or even recommended reading» (Taiwo, 2003: 54).
No mesmo sentido, Wanjira Muthoni argumenta que a questão da mutilação genital
feminina assume grande importância para as mulheres ativistas em África mas que, quando
confrontadas com as acusações moralistas e pouco informadas do ponto de vista cultural
feitas por feministas ocidentais, que se sentem no seu direito de instruir as mulheres
africanas sobre os efeitos nocivos desta prática, fazem com que qualquer possibilidade de
cooperação, ou mesmo a compreensão seja gravemente comprometida (Arndt, 2000: 724).
Okome (2003) vai ainda mais longe quando argumenta que o próprio termo “mutilação
genital feminina” (inglês: Female Genital Mutilation, FGM) serve para disseminar a ideia
de que as sociedades africanas praticam esta tradição para desfigurar, deliberadamente, os
corpos de mulheres:
“Indeed, the practice of female genital surgeries has been identified by Western feminists
as the ultimate signifier of African male dominance and women´s powerlessness. (…) The
term FGM is problematic not only because it emerges from an assumption that the intent of
societies in which these procedures are practiced is to control women by wreaking violence
on them, but also these societies are presumed to desire butcher, mangle, deform, assault
and batter their women en masse, an assumption that has not be conclusively proven.”
(Okome, 2003: 68)

Tendo, então, em consideração os graves problemas com os quais as mulheres do


Terceiro Mundo se deparam a respeito do direito de autodefinição, Lazreg coloca uma
pergunta de grande importância: se as intelectuais feministas no Ocidente lutaram durante
décadas contra as imagens estereotipadas e redutoras das mulheres brancas que persistiam
na história e na cultura ocidental, porque é que fizeram o mesmo a mulheres não
ocidentais? Porque é que consolidaram as imagens negativas sobre a Outra, contribuindo
para a sua múltipla marginalização, se elas próprias eram, outrora, vítimas das mesmas
imagens negativas e redutoras? E, por fim, porque é que, se o feminismo e a sua
epistemologia assentam na experiência pessoal, se negou às mulheres do Terceiro Mundo
esta possibilidade de exprimir as suas próprias experiências e contar as suas histórias?
Porque, como se tornou claro, a experiência das mulheres do Terceiro Mundo foi sempre
subvalorizada e rotulada como “conhecimento local” (Lazreg, 1988: 84).

29
A diferença tão temida no feminismo ocidental operou a dois níveis. Por um lado,
fez com que fosse “essencializada” e criasse a “Outra” (Narayan, 2003: 85) – tão diferente
que não pode ser compreendida e marcada pela sua cultura onde a cultura surge como um
carimbo no corpo da mulher. Por outro lado, esta diferença resultou no apagamento da
“Outra”, onde as categorias como a raça, a classe, a religião, a cor e a própria
individualidade da mulher são sujeitas à invisibilidade. Conclui Lazreg: «For example, a
Muslim woman is no longer a concrete individual. She is not Algerian or Yemeni – she is
an abstraction in the same way as a “woman of color” is» (Lazreg, 1988: 98). E podíamos
acrescentar: ela é uma abstração da mesma forma que é abstração a mulher africana, ou
indiana ou latino-americana.

2.4. Pode a “Outra” falar?

Por fim, surgem-nos algumas perguntas importantíssimas: quem fala em nome de


quem? São de quem as vozes que conseguimos ouvir? E que vozes são abafadas e
apagadas pela epistemologia ocidental, que tem o monopólio do conhecimento “verídico” e
autêntico? As perguntas formuladas por Lazreg são muito adequadas e encaixam-se aqui
muito bem: como podem falar as mulheres do Terceiro Mundo numa situação quando tudo
já foi dito, aparentemente, por elas? Quando já foram definidas, rotuladas, “descobertas” e
descritas. Se a língua já foi escolhida por elas, como elas ainda podem falar? Usando que
língua (Lazreg, 1988: 95)?
Gayatry Spivak parece-nos pessimista a este respeito (Morton, 2003), quando tenta
fornecer resposta à pergunta: “Can the Subaltern Speak? (1988). Spivak tece uma ligação
entre a figura da mulher e o silêncio, porque as mulheres foram apagadas por duas vezes:
no discurso imperialista e na historiografia da insurgência contra o colonizador. O duplo
apagamento vem, então, de fora e de dentro. O mencionado pessimismo revela-se na frase:
«And the subaltern woman will be as mute as ever» (Spivak, 1988: 90).
Porém, na nossa ótica, as mulheres do Terceiro Mundo expressam a sua voz e
ousam usá-la. Empregam-na para construir as suas identidades, para articular as suas
expetativas e esperanças autodefinindo-se e criando o espaço onde há lugar para as suas
experiências. Os capítulos seguintes tentarão comprovar esta tese.

30
Terminemos então a reflexão sobre a “Outra”, com as palavras de Lazreg, que
trazem esperança:
“What is needed [para as mulheres falarem] is a phenomenology of women´s lived
experience to explode the constraining power of categories. Such a phenomenology
would not be a mere description of the subjective meaning of woman´s experiences.
Rather, it would be the search for the organizing principles of women´s lived reality
as it intersects with men´s”.
(Lazreg, 1988: 95)

31
3. O Feminismo Africano e o pensamento centrado nas mulheres

A contextualização e as teorias sobre os feminismos africanos emergiram nos anos


noventa do século XX como uma resposta à exclusão por parte da segunda vaga dos
feminismos brancos ocidentais. Se se diz que os anos oitenta do século XX foram a década
dos feminismos de mulheres de cor (e dos feminismos afro-americanos), já a década
seguinte assistiu ao desenvolvimento dos feminismos africanos. Se os feminismos afro-
americanos criticaram fortemente os feminismos brancos de mulheres de classe média por
se esquecerem, convenientemente, da realidade e desigualdades com que as mulheres
negras se deparavam, os feminismos africanos, por sua vez, lutaram e exigiram do
feminismo ocidental incluir na sua análise outros aspetos muito importantes que iam para
além das questões de género, tais como colonialismo, etnicidade e imperialismo.6

Este capítulo centrar-se-á na voz de mulheres africanas como sujeitos que “speak
truths”, como podemos ver na citação que serve de epígrafe a este capítulo. Analisaremos
alguns aspetos essenciais do pensamento de mulheres africanas e a sua abordagem das
questões como o género, o papel da mulher africana na sociedade e, acima de tudo, a
questão da voz e do poder de se autonomear, de poder dar o nome à sua luta e à sua
consciência. É muito importante aqui salientar, que quando se aborda África, tem que se
sublinhar que o continente tem múltiplas faces e não pode ser, de forma nenhuma,
“essencializado” ou categorizado, ou até generalizado. Existem vários tipos de África, na
sua diversidade sociodemográfica, cultural, histórica e religiosa. Questiona Ogundipe-
Leslie (1994):
“Do we mean: A Christian or a Muslim Africa; Africa with indigenous religious; the
Lusophone African countries which underwent liberation struggles, South Africa still
under siege; independent African countries; Arab Africans; Black South or White South
Africans; the right-wing Inkatha elements or white liberals; (…)”
(Ogundipe-Leslie, 1994: 216)

A anterior citação envolve uma questão que nos consciencializa de que, ao analisar-
se o pensamento africano e, nomeadamente, o feminismo africano, surge a obrigação de
prevenir a tentação de tratar todo o continente africano como uma unidade homogénea,
sem diferenças entre países, povos e culturas.

6
http://encyclopedia.jrank.org/articles/pages/5940/African-Feminisms.html [acedido em 30 de janeiro de
2014 às 10h21].

32
3.1. As linhas de demarcação entre o feminismo ocidental e africano
3.1.1. Género enquanto uma categoria de análise

Uma das principais diferenças entre o feminismo ocidental e o feminismo africano


baseia-se no facto de que a noção de feminilidade não significa exatamente a mesma coisa
para as sociedades ocidentais e africanas. A categoria “mulher” não pode ser considerada
como uma categoria separada do seu contexto. “Mulher” não constitui somente um papel
social, uma identidade, uma posição ou uma localização como acontece no feminismo e na
cultura ocidental. Antes de mais, “mulher” é uma soma de várias posições, papéis e
significados (Oyewumi, 1997, 2003). Como explica Oyeronke Oyewumi, cada indivíduo
ocupa múltiplos contextos que não estão separados um do outro, mas que interagem,
misturam-se e influenciam-se mutuamente. Cada indivíduo tem, por conseguinte, várias e
múltiplas relações com o poder, o privilégio e a desigualdade. A autora vai mais longe e
acusa a cultura e o feminismo ocidental de terem implementado (imposto até) os seus
valores e as suas soluções socioculturais no corpo africano deixando marcas indeléveis
(Oyewumi, 1997: 9). A África tornou-se um recipiente de ideias ocidentais que não se
adequam à realidade africana.

Visto que a categoria de mulher não é estável nem imóvel, e que, em muitas
sociedades africanas, “feminilidade” é só um dos aspetos da pessoa e transcende o papel
social, não faz sentido falar de género enquanto categoria sociocultural mas sim baseado na
diferença biológica. Enquanto no discurso ocidental o corpo é uma base da categorização
do género (poder-se-á dizer que tudo começa com o corpo), no discurso africano a
distinção entre o sexo e o género não tem a base epistemológica do ser. Isto deve-se ao
facto de, em muitas sociedades africanas, existirem múltiplas categorias sociais que não
têm as suas origens na distinção corporal dos sexos. Um bom exemplo desta situação é a
categoria do “female husband” – o sistema de género praticado por Igbo 7 na Nigéria
(Sudarkasa, 1986) onde uma rapariga mais velha entre os filhos pode ser escolhida pelo
seu pai, caso não haja na família um herdeiro masculino, para assumir o papel social de um
homem. Biologicamente a filha é uma menina mas o seu “género social” (o de rapaz) tem
mais peso na sociedade do que o biológico. Ogundipe-Leslie (1994: 13) corrobora os
argumentos de Oyewumi e de Sudarkasa afirmando que as relações interpessoais nas

7
Um dos maiores grupos étnicos no leste, sul e sudoeste da Nigéria, Camarões e Guiné Equatorial. Ver mais
em: http://www.britannica.com/EBchecked/topic/282215/Igbo

33
sociedades africanas vão muito mais para além das relações de género, por isso torna-se
errado analisar mulheres africanas somente na sua interação com homens. Por exemplo, o
casamento pode ser muito mais do que uma relação entre dois sexos; pode ser e, muitas
vezes é, uma rede de relações e interdependências entre duas ou mais mulheres e mulheres
e homens onde fatores como a idade, ou a ordem da entrada na família pela via do
casamento tem mais importância do que o próprio género. Okome (2003: 79) argumenta
que não existe igualdade entre homens e mulheres mas ela também não existe mesmo entre
as próprias mulheres só por elas partilharem o mesmo sexo biológico. Na sociedade Ibo
(Nigéria) mulheres que entram na família através do casamento não gozam do mesmo
estatuto que as filhas (as irmãs do marido). As esposas mais novas não recebem o mesmo
tipo de tratamento que as esposas seniores. Uma mulher chefe tem mais poder do que
qualquer mulher ou homem. E, por fim, um homem rico tem o estatuto mais elevado do
que um homem pobre. Sylvester (1995: 964) relata que, no Zimbabwe, um grupo de
mulheres trabalhadoras em propriedades agrícolas não tinha, curiosamente, a noção de
serem mulheres e da sua “feminilidade”. Sylvester reconheceu que se preparou para
entrevistar “mulheres” no senso strictu da palavra mas foi confrontada com um elemento
de surpresa. Houve pessoas que lhe disseram que a categoria de “mulher” no sentido geral
podia ser atribuída na base do trabalho efetuado. Outras sentiam que a categoria de mulher
não podia existir se as divisões entre elas fizessem com que elas não pudessem exercer a
sua solidariedade. A noção geral foi que tinha que se ter cuidado com a categoria de
mulher e os seus interesses/expetativas porque outras mulheres podiam discordar e fazer
uma outra leitura da questão.

Torna-se, então, claro que a organização social dos povos africanos é bastante
diferente da dos países europeus ou da América do Norte e, consequentemente, a categoria
de género não é a única ou a mais importante na vida e na realidade quotidiana de uma
pessoa africana. Logo, o feminismo na sua vertente ocidental, com o grande enfoque nas
questões relacionadas com o género aplica-se muito menos ao continente africano.

3.1.2. Posicionamento perante homens e maternidade

Um outro ponto de demarcação ou de diferenças substanciais entre feminismos


africanos e ocidentais é a atitude perante homens. Do lado ocidental mantém-se e nutre-se
a posição de que o único opressor das mulheres africanas é o homem africano. Todos os

34
trabalhos levados a cabo nos anos 80 e 90 do século XX “comprovam” a situação precária
da mulher em África causada exclusivamente pelo homem que é: «the enemy, the exploiter
and oppressor» (Kamara, 2011: 213, Ogunyemi, 1996: 114). Chega-se à conclusão, então
de que há uma guerra entre homens e mulheres africanos. A proposta de solução dirigida a
mulheres africanas foi a de criar um mundo autónomo separado dos homens com a estética
e economia emocional adequada a mulheres.

As mulheres africanas, tal como as suas irmãs afro-americanas rejeitaram esta visão
do feminismo argumentando que problemas com os quais se confrontam as mulheres e os
homens africanos (a pobreza, a exploração capitalista, a falta de recursos básicos como a
água, a corrupção política, etc.) requerem a cooperação entre os sexos e as soluções para
estes problemas não podem ir na linha do pensamento dicotómico. Por esta razão, como
argumenta Kramara e outras académicas africanas, a perspetiva africana difere imenso da
ocidental: sublinha-se a complementaridade dos sexos e o papel da cooperação. Ambos,
mulheres e homens podem e devem (como veremos neste capítulo) trabalhar em todas as
esferas da vida juntos, sem se deixarem separar pelo pensamento hierárquico, alheio ao
pensamento africano (Dove, 1998: 515).

Pode-se, então afirmar, que a especificidade do feminismo africano assenta na


solução pacífica e, talvez, possamos avançar com a afirmação que esta abordagem de
mulheres africanas é mais humanista porque procura garantir o bem-estar dos dois sexos.
Esta visão assenta na cultura africana que se expressa pelo interesse pelo coletivo – o bem
da comunidade é de maior importância do que o bem individual.

No sistema que valoriza a comunidade e o coletivo, o papel da mulher no seio da


comunidade é mais estimado – a mulher é vista como mãe, traz vida ao mundo, garante e
assegura a regeneração espiritual dos anciãos. Ela, a mãe, transmite a cultura e constitui o
centro da organização social. Porém, o papel da maternidade não é atribuído somente às
mães biológicas. Baseando-se nos trabalhos académicos, Dove afirma (1998: 520-521) que
a maternidade transcende as relações de sangue e de género, mesmo nos tempos de hoje.
Uma outra pessoa, membro da família, ou não, pode desempenhar o papel da mãe. E este
papel constitui a fonte da força, do reconhecimento, do empoderamento e do estatuto da
mulher na sua comunidade. A maternidade, neste sentido, traduz os valores de
comunidade, da importância do outro e de formas de resistência. A ética do cuidado,

35
muitas vezes criticada em algumas correntes dos feminismos ocidentais é levada a um
outro patamar no pensamento africano. A tarefa de “othermothering”, a fonte da força das
mulheres afro-americanas, é uma das mais gloriosas tarefas da mulher no continente
africano. Uma mulher que não tem filhos biológicos, pode ser protegida emocionalmente
através do seu papel da “mãe dentro da comunidade” onde esta prática lhe confere o
estatuto da mulher sábia e respeitada (Ogundipe-Leslie, 1994).

3.2. O ato libertador de auto-nomeação

Carol E. Boyce Davies (1994: xi), na introdução ao livro de Molara Ogundipe-


Leslie intitulado “Re-creating Ourselves: African Women & Critical Transformations”
argumenta que sempre houve inúmeras tentativas de silenciar as vozes minoritárias,
outrora abafadas pela cacofonia de vozes provenientes do mainstream feminista, as
tentativas de ignorar as vozes de mulheres negras africanas. Devemos acrescentar a isso o
problema da “política da citação” ou a “política da exclusão” que rejeita e desvaloriza a
contribuição intelectual de mulheres africanas. É importante, neste contexto, seguir a
sugestão de Audre Lorde que fala dos “discursos transformativos” no seu ensaio “The
Transformation of Silence into Language and Action” (Lorde, 2007c: 43). O discurso
transformativo é praticado por mulheres africanas quando elas erguem a sua voz para falar
das suas realidades, para apresentar as propostas e alternativas ao feminismo ocidental.
Não importa neste contexto, que elas sejam chamadas de loucas, pois a loucura é atribuída
a quem se opõe e resiste à ordem estabelecida. É uma estratégia de opressão a de chamar
louca a quem fala em voz alta contra a realidade sufocante. Para ganharem voz própria,
para resistirem à imagem de ser mudo, passivo e vitimizado, as mulheres africanas
tornaram-se porta-vozes das suas irmãs. Visto que as ideias do feminismo ocidental, com
as suas práticas racistas e criação da “Outra”, não se adequavam às realidades africanas,
tornou-se urgente poder dar o nome à luta e à causa que as mulheres africanas
implementaram. Embora o projeto do feminismo ocidental tenha sido recuperar poder
através da linguagem e do ato de nomear, esta mesma linguagem tornou-se um dos
instrumentos da opressão, marginalização e silenciamento da “Outra”. O poder da
autodeterminação através da linguagem, da palavra, foi negado às mulheres do Terceiro
Mundo, por isso o projeto de ganhar a voz, de ousar falar e de trabalhar os conceitos em
termos da língua foi um dos mais importantes para as mulheres africanas.

36
Foi muito importante poder dar o nome ao pensamento de mulheres africanas
porque, se não o tivessem feito, outros/as teriam inventado nomes por elas. Ao deixar
outros dar o nome a uma teoria, as mulheres africanas deixariam também que esta pessoa
as definisse novamente. Desta forma seria fácil perder o espaço, a margem de manobra – e
essa seria uma forma de as mulheres africanas se tornarem um objeto nas mãos do outro
(Arndt, 2000: 10).

Segundo afirma, no mesmo sentido, Obioma Nnaemeka, académica e feminista


nigeriana, as mulheres africanas devem ter o poder de nomear, o poder de chamar as
coisas, de lhes atribuir o nome. Este poder, até há duas ou três décadas, era-lhes negado, e
pode fazer com que elas sejam capazes de definir o seu lugar, o seu nome e a sua luta. A
causa então é política e não se reduz somente a uma questão de terminologia: «What is at
stake is the issue of agency, subjectivity, and power – the power to name oneself, one´s
location and one´s struggle» (Arndt, 2002: 13).

O termo “feminismo” suscita em África muitas dúvidas e resistências entre as


próprias feministas africanas e escritoras que se debruçam nas suas obras sobre as relações
entre os sexos. O facto de o feminismo branco global e imperial não ser um fenómeno com
o qual as mulheres africanas se identifiquem faz com que elas se distanciem muitas vezes
do próprio termo. A escritora nigeriana Flora Nwapa, acusada e “rotulada” de ser feminista
diz: «I don´t use that word because I don´t like the word» (Arndt, 2002: 23). Curiosamente,
enquanto Flora Nwapa rejeita o termo “feminismo” quando se desloca a obodo oyibo (terra
de gente branca), abraça o termo quando está em Nsukka, Nigéria (Arndt, 2002). A
resistência das autoras e académicas africanas a definirem-se e identificarem-se com o
feminismo constitui também uma forma de reação contra a leitura e apropriação dos textos
escritos por elas por parte das feministas brancas que aplicam as suas regras atribuindo aos
textos e aos pensamentos de mulheres africanas as caraterísticas do feminismo branco. A
título de exemplo, Katherine Frank, feminista e académica branca apropria-se da literatura
escrita por Buchi Emecheta, Flora Nwapa ou outras escritoras africanas do ponto da vista
ocidental “often virtually “raping” it [o texto] in the process.” (Arndt, 2002: 22).

3.3. Conceitos e alternativas oferecidos por mulheres africanas

Na sua tentativa de se definirem, nomearem e identificarem, as mulheres africanas


trabalharam no sentido de desenvolver a terminologia e os conceitos do pensamento

37
centrado nas mulheres, o que nós, no mundo ocidental, poderíamos designar por
“feminismo”. Uma das versões do feminismo africano está ligada a uma
posição/pensamento chamado em inglês “womanism”. No contexto afro-americano o termo
é atribuído a Alice Walker. O termo simboliza a transição que ocorreu numa rapariga
adolescente que descobriu em si uma mulher. Este nascimento, a nova consciência, duma
mulher pode surgir como efeito de um incidente dramático ou traumático (morte, um ato
de racismo, etc.). Segundo Walker, womanism é uma resposta mais completa e eficaz do
que aquilo que o feminismo propõe a respeito de relações entre dois sexos. Como afirma
Alice Walker, a diferença entre o womanism e feminismo é equivalente à diferença entre
roxo e lavanda (Arndt, 2002: 38). A definição fundamental é a seguinte: «A womanist is
[c]ommitted to survival and wholeness of the entire people, male and female» (ibidem, p.
38). Para Alice Walker, o conceito do womanism é mais amplo porque não se limita
somente às questões ligadas à discriminação na base do sexo, mas procura encontrar
respostas aos problemas de racismo, da identidade étnica das pessoas, às questões de cariz
económico e social. No entanto, como afirma Susan Arndt, o conceito trabalhado por Alice
Walker, ignora o problema de separatismo visto que para Alice Walker as mulheres
brancas não podem ser incluídas no fenómeno. Somente as mulheres negras podem ser
adeptas do conceito – isso exclui também os homens negros. Este conceito foi também
trabalhado por mulheres em África, embora tenha, na versão africana, um caráter um
pouco diferente.

3.3.1. Womanism de Chikwenye Ogunyemi

Chikwenyé Okonjo Ogunyemi, a crítica literária nigeriana, autora do famoso livro


“Africa Wo/Man Palava. The Nigerian Novel by Women” publicado em 1996 desenvolveu
a sua própria versão do conceito womanism. Como ela própria explica, chegou ao termo
independentemente de Alice Walker, mas o facto de o mesmo ter sido utilizado pela autora
afro-americana revelou-se uma surpresa agradável (Ogunyemi, 1985: 72). É verdade que
em alguns aspetos o womanism dela é semelhante ao conceito desenvolvido por Alice
Walker, no entanto, existem também diferenças. Tal como Alice Walker, Ogunyemi
concorda que o womanism africano é uma forma de feminismo: «African womanism
believes in the freedom and independence of women like feminism» (Arndt, 2002: 39).
Porém, as diferenças estruturais existentes entre o Norte branco e o Sul negro implicam
que esta ideia está a ser posta em prática de uma forma diferente. Como ela explica: «the

38
ultimate difference between the feminist and the womanist is … what each sees of
patriarchy and what each thinks can be changed» (ibidem, p. 39).

Como podemos ver, para Ogunyemi, o conceito do womanism subentende a


consciência de que as questões de género não são e não podem ser separadas dos outros
fatores e das outras realidades que, em conjunto, determinam a vida das mulheres no seu
contexto familiar, local e comunitário. Só este contexto tem todo o sentido para as
mulheres africanas e é aqui que elas divergem da compreensão do feminismo branco,
muito focado nas questões de género e das relações de género privadas, muitas vezes, do
seu contexto. A noção de raça ligada à classe e género, o trio abandonado pelas feministas
marxistas, utilizada por Ogunyemi difere substancialmente da noção avançada por Alice
Walker. Para ilustrar melhor o argumento usado por Ogunyemi, deixaremos aqui, na
versão original, dez aspetos que um/a womanist era obrigado/a ter em consideração:

“1. Global capitalism and consumption that impoverish the poor; 2. The political
economics of race; 3. Feminisms and other imperialisms – postcoloniality in cahoots
with global sisterhood; 4. Interethnic skirmishes and cleansing; 5. Religious
fundamentalism – African traditional religions, Islam, and Christianity; 6. Elitism,
militarism, and feudalism; 7. The language issue; 8. Gender constrictions; 9.
Gerontocracy; 10. In-lawism and other cultural constraints”.
(apud Arndt, 2002: 40).

São aspetos de extrema importância para as mulheres (e não só) da África porque
definem o quotidiano delas influenciando, também, as relações de género. É neste sentido
que o feminismo africano tem que se separar e diferir do feminismo branco ocidental que,
por sua vez, está confrontado com outros problemas a resolver.

“As a woman with her own particular burden, knowing that she is deprived of her rights
by sexist attitudes in the black domestic domain and by Euro-American patriarchy in the
public sphere; as a member of a race that feels powerless and under siege, with little
esteem in the world – the black female novelist cannot wholeheartedly join forces with
white feminists to fight a battle against patriarchy that, given her understanding and
experience, is absurd. So she is a womanist because of her racial and sexual
predicament.”
(apud Arndt, 2002: 40).

Este ponto de vista, que nos parece pertinente por ser analisado na perspetiva da
mulher negra Africana, foi criticado por disseminar ideias racistas. Jenny de Reuck,
académica da África do Sul, afirmou que Ogunyemi fez o esforço de constituir o sujeito
dentro da dimensão racista no âmbito do conceito do womanism africano. No entanto,

39
Ogunyemi simplesmente invocou os aspetos, talvez menos confortáveis para as feministas
brancas, porém às quais elas não podem virar as costas ignorando o contexto e realidade
das mulheres africanas. Nos seus textos, nomeadamente neste trabalho “African Wo/Man
Palava” Ogunyemi vai ainda mais longe – não só separa a sua visão do feminismo africano
(womanism) da do feminismo branco ocidental, como também o distancia do feminismo
afro-americano, acusando-o de não ver e não tomar em conta as realidades e as
especificidades africanas. Ela argumenta que só as mulheres africanas podem ser
seguidoras do womanism visto que são elas que conhecem melhor, na sua própria pele, os
aspetos da vida e da realidade quotidiana africana. O womanism abraça e celebra raízes
negras, os ideais da cultura negra e oferece uma visão refrescante de feminilidade negra.
Faz parte da tentativa de criar o seu próprio termo/nome, de se autoidentificar sem deixar
esta tarefa a outros.

3.3.2. Africana womanism de Cleonora Hudson-Weems

Uma outra visão do feminismo africano foi desenvolvida nos anos noventa do
século XX. A afro-americana Cleonora Hudson-Weems inventou o seu contexto do
feminismo africano chamado “Africana womanism”8 – «an ideology created and designed
for all women of African descent» (Arndt, 2002: 46). Esta visão do feminismo separa-se
totalmente do feminismo branco, visto que o feminismo ocidental foi transplantado para o
terreno africano por feministas brancas e com o objetivo de lhes trazer vantagens.

“I think that to talk of the terminology, feminism, we have to deal with the inception of
the term itself and what its original design was. Who designed it and what were the
needs of the women who designed it? It was a term created, designed and defined by
white women… It was exclusionary. Black women were not accepted; they were not
invited to be part of it… [W]hen I think of strong black women from Africa, from the
total diaspora, I never think of them as feminists, because I know what feminism means
to me, I know that it means ´get back´”.
(apud Arndt, 2002: 47)

O traço caraterístico da Africana womanism é a rutura total com o feminismo


branco ocidental e a exclusão de qualquer tentativa de conciliação ou solidariedade com os
objetivos do feminismo ocidental. Aqui a questão de género e das relações de género nem
sequer são questionadas e as mulheres negras africanas que ficaram convencidas com o

8
Ver mais em: http://africanawomanismsociety.webs.com/ [acedido em 14 de janeiro de 2014 às 14h41]

40
pensamento feminista são acusadas de traição como copiadoras do pensamento imperial e
colonizador. Para Hudson-Weems a verdadeira Africana womanist é:
“(1) a self-namer and (2) a self-definer, (3) family-centered, (4) genuine in sisterhood,
(5) strong, (6) in concert with male in struggle, (7) whole, (8) authentic, (9) a flexible role-
player, (10) respected, (11) recognized, (12) spiritual, (13) male compatible, (14) respectful
of elders, (15) adaptable, (16) ambitious, (17) mothering and (18) nurturing”.
(apud Arndt, 2002: 48).

A rejeição do feminismo branco foi tal que Hudson-Weems apelou às mulheres


africanas para rejeitarem também o próprio termo “feminismo” – nem “feminismo
africano” nem “feminismo negro” eram os termos adequados ao contexto e à experiência
das mulheres africanas. Mas a própria palavra “africana” foi considerada por Hudson-
Weems como a mais adequada no contexto africano pois descrevia a realidade étnica:
«[Africana”] identifies the ethnicity of the woman being considered and this reference to
her ethnicity, establishing her cultural identity, relates directly to her ancestry and land-
base – Africa» (apud Arndt, 2002: 48).

As caraterísticas da verdadeira womanist africana fazem-nos pensar em mulheres


que lutam ao lado dos homens, em pé de igualdade, pela libertação dos dois sexos e com os
quais possam construir uma nova sociedade – “in concert with a male struggle” e “male
compatible”. Esta cooperação com homens em prol da mudança é um elemento
diferenciador do “womanism” de Alice Walker e das várias correntes do feminismo
africano. Uma outra diferença, desta vez do womanism proposto por Ogunyemi, é que
Hudson-Weems não se concentra especialmente em questões de raça / racismo, embora a
própria palavra “africana womanism” sugira uma forte identificação com a pertença étnica.

Vale a pena aqui salientar que, para Chikwenye Ogunyemi, a versão do womanism
proposta por Hudson-Weems é utópica no sentido da sua abordagem romântica de a
relação entre mulheres e homens ignorar os perigos que homens podem representar para
mulheres, nalgumas circunstâncias (Ogunyemi, 1996: 119).

3.3.3. Stiwanism de Molara Ogundipe-Leslie

Gostaríamos de abordar aqui um terceiro conceito ligado ao feminismo africano,


que foi proposto por uma académica nigeriana – Molara Ogundipe-Leslie em 1994. A
autora avançou com o termo totalmente novo – stiwanism formado a partir de acrónimo

41
“Social Transformation Including Women of Africa” (Awuor, 1996). Como Ogundipe-
Leslie afirma:
“(…) This new term ´STIWA´ allows me to discuss the needs of African women today
in the tradition of the spaces and strategies provided in our indigenous cultures for the
social being of women…´STIWA´ is about the inclusion of African women in the
contemporary social and political transformation of Africa. I am sure there will be few
African men who will oppose the concept of including women in the social transformation
of Africa, which is really the issue. Women have to participate as co-partners in social
transformation”
(apud Arndt, 2002: 50).

A interpretação das suas palavras aponta no sentido de que as mulheres não só têm
o direito de participar na vida política e social do seu país ou da sua comunidade, como
devem fazê-lo. Um ponto muito interessante é que Ogundipe-Leslie apela às mulheres
africanas para tomarem responsabilidade por si próprias no sentido de desenvolverem os
seus interesses, de se envolverem na vida da comunidade, de se tornarem ativas. A
verdadeira emancipação das mulheres virá quando elas próprias se tornarem agentes da sua
mudança, em vez de se dedicarem às tarefas supostamente femininas, como leitura de
revistas cor-da-rosa, etc.: «Don´t just read fashion magazines. Don´t read only soft part of
newspapers, the “human angle” stories, the gossip, the scandal. Take an interest in society,
not only in your immediate family. Get out. Get involved.» (Ogundipe-Leslie, 1994: 231)

Aqui ela menciona os aspetos pouco falados e analisados em alternativas avançadas


por Ogunyemi (womanism) e Hudson-Weems (Africana womanism) – o papel e as relações
de género na vida quotidiana das mulheres africanas. Ogundipe-Leslie argumenta que as
relações de género constituem a parte fundamental na vida e que estas só podem ser o alvo
de transformação se as transformações básicas sociais tiverem lugar. Este conceito é
também dirigido a mulheres africanas, excluindo as mulheres brancas e afro-americanas. E,
a ideia principal é, tal como nos casos dos pensamentos centrados nas mulheres
apresentados neste capítulo, que há necessidade de se separar do feminismo branco com o
objetivo de encontrar respostas às necessidades e problemas de mulheres africanas:
“The creation of a new word is to deflect energies from constantly having to respond to
charges of imitating Western feminism and, in this way, conserve those energies, to avoid
being distracted from the real issue of the conditions of women in Africa… This new term
describes my agenda for women in Africa without having to answer charges of
imitativeness or having to constantly define our agenda on the African continent in relation
to other feminisms, in particular, white Euro-American feminisms which are unfortunately
under siege by everyone.”
(apud Arndt, 2002: 50).

42
O novo termo é uma tentativa, também, de evitar as acusações de Ogundipe-Leslie
se aliar ao feminismo, já que este termo suscita muitas reações negativas. A autora
identifica-se com o feminismo e acredita que ele é essencial para mulheres e homens
africanos, porém está consciente de que a causa é tão importante que é melhor protegê-la
de ataques.

3.3.4. Motherism de Catherine Acholonu

É o momento de apresentar neste capítulo mais um conceito africano ligado às


mulheres porque o fenómeno de maternidade é central na vida das mulheres africanas. No
seu livro publicado em 1991, no subtítulo chamado “Afrocentric alternative to feminism”
Catherine Acholonu propõe motherism como uma alternativa ao feminismo. Inspirada pelo
papel central da maternidade nas sociedades africanas, a nigeriana Acholonu avançou com
a teoria de que maternidade significava também natureza (nature) e cuidado (nurture) – os
aspetos que podem atribuir à mulher um grande poder. Curiosamente, é de notar que no
âmbito do feminismo ocidental, durante a segunda e terceira vaga do feminismo, esses
conceitos do cuidado e da natureza foram bastante desvalorizados estando eles na base da
discriminação das mulheres. Porém, na ótica de Catherine Acholonu a mulher enquanto
mãe tem o papel e a tarefa de cuidar da sua família, proteger a caraterística natural da
família, da criança, da sociedade e do ambiente (Arndt, 2002: 53). Ambos, homens e
mulheres, podem seguir o conceito de motherism.

Espera-se deles, do homem e da mulher, no entanto, a consciência e a resposta a


vários problemas sociais, culturais e comunitários. O/a seguidor/a do motherism é tudo
menos o ser passivo e ignorante. Ela e ele devem estar «… concerned about the menace of
wars around the globe, racism, malnutrition, political and economic exploitation, hunger
and starvation, child abuse and mortality, drug addiction, proliferation of broken homes
and homelessness around the world, the degradation of the environment and the depletion
of the ozone layer through pollution…» (in Arndt, 2002: 54).

De novo, a questão de género não é central na teoria proposta por Catherine


Acholonu e esta posição deve-se, na opinião de Susan Arndt, ao facto de que, segundo
afirma Acholonu, nas sociedades tradicionais africanas não existia opressão de género – as
mulheres não foram de forma alguma subjugadas e discriminadas pelo homem. Tal como
argumentou a outra académica nigeriana aqui mencionada, Oyeronke Oyewumi, o

43
equilíbrio entre os sexos e a igualdade de género existente nas sociedades africanas antes
do advento do colonialismo foram destruídos pela imposição das soluções e estruturas
ocidentais no terreno africano. Um dos objetivos do colonizador foi enfraquecer a posição
das mulheres africanas nas sociedades tradicionais porque o poder e a influência que elas
detinham constituíam uma fonte de força capaz de resistir aos objetivos da colonização.
Antes de África ter sido conquistada, era imperativo acabar com o poder das mulheres
africanas (Arndt, 2002: 58). Assim, além da negligência e da violação dos direitos
humanos, a colonização introduziu novas relações entre os sexos agravando a situação das
mulheres em geral. Em termos sociais e económicos, as mulheres ficaram a perder muito
tornando-se mais dependentes dos homens.

É certo que em algumas das suas afirmações, Catherine Acholonu pode ser
considerada bastante controversa, para não dizer injusta, face ao feminismo ocidental que
ela acusa de ser contra a natureza, contra a criança e contra a cultura. Ela, tal como
algumas outras “feministas” africanas, critica as mulheres africanas apoiantes do
feminismo ocidental por demonstrarem uma atitude pouco crítica em relação à adoção dos
ideais e valores do feminismo ocidental no terreno africano, particularmente pela tese de
que as mulheres africanas são oprimidas e subjugadas por homens. Como diz: «the truth is
that what determines social status in Africa, in all parts of Africa is economic power, and
hardly gender» (apud Arndt, 2002: 57). Seria quase suicídio para uma mulher africana
adotar ideologias do feminismo ocidental sem ter em conta as diferenças históricas,
culturais e sociais das duas culturas.

O que se deve pretender é a complementaridade dos sexos e não a igualdade –


«(…) equality is controversial and self-destructive; complementarity is diplomatic,
mentally supportive and dynamic» (apud Arndt, 2002: 58). Como podemos ver, o conceito
do motherism não procura transformar as relações de género porque a própria fundadora do
conceito não acredita em desigualdade em função de género. A sua noção de feminismo
não tem por base a luta contra a opressão de mulheres visto que neste conceito a cada sexo
é atribuído outro papel e tarefas do quotidiano.

3.3.5. Negofeminismo

Este termo proposto por Obioma Nnaemeka engloba a visão do feminismo da


negociação (daí o prefixo “nego”) – é o feminismo sem egoísmo, por assim dizer, o

44
feminismo que assenta no valor da comunidade (Nnaemeka, 2004). A autora reconhece
que o feminismo africano é tão rico e diversificado como a própria África, e propõe o
termo não necessariamente para ocultar as diferenças e a diversidade do pensamento
centrado na mulher mas para dar relevo às práticas que lhe parecem comuns nas sociedades
africanas – práticas que assentam nos valores, atitudes e instituições que são comuns para
as nações e povos de África Subsaariana. Este leque de valores partilhado no continente
africano pode servir de base para constituir debates em torno de África e as suas
especificidades. No conceito de negofeminismo dominam os valores de compromisso – de
dar e de receber – do equilíbrio e da harmonia. Isto é uma visão africana de feminismo que
opera através da adaptação, numa certa forma, à mentalidade e à cultura sem criar
confronto. As adeptas de negofeminismo desarmam as minas do patriarcado através da
flexibilidade, sem trazerem grandes riscos e perigos a mulheres que visam mudar a
sociedade. A ideia chave é que o feminismo africano desafia, luta e desconstrói as velhas
estruturas sem entrar em conflito com homens e com a sociedade sabendo como negociar o
espaço cultural e político onde as mulheres podem exercer os seus direitos da cidadania.
Embora neste capítulo sejam apresentados conceitos que se separam dos feminismos
brancos ocidentais e não esgotam o tema nem a riqueza do pensamento, é necessário
realçar que há um grupo de mulheres africanas que estão envolvidas, pela escrita e pelo
ativismo, em questões em prol das mulheres e que, ao mesmo tempo, não se distanciam
nem procuram uma rutura com o feminismo enquanto termo e a opção política.

A título de exemplo, Zoe Wicomb9 (África do Sul), Nawal El Saadawi10 (Egito),


Akachi Adimora-Ezeigbo 11 (Nigéria), Abena Busia 12 (Gana), Ama Ata Aidoo 13 (Gana)

9
Zoe Wicomb - escritora sul-africana nascida em 1948. Atualmente leciona na Universidade de Strathclyde,
Escócia.
10
Nawal el Sadaawi - médica, escritora, académica e feminista egípcia, nascida em 1931 que possui uma
obra importante publicada sobre situação de mulheres árabes, mutilação genital feminina, etc.
11
Akachi Adimora-Ezeigbo – académica nigeriana, escritora, primeira vice-presidente do PEN Nigéria e
membro de Associação Nigeriana de Mulheres Escritoras (inglês: Women Writers´ Association of Nigeria).
12
Abena Busia - atualmente Presidente do Departamento de Estudos sobre as Mulheres e de Género na
Universidade de Rutgers, EUA. Possui vasta obra sobre feminismos africanos e literatura de mulheres negras.
13
Ama Ata Aidoo - escritora, académica, e ex-Ministra de Educação de Gana nascida em 1940. Nos seus
livros apresenta mulheres que desafiam normas tradicionais e culturais da sua comunidade.

45
afirmaram que se identificaram com o feminismo. Embora repitam que o contexto social,
cultural e político africano exige outras teorias e soluções além das propostas pelas
feministas ocidentais, concordam, no entanto, que há raízes comuns e semelhanças entre as
situações e os problemas de mulheres ocidentais e africanas. Citando as palavras de Akachi
Adimora-Ezeigbo: «Whatever the differences between black and white feminism, there can
be no doubt that both share certain aesthetic attitudes» (Arndt, 2002: 67). O facto de se
ouvirem várias vozes e de se observarem posições diferentes face aos feminismos significa
somente que as mulheres não ficam indiferentes perante a sua realidade, vida e quotidiano
procurando as suas próprias respostas e, embora tenham visões diferentes da problemática
das mulheres, partilham a mesma preocupação. A polifonia das vozes constitui uma prova
da riqueza do pensamento das mulheres africanas.

46
4. A escrita literária como voz de insurgência

Qual seria o melhor campo para ouvir a voz das mulheres africanas que não o da
literatura? A palavra escrita pode constituir uma arma poderosa para combater a
invisibilidade, a marginalização e o silenciamento imposto às mulheres africanas tanto pela
cultura ocidental como por homens africanos enquanto escritores (Kolawole, 1997).
Kolawole argumenta que as mulheres africanas transcenderam, no entanto, o silêncio,
precisamente através da literatura pois esta tornou-se para elas um instrumento
indispensável para a autorreflexão, autoexpressão e autolibertação. Da mesma forma, a
escrita pode tornar-se também um instrumento de auto-preservação e auto-cura. Um
fragmento muito interessante e emocional incluído na carta de Gloria Anzaldúa dirigida às
mulheres escritoras do Terceiro Mundo ilustra o que simboliza a escrita para a “Outra”:

“O ato de escrever é um ato de criar alma, é alquimia. É a busca de um eu, do centro do


eu, o qual nós mulheres de cor somos levadas a pensar como “outro” – o escuro, o
feminino. Não começamos a escrever para reconciliar este outro dentro de nós? Nós
sabíamos que éramos diferentes, separadas, exiladas do que é considerado “normal”, o
branco-correto. E à medida que internalizamos este exílio, percebemos a estrangeira
dentro de nós e, muito frequentemente, como resultado, nos separamos de nós mesmas e
entre nós. Desde então estamos buscando aquele eu, aquele “outro” e umas às outras”.
(Anzaldúa, 2000: 232)

Para a autora, a escrita constitui uma forma de não se deixar rotular e definir por
outros. É uma forma de se insurgir contra a opressão e injustiça – é o dever para com
outras irmãs do Terceiro Mundo e as mulheres negras. Escrita é uma forma de superar o
medo e de gritar em voz alta sobre o que habita no coração.

Neste capítulo analisaremos como a voz da mulher africana surge na palavra escrita
de uma das escritoras nigerianas – Chimamanda Ngozi Adichie - representante da nova
geração e, talvez, da nova forma de pensar e escrever. A escolha desta autora pareceu-nos
importante, não só por ela pertencer à nova geração de autoras africanas mas também,
porque na sua abordagem às sociedades contemporâneas africanas, nomeadamente
nigeriana, podem-se encontrar traços do pensamento feminista. Mariama Bâ (in Ogunyemi,
1985: 65) argumentou que escrever sobre mulheres não significa, necessariamente, que
uma autora é feminista. De igual forma, um autor que escreva sobre África não tem que
ser, obrigatoriamente, nacionalista. Segundo Mariama Bâ, uma autora é feminista quando
dedica os seus esforços para expor e denunciar a tragédia das mulheres, quando protesta
ativamente sobre discriminação e degradação das mulheres e quando elogia as suas

47
capacidades físicas e intelectuais. Por sua vez, Ogunyemi explica-nos a sua visão do que é
um romance feminista:

“A reader can expect to find in it some combination of the following themes: a critical
perception of and reaction to patriarchy, often articulated through the struggle of a
victim or rebel who must face a patriarchal institution; sensitivity to inequities of sexism
allied with an acceptance of women and understanding of the choice open to them; a
metamorphosis leading to female victory (…)”
(Ogunyemi, 1985: 64-65)

Num romance que carrega traços feministas temos, portanto, sinais de sensibilidade
perante a situação das mulheres, mas, além disso, possuímos também soluções e estratégias
de sobrevivência que fazem das mulheres seres em transformação, passando de uma
situação de fragilidade para uma posição de vitória. Dá-se importância às personagens
femininas que cumprem um papel fazendo o/a leitor/a compreender os mecanismos de
opressão das mulheres mas também as formas de os combater. Como argumentam as
teóricas feministas (Ogundipe-Leslie, 1994: 57), a mulher escritora tem duas
responsabilidades: descrever a realidade das mulheres através dos olhos das mulheres e
contar sobre o que significa ser mulher.

O objetivo deste capítulo será olhar de perto as personagens femininas que habitam
as páginas dos romances de Chimamanda Ngozi Adichie. As figuras femininas
apresentadas em dois dos romances desta autora serão analisadas no que diz respeito às
situações que enfrentam e posições que tomam perante as adversidades - será que as suas
reações perante a vida e outros, as formas de pensar e de se comportar empoderam-nas,
tornando-as invencíveis e fortes ou fazem-nas vulneráveis e indefesas? E, finalmente,
poderemos dizer que as personagens femininas que nos são apresentadas pela escritora
saíram da pena duma escritora engagée, feminista de convicção? Antes disso, porém,
abordaremos a problemática de cânone e da exclusão das mulheres africanas enquanto
escritoras deste cânone.

4.1. Na margem do cânone – exclusão de escritoras africanas

O campo da literatura africana, e por conseguinte, o conceito de “cânone” literário


sempre pertenceu aos homens, e esta situação continua a persistir até aos dias de hoje,
embora possamos ouvir cada vez mais vozes femininas, nesta área prestigiosa da produção
literária. Lília Momplé (1999) admite que a própria palavra “cânone” é virtualmente

48
desconhecida entre escritores e escritoras moçambicanos – é a palavra que gera uma certa
confusão. No entanto, esta escritora moçambicana tem certeza sobre uma coisa e afirma:
«(…) nenhuma escritora moçambicana se encontra representada no cânone educativo. Nos
livros de leitura adoptados para o ensino, os nossos textos simplesmente não existem.»
(Momplé, 1999: 32-33).

Como afirma Catarina Martins (2011) no seu artigo publicado em e-cadernos do


CES Coimbra intitulado “´La Noire de…´ tem nome e voz. A narração de mulheres
africanas anglófonas e francófonas para lá da Mãe-África, dos nacionalismos
anticoloniais e de outras ocupações”, a situação do cânone literário africano ser “ocupado”
e definido principalmente por homens, tem vindo a ser criticado pelas escritoras africanas e
pela crítica feminista, particularmente a partir dos anos oitenta do século XX (Martins,
2011: 119). O papel das feministas no processo da escrita tem vindo a ser crucial «com a
inclusão, portanto, na academia de preocupações de investigação e críticas que ora
denunciassem as mensagens sexistas (escritos quer por homens, quer por mulheres), ora
revelassem vozes, até então silenciadas, que retiravam a mulher do lugar de subalternidade
que até então lhe havia sido atribuído» (Macedo, Amaral, 2005: 14). A palavra, a
expressão literária tornaram-se uma arma feminista e serviram para alcançar os objetivos
de mulheres africanas dedicadas à defesa dos direitos das mulheres e da mudança social,
como observámos no capítulo anterior.

Segundo argumenta Catarina Martins, o facto de as mulheres terem sido excluídas e


subalternizadas no domínio literário prende-se com a luta anticolonial e anti-imperialista.
A dimensão da literatura africana está fortemente ligada às questões políticas, coloniais, da
luta contra o colonizador e pós-colonialismo. Costumava-se argumentar que foram estes
temas que dominaram a produção literária africana e que contribuíram para o
estabelecimento do “cânone” literário masculino. O livro “The Empire Writes Back”
(1989) de Bill Aschcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin analisa a literatura africana e cita
somente três nomes de mulheres escritoras entre todo o batalhão de homens. Florence
Stratton (1994) e Makuchie Nfah-Abenuyi (1997) confirmam também que nos trabalhos
em que analisaram a literatura africana se ignoraram as questões de género; a experiência
literária das mulheres escritoras foi sujeita à invisibilidade e, até, ao apagamento.

49
É inegável que os trabalhos académicos dedicados à literatura africana deram pouca
atenção à expressão literária das mulheres africanas. As revistas académicas (a título de
exemplo, African Literature Today) ilustraram esta tendência visto que, se apareciam
artigos publicados sobre a literatura feminina, os mesmos surgiam, principalmente, nas
edições especiais dedicadas a mulheres escritoras (isto, nos anos 70 e 80 do século XX)
(Aidoo in Stratton, 1994). Foram publicados alguns livros dedicados ao assunto de
mulheres africanas na literatura, mas estes apareciam esporadicamente. Além disso, as
mulheres africanas, enquanto escritoras, não só foram ignoradas nos trabalhos dedicados à
literatura africana, mas a sua voz, quando falaram, foi silenciada. Como se afirma (in Nfah-
Abenuyi, 1997: 6): «the neglect of the woman as a writer in Africa has been an unfortunate
omission because she offers self-images, patterns of self-analysis, and general insights into
the woman´s situation which are ignored by, or rather inaccessible to, the male writer».

A exclusão das escritoras africanas do campo da literatura reconhecida pelo


Ocidente repetiu-se no solo africano. Afirma Nfah-Abenuyi (1997: 2) que embora as
mulheres africanas tenham sido ativas no campo da literatura tradicional oral, enquanto
escritoras têm sido ignoradas e nunca receberam a atenção que mereciam. A autora fornece
algumas explicações acerca desta situação. Em primeiro lugar, relata que uma das
principais razões foi a chegada tardia das mulheres à cena literária dos muitos países
africanos – neste caso os fatores que influenciam esta chegada tardia são: educação que
privilegia rapazes, costumes relacionados com o casamento e os sistemas tradicionais da
família que não permitiram às mulheres desenvolver as suas capacidades literárias. No
entanto, a mesma autora afirma que a partir dos anos 60 do século XX havia mulheres
africanas que publicaram os seus trabalhos (por exemplo, Flora Nwapa, Buchi Emecheta,
Ama Ata Aidoo, etc.). Todavia os escritores promoviam o seu trabalho e a sua escrita à
custa das suas conterrâneas (Nfah-Abenuyi, 1997:3). É importante aqui relembrar que
houve alguns progressos neste campo existindo atualmente muito mais interesse pela
literatura das mulheres africanas do que nos anos 70 e 80 do século XX, em resultado da
insistência das académicas feministas em estudar a escrita das mulheres (Nfah-Abenuyi),
1997). No entanto, é de extrema importância continuar o trabalho e ouvir o que as
mulheres africanas têm a dizer sobre si e as suas irmãs.

A separação do feminismo ocidental explorada nos capítulos anteriores prendeu-se


também com a necessidade de, primeiro, desconstruir a mulher africana enquanto Outra

50
mas, ao mesmo tempo igual às outras mulheres africanas e, no passo seguinte, de construir
de novo as mulheres africanas enquanto seres heterogéneos, distintos e que tenham a sua
própria voz e que possam negar a visão redutora ocidental da mulher africana pobre,
ignorante, rural, sem poder e presa à tradição misógina da sua sociedade. Assim, o papel da
literatura africana escrita por mulheres é o de «afirmação do papel das mulheres nas
sociedades e nas culturas africanas» (Martins, 2011: 126).

4.2. Romper com os estereótipos à volta de mulheres africanas: a narrativa de


Chimamanda Ngozi Adichie

Chimamanda Ngozi Adichie, uma jovem escritora nigeriana, nascida em 1977,


constitui um exemplo da poderosa voz feminina que se destaca na cena atual literária da
África de expressão inglesa em geral e da Nigéria, em particular. É de realçar o facto de os
romances de Adichie terem sido traduzidos para várias línguas, inclusive o português e o
polaco, e gozarem de imensa notoriedade. Chimamanda Ngozi Adichie é a quinta criança
dos seis filhos do casal Grace Ifeoma e James Nwaye Adichie. Cresceu em Nsukka numa
casa antes ocupada pelo escritor nigeriano de referência, Chinua Achebe14. Era oriunda de
uma família intelectual, já que o seu pai trabalhava na Universidade de Nsukka. Foi o
primeiro professor de estatística na Nigéria e, passados anos, tornou-se Vice-Reitor da
Universidade. A sua mãe, Grace, trabalhava como funcionária administrativa na mesma
universidade. Em 1996 Chimamanda Adichie emigrou para os Estados Unidos onde lhe foi
atribuída uma bolsa de estudo na Universidade Estatal de Eastern Connecticut vindo a
completar, com distinção, um curso em Comunicação e Ciências Políticas em 2001.
Continuou a sua educação e tirou o curso de mestrado em Escrita Criativa na Universidade
de John Hopkins em Baltimore15. Em 2008 Chimamanda Ngozi Adichie completou mais
um curso de mestrado, desta vez em Estudos Africanos na Universidade de Yale.
Atualmente, Adichie é casada e divide o seu tempo entre a Nigéria onde ensina
regularmente a escrita criativa e os Estados Unidos.

Críticos literários tentam descrever, ou até rotular, Chimamanda Ngozi Adichie


como uma escritora nigeriana, feminista, negra ou até afro-americana. Esta necessidade de
categorizar os/as escritores/as, no entanto, pode fazer com que toda a classificação seja

14
www.l3.ulg.ac.be/adichie/cnabo.html [acedido no dia 15 de janeiro de 2014 às 15h10].
15
http://www.l3.ulg.ac.be/adichie/cnabio.html [acedido em 15 de janeiro de 2014 às 15h15].

51
limitativa. Como afirma a própria escritora, estas generalizações são bastante redutoras
porque deixam de fora muitos aspetos que são relevantes na própria identidade de
pessoas.16 Ela acrescenta que se sente igualmente Ibo, Nigeriana, Africana e todas estas
identidades enriquecem a sua maneira de ver/ler o mundo. Vai ainda mais longe do que
isso ao declarar que é a soma de todas estas identidades e mais outras (Adichie, 2008).
Contra essas tendências redutoras de atribuir um rótulo a uma mulher escritora, escreveu
quase vinte anos antes Trinh T. Minh-ha (1989) opondo-se à classificação na base de
género e etnia:

“Neither black/red/yellow nor woman but poet or writer. (…) Being merely a writer
without doubt ensures one a status of far greater weight than being “a woman of color who
writes” ever does. Imputing race or sex to the creative act has long been a means by which
a literary establishment cheapens and discredits the achievement of a non-mainstream
women writers”.
(Minh-ha, 1989: 6)

A voz de Chimamanda Ngozi Adichie identifica-se com o feminismo e, tal como


algumas escritoras africanas mencionadas previamente neste trabalho, não se distancia do
conceito do feminismo e dos valores e objetivos que ele representa. Na sua escrita
deparamo-nos com mulheres africanas vivas, heterogéneas e autênticas, senhoras de si que
definem a sua própria vida mesmo em tempos da paz e da guerra.

4.2.1. A Cor de Hibisco

O primeiro romance de Chimamanda Ngozi Adichie, “A Cor de Hibisco” (The


Purple Hibiscus), foi publicado em outubro de 2003 e ganhou o prémio Commonwealth
Writers´ Prize for Best First Book em 2005. Os acontecimentos do romance desenrolam-se
na Nigéria pós-colonial, numa família abastada de Eugene Achike, uma personagem tanto
fascinante como repugnante devido ao seu comportamento perante a sua mulher e os filhos
ditado pela religiosidade mal compreendida. Como argumenta Fwangyil (2011: 262), a
autora faz-nos um retrato de sociedade e do ambiente opressor e sufocante em que as
mulheres vivem. Ogwude (2011: 111) avança com a opinião de que o romance explora o
chauvinismo religioso enquanto hostilidade cultural.

A narrativa pertence a Kambili, rapariga adolescente, à beira de puberdade. É


através dela que somos apresentados a algumas personagens femininas do romance que

16
www.lg.ulg.ac.be/adichie/cnainterview.html [acedido no dia 15 de janeiro de 2014 às 16h15].

52
despertam o nosso interesse. Em primeiro lugar, Beatrice, mãe de Kambili e mulher de
Euguene, também cunhada da Tia Ifeoma que será analisada um pouco mais adiante.
Como atrás mencionado, colocámos a pergunta se as personagens femininas de
Chimamanda Ngozi Adichie reagem de uma forma sustentada, abrindo o espaço para o seu
empoderamento ou se, pelo contrário, se deixam vencer pelas normas e expetativas sociais.
À primeira vista, Beatrice é-nos apresentada como uma mulher submissa, ameaçada pelo
seu marido, que permanece muda e profere poucas palavras ao longo das páginas da obra.
Sabemos, através da adolescente Kambili, que a mãe sofre a fúria implacável e ataques
físicos por parte de Eugene e é, pura e simplesmente, vítima da violência doméstica. O
sofrimento da mulher exprime-se, de cada vez após ser espancada, através do ato da
limpeza das estatuetas colocadas na estante da sala; o mesmo sofrimento demonstra-se,
silenciosamente, em forma de nódoas negras na cara da mulher, o que é o fruto e o
testemunho mudo da violência vivida por Beatrice.

“Há anos, antes de eu conseguir compreender o que se passava, sempre ouvia barulho
vindo do quarto deles como se estivessem a bater com qualquer coisa contra a porta,
costumava perguntar-me porque é que as polia. (…) Demorava pelo menos um quarto
de hora a limpar cada estatueta de ballet. Nunca tinha lágrimas no rosto. Da última vez,
há duas semanas apenas, quando o seu olho inchado ainda estava roxo, quase negro como
uma pêra-abacate demasiado dura, ela mudara-lhes a ordem depois de as ter polido”
(Adichie, A Cor de Hibisco, 2010, p. 15).

[“Years ago, before I understood, I used to wonder why she polished them each time I
heard the sounds from their room, like something being banged against the door. (…)
She spent at least a quarter of an hour on each ballet-dancing figurine. There were never
tears on her face. The last time, only two weeks ago, when her swollen eye was still the
black-purple color of an overripe avocado, she had rearranged them after she polished
them”]
(Adichie, Purple Hibiscus, 2009, pp. 10-11).

Qualquer tentativa de resistir à autoridade feroz do marido, mesmo numa situação


de fragilidade ligada à indisposição causada pela gravidez provoca um ataque de ódio e
violência. A mulher tem que pagar pelo “pecado” de contrariar a vontade do seu marido. O
preço a pagar pela violência são abortos espontâneos sucessivos e a impossibilidade de ter
mais filhos, preocupação constante de Beatrice. Com a impossibilidade de ter mais um
filho, em particular, um rapaz, associa-se o medo de rejeição pelo marido e pela
comunidade; Beatrice exprime este medo e angústia quando relata à sua cunhada que os
mais velhos da comunidade já sugeriram ao Eugene que se case com uma mulher que lhe
desse mais filhos. A recusa por parte de Eugene de se juntar a mais uma mulher, gere em

53
Beatrice um profundo sentimento de gratidão – afinal, ele não é assim tão mau já que
poderia fazer o que seria normal se seguisse a tradição. É esta gratidão, em conjunto com a
dependência económica, e o esforço de implementar as normas culturais onde a mulher
sem marido é uma cidadã de segunda classe, que fazem com que Beatrice permaneça em
silêncio e nunca questione a autoridade do marido. Não a questione mesmo quando Eugene
maltrata os seus próprios filhos inventando torturas mais repugnantes por cada pequena
“subversão” feita no dia-a-dia.

No entanto, a ditadura em casa de Eugene tem um fim. A solução, embora


chocante, vem de Beatrice. A decisão agonizante de matar o seu marido é, porém, uma
decisão heroica. Chimamanda Adichie nunca justifica o ato da sua protagonista, e também
não a culpabiliza. Deixa o processo de reflexão ao seu leitor/à sua leitora. Cremos, no
entanto, que o homicídio perpetrado por Beatrice é o grito pela liberdade – a sua liberdade
e a dos seus filhos. Trata-se, afinal, de um grito da mulher torturada e privada da sua
dignidade há anos. Não é, de forma nenhuma, uma solução desejável, nem um final feliz.
Pode ser, isto sim, um início da nova vida, talvez marcada pela depressão e remorsos, mas
mesmo assim uma vida livre da violência e da falta de esperança. Após a morte do seu
marido, Beatrice desafia as normas da sociedade recusando cortar o cabelo ou vestir-se de
preto ou branco. Como se a morte de Eugene despertasse vida, embora penosa, em
Beatrice.

O ato desesperado de Beatrice faz-nos pensar que mesmo as vítimas têm as suas
formas de sobreviver e resistir; nunca são totalmente mudas e passivas. Elas têm a sua voz,
mesmo se o preço a pagar para a articular for altíssimo.

Ao lado de Beatrice, conhecemos neste romance mais uma protagonista muito


interessante e, à primeira vista, a mulher que não podia ser mais diferente de Beatrice. É a
Tia Ifeoma, irmã de Eugene, cunhada de Beatrice. Trata-se de uma mulher educada, viúva
com dois filhos e detentora de uma personalidade forte e cheia de vida. Já na primeira
descrição a Tia Ifeoma aparenta uma alegria que falta, obviamente, a Beatrice. Ri-se
imenso, e o riso dela ecoa pela casa toda. Os filhos da Tia Ifeoma, ao contrário da Kambili
e do seu irmão, Jaja, vivem uma plena vida, numa casa onde as suas opiniões são
respeitadas, onde se respira liberdade e onde não grassa o ambiente murcho da
religiosidade levada ao extremo. É importante salientar que a Tia Ifeoma, independente

54
economicamente, leciona na universidade e possui uma personalidade que lhe proíbe
deixar intimidar-se pela família do marido (que morreu num acidente) no que diz respeito
às suspeitas relativamente à morte dele. A mulher está consciente de que a família e a
comunidade do seu marido suspeitam de o ter morto. No entanto, esta suspeita não lhe
causa transtorno. Sabe perfeitamente que a família se governa pelas tradições mais
obscuras que discriminam, muitas vezes, as mulheres que entraram nas famílias pela via do
casamento.

A Tia Ifeoma possui toda a coragem para desafiar o seu irmão, Eugene, sobre a
maneira como ele trata o seu pai (Pa Nnukwu) pelo facto de ele não se ter convertido. O
“pagão” nunca teve a possibilidade de dedicar tempo com qualidade aos seus netos,
Kambili e Jaja, e nunca teve o direito de entrar em casa de Eugene. Quando o Pa Nnukwu
morre, é a Tia Ifeoma, ela própria cristã, que se opõe à ideia do enterro cristão do seu pai –
desta forma obedece à vontade dele e demonstra respeito face à sua escolha de permanecer
animista. A sua dignidade coerente não lhe permite aceitar o apoio financeiro de Eugene
pois está consciente de que a aceitação do apoio significaria a necessidade de se submeter à
vontade do irmão.

Quando as duas mulheres, Beatrice e Tia Ifeoma, conversam na sua intimidade, é-


nos revelado que o facto que gere a profunda gratidão em Beatrice (de Eugene não ter
seguido os conselhos da umunna relativamente a casar-se com outra mulher a fim de
procriar mais filhos), é visto por Tia Ifeoma como nada de particular. Na sua ótica, Eugene
não fez nada extraordinário ao recusar-se casar com uma segunda mulher. Seria, afinal de
contas, ele próprio a perder com esta solução. Sem dúvida nenhuma, nesta conversa revela-
se o espírito indomável e solidário da Tia Ifeoma com as mulheres. É este sentido de valor
humano enquanto mulheres, solteiras ou não, que a Tia Ifeoma defende e tenta transmitir
às suas alunas na universidade. É o discurso que Beatrice chama “universitário”, que pouco
tem a ver com a realidade quotidiana das mulheres africanas, pois para Beatrice «Um
marido coroa a vida de uma mulher, Ifeoma. É isso que elas querem» (Adichie, A Cor de
Hibisco, 2010, p. 72) [A husband crowns a woman´s life, Ifeoma. It is what they want.]
(Adichie, Purple Hibiscus, 2009, p. 75). Para a Tia Ifeoma, o casamento não tem,
necessariamente, que significar um estado de graça. A vida sem o homem tem o seu valor
simplesmente porque a vida duma mulher tem o seu valor, ao contrário do que é levada a
pensar Beatrice. «Nwunye m, às vezes a vida começa quando o casamento acaba» (Adichie,

55
A Cor do Hibisco, 2010, p. 71) [Nwunye m, sometimes life begins when marriage ends”]
(Adichie, Purple Hibiscus, 2009, p. 75). A mensagem emancipadora está subjacente na
opinião da Tia Ifeoma quando esta afirma que o diploma universitário pode não ser a fonte
da liberdade porque quando as estudantes se casam, os seus maridos começam a controlar
a suas vidas. Tal como no romance seguinte, Adichie opina que a educação pode ser uma
fonte de libertação e a garantia da autonomia das mulheres se estas quiserem fazer dela,
dos estudos, o seu instrumento da emancipação. Ecoam aqui, nesta mensagem, as palavras
de Ogundipe-Leslie, que apelava para que as mulheres africanas se tornassem senhoras de
si próprias através da educação e da autonomia económica.

Não nos restam dúvidas de que a personagem da Tia Ifeoma é personagem forte e
insubmissa. Em tudo o que faz, desafia as normas de género e questiona a posição da
mulher como vista pela sociedade tradicional nigeriana. É independente, é intelectual,
apoia o seu pai como se fosse um homem, encoraja Kambili a vestir calças e pensar pela
sua própria cabeça. Na situação de falta de meios económicos, luta diariamente pelo
sustento da sua família e, quando acabam todas as possibilidades, não recua perante a
opção de emigrar para os Estados Unidos em busca de vida melhor para si e seus filhos.
Embora muito diferentes, ambas, Beatrice e Tia Ifeoma, revelam-se lutadoras, dispondo,
cada uma delas, de várias estratégias de sobrevivência.

4.2.2. Meio Sol Amarelo

As páginas do segundo romance de Chimamanda Ngozi Adichie “Meio Sol


Amarelo” (Half of a Yellow Sun) publicado em 2006 albergam muitas personagens, entre
quais as mulheres que diariamente lutam pela independência das suas vidas, das suas
famílias e do seu país. Nas posições, decisões e traços caraterísticos destas mulheres
podemos encontrar os ecos do pensamento feminista apresentado nos primeiros três
capítulos deste trabalho: a luta pela dignidade, pelo direito a viver a sua vida na sua própria
maneira, o amor pela família, pela pátria e pela terra. O romance descreve um capítulo
sangrento da História da Nigéria e a guerra do Biafra pela independência entre 1967-70.
Neste romance falam-nos as vozes de várias personagens – a de Ugwu, o rapaz criado do
professor Odenigbo, a de Odenigbo, a de Kainene e a da sua irmã gémea Olanna e a de
Richard, um inglês engagé na causa política do Biafra.

56
Olanna e Kainene, as principais mulheres do livro, pertencem à classe média
nigeriana cujos pais fazem parte dos homens e mulheres de negócios, os novos-ricos, as
pessoas sem ideais e os oportunistas. As irmãs não podiam ser mais diferentes uma da
outra, quer a nível físico quer psicológico. Kainene seguiu o seu pai na escolha da vida
profissional tornando-se uma mulher de negócios. Olanna, por sua vez, cursou na
Inglaterra onde fez sociologia e, ignorando a vontade do seu pai, tomou a decisão de se
mudar para a cidade de Nsukka onde tencionava lecionar na universidade local e viver com
Odenigbo, professor na mesma universidade. As duas mulheres são sofisticadas, educadas
num liceu britânico prestigioso, estabelecido pelos e para os Ingleses abastados na Nigéria.
Ambas têm uma forte visão da sua própria vida que não vai ao encontro dos planos
estabelecidos para elas pelos seus pais, isto é particularmente verdadeiro no caso da
Olanna. Como a rapariga é de extrema beleza, os pais tentam empurrá-la para os braços do
Chefe Okonji, em troca de um contrato lucrativo. A decisão de não aceitar o posto de
trabalho no Ministério e de não aceitar os avanços do Chefe tal como de se juntar ao
Odenigbo em Nsukka para viver com ele e trabalhar na universidade no Departamento de
Sociologia demonstram a personalidade forte e indomável da jovem mulher. O mesmo
pode-se afirmar sobre Kainene, visto que lidar com os negócios no mundo dominado por
homens comerciantes exigia uma certa coragem, profissionalismo e a capacidade de não se
deixar intimidar pelos tubarões de negócios.

A forte mensagem feminista, centrada na voz das mulheres é-nos transmitida


quando Odenigbo trai Olanna. Magoada, sofredora e cheia de incertezas, Olanna vai de
visita à sua tia Ifeka para lhe relatar o que aconteceu na sua vida íntima. Curiosamente,
Olanna não procura comunicar com a sua mãe pois separa-as o mar das diferenças na
forma como encaram as suas vidas. A Tia Ifeka, uma mulher simples mas experiente da
vida, pronuncia as palavras que só podiam ter sido proferidas por uma feminista, uma
mulher consciente de relações de género que dominam o quotidiano: «- Nunca te deves
comportar como se a tua vida pertencesse ao homem. Ouviste-me? – disse a Tia Ifeka. – A
tua vida pertence-te a ti, só a ti, soso gi». (Adichie, Meio Sol Amarelo, 2009, p. 284) [You
must never behave as if your life belongs to a man. Do you hear me? Aunty Ifeka said.
´Your life belongs to you and you alone, soso gi´] (Adichie, Half of a Yellow Sun, 2009, p.
227). Esta é a voz própria duma mulher africana, da mesma mulher que muitas feministas
ocidentais imaginaram e descreveram como pobre, vítima das tradições africanas que a
deixam sem voz e sem a capacidade de decidir sobre a sua própria vida. A Tia Ifeka pede

57
também a Olanna para esta tentar relativizar a sua experiência e a sua dor porque, afinal de
contas, Odenigbo comportou-se conforme era “esperado” de um homem: durante a
ausência da sua mulher dormiu com uma outra. Na sua lógica, a Tia Ifeka parece querer
dizer que a traição por parte do homem pode não ser necessariamente um drama – há
coisas na vida duma mulher mais importantes do que isto – no caso de Olanna são o
trabalho e a independência económica. São estes fatores que lhe dão o poder para se sentir
forte e livre.

A educação é uma outra forte mensagem em prol do empoderamento das mulheres


que Chimamanda Ngozi Adichie parece transmitir. Uma parte das mulheres que aparecem
no romance tem uma educação – Kainene, Olanna, Miss Adebayo, a Americana Edna
Whaler. Esta educação permite-lhes atuar em pé de igualdade com os homens participando
nas discussões políticas na casa do Odenigbo, atuar para o bem da sociedade e viver a sua
independência. Quando a filha da Tia Ifeka pergunta a Olanna se esta tenciona casar-se
com Odenigbo, a resposta é negativa reforçando a ideia de que Olanna tenciona antes
trabalhar. Ao que Arize responde, tomada pela surpresa e admiração: «Só as mulheres que
leram muito Livro como tu podem dizer uma coisa destas, mana. Se as pessoas como eu,
que nunca leram um Livro, esperarem de mais, caducam» (Adichie, Meio Sol Amarelo,
2009, p. 58). [It is only women that know too much Book like you who can say that, Sister.
If people like me who don´t know Book wait too long, we will expire] (Adichie, Half of a
Yellow Sun, 2009, p. 41). “O Livro” e a educação garantem à mulher o poder intelectual, o
poder de saber o seu próprio valor e o rumo que ela devia tomar na vida. A educação pode
abrir muito mais portas a outras alternativas do que somente o casamento precoce e as
dificuldades da vida duma mulher casada. É a mesma mensagem que nos é passada pela
Tia Ifeoma no romance “A Cor do Hibisco”, e é o motivo que reaparece nas páginas das
duas obras da autora.

No entanto, Adichie apresenta-nos a atitude da mãe de Odenigbo face a Olanna e


tudo o que ela representa enquanto mulher jovem, educada, livre e moderna. Mama está
convencida de que os estudos estragam uma mulher tornando-a arrogante e inútil
(desobediente) enquanto esposa. A educação universitária pode, até, ser uma causa da
infertilidade da mulher, ou seja, pode torná-la um ser inferior sem qualquer “uso”. No
entanto, é importante notar que a mãe de Odenigbo é, como ele próprio observou, uma
mulher simples, ignorante e com medo de tudo o que Olanna representa mas que é

58
inalcançável para muitas das mulheres das zonas do mato. Vemos ainda aqui uma forte
crítica, expressa em palavras quase humorísticas, da ignorância intelectual e também uma
mensagem que urge disseminar sobre a ideia de educação enquanto instrumento de
empoderamento das raparigas, mulheres e das sociedades em geral. O exemplo de Ugwu
sugere que com a educação alcançada com a ajuda de Odenigbo, os indivíduos podem
tornar-se os agentes da sua própria vida e do futuro das suas sociedades. Tal como na
versão do feminismo proposto pela Ogunyemi, tanto os homens como as mulheres podem
e devem cooperar na tentativa de transformar a sociedade.

Ao analisar as personagens femininas que aparecem diante dos nossos olhos,


deparamo-nos com outras mulheres que, embora não sejam as personagens principais do
romance, dizem-nos muito sobre a condição e as caraterísticas das mulheres africanas que
desconstroem imagens estereotipadas da “Outra”. A senhora Muokelu é mais um exemplo
da mulher com personalidade forte. Embora sem instrução, ela colabora com Olanna e
Ogwu na tarefa de fornecer educação às crianças de Biafra. Luta diariamente contra as
condições precárias para sustentar a sua família alargada e presta ajuda às pessoas
deslocadas no centro de apoio devido à guerra civil. O seu envolvimento em prol da
comunidade, as estratégias de sobrevivência (por exemplo, ensinar a Olanna a arte de fazer
o próprio sabão) e até a vontade e disponibilidade de se envolver diretamente nas
atividades da guerra, se a situação chegasse a isso, demonstram que as mulheres africanas
são muito mais do que testemunhas mudas e passivas dos acontecimentos à sua volta.

A questão da violência alimentada pela guerra cujo alvo são as mulheres e os


homens está fortemente presente no livro de Chimamanda Ngozi Adichie. A autora
condena a violência exercida contra as mulheres durante a guerra e até um dos
protagonistas do romance, o rapaz Ugwu, não escapa ao destino e torna-se cúmplice de
violência. As raparigas são instrumentalizadas para “o bem da pátria” servindo como
prémio de consolação para os soldados e oficiais de alta patente. Eberechi, uma rapariga
que captou a atenção do Ugwu, foi literalmente oferecida pelos próprios pais a um oficial
do exército. Foi considerada como uma prenda para o oficial, uma oferenda para agradecer
o esforço patriótico em nome do Biafra livre. Tocantes são os pensamentos de Ugwu, os
quais refletem a culpa pelo sucedido. A quem atribuir a culpa? À família da Eberechi? Ao
oficial do exército? Talvez à guerra e à violência que empurraram as pessoas para tomarem
posições que noutras circunstâncias nunca teriam tomado? Pode-se atribuir a culpa à

59
misoginia que se revela sobretudo em tempos de guerra? E surge a pergunta, gritante e
inquietante, porque é que Ugwu, o rapaz que conquistou toda a simpatia do/a leitor/a,
violou uma rapariga indefesa num bar seguindo o exemplo dos outros soldados?
Comportamento de imitação social? Medo de ser rejeitado por não seguir o mesmo
comportamento? O referido ato deixou-o envergonhado a pensar o que diria Olanna se
soubesse… São perguntas para as quais Chimamanda Ngozi Adichie não nos deixa
nenhuma resposta. Em vez disso, faz-nos refletir e chegar às nossas próprias conclusões.
Importante é não saltar para os desfechos fáceis, que podiam ser tomados como referência
se seguíssemos a lógica do pensamento feminista ocidental ao qual estamos habituados/as
pois vivemos submersos na cultura ocidental. Estas respostas generalizadas já colonizaram
e subalternizaram as mulheres não ocidentais muitas vezes tornando-as Outras.

Tudo o que a autora descreve prende-se com a própria cultura africana e seria muito
fácil e perigoso cair na tentação de aplicarmos a chave de leitura feminista, própria do
feminismo branco ocidental. Seria a tal violação do texto escrito por uma escritora africana
e a apropriação dos valores ocidentais transpostos para o texto africano. As mulheres
apresentadas no romance são fortes e decididas, envolvem-se na luta pela independência
do novo país (gerindo, como no caso de Kainene, um campo de refugiados ou, como
Olanna, ensinando as crianças em tempos da guerra), lutam pela sobrevivência dos seus
filhos, dos maridos e dos pais. Muitas delas fazem negócios do outro lado, do lado
nigeriano, correndo o risco de serem capturadas, violadas e mortas. Transgridem as regras
e as fronteiras para conseguir os medicamentos e comida; travam uma luta quotidiana não
menos perigosa da que é travada por homens no campo de batalha. A coragem, a
inteligência, a destreza e uma ótima organização constituem a arma poderosa destas
mulheres contra a falta de meios, uma arma de esperança e de futuro. As mulheres na
guerra perdem os filhos, são obrigadas a viver o período de luto mas não podem desistir.
Têm outros filhos para alimentar e proteger. É uma caraterística do motherism, de certeza,
mas não se pode negar que todas as mulheres, em todas as partes do mundo, sofrem com a
perda de filhos; todas elas se encontram sujeitas à violência durante a guerra. Estes são os
lamentos dos quais Mariama Bâ falou – há uma parte comum no sofrimento das mulheres.

No entanto, estas mulheres são uma esperança e garantia do futuro. São elas que
nutrem as comunidades. Maternidade é um valor para elas sem outro igual. O desejo
profundo de Olanna de se tornar mãe e a sua decisão de cuidar do filho de Odenigbo

60
concebido com uma outra mulher, Amala, a rapariga simples sem voz e instrumentalizada
pela mãe do Senhor (Odenigbo), demonstra o papel central da maternidade na vida de
mulheres africanas. Porém, evidencia também a força da mulher africana face às situações
inesperadas. Este desejo de Olanna pela maternidade não pode ser interpretado, de forma
alguma, pela parte negativa, aplicando a leitura feminista ocidental onde, em muitos casos,
maternidade está associada à auto-abnegação da mulher e à limitação das suas capacidades
profissionais. Aqui, maternidade é uma função que atribui à mulher poder e
reconhecimento no seio da família e da sociedade. O que não implica que as mulheres
férteis não sejam alvos de discriminação e marginalização social e familiar. Esta realidade
foi retratada por Molara Ogundipe-Leslie (1994) que observou que a maternidade
obrigatória nas sociedades africanas pode conferir à mulher um estatuto elevado mas pode
também, em caso de infertilidade ou de ter somente filhas causar angústias e infelicidade
provocadas pela ostracização social e rejeição pela família do marido.

61
Conclusões

O presente trabalho procurou encontrar e ouvir a voz das mulheres negras (afro-
americanas e africanas) que foram relegadas para o lugar da “Outra”, tanto pela cultura
ocidental em geral, como pelo pensamento feminista ocidental em particular. Pretendeu-se
compreender por que razão as mulheres afro-americanas e as suas irmãs africanas se
insurgiram contra os feminismos brancos, rejeitando o conceito de “irmandade”, expondo a
hipocrisia do movimento e pensamento feminista branco e separando-se, por completo, das
ideias-chave disseminadas por intelectuais feministas ocidentais. O nosso objetivo foi,
claramente, centrarmo-nos no pensamento desenvolvido por mulheres intelectuais
africanas, visto que há séculos a sua voz foi abafada, se não reprimida, a fim de as impedir
de se exprimirem e desenvolverem a sua própria filosofia. A voz e a possibilidade de falar,
no sentido de lhes ser conferida a oportunidade de verbalizarem, por exemplo, os seus
valores, causas, convicções, escolhas e de afirmarem a sua identidade, através da escrita e
da palavra, foi o nosso fio condutor.
A metodologia em que se apoiou este trabalho e que se revelou de grande
relevância para este estudo foi a de análise de conteúdo dos principais textos produzidos
por académicas e ativistas afro-americanas e africanas. O nosso interesse girou à volta do
pensamento e da escrita das líderes feministas afro-americanas e africanas, já que durante
décadas, este pensamento não foi divulgado nem encorajado e, cremos, que até hoje
existem lacunas por preencher no que diz respeito à análise académica da escrita, tanto
teórica como literária, das mulheres vistas como Outras – as mulheres relegadas para o
silêncio e invisibilidade pela cultura dominante. É o momento, também, de realçar, que não
se pretendeu tornar exaustivo o tema, pois este revela-se de grande complexidade e
profundidade para ser tratado num trabalho académico a nível de mestrado. Acreditamos
que a temática aqui abordada, apresentada numa forma sucinta mas que permite
compreender algumas questões que colocámos, merece toda a atenção científica e poderia
ser, sem dúvida, abordada através de investigações e estudos de natureza académica. O
importante trabalho já efetuado no âmbito da literatura e do pensamento de mulheres
africanas, empreendido por exemplo, pela Professora Doutora Ana Mão de Ferro Martinho
Galé, permitiu-nos melhor compreender quais são as problemáticas que merecem toda a
atenção e desenvolvimento ao longo de futuras pesquisas.

62
O trabalho foi dividido em capítulos de forma a facilitar a organização da
informação e conhecimento que foi surgindo à medida que os textos foram lidos e
analisados. E, seguindo esta lógica, o capítulo 1 apresentou primeiro o conceito de
irmandade proposto por feministas brancas como o instrumento que pudesse unir todas as
mulheres vistas como vítimas da opressão patriarcal. De seguida, concentrámo-nos no
problema do racismo inerente ao movimento feminista branco assinalado por escritoras
afro-americanas e na forma como algumas delas, por exemplo, bell hooks, Patricia Hill
Collins, Audre Lord desnudaram a hipocrisia presente na atitude das feministas brancas
perante as suas “irmãs” negras. As mulheres afro-americanas constituíram uma força que
deu início à contestação da filosofia feminista dominante na qual a mulher branca,
preferencialmente de classe média e mais privilegiada, foi considerada uma norma a nível
cultural e sexual. A mulher negra, com a sua sexualidade feroz e o corpo sempre
disponível foi considerada uma aberração e um desvio à norma.
Foi desta forma que se começou a construir uma imagem da Outra – uma mulher
que não cabia na imagem histórica e culturalmente disseminada e que fugia do padrão
normativo. É precisamente sobre a construção da mulher negra, do Terceiro Mundo,
enquanto Outra, que se debruça o capítulo 2. Através da análise da emergência dos
feminismos pós-coloniais e das problemáticas com os quais se depararam, apresentámos os
trabalhos de algumas feministas do Terceiro Mundo cujo trabalho fez toda a diferença no
que hoje compreendemos por feminismo hegemónico. A escrita e a denúncia feita por
parte de feministas pós-coloniais da Índia, por exemplo, de Uma Narayan, Chandra
Talpade Mohanty ou Gayatri Chakravorty Spivak, serviu-nos para exemplificar como a
mulher do Terceiro Mundo foi construída enquanto vítima, silenciada e relegada para a
invisibilidade, um ser sem a sua própria vontade que necessita de apoio das feministas
brancas em cada esfera da sua vida. Na visão bastante pessimista de Spivak, a mulher do
Terceiro Mundo não possui a voz e permanecerá silenciada para sempre. Porém o capítulo
3 deste trabalho fornece exemplos de grande relevância e cheios de esperança no sentido
em que, afinal, as mulheres vistas como Outras, neste caso, as mulheres africanas,
ganharam a sua própria voz e desenvolveram uma filosofia centrada em mulheres que
desmente a visão redutora apresentada e mantida pelos feminismos ocidentais.
Foram ainda apresentados, com o objetivo de fazer o retrato de mulheres africanas
enquanto criadoras do pensamento e participantes ativas na vida social, alguns conceitos
ligados ao feminismo africano, o qual, por vezes, se separa do termo “feminismo” na sua

63
vertente ocidental e busca as ideias originais que assentam na cultura e tradição africana e
se inspiram nos valores tipicamente africanos como o da comunidade, solidariedade em
vez de individualidade, maternidade enquanto instrumento de empoderamento das
mulheres e cooperação com homens em prol de uma sociedade melhor e mais justa.
O aspeto de grande importância sublinhado em todo o trabalho, mas com particular
ênfase neste capítulo foi o da autodefinição. O poder de se auto-exprimir e autodefinir, de
nomear a sua luta, a sua causa e a sua identidade, revelou-se de grande significado para as
mulheres africanas. Isto, porque o ato de nomear é o ato libertador e político que
impossibilita aos outros definir as mulheres africanas por si próprias. Neste contexto, as
mulheres africanas deram continuidade à causa que moveu Audre Lorde e que apelava às
mulheres negras para se nomearem e romperem o silêncio.
Se o ato de se autonomearem é o ato de subversão e de resistência, então é desta
forma que devemos olhar para a função da mulher africana enquanto escritora. Para uma
escritora adepta do womanism, afirma Ogunyemi, a escrita é uma forma de falar em prol
das mulheres e homens negros – mas escrever somente sobre as mulheres não significa
escrever enquanto feminista. A escrita feminista tem, em primeiro lugar, que combater as
imagens negativas enraizadas à volta de mulheres africanas, desconstruir estas imagens
nocivas e proferir a verdade sobre as mulheres africanas – como elas são, como vivem e
como agem. O último capítulo centrou-se, então, em dois romances de Chimamanda Ngozi
Adichie, uma escritora nigeriana da nova geração, para tentar compreender quais as
imagens de protagonistas neles retratadas. Os romances “A cor de hibisco” (publicado em
inglês em 2003) e “Meio sol amarelo” (publicado em inglês em 2006) serviram-nos para
responder à pergunta: será que Adichie conseguiu desconstruir estas imagens
estereotipadas? Com que tipo de mulheres nos deparamos nas páginas destes romances? As
protagonistas dos romances de Adichie ganharam voz?
A conclusão clara é que Chimamanda Adichie tem conseguido fazer ligação entre a
sua visão do feminismo africano e a lealdade para com os valores e tradições africanas. As
personagens femininas retratadas nos dois primeiros romances de autora são personagens
vivas, plenamente humanas na sua diversidade e na forma de ver e viver o mundo. Não se
assemelham, de forma alguma, a vítimas retratadas por feministas brancas que viam só em
mulheres do Terceiro Mundo a miséria e falta de esperança. Elas têm a sua voz que usam
para se insurgir conta injustiças, as normas e expetativas culturais e homens abusadores.

64
Referências bibliográficas

Adichie, Ch. (2008), “African “Authenticity” and the Biafran Experience”,


Transition, No. 99, pp. 42-53.
________ (2003), Purple Hibiscus, Fourth Estate: London. [ed. ut: 2009]
________ (2006), Half of a Yellow Sun, Fourth Estate: London. [ed. ut.: 2009]
________ (2009), Meio Sol Amarelo, Edições ASA: Alfragide.
________ (2010), A Cor do Hibisco, Edições ASA: Alfragide.
Ahmed, L. (1982), “Western Ethnocentrism and Perceptions of the Harem”,
Feminist Studies, 8, No. 3, pp. 521-522.
Alcarón, N. (2003), “The Theoretical Subject(s) of This Bridge Called My Back and
Anglo-American Feminism” in McCann C., Seung-Kyung, K., Feminist Theory Reader.
Local and Global Perspective, Routledge: New York, pp. 404-414.
Altekruse, J., Rosser, S. (1993), “Feminism and Medicine: Co-optation or
Cooperation” in Kramarae, C., Spender, D., The Knowledge Explosion, Harvester
Wheatsheaf: New York, pp. 27-40.
Amos, V., Parmar, P. (1984), “Challenging Imperial Feminism”, Feminist Review,
17, pp. 3-19.
Anzaldúa, G. (2000), “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras
do terceiro mundo”, Estudos Feministas, No.1, pp. 229-236.
Arndt, S. (2000), “African Gender Trouble and African Womanism: An Interview
with Chikwenye Ogunyemi and Wanjira Muthoni”, Signs, vol. 25, No. 3, pp. 709-7126.
________(2002) The Dynamics of African Feminism. Defining and Classifying
African Feminist Literatures, Africa World Press: Trenton.
Awuor, A. (1996), “Re-Creating Ourselves: African Women and Critical
Transformations by Molara Ogundipe-Leslie”, Canadian Journal of African Studies, Vol.
30, No. 1, pp. 142-143.
Badinter, E. (2010), Conflito: A Mulher e a Mãe, Relógio d´Água: Lisboa.
Bartky, S. (1998), “Foucault, Femininity and the Modernization of Patriarchal
Power” in Weitz, R. The Politics of Women´s Bodies, Oxford University Press: New York,
pp. 25-45.
Boyce, C. (1994), “On Transformational Discourses and Hearing Women´s
Voices” in Ogundipe-Leslie, M., Re-Creating Ourselves, Africa World Press: Trenton, pp.
xi-xvii.
Braidotti, R. (1994), Nomadic Subjects, Columbia University Press: New York.
Bulbeck, C. (1998), Re-Orienting Western Feminisms: Women´s Diversity and
Postcolonial World, Cambridge University Press: Cambridge.
Carby, H. (1985), “On the Threshold of Women´s Era: Lynching, Empire and
Sexuality in Black Feminist Theory” in Jr, Gates, H. “Race” Writing and Difference, The
University of Chicago Press: Chicago, pp. 301-316.
Collins, P. (2000), Black Feminist Thought, Routledge: New York.

65
________ (2003), “The Politics of Black Feminist Thought” in McCann C., Seung-
Kyung, K., Feminist Theory Reader. Local and Global Perspective, Routledge: New York,
pp. 318-333.
Daly, M. (1978), Gyn/Ecology: The Metaethics of Radical Feminism, Beacon
Press: Boston. [ed. ut.: 1990]
Davis, A. (1981), Women, Race and Class, Vintage Books: New York.
Delphy, C., Leonard, D. (1992), Familiar Exploitation. A New Analysis of
Marriage in Contemporary Western Societies, Polity Press: Cambridge.
Dove, N. (1998), “African Womanism: An Afrocentric Theory”, Journal of Black
Studies, vol. 28, No. 5, pp. 515-539.
Firestone, S. (1970), The Dialectic of Sex, Farrar, Strauss and Giroux: New York.
[ed. ut: 2005]
Friedan, B. (1963), The Feminine Mystique, Penguin Books: London. [ed. ut. 2010]
Fwangyil, G. (2011), “A Reformist-Feminist Approach to Chimamanda Ngozi
Adichie´s Purple Hibiscus”, African Research Review, vol. 5(3), pp. 261-274.
Gilman, S. (1985), “Black Bodies, White Bodies: Toward an Iconography of
Female Sexuality in Late 19th century Art, Medicine and Literature” in Jr, Gates, H.
“Race” Writing and Difference, The University of Chicago Press: Chicago, pp. 223-261.
Greer, G. (2006), The Female Eunuch, Harper Perennial: New York.
Hooks, b. (1982), Ain´t I a woman, Pluto Press: Sydney.
________(1998), “Selling Hot Pussy. Representations of Black Female Sexuality in
the Cultural Marketplace” in Weitz, R., The Politics of Women´s Bodies, Oxford
University Press: New York, pp. 112-122.
________ (2000) Feminist Theory. From Margin to Center. Pluto Press: Berkley.
________ (2003), “Feminism: A Movement to End Sexist Oppression” in McCann
C., Seung-Kyung, K., Feminist Theory Reader. Local and Global Perspective, Routledge:
New York, pp. 50-56.
James, S. (1993), “Mothering. A Possible Black Feminist Link to Social
Transformation” in James, S, Busia A., Theorizing Black Feminisms, Routledge: London,
pp. 44-54.
James, S., Busia, A. (1993), Theorizing Black Feminisms, Routledge: London
John, M.E. (1996), Discrepant Dislocations. Feminism, Theory and Postcolonial
Histories, University of California Press: Berkley.
Johnson-Odim, C. (1991), “Common Themes, Different Contexts: Third World
Women and Feminism” in Mohanty, C., Russo, A., Torres, L., Third World Women and
the Politics of Feminism, Indiana University Press: Bloomington, pp. 314-327.
Joseph, G., Lewis, J. (1981), Common Differences. Conflicts in Black & White
Feminist Perspective, South End Press: Boston.
Kolawole, M. (1997), Womanism & African Consciousness, Africa World Press:
Trenton.
Kamara, G. (2011), “The Feminist Struggle in the Senegalese Novel: Mariama Bâ
and Sembene Ousmante”, Journal of Black Studies, vol. 32, No. 2, pp. 212-228.

66
Kramarae, C. (1993), “The Condition of Patriarchy” in Kramarae, C., Spender, D.,
The Knowledge Explosion, Harvester Wheatsheaf: New York, pp. 397-405.
Lazreg, M. (1988), “Feminism and Difference: The Perils of Writing as a Woman
on Women in Algeria”, Feminist Studies, 14, no. 1, pp. 81-107.
Lorde, A. (1984a), “An Open Letter to Mary Daly”, in Lorde, A., Sister Outsider,
Crossing Press: Berkley, pp. 66-71, [ed. ut.: 2007a]
________ (1984b), “The Master´s Tools Will Never Dismantle the Master´s
House”, in Lorde, A., Sister Outsider, Crossing Press: Berkley, pp. 110-113. [ed. ut.:
2007b]
________ (1984c), “Transformations of Silence” in Lorde, A., Sister Outsider,
Crossing Press: Berkley, pp. 40-44. [ed. ut.: 2007c]
Lugones, M., Rosezelle, P. (2003), “Sisterhood and Friendship as Feminist
Models” in Weiss, P., Friedman, M., Feminism and Community, Temple University Press:
Philadelphia, pp. 135-145.
Macedo, A., Amaral, A. (2005), Dicionário da Crítica Feminista, Edições
Afrontamento: Porto.
Mama, A. (1995), Beyond the Masks. Race, Gender and Subjectivity, Routledge:
London.
Martins. C. (2011), “La noire de…” tem nome e tem voz. A narrativa de mulheres
africanas anglófonas e francófonas para lá da mãe áfrica, dos nacionalismos anticoloniais
e de outras ocupações. e-cadernos CES, 12, pp. 119-144.
McCann C., Seung-Kyung, K. (2003), Feminist Theory Reader. Local and Global
Perspective, Routledge: New York.
Minh-ha, Trinh T. (1989), Woman, Native, Other. Writing Postcoloniality and
Feminism, Indiana University Press: Bloomington.
Mohanty, C. (2003), Feminism without Borders, Duke University Press: Durham.
Momplé, L. (1999), “A mulher escritora e o cânone”, in (org) Mão de Ferro, A., A
mulher escritora em África e na América Latina, Editorial NUM: Évora.
Moraga, C., Anzaldúa, G. (1981), This Bridge Called My Back, Persephone Pr:
London.
Morgan, R. (1970), Sisterhood is Powerful, Random House: New York.
Morton, S. (2003), Gayatri Chakravorty Spivak, Routledge: London.
Narayan, U. (1997), Dislocating Cultures. Identities, Traditions and Third World
Feminism, Routledge: New York.
_________ (2000), “Essence of Culture and a Sense of History: A Feminist
Critique of Cultural Essentialism” in Narayan, U., Harding, S., Decentering the Center:
Philosophy for a Multicultural, Postcolonial, and Feminist World, Indiana University
Press: Bloomington, pp. 80-100.
_________ (2003), “The Project of Feminist Epistemology: Perspective from a
Non-Western Feminist” in McCann, C., Seung-Kyung, K., Feminist Theory Reader. Local
and Global Perspective, Routledge: New York, pp. 308-317.
Narvaz, M., Koller, S. (2006), “Famílias e Patriarcado: Da prescrição normativa à
subversão criativa”, Psicologia e Sociedade, 18(1), pp. 49-55.

67
Nfah-Abenuyi, J. (1997), Gender in African Women´s Writing, Indiana University
Press: Bloomington.
Nnaemeka, O. (2004), “Nego-Feminism: Theorizing, Practicing, and Pruning
Africa´s Way”, Signs, vol. 29, No. 2, pp. 357-385.
Okome, M. (2003), “What Women, Whose Development? A Critical Analysis of
Reformist Feminist Evangelism on African Women” in Oyewumi, O., African Women &
Feminism, African World Press: Trenton, pp. 67-98.
Ogundipe-Leslie, M. (1994), Re-creating Ourselves. African Women & Critical
Transformations, Africa World Press: Trenton.
Ogunyemi, C. (1985), “Womanism: the Dynamics of the Contemporary Black
Female Novel in English”, Signs, vol. 11, No.1, pp. 63-80.
___________(1996), Africa Wo/Man Palava. The Nigerian Novel by Women, The
University of Chicago Press: Chicago.
Ogwude, S. (2011), “History and Ideology in Chimamanda Adichie´s Fiction”,
Tydskrif vir Letterkunde, vol. 48(1), pp. 110-123.
Oyewumi, O. (1997), The Invention of Women. Making African Sense of Western
Gender discourses, University of Minnesota Press: Minneapolis.
___________ (2003), Women & Feminism, African World Press: Trenton.
Rich, A. (1995), Of Woman Born, W. W. Norton & Company: New York.
_______(1986), “Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence”, in Rich, A.,
Blood, Bread and Poetry, W.W. Norton & Company: New York, pp. 23-75.
Said, E. (1994), Culture & Imperialism, Vintage Books: London.
Sudarkasa, N. (1986), “The Status of Women in Indigenous African Societies”,
Feminist Studies, Vol. 12, No. 1, pp. 91-103.
Sheftall-Guy, B. (1995), Words of Fire: An Anthology of African American
Thought, The New Press: New York.
Spivak, G. (1985), “Three Women´s Texts and a Critique of Imperialism” in Jr,
Gates, H.L., “Race”, Writing and Difference, The University of Chicago Press: Chicago,
pp. 262-280.
_________ (1988), “Can the Subaltern Speak?” in Nelson, C., Grossberg, L., Marxism and
the Interpretation of Culture, Macmillan Education: Basingstoke, pp. 271-313.
Steady, C. (1993), “Women and Collective Action: Female Models in Transition”,
in James, S, Busia A., Theorizing Black Feminisms, Routledge: London, pp. 90-101.
Stratton, F. (1994), Contemporary African Literature and the Politics of Gender,
Routledge: London.
Sylvester, C. (1995), “African and Western Feminisms: World Travelling and the
tendencies and Possibilities”, Signs, vol. 20, No.4, pp. 941-969.
Taiwo, O. (2003), “Feminism and Africa: Reflections on the Poverty of Theory” in
Oyewumi, O., African Women & Feminism, African World Press: Trenton, pp. 45-66.
The Combahee River Collective (1974), “A Black Feminist Statement” in McCann
C., Seung-Kyung, K., Feminist Theory Reader. Local and Global Perspective, Routledge:
New York, pp. 164-171.

68
Thompson, B. (2002), “Multiracial Feminism: Recasting the Chronology of Second
Wave Feminism”, Feminist Studies, vol. 28, No. 2, Second Wave Feminism in the United
States, pp. 336-360.
Tong, R. (2009), Feminist Thought. A More Comprehensive Introduction,
Westview: Boulder.

Referências online:

Africana womanism: http://africanawomanismsociety.webs.com/


Anne Cooper, nota biográfica: http://essays.quotidiana.org/cooper_a/
An Open Letter to Mary Daly, conjuntamente com a carta de resposta:
http://www.historyisaweapon.com/defcon1/lordeopenlettertomarydaly.html
Clarke, R. (1980), Michel Foucault “Two Lectures” (1976) acedido em
http://www.rlwclarke.net/courses/LITS3304/2007-2008/04AFoucaultTwoLectures.pdf
Feminismos Africanos: http://encyclopedia.jrank.org/articles/pages/5940/African-
Feminisms.html
Informação sobre o povo Ibo: http://www.britannica.com/EBchecked/topic/282215/Igbo
NAWSA:http://www.britannica.com/EBchecked/topic/404319/National-American-
Woman-Suffrage-Association-NAWSA

Site oficial de Chimamanda Ngozi Adichie: www.l3.ulg.ac.be

69
Índice Onomástico

Achebe, Chinua 51
Acholonu, Catherine 43, 44
Adichie, Chimamanda 1, 3, 4, 47, 48, 51, 52, 53, 54, 55, 56,
57, 58, 59, 60, 64
Adimora-Ezeigbo, Akachi 46
Ahmed, Leila 28, 29
Aidoo, Ama Ata 46, 50
Alcarón, Norma 14
Altekruse, Joan 18
Amaral, Ana 49
Amos, Valerie 7
Anthony, Susan B. 11
Anzaldúa, Gloria 2, 14, 15, 20, 47
Arndt, Susan 29, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 46
Aschcroft, Bill 49
Awuor, Ayodo 42
Bâ, Mariama 47, 60
Badinter, Elisabeth 18
Bambara, Toni Cade 8, 15
Bartky, Susan 7
Bell, Frances 8
Boyce, Carole 36
Braidotti, Rosi 15
Bulbeck, Chilla 18, 21
Busia, Abena 15, 46
Cady Stanton, Elizabeth 11
Carby, Hazel 17
Clarke, Richard 13
Collins, Patricia 2, 8, 10, 12, 16, 20, 63
Combahee River Collective, the 15, 16
Cooper, Ann 17
Cutrufelli, Lindsay 27
Daly, Mary 25
Davis, Angela 2, 8, 11
Delphy, Christine 18
Dove, Nah 35
El Saadawi, Nawal 46
Emecheta, Buchi 37, 50
Esteva, Gustavo 21
Ferro Martinho Gale, Ana 62
Firestone, Shulamith 5, 6, 18
Foucault, Michel 13
Frank, Katherine 37
Friedan, Betty 5, 6, 7
Fwangyil, Gloria Ada 52
Garber, Marjorie 21
Gilman, Sander 8, 9
Greer, Germaine 5, 8

70
Griffiths, Gareth 49
Grimké, Angelina 11
Grimké, Sarah 11
hooks, bell 2, 8, 9,10, 12, 13, 19, 20, 63
Hudson-Weems, Cleonora 40, 41, 42
Ifeoma, Grace 51
James, Stanlie 15, 18
Jeffrey, Patricia 27
John, Mary E. 24
Johnson-Odim, Cheryl 21
Joseph, Gloria 19
Larson, Barbara K. 29
Lewis, Jill 19
Lindsay, Beverly 27
Kamara, Gibreel 35
Kim, Elaine 20
Kolawole, Mary 2, 47
Koller, Sílvia 6
Kramarae, Cheris 6
Lazreg, Marnia 20, 26, 28, 29, 30, 31
Leonard, Diana 18
Lorde, Audre 36, 64
Lugones, Maria 6, 20
Macedo, Ana 49
Malveaux, Julianne 8
Mama, Amina 9, 17, 58
Martins, Cristina 49, 51
McCann, Carol 22, 23
Minh-ha, Trinh T. 20, 21, 52
Mohanty, Chandra 2, 3, 21, 24, 25, 26, 27, 63
Momplé, Lília 48, 49
Moraga, Cherríe 14, 15, 20
Morgan, Robin 5
Morton, Stephen 30
Muthoni, Wanjira 29
Narayan, Uma 2, 3, 22, 23, 24, 25, 26, 30, 63
Narvaz, Martha 6
Nfah-Abenuyi, Juliana 49, 50
Nnaemeka, Obioma 37, 44, 45
Nwapa, Flora 37, 50
Nwaye Adichie, James 51
Okome, Mojubaolu 29, 34
Ogundipe-Leslie, Molara 2, 32, 33, 36, 41, 42, 43, 48, 56, 61
Ogunyemi, Chikwenye 3, 35, 38, 39, 40, 41, 42, 47, 48, 59, 64
Ogwude, Sophia 52
Oyewumi, Oyeronke 2, 24, 33, 43
Parmar, Pratibha 7
Prakash, Madhu Suri 21
Rich, Adrienne 18
Reuck, Jenny, de 39

71
Rosser, Sue 18
Rosezelle, Pat 6
Said, Edward 24, 26
Seung-Kyung, Kim 22, 23
Sheftall-Guy, Beverly 11, 16
Smith, Barbara 8, 15
Stewart, Maria W. 16
Spivak, Gayatri 30, 63
Steady, Chioma 19
Stratton, Florence 49, 50
Sudarkasa, Naira 33
Sylvester, Christine 34
Taiwo, Olufemi 27, 28, 29
Thompson, Becky 7
Tiffin, Helen 49
Tong, Rosemarie 20
Walker, Alice 38, 39, 41
Wicomb, Zoe 45

72

Você também pode gostar