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Culture, Identity and Local Development: concepts and perspectives for developing regions
Cultura, Identidad y Desarrollo Local: conceptos y perspectivas para regiones en desarrollo
Emília Mariko Kashimoto, Marcelo Marinho e Ivan Russeff
Universidade Católica Dom Bosco
Contato: marinho@ucdb.br
Resumo: As reflexões acerca do desenvolvimento local de uma determinada comunidade – auto-identificada, em essência,
por referências culturais e ambientais – remetem, necessariamente, à questão da melhoria da qualidade de vida dessa
população. De uma maneira geral, a relação dessa melhoria com o incremento de atividades produtivas é direta, mas não
exclusiva. Ademais, é opinião unânime, dentre os autores que tratam do tema, a necessidade da observação do uso
sustentável dos recursos naturais, simultaneamente à valorização e preservação da cultura do lugar. A cultura será aqui
considerada como conjunto de ações que podem conduzir ao fortalecimento da auto-estima da comunidade. Pode-se
dizer, com Ruijter e Tijssen (1995), que a cultura, ao invés de um obstáculo ao progresso, emerge como manancial de
inusitadas experiências e de evidente sabedoria locais, diretrizes úteis à criação coletiva e compartilhada de uma vida
melhor. Este artigo trata das relações entre cultura e desenvolvimento, com ênfase no papel do patrimônio cultural
(tangível e intangível) para o fortalecimento da identidade local e o desenvolvimento comunitário.
Palavras-chave: Cultura; Desenvolvimento Local; Identidade.
Abstract: Reflections as to the local development of a certain community – self-identified, in essence, by cultural and
environmental references – necessarily go back to the question of the improvement of the quality of life of this population.
Furthermore, the authors who handle this theme are unanimous as to the necessity of observing the sustainable natural
resources, simultaneously with the appraisal and preservation of local culture. Culture here will be considered as a set of
actions that can lead to the strengthening of the self-esteem of the community. It can be said with Ruijter and Tijssen
(1995) that culture, instead of being an obstacle to progress, emerges as an ever-flowing stream of surprising experiences
and of evident local wisdom, useful directions for the collective creation and sharing of a better life. This article approaches
the relationships between culture and development, with emphasis on the role of cultural patrimony (tangible and
intangible) for the strengthening of local identity and community development.
Key words: Culture; Local Development; Identity.
Resumen: Las reflexiones acerca del desarrollo local de una determinada comunidad - autoidentificada, en esencia, por
referencias culturales y ambientales - remiten, necesariamente, a la cuestión de la mejoría de calidad de vida de esa
populación. De una manera general, la relación de esa mejoría con el incremento de actividades productivas es directa,
mas no exclusiva . Además, es opinión unánime, entre los autores que tratan del tema, la necesidad de la observación del
uso sostenible de los recursos naturales, simultáneamente a la valorización y preservación de la cultura del lugar.La
cultura será aquí considerada como un conjunto de acciones que pueden conducir al fortalecimiento del autoestima de la
comunidad. Se puede decir, con Ruijter y Tijssen (1995), que la cultura, al revés, de un obstáculo al progreso,emerge como
manantial de inusitada experiencias y de evidente sabiduría locales, directrices útiles a la creación colectiva y compartillada
de una vida mejor. Este artículo se refiere a las relaciones entre cultura y desarrollo, con énfasis en el papel del patrimonio
cultural ( tangible e intangible) para el fortalecimiento de la identidad local y el desarrollo comunitario.
Palabras claves: Cultura; Desarrollo Local; Identidad.
INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, p. 35-42, Mar. 2002.
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lugar, podendo reforçar a auto-estima das vimento para a qualidade de vida em uma
populações locais e fortalecer o intercâmbio sociedade.
necessário ao bom andamento do desenvol- Todavia, face à índole corrediça de um
vimento do lugar. No plano da cultura erudita povo em permanente mutação, tal como
local, as principais manifestações culturais acontece com o povo brasileiro, é preciso
serão a literatura, a musicografia e a fotografia evitar os riscos de caracterizações fáceis e
ditas “artísticas”, as artes plásticas, o cinema, generalizantes como aquelas que resultam em
a arquitetura e o urbanismo (incluindo-se o estereótipos estéreis e nocivos. Nota-se, com
paisagismo), o estilismo vestimentar, a Darcy Ribeiro (1995), que a multiplicidade de
historiografia oficial, as formas idioletais origens raciais e étnicas da população brasi-
cultas, entre outros. Obviamente, rasgos de leira não se constitui em fator que origine, em
cultura erudita são igualmente incorporados si mesma, um movimento de separação em
em maior ou menor grau pelas camadas componentes opostos – processo motivado,
populares, fato que é facilmente observável sim, pela estratificação de classes; no conjunto
na culinária, na música ou na vestuária, por da população brasileira é preciso ver, com
exemplo. Todavia, será preciso lembrar que mais propriedade, a coincidência de oposi-
Mário de Andrade, grande representante e ções, a simultaneidade de contrários. Sérgio
defensor da cultura eminentemente brasileira Buarque de Holanda elenca, nessa perspec-
(e de nossa identidade nacional), deixou clara tiva, certas características peculiares herdadas
a idéia de que a discussão sobre cultura dos povos ibéricos pelo povo brasileiro, tais
popular e cultura erudita é estéril e inopor- como espírito aventureiro, lealdade e gosto
tuna: a preocupação deve centrar-se sobre a pronunciado pelo ócio ao detrimento do
ampliação do acesso da população a todas as negócio, manifestando-se, em conseqüência,
formas de manifestação cultural. uma certa frouxidão, desordem, indisciplina
e indolência, assim como uma tendência para
2. Identidade Cultural e Desenvolvimento o autoritarismo e tirania; Darcy Ribeiro, em
Local em Mato Grosso do Sul contrapartida, sublinha aspectos positivos
dessa índole, tais como a criatividade do
Além dos problemas levantados por aventureiro, a adaptabilidade do flexível, a
uma nomenclatura e por conceitos dema- vitalidade do ousado e a originalidade dos
siadamente amplos quanto ao significado e à indisciplinados no Brasil. Nesse sentido, é
abrangência do termo “cultura”, também é preciso abrir parênteses para lembrar que, em
preciso estar atento ao fato de que a região seu livro O ócio criativo, Domenico de Masi
central da América do Sul, em especial o traça um amplo libelo em defesa do ócio e do
Brasil, constitui-se num espaço marcado por lazer, da fruição prazerosa de produtos cul-
corredores migratórios que criam um verda- turais, como fontes inquestionáveis de inspi-
deiro caldeirão étnico e, por conseqüência, ração à produção e de implemento da quali-
uma verdadeira “caldeirada” cultural, aquele dade de vida. Infere-se que o alargamento das
melting pot, cadinho de fundição, no qual se bases econômico-sociais para a fruição da
encontram, se fundem e se misturam elemen- cultura e do “ócio criativo” deve instaurar-se
tos de origem indígena, portuguesa, africana, como uma das metas de qualquer projeto de
árabe, armênia, japonesa, italiana, alemã, desenvolvimento em solo brasileiro, ou em
paraguaia, boliviana, entre tantas outras. qualquer outra nação do planeta. Afinal,
Acrescente-se, aos ingredientes do “prato”, a recorrendo novamente a Mário de Andrade,
dupla e antinômica condição da origem sócio- é do bocejo solene da preguiça que surge a
econômica dos elementos que formam o con- inspiração e a felicidade da vida. E para não
junto da cultura de um lugar, amalgamando deixar qualquer dúvida sobre o tema, o poeta
camadas populares e elites (econômica, acaba consagrando o bordão “Ai que
intelectual, política), e tem-se um complexo preguiça!”, de Macunaíma, no emblema da
objeto de estudo e interpretação rumo à malemolente criatividade nacional.
construção da noção de identidade de um Quanto à identidade do povo brasileiro,
lugar e de sua população, noções capitais para esse fator reflete-se, segundo Roberto Da
o estabelecimento de metas de desenvol- Matta (1991), na maneira pela qual os
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vimento – focos temáticos tradicionais dos sivas e inócuas”, da mesma forma que “os
pesquisadores – e raros são os estudos que, projetos bem sucedidos respeitam os
no próprio campo de trabalho e no âmbito de padröes da cultura local ou, pelo menos, não
um determinado projeto de desenvolvimento, se impõem ou sobrepõem a esses padrões”;
consideram simultaneamente tanto os • “apesar de os planificadores se encantarem
agentes responsáveis quanto a comunidade em promover a auto-ajuda comunitária e a
que é o objeto do desenvolvimento. Ao formação de cooperativas, raramente são
analisar-se o desenvolvimento de uma comu- analisadas, com profundidade, as organi-
nidade, será preciso analisar, igualmente, os zações locais tradicionais”, que, aos invés
agentes de desenvolvimento, a saber, organis- de serem concebidas como obstáculos a
mos governamentais e não governamentais, transpor, “deveriam ser identificadas e
especialistas em desenvolvimento, organis- aproveitadas como recursos para o
mos de cooperação e entre-ajuda, agências de desenvolvimento”;
fomento, agências de concepção e avaliação • necessita-se de um “maior uso dos modelos
de projetos. sociais do terceiro mundo para o desen-
Notam-se, em diversos estudos, recor- volvimento do terceiro mundo, modelos
rentes reflexões sobre os impactos negativos que incluem clãs, linhagens e outros grupos
de ações de desenvolvimento sobre as aparentados que possuem e exploram, em
culturas locais. Por exemplo, processos cultu- comum, propriedades e recursos”.
rais podem ser acentuados com o incremento Essas observações enfatizam a neces-
de atividades como o turismo, quando se sidade de se conhecer, em profundidade, a
aumenta a densidade populacional e a identidade cultural local como premissa para
seletividade na oferta de trabalho, conforme o desenvolvimento. Todavia, mais do que ao
observam Bacal e Miranda (1997): essa pesquisador, importa à comunidade reco-
dinamização desafia a sustentabilidade dos nhecer essa autoidentificação cultural e
recursos naturais, assim como a preservação assumir esse eficaz instrumento com o
ou a valorização da identidade local. objetivo de se tornar protagonista do seu
Nessa acepção, Rist (1994) reflete acerca próprio processo de desenvolvimento local.
do fato de que a cultura, privada de sua Segundo Claxton (1994), uma sociedade
autonomia e forçada a justificar objetivos que que confia em sua cultura estará mais aberta
lhe são alheios, poderia tornar-se refém do e receptiva, fato que transforma o (auto)
desenvolvimento. Entretanto, as diferenças conhecimento em um instrumento de integri-
podem ser valorizadas, sem que se criem dade de um povo. Claxton considera ainda
dicotomias ou fricções nocivas à comunidade que a abertura cultural a outras idéias e a
e aos estudos. Na perspectiva de Kottak vontade e capacidade de assimilar idéias de
(2000), não se concretiza, com a severidade outras culturas influenciam na boa marcha do
previsível, o antagonismo entre metas econô- desenvolvimento. Essas considerações foram
micas e bem estar cultural, posto que a aten- delineadas à luz da constatação de que no
ção à cultura também é fator de rendimento modelo ocidental de desenvolvimento, o que
econômico. A partir da análise de 68 projetos importa é a completa integração dos novos
de desenvolvimento rural implementados costumes aos fundamentos culturais de uma
pelo Banco Mundial, em diversos países, comunidade, face à idéia corrente de progres-
dentre outras conclusões de Kottak, ressalta- so e à crença na capacidade humana de domi-
se que: nar o meio ambiente e melhorar as condições
• é improvável que “as pessoas cooperem gerais de existência. Dessa forma, infere-se
com projetos que exijam mudanças de gran- que a auto-identificação cultural fortalece
des dimensões em suas vidas cotidianas, uma comunidade e a torna apta à manutenção
especialmente aquelas que interferem em da integridade face às fricções interculturais.
demasia nas formas de assegurar-se a Tal como salienta Goulet (1997/98), o
subsistência segundo o uso ditado pelos desenvolvimento requer nítidas bases éticas:
costumes”; o respeito à diversidade biológica e cultural;
• “os projetos realistas e viáveis promovem a coexistência de uma pluralidade de cosmo-
mudanças e não apenas inovações exces- visões, traduzindo-se em tolerância; o
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