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B e iy a riin

Haberm as
H orklieim cr
Adorno

Os Pensadoiés
I
Os Pengadoiés
Kn^janiin
I It ilx T in a s

I lo r k h c im e r

A ilo r n o

'Sempre tbi uma das tarefas rsvn-


ci-ais riu arte ,1 de suscitar determinada
indagação num tempcj ainda não ma­
duro para que sè recebesse plena res­
posta.
W ALTER BE;V| A.WIN: A óifra de arte
na época de su*tts técnicas de reprodu'
ÇdO

'Separados da teoria o- conceitos


perdem seu significado como ocorre-
iio conn qualquer dade de uma cone­
xão vivo. É planamente possível que
uma horda de bandidos desenvolvo I a
ços positivos de coletividade humana,
(iP5 esSá possibilidade aponta sempre
35 falhas dó sociedade maior, na qual
esse bando existe. Em uma sociedade
injusta, os criminosos não são obrigato­
riamente 5éré5 humanos inferiores. Na
sociedade lotai mente justa ev-, çen.im
ao mesmo "empo desumanos. O senti­
da rorreto de juízos isolados sobre a<
coisas humanas sõ d obtido na sua rela
ção com o rodo '
1 íORKHEIMER. Icoria {rudicioiuil e
teo r rã crítica

A arte musical capai de ser obje­


to de consumo deve pagar o preço de
s u j Consistência, e os erros que encer­
ra não constituem erros 'artísticos',
mas cada aturde Tabamente composto
ou retardatário expressa o caráter rea­
cionário daqueles a cuja demanda a
ínúsica é adaptada Uma música de
massas tecnicamente consequente,
coerente e purificada dos elementos
de mã aparência, se transformaria em
musica artística, e com ssSo mesmo
p^rderia a característica que a torna
aceita peias massas."
TH EO D O R ADORNO: O fctich itm o
na múdcà e a regressão ra audição.
u s f e n s a d o té s
CIP-Brabil. Cjtalo^atyão na Publicação
Câmara BríLMteiríj (Jo Livro, SP

Texto* chctrliiiJua. Walicr Benjafnin, Mas, I lorkhcinver,


rm Thcodor W. Adorno. JüTgcn Habermas ■traduções <lc
2.cd Jíjmí LinoGrünncwaldl |er -it | — 2, eJ, —
São Paulo Abril Cultural, 1983
(Os pensadores)

Ii k Iu: vitl.i c obu de Bcmumin, Harkhcirtier. Adorno e Habcrmas


Bibliografia

I. Arte e sociedade 2 Ane - Filosofia 3. Ciüneia p civilização 4, Cul­


tura 5, Filosofia alemã ft. Filósofos modernos. 7. Tecnologia e civilização I
Ocniamm. Wall cr, 1892-1940, II Horkhâimcr, Mas, l w 197? III. Adotr
no, Theodor WJcsengrund, 1903-1969. IV. Habemias. Jürgcn, 1929- V Sé­
rie.
17. e IK C I I P -193
Eí. c 18. -301.2
17 301 24
18 301.243
17. c 18, 7íK>; 3-ü1
srri3<w 17. e is. -701

íncfces pura. catálogo únitmitico;


1 Aieumrtha Filosofia 193(17, c 18.)
2 Ane filosofia 701 <17, e IS.)
3 Arte c lociedaclé 700 301 (17 e IS >
4 Ciência e tecnologia Sociologo. 301 .>1 1 |7.) 301. 243 1. 18-
5. Cultura Scctolôgi.i 301.2 \ 17, e lí>.)
6 . Filosofia alemã 193 ( 17, t* 18.)
7. KiJó.sofos alemães 19.3 (17 e IK. i
S. Tecnologia e ciência : Six-Ecilagia 301.24 (17.301,243 i, I¥ I
WALTER BENJAMIN
MAX HORKHEIMER
THEODOR W. ADORNO
JURGEN HABERMAS

TEXTOS ESCOLHIDOS

Traduções. dc jo^c LI no Grlknnewnld. Kds«ri Araújo Cabral.


José lU-m itiln «Ir Oliveira Daiiiiuo, Modesto Carone.
Erwili ThtúdOf Rosental, Zeljko LupuriC,
Andréa Maria Al ti no de CanpM Loparié, Kdgard Afonso Mala^.wli.
Ronaldo Pereira Cunha. Lui/. joáo ttarauna.
Rubrns Rodrigues Torres Filho, AVolfgang l.eo Maar,
liolwrln Srhwar?, Maiiríein Tr:tj>leriherR

1083
EDITOR: VICTOR CIVITÁ
Título# nrigrnub:

T « I« S de Bcnjumín;
“ D u Kunsiwerk imZciCuUcr jeinet icchnlsdic-Jii Ref»L.tliiyiertjantajl" •Jc
iUumãvitioneii)
“ Ucberciisige Moúveti bei BaudeJaue-' (de Hlwmiunwrtenl
‘ í> r ErzadlIõT (ílé Uebcf Litrrulur)
''Dcr^urrc?lbrnus‘' ide UeberLiieratur)
Texío de Hkirfchíimer t Mflftuse:
' BegrilT der Aufküsrung’ ' úlc OwWlrt' der Atijklãrun# PhHowpkis^fx Fragmemr\
I íXtrt dc Hfirkheimer:
Tni,-{i:tn>ici?c und K rilix rk r Theorie
T it in tle Tlurkheimcr e M iim isc:
"Plii5«>sophtc und Kricfoehc THioarie'' ide Zeiluíirifi für Soclalfarschwiç '• f>}
Textos dr HhIutitiiis :
'AnaJyUsehc WuiKitschafis Thturie und P^íekllk "
ide D tf ('m ftúifntitf& ircil i<\ der dcutivhen SaTiQlitgtei
'■‘PjtetoJttss und Inícrcssc Ide Teehrúk muf Wissemvhan ah "ídeologie")
" I ccíinik und WisscnischiaU aEs (dcolu^c”

<£■
! fnjiwrijjhl dcsiia edição, Abril 51 A Cttllui.il,
S.í'o Paul», i u-Ki) — ; íJiçir» IW ,

Textos publicados sob licençu dc


Sutirkump V crljí. Fni#kluit-am*Vlaim Hdenetptíta o HocMopui ria M M ee 1959:
/V»At«.' átr \wrudtjr Cnmumporfans. 1958; CòfftlinaGí Sobre U m a t Sociedade:
A Obra dr Arte tu; Époee de siíct.t Tèenh « . .«• Repmiwjtu.
tiúhee Atpuvs lemas etn ÕüiNielairt. o MurraJar, O Surrntüuno:
Cünhtnm tim <• Internar, Tfotiirü <■Ctênàa t-rtíiuitiiin ' Ideabpia” ),
LildltertoiiwJ Veriap. CJormuiidi und Neuwted. 106? fÍMViwfuf?*« d Canmnrfrfia $ & **
o PófitiYnmtí naSoeiatagíú Ateará, Tewta AHüíitka da 0>W<J «■Diuléilm)
Viiixicnhwofc und RttpitchE, Goesilnecn [O tW fth a w na Mãmea v a tt*$r*Máu du Audif&d.
l-'iu‘hrji Vrrljkp. Hr.wkl,wrt-am<M«ln <• Rdiuini ivmjwerivji S A,, S.n. J'j«*|.i
{Tr ona Tutàkiümd e Tesria Çríiicv),
Ü I-'í >.í;tuct Vorlnp, llnddun-nw-Hiun I C insvim df ItejnlAlM , l'W .
I-'tl-r.wfià r1Te&rm CWttr*i. 1‘<371

Traduçâ? publicada si>b licença JeJosl Lino Ciúme wald, Rio dc bueiro
PI Obra de Arte na fyUKa de xuas Tfentea» dc ReprtMhftl )■

Direilo» exclusivos solnr as demais nuUuyücs desfe viHttmv,


Abol S A. Cultural, Siki Píialo.

Dircdi,j% l Adiisniiiv subir "BENJAMIM, HORK KLl.VtLH


AfXjRNÍQ, HABbKMAS — Vida e ÜbrC.
Ahn! Ni, A CuJturaL, Sàd Paulo,
BENJAMIN HORKHEIMER

ADORNO HABERMAS

VIDA E OBRA

rnntuiLnria: Paulo fd u a rà i AranKS


um dia q u a lq u e r de 1940, no lado espanhol da fronteira en­
N tre a França e a Espanha, um funcionário da alfândega,
cumprindo ordens superiores, impediu a entrada de um grupo de inte­
lectuais alemães que fugia da Gesiapo. a temível corporação nazista.
Um dos integrantes do grupo, homem ríe quarenta c oito anos de ida­
de, que estampava no rosto sinais de profunda melancolia,, mas ao
mesmo tempo transmitia a impressão dc um intelecto privilegiado,
não resistiu ã tensão psicológica e suicidou-se.
O fato podería ser visto apenas á fuz da psicologia individual,
mas na verdade transcende esses limites e adquire dimensão social e
cultural mais ampla, O intelectual em questão era Walter Beniamin,
um dos principais representantes da chamada Escola de Frankfurt
As idéias dessa torrente de pensamento cncontram-se, em gran­
de parte, nas páginas da Revista de Pesquisa Social, um dos documen­
tos mais. importante», para .1 compreensão do espírito europeu do sécu­
lo XX. Seus colaboradores e&tiverjm sempre na primeira linha da re-
tlexáo critica sobre os principais aspectos da economia, cia sociedade
« da cultura de seu tempo; em alguns casos chegaram mesmo j parti-
cipur da militança política. Por tudo isso, foram alvo de perseguição
dos meios conservadores, responsáveis pela ascensão e apogeu dos
regimes totalitários europeus da época.
Fundado em 1924, o Instituto de Pesquisas Sociais de I rankíurt,
do qual a revista era porta-voz. foi obrigado, com a ascensao ao po­
der na Alemanha do nacionaksocialismo, em 1933, a transferir-se pa­
ra Genebra, depois para Paris, e, hnalrnomo, para Nova York. Nesta
cidade a revista passou a ser publicada com o título de Estudos do Fi­
losofia e Ciências Sociais. Com a vitoria dos aliados na Segunda G uer­
ra Mundial, os principais diretores da revista puderam regressar à Ale­
manha e reorganizar 0 Instituto em (950.
Alfred Schmidt, qut* se dedicuu 4 investigação da Importância e
da influência da Revista de Pesei una Social, afirma que nela se íun-
dem, de maneira única, a autonomia intelectual, a análise crítica e o
protesto humanisüco, Os colaboradores da revtsla opunham-sc aos
periódicos e instituições de caráter acadêmico, desenvolvendo um
pensamento comum nesse sentido, sem que isso, contudo, anulasse
interesses e orientações individuais e, sobretudo, sem que fossem pos­
tas de lado as exigências de rigor científico. Gian Enrico Kusconí, ou­
tro estudioso da Escola de Frankfurt, chama a atenção para o fato de
VIII BENJAMIM - ADORNO - 1SORKHÉlMtR - HAB ERMAS

qur fi pensamento desse grupo ™ão pode ser compreendido sem ser
vinculado ò tradição d j esquerda alemã. Tara RuSCun», o significado
histórico e político das reflexões encontradas ria Revkta dc Pesquisa
S o n ji reside em sua continuidade em relação ao malxísmo e à ciên­
cia social dJTiicapitalbta. Essa posição teórica foi desenvolvida tendo
como pano de fundo as experiências terríveis e contraditórias da repú­
blica de Weimar, do nazismo, do cslylinismo e da guerra fria, Ainda
segundo Kusconi, a "teoria crítica' — como costuma ser chamado o
conjunto dos trabalhos da Escola de Frankfurt — é uma expressão da
crise teórica e política do século XX, refletindo sobre os seus proble­
mas com uma radical idade sem pa raie to. Por isso, os trabalhos dc
seus pensadores exerceram grjmde influência, direta em alguns casos,
indireta noutros, sobre os movimentos estudantis, sobretudo na Ale­
manha e nos Estados Unidos, nos tins da década de 60,
A história dessr grupo dc pensadores pode ser iniciada com a
fundação do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, sob direção ríe
CJarl Grünberg, que permaneceu no cargo até 1927. CrOnbcrg abria o
primeiro número do Arquivo de Hktôfw do Socialismo c do Movi­
mento Operário (publicação que fundou cm 19113* salientando .i ne­
cessidade de não se estabelecer privilégio especial para esta ou aque­
la concepção, orientação científica ou opinião de partida Grünberg
estava convencido de que qualquer unidade de pontos dc vista entre
os colaboradores prejudicaria os fins t rflicos e intelectuais d.i própria
iniciativa. Postenormente, já na direção da Rcvfcfj dc Pesquisa So-
citjí, ele próprio se consideraria um marxisra, mas entendendo essa
posição não pm $çu sentido apenas polílico-partidário, mas em seu
significado cientifico; o conceito "marxismo" servia-lhe para descri­
ção de um sistema econômico, de uma determinada cosmovisão e de
um método de pesquisa bem definido. Essa postura mrcial de Grün­
berg vinculada a uma "escola" de pensamento, mas ao mesmo
tempo citiendendo-d cm sua dimensão crítica 0 Como perspectiva
almrtu - constitui, do modo geral, a tônica do pensamento dos cle-
méritos do grupa de Frankfurt,
Entre os colaboradores da Revisto, contam-se figuras muito >o-
nhoçidas de um público mais amplo, como Herbert Marcusc
(1898-1979). autor dc fros e CJvfttrjçjo t? O Homem Unkfirnrnsio-
núí (ou fdeotofsiã da Sociedade Industria!), c. Erich Fromm
U 900-1990), quc se dedicou a estudos de psicologia social, nos
quais procura vincular a psicanálise tríada por Freud (1856-19.Í9) ãs
idéias marxistas. Outros são menos conhecidos, como Siegfned Kra-
cauer, autor de urn cMusico estudo sobre o cinema alemão iDc Caüga-
ri a Httief), ou Leo Lòwénlfml, que se dedicou a reilexòes estéticas e
de sociologia da arte. Ao grupo da tfewi&i pertenceram lambem
Wimogol, F Ptjllot k u Grossmarm, autores dc importantes estudas de
economia política.

Os homens e suas obras

Enrre todos os elementos vinculados ao grupo de Frankfurt, sa-


licntarn-se. por razões diversas, os noirie^ de Walter Benjamin, I héc-
dor Wiesengrund Adorno e M.ax Horkheimer, aos quais $é pode ligar
Vi DA r OBRA IX

o pensamento ck* lürgen I tabemiás. Esses autores formaram um grupo


mais coeso tr em suas obras encontra-se um pensamento dotado dc
maior uni d ado teórica,
O s traços biográí ícos e o perfil humano do W-altcr Benjamin são
os mais conhecidos entre esses quatro pensadores de Frankfurt, sua
morte, quando era ainda relativo mente moço (45 anotA 0 em circuns­
tâncias trágicas, deixou marca indelével entro os amigos, fazendo
com que surgissem muitos depoimentos sobre sua vida e sobre sua
personalidade Para Adorno, Walter Bénjarrtin era st personalidade
mais enigmática do grupe?, seus interesses eram frequentemente con­
traditórios e sua conduta oscilava entre a intransigência quase ríspida
e j polidez oriental, Essa maneira de ser aparentava mais ts tempera-
mento vibrante de um artista do que a tranquilidade e a frieza racio­
nal. normalmente esperadas, de um filósofo. Seu pensamento parecia
nascer cie um impulso dc natureza artística, que, Eranrtnnmáiío em teo­
ria — como diz ainda Adorno — "liberta-se da aparência e adquire
incomparável dignidade: a promessa de felicidade".
Outro depoimento que enriquece de significados o perfil intelec­
tual t: humano de WulHer Benjürmn é o de Gufodiorri Scholcm, sou
companheiro desde a juventude. Sc bolem o conheceu ria primavera
do f 9 1S, quase um ano após o começo da Primeira Guerra Mundial,
c relata que nessa época ficou Impressionado cunri a profunda iensa-
ção de melancolia de que o amigo parecia estar permanentemente
possuído.
W.iiter Ben|arnin rtaittíu em Berlim, em 1692, de txcêndénda Is­
raelita. Seus estudos superiores foram infnados em 191 3 e realiza­
dos em várias universidades, nas quais sempre exerceu intensa ativi­
dade política e cultural entre os colegas, Em (917, casou-se c passou
a vivo r em Berna (Suíça), em cuia universidade apresentou uma disser*
idçhu ücüdêrnit a intitulada O Conceito de Çrftica de Arte no Roman­
tismo Alemão, fcm 1921, publicou unia tradução dos Quêdfos ftjri-
dentes de Raudolaíte [1821-1867) o no .ino seg Jate o poeta p drama­
turgo Hugo Vt>n Kofmannsthdl [1674 1929) o convidou pnre publicar
na revista que dirigia {NõvAS Comrfburtçüc» Aigmfa) seu primeiro gran­
de ensaio: As “Afinidades EferivuG' dv Coethe. Em 1928, Wuller lien-
juniiii viu truncadas suas esperanças dc uma carreira universitária,
quando .i universidade dc Krankturt recusou su.i tese: As Origens (U
Tragédiri Bâtrocd na Alemanha. Para assegurar a sobrevivência, pas­
sou então a dedicar se à urítíca jornalística e a traduções, escrevendo
ainda numerosos ensaios. Nessa época, fez uma das mais perfeitas pa-
duções cm língua alemã que se conhece: A Procura do Tempo Perdi­
do. de Pruusi [1871-1922). Aicm disso, projetou uma grande obra de
filosofia da história, cujo tílulo deveria ser Paris, Capitai do Secuio
XIX e que ficou incompleta. A ó Ar ada dc 1930 trouxe-lhe outros infor­
túnios: seus pais Ia teceram, teve de divorciar-sc da esposa e viu as­
cender o totalitarismo nazista. -Sob a ditadura de Hitlcr. ainda conse­
guiu publicar alguns trabalhos menores, recorrendo ao disfarce dc
pseudônimos, tm 1935, foi obrigado a refugiar-se em Paris, onde u*
dirigentes emigrados do Instituto de Pesquisas Sociais de hrankfun re-
ceberani-riu como um dos seus colaboradores c deram-lhe condições
para escrever alguns de seus mais importantes trabalhosa: A Obra dç
Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, Alguns Temas Saude-
BENJAMIN - ADORNO - I iORKt IEIMER - I (ABÉRMAS

lairianos, O Narrador Homens Alemães. Finaimente veio a falecer


na fronteira entre Espanha e França, em circunstâncias dramáticas.
Iheodur Wiesengrund-Adorno nasceu em 1903, em Frankfurt, ci­
dade onde tez seus primeiros estudos c em cuja universidade se gra­
duou em filt.oofia. Em Viena, estudou composição musicai com Al-
ban Berg (1885-1935), um dos maiores expoentes da revolução must-
cal do -^culo XX. Fm 1932, escreveu o ensaio A Situação Social da
Música, tema de inúmeros outros estudos: Sobre o Jazz (1936), Sobre
o Caráter Fetíchista da Musica e a Regressão da Audição (1938). Frag­
mentos Sobre Wagner (1939) e Sobre Música Popular (1940*1941).
Em 1933. com a tomada do poder pelos nazistas, Adorno íol obriga­
do a refugiar-se na Inglaterra, onde passou a lecionar na Universida­
de Oxford, ali permanecendo até 1937. Nesse ano, trgnsferiu-se para
os Estados Unidos, onde escrever ia, em colaboração com Horkhei­
mer, a obra Dialética do Huminismo <1947). Foi também nos Estados
Unidos que Adorno realizou, em colaboração com outros pesquisado­
res, um estudo considerado posteriormente como um modelo de so­
ciologia empírica: A Personalidade Autoritária. Esta obra íoi publica­
da cm 1950, ano em que Adorno pôde regressar à terra natal e reorga­
nizar o Instituto de Pesquisas 5oaais de Frankfurt. Entre outras obras
publicadas jxir Adorno, antes de sua morte ocorrida em 1969, salien­
tam-se ainda Para a Metacrfàca da Teoria do Conhecimento - Estudos
Sobre Husserí c as Antinomias Fenomenológicas (1956), Dissonân­
cias (1956), Ensaios de Literatura I, II o UH 1958 a 1965), Dialética Ne­
gativa (1966), Teoria Estética (1968) e Três Estudos Sobre Hegel
(1969).
Max Horkheimer, o principal diretor da Revista de Pesquisa So
ciai desde o afastamento de GrOnberg nos fins da década de 20, nas­
ceu em SturtRart, a I4 de fevereiro de 1895 e faleceu em Nuremberg,
a 9 de julho de 1973. Em 1930. tornou-se professor cm Frankfurt, on­
de permaneceu até 1934, quando teve de se refugiar, tomo os de­
mais companheiros. Ni*ss<> ano transferiu-se para os Estados Unidos,
passando a lecionar na Universidade de Colômbia Nos Furados Uni­
dos, Horkheimer permaneceu até 1949, ano em que pôde regressar a
Frankfurt e reorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais, com Adorno.
A maior parte dos escritos de Horkheimer encontra-se nas pági­
nas da Revista de Pesquisa Social, Entre os rnais imponantes contam-
se: inícios da Filosofia Burguesa da História (1930), Um Novo Concei­
to de Ideologia (1930), Matcriafismo e Metafísica (1930), Múterialis-
mo e Moral (1933), Sobro a Pofémtça do Racionalismo na Filosofia
Atual (1934), O Problema da Verdade (1935), O Último Ataque á Me­
tafísica (1937) c Teoria Tradicionale Teoria Crítica (1937),
lürgen Habermas é considerado um herdeiro direto da escola de
Frankfurt. Nascido om 1929, em Gummershach, Habenrus liccn-
ciou-se em (954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854), inti­
tulado O Absoluto e a História. De 1956 a 1959, colahorou estreita­
mente com Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Em
1968, transferiu-se par d Nova York, passando a lecionar na New Yqr-
ker New School for Social Research. Entre suas obras principais, con­
tam-se Entre a Filosofia e a Ciência - O Marxismo como Crítica
(1960), Reflexões Sobre o Conceito de Participação Pública (publica­
do em 1961, juntamente com trabalhos de outros autores, com o tftu-
VIDA E OBRA X!

ío g e r a l d eO Estudante r a Política), Evolução Estrutura! da Vida Pü-


bikõ [1%2), Teoria c Práxis (l% 3 ), Lógica das Ciências Sociais
( 1 9 6 7 ), Técnica e Ciência como Ideologia ( 1 9 6 0 ), e Conhecimento e
Interesse i 1968).

Benjamim: cinema e revolução

Q< múltiplos interesses dos pensadores de Frankfurt e o fato de


não constituírem uma escola no sentido tradicional do termo,, mas
uma postura de análise crítica e uma perspectiva aberta para rodos cs
problemas (U cultura do século XX. torna difícil a sktematizaçào rio
seu pensamento. Podo-se, no entanto, salientar alguns de seus remas,
chegando-se a compor um quadro de suas principais idéias. De Wal-
ter Bcnjamin, devem-se destacar reflexões sobre as técnicas- de repro­
dução da obra de arte, partícula rmertiL- cio cinema,, e as consequên­
cias sociais o políticas resultantes; de Adorno, o conceito de "indus­
tria cultural'' c a função dia obrj de arte; de Hprkheimef, os limda-
mentos episiemülõgfcü* da posição filosófica de todo o grupo dc
Frankfurt, tal como SC encontram formulados em sua "teoria critica";
ti, fimlmente, de Habcrmas, ns idéias sobre a ciência e a técnica co­
mo ideologia,
Benjamiri tinha seu ensaio A Obra de Arfe na época rie -uas' Téc­
nicas dc Reprodução na conta de primeiro grande teoria materialista
do arte O ponto central desse estudo encontra-se na análise das cau­
sas r» cnnseqüências da destruição da "aura" que envolve as obras de
orle, enquanto objetos individualizados e únicos, Com o progresso
das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, a aura, dhsoívuiv
do-se nas várias reproduções do original, destituiría a obra de arte de
seu >raros de raridade. Para Benjamin, a partir do momento em que a
ohra fica excluída da atmosfera aristocrática e religiosa, que fôítnt de­
la uma eoka pnr.i poucos e um abjeto do culto, a dissolução da aura
atinge dimensões >ecíaís. Esvtis dimensões s«rjom resultantes da estrei­
ta relação existente entre as transformações técnicas da sociedade e
as modificações da percepção estética. A perda da aura »• ac ronsp-
qüènctas sociais resultantes desse fato súu parlkuiarmcnle wnsívek
no cinema, no qual .1 reprodução de uma obra de #rte carrega consi­
go a possibilidade de uma radical mudança qualitativa na relação das
massas com á arte. Embora o cinema diz Walter Éenjamln — cxtja
o uso de toda a personalidade viva do homem, este priva i de sua
aura. Sc, no teatro a aura de um Macheth, por exemplo, liga-se indk-
soluvelmente a aura do ator que o representa, tal como essa aura é
sentida pelo público, o mesmo não acontece no cinema, no qual a
anra dos interpretes desaparece atm a substituição do público pelo
aparelho, Na medida em que o ator se torna acessório da cerna, não ê
raro que os próprios acessórios desempenhem o papel de atores.
Benjamin considera arada que j natureza vista pelos olhos dilere
da natureza vista pela Câmara, e esta. ao substituir o espaço onde □
homem -Tgo conscientemente por outro onde sua ação ê inconscien­
te, possibilita a experiência do inconsciente visual, do mesmo modo
que a prática psicanalítica possibilita a experiência do inconsciente
instintivo, txibiodo, assim, a reciprocidade de ação erstre a, matéria e
XII BEMAMIN ADORNO I ICiRKHFlMFR - HABERMAS

0 homem, o cinema seria de grande valia para um pensamento mate­


rialista. Adaptado adoquadamenre ao proletariado que se prepararia
para tomar o poder, o cinema tomar-se-ia, em consequência, porta­
dor de uma extraordinária esperança histórica.
Em suma, a análise de Renjamin mostra que as técnicas de repro­
dução das obras dc arte, provocando a quedo do oura, promovem a li­
quidação do elemento tradicional da herança cultural; mas, por outro
la d o , c*sse processo contém um germe posttivo, na medida em que
possibilita outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as
de um instrumento eficaz dc renovação das estruturas sociais Trata-
se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexão crítica por par
te de Adorno.

Adorno: a indústria cultural

Para Adorno, a postura otimista de Benjamin no que díz respeito


á função possivelmente revolucionária do cinema desconsidera certos
elementos fundamentais, que desviam sua argumentação para condu-
5ÕC5 ingênuas. Embora devendo a maior parle de suas reflexões a Uen-
jamin, Adorno procura mostrar a falta de sustentação de sluis leses
na medida em que elas não trazem a luz o antagonismo quo reside
no próprio interior do conceito dc "técnica" Segundo Adorno, par-
sou despercebido a Benjamin que a técnica se define em dois níveis:
primeiro ■''enquanto qualquer coisa determinada intra-esteticamentc"
e, segundo, "enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte", O
conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: d e
possui uma origem histórica c pode desaparecer. Ao visarem á produ­
ção em série e ã homogeneização, as técnicas de reprodução sdcriíi-
cam a distinção entre o caráter da própria obra de arte e do sistema
social. Por conseguinte, se a técnica passa u exercer imenso poete» so­
bre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, graças, em grande: par­
te. ao tato de que as circunstâncias que ravoreccrri tal poder sao arqui
lutadas pelo poder dos economicamente mais fortes sobre a própria
soaedadv Em decorrência, a racionalidade da tákm a ídentifica-y?
com a racionalidade do próprio domínio. consideraçõí-s eviden­
ciariam que, nâo só o cinema, como também o rádio, não devem ser
tomados tomo arte. "CJ fato de não serem mais que negócios — es­
creve Adorno — basta-lhcs como ideologia." Enquanto negócios,
seus fms comerciais são realizados por meio de sistemática c progra­
mada exploração de bens considerados culturais, Tal exploração
Adcimn charna do "indústria cultural".
O termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da
publicação da Dialética cio lluminkmo, de Horkheimer e Adorno. Es­
te último, numa série de conferências radiofônicas, pronunciadas em
1962, explicou que a expressão "indústria cultural'' visa a substituir
"cultura de massa", puis esta induz du engodo que salislaz os interes­
ses dos detentores dos veículos de comunicação do massa. Os defen­
sores da expressão "cultura de massa" querem dar a entender que se
trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das pró­
prias massas. Para Arjorno. que diverge frontalmente dessa interpreta­
ção, a indústria cultural, ao aspirai à integração vertical de seus con­
VIDA E ÜBKA XIII

sumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo cias massas,


mas, em larga medida, determina o próprio consumo Interessada nos
homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria
cultural reduz a humanidade, em seu roniunto, assim como cada um
de seus elementosr as condições que representam seus interesses, A
indústria cultural traz em seu boio todos os elementos característicos
do mundn industrial moderno e nele exerce um papel especifico,
qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sen­
tido ü todo 0 sistema. Aliada a ideologia capitalista, c sua cúmplice,
a indústria cultural contribui eticazmcnte para talsrricar as relações en­
tre os homens, bem como dos homens com a natureza, de tal forma
que o resultado linal constitui uma espécie de antiilumimsmo. Consi­
derando-se — diz Adorno — que o iluminismo tem como finalidade
libertar os homens do medo, tornando-os senhores o liberando o mun­
do da magia u do mito. e adrmtindo-se que essa finalidade pode >er
atingida por melo dn cierieia e da tecnologia, tudo levaria a Crer que
o lluminísmo instauraria o podei do homem sobre a ciência c sobre a
técnica. Mas ao invés disso, liberto do medo mágico, o homem Ior­
nou-sc vítima rio novo engodo: o progresso da dominação técnica Es­
se progresso transformou-st- em poderoso instrumento uhlrzado peb
industria cultural para conter o desenvolvimento da consciência das
massas. A industria cultural nas palavras do próprio Adorno —
impede a formação de indivíduos autônomos, independentes capa­
zes do Mg.ir e de decidir conscientemente" 0 próprio ódo cio ho­
mem <j utilizado pela indústria cullural com o fito de mccanizA-lo, de
tal modo que, sob o capitalismo, em nuas formas mais avançadas, a
diversão o o bi/cr tornam-se um prolongamento do trabalho, Para
Adorno, .i diversuiú é buscada pelos que des-ujam esqui vor-sc no pro-
cesso de trabalho mecanizado para colocar-se, novamente, um condi­
ções de sc submeterem a ele. A mecviniJMçáo conquistou tamanho po­
der sobre o homem, durante o tempo livre, o sobre sua felicidade, de­
terminando túo complHlamente a fabricação dos produtos para à dis­
tração. que o homem não tom acesso senão a cópias t* reproduções
do próprio trabalho. O suposto conteúdo nào C- mais que uma pilida
rachada: ti que real mente lhe é dado £■n s u essáu autamâtit a dc ope­
rações reguladas, fm suma, diz Adorno, "só se pode escapar ao pro­
cesso do trabalho no fábrica e na oficina, adequando-se a cio no
ócio".
Tolhendo a consciência das massas e instaurando o poder da me­
canização sobre o homem, a indústria cultural cria condições cada
vez mais favoráveis para a implantação do seu comér< in fraudulento,
no qual os consumidores sao continuamente enganados em relação
ao que lhes 6 promeiirlo mas não cumprido. Exemplo disso encontra-
se nas situações eróticas apresentadas pelo cinema Nelas, o dcscio
suscitado ou sugerido polas imagens, ao invés dc encontrar uma satw-
façãü correspondente à promessa nelas envolvida, acaba vendo satis
feito com o simples elogio da rotina, \ã o conseguindo, como preten­
dia, escapar a esta última, o desejo divorna-se de sua realização que.
sufocada t\ transformada em negação, converte o próprio desejo um
privação. À indústria cultural não sublima o instinto çejíual, como nas
vcrdodeirns nbr.T,s eje a rle , m a s n re p rim e e sufoca. A n expor sempre
como novo u objeto de desejo (o seio sob o suéter ou o dorso nu do
XIV HÊKjfXMiN - ADORNO - HORKHÜMtK - HABERMAS

herói desportivo), a indústria cultural não íaz mass que exalar o pra­
zer preliminar não sublimado que. pelo hábito da privação, converte-
se çm conduta masoquista, Aásim, prometer e não cumprir, ou soja,
oferecer e privar, são um único e mesmo a tu dâ industria cultural. A
situação erótica, conclui Adorno, une J‘à alusão c à excitação. a ad­
vertência precisa de que não se deve, jamais, chegar a esse ponto",
Tai advertência evidencia como a indústria cultural administra o mun­
do social,
Criando ''necessidades'1' ao consumidor [que deve euofeníar-se
com o que lhe é oferecido), a indústria cultural organiza-se para que
ele compreenda sua condição de mero consumidor, ou seja, ele é
apenas c tão-somente um objeto daquela indústria. Desse modo, ins­
taura-se a dominação natural e ideológica. Tal dominação, como diz
May Jimênez, comentador de Adorno, tem sua moía motora no dese­
jo de posse conslan temente renovado pelo progresso técnico e cienlf-
fico, 0 sabiamente controlado peh indústria cultural, Nesse sentido,
ó universo social, além de conffgurar-se como um universo de '"coi­
sas', constituiría um espaço hermeifcjniente fechado. Nele, todas as
tentativas de liberação estão condrnadas ao fracasso
Contudo, Adorno não desemboca numa visão inteiramente pessi­
mista, ê procura mostrar que é possível encontrar-se uma via de salva­
ção, Esse tema aparece desenvolvido em su.i última obr.i intitulada
Tcorid Estéiicj.

A obra de arte c a p rà x h

Em Teoria Fstótira — nas palavras do comentador Kúthe


"Adorno oscila entre negar a possibilidade de produzir arte depois de
AuschwitE e buscar pela refúgio ante um mundo que õ chocava, mas
que ele ruão podia deixar do olhar e denominar". Essa postura íoi e*-
tremaimmte criticada pelos movimentos de contestação radical, que
ü acusavam de buscar refúgio na pura teoria ou na criação artística,
esquivando-se assim da práxis política. A seus detratores, Adorno res­
ponde que, embora plausível para multo*, o argunrwmü de que con­
tra a totalidade bárbara não surfem efeito senão os meios bárbaros,
na verdade não releva que, apesar disso, atinge-se um vatux limite. A
vb lênd a que hã cinquenta anos podia parecer legítima àqueles que
nutrissem a esperança abstrata e a ilusão de uma transformação total
está, após a experiência do nazismo e do horror mista, inexfiiça-
vdmente imbritada naquilo que deveria ser modificado; "nu a huma­
nidade renuncia a violência da lei de talião, ou a pretendida prdvfs
política radie ,il renova o terror do passado",
Criticando a pram brutal da sobrevivência, a obra do arte. para
Adorno, apresenta-se socinlnrante,, cúmú antítese da sociedade, c u ­
ja* antinomias e antagonismos nela reaparecem como problemas in­
ternos de sua forma. Por outro lado. entre autor; obra e público, a
o h rj adquiro prioridade epislemo lógica, .uiriviundo sç corno ente au­
tônomo. Esse- duplo caráter vincula-se à própria natureza desdobrada
da arte, que se constitui corno aparência. Ela é aparência por sua dife­
rença em relação à realidade, pelo caráter aparente da realidade que
pretende reiralar, peío caráter aparente do espírito do qual d a é uma
VIDA E OBRA XV

manifestação; a arte é até mesmo aparência de sí própria na medida


em que pretende ser o que não podo ser: algo perfeito num mundo
imperfeito, por se apresentar couro um eme definitivo,, quando na ver­
dade ô algo feito 9 tornado como ê,

H orkcim tr: ciência e totalitarismo

A expressão "teoria crítica'' $ empregada para designar o conjun­


to Has concepções da Escola de Frankfurt, Horkbeímer delineia seus
traços principais, tomando como jxmto de partida o marxismo e
opondo-se àquilo que ele designa pela expressão "teoria tradicio­
nal'. Para Horkbeimer, o típico da teoria marxista é, por um lado,
não pretender qualquer visão concludente da totalidade e por outro,
preocupar-se com o desenvolví mento concreto do pensamento. L?es-
st? modo, as categorias, marxistas não sao entendidas como conceitos
definitivos, mas como Indicações para investigações ulteriorps, cujos
resultados rerrnajam cobre elas próprias, Quando se vale, nos mais di­
versos contextos, ria expressão "rrnterialisnvo'' Horfchotmer não m|x>-
te ou transcreve simplesmente o material codificada nas obreis de
Marx e Engels, mas reflete esse materialisrriü segundo a óptica dos
momentos subjetivos e objetivos que devem entrar na interpretação
desses autores.
Por toorí.1 tradicional Hnrkheimer entende uma certa concepção
de ciência resultante do longo processo de desenvolvimento que re­
monta ao Dístvwo da Método de Descartes í 15 % - 1650). Descarteis
— diz Horiíhoimer fundamentou a ideal de ciência como se-toma
dedutivo, no qual todas as proposições referentes a determinado cam­
po deveríam ser ligadas de tal modo que a maior parte delas pudesse
scr derivada de algumas poucas Estas formariam os princípios gereis
que tomariam mais completo a teoria, quanto menor fosse seu míme­
ro. A exigência fundamental dos sistemas teóricos construídos dessa
maneira serfe a dp que todos os elementos assim Iigadm o fossem de
modo direto e nun contraditório, transformando-se em puro sistema
matemático de signos. Por outro lado, a teoria tradicional encontrou
amplas justificai ivas para um tal tipo de ciência no feto de que Os sis­
temas assim construídos s.5o extremamente aptos ã utilização operati­
va, isici tç sua aplicabilidade prática d muito vasta.
Horkbeirmer admito a legitimidade e a válidez de tal concepção,
reconhecendo o quanto ela contribuiu para o controle técnico da na­
tureza, rransformandoüt' como diz Mar*, em "furçu produtiva ime­
diata” . Mas o reverso da moeda 6 negativo. Para Horkheimer, o traba­
lho do especialista, dentro dos moldes da teoria tradicional, realiza-
sc desvinculado dos demais, permanecendo alheio a conexão global
dos setores da produção. Nqsce assim a aparência ideológica de urna
autonomia dos processos dc trabalho, cuja direção deve ser deduzida
da natureza interna de seu objeto. Ü pensamento çicntifisU contenta-
se com a organização da experiência, a qual se dá sobre a base de de-
terminadas atuações *«ciaisr mas u qut- estas significam pura o todo
soera! não entra nas categorias da teoria tradic ional". Em outros ter­
mos, a tc-orta tradicion.il nSa se ocupa da gênese social dos problc*-
rrws, úà$ situações reais nas quais a déraSa é usáda e dos esco|X)S pa­
XVI BENIAMIN - ADORNO HORKHEIMER Ha BERMAS

ra os quais c usada. Chega-sc, assim, ao FJ^radoxo de que a Ciência


tradicional, exatamente porque pretende o maior rigor — para que
seus resuhad&s alcancem a maior aplicabilidade prática —. acaba
por se tomar mais abstrata, muito mais estranha à realidade (enquan­
to conexão mcdiattzada da práxis global de uma época} do que a teo­
ria crítica. Esta, dando relevância social à ciência, não conclui que o
ronhecrmçntõ deva «ser pragmático, ao contrário, favorece a reflexão
aulôríuiTM, segundo a qual a verificação prática de uma idéia c sua
verdade não são coisas idênticas.
A teoria crítica ultrapassa, assim, o subíetivismo c o realismo da
concepção positivista, expressão mais acabada da teoria tradicional.
O subíetivismo, sogundn Horkheimer, apresenta-se nitidamente quan
do os positivistas conferem preponderância explícita ao método, des-
prezando Us tladüs em íavür de urna estrutura anterior que os enqua­
draria. Por outro lado, mesmo quando os positivistas atribuem m aio;
peso aos dados, ossos acabam sendo selecionados pela metodologia
utilizada. E esta atribui maior relevo a determinados aspectos rios da­
dos, em detrimento d<? outros
A teoria crítica, ao contrário, pretende ultrapassar tal subjetivisr
mo, visando a descobrir n conteúdo cogncscitivo da práxis histórica.
Os tatus srnsiVí-is, por exemplo, vistos pelos positivistas coma possui­
dores dc um valor irredutível, são, pitfcr Horkbeirner, 'pré-furmados
ííxbajmente de dois modos: pefo c.ifátor histórico dc obíeto percebí -
do o pelo caráter histórico do órgão que percebe'1
Outros elementos de critica ao positivismo, sobretudo os aspec­
tos políticos nele envolvidos, encontram-se em uma conferência dê
Horkheimcv, em I 951, com o título Sobre o Conceito dc AEa*âo. Nos
sa conferência, ele afirma que o positivismo caracteriza-se por conce­
ber um tífx) de razão subjetiva, formal +* instrumental, cuio único cri­
tério de verdade é seu valor operativo, ou soja, seu papel na domina­
ção cio homem e da natureza. Des>v pomu de vista, os conceitos não
mais expressam, como tais, qualidades dai coisas, mas servem ape­
nas para a, organização dc* um material do sabei para aqueles que po­
dem dispor habitual mente dele, assim, o* conceitos são considerados
como meras abreviaturas de muitas coisas singulares, como íicçõos
destinadas a melhor sujeitá-las; já ráo sào subjugados mediante um
duro trabalho concreto, teôriio r político, mas explicados abstrata e
sumaríamonto, através daquilo qui* st- podería chamar um decreto íilo-
sóríco. Dentro dessas coordenadas, a razão desembaraça-se da reíle-
xao sobro os fins o torna-se incapaz de dizer que um sistema político
Ou econômico é irracion.il Por cruel c despótico que oie possa ser,
contanto que funcione, a razão positivista o aceita e náo deixa ao ho­
mem outra escolha a nau ser a resignação A teoria justa, ao contrário
escrevo Horkheimcr — , "nasço da consideração dos homens de
tempos em tempos, vivendo süb condiçóéS determinadas e qóc con­
servam sua própria vida com a ajuda dos instrumentos de trabalho".
Ao considerar que a existência social age como determinante da cons­
ciência, a teúriá Crítica náo está anunciando sua visão do mundo,
mas diagnosticando uma situação que deveria ser superada
Em suma, a teoria crítica de Horkheimcr pretende que us, ho­
mens proteSlem contra a aceitação resignada da ordem totalitária, A
"razão polêmica" de Herkhtumer, ãd se opor à razão mx Emmental c
subjetiva dos positivistas, não evidencia somente uma divergência de
ordem teórica. Ao tentar superar d razão formai positivista, Hurkhei-
mêr não visa suprimir a discórdia entre razão subjetiva r? objetiva atra­
vés dc um processo pura mente teórico. Essa dissociação somente de­
saparecerá quando as relações entre os seres humanos, e destes com
a natureza, viofom 3 configurar-se? dc? maneira diversa Ha qup se ins­
taura na dominação. A união das duas razões exige o trabalho da tota­
lidade sociaE, ou seja, a p/óx/s histórica.

Habermás: tecnicismo e ideologia

lürgen HtíburmâS desenvoive sua teoria no mesmo sentido de


Horkhcimer. Para eíe, a teoria deve ser Crítica, engajada nas lutas po­
líticas. dt> presente, e construír-sc cm nome do futuro revolucionário
para o qual trabalha; é exsme teórico e crítico da ideologia, mas tam­
bém crítica revolucionária do presente.
O projeto filosófico de Habermas pode .ver sintetizado cm termos
de uma critica do positivismo e, sobretudo, da ideologia dele resultan­
te, ou seja, 0 tecnicismo, Para Habemnas, 0 tecnicismo e a ideologia
quç consiste nu tentativa dc fazer funcionar na prática, e a qualquer
Custo, 0 saber científico e j técnica que dele possa resultar. Nesse
sentido, pode-se falar de um imbrícantenlo entre ciénria e lècnira,
pois esta, embora dependa da primeira, reíroago sobra ela, determi­
nando seus rumos, tssa vinculaçáu, muslra Habermas, é particular-
mente sensível nos Estudos Unidos (na LitíSS.. por suposição ocorrería
algo análogo), onde d Secretaria de Defesa e u NASA são os macs im­
portantes comandiTárlos em matéria de pesquiso científica, Na medi­
da em que se considera o complexo militar industria!, puríictilnrnvMi-
te observável nos Estados Unidos, ií na medida em que se releva aque­
la comarditár tenmse como consequência um novo complexa que po­
daria ser referido Como complexo ciénria-térnica-inrlús!ria-exérdto-
administração. Nesse complexo, 0 processo de mútua vtnculação en­
tre ciência e técnica amplia-se tornando-se um processo generalizado
dc rcalimcntaçâo recíproca que Halxirm.^ compara a um sistema de
vasos comunicardes. Desse mudo, ciência c técnica tornam-se a pré
moirn forçn produtiva subordinando todas as demais. Para Haber-
mas, 'são os cientistas c os técnicos qut?,. graças a seu sabor daquito
que ocorre num mundo núo vivido de abstrações e dc cteduções, ad­
quiriram imensa o crnscont-o potência r ?. dirigindo v modificando u
mundo no qual os homens possuem, simultaneamente, o privilégio e
a obrtgaçáo de viverem". Assim, esse contexto, não apenas tâcnico-
demífico, mas também econômico-políiico, passa a ser a conotação
da técnica. Nesse sentido, u autor ataca a ilusão objetivista das ciên­
cias. Contfii a ilusão da teoria pura, Habermas procura trazer .1 tona
as raízes antropológicas da prática teórico-rientífira e evidenciar os
interesseis, que rmão no principio do conhecimento, particular mente
do conhenmento científico.
No plano da filosofia *.nrinl, Habormas crítica o objotivismn nntn-
lógicro t* contemplativo du filosofia teórica tradicional Para ele, em
nenhum caso a filosofia podería ser propriamente uma ciência exata.
ü as pretensões que ela pode {c poderdí manifestar nesse sentido não
XVIII EENJAM1N - ADORNO - HORKHEIMER . HA8ERM.A5

fazem senáo testemunhar sua contaminação pelo objetivismo positi­


vista das ciências; nesse contexto ela não é mais que uma espeoalidj'
de entre outras, no seio da instituição universitária, colocando-se
'lunio às ciências" e afastada d*s preocupações de um público leigo,
devido a seus refinamentos Icóricos.
A crítica do positivismo cientííir.o e filosófico, empreendida por
Habermas. é inseparável de sua lula contra o objetivismo tecnocrátt-
co. O positivismo e o tecnicismo nâo passam, para ele, de duas faces
da mesma e ilusória moeda ideológica: tanto um. como outro, nào se­
riam mais que "manchas turv as no horizonte da racionalidade".

C R O N O L O G IA

1892 — Em 3crhm, nasce Wa/ter Benfamin.


1914 — Tem inírin j Primeira Guerra Mundial
1918 — Ben/amin gradua-se na Universidade de Sema Com a drivt.vfuj.vci yi>-
bre a Noção de Critico de Arte no Primeiro Romantismo.
1921 — Adorno conhece Ma* Horkheimer, ao qual se liga por profunda anu
jtade.
1924 Fundação do Insíltuto de Pesquiso? Sociais de Frueklurt.
1928 Benfjmtn vv rújeitadá stra tose Súbns As Origens tld TrdjçíxJia BarriH:,i
na AlCflidllIld.
1929 — N&celitrges Habermas
1933 — O Instituto efe Pesquisas Sociais tttnsfonf-se para Genebra.
1938 - - Henfamin publica cm francós A Obra de A rte rta Era de -,ua Repiudu-
tilnlkladu Técnica
1938 — Advrno Snàfâ purj o* tostadas Urttdoa.
1939 Pubtka Fragmentos sobre Wagner. Edode s Segunda Guerra Mun­
dial,
1940 Bcnjnmin suicida-se. No mesmo ano, >k> publicadas suas T w s so­
bre d Fílosúfid dfl J lisiòliit.
1947 — Adorno c Norkheimer empregam pela primeira vrz o termo indústria
cultural
t950 Reorganização do Instituto de Pesquisas Sociais, na Alemanha- Ador
no publica mu estudo sobre a Pcramalidade Autoritária.
1951 — \iorkhetmer pronuncia axnlerünt v> Sobre o Conceito cfc Razão.
1954 Habermas hcençiã-se com uma tese sabre Schelting: Ü Absoluto t* a
História.
1955 - Publicação dv original alemão de A Obra dc Arte na Era de sua Re-
produobilidade Técnica, dc Bvryamin.
1956 - 1959 — Habermas colabora com Adorno
1956 — Adorno publica Para a Melacrftica da Teoria do Conhecimento Es­
tudos sobre Hussorl n as Antinomias Fenomenqlógicas.
1958 1965 — Pública os Ensaios de litcrasuro I, II e III.
1961 — Inicia a Teoria Esiética.
1962 — Publicação de Evolução Estrutural da Vida Publica tese de doutora­
mento de Habermas.
1963 — Hnberrnjs imhhea Teoria C Práxis.
1966 .Adoma publica a Di-Hleiita Negativa.
I96B -- Conclui ã pnmcira versão da Tenria Estética. Habermas publica Téc
nica e Ciência convo "Ideologia", e transfere-se para Nova York
1969 A 6 de agosto, com 66 anos. falece Thoodor Wlesengrund-Adomo.
1973 — A 9 de julho, çoai 73 un<j> de idade, morre Mja tlorkbeimer.
VIDA í OBRA XIX

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Kotht F. R Beniam/n & Arínmo: Confrontos, bditor.1 Atica, Sâo Paulo,
1978
WALTER BENjAM IN

| radi:*L'*.'i“' th’ José Lino firürwiÈwald


I O h r .itu
■ Irti na lif?f.‘ca tte Vwttictt$ d. Reprouuçãt *},
lldson A rjúju Clibrii.! ,(n>J_ btín-ecJiUnk Oliveira Damiiim
fSobre ,U#WfK Twmxfm fíaití/riatn'},
Mujdi&h' C o r . i c ((} Surrtftior),
I rv.iii UifLHJor KuwnLat ({} StiirvaiiwMr.t)
A O B R A D E A R I E NA É P O C A D E S U A S
T É C N IC A S D E R E P R O D U Ç Ã O ’

Vossas b d a sw te s foram mttlufdas, assim cama c/s seu.)


tipos c práticas foram fixados, num tempo hem diferente do
nosso, por homens cujo poder de ação sobre m coisas era
imigttificattíc face àquele que possuímos. Mas o admirável
incremento de nossos meios, a flexibilidade e precisão que
alcançam, as idéias c os hábitos que introduzem, assggu
ram nos modificações próximas c muito profundas na
velha indústria do bafo. Existe, cm todas' a$ artes„ uma
parte física que não pode mais ser encarada nem (ratada
como antes, qtte nao pode mais ser elidida das iniciativas
do conhecimento e das potencialidades modernas. Vem a
matéria, nem o espaço, nem o tempo, ainda são, decorridos
cinte anos, o quv eles sempre foram. É preciso estar ciente
de tjtiç, se essas tão imensas inovações transformam soda a
técnica das artes .,J. nesse sentido, amam sobre a própria
invenção, devem, possivelmente, ti ate aü ponto de m vdif
car a própria noção de arte, de modo admirável.

(Paul Valéry, Piècessur l Art, Paris, 1934;


‘‘Conquetc dt rUbicjuité'\ pp. 103, L04.)*

* fimluviíli) tiü íiíí Kiíi s I íilemao: " li as Kuiulweríc am Zãtdlttr «Bier recnnwchen H üjwoífcwhm!u; irlh " . em
f/turtríuaifa/uit, Frankfuti am Mnm, 196 I. Çulirkmmp pp. 14K 184. firc^cnlfl Eraduç:n) Toi publiçad;’
na idéia tia C intima, Ri» iV limeira, EJiiora Civilização Brasileira, pp. 55 .
P r e â m b u lo

Na época em que Marx empreendeu íi sua análise, o modo de produção capi­


talista ainda estava um seus primórdioi. Marx soube orientar sua pesquisa de
modo a lhe conferir um valor de prognóstico. Remontando às relações Fundamcn
tais. pôde prever o futuro do capitalismo. Chegou à conclusão de que, se ã explo­
ração do proletariado continuasse cada vez. na is rigorosa. o capitalismo a ta ria
preparando, ao mesmo tempo, as condições cte sua própria supressão.
Com o as superestruturas evoluem bem mais lentameníe do que as infra-es­
truturas. foi preciso mais de mtii) século para que u mudança advinda nãS condi •
çoeff de produção fuçssç sentir seus efeitos cm todas as áreas culturais. Vvriii-
camos hoje apenas as formas que elas poderiam ter tomado. Dessas constatações,
deve-se extrair determinados prognó*ticos, menos, no entanto, dos to pedo* da
arte proletária, após a tomada do poder pela classe operária a fúrtiúrh uh
sociedade sem classes — do que a respeito das tendências evolutivas da arte den­
tro das condições atuai* da produção. A dialética dessas condições está também
mais nítida na supcrescrutura do que na economia. Seria errôneo, cm canse
qücnctíi. subestimar o valor combativo das toses que. aqui. apresenta n o s. Lias
renunciam ao uno de um grande numera de noções tradicionais — tais como
poder criativo c genialidade, valor dc eternidade c* mistério cuja aplicação
incontrolada (e. no momento, dificilmente controlável) no elaboração de dados
concretos torna-se passível dc justificar interpretações fascistas. O que distingue
as concepções que empregamos aqui e que são novidades na teoria da arie
das noções cm voga, é que cias não podem servir a qualquer projeto fascista. São.
em contrapartida, utíltíávds. no sentido de lurmular as exigências revolucionárias
dentro da política da arte.

A obra de arte, por principio, foi sempre suscetível de reprodução. O que ui


jjtuns homens fizeram podia set refeito por outros. Assistiu se. em todos os cem
pos, a discípulos copiarem obras Je arte. a título de exercício, os mestres reprodu
zirem nas a fim de garam ir a sua difusão e os falsários imitá-las com o lim dc
extrair proveito material. A s técnica %de reprodução são. todavia, um fenômeno
novo. de fato. aue nasceu l. xc desenvolveu no curso da história, mcdiíurue saltos
sucessivos. separados por longos intervalos, mas num ritmo cada vez m ais nipidc.
Os gregos só conheciam dois processos técnicos do reprodução; a fundição e a
fí B E N J A M IN

cunhagem. Os bronzes. as terracotas e as moedas foram as únicas obras de arte


que des puderam reproduzir em série. A s dentais apenas comportavam um único
exemplar e nao serviam a nenhuma técnica de reprodução. Com a gravura na
madeira, conseguiu se. pela primeira vez, a reprodução do desenho, muito tempo
antes de a imprensa permitir a multiplicação da escrita. Sabe-sc das imensas
transformações introduzidas na literatura devido à tipografia, pela reprodução
técnica da escrita. Qualquer que seja a sua importância excepcional, essa desco­
berta é somente um aspecto isolado do fenômeno geral que aqui encaramos ao
nível da história mundial. A própria Idade Média viria aduzir, à madeira, o cobre
c a água-forte c. o início cio século X I X . a litografia.
Com n litografia as técnicas de reprodução marcaram um progresso decisi
vo. Esse processo, muito mais fiel — que submete o desenho ã pedra calcária, em
vez de entalhá-lo na madeira ou de grava lo no metal — permite pela primeira vez
às artes gráficas não apenas entregar se ao comércio das reproduções em série,
mas produzir, diariamente, obras novas. Assim , doravante, pôde o desenho ilus­
trar a atualidade cotidiana. E nisso cie tornou se íntimo colaborador da imprensa.
Porém, decorridas apenas algumas dezenas de anos após essa descoberta, a foto
grafia viría a suplanta Io em tal papel. Com ela. pela primeira vez. no tocante á
reprodução de imagens, a mâo encontrou-se demitida das tarefas artísticas essen­
ciais que. daí em diante, foram reservadas ao olho fixo sobre a objetiva. Com o.
todavia, o olho capta mais rapidamente do que a mão ao desenhar, a reprodução
das imagens, a partir de então. pôde se concretizar num ritmo tòo acelerado que
chegou a seguir a própria cadência das palavras. O fotógrafo, graças aos apare
Ihos rotativos, fixa as imagens no estúdio dc modo tào veloz como o que o ator
enuncia as palavras. A litografia abria perspectivas pai a o jornal ilustrado; a foto
grafia já continha o germe do cinema falado. No fim do sòcuío passado, atacava
se o problema colocado pela reprodução dos sons. Todos esses esforços conver
gentes facultavam prever uma situação a.si.sim caracterizado por V alcry; “ Tal
como a água, o gás c a corrente elétrica vêm de longe para as nossas casas, aten
der às nossas necessidades por meio dc um esforço quase nulo. assim seremos
alimentados de imagens visuais e auditivas, passíveis de surgir ç desaparecer ao
menor gesto, quase que a um sinal” . ’
Com o advento do século X X , as técnicas de reprodução atingiram tal nível
que, em decorrência, ficaram cm condições não apenas de sc dedicar a todas as
obras de arte do passado c dc modiiicar dc modo bem profundo os seus meios dc
influência, mas dc cias próprias se imporem. como formas originais de arte. Com
respeito a isso. nada c mais esclarecedor do que o critério pelo qual duas dc suas
manifestações diferentes a reprodução da obra de arte c a arte cinematográfica
— reagiram sobre as formas tradicionais de arte.

Vatcry. riè cca su r !'A rr, "Conqu«.e<íc rubiquite". pl 105


A O B R A D E A RTF: 1

à mais perfeita reprodução falta sempre algo: o hic i?i nnnc da obra de arte.
a unidade de sua presença no próprio local onde se encontra. C a esta presença,
única no entanto, e só a d a que se acha vinculada toda a sua Fústória. Falando de
história, lembramo-nos também das alterações materiais que a obra pode sofrer
de acordo com a sucessão Je seus possuidores.2 O vestígio das alterações mate
riais só fica desvendado em virtude das análises físico quím icas. Impossíveis de
serem feitas numa reprodução: a fim de determinar as sucessivas mãos pelas quais
passou a obra, deve-se seguir ioda uma tradição, a partir do próprio local onde foi
criada.
O hic et nunc do original constitui aquilo que se chama de sua autentici­
dade. Para se estabelecer n autenticidade de um bronze, toma-se. às vezes, neces­
sário recorrer a análises químicas da sua pàtina: para demonstrar a autenticidade
dc um manuscrito medieval c preciso, as vezes, determinar a sua real provcniência
de um depósito de arquivos do século X V . A própria noção cie autenticidade não
tern sentido para urna reprodução, seja técnica ou nào.3 Mas. diante da reprodu­
ção feita pela mão do homem e. em princípio, considerada como uma falsificação.
0 original mantem a plena autoridade: não ocorre o mesmo no que concerne à
reprodução técnica. E isto por dois motivos. D c um lado, a reprodução técnica
«tn mais independente do original. No caso da fotografia, e capaz de ressaltar
aspectos do original que cscupam uo Olho c sào apenas passíveis dc serem uprccn
didos por uma objetiva que sc desloque livremente a fim dc obter diversos ângulos
de visão; graças a métodos como a ampliação ou a desaceleração, pode sc atingir
a realidades ignoradas pela visão natural. Ao mcSmo tempo, u técnica pode levar
n reprodução dc situações, onde o próprio original jamais seria encontrado. Sob a
forma de fotografia ou de disco permite sobretudo a maior aproximação da obra
ao espectador ou ao ouvinte. A catedral abandona sua localização real a fim dc sc
situar no estúdio dc um amador: o musioómano pode escutar a domicílio o coro
executado numa vala dc concerto ou ao ar livre.
Pode ser que as novas condições assim criadas pelas técnicas de reprodução,
cm paralelo, deixem intacto o conteúdo da obra dc arte; mas, dc qualquer manei
ra. desvalorizam seu hic et nunc. Acontece o mesmo, sem dúvida, com outras coi
sas além da obra dc arte. por exemplo, com a paisagem representada na película
cinematográfica; porém, quando se trata da obra de arte, tal desvalorização atin­

1 1-i'ictcnte que a história tle uma ohrj de anenàn sc limita a esses <jnjv elententnü: a 4a Ciinconda. par ewm
pio. Jcvc tambem levar cm coma a maneira com que a copiaram nos icculo-. X V II, X V IU c X IX c a quaati
Jade dc tasr. cópias.
* f- prccisamenie porque a uidcnlicklude escapa a ioda reprodução que ó dc-senvulviménlít iniensivâ dc al
nuns processos iocnicos dc reprodução permiuram fixar graus e diferenciações- dentro da própria autentici­
dade, Com respeito a isso, o eClmcnrki du arte de£úm penhou papel importante. Mediante a descoberta 4w |trn
vurn em mndeirn. puir1 Ui/vr qu«* .1 nutanliciiIadK ii:is obras foi alocada no rnw ume-, mesmo di* atingir um
florescer que deveria mais ainda enriquece !a Na realidade, na época cm que Ioi liou. uma Virgem 4a Idade
Media auida náv cra “ aulcnlica” ; ela assim sc lortuJq no decorrer dos seculusseguintes, (uivei, sobretudo, no
sétruln XTX
s B E N JA M IM

ge a no ponto mais sensível. onde da é vulnerável como não o são os objetos natu­
rais: cm sua autenticidade- O que caracteriza a autenticidade de uma coisa é tudo
aquilo que eia contém e ê originalmente transmissível, desde sua duração material
até seu poder de testemunho histórico. Com o es Lu próprio testemunho baseia sc
naquela duração, na hipótese da reprodução, onde o primeiro elemento lduração)
escapa aos homens, u segundo — □ testemunho histórico da cü í .sü — Hca üienti-
eam aiic ahalado. Nada demais certa mente. ma:- n que fica assim abalado é a pró
pria autoridade da c o is a .1
Poder sc-ia resumir todas essas falhas, recorrendo-se à noção de aura, e
dizer: na época das técnicas de reprodução, u que é atingido na obra de arte ê a
sua aura. Esse processo tem valor dc sintoma, sua significação vai além do terre
no da arte. Seria impossível dí?er. de modo geral, que as técnicas dc reprodução
separaram o objeto reproduzido do âmbito da tradição. Multiplicando us cópias-
dus transformam o evento produzido apenas uma vez num lertômcno de massas
Permitindo ao objeto reproduz:dn ofereccr-sc à visão e à audição, em quaisquer
ureunsUmeias, conferem lhe atualidade permanente. Esse$ dois processos eondu
zcm a um abalo considerável da realidade transmitida — a um abalo da tradição,
que se constitui na contrapartida da crise por que passa a humanidade e a sua
rçnovíjçíLO atual. Kstão em. estreita correlação com os movimentos de massa hoje
produzidos, Seu agente mais eficaz, é o cinema. Mesmo considerado sob forma
má is positiva ç até precisamente sob essa forma não sc pode apreender a
significação social do cinema, caso seja negligenciado o seu aspecto destrutivo e
cai ártico: a liquidação do de mmLu tradicional dentro du herança cultural. Tal
fenômeno é peculsarmethe sensível nos grande filmes, hfctóriços e quando Abel
Gartcc. cm I S>2 7 . bradava com emusiamot
'‘Shakespcarc4Rcmbrandl, BecthoVÈttfaráv cinema, .
Tocha as legotda$< toda a mitologia e todos cs mitos, rodos
os fundadores dc religiões c todas a.t próprias religiões. . .
aguardam sua ressurreição luminoso r os heróis xe empurram
diante das nossas panas para entrar"*
convidava nos, sem saber, n amo liquidação geral,

III

No decorrer dos grandes períodos históricos, com relação ao meio de vida


dás comunidades humanas, via se, igualmente, modificar se o seu modo de sentir
e de perceber. A forma orgânica que ê adotada peto sensibilidade humana — n
melo na qual dy se realiza — não depende apenas da natureza., mas também dc
história. Na época das grandes invasões, enírc cs artistas do ítaiso Império, entre

* A pior rcpTCscmaeSti ilc f'awu, nvi». iui*trif «ic provinciiv, j-i ^ infvií/fer n urr tllrm1 sobro íi miSrrtO !l r 1,1
naquilo cm que da. pela iikiku , nvalha com a u|iresenia(jáu ufãOal dc Wtimar. ‘Ioda A sgbsiinata (raái
danai sugerida :i nos pde dcsempcnhu Jus aiotcs sc esvazia, na leia, de todo valoi.
•' Abd Gano:: “I cTeaips tie Plmaçc rsl Vcnu". (1. arS Cínèm úlaíraphklW . II. Parts. t*»27. p]i.94-9vi,
A O B R A D E ART E 9

os autores da Gêrtuscóc Vienü.. não e apenas uma ariu diversa daquela dos amigos
que se encontra, mas uma outra maneira de perceber O s sábios da Escola VEnen-
se, Ricgel e Wieckhoff. ao se oporem u tudo o peso da tradição clássica que havia
desprezado essa arie. foram os primei ròs :i terem a idéia de extrair as inferências
quanto ao modo de percepção próprio ao tempo ao qual se relacionava. Fosse
qual losse a dimensão du descoberta, da ficou reduzida porque as pesquisadores
contentaram-se cm esclarecer as características formais típicas da percepção do
Baixo Império. Não se preocuparam cm mostrar — o que. sem dúvida, excedería
todas as suas esperanças — a.s transformações sociais, tias quais essas mudanças
do modo de percepção não eram maix da que a expressão. Hoje, estamos melhor
situado* do que cies para compreender isso. E . se c verdade que as modificações
a que assistimos no meio onde ópera a percepção poderu se exprimir como um
declínio da aura, permanecemos em condições de indicar as cansas sociais que
conduziram a ial declínio
E aos objetos históricos que aplicaríamos mais amplamcnic essa noção de
aura, porém, para melhor elucidação, seria necessário considerar a aura de um
objeto natural Poder se ia defini Ia como b única aparição de uma realidade
longínqua, por mais próxima que esteja. Num fim de tarde de verâó. caso se siga
ccnn os olhos uma linha de montanhas ao longo do horizonte ou a de um galho.
Cuja sombra pousa sobre o nosso estado contemplativo, «ente-se a mira dessas
montanhas, desse galho. T al evocação permite entender, sem dificuldades, os fato
res sociais que provocaram a decadência atual da aura. Liga sc ela a duos ciicuns
tâncias, eme e outra correlatas com o papel crescente desempenhado polas massas
no vida presente. Encontramos h o je, com efeito, dentro dos massas, duas tendên­
cias igualmentc fortes: exigem, de um lado, que os coisas se lhe tornem, tanto hu
mana como wpacialmoníc. "mais próximas" f\ de outro lado. acolhendo ns repro­
duções. tendem a depreciar o caráter daquilo que ê dado apertas uma vez, Dia a
dia, impõe se gradatívamente u necessidade de assumir o domínio mais próximo
possível do objeto, «través dc sua imagem c, ma is ainda, em sua cópia ou reprodu­
ção. Á reprodução do objeio, tal como a fornecem n jornal ilustrado o a revista
semanal, é incoftcc&tuvclmcmc urna coisa bem diversa dc uma imagem. A imagem
associa dc moda hem estreito í e duas feições da obra de arte: a sua unidade e a
duração; ao pas.su que u foto da atualidade. a>- duas feições opostas: aquelas de
uma realidade fugidia e que se pode reproduzir ín defini dam ente. D e s e ja r o objc
to Je seu \êu, destruir a sua aura, eis o que assinaia de imediato a presença de
uma percepção, ino atenta àquilo que "se topete identicamente pelo mutulo” . que.
graças ã reprodução, consegue até estandardizar aquilo que existe uma vez.
Afirma-se assim, no terreno intuitivo, um fenômeno análogo àquele que. nu plano
da teoria, é representado pela importância crescente da estatística. O alinhamento

* IXíí.cf çuc ms asilai »í hhtouh “isumaniunoiií mios prú surtas’ puüi: ngnlScw que pts se leva rnais em
conta ü sua lunçàq soem! Nunja j>anuuc que um nnraiiâiu cun|i*mporaiKiti quurulc ?vpreveniu um rwurgii-i
cddJiv Quanto anui refeição IW dentro do seu círeiWo (familiar iiprwn-ila mais cxaiamente a sua fimçio
ci 1.1 do que um juntar du váeuhi X V I. que. çi»Uto o R-mbr Bllill, da Lição dl! Anutoniia, itprcs-eíIlBVa atl |>j
blico uc -..j. i .-.pwuau.; médicos rii> próprio ,-wivktu iic mi.. nnc
10 B E N J À M IN

da realidade pelas massas, o alínhamenLo cuncxo das rnassas pela realidade, cons­
tituem um processo de alcance indefinido, tanto para o pensarnento, tomo para a
intuição.

IV

A unieidadú da obra de arte ruiu difere de sua integração nesse conjunto de


afinidades que se denomina tradição. Sem dúvida, a própria tradição é uma reali
dade bem viva e extremamente mutável. Um a estátua antiga de Vcnus. por exem­
plo, pertencia a complexos tradicionais diversos, entre os gregos — que dela fa
ztam objeto de culto ■ e os clérigos da Idade Média, que n encaravam como um
ídolo maléfico. Restava. cuniudo. entre essas duas perspectivas opostas, um d e ­
mento ct>mum: gregos e medievais tomavam em conta essa Vênu^ pelo que ela
encerrava dc único, sentiam a sua aura. No cumeçu, era o culto que exprimia a
incorporação da obra de art.cnum conjunto dc relações, tradicionais. Sabe se que
as obras dc arte mais; antigas nasceram a serviço de um ritual, primeiro mágico,
depois religioso, Então, trata-se dc um fato de importância decisiva a perda neces­
sária de sua aura, quando na obra de arte, nào resta mais nenhum vestígio de sua
funçào rilu alística.7 Em outras palavras: o valor dc unicidadc, típica da obra dc
arte autêntica, funda se sobre esse ritual que, de início, foi o suporte do seu velho
valor utilitário, Qualquer que seja o número de intermediários, essa ligação funda
mental é ainda reconhecível tul como um ritunl sctularizado — através do
culto tfedicadíi á beleza, mesmo sob as formas mais profanas. ** Aparecido na
epoco da Renascença, esse culto da beleza, predominante no decorrer de três séeu
los, guarda hoje a maree reconhecível dessa origem. :i despeito do primeiro abalo
grave que sofreu desde ciilào Qium Jo Surgiu a primeira técnica dc reprodução
verdadeira mente revolucionária :i fotografia, que é contemporânea dos primor
dios do socialismo os artistas pressentiram a aproximação dc umu crise que
ninguém cem anos depois poderá negar. Ides reagiram, professando *4ã urw
pela arte", ou seja. uma teologia da arte. Essa doutrina da qual, cm primeiro
lugar, Mullurmé deveria extrair iodas as eónseqücncias no âmbito literário
conduzia direta mente a uma teologia negativa: terminava-se. efetivam ente, por

' Ao cktinir a aura como ":i miica aii.iRÇüo Jc uma realidade UtnpineiuB, |wr m.m pavomiui que t?lu esu-jn".
nós. ,-,iimipt«smi’íii ei. [weuuv: i iniii,.f,iMi,.i,i pjirii a-. cii&lvrUi* Jo «p-aç» - cUi r;mp>, in RVrmu In que Jcjignq
* Vr Ii ■ tto cullft da ohra »k- arte, l .cms>jnqeü «pòc - t a pn4'<inm O que o lá wjeriojiU atente iun&c ê irmlm^jvd.
l>c téiiL*. p qualidade prfaápat dc imua imagem que verve para i» çulio t Uo ser jinicin^ivel. Devido ;'ii sua |>ió
pna raiureía. «In ««té i«npt«’ "tonjínqua, po* inaii prúxfakia. que |<ua,MI eslú i\ H»de :.e upruiun.ir de tiuu rea­
lidade material. mas sem st alcançai o car.uerkmpinq.no q i.jc cia conserva, a partia de quando aparece.
11 Nu medida cm que o valeu dc eulrn dn imagem <us fteçulJUíiiEa rcppçpçitini sc de oíloU aindfi eruiis imlü-un nii
nu do -1 ••ulwrrwo ite qeuil alu liw uma vcnlidudc 411, i Judu apcAad uma ve*. C.-ií U «w m is , o «tqKvWidDr
Sc iclcTrita a iu bsiiluir li umciditilr dos fcnú-metios liucnin antes na 1 ;.if:e:ii de culto pelo jejcilUidc «mpirica eüu
untaut c 'Jc mui «uviatulc cm p oia. A Mitetit-Jiça. n u iça i iniçjfffil. scrtl ólividsi; tt rtoçâú LU: iàulümaUatlcjn
mais CKSSl dc 50 rí morei j a g á má is iU: que himpies íMirqnm de 0 ri pinaiteiade |o cxcmpl» mais sigmficativn
6 aquele do ctiltclKiMÒr<juc sr isíirecc sempre oom um o&rr&dtir àc íslfiti 3* t que. nisJianía ;> pivipiia posse
du isbra .11 nr.,:. punícipci tk .a-.. puder de- c^uo-.i Aperai dc tixb , o papel dki conceito dc auicHr.iciJacLc' IK'
tampo da ::tcc é ambígud: gum a htjcuJaráaçio dana útrlma, a autâlllçiilwle tums-ae o substiuito du valor de
culta.
A OBR A D E A RT E 11

conceber urra arte pura. que recusa, nãa apenas' desempenhar qualquer papel
essencial, mas ale swbnicter-sc às condições sempre impostas por uma matéria
objetiva.
A fim de se esiudur a obra de arte na época das técnicas de reproJação. é
preciso levar na maiof conta esse conjunto de relações. E la s colocam em evidên­
cia um Tato verdadeira mente decisivo e o qual vemos aqui aparecer pda primeira
vez na história do mundo: a emancipação da obra de arte com relação à exis­
tência parasitária que lhe era imposta pdo seu papd ritualísticu. Reproduzem-se
cada vez mais obras de arte, que foram feitas justam eme para serem reproduzí
das 5 D a chapa fotográfica pode-se tirar um grande número de provas: sena
absurdo indagar qual delas è a autêntica. Mas. desde que o critério de autentici­
dade não c mais aplicável ã produção artística, toda a função da arte ilea subver­
tida. Em lugar de se basear sobre o ritual, cia se funda, doravante, sobre uma
outra forma d e praxis: a política,

C a sa s>e considerem os diversos modos pelos quais uma obra de arte pode sct
«colhida, a enfase c dada. ora sobre um faLor, ora sobre outro. Entre esses fatores
existem dois que se opõem diametral mente: o valor da obra como objeto de culto
c o seu Valor como realidade exibível. A produção artística inicia sc medianteIV

IV moJ<i divcíêíi do que tóèdin cm tiuruíiji ■ou i-m •mii fui a. a «entea ele te produção r w V pma q filme
urna viraplç* «encUçwi exicríní .i ícicultlte aufl diluirão maciço; a auu técnica dc produção fumia dirctaiNGflU!
&mui técnico Uc rípfüduiqii l-.la iúu apenas permite, dc modo mais uuetlLiro, n difusão mnciçoi da fiJmc. «va*,
exige u. Aa despesas de pnxllição siÜ tão ikàt q,t*e impedem ao Indivíduo adquirir um filme. ÇHffiiieQift
prasse um quadro. Os cálculos dc-tiWftiSriM.ua cjuc, ti-ií IhJV.. umartlüf.açiHj de uma grande rim implküva int
■ain (.'m Mçúo |j.h n rtíivr «uJIWi. dc opeclatitM-c.. Ck início, e ixnii. a invenção iln a n â n i Iatado diminuiu
|ifovi^i[ iiuiiL-:i(e a dlíuiiio dos filmes jpOi causa das 1'ronletras linguísticas ?5ii própria época cm que o fax
iffomo insistiu nos mi cresses nacionais, E ssíj raGssSsáo,, cm bre*e atenuada peta a-jUueem. davr inusornu' nov
nitnuK do que o m II dfl Cfni • l.iv.LiMti<t. (,K ek*ts lénõimmo: n miíuiIi nneti- |n>*,jiid rw.in h/;uii>. j cr nu
cconOmka. As mesmas palurhcrçtWs. que, a gro»**!. modo, cflftdwviríim r. procuro uoti tnvkw de guiuntir. pela
fiífçn. u eauiuío ,1a propriedade, apressaram o» capitalista» do dnema a concretizarem o mJvenio do lllme
lalttdo. F m * dvvcotiviui iKWAc lhes um tksuitopo passageiro, nimrfhijimH* para propiciar as massas O pMlP
pdo vjnemti, c, *obi etnia nneulsnilú os capitais dem i indústria imw nóvos cspkaU proveniente» da indúntrta
elétrica, Assim, visto dc h>ra, u emana baladri iftvamxu tios iiiictcmks mueicmiik. «tw, vi-.tò dedouro. pmw
crui uma mu»r ;nicrnamonalir.íiçâo do• interesse»,
• lisso oposição escapa neveisarisRienti! .■mhu .--tètiva iJealiXU; a idéia dc beleza desta «Jlliua. sumauc
tulrmtc urna dualidade indeterminada c, cm cousci|iicrieia, rocuva-scaqudqtin- liixisào HeRd.au enam a
cntfeviu o problcnu, canto quamu lhe pcrmiiia sev ulcaltsmci. Disse.cm 1:t*dfír»ufyn ühtr <i<< Phtíotajthf* der
(íVir/UtAlK "Ás imyp.cns existem ,i.i há muno. A piedade sempre as eãfiU eomo abjetos, dc devoção, mas iião
linha ftcucviidade aljqima <le íjuujíwix bcías, A iinaiuxn bela oometn. assim, um elcmcflto exterior, porem ena
medido em que 5 bota que ■ ■ -cii x.piriio lái.i. ,n.s homens, ora. com a devoção, trata se dc uma noccsSidadr
cssancml i exi.siSíwta de «nu rctaçfv.i a uma coisa. pois. por si pnipria. .áa não è msi - dti «r«e <><nteirp**i
mento e t t l w A Bela Anc . nasceu tlcwo da Iftrcja entbon a arte já haja emergido do prindpio
da aricT Uma pS-SsaKcni tfc VurSrxuii&n üht‘r <ik I athoitk indica iuufllfflMWe <iur UçfcL-l pi^-vniUii u csis-
tcncia do problema: “Não estamos mais no Mnqio em que &e t-■dut uni culto divino is obras dc arre, onde
jvmJiu dcdb»r-lhck jitucci. íi inípcuKsiio que cia;, nd;- irar.. mÍKJii c anais dbcrcLa ca soa cnpacidaik l£u «mq
c-iemar isirtda requer uma pedra ele UKjUC dc urdctB SitperiOr", A pqsw.cm do primeiro ntodn pura b -..^uncta
ciHSduuursit iir gerai «Hlo processo hislunftj da receptividade íjs obras dc arte. Ou.u.do xc ewâ dexprevenidr».
fica-se ptir princípuj. t a cada ot»m parixelar, condenado íi nsdJaf cttt.iv CsSe* ifens mekis opostos. Após os
11 BHNJ \\! IN

imagens que servem ao culto, Pode-se admitir que a própria presença dessas irra
gens- tem mais importância do que õ fato de serem vistas, O alce que ü homem ll
gura sobre as paredes de uma gruta, na idade da pedra, consiste num instrumento
mágico. F.lc e$iã. sem dúvida, exposto aos olhos de outros homens, porém —
antes dc tudo — é aos espíritos que ele se endereça. Mais tarde, e precisamente
esse valor de cuko como tal que impeie a manter a obra de arte em segredo: algu
ruas estátuas de deuses só são acessíveis ao sacerdote, na ceifa. Algumas virgens
permanecem cobertas durante quase o ano inteiro, algumas esculturas dc cate­
drais góticas são invisíveis, quando olhadas do solo, Na medida em que as obras
de arte se emancipam do seu uso ritual, as ocasiões de serem expostas tornam-se
mais numerosas- L'm busto pode ser enviado para aqui ou para lá: to-ma-se mais
üxibivel. em. consequência, do que uitta. estatua dtí um deus. com ^eu lugar dilimi
tudo ao interior dc um templo. O quadro è mais, cxibívcl do que o mosaico üii o
afresco que lhe precederam. F se se admite que. em princípio, a missa foí tão exi
bível quamo a sinfonia, esta última, entretanto, apareceu num tempo cm que se
podería prever que ela seria mais fácil de apresentar do que a missa.
A s diversas técnicas de reprodução reforçaram esse aspecto em taA propor­
ções que, mediante um fenômeno análogo ao produzido nas origens, o desloca
mento quantitativo entre as duas formas de valor, típicas da obra dc arte. t rans for
mcu-$e numa modificação qualitativa, que afeta a sua própria natureza.
Originariamenlc. a preponderância absoluta do valor dc culto fez antes de Ludo
um instrumento mágico dst Obra de arte. á qual só viría a ser até tkiermi
nado ponto reconhecida mais tarde como tal. Da mesmo modo. hoje a prepon
derâncifl nb:>oluiu do seu valor de exibição c o n f e r e lha f u n ç ó i s inryirãmente
novas., entre as. quais aquela de que lemos consciência n função artística
podería aparecer como acessória.11 Ú certo que, u partir do presente, u fotografia
e. mais am da.o cinema testemunham dc modo bastante claro nesse sentido.

imfaillius ik hubcn fífirnm. s.-ily §4 qu* fi Virgem dc- Sâo S-íhU» Pai pLnladu para flnii de csprtsiyiio- CrnMi
ií i.iis.iv.i .i r«f.|-tiir .Ui i niK.i úvt :ua ü* iiiadc. :i. que no primeiro plaíwdoquadíu, .«m adc uptny a Jheis
nauras ilc aiijn». pcri!«nt»’il >c ■ ' qud podei iu lu IcvaiUi um plnmi corna tttiláeJ ;i t.i^çr entM (jtc o cçu pai
rriVi. sluiDrv tiras «ipnrles. Sv,.i pesquisa revelou lhe que « p a Virgem huvia sícUs inct>mcriJa<Ja par» » ..epnlKi
•neiiuv soí cito <lii papa. Kssa cerimônia itc-Jtinralou-st muna ep-pdu Imernl n igreja J*- P^ln». O q.i.nJra t-,
lava insialndy n-u fundo d», capela. que rórnwun uma espécie Ue nielnt Rnluel rcprcferituu u Virjtcm. pnr
. ■ nu ql.í.i^r. dai|iivk- i.k'ijmiiiuJu-1 p%u ■■ ■ ■ i ii «r11 - verde .ufirn ile inançni’, *ih ie a;. n u voiv. f i ,! lÍii'C
fàv do euuüt) p iiiiilk iil. Dcsiinatb pum ns li.ui mus Jt> pupiLo quiuJro ria ftjditL-l miic* ile Iudõ. possuin um
.Jiluj dc rxpnsíçái i Pouyi> mJM.S i IIV' d :fiendurar:icn-iiú Mihrc o .1 lmrnu.11 da igreja dis-. nc/ms em
Plaisaner O morivu Jeasi* üjjIÍi 1- foi qur o fhnal riimuao proibia a u-m-uiçiiii mm nhni mur J l- ib -.rj^vu-
exnosuiíi nu íleeMní! .p lu».,*- ti-j. tal p r e u iq u i ilrctu um [xw,-.. «Ir» v.il.u <-1>ir.••••■.,-i:d iibrn Patitul, A
lu« '*■' oHwfte. vendv Ia pelo sçu vakn, 4 Cúri-"i m o lv u lolutai muliiiuaiiu- que o» cumpxgdoreít piulcv
-«nr « p i Ia num aJiui mm. fitintr nu. <«; denejuva 1 repercussão do fato, cnviu 11-se o juadru a «ns frades.,
nl rna provint:ia a1'astada.
1 1 Km nivd drv-.-rso. Brecnt npresente 'CORSidetú^iies anuioe*.: ’NX-:-:1o que a nhr:i ile ane se corna
r.n, 4SM IWçn.b Ulr íthra .k- .irle.ijj iino Ihu- puUi- n:n- st-r iipfiú-aifei abvten mihJo, (kvvinu-^voul pilidÉpcin
1 priseuuçüo más s=m r«q<r! . ienuj:ei;j: a nuçâu ttt iibra írte. ettâo des.qcrrrpa prç&crvai sim luriçao
denuv Ja. prôcria COiSa cOrnO ut dcMjpuHla. Traia se úe mt|fi 1'atíe niícmáría de Sfir atravessada snn .Jissimu
laçties; essa virada nãu ê &rntuíi;i. ela conduz 3 uma transforaMiçàn liindaraenutl dt> uhjetn e <i«e apatia sen
passami n ia) pann.5. que. cuso j jioyu noçàu deva reeiteonirar seu uso e por que miot aãu evocará «uns
qtsalLjner Oas límbrinçns vineulaüas à mui ühií^;i -.iji.niejcnção".
A O B R A Df: A R í f- 13

VI

Com a fotografia. o valor Je exibição começa a em purrara valor de culto


em iodos os sentidos — para segundo plano. Este ulíirno_ todavia, não cede sem
resistência — sua trincheira finei é o rosto humano. Não se trata, de forma algu
ma. de um acaso se o retrato desempenhou papel central nos primeiros Lcmpcs da
fotografia. Dentro do Culto da recordação dedicada áüs seres queridos, afaslados
ou desaparecidos, o valor de culto da imagem encontra e seu ultimo refúgio. Na
expressão fugitiva de um rosto de homem, as loios antigas, nor ú ltim a v e z . substi­
tuem a aura. V c que lhes confere essa beleza melancólica, incomparável com
qualquer outra. Mas. desde que o homem es Lá ausente da fotografia, o valor de
exibição scbrcpòe-sc decididamente ao valor do culto. A importância excepcional
dos Cííchês, tomados por Atgct. no século X I X . nas ruas vazia» cie Paris, existe
justamente porque de fixou locatmente essa evolução. Declarou se. com razão,
que ele íbtogratdu essas ruaü tal como se fotografa tt local dé um crime. O ioeul
dc um crime lambem c deserto — o cfivhú que dele -e tiru não tem outro objetivo
scnào o de déKCérrar os indícios. Para a evolução, aqueles legados por Algtft cuns
tituem verdadeiras peças dc- convicção. Assim sendo, des têm uma significação
política secreta. J á exigem serviu acolhidos num certo sentido, MâO se prestam
mais a uma consideração isolada. Inquietam aqude que os olhai a :im dc cupui
los. o espectador preve que lhe é necessário seguir um determinado caminho. Ao
mesmo tempo, os jornais ilustrados começam a se apresentar a de como indica
dores de iüncrúrio. Verdadeiros ou falsos, pouco imporia. Com esse gênero de
fotos, a legenda tornou se. pela primeira vez. necessária. L- tais legendas detêm,
evidentemente, um ctiràter bem diverso du titulu de um quadro. A s orientações
que o Lcxio dos jornais ilustrados impõe àqueles que olham as imagens fur se ã«
logo ainda mais precisas e imperativas mediante 0 advento do filme. onde. pelo
visto, não sc pode captai nenhum» imagem isolada sem -e levai cm conto a -mees
-.no de todas ns que n precedem.

V II

A polêmica que se desenvolveu n« decurso do século X I X . entre os pintores


e os fotógrafas, quanto no valor respectivo de suas obras, dá-nos hoje a impressão
de responder a um falso problema c dc ve baseai numa confusão. Lort&e de, nisso,
contestar a sua importância, tal circunstância só faz enfhtizá Ia, Essa polêmica
traduzia dc tato uma perturbação dc significado histórico na estrutura du unLvcis-o
t nenhum do$ dois grupos adversários teve consciência dela, De&pregada de suas
bases ritualísticas pelas rêcntcus de reprodução, a arte, em decorrência, nào mais
podia manicr seus aspecto* de independência. Mas o século que assistiu u essa
evolução foi incapaz J l- perceber a alteração funciona! que elíi gerava para a arte.
E tal consequência,. até durante longo tempo, escapou ao século X X . que. no
entanto, viu o cinema nascer e se desenvolver.
Gastaram se vãs sutilezas a fim de se decidir se a fotografia eíã Ou não ariê.
B E N IA M IN

porem não se indagou antes se essa própria invenção não transformaria o caráter
geral da arte, os teóricos do cinema sucumbiríam no mesmo erro. Contudo, os
problemas que a fotografia colocara para a estética tradicional nào eram mais que
brincadeiras infantis em comparação com aqueles que o filme iria levantar. Dai
essa violência cega que caracteriza os primeiros teóricos do cinema, Abel Gance,
por exemplo, compara o filme à escritura hieroglífica:

“.E is nos. devido a um Jabuloso retorno no tempo, de volta sobre n


platto dc expressão dos egípcios.. . A linguagem das imagens ainda não
chegou á maturidade porque não estamos ainda feitos para elas. fnexiste
ainda atenção sujlciente, culto por aquilo que elas exprimem 13
Séverin Ma rs escreveu:

"Que arte teve um sotiho mais elevado. . . mais poético v, em p a r a le lo ,


mais real? Assim considerado, o cinematôgrajb tornar-se-ia um meio de
expressão de fato excepcional e cm sua atmosfera somente deveríam
movpr-sc personagens dc pensamento superior, nos momentos mais per
feitos e misteriosos de sua existência ”, 13

A! exandre Arnoux, por seu turno, ao término dt uma fantasia a respeito do


cinema mudo. não teme concluir: "Km suma, iodos os termos aleatórios que aca­
bamos dc empregar não definem a p rece"?1 d É bem significativo que o desejo dc
conferir ao cinema a dignidade de uma arte obriga seus teóricos a nele introduzir,
através de suas próprias interpretações e com uma inegável temeridade, elementos
de caráter cultural. F.. no entanto, na mesma época em que publicavam suas
especulações, já sc podiam vei nas telas obras eumo ,4 Woman o f Paris (Casa
mento ou Luxa?) e The C o!d Rush (Em busca do Ouro). O que nào impedia Abel
G ance dc .se arriscar na comparação com os hieróglifos e Séverin Ma rs de falar
sobre cinema no tom adequado às pinturas dc Fra Angélico! É ainda caracte­
rística hoje cm dia a tentativa dos autores especial mente reacionários de inter
pretar o cinema dentro de uma perspectiva de gênero idêntico c a continuarem u
lhe atribuir, senão um valor exata mente sagrado, pelo menos um sentido sohrcna
tural, A propósito da adaptação cinematográfica dc .-I Xfidsununer \ ig h t’s
Dream {Sonho dc Urna Noite de Verão) feita por Max Reinhardt. Fran/ Werfe!
afirma que apenas, e sem dúvida, u cópia estéril do mundo exterior, com suas
ruas. seus interiores, suas estações, seus restaurantes, seus automóveis c suas
praias impediram até agora ao cinema ascender ao nível da arte:

' () cinema ainda não apreendeu sen verdadeiro sentido, suas verda
deiras possibilidades, . . Elas consistem rw poder que d c detém intnnse
camente de exprimir, por meios naturais, , com uma incomparável capa
cidade dc persuasão, o feérico, o maravilhoso, o sobrenatural15

13 Abel Guncc, loc.aí., p. 100 s,


' 1 Sévericv Marx, ciliitlu por Abel Gance. à>e. ci/., p. 100.
1■* Alexandre Amoux, Cirtnrta, l*arsv. 1^ 39 , p, 2 S,
11 f r:m/ W tffc!:“ l;iii Som rmmncHisU.ium'1' V ia rs Wiener Joumai, nov. 1035
A O B R A DE A R T E 15

V1JI

No teatro è. em cêfi.rr.qvo, o ator em pessoa que apresenta-diante do público,


a sua atuação artística; já s do ator de cinema requer a mediação dc todo um
mecanismo. Disso, resultam duas consequências, O conjunto dc aparelhos que
transmite a performance do artista ao púbiieo nào está obrigada a respeitada
integralmentc. Sob a direção do fotógrafo, na medida em que se cxecula o filme,
os aparelhos perfazem tomadas com relação a essa performance. Essas tomadas
sucessivas constituem os materiais com que. cm seguida, o montador realizará u
montagem definitiva do filme. Ele contem determinado numero de elementos mó­
veis que a câmara levará em consideração, sem falar dc dispositivo* especiais
como os primeiros planos. A atuação do intérprete encontra-se. üSsim, .Submetida
a uma série de testes ópticos. Essa c a primeira das duas consequências a gerar a
mediação necessária dos aparelhos entre a performance do ator e o público. A
outra refere sc ao Fato dc que o intérprete do Filme, nâo apresentando ele próprio
a suri performance, não tem. como n otor do teatro, a possibilidade dc adaptar a
Suá atuação às reações dos espectadores no decorrer da representação. O publico
acha-se. assim. na situação de um perito cujo julgamento não fica perturbado por
qualquer Contato pessoal com o intérprete. Só consegue penetrar íniropaticamentc
nu ator se penetrar m iropalicamcnlc no aparelho. Tom a. as&ím. a mesma atitude
do aparelho; examina um teste.16 Não se trata de atitude á qual sc possa submeter
os valores de culto.

IX

No cinema, e menos importante o intérprete apresentar ao público uma outra


personagem do que apresentar se a si próprio. Pirunddlo foi um dos primeiros a
sentir essei modificação que sc impõe ao ator: a experiência do teste, O fato dc se
limitarem u sublinhar o aspecto negativa da coisa não dim ina em quase nada o
valor dc suas o b se rv a re s que podem ser lidas em seu romance: Si Girti. Menos
ainda o lato de aí sc tratar apenas do filme mudo. pois o cinema falado, no tocante
u ssso. não traz nenhuma modificação fundamental:
“Os mores dc cinema” escreveu Pírundcllo — . "sentem-secomo se
estivessem no exiilfí- tixiSudoí não sti da certa, m ós deles m esm o s, Notam

1* mO 01 me piúfiicíã iiM-deriA propiciar). ;iu no detalhe. concluwi-i--.útrtr n rap eão lirr- cen.iu ^ humii-
n,-iv A psíflEí' itft ur-v: • ii/ ,2iu hiwinn nrui >;«? poidí* ctí-iiuvir nenhum dn» ícuk rnocivm cfc? cnmpnnamtTiiiv .1
yjklls interior da.*. posso*! num a é f u n d a i rorameiuc. d a consisti? no m u ltad e ro:im imporOinlr dc KU&
cerniu ias” (Brecíu. 1 1 rM<ch?, D w Ámpitando o ea.m pn du iijmu, ti ppi,-l rfos apa
rei hos. na rcpraoiU vâti dos Itlfnci. ileüCRípcnliu. paia o índtvsdui). uma. lEinç.ki anãln,-..i àquda do cunjumn
dc «ireunsiirtíias eccróitiicas quv wiaiurturom tlc medo cti(raarilinarin os terrenos onde d e poJe s<rf t « c a Jr
VertílL1 1 . .issim qn/ os icslcs dc iirienl.ua, 1 pjrtfiífiiúiial Is < i>nnh;un fftab importância. Cüfiiistfrp
rum poermindo número de {kcuptifttnH liai fvçfitruiattm do indivíini,i Tomadas prova*
du ui iiavAçàò -profissional. m diston.vo1* c « dianie de - ureófvyo de téenkir O ilireim Je rnontapom
tíiçonirâ-se cm sim csíudiu esalitnwnlc Iin m vsn:i «inação que 0 euiuroLidcir dc tcslca, por acatião du exame
üé orientáçà.0 profissional.
16 B h N JA M IM

corrfiisamenle. com uma sensação de despeito, ü vazio indefinido e ate de


decadência, e que os i t m corpos são quase volülilizados. suprimidos e
privados dc sua realidade, dc sua vida, de sua ro r c do ruído que produ
zem para se deslocar, para se tornarem uma imagem muda que tremula
um instante na tela e desaparece em silêncio. . . .-t pequena máquina
amará diante do público mediante a.y suas imagens e eles devem sc con
tentar de atuar diante dela 1 7

Existe aí urru situação passível ile ser assim caracterizada: pela primeira vez.
e cm decorrência da obra do cinema, o homem deve agir com coda a sua persona­
lidade viva. mas privado da aura. Pois sua aura depende dc seu hlc cr nunc. Ela
não sofre nenhuma reprodução. No teatro. a aura ile Macheth ê inseparável da
aura do ator que desempenha esse papel tal como a sente o publico vivo. A tom a­
da no estúdio tem a capacidade peculiar de substituir o público pelo aparelho, \
aura dos intérpretes desaparece necessariamente e, com ela. a das personagens
que eles representam.
Nào se deve tlcar surpreso que. precisamente um dramaturgo como Hiran
dcllo. através de sua analise do cinema, atinja de modo involuntário aquilo que e
básico na crise atual do teatro. Nada se opõe mais radicalmente dn que o teatro
ã obra inteiramente concebida do ponto de vista das técnicas de reprodução, ou
melhor, àquela que. como o cinema, nasceu dessas próprias técnicas, Uso se con
firma mediante qualquer estudo sério do problema, Desde muito tempo, os bons
conhecedores admitem, como escrevia Arnheim em 1932. que. no cinema, “é
quase sempre interpretando o mínimo que se obtêm maus e fe ito .. . A última esca­
la do progresso consiste em reduzir o ator a um acessório escolhido pelas suas
características, e que se utiliza funcional mente'*.18 Outra circunstância liga se
u esta de modo mais estreito: se o ator teatral entra na pele da personagem repre
sentada por d c. é muito raro que o interprete do filme possa tomar idêntica atitu
de. Ide nào desempenha o papel ininterruptamentc. e sim numa serie de

1 ' Luijú PitíiJHldlu. (to íou/nc. ciluüe imi IXvn Pitue Qurnt. ”Stenillcàtion dtrCmémif (L "Ari Cinctnara
i;rij/íAujun II, Pum 10.7 7, pp, 14 s.)
Rudcill Arnheim: Fíhn át* Kitnit, Bsfltiw iv j j , HP I7t> Dentro dessa i»v; .pewlivti. certas pailo-uliui
dndcft .iparuntcmaile secundárias. que Jr tino.ucm a direção cinamaco prática c o cspcrimaniti tcnual. lomain
mm-, inleri^surtu- '. erilT>e t-mlro*. a ununtiva dc rdjptm ilireiot.- r>reyer ur» soa Jcam r cíHtv áe
suprimir m rtuiqiiibiícin dos .nino.. Dreycr ,tcm<w£>- mexes par» conseguir rcur.jr j$ quttraiu inurprao que
dev criam representar os juizes nn procc-iai da inquisição Sua busca parecia a procura dc awvsõru* difíceis
d.* ••••rom ohlítkv Drcycr ••*ripr.-i-nil<-u ■
*• matam.»; -ior ... u fim evitar que houvesse entre • Intérprete»
1 menor sçmcttianv-i dc idude. dc csi.iiut;« c dc fisiuiuJTniu. QuunJo , ului se iwina ucc-üiõrio Ju cena, niio 0
r»ro que. em decorrência. os pnifm» acef.surlos dcseni|>ei’m*ii <1 papei üe atores Rdo menos não c izwüio
que 0 filme lhes 1 cilha um papel a confiar. l;rn vez lie invocar quaisquer exemplos cxlraidus da grande massa
ibtqudet que senprwcnutm. fixc«K> nos e n um. «pccnvitnemc ilustrativo, A presença no palco dc um rekipio
cm Amrtwuimwin 4»ria rempre íni'i»íl Inesiste lugar aa teatro para 0 sua ilictçici 41111 é n Jc mtnur o imi»
Mesmo numn peça realista, o letnpi» astrunòmku estaria emdiscordância com n icmpo cênico. Ne-u*. conde
Võvs, t da riuioi iinpmiUiiiuui paru o cinema poUc Ut por üe liii rekifito a fim de assinalar u tempo real. Rs.se
l um dos dados que melhor tndivarn que. numa eircupsiãnáa determinada.«ida aeesNciru» ppde desempenhar
um papd decisivo, Hstarmíx aqui bem puni ma-, clu afirmação de 1'tíiinvikin. scjuirtdo a qual “o desempenho
dü um .iIim. virir.hmlii .1 uir. ,-h; .-li, wdvfK niirinln ilvst^. s,*mpr. rnnMihii um il tu.ii . psi.l -r.' m■rifc»-urs.t .
de que dispòe o cinema", O ftltnç. então, è o primeira mçio arustiço capaz de mostrar a reciprocidade de ação
entre a matéria <o humetn. NcSscsemiUu. ek pode servir com muita eficácia a um ptasaracmu maa-rialivta.
\ O B R A Ü E A R TI 17

sequências isoladas. Independente das circunstâncias acidentais — Localização do


estúdio, afazeres dos atores, que só estão disponíveis a determinadas horas, pro
blemas de cenografia, etc. — as necessidades elementares da técnica de operar
dissociam, elas próprias, o desempenho do ator numa rapsódia de episódios a par­
tir da qual deve-sc. em seguida, realizar a monLagem. Pensamos sobretudo na
iluminação cujas instalações obrigam 0 produtor — a fim de representar uma
ação que se desenrolará na tela de modo rápido c continuo — a dividir as toma
das. as quais, algumas vezes, podem durar longas horas. Isso. sem falar de deter
minadas montagens cujo caso ê mais agudo: se o ator deve saltar por uma janela,
faz se com que ele salte no estúdio, graças às construções artificiais; mas a fuga
que sucede a esse salto talvez só seja rodada, exterior mente. muitas semanas após.
Encontrar -sc-á facilmente exemplos ainda mais paradoxais. Acontece, por exem
pio. que, de acordo com o roteiro, um interprete deve se sobressaltar, ao o u v i r
baterem à porta c que o diretor náo esteja satisfeito com o modo pelo qual ele atua
nesta cena. Aproveitará, então, da presença ocasional do mesmo ator no palco de
filmagem e. sem prevení lo. mandará que deem um tiro às suas costas. Havendo
a câmara registrado sua reação dc susto, só resta introduzir, na montagem do
filme, a imagem obtida de surpresa. Nada demonstra melhor que a arte abando­
nou o terreno da htia aparência, fora do qual acreditou-sc muito tcrnpo que d a
ficaria destinada a definhar.

Com o notou Piranddlo. o intérprete da filme sente-se estranho frente a sua


própria imagem que lhe apresenta a câmara, D c inicio, tal sentimento sc parece
com o de todas as pessoas, quando se olham no espelho. Mas. dai em diante, a sua
imagem no espelho separa sc do indivíduo e torna sc transportável, E aonde a
levam ? Para o público.19 Tram se dc um fato do qual o ator cinematográfico per
manecc sempre consciente. Diante do aparelho registrador. sabe que — cm última
instância c com o público que tem dc sc comunicai. Nesse mercado dentro do
qual não vende apenas a sua força de trabalho, mas também a sub pele e seus
cabelos, seu coração e seus rins, quando encerra um determinado trabalho de fica
nas mesmas condições de qualquer produto fabricado. Esta é„ sem dúvida, uma

P«tJc se vwr-tMjM, no plano político, uma mudança iuiákqri no modo de exposição e que dc forinn
idêntica — depende dío técnicas dc reprodução * ciisc itluol dua UcrmiCntcuo. burguesas eau vinculada .1
uma e3isc da* ooiiiíIçucn que determinam » srópm aprescnuíçâo dl>s ftovcrnanics. M dÇrnoorftCi&S .ipresa*
um seus ypvemiMítes <k mode* direto, cm c.n iic < i w , dnintcdos depuetetus, O parlamento constitui o seu pú
blioo. Com a evolução dos aparelhos, que permite a um namaro indefinido Uc ouvintes escutar o discurso di>
orador, no próprio momeiuu em que ele tala, e dc. poupei écpob, difundir u suo imujtcm a uma quantidade
indefinida dc espectadores, o essencial sc transforma na apícsetuução uu homem puliaçn dinniedo apjtrçjJbo
em m, hssa nuvu técnica osviuia os parlamentos, assim como esvazia os teatros, 0 rãcJw* c o cinema n,io
modiiicant apepas a íunçafi do ator r ,v'li'. »*nnl. mas tic maneira üetnelfctiinlc - - a dc qualquer um. como
o caso d.' governante. que se àpr-c&cníe ili.-inic dn rntÇrnfone ou da câmara. Levando en* coma a difbrcftv-1
de ohjeuvoM, o itiurrprcic dc um lUmc c o cuutdiulú j©Jrcrri uon-iíai rrtuçwj puruicliu. lsuh rctu^ãu u isso. J3oti
conseguem, em determinadas condições sociais, aproximados do público. Dai a enstínda de uma nova sele
ção, diante da aparelho: as que suar. vencedores são a vedete c O ditador,
LB BENJ A MIN

das causas da opressão que o domina, diante do aparelho, dessa forma nova de
angústia assinalada por Pirandello. Na medida em que restringe o papel da aura.
o cinema constrói artificial mente, fora do estúdio, a "personalidade do ator": o
culto do astro, que favorece ao capitalismo dos produtores e cuja magia é garan-
Lida pela personalidade que, jà de há muito, reduziu-se ao encanto corrompido de
seu valor de mercadoria. Enquanto o capitalismo conduz o jogo, o único serviço
que se deve esperar do cinema em favor da revolução é o fato de ele permitir uma
critica revolucionária das concepções antigas de arte, Não contestamos, entre­
tanto. que, em certos casos particulares, possa ir ainda mais longe e venha a favo
recer uma crítica revolucionária das relações sociais, quiçá do próprio princípio
üa propriedade, Mas isso não traduz o objeto principal do nosso estudo nem a
eontnbuLçào essencial da produção cinematográfica na Europa Ocidental.
A técnica do cinema assemelha se àquela do esporte, no sentido de que todos
os espectadores são. nos dois casos, scmi espeoalistas. Basta, para isso ficar
convincente, haver escutado algum dia um grupo de jovens vendedores de jornais
que, apoiados sobre suas bicicletas, comentam os resultados de uma competição
de ciclism o. Não é sem razão que os editores de jornais organizam competições
reservadas a seus empregados jovens. Tais corridas despertam um imenso inte
resse entre aqueles que delas participam, pois o vencedor tem a oportunidade de
deixar a venda de jornais pda situação de corredor profissional. De modo idênti­
co. graças aos filmes de atualidades, qualquer pessoa tem a sua chance de apare­
cer na teia. Pode ser mesmo que venha a ocasião de aparecer numa verdadeira
obra de arte. como Tri Pefni o Lm lnie (Três Cânticos o Lenw), dc Vcrtov, ou
numa fita de Jorís Ivcns, Nào há ninguém hoje cm dtu afastado da pretensão de
ser filmado e, a fim de melhor entender essa pretensão. vale considerar a situação
atual dos escritores.
Durante séculos, um pequeno número de escritores encontrava se em confronto
com vários milhares dc leitores. No fim do século passado, u situação mudou.
Mediante a ampliação da imprensa, que colocava sempre â disposição do público
novos órgãos políticos, religiosos, científicos, profissionais, regionais, viu se um
número crescente dc leitores — de inicio, ocasional mente desinteressar se dos
escritures. A coisa começou quando os jornais abriram suas colunas a um “ cor­
reio dos leitores" c. daí em diante, inexiste hoje em dia qualquer europeu, seja
qual for a sua ocupação, que. em princípio, não tenha a garantia de uma tribuna
para narrar a sua experiência profissjorufl, expor suas queixas, publicar uma
reportagem ou algum estudo do mesmo genero. Entre o autor e o público, a dife
rença. portanto, está em vias de se tornar cada vez menos fundamental Ela é ape­
nas funcional e pode variar segundo as circunsLãnctas. Com a especialização cres­
cente do trabalho, cada indivíduo, mal ou bem. está fadado a se tornar um perito
em sua matéria, seja d a de somenos importância; e tal qualificação confere-lhe
uma dada autoridade. N a União Soviética, até o trabalho tem voz; e a sua repre­
sentação verbal constitui uma parte do poder requisitada pelo seu próprio exercí
cio. A competência literária não mais se baseia sobre formação especializada.
A OBRA DE ARTE 19

rrvas sobre uma multiplicidade dê lêúvicas ç, assim, ela se transforma num bem
com um .20
Tudo isso apiíca-se ao cinema sem reservas, onde os deslocamentos de pers­
pectiva, que exigiram séeuLos no campo literário, realizaram-se em dez anos. Pois.
na prática cinematográfica — sobretudo na R ijüsiu — a evolução já está parcía]
mente consumada. Inúmeros intérpretes do cinema soviético náo são mais atores
dentrú da acepçào da palavra, c sim pessoas que desempenham o seu próprio
papel, mormente cm sua atividade profissional, Na F.uropa Ocidental, a explora
çào capitalista da indústria cinematográfica recusa-se a satisfazer as pretensões
do homem contemporâneo de ver & sua imagem reproduzida. Dentro dessas
condições, os produtores dc filme?; têm interesse em estimular a atcttçâo das m as­
sas para representações ilusórias c espetáculos equívocos.

X i

A confecção dc um lllmc, sobretudo quando c talado, propicia um espetáculo


impossível dc se imaginar andgíiméntê. Representa um conjunto de atividades
imixissível de ser encarado sob quaiquej perspectiva, sem que se imponham à
vi&ia todas, as espécies de elementos estranhos ao desenrolar da ação: máquinas dc
filmar, aparellms de iluminação, estado-maior de assistentes, etc. (para que o
espectador abstraísse isso, erts necessário que o seu olho se confundisse com a
objetiva cta câmara). Mais do que qualquer outra, essa circunstância toma superfi­
ciais c sem importância todas as analogias que se poderíam erguer entre a film a­
gem dc uma cena cm estúdio e a sua execução no teatro. Por princípio, o icairo
conhece o local onde basià se situar a fim de que o espetáculo funcione. Nada

:,a 0 earàtçr privilDiyaitu dus léraicits cfirrtíponduniis lira mlm*fflrmliiBdc«. AlcSoux l-liuitey escreveu t"üs
pn^ngaMw néenittw. «ndusiriuw £ vidparinujao. Ai wcnivms de rercutluçà-ú- ü o uso das rotativas do*
jamais permitiram u«u imihifilicnçài» da íinutimi c tlu ecritt que ultropass.i iodas as prevladea.. A Nmraçâu
uferigalòlift ç v rç)AtiV'a auincnu' Jti nivid» dc viJa «irlrimm um |!t*bhcij multo grande, unjwr dc ler « :.u valer
d* leitura f das imagens A fim dc s ati.situei ,i ml demanda. (ai neçésSário or^áfitz.ir uma inilusiro impoi
lume Mas o iUhh aritmio• ■«ma «mn mrs: rcxultn disso . que por iodemos lados ;i produção arCistiíá. fua
■■iüh pruidr rmnu. Uii de puoeu vaiar Mm. ho->\ a piMCtmnuem de ÍYlCíUtuflí. na eoniunn* da pioducid ©lèfi
ca, ainda c maior tio qac mwiea . Traia se. m dc um aim(dcs prftbfewi «rritmétia» No decorrer do nfcul»
p«r,SRdc\ u pnpiulaçãik (ia nunipa Ocidental ictgnl-uii ulcm do dobro. porim.no que t po orvel calculai o núuc
rtal dc kiiur.s r dc imaiieiis avmoWHi, fio mmimu, de um para t o , talvez, dc um pum dnqwnui ou écoi. Se
ic admite que uma população dc »■milhões de habítar.ics ccuuporia, um número « dc pessoas, dotada* artisti
enmcntc. i« lulaMos serão Jr 2n pa: ,i uiuii popuUjçàc de .V mtllide Porte c assim n$nmii n sduaqao: onde.
Iili cym anu*, piblbr«>w uiuu pú^ino, jniprcis.i, o»m torto ou imapens, publisnm :>e, hoje, vinu. *en*o esm,
i.AuX, |WI muro Ibdo. esiJilta em talCTHdsrUMJeu, eMMum.iinji:, doh, Admito que,em CtWisequência da ensino
obrigatório. um -rUfide numero dc talentos Virtuais, ouiroía impedidos íc de*envole«r«« sçys dons, porte mije
cvprtKüar Supúnhamos, poi oonsepulmc.. cjue hoje rtislitei lf« ou ipestnu auairo Lokn&ps ptrfl cart*
um de m urara. De qualquer turma, rt í í ORi mf l d. textí?» e de imaeuas superou s produçoei normul de lS C íu o -
reí, e descnliisliei hum dotados. Ocorre o meamo no [erraio das sons. A prosperidade,o grèmlOlone c o rádio
cniirstm um puliiica cujo cpnMjmu de baia uuiJiscb estã dcspiroporcionrU com o «rrcscitncmo da população c,
em rtecorrétim, dom » nãmera de iEiüsictsS: dc tatenta. Dc-.sc mód& em ÍOrtiu as arK».-4ICj« em nrtrtirWWttlisrt
hiíoi. ou «cn v.-iU>rcK reblcvcss. a piOdUÇflO (ie rr^L-aK-.u1
, ê mais mtansa do q ur iiuirora; l- aiíiim o será CíltjtííVllO
:ls pessoas «mUnuafêní a consumir. düSmtididamcnte, textos, imagens e rtisoos". É claro que o ponto de vista
aqui expresso pada Eem de progrossisia.
2Ü REMIAM IN

disso existe num estúdio cinematográfico. O filme* só atua cm segundo grau_ uma
ve/, que se procede à montagem da* sequências. Em uutras palavras: ü aparelho.
110 estúdio, penetrou táo profundam ente na própria realidade que. a fim de confe
rir-lhe a sua pureza, a lim de d e s e ja la diste corpo estranho uo qual se constitui
— dentro deLa — o mesmo aparelho, deve-se recorrer a um conjunto de processos
peculiares: variação de ângulos, de tomadas, montagem- agrupando várias seqücn
cias Je imagens Jo mesmo tipo. A realidade despojada do que lhe acrescenta o
aparelho tornou-se aqui a mais artificial de todas ç, no país da técnica, a apreen­
são imediata da realidade como tal é. em decorrência, lima flor azul.
Essa situação do cinema, opondo se nitidamente á do teatro, leva a conclu
sues ainda mais rac Lindas. caso a comparemos com a tia pintura. Cabe aqui im-fa
gar qual é n relação entre u operador e o pintor, A ítm de responder, permita-se
nos recorrer a uma comparação esclarecedora, extraída da própria idéia de
operação. Uit como c empregada na cirurgia. No mundo c per ator io . o c iru rg iã o e
o curandeiro ocupam os dois pilos opostos. Ü modo dc agir do curandeiro que
cura um doente mediante n atuação das mãos. difere tia que A do ciru rg iã o que pra
tiecí uma intervenção. O curandeiro conserva a distância natural existente entre
ele e o paciente, ou — melhor dizendo se ele a diminui um pouco - devido h
atuação da.s mãos aumenta a bastante por causa de sua autoridade. O cirur
g?âo. pelo contrário, u dtminut consideravelmente, porque intervém no interior Jo
doente, mas só aumenta a um pouco, graças à prudência com que a sua mão se
move pelo corpo do paciente, h.rn suma: ao contrário do curandeiro (do qual res
mm alguns traços no prático), o cirurgia». no momento qecisivo. renuncia a se
comportar face ao doenté dc acordo com uma relação de homem a homem; é
sobretudo atraves do mudo opem órm que ele porteira no doente. Entre a pintor e
o filmador encontramos a mesma relação existente entre o curandeiro o o cirur
giuo. O primeiro, pintando, observa uma distância natural entre a realidade dada
e ele próprio: o filmador penetra cm profundidade nu própria estrutura <lo dado.*'
A s imagens que cada um obtém diferem extraordinariamente, Á do pintor é gin
bfil. a do filmador dívidc-sc num grande número de parles, onde cada qual Obede­
ce a suas leis próprias Para o homem h o d le irio , a imagem do real IbrmxúUa pdo
cinema é inflniiamcnte mais significativa, pois sc ela atinge esse aspecto das coi
sus que escapa a qualquer instrumento o que se rrata dc exigência legitima dc
toda obra de arte — ela só o consegue exatamente porque utiliza instrumentos
destinados a peneirar, do modo mais intensivo, no coração da realidade

•'1 A> ililicuklwltt iln rVimactor mk>, ewm etaia, cWMWàveu âqitclur. J<i cirurgíã®. Cxracw?!>.:»m m inuviman
tt» ik iubei cuja tônica |w « i« r vsprcifíeiweaie a® âmbito do gcsiç». Lut Dunam fala daqueles que tuUgCm.
niL i::inirK«» algumas invaqjSéti rfiiícçí'.. T u » *, por i.tcnspie. wu.siwi «spc^íílsi', f\li;itvló .U lílíirrifloLíuiii
^ulitgjj. chamado dc mèiodo (K-JspcvLivi) crukvnaüt! Refere >e iRmalincnic àk verUadteiras acro-h-acim imposlíer
ao cirorSUe dn luringe, pelo ÜUO dc sjei* íibríjpdo a lltO^K um tSfiCllhX Onde a imnjíem sr llic »pre*tfitâ ao
inverso A aisinalã também n itJvin.iLho do f>rí«if.!ift T-w.|ueriiln rela cirurpiu Ic ouvido, ^u- õ com paravd « i *u-
um rclojiíl-íili O címr^au.çs oev. ijwrciUr cr, seus jtitkjcukjs ate um fLiiu extremo dc piouisãu ocrobálicli. quuu-
•Io vat consertar nu uil* .ir,>corpo liomano. Hasta pensai, lambia ncis Dunaili, na«peraçãe etc çatáiutá, v-nílc
d aço do túxtuii deve poilur com wctdos qua.se fitadas. ími ainda nas importantes intervenfies na região
ingwauiI c1uparatomií í,
XII

A s lêcnicas de reprodução aplicadas â obra de arte modificam a atitude dn


massa com relação à arte. Muito rcirógrada facc a um Picasse», essa massa toma-
se bastante progressista diante de um Chaplin, por exemplo. O caráter de uitj
comportamento progressista cinge se a que o prazer do espectador e a correspon­
dente experiência vivida ligam se. de maneira direta e íntima, à atitude do aficio­
nado. Lssa ligação tem urna determinada importância social. Ma medida em que
diminui a significação social de uma arte, a$$fSie-sc. no público, a um divorcio
crescente entre o espirito critico e o sentimento de fruição. Desfruta se do que c
convencional sem criticá-lo; o que é verdadeiramente novo. critica-se a contra­
gosto, N’o cintinia. o publico não separa a crítica da fruição. Mais do que cm qual­
quer outra parLe. o elemento decisivo aqui i que as reações individuais, cujo cnn
junto constitui a reação maciça do público, ficam determinadas desde 0 começo
pela virtual idade imediata de xeu caráter coletivo. Ao mesmo tempo que se mani
fesuitn. essas reações se controlam mutuamente. Ainda aqui o contraste com a
pintura é bem significativo. Os quadros nunca pretenderam ^cr contemplados por
mais de um espectador ou. ciilào, por pequeno número deles. O fato de que. a pai
tír do século X I X , tiveram a permissão de serem mostrados u um público eonsidu
nível corresponde a um primeiro sintoma dessa crise não apenas desfechada pela
invenção dn fotografia, mas. dc modo relativa mente independente dc tal doeo
bcrlti. pela intenção da obra de arte de se endereçar às massas.
Ora. è exatamente contrário à própria essência da pintura que da st* possa
oferecer a uma receptividade coletiva, corno sempre foi o caso da arquitetura e,
durante algum tempo, da poesia épica, e como é o caso atual do cinema. Ainda
que não se possa quase extrair qualquer conclusão no tocante ao papel social da
pintura, c certo que no momento paira um sério inconveniente pelo qual a pintura,
em virtude de circunstâncias especiais, e de modo que contradiz sua natureza até
certo ponto, fica diretametue confrontada com as massas, Nas igrejas c claustros
da Idade Média ou nas cortes dos príncipes ate por volta dos fins do século X V I jf.
u acolhida feita às pinturas não linha nada de semelhante; elàs só sc transmitiam
através de um grande número dc iruenncdiúrtos liicrarquizados. A mudança que
interveio com relação a isso traduz o conflito peculiar, dentro do qual a pintura se
encontra engajada, devido às técnicas dc reprodução aplicadas â imagem.
Poder-sc ia tenrar apresentà-ln às mossas nos museus c rta> exposições, porém as
massas não poderíam, cias mesmas, nem organizar nem controlar a sun própria
acolhida.22 Por isso exntamentc. o mesmo público que cm presença dc um filme
burlesco reage de maneira progressista viría a acolher o surrealismo com espírito
reacionário.

Sí Hí s -c moUn Jc c-onsiJcriii uui-mi-. ptidt p w c ça AWMíiro. Mtt>. òumu o Janunstra o exempla do Sím Ur
leònco Leonai do l)u V Inei, üli.v.-n ,iç ú * dessa aiíttuí e/u podem sc-r 3■.vu lempo. Com pnm nài mú
wga v pinuira. tfu L,ucffl«ríki: " A supcriortçiiídç da piruiini «obre a músico uxUir jjíteflilú «leque. 1 paitir «|u
inntnétUíi l-iís q u r d a c convocada p a u viv^r iru'* ■k - motivo paru qj.c vortft-c -1 m orrer. como íw cuntrario,
c o casu Ua pnbnr música < ínúriu» w ova por a Uhjhi?- dc .»er lucadu; peioni;uda pdo usu Jij vcrnlz,a pm
luru suhMKic"
22 BENJAMIM

X III

0 que caracteriza o cinema nâo é apenas o modo pelo qual o homem se apre­
senta ao aparelho, ê Lambem a maneira pela qual. graças a esse aparelho. d e
representa para si o mundo que u rodeia., Um á a m c da psicologia da performance
mostrou-nos que o aparelho pode desempenhar um papel de teste. Um odiar sobre
a psicanálise nos fornecerá um ouLro exemplo. De fato. o cinema enriqueceu a
nossa atenção através de métodos que vêm esclarecer a análise freudiana. Há ein
qücitta anos. nâo se prestava quase atenção a uim lapso ocorrido no desenrolar de
uma conversa. A capacidade desse íapso de. num só lance, abrir perspectivas pro
fundas sobre uma conversa que parecia decorrer do modo mais normal, era cuca
rada* talvez, como uma simples anomalia. Porém, depois de Psychopalhalagie tiw
Aüagslebens (Psrcopaioiogia da l ida Coiidiàfíãk as coisas mudaram muito. Ao
mesmo tempo que as isolava, o método de Frcud facultava a análise de realidades,
até então, ina dvertí dam eme perdidas no vasto fluxo das coisas, percebidas. A la r­
gando o mundo dos objetos d.Os quais tomamos conhecimento, tanto no sentido
visual como no auditivo, o cinema acarretou, cm consequência, um aprofunda
mento da percepção. E c cm decorrência disso que as suas realizações podem ser
analisadas de forma bem mais exata e com número bem maior dc perspectivas do
que íifpielris oferecidas pelo teatro ou a pintura. Com relação i pintura, n superio
ridade do cinema se justifica naquilo que lhe permite melhor analisar o conteúdo
dos filmes e pelo fato de fornecer cie, assim , um levantamento da realidade incorrí
para vel mente mais preciso. Com relação ao teatro, porque c capa,? de isolar nú
mero bem maior de elementos çonsiituitites. Esse fato ■c é daí que provém a sua
importância capital tende a favorecer a mútua compenetração da arLe e da
ciência. Na realidade, quando *ç considera uma estrutura perfeílamente ajustada
ao âmago dc determinada situação (como o músculo no corpo), nâo se pode estí
pular sc a coesão refere se principalmente ao seu valor artístico, ou i\ exploração
científica passível dc ser concretizada. Clraçus ao cinema ■ e aí csié uma das
suas funções revolucionárias pode reconhecer, doravante, a identidade entre
o aspecto artístico da fu logra li u e o seu uso cientifico, ate CiHãO amiúdé
divergentes.85
Procedendo ao levantamento das realidades através de seus primeiros pla­
nos que também subLinham os detalhes ocultos nos acessórios familiares, perseru
tando as ambicricias banais aob a direção engenhosa da objetiva, se o cinema, de
um lado, nos faz enserjtar melhor as necessidades dominantes sobre nossa vida.
conscpuc. de outro, abrir imenso campo de ação do qual não suspeitavamos. Os

,T Com ielav:u' i, isso, a juntura du Rcruisucnça lu m m r w itnáSOgO VCnj irtSiruiiViy Meto iam tom ejvxtn
ircinte» Lirna anc. íUjti1COienvvtvIraíntu c impt,it1áa.«a krctíPtpurayei# Ufssdain aq usti granai parus-, «b« tt
!"-|l, i ! L |: É tíg m ÜJV- ; 111. . « L i l l i e m J i : C k n C lIiS V.-'. I •• !'ll. ÍO i IIÍITÍ =i ' . ST I- V - 1 l. ' A • : -• '.I .ÍCíiVStr.
caendas R»vj«tljç:íj a ünntpinu e a pèrspcttiva, aí úsiv-tuiícui-. . i mctfflprrlo^íi < u rwria das pEms,. Como
VJçry Tc£ obüiarvor. nula Win mm rh-:eaa:i- de ní-. Jo qu.- essa ^urprcendcnU1ppelm^rin >),■um I i-Ornrilo. >iu*
via na piutaia a custa soprema e a m;iiü Lfj«vml,i il«rnOu.ai'âyãi> de saber. poi?. ttixv.T eanveitcKlo de *|w-*?ets»
requeria a d íad a universal c de pfõjjiio uãa recuava diante de uma análise luóriwa. '.aja pretisju c urofuasli
daílí (Sescsencertam AOS hoje rm. ,!in
A OBRA DE ARTE 23

bares- e as ru;u> «ie nossas grandes cidades, nossos gabinetes e aposentos mobília -
dos. as estações e usinas pareciam aprisionar-nos sem esperança de libertação.
E n tá o veio o cinema e, graças à dinâmica de seus décimos de segundo, destmiu
esse universo concentracionãrío, sc bem que agora abandonados no meio dos seus
restos projetados ao longe, passemos a empreender viagens aventurosas. G raças
ao primeiro plano, é o espaço que se alarga: graças ao ralenti, é O movimento que
assume novas dimensões. Tal como o engrandeeimento das coisas — cujo obje­
tivo nào é apenas tomar mais claro aquilo que sem ele seria confuso, mas de des
vendar novas estruturas da matéria — o raíenti nào confere simplesmente relevo
às Ibrmas do movimento jtí conhecidas por nós, mas, sim. descobre nelas outras
formas. tmalmente: desconhecidas, "que nào representam dc rnode algum o retar­
damento de movimentos rápidos e geram, mai.s do que isso. o efeito dc movimen­
tos escorregadios, aéreos e su p ra te rre stre s".3 4
Fica bem claro, cm consequência, que a natureza que fala ã câmara è
eompletamente diversa da que fala aos olhos, mormente porque d a substitui o es­
paço onde o homem age conscientemente por um outro onde sua açào é incons
ciente. Se é banal analisar, pdo menos global mente, a maneira dc andar dos
homens, nada Se sabe com certeza de seu estar durante a fração de segundo em
que estica o passo. Conhecemos em bruta o gesto que fazemos para apanhar um
fuzil ou uma colher, mas ignoramos quase todo o jogo que sc desenrola realmttUC
entre a mào e o metal, c com mais forte razão ainda devido ás alterações tmrodu
zidas nesses gestos pelas flutuações de nossos diversos estados dc espírito. É nesse
terreno que penetra o câm ara, com todos os seus recursos auxiliares dc imergir e
de emergir, seus cortes c seus isolamentos, suas extensões do campo e suas acele­
rações, seus engrandecímentos e suas reduções. E la nos abre. pdn primeira vez. a
experiência do inconsciente visual, assim como a psicanálise nos abre a expe­
riência do inconsciente instintivo.

X IV

Sempre foi uma das tarefas essenciais da arte a de suscitar determinada inda
g.açno num tempn ainda nào maduro para que se recebesse plena resposta.2a A

- * Kuiliill' Amheim, loc. cii., p. 13S.


h Segunde» André Hrcton. n obra dc arte xii tem valor na rocdüda em que -:j:tns «s i cllo-os cio futuro, Dc rato,
toda forma de arte acabada situa sc no cruzamento dc tres Unhas evolutivas, Esn primeiro lugar, cia ctahora
n tícnlcij que a si própria convém Ames do cinema, haviu css;u coleções Jç fiuci que soba pressão dn pole
giu, -aicvili:ini m rapidamente diante dos olhos c que conferiam a visão Jc uma luta de boxe Ou de um jogo
de tênis-; vendiam-SC nas lojas uns br inquedos automáticas, onde o desenrolar das imagens Cftl provoc&dâ
pela rotação dc uma rn.inivela, tm segundo lugur, ela duboru as turmas de aiie tradicionais, nos diversos
otújtios de seu itracnzolvinicnto.com o objetivo Jc uplicà ias no-- efeit-os que. cm --c&uida, serão deaembara-
çadtunertte visftdrw (vis forma nova de arre, Ames de u filme mt aceito, os dadaísLas, através de suas mantfcs
ta^Aes, procuravam Mumdimr juntu ao- publico um mpvmuniu?, o qual Chapltn. logo apôs, surta a tauctar dc
modo mais natural Em terceiro lugar, cia prepara. -Jc maneira armúde inviável, aa ntodificações sociais,
tTtuisformando os métodos dc acolhida a fim dc adapta-lo* as formas novas de aile. Anita dc o cinema havei
começado « formar o seu púhlicu. já outro público sc reunia no Putióratau Imperial, a fim de ver as imagem
(que já haviam deixado de ser imóveis), Este publico achava sc ddkjnté de um biombo.onde eslertoscópios
estavam instalados, cada uru deles voltado para um dos «pwiixtorts. Dumic desses aparelheis surgiam
24 BE NJ A MIN

história de cada forma de arte comporta êjXícas críticas, onde d a lende a produzir
efeitos que só podem ser livremente obtidos em decorrência dc modificação do
nível técnico, quer dizer, mediante uma nova forma de arte. Daí porque as extra
vügàncius e exageros que manifestam nos períodos de suposta decadência nascem,
na verdade, daquilo que constitui, no âmago da arte, o mais rico centro de torças.
A inda bem rec em emente vimos os dadaistas u se eomprazerem com manifesta
ções bárbaras. Só hoje compreendemos o que visava esse esforço: o dadaísmo
buscava produzir, através da pintura (ou da literatura), os próprios efeitos que o
p úblico hoje so licita do cinem a.
Cad a vez: que surge uma indagação fundamentalmente nova abrindo o futuro
aos nossos olhos, ela ultrapassa seu propósito. Isso foi tão verdadeiro no caso dos
dadaístas que, em favor das intenções — das quais não estavam, evidentemente,
tão conscientes dentro da forma que descrevemos eles sacrificaram os valores
com erciais que assumiram, desde então, importância tão grande para o cinema.
O s dadaistas davam muito menos valor k utilização mercantil de suas obras do
que ao fato dc que não se podia fazer delas objetos de contemplação. Um de seus
métodos mais habituais para atingir esse objeto foi o aviltamento sistemático da
própria matéria de suas obras. Seus poemas sâo saladas de palavras, contem
obscenidades c tudo que se possa imaginar de detritos verbais. Iguulmçntcos seus
quadros, sobre os quais eles colavam botões c bilhetes de passagens de ônibus,
trens. etc. Chegaram ao ponto de privar rudicolmcnte de qualquer aura as produ
ções ás quais infligiam o estigma da reprodução Diante de um quadro de Arp ou
íle um poema de Stramm. não se tem como diante dc uma tela de Derain ou
um poema dc R ilkc o lazer da concentração para fazer um julgamento. Para
uma burguesia degenerudn. o reentrar cm si mesmo tornou-se uma escola de
comportamento associai: com o dadnismo. a diversão tornou sc um exercício de
comportamento social.3 • Suas manifestações.com efeito, produziram uma díver
gencia muito violenta, fazendo-se da obra de arte um objeto dc escândalo. O
intento era. antes de tudo, chocar a opinião pública De espetáculo atraente paru
o olho e de sonoridade sedutora para o ouvido, a obra de arte. mediante o dadais
mo, transformou sc cm choque, E la feria o espectador ou o ouvinte; adquiriu
poder [ruumfitizante. h. dentro disso, favoreceu o gosto pelo cinema, que também
possui um caráter dediversionismo pelos choques provocados no espectador devi
do às mudanças de lugares e de ambientes. Pensar em toda a diferença que separa

auiumaiicamcnic irnaccir- sucessivas ijvc •»*.*■demoravam uni instante c lojjti davam lugar u uutia seguinte. Fui
amtla com mçsu» análogos t|uc fcdisoti cailnu it pequeno «ru|«j dc espocui JartT. u |inmcn a pclicuíu lilirwlu
Ísnlíis qur *ic descobri s-o- .1 tela c .1 projeção); .1 público nthnvu cnm .-.tu por o aparelho denlrfi do quãl >.;■
dcs.cnrolavam -i'i ImíiuCtlv, \ priitdpio, o cspet/i-euto apresentado no Panorama tmpèriet lfftdu/ia dc
maneira L'hpcnialmciUa clara uma Jmlinica tln duwii volvimiauo. Pouca terrifio ame-- do cinema peimir.ii uma
vasãíi colcitv i cl.i s imaçenv. praça» a evüc sisicm.1 Uc ntercovtiúpni. Iiipu luuIu Uc muda. o que ainda picv aJc
coi foi a vhúij individual, com a mesma lorça da vumanpi4çã.»i p.i .ma; -m divina iuiia *vi um padre numa
cclji.
* * O :tr^uclífAi lúplóyico i uuio i ecollil miuâo conuislc iui . im c n nwa do rsiar a iuV- uon' Deus. N a 1
.‘.r.indes Opown. da burguesia, c ••-.i uon-.ciOnou tomou o homcin .utlctcntcmcmc fo n e pa:u uucudo a laicla Uu
Igreja: na época dc sua decadência, a mesma consciência deveria favorecer, quamo ao indivíduo, uma lendón
cin secreta de privar n comunidade das forças que ele aciona em sua rcl:i(,ãu peyMoi cum seu Deu:..
a tela na qual ,->e desenrola o filme e a tela onde se íixa a pintura! A pintura convi­
da ã contemplação; em sua presença, as pessoas se entregam â associação de
idéias. Nada d isso o co rre no cinema; inai o olVu> c a p ta u m a imagem, esia j á cede
lugar a outra e o olho jam ais consegue se lixar. Mesmo detestando o cinema e
nada entendendo do seu significado. Duhamel percebeu bem vários aspectos de
sua estrutura c enfatizo isto quando escreve: ‘ J á n à o posso meditar no que vejo.
A s ímâgtíns em movimento substituem ns -meus própnos pensamentos".-' r Dc
lato, a sucessão de imagens impede qualquer associação nu espírito do especta
dor. Dai 6 que vem a sua influência Iraumatizante; como tudo que choca, o filme
somente pode ser apreendido mediante um esforço maior de a te n ç ã o .M e d ia n te
a sua técnica, o cinema libertou o efeito de choque físico daquela ganga moral,
onde o dadaísmo o havia encerrado de certa Forma.29

XV

A m assa è m atriz dc o n d e e m a n a , no m o m en to a tu a l, todo um c o n ju n to de


a titu d es n o v a s eom rclu çã o ã arte. A q u a n tid a d e torn ou -se q u a lid a d e , ü crescí
m ento m a c iç o dn núm ero de p articip an tes tran sfo rm o u o seu modo de participa
ç à o , O o b se rv a d o , n ã o deve sc iludir com o tato de L;d p a r tic ip a ç ã o su rg ir, a prin
c íp io . sob form a d e p re cia d a . M u ito s, no e n ta n to , sã o aqueles q u e . n à o h aven d o
a in d a u ltrap a ssa d o esse a sp ecto su p e rficia l d a s c o is a s , d e n u n c ia ra m -n a v ig o ro sa
m ente. A s críticas dc D u h a m e l são as m ais r a d ic a is . O que ele co n serv a d o iilm e
è o m o d o de p a rtic ip a ç ã o que o cin e m a desperta nos espectadores. A ssim d iz;
" T r a i a s e d e u n ia d i v e r s ã o d i mp á r i a s , littt p a s s a t e m p o p u r a u t U i l f a b e t o s ,
d e p vsso em m is e rá v e is , a tu r d id a s por seu tra b a lh o e su a s p reo cu p a
ç a e s .. . itm e s p e í t i c u f o q u e n à o r e q u e r n e n h u m e s f o r ç o , q u e n ã o p r e s s w
p ò c m u tfUt m a i m p l i c a ç ã o d c id é i a s , n ã o l e v a n i u n e n h u m a i n d a g a ç ã o , q u e
n ã o a b o r d a s e r i a m e n t e q u a l q u e r p r o b l e m a , n ã o il u m i n a p a i x ã o a l g u m a ,
n ã o d e s p e r t a n e n h u m a lu z n o f u n d o d o s c o r a ç õ e s , q u e t iã o e x e n a q u a l
q u e r e s p e r a n ç a a n ã o s e r a q u e l a , r i t lic u la d e , u m d ia , v i r a r suir e m L o s
A n g e l e s ' ' , 30

■ ‘ Dubumul.S ütittvU tto VtePtN-tnti Paris. I’)J0, p.


111 0 cinema ir i f.inr:i •le nne que corresponde a vulíi çaJa v.v ruii- rwnpivu», íüesttnijda ao hOmcffl dí 1»|e
A ncLvs-.idailn- dc sc suhmder i efeitos dc chccpic VonMik» uma a4tpi.lvãn do hómçoí :io-> ncripv; que i'
uiicnçam. O unernu equivale a inodffiucçúi:-, profunda*. mi u|undlui perceptível. aquela-. rrunrrw*<* qiir vivem
suuuimcijtii. no tUMi J;i «aoteneu privada.« pnmciio transeunte surgido nuivm ru« dc luainJv ujduJcc.no
. nr-; sln historio, qualquer ciJiidâo dc um í -.luJ i . aintenipiv.ilriw,
** Sc o cinema se desterra, k lux do dadaisrao, laiubtm o liw dc modo .%ubsianoial. :i lu/ do cubismo e du
fmuristno. Usnl-s dob movioentos nparceem como tentativas insuficiente*. da aru • fim dc assimilar. a manes
ra d e lo , u tame-ã" dm. tipapiJh.». dwitro >U realidade Cwirrariamcriic c in m n . rir* rüo ufiJmiTnru
apalcfiit» pura w r c r ii uma representação ealiilía dii real: ambos. sobretudo. aiiiimm a nrptv.-.criisiçsio do
real àquela Ja ajjartUiíigwn. Assim sc esplica o papel preponderante que descmpcntiftin, no cubismo u
prcHxcnisRu-mo dc uma, eonsíruiáiú ül“,s .i aparclhaficm. nspou-.imdu sabre u«: efeito oticiv r. no luinmmo, o
pre--sentimenu* sU* l u|iarclhupi. n i:d L-unm n cincr.ia os viilGri/nri;'i. praça-. n*< projetar rápido da
pcllcuta,
JJ Duhamcl,ittc.cH., p. fíi
26 BE NI A M IN

V c -íc bem que reencontramos, ao fim de comas, a velha reccirmnaçào: as


massas procuram a diversão, mas a arte exrgc a concentração Trata-se de um
Lugar comum: resta perguntar se ele oferece uma boa perspectiva para se entender
o cinema. Necessário. assim, esmiuçar o a ssu n to . A fim de traduzir a oposição
entre diversão e concentração, poder &e-ia dizer isto: aquele que se concentra,
diante de uma obra de arte. mergulha dentro dela. penetra-a como aquele pintor
chinês cuja lenda narra haver-se perdido dentro da paisagem que acabara de pin­
tar, Pelo contrario, no caso da diversão, é a obra de arte que penetra na massa.
Nada de rnais Significativo com relação a isso do que um edifício, £ jh todos os
tempos, a arquitetura nos apresentou modelos de obra ck arte que só $ lc acolhi
dos pula diversão coletiva. Á s leis de tal acolhida sãü das mais ricas em
ensinamentos.
Desde a pre-história..os homens sào construtores. Mintas formas de arte nas
curam e, cm seguida- desapareceram. A tragédia surgiu com os gregos a fim de
morrer com des c apenas reaparecer longos séculos mais tarde. $r>b a forma dc
“ regras". O püenia épico, que data da juventude dos povos atuais, desapareceu nu
Europa pela fim da Renascença. O quadro nasceu na Idade Média e não há nada
a garantir a sua duração infinita. Mas a necessidade que têm os homens de morar
ç permanente. A arquitetura nunca parou. A sua história è mais longa do que a de
qualquer outra arte e não se deve perder de vista o seu modo dc ação. quando sc
deseja tomar conhecimento da relação que liga as massas à obra dc arte. Existem
duas maneiras de acolher um edifício; pode se utilizá-lo c pode-se fitá-lo. Em ter­
mos mais precisosi a acolhida pode ser tãiil ou visual. Desconhece se total mente
o sentido dessa acolhida, se não se toma em consideração, por exempla, a atitude
concentrada adotada pela maioria dos viajantes, quando visitam monumentos cé
lebres. No âmbito tátil. nada existe, deveras, que corresponda ao que é a contem
plaç íio no âmbito visual. A acolhida tátil faz rc menos pela atenção do que pelo
hábito, No tocante n arquitetura, c esse hábito que, em larga escala, determina
igualmente a acolhida visual. Esto. última, dc saído, consiste muito menos num
esforço de atenção dr> que numa tomada dc consciência acessória. Porém, em eer
ias circunstâncias, essa espécie dc acolhida ganhou força Je norma. A s tarefas
que. com efeito, ac impõem nos órgãos receptivos do homem, na ocasião das gran­
des conjunturas da história, não se consumam de modo algum na esteira visual,
em suma, pelo modo de contemplação. A fim de se chegar u termo, pouco a
pouco, é preciso recorrer à acolhida tátil, ao habito.
Mas u homem que sc diverte pode Lambem assim ilar hábitos; diga-se mais; c
claro que ele não pode efetuar determinadas atribuições, num estado de distração,
a não ser que elas sc lhe tenham tomado habituais. Por essa espécie de diverti­
mento. pelo qual d a tem o objetivo de nos instigar, a arte nos confirma taeira
mente que o nosso modo dc percepção está hoje apto a responder o novas tarefas.
E como. nâú obsLíinte, o indivíduo alimenta a tentação de recusar essas tarefas, a
arte se entrega aquelas que são mais difíceis c importantes, desde que possa rnobi
lizar as massas. Íí o que d a faz agora, graças ao cinema, Essa forma de acolhida
pd a seara da diversão, cada vez mais sensível nos dias dc hoje, cm todos os cam ­
A O B R A D E A RTF 27

pos da arte. e que é também sintoma de modificações importantes quanto ã


maneira de percepção, encontrou, no cinema, o seu melhor terreno de experiência.
Através do üeu efeito de choque, o filme corresponde a éüès forma <ie acolhida. ísc
etc deixa ein segundo plano o valor de culto da arte. não é apenas porque trans
forma cada espectador em aficionado, mas porque a àUiEude desse aficionado nüo
é produto de nenhum esforço de menção_ O público das salas obscuras è bem um
examinador, porém um examinador que se distrai.

Epílogo

À proletanzaçào crescente do homem contemporâneo e a importância cada


ve? maior das massas constituem dois aspectos do mesmo processo histórico. O
fascismo queria organizar as massas, sem mexer no regime da propriedade, o
qual. todavia, elas tendem a rejeitar. Ele pensava solucionar o problema, permi
lindo às massas, nào ccrtamente fazer valer seus direitos, mas exprimi los.3 1 As
massas têm o direito de exigir uma transformação do regime da propriedade: o
Fascismo quer permitir lhes que se exprimam, porém conservando o regime. O
resultado c que cie tende naiuralmcntc a uma cslctizaçaü da vida polí dica. A essa
violência que se faz ãs massas, quando sc lhes impõe o culto de um chefe, corres
ponde a violência sofrida por uma aparelhagem, quando a colocam a serviço
dessa religião.
i odos os esforços para eqçtizar a política culminam num só ponto: a guerra.
A guerra, e só ela, permite fornecer um motivo para os maiores movimentos de
massa. sem. assim. Líicar-se no estatuto da propriedade. Eis como as coisas podem
scr traduzida* em linguagem política. Quanto u linguagem técnica. pode riam ser
assim formuladas: só a guerra permite mobilizar todos os recursos técnicos da
época presente, sem em nada mudar o regime da propriedade. Evidente que o fas­
cismo, em sua glorificação da guerra, nào usa tais argumentos, É . no entanto, bas­
tante instrutivo lançar os olhos sobre os textos que servem a essa glorificação. No
manifesto de Marinetu. sobre a guerra da Etiópia, iemos de fato:

"Decorridos vínie v sete anos, mó, futurista*, tfguemúnos co/itru a


idéia de que a guerra seria anitatética. , D ai porque, . . afirmamos
isio: a guerra e bela púrque, graçtts máscaras contra gás, ao microfone
iemjteo, uoa lança chamas <• nos pequenos carros de assalto, ela funda <r

3 * D w fr « rciiuJliip ih(mí c+wn ftsfiírénçia em e~>pcciiil u h jornals cfiUsnmofciilicos. cujo valor Ur propa
i:;nH!iS n3o pode Mf ■■ulü.'-.'i ni:ulo uniu tireunuinrui nkiii-L.i di- |r,\i ilsOm impíirtõniia, A mpco^wflla cm
mussa. Còmwpcmili; clétivaiLienw nnvi ■ -auuijqçãn- ac maswis. n. is pande unriejus dc festa*. ao* iwvüfs*
PiUntoeiM. 9Utí maiiitcsiiiçdtis desportiva*, sjoe eonjudíufl oaüias inteira, na gaiírra enfim, quer dizçr, em
toda» iis ocasíào onde inurrêrti a cãniam. hoje emdia b máaüft poífc v&r a *ri rmom.i. cara a carji., jwo
ee»!ia. tio q9. 1l é .li.-í.iKA.cíi-áiWio enfatizar 1 iflipurnmtii», v.lâ liyadfl estrei» rqÓMe cojn w JwmvnlvinwjHit dá?
■Ctirueas dc lepiodnçiUi e ik gravaçAo Dt- mioti.» i*cr<tl. o aptirdhti »:api:i «iBvimoitos de massa meUtor" dl<J
quiO olho tiinttuno. Os. qiimírus dc ewHUFifs dc uriíltiaras de hamsit só sàu han npi vradkkwac 1uvis de ri^un
cu» E si? 11 islho humano pode aniiiandè-Jo* láo iktr. quauin u iiparclh»», hão pnd,- níqpíar. conn» o faz- tisie
ijlismo. n Intòp/m que m lhe oferece. Éhrt outras palavras; os inovirncnlos de mâsKi. l- niito também 3 Biena,
representam uenn forma dc comporta m in 10 I iu iiu ia o qu* eorrosponde, de forma toLalraente csjuvinl. á lécnica
dos aparelhos,
2S RH N J A M I N

s o b e r a n ia do homem sobre a máqubtcí subjugada. .-I guerra c bela porque


eia concretiza, pela primeira vez, o sonho de um homem de corpo mefóli
co. A guerra ê bela porque eia enriquece um prado com flores de orqui
deas flamejantes, que são as metralhadoras. A guerra é brio p o r q u e eia
congrega. afim de fazer disso tinta sinfonia. a$fuzilarias, os canhoneios,
o cessar de fogo, os perfumes e os odores de decomposição, A guerra v
bela porque eía cria novas arquiteturas, como aquelas dos grandes carros,
das esquadrilhas aéreas deforma geométrica, das espirais dc fumo mb in­
do das cidades incendiadas c ainda muitas outras. . Escritores e artistas
futuristas ___ lembrai-vos desses princípios fundamentais de uma estética
ftm d e q u e s e j a e s c l a r e c i d o
d c g u erra , a o v o s s o c o m b a le p o r u m a
nova poesia e uma n o r a e s c u l t u r a !"
Esse máiliFcstô tem a vantagem de di/.cr ciaro o que quer. O próprio modo
pelo quai c problema é colocado dá ao dialético o direito dc acolhe Io. BEs corno
se pode representar a estética da guerra, hoje em dia: já que a utilização normal
das forças produtivas esta paralisada pdo regime da propriedade, o desenvolvi
mento dos meios técnicos, do ritmo das fontes dc energia, voltam-se para um uso
contra a natureza. V erifica sç através da guerra que. devido àü desirtiiçòcs por d a
empreendidas, a sociedade rtao eslava suficiememciUe madura para fazer, da téc­
nica, o seu órgão; que a técnica, por seu turno, não estava .sufjcieintenicnLü evo­
luída a fim de dominar as forças sociais elementares. A guerra imperialista, com
as suas. características de atrocidade, tem, como fator determinante, a decai agem
entre a existência de meios poderosos de produção e 41 insuficiência do seu uso
para fins produtivos {em outras paifiVTíis, a miséria e a falta dc mercadorias). A
guerra imperialista é uma revolta da técnica que redtima. sob a forma dc “ mau-
ríítl humano", aquilo que a sociedade lhe lirou como matéria natural, Em véu Jc
canalizai y* rios. cia conduz a onda humana ao leito dc suas fossas; cm vez dc
usnr seus àvides para semear u «irra, da. espalhei su;i* bomba» incendiária» .sobre
ns dctMiJr-. e, mediante? a guerra dos gases, encontrou um nevo meio de acabar
COm a aura.
Fia t ars, pereai mundus. eslm é 1 palavra de ordem do fascismo, que. como
reconhecia MarinettL espera da guerra a satisfação artística dc uma percepção
sensível müwáiíicada pela técnica. Ai esta. evidcntcmentft, a realização perfeita da
arte peta arte. Na épocíi de Homero, a humanidade oferecia-se, em aspeiáculo. aos
deuses do Olimpo: agora, da fez de si mesma o seu próprio espetáculo. Tornou-se
suhcíenrfimt*nte ectr.inha a si mesma, a fim dc conseguir viver a sua própria
destruição, como um gozo estético de primeira ordem. Essa è a esteiízaçâo da
p o lítica, tal com o a p ratica o fascism o . A resposta do com unism o é p o litizar a
arte.
SO B R E A L U U N S T E M A S E M B A U D E L A IR E *

Baudelaire contava com leitores aos quais a leitura da lírica oferecia dificul­
dade?. A esses leitores destina se o poema introdutório Fteurs da Mui. Sua força
de vontade, consequentemente também deconcentração, não vai muito longe: pre
ferem os prazeres sensíveis e conhecem bem o spleen que anula o interesse e a
receptividade. Causa espanto encontrar um lírico que se dirige a tal publico, o
mais ingrato de todos. L fácil encontrar unia explicação para isso. Baudelaire que­
ria scr compreendido: dedica o livro àqueles que se lhe assemelham. A poesia
dedicada ao leitor termina com a apóstrofe: Hypoerile iecteur. mon sonblable.
mon frèrc! A relação, porém, revela-se mais fecunda de consequências, inverten
do se a formulação: Baudelaire escreveu um livro que tinha, u p rio ri. escassas
perspectivas de sucesso imediato. Contava com um tipo de leitor como o que des
cieve no poema introdutório, E poder sc iu ver que o seu cálculo fora de longo
alcance O leitor a quem se dirigia ter lhe ia sido oferecido pela época suhsc
qíiente. Que esta seja a situação; que. em outras palavras, as condições para o
acolhimento da poesia lírica tenham se tornado mais d esfavo ráveis é provado,
enlre outras coisas, por três fatos, Antes de mais nada o lírico já não c conside­
rado como o poeta em si. Jú não é o ‘‘vaie" como ainda o era Lam artinc: tornou
se um gênero. (Vcrlaine faz tangível esta especialização; Rimbatid já é um esoté­
rico. que ex-oljflcio mantém o público afastado de sua obra.) Segundo falo: depois
de Baudelaire. nunca mais ocorreu um sucesso de massa de poesias líricas. (A li ri
ca de Hugo ainda teve ao surgir uma vasta ressonância. Na Alemanha o limite é
assinalado pelo Btích do l-ívdod Isto implica ainda um terceiro elemento: o pá
blico tomou-se mais frio até mesmo em relação à poesia lírica que já conhecera
do passado. O lapso de tempo cm questão pode ser situado mais ou menos na me­
tade do século passado. Durante esse mesmo peno do a lama de F leu rs du Mal
não sofreu interrupção, O livro que contara com os leitores mais estranhos, c que.
de início, havia encontrado bem poucos leitores favoráveis, em alguns decênios
Inrngai-se um c lá s s ic o ; c tam b ém um dos m ais reeditsidos.
Dado que as condições de acolhimento de poesias líricas tornaram sc mais
inglórias, é natural supor que só excepeionalmenie a poesia lírica mantenha cnn
tato com a experiência dos leitores. Isto podería ser devíclo ao lato de que tal expe­
riência transformou se em suu estrutura. Esta suposição talvez seja comprovada,
mas cnLào encontraremos uma dificuldade ainda maior em delinir o que é que se*

* Traduzido da versão italiana: “ Di idcuni mOlivi ín Bíu<Jdaire‘ cm A ng du s .Vovas. Sffgjjr e frcun/rteplf,


T o rín o , Giiilàn Einad i Fdiliw e, 1062 ,
30 BENJAMIM

transformou nessa experiência. Diante disso leremos de nos voltar para a liloso
fia, Onde encontraremos um fato sintomático. Desde o fim do século passado esta
tem realizado uma série de tentativas com <> intuito de assenhorear se da “ verda
clcira" experiência, em contraste com a que se decanta na vida bitolada c desnatu-
rada das massas civilizadas. Costuma se catalogar essas tentativas sob o conceito
de filosofia da vida. Elas não partem, natural mente, da vida do homem na socie­
dade. mas ligam-sc à poesia, ou melhor, à natureza, c. por fim. de preferência à
época mítica. A ópera de Dilthey A Vivência v a Poesia é uma das primeiras ten
tativas da série; que termina com Klages c com Jung. que sc dedicou ao fascismo.
Dessa literatura sobressai, como monumento de grande eminência, a obra juvenil
de Bergson. Matière ei Mêmotre: a qual mais que as outras se aproxima da inves­
tigação exata. Orienta-se pelo modelo da biologia, O próprio título já diz que a
estrutura da memória c considerada decisiva para a estrutura filosófica da çxpc
riência. N a verdade, a experiência c um fato de tradição, tanto na vida coletiva
com o na particular. Consiste não tanto cm acontecimentos isolados lixados cxaia-
mente na lembrança, quanto em dados acumulados, não raro inconscientes, que
con fluem na memória, Bergson. porém, não se propõe a especificar historicamente
n memória; pelo contrário, rejeita qualquer determinação histórica da experiência.
Com isso evita, primária c essencialmeme. ter que aproximar-se daquela expe
riência de que surgiu sua própria filosofia, ou melhor, contra a qual cia foi mobilí
zada; a experiência hostil c ohcecamc dn época da grande indústria. Ao olho que
sc fecha diante dessa experiência assoma uma outra de tipo complementar, como
a sua imitação, por assim dizer, espontânea. A filosofia de Rergson é uma tenta
tiva de especificar e lixar essa imitação. Assim , remete indireta mente à expe­
riência que se afigura diretamente a BaudcUtirc no seu “ leitor” .

Matière itt Mémoire define o caráter da experiência na durév de tal modo que
o leitor é levado a dizer de si para si; somente o poeta pode ser o sujeito adequado
de umâ experiência sim ilar. I- foi dc fato um poeta que pôs á prova a teoria berg
soniana da experiência. Pode se considerar a obrn de Proust. À lu Recherche da
Temps Perdtt, a tentativa dc produzir artificialmente, nas condições sociais
hodiCrnits, a experiência como foi entendida por Bergson. (Visto que sernpre será
mais difícil contar com a sua gênese espontânea.) L)e resto. Proust nào toge, em
sua obra. á discussão desse problema. Ao contrário, introduz um momento novo
que contêm uma critica imanente a Bergson. Este não se descuida do sublinhar o
antagonismo entre a vita activa c a vita contemplativa particular que c patenteada
pela memória. Parece, no entanto, que eni Bergson. o fato dc voltar sl- para a atua
lização intuitiva do fluxo vital é unia questão dc livre escolha. A convicção diver­
sa dc PrOu.st já sc anuncia na própria terminologia. A tnérrwirc purc da teoria
bergsoniana torna-se nele rnémoirv Pwolontaire. Desde o inicio, Proust confronta
essa memória involuntária com a voluntária, que está a disposição da inteligência.
A s primeiras páginas da grande obra destinam sc a esclarecer essa relação. Na
reflexão que introduz o termo. Proust faia da pobre?a com qyc por muitos anos se
oferecera ã sua lembrança a cidade de Com bray, onde. no entanto, transcorrera
uma parte de sua infância. A ló que o gosto da madelaine (um doce), aO qual retor­
na a seguir com frequência a devolvesse certa tarde aos tempos antigos, limitara
se ao que lhe havia oferecido uma memória pronUi a responder ao apelo da aten
çâo. Essa é a métnoire volontaire, a lembrança voluntária, da Cjtíhl se pode dizer
que as informações que nos dá sobre o passado nada conservam dele. "O mesmo
vale paru o nosso passado, F.m vão tentamos rewocá-lo: todos Os esforços do
nosso intelecto são inúteis." Por isso. Proust não hesiLa em afirmar que o passado
esta “ fora do seu poder e dc sua alçada, cm qualquer objeto material (ou na sen
saçâo que tal objeto provoca esn nós), que ignoramos qual possa ser. Encontrar ou
não esse objeto antes de nossa morte depende unicamente do acaso” .
Segundo Proust, depende do acaso n Fntc> dc cada urti alcançar uma imagem
de si mesmo, tornar-se senhor da própria experiência. Depender do acaso em
semelhanLc coisa, uâo é de modo algum natural. Os interesses interiores do
homem já não tem por natureza esse earátei irremediavelmente privado: mas o
adquirem somente quando diminui, por interesses externos, a possibilidade de
serem incorporados a sua experiência, O jornal é um indicio dentre muitos dessa
diminuição. Sc a imprensa sc propusesse a lazer com que o leitor pudesse se upro
priar de suas informações como de um a parle da sua experiência, faltaria inteira
mente com seu objetivo. Mas seu objetivo é exata mente o oposto, c d a o atinge;
excluir rigorosamente os acontecimentos Jo contexto em que poderíam afetar a
experiência do leitor. O s princípios da informação jornalística (novidade, brevidu
de. inteligibilidade, c. sobretudo, falia dc qualquer conexão entre uma notícia c
outra) contribuem para esse resultado tanto quanto a díapramação e a Ibrma
linguística. (Karl KLraus mostrou infatigavelmente como c até que ponto o estilo
linguístico dos jornais, paralisa a imaginação dos leitores.) A rígida exclusão da
informação do âmbito da experiência depende também do lato dc cia não entrar
na “ tradição”. Os jornais aparecem cm grandes tiragens. Nenhum leitor tem mais
facilmente qualquer coisa para ivoder contar ao outro. í lú uma espécie de concor
rcncia histórica entre as várias formas ik comunicação. Na substituição da ntais
antiga relação pela informação, da informação pela “ sensação” , i eflutc sc a
progres$iva atrofia da experiência rodas essas formas sc afastam por sua vez da
narração, que é uma das mais antigas formas dc comunicação. Esta não visa.
como :i inform ação, comunicar o puro em-si do acontecimento, mas o faz pene
trar na vida do relator, para oferecê-lo aos ouvintes como experiência. Assim aí sc
imprime o sinal do narrador, como o da mào do oleiro no vaso dc argila.
A obra em oito volumes de Proust dá uma idéia das operações necessárias
para reintegrar ao presente a figura do narrador. Proust pós mãos a ubru com
extraordinária coerência. Desse modo, deparou se desde o inicio com a tarefa ele­
mentar dc contar a respeito de sua infância: e pôde medir toda a dificuldade, ao
apresentar comn deito do «c-truo, ir simples fato de sua possibilidade;,
N o decorrer d essas reflexões forja a expressão nwmoire invalQtilúire que iraz ú
cunho da situação em que fní criada. Pertence ao repertório da psssoa particular.
BENJAMIM

isolada cm iodos os sentidos. Onde hâ experiência, no sentido próprio do termo,


detsrmin.ados conteúdos do passado individual entram em conjunção. n.i memó­
ria, com t»a do passado coletivo. Os cultos, com os seus cerimoniais, com as suas
festas, (sobre as quais talvez nunca se fale cm ProusO. realizavam coniimmmentc
a fusão entre esses dois materiais da memória. Provocavam a lembrança de épo­
cas determinadas e continuavam como «casiào e pretexto dessas lembranças
durante toda a vida. Lembrança voluntária e involuntária perdem assim sua
exclusividade recíproca.

A procura de uma definição mais concreta daquilo que aparece como sub
produto da teori.i bcrgsortiaaa rta mémoíre de f mieltimice de Prousi. convem
remontar a hrcud. Em t ‘>2 I era publicado o ensaio Alêm do Principio do Praccr
que estabelece uinu correlação entre tt memória (no sentido da màniaire involoft
t a i r c ) c a consciência. Apresenta se como uma hipótese. A s reflexões seguintes,
que remetem a cia. não se propõem demonstrá-la, Limitar-se ào a experimentar a
sua fccundidade tendo como base as uítàOCi ações muito distantes daquelas que
Frcud unha presente no ato de formular :l hipótese, V. mnis. provável que alguns de
seus alunos se tenham deparado com associações desse tipo. As reflexões com que
Reik desenvolve a sua teoria da memória, em parte se orientam ex.namciltc na
linha da distinção proustluna entre reminiscèneia involuntária c lembrança volun
tária. “ A lunçâo Ou memória, escreve K e ik c u proteção das impressões. A Itíffl
brança tende a dissolve Ias A memória ò essencial mente eonHcrvadora. a lem
brnnça è destrutiva," A proposição fundamental de I'i cnd. que está na base de tais
desenvolvimentos, é formulada na hipótese segundo ;» qual consciência surge
em lugar dc uma impressão mnemónica", (O s conceitos Je lembrança ed e memó
ria não apresentam, no ensaio freudiano, nenhuma diferença, fundamental dc
significado em função do nosso problema.) F ns:l nnpressna “ seria, portanto, mar
cada pelo fato de que o processo da estimulação não deixa nela. como cm todos
os outros sistemas psíquicos, uma modificação durado ura dúü seus ciumentos,
mas. por assim dizer, esfria nu fenômeno da tomada de consciência” . A íormula
básica dessii, hipótese c que “tomada de consciência e persistência de tnn traça
mncmônico suo reciprocamente incompatíveis pelo próprio sistema*'. Ao contra
rio. resíduos muemômeos apresentam se “ frequentemente com a maior força e
tenacidade, enquanto- o processo que os deixou jam ais chegou a ser consciente*'.
Traduzido eni termos proiistianas: somente pode tornar sc pane integrante da n k
mokc mvühntairc aquilo que uâu fbi vivido expressa c conscientemente, em
suma. aquilo qtie não foi “ vivência” . Acumular “ impressões duradouras como
fundamento da memória" de processos estimuladore.% é reservado, segundo Freutí.
a "outros sistemas que devem ser tidos como diversos da consciência. Segundo
Freud, a consciência como tal não acolhería traços rnnemõmcos Tcria. ao invés,
umu função diversa e ímportame: servir de proteção contra os estímulos. "Para O
organismo vivo. a defesa contra os estímulos é uma tarefa quase tao importante
SGB RK A L G U N S TB M A S EM B A U D E L A ÍR E 33

quanto : l »ua recepção: o organismo c dotado de um qua/tium próprio de energia,


e deve tender sobretudo a proteger as formas particulares de energia que nele ope­
ram do influxo nivelador, e Consequentemente destrutivo, das energias demasiado
grandes que operam no exterior." A ameaça proveniente dessas energias è uma
ameaça de chncs. Quanto mais normal c corrente for o registro dos c.lwcs, tanto
menos sc Lerá que temer um efeito traumático Jos mesmos. A teoria psicoanalítica
tenta explicar a natureza dos choes traumáticos pela “ ruptura da proteção contra
05 cstimiflos"- O significado do espanto è. segundo essa teoria, a ‘ ausência da
predisposição para a angústia”
A investigação de Kreild tinha como ponto de partida um soilbo típico das
neuroses Iraumálicas. I:"lc reproduz a catástrofe pela qual o pacienLc foi atingido,
Segundo Freud. sonhos desse tipo tentam "realizar u poxt&iori n controle do estí­
mulo desenvolvendo a angústia cuja omissão foi a causa da neurose traumática’'.
Viilcrv parece pensar em algo semelhante; c merece ser ressaltada essa coinci
itêncía porque Valéry e urti dos que se interessaram pdo modo particular de
funcionamento dos mecanismos psíquicos nas hodiurnas condições Jc vida, (E le
sonhe conciliar esse interesse com a sua produção poética. que permaneceu pura
rffcnle lírica con.xiiiiijudo-sc assim 0 único ítulor que remete diretamenlc a Baudc
laire.) “Consideradas em si mesmas, escreve Valéry. as impressões ou sensações
do homem entram na categoria de surpresas: testem unham uma insuficiência do
homem a lembrança. . e um fenômeno elementur e tendí a dar nos o tempo
dc orgnniz.nr" a recep ção do estímulo, "tempo que, num primeiro momento. nos
laliou.” A recepção dos chacs é facilitada por um ireino do controle dos estímulos
ao*, quais podem ser remetidos, em caso de necessidade, tanto o sonho como a
lembrança, Mas normal mente, segundo a hipótese de Freud. c&te traíning ú\x res­
peito à consciência despeita, que tem suu sede cm uma catnudu do cósUx cerebral,
“ dc utl modo queimado pola ação dos estímulos” que oferece ns melhores
condições para sua recepção, O foto dc o dm c ser captado e ‘'aparado** assim pela
consciência, daria ao acontecimento qtic 0 provoca o caráter de "vivência” cm
sentido estrito. E esterilizaria para a experiência poética tí$&C acontecimento incor
purrmdo-o direta ineme ao inventário du lembrança consciente.
Aqui surge o problema do modo pelo qual a poesia lírica podaria funda men
iar-se numa experiência trin que a recepção dc chov se tornou regra. Dever se ia
esperar de uma poesia desse gênero um alio grau dc consciência; eia deveria iuge
rir a idéia c um plano atuando na sua composição, k io se adapta pcrfcítarnente ã
poesia dc liauddairc: e vincula-a a Poc, entre os seus predeccs sores, c nov&mcnLí:
.i Valéry. entre os seus sucessores. As considerações tecidas pnr Prfinsi C por
Valéry a próposíto dc Baudclairc inregram se entre si de modo providencial.
Proast cscrcvcu sobre Bautklaire um ensaio, superado, no seu alcance, por a!gu
ma$ reflexões do seu romance, Fm Sitm thn d<' Baudclairo Valéry ofereceu a
intrüiluçào clássica a í-íeurs du Mal. Escreve; ‘ o problema de Baudélaíre podei
se ia portanto colocar nas lermos seguintes: tornar-se um grande poeta. mas não
ser nem Lamartinc, nem Hugo. nem Mu&scL Não digo que iat propósito fosse
consciente nele; mas devía sei necessariamente cm Sauddairc. ou melhor, era
M B B N JA M IN

essencialmente Baudelaire. Era a sua razão de estado". F bem estranho falar de


razão de «Stado a proposilo de um poda.. E implica algo dc sintomático: a eman
cipação das “vivências" A produção poética dc Baudelaire é ordenada cm função
dc uma missão. Ele entreviu espaços vazios nos quais inseriu as suas poesias. A
sua obra c nào só definida historicamente como qualquer outra, mas ela mesma è
querida e entendida assim.

4.

Quanto maior for a parte do chòc em cada impressão isolada: quanin mais
estímulos: quanto maior for o sucesso com que ela opere; e quanto menos
estímulos; quanto maior for o sucesso Baudeiaire que ela opere: c quanto menos
eles penetrarem na experiência, tanto mais corresponderão ao conceito de “ viveu
cia" A função peculiar da defesa contra os cfwcs talvez se possa discernir, cm úl
tima análise, na tarefa de assinalar ao acontecimento, ás custas da integridade do
seu conteúdo, um exalo lugar temporal na consciência. Seria este o resultado úHt
mo a maior da reftexâò. Esta fnria do acontecimento uma “ vivência". No caso de
funcionamento íallio da reflexão, ocorrería o espanto, agradável ou. no mais das
ve/es, desagradável, que. segundo Freud. sanciona a falência da defesa contra os
chocs. Esse demento foi lixado por Rauddaircnum a imagem crua. Ele fala de um
duelo no qual o artista, antes dc sucumbir, grita dc espanto. Esse duelo è o
próprio processo da criação. Buudduirc colocou, portanto, u experiência do choc
no próprio centro do seu trabalho artístico. Este testemunho direto ê da maior
im ponência; e é confirmado pelas declarações de muitos contemporâneos, Sob 0
domínio do espanto, Baudeiaire não escapa de provoeá to no seu redor. Vallès
fala du jogo excêntrico de seus traços; Ponimartin observa num retrato de Nar
goot o expressão alheada do seu rosto; Cladcl detém-se no tom cortante de que se
servia na conversação: G auiicr fala. das interrupções no seu modo de declamar;
Nadar descreve o seu passo miúdo.
A psiquiatria conhece tipos traumarôfitós. Bauddairc assumiu a si a missão
de aparar os chocs dc onde quer que proviessem, com a sua pessoa intelectual e
tísica. A esgrima fornece a imagem dessa defesa. Quando tem de descrever o
amigo Conxtamiu G u ys. vai buscá-lo na horn em que Paris está imersa no sono.
enquanto “inclinado sobre a mesa, dardeja sobre uma folha o mesmo olhar que
pouco antes dirigia às coisas, dá golpes dc esgrima com o lápis, a pena, o pincel,
buirifa y tutu com a água Uo copo, enxuga a pena na cam isa: apressado, violento,
ativo, como que temeroso que as imagens lhe fujam; em luta apesar de só e como
quem desfere golpes contra si mesmo". Nesse fantástico duelo. Baudeiaire retra­
tou sc a si mesmo na estrofe inicial do poema L c Soieil, que é o único passo dc
Fleurs du Mal que o mostra no ecu trabalho poôlíeo:

Letongdu vieuxfaubentrg, oü pendem aux masures


Les persi&mes, abri des seemes luxares.
Quand íe soleii emeífrappê à iraits rcdoublâs
S O B R E A L G U N S TF M A S KM B A U D E L A I R E

Sur Ia ville et /es champs, sur fes ioits et les blésr


Je vais m exercer seu! à ma fantasque eserime,
Flairant dans tons Ics coins les hasards de fa rime,
írébucftant sur les m&is comme sitr les pavâs,
H eu rtartl parfois des vers depuis iongtemps réves.

A experiência do choc está entre as que se tomaram decisivas para a têmpera de


Baudelaire. G id c fala das intcrmitcncias entre imagem c idéia, palavra c coisa, cm
que a emoção poética de Baudelaire encontraria a sua verdadeira sede Rivière
chamou a atenção para os golpes subterrâneos pelos quais o verso baudelairiano
é sacudido. E como se uma palavra desmoronasse sobre si mesma. Rivière apon
tou estas palavras cadentes:
E t qui sait si lesjleurs nouvelles queje rêve
Trúu vetoni dans ce sol íuvé comme une gfèvc
L e mvstique alinicni qui ferail Jeur vlgucr

Ou ainda:

Cyhvte, qui les aimv, augmente ses verdures.


Volta aqui o famoso início:
La Servante au grand coeur tbru votts ctiez jalouse.

l a/cr justiça a essas leis secretas também fora do verso éo que Baudelaire se pro­
pôs em Spleen de Paris, seus poemas em prosa. Na dedicatória dessa coletânea ao
redator chefe da “ Presse", Arsene Koussaye, ele d iz: ‘'Quem Je nós nâo sonhou,
nos dias cfc ambição, o milagre de uma prosu poética, musical sem ritmo nem
rirnn. bastante dútil e nervosa para saber adaptar se aos movimentos líricos da
alma. às ondulações do sonho. aos. sobressaltos da consciência? é sobretudo da
frequentasão das cidades imensas, do emaranhado de suas relações inúmeras qut
nasce esse tdeal obsedame".
liste passo permite uma dupla constatação. Informa nos. antes dc mais nuda,
da íntima rckiçâo existente em Baudelaire enrrv a imagem Jo choc c o contato
com as grandes massas cita binas. Além disso, nos diz n que devemos entender
propriamente por essas massas. Nào se trata de nenhuma classe, de nenhum cote
tivn articulado e estruturado. Trata-se unicamente da multidão amorla. Jos iran
scunits, do publico das rua».1 lista multidão, cuja existência Baudelaire jamais
esquece, não funcionou como modelo em nenhuma de suas obras. Mas esta escrita
na sua criação como figura secreta, como è também a figura secreta du fragmento
citado acima. A imagem do esgrimista é decifrável no seu contexto: os golpea que
ele desfere são destinados a abrir-lhe um claro entre a multidão. í verdade que os
faubourgs através dos quais o poeta do Svleil abre passagem são vazios c desei

B a r tirri.l aJrtlrt ,i éíla multidão c i* v írJ a J tiii.i übjetiVu iiu jlá rtiitr. O i encontras. turn cia suiu a capcncncia
que jaraaiü sc euivui decomar Permanecem na obra de I5.m Jflairc dciírm iiu d o. rcflcMi* dc-.-..i iluiàú. A I j.i »,
uiniia rjiit deixou dc agir. 0 Pmnimtsme de J A s ftnnsairis ê um elas setis frutos icmpoiâes dos Ulox mais
uprecuüus.
Ki R E N J À M 1N

LOS. Mas a constelação secreta (onde a beleza da estrofe toma-se transparente até
o fundo} deve entender se assim: é a multidão invisível das palavras, dos frasmen-
ro$. dos co moços de versos, com que o pociu combale na.s vielas abandonadas a
suu luta peta presa poética.

A multidão: nenhum outro objdo im pôsse com mais autoridade aos litera­
tos do Oitocentos. Com eçava ela em amplos estratos aos quais a leitura setor
nara hábito a organizar-se como público Com eçava a ascender aü papd de
constituinte: e pretendia encontrar se no romance contemporâneo.como os funda
dores nos quadros da Idade Média. O autor de maior sucesso do século confor­
mou sè por íntima necessidade a tal exigência. Multidão era para d e. como «t>
sentido antigo, u multidão dos clientes, do público. Por primeiro. Hugo dirige se
à multidão nos títulos Lcs Misctahíes. f.eü Travailleurs i/e tu Mer. E foi na França
o único qué pude rivalizar com 0 feuiUehm. O mestre nesse gênero, que para, o
populacho começava a st tomar a fonte de uma espécie de revelação, era. como
sc sabe. Eugctie Sue. que foi eleito pura o parlamento em 1851). com grande
maioria, eomo representante da Cidade de Paris. Não ê por acaso que o jovem
Vlarx houve por bem ajustar contas com os Mystèrvs t/c Paris Fo rjar daquela
massa amoríu que então era cxpo&u às lisonjas de um socialismo literário, u
massa férrea do prulcLariado, apresentou sc de imediato como umn missão.
Assim, a descrição quv En g d s fíiz dessa massa, na sua obra juvenil, prclmlia, cm
bora timidamêtue. um dos temas marxistas Na obra Si/naçm Jas Cfasscs Traba
Ihaâoras m1 1ngtüterra, afirma >e: **uma cidade como Londres, onde se podccami
nhar horas a fio Sêm chegar sequer ao início de um fim. tem qualquer coisa dc
desconcertante. E sta concentração colossal, esta acumulação de dois milhões c
meio de homens num só ponto, ccmuplicou a força desses dou# c meio milhões de
homens. Mas tudo o que. isto custou, somente se descobre a seguir. Depois
de ter vagabunde ado alguns dias pelas calçadas das ruas principais. . ,
começa se a ver que esses londrinos tiveram de sacrificar u melhor parte de sttít
humanidade pura realizar os milagres dc civilização dc que n sua cidade fervilha:
que centenas de força» latentes neles permaneceram inativas e foram sufoca
das Jn o bulícto das ruas tem qualquer coisa de desagradável e fastidioso, algo
contra que a natureza humana se rebela. Estas cenlenas de milhares de pessoas, de
todas as classes c condiçõ» ^ sociais, que se cruzam nessa balbúrdia, não serão por
acaso todos homens, çom as mesmas qualidades c capacidades, e com o mesma
inLcrcsse em ser felizes? . No entamo passam pelos outros com pressa. como «
nada iivtsscm cm comum, ntirln que ver uns com os ou:?os: no entanto, o único
entendimento que os une é evsc, tácito, de cada um se conservar do seu lado da
calçada, á direita, para que as duas correntes Jc multidão que avançam em dire
çôcs opostas nào .se estorvem reciprocamente: no entanto, não passa pela cabeça
de ninguém h o n rar os demais nem sequer com um ulhur. A indiferença brutal, o
fechamento insensível de cada um nos seus próprios interesses- privados, manifes
SC)RRf \l ( i í \ s l ! M AS 1 M B M DF.I \ I R h }~l

ta-se taftto mais repugnante e ofensiva quanto mais alto é o número dc indivíduos
condensados cm espaço apertado".
Esta descrição é sensivelmente diversa das que se podem encontrar nos
pequenos mestres franceses do gênero, um Go/.lan. um Dclvau ou um Lurinc. Fal
ta lh e a facilidade e a desenvoltura com que o JJâncur se move através da multidão
e que o JèuiUetoiusle copia e dele aprende. Lm Lngels, a multidão tem algo que
provoca angústia. Suscita nele uma reação moraL A que sc acrescenta uma reação
estética: o ritmo em que os transeunies se cruzam e se ultrapassam atelam-no
desagradavelmente. 0 fascínio dc sua descrição reside exalam cm c no modo em
que o incorruptivel hábito crítico ai confunde com o tom patriarcal- O autor
procede de uma Alemanha ainda provinciana: talvez jam ais o tenha atingido a
tentaçao de perder se numa maré dc homens, Quando Hegd chegou pela primeira
vez a Paris, pouco antes de sua morle. escreveu a sua mulher nesses termos: ‘"Se
ando pelas ruas. o povo tem o mesmo aspecto que em Berlim — veste-se da
mesma maneira, mais ou menos as mesmas caras; a mesma cena. porem numa
massa populosa". Mover-se nessa massa era. para o parisiense, algo de natural.
Por maior que pudesse ser a distância que ele. por própria conta, pretendia assu
mir diante dela. continuava embebido, impregnado dela e não podia como um Ln
gels considera Ia dc fora. No que sc refere u Baudslâire. a massa é para ele algo
de tão pouco cxtrínseco, que se pode acompanhar na $un obra, como ele é enre
dado e atraído por ela e como dela se defende.
A massa c dc tal modo intrínseca a Bauddairc que cm voo se procura nele
uma descrição da mesma. Com a os seus abjetos essenciais jam ais aparecem, ou
qua.se nunca, cm forma de dcscriçõea. Com o diz argutameme Dcsjardins. para ele
"trata-se ames dc imprimir a imagem na memória que dc colori Ia c enfeita Ia” .
Lm vão sc procurará cm Fieurs du Mal ou no Splesn dc Paris qualquer coisa de
análogo u«s afrescos citadinos cm que V icio r llugo era insuperável, Bíuidelítirc
não descreve nem a população nem a cidade, h c evntameiUc esta renúncia que lhe
permitiu evocar uma nu imagem da outra. A sua multidão é sempre a das metró
poles: a sua Paris ó sempre superpovoada, F isto O que o toma tào superior n tí«r
hier. no qual. sendo o seu processo a descrição, as massas e as cidades caem fora
uma da outra.2 Em Tableaux Purísicns quase sempre se pode experimentar a pre

5 f ti|THwM Ut» fiiocrnso d. f*;>ilMtrr .» «un .;i l oni/c,‘í quv irrn * itUv v ^vj.il 'o vvf.o? vXVSKVv u cblíiOw ?4rn
•i concluir pc&açamctHC oulni
fnftJi Jrmt un twwv . jV nu'\>,<\ soiiftfff. fifíJWitíc.
Un pcttpíc no ir. rfvant ct trunirú/it *vi rtí& icr.
U r * t i n t jn ir m /fíiçrs, sitw aW 1‘b lfllu c i /uiji,
/ i f«»uruni tip r b i\\r p#r &• {fh if L-f [g un lí,
(AUfíiiM hüiúier Jaoriurs ct ptitiu<% t’ari> I Si l i Hiuüdiiiri: uu maiMtUhicnciau»! UU^uc -.i/CoMuniii nUrniiu
(Wl« pi.úíis ifr- Ir v Ut H.ifbiei. 0 %úbrirludci pelu tido Lutulrinu t.azair. O fiou'. iln i rrptneulc du Sair
bautldsirinwi re/a:
. th Jlnigsérti
L i’ur ífwitiite (f tvm yçrs h’ yju jfrv ç v m n w j;
I 'tiripitaf ,vi*iTíTjpítt /ir Ic iir i m upirj, ii )tt,
\ r x lrn d ra p ita cbcrch er ln v m p r p p rfu rtitv,
1tt eo/ri *iu f r u . I r s o b , nupros rf'uttr ât rie1níntrc.
3Í B E NJ A MIN

:%cnça secreta de uma massa- Quando Baudeiaire escolhe por lema a aurcra, há cm
suas ruas desertas um quê do “ silêncio formigaílte" que Hugo sente na Pans
noturna. H suficiente que Ekiudelnire ponha o olho nas lâminas dos mapas amuo
micos expostos à venda nos quais em poeirados da Serra para que nessas folhas a
massa dos defuntos imperceptívelmente ocupe o lugar em que apareciam os esque
letos isolados, Um a massa compacta avança nas figuras da Dsnse M ac abre.
Emergir da massa, com seu passo que já não consegue manter ü ritmo, com seus
pensamentos que já não sabem mais nada do presente, c o heroísmo das mulherzi
nhas murchas que o ciclo Les Petites HeMes acompanha em suas peregrinaqòcs-
A massa era o vçu fluluanLr do qual Baudelaíre via Paris. A sua presença
domina um dos trechos mais famosos de I-leu rs iht Wal. Nenhum torneio de frase,
nenhuma palavra lembra a multidão no soneto 4 une Passante- Mas o processo
apóia-se íiniçiiminti* nda tomo ii murcha de um veleiro se liítscifl no vento.
La ruc assourdittsante auíour de moi hurlait.
Lvtigue. mitict', en grand deuil, douleur majeslueuse,
UneJemme passa, (Pune mainfastueuse
Súfiievant, baltmçant le f m m ei lburlei;

Agile ei i?oble. ai ec Scjambe cie Stãtuc


Mbi.Je buvais, eri&pê comme un extravuganL
Duas íson oiiit, ciei livide mi germe Pouragan.
Lu doitceur qal fascine cr íe piais ir tfui ate.

Ilfí éclair pstfs fa rrurí! —■Fugirlvp heau/c


Dcnt k regard »ta soudaíitemenle renaitre*
Ne te verrai je plus que dans I elernité?

■Ulíeurs, bi0 t htn tliei! uop tard! jamaispcitt êirel


Çítr j'ignore ml tufuís, ut ne sais aitje vais.
0 iui que] eussç ainuhri ti toi <yui le savais!
Com i' véu de viúva, encoberta pelo próprio dei x a r se arrastar u r i lamente
pda multidão. uma desconhecida e iw u o olhar do poeta. O significado do soneto
numa frase e o seguinte: a aparição que fascina o habitante da metropoie longe
de Ler na multidão somente ít sua antítese, somente um demento hostil - ã
proporcionada a éle unicamente pela multidão, 0 êxtase do citadino é um amor
nào já & primeira vista, e sim ã última. É uma despedida pina sempre que, na poc
si a, coincide corrí o instante tio enlevo. Desse modo o soneto apresenta o esquema
de um ehve. ou melhor, de uma catástrofe que atingiu juntamente com o sujeito

fitnfnmíp l- , cl- tir:il eniff i U-i ojravn i s a r u k U l- V/O. l i ,- <fc Cfc H ir h ie r :


£ f piusi d m r/uf rtvaff dum ív/tvni da sen Uma
(m dfíuctwi du bigfXrú r&rti Meu desefemm#',
1'rutn'C‘ nu ventre tfu ^auf/re mt lítcm vi uuMwut-
Com poucos retoques magistrais, Uaiuldasíc lar. da “ desuno Jo Turimia17 a fim tomai As cn u tie tla.s
mciitíjw)»?*-
também a natureza do ücu sentimento. O que contrai convulsívamente o corpo
"crispe commc uri extravagam " é duo na poesia — não é a felicidade de quem é
invadido pelo cms em iodos <v%recantos do seu ser: mas antes um qué de perturba
ção sexual que pode surpreender o soliLÚrio. Ainda é pouco dizer como Thibaudct
que '‘««ses versos somente podiam nascer numa cidade grande". Eles deixam
transparecer os estigmas que a vida ruima grande cidade inflige ao amor. É assim
que Pm tu i teu o soneto. c é por isso que deu ã Lardin cópia du mulher cie luto,
como um dia lhe apareceu Alhertm e.o significativo título Laparisienne. “Quando
Alberrine voltou ao meu quarto, trazia um vestido de cetim negro que
contribuía para tomá-la, mais pálida- para fazer dda a parisiense lívida, ardente,
estiolada pela falta de ar. pelo clima das multidões, e, quem sabe, pelo hábito do
vicio, e cujos olhos pareciam mais inquietos porque nào eram animados pelo
rubor das faces” . Desse modo também em Praust se observa o objeto de um amor
como somente ô cãiadino conhece, que toi conquistado por líaudelaire para a poe­
sia c de que poderá ser dito com frequência que a sua realização lhe foi menos ne­
gada, qut: poupada.3

6.

Entre as versões mais antigas; dn tema da multidão pode se considerar clás­


sico um conto de Poe traduzido por Baudelatre, Bastará seguir alguns elementos
que apresenta para chegar a instâncias sociais tão poderosas esecretas que podem
ser contadas entre aquelas das quais somente pode originar se o influxo diversa-
mente mediato, uio profundo quanto sutil, sobre a produção artística. O conto c
intitulado O lla tr .c m da M u ltid ã o . Desenrola-se em Londres e é narrado nn pri
meira pessoa por um homem que, apes umii longa enfermidade, sai. p-dá primeira
vez, para a agitação da cidade. No final de uina tarde Jc verão, sentou se por trás
da janela de umgrande café londrino, Observa Os frequentadores ao seu redor e os
anúncios de umjornal, Mas 0 seu olhar está dirigido sobretudo para a multidão
que passa por trás dos vidros ila janela. "A rua era das mais animadas da cidade:
por todo o dia estivera chei? de geme. Mas agora, ao anoitecer, a multidão crescia
de um minuto para outro: e quando sc acenderam os lampiões de gãs. duas den
sas. compactas correntes de transeuntes cruzavam diante do café. Jantais m c sen
tira num estado de ânimo como o daquela tarde; esaboreei a nova emoção que de
mim se apossam ante o oceano daquelas cabeças em movimento. Pouco a pouco
perdi de vista o que acontecia no ambienteemque iric encontrava eabandonei-me
compkuimcme u contemplação da cena externa’’.Deixaremos Jc parte, apesar do
significativa, a trama que ftc segue a esse prólogo e limitar nos emos a examinar
o quadro tioqual se desenrola.
3 i'j icrnn do amor |vJ:i mulher que paisa è rtiomadu aurlia noemit da primara faxf dé Gíorgí O tlemmMI
tÍKddvci lhe escapou: ■' ij(Srr«lc em flue paíac a (tttdber irap^pcmnda pd.a mulfidewi. O mulíndo e umi ií-midâ
L-lcgiu, O» olliare-, Un pnebi, cuinu tfc^l- , ■
■nf-—-:,fir ,i %it? rt.imiv, .-puir»,- -u-Lmiu.:. úmido? -Je p,>iní.' '
de utistr mergulhar mis tc«s" ÍStefan Oeuigo. fiy tm & i, F tlg ^ jah fu v, Aigabai, Berlim. I922). IBuudclíiir^ n d
da xa dúvj ihu aübte o Iaso dc que fh‘ fiUsu <is olheis da rfwlftcf que passav ü
40 B E N JA M IM

I riste t* confusa como a luz de gás em t.|uc se move, aparece em Poc a pró­
pria multidão de Londres. Isto vale não someme pura a gcnialba que sai com a
noilè “ dos seus antros". A classe dos funcionários superiores c descrita por Poe
nos seguinies termos: 'Todos eram liseiramenic calvos: e a orelha direita, habi­
tuada a suporiar n pena. um pouco destacada da cabeça. Todos tocavam regular
mente o chapéu e Lruziurr curtas correm cs de ouro de modelo antiquado” . Ainda
mais estranha é a descrição do modo como a multidão se move, l'A maior parte
dos (juc passavam tinha o aspecto de gente satisfeita consigo e solidamente insta
lada na vida. Parecia que não pensavam em outra coisa a não ser abrir uma pas­
s a g e m por entre a multidão. Franziam as sobrancelhas e dirigiam olhares para
todos os lados. Se recebiam um enconLrào dos transeuntes mais próximos, não se
dês com punham mus tornavam a arrumar a roupa c seguiam apressados, Outros,
e também este grupo era numeroso, moviam se desordcnaílamcnt^ tinhnrrt o rosto
inflamado, falavam entre si e gesticulavam exatamenlc como se na multidão
inumerável que os cercava se sentissem per feita mente uds, Quando tinham de
paiür. deixavam rcpcniinamtmte de murmurar, mas intensificavam a gesticulação
e. com um sorri.vo ausente e forçado, esperavam que passassem os que os atrapa­
lhavam. Quando eram a ba! roa dos. saudavam profunda mente aqueles dc quem ha
viam recebido o cneontrão c pareciam extrema mente confusos “ 4 Daria pára crer
que sc tratava dc miseráveis e bêbados, Qual nada; são "pcsstms de condição de
va tia. comerciantes, advogados e especuladores da bolsa'*, »
Sem dúviütu o quadro esboçado |xjr Poc nao sc podo definir conto "realista .
Nde trabalha uma fantnsín consdetiumntUc defôrmante, que alVista de muito um
texto como esse dos que sào recomendados como modelos dc um realismo socia­
lista. Por L-Jíemplo, fòarbierfurn tios melhores ;i quem se podería atribuir ujii re;t
lismo desse gênero). descreve as COÍSás dc modo menos desconcertante Também
ele escolheu um tema dc caràtci mais univoco: a massa dos oprimidos. Pela não
se laia em Poe: o seu objeto é o “•povo” como tal. No espetáculo que oferece, de
vislumbra como fingefe algo de hmeaíadür. E ê exata mente essa imagem da multi
dào metropolitana que se tornou decisiva puni Bauddnire, Sc de sucumbe ;i via-

1 p.i-i i-ictii cflovuin iwi pin .iJcIu cra ju iív Wc pfcWc 1'JmbUHL k v e o u u ii .MinnCuia, es-xa ptiL-ua dc\\-
>>c .ilntiuíigi ,i líaiulclwri:, h úlliinu vctm»qu.' tln » pím-sM um íoiji psniCuluimwtc lupuhíc icnt ..iinuf1te?
ptindíncia c-sau cm tj Hmin-fit c/u Mutlidm “ O i rtih>s %\in l.irnpinev dc eis * v .tvc Poi |u ...... cruni f:,i
COS ■'("ILlIlí-rtín IliíOCCIIH íünl Cl liWpr.. :i !i"i_ hitviaifl ViMIÇmJa i l.n,^ iv. >H ,„> : íç|, i ujiui !tii viim - móvnl, lnJi'
i. rVL‘i’,1(t e 0Cirno cluiuv..»•»ijslSll m u.-»tn;JUfC»u vJ C-.cilfi Uc ‘fcrtuliaflt»". Ai o C1ie<>lU'i' Uc ÜIU*Ui4si! ç çottl
êi’c 0 nicula mal:, .mgui.u peiv mu* Jv que»» v f V i »:■vj^uerUv^ u v , i « i c x t í I lo, ,io iuiís umlai cm IS-I.V nu sejn,
tjtmnío ESijJeí.lifç; nintlu não s:cbei ctiisr nJi'um:i dc Fiv
Chutam, jnujt\ wtndiiyimf. ri/r In )rt>rt(tir xfixxntib
hí\o.w ,'f bfuinl. pas-si t‘; Hàtn cclobousSi
O o .p a U f eottrrr p fa * rth 1, cri s 'M jp Jtw «<mo p u m ir ,
Panou* Ja/fw , Jêtuit-?. afwrarilè ifu c k l.
V, ijr iarblaiti cfif ria m v Jr unir Ertlvfríi f.
* Os luitncnjs ',1o rte^piüv tcai qual-iucr coisa ílc cLnsiocunc:» cm Pm1, D;i pau pensar uii Mais. l|ul siriSuj m>
"crmviiTUTiiLi rebrilincniC jCiVcm ,lu priHim,ü11 nvuvnüí” . nos IMuiliv, lia d o s, a causa Jt> fum de ^ue nac luruee
~rumi icmpo nem ueaaiiw” cie "liqvldar ti vcít.i• muiidu J ms tViiiKismaa". Ens Bautlelairc, an cali tia ptmumSrj)
os 'xkmfmios mulsãüi ' puiran prcjniiçouimcatr nn ;unvi.-.ít*m "Zi -tIO I(Vj: lcBh J. níesõciu". J .«Imi líSir pasíH>
do Crtpiis(:uk' 4 - ,W r scjfi mna reitliflLtC&ldá do lerto dc Por
iéncia com que estao atrai e faz dele, com o Jlàneur, um dos seus. n consciência cio
seu carãicr desumano nem por isso o abandonou jam ais. Etc toma-sc ü .seu eum-
ptice c quase no mesmo instante dela se aparta. Mistura-se eenerosamerue com elo
para jogã 3a de repente ; lo ruída com um olhar de desprezo. Esta ambivalência tem
aigo de fascinante quando a admite com relutância: c Lambem podería depender
dela o encarno tão difícil de explicar do Crépusctílt du sosr.

“I
h

Baudelaire quis equiparar o homem da multidão, em cujas pegadas o narra­


dor de Poe percorre a Londres notuma em rodas as direções, ao tipo doflâneur.
A q u i nòo podemos segui Io. O homem da multidão não é um Jlâneur. Nde o habi­
to tranquilo cedeu lugar a um toque maníaco: e dele se pode antes inferir o que
teria acontecido ao JJáneur se llie tivessem tirado 0 seu ambiente natural Se éque
esLe ambiente lhe foi algum dia proporcionado por Londres, não senti certamente
por essa Londres descrita pen Poe. Com relação a Londres. Paris de Baudelaire
conserva alguns aspectos do» bons tempos untigos, Ainda lia travessias de barco
pelo Sena. onde mais tarde surgiríam pontes. No ano da morte de Bnudelairc. um
empresário ainda podia ter a idéia de põr cm circulação quinhentas Ictdras para
USO dos cidadãos abastados. Ainda estavam em voga as passagens cru que o Jlã
rtcur podia fugir às vistais dos veículos que não toleram a concorrência do pedes
ire. fi H avia o transeunte que sc infiltra na multidão, mas ainda havia Ojlàneur que
precisa de espaço c não quer renunciar ao seu gênero particular de vida. A massa
tem que correr atrás de seus negócios: no fundo, o indivíduo somente pode flâtu-r
quando como tal já sai de cena. Onde o lorrt c dado pc!u vida ptivádti há tão
pouco espaço paru o jlàtieur como no irfifego febril da O ily. Londres tem o
homem da multidão A sentinela Nanle. personagem popular da Berlim de antes
dc quarenta e oito. é decerto modo u sua antítese: v flânvur parisiense esta entre
os dois. '
Uma breve história, a última que escreveu tá 1 HülVmann, dá nos uma
idéia dc como o particular vê ;i multidão. A peça i«m por título al Janela dc Ctutio
do iPrimo Foi escrita quinze anos antes do conto de Poe e é talvez um a das
primeiríssimas tentativas de representar a cena dus luas de urrui grande cidade
Vale a pena sublinhar as diferenças ent rc os dois textos. O observador de Poe olha
através JovS vidros de um café público; enquanto o primo está instalado em sua
própria residência. O observador dc Poe sucumbe a uma atração que termina por
:ii'ui>i:i Io no turbilhão da massa. O primo na janela c paralítico: nào podaria s<

" Oc«M<in»liiMi«c « (fcsk-scc sabia s.slbn Uu riHiüu provocante j sua mwrWfl/i.v Por volta de t84U 101
iiiadfi. duritnu j|p:<m CCinpi. Comjuzir nrtárugis atreladas pelos “ inisslW O jlâm vr rovisva dc inarctr o
vtfü rllmu' por ela-i Se Kitssc por ctc. u cfíVífift U-r oar.íii, Mas nàn lln- d.iybe a úllimu palavra,
mm a l~aj.Sm i|ue íe? e,i * k ii Ií H c àfláairti umii p.iIt<v:-.i ileOíden
7 Mii tipo criado por Gtssfercnncí'. o paniCttlfti jp uieer çoin» ani rçbínUi tbvfniTndcj do erfrjvm N imHm i Üu
u-ni molii’U pítrw afobar x . Lie SC planta iw rua Eqile eviiirrUememc nao leva 1 |u| ,ir lu-aluimI lAn ■nriLuic
enmp o filtsteu entri -.u;is quatro paredes
42 B E NJ A M IN

guir a corrente mesmo sentindo a na própria carne, hte está antes acima dessa
multidão como lhe sugere o seu posto de vigia num quarto de sobrado. L á de cim a
ele passa em revista a multidão*- é dia de feira e esta sente se no seu elemento pro-
prio. O binóculo lhe permite isolar pequenas cenas típicas. Hm plena conforrni
dade com o uso desse instrumento está a atitude interior de quem dele se serve.
Pretende iniciar o seu visitante (como ele mesmo o diz) "nos princípios da arte de
olhar'*.9 Que consiste na faculdade de deleitar se com “quadros vivos" como
aquele cm que se compraz Biedermeier. Sentenças edificantes fornecem a inter-
preiaçào.* Pode-se considerar o texto como urna tentativa cuja atuação começava
:> amadurecer. Mas é claro que era empreendida cm Berlim, cm condições que não
permitinm o seu pleno êxito, Se HofFmann iivesse algum dia estado em Paris ou
cru Lom ircs. sc se tivesse proposto representar uma massa como tal. nunca leriít
escolhido uma feira; não teria dado av mulheres um lugar predominante na cena:
c talvez teria chegado aos motivos que Poe extrai da multidão em movimento â
luz. dos lampiões de gás. Mas não havería necessidade desses motivos para porem
evidencia o elemento de inquietação que foi percebido por outros Sisionomistas da
grande cidade. Vem a propósito uma palavra pensativa de Heinc. "H cinc. escreve
um correspondente n Vamhagen em 1938. esteve muito doente dos olhos na pri
mavera. D a última vez., percorrí com ele um trecho dos boulenirds. A claridade,
n vida desta avenida única no «eu gênero impclin-me n uma admiração sem limt
tes. enquanto Heine. desta vez. sublinhou eficazmcntc o que há de horrível nesse
centro do mundo".

S.

Angustia, repugnância e espanto despertou a multidão metropolitana naque­


les que pela primeira vez lhe fixaram o rosto F.m Poe ela tem algo de bárbaro. A
disciplina somente lhe impõe um freio a duras penas. Mais tarde James Ensor não
se eunsará de confrontar nela disciplina o desordem. C o sta dc incluir companhias
militares nos seus bundos carnavalescos. Ambos mantêm entre si uma relação
exemplar: exemplo e modelo dos estados totalitários, em que a polícia é aliada dos
bandidos. Valéry. que tem um olhar muito agudo para a sindrome ‘'civilização 1

11 h wípriiiii iiiv.i i.'iMno si- dnv i .1 1.1I f.infis ã.;\ S«|iundn n wu lunpwtlc.o primo iiciu.i ao mavínumio íln ru.-l
unicamente porque st deleita no variado joga tlns c»«es. Mas u lu-ripo pnw»>. dw. esse divertimento devccun
«ir. Ds* nn»N' svmctluinlV C nav #11111.1 rmiis .-vuicve í inrnl .1 IL-. 1L-i 1. >ili uiiij IcifiS • -i tícranio I lavifl
tanta ^onic .1 min imcmiír—ií n:i£|>i4 a üircvhi* ^ul av eilhos ,< ofuscaram" Pw»ii elmcnle 1 l-oI íi Í íímvi <le
uma multidào cm movimento Iim |ru ul^uilk ler;!3» ufll CSpCC-àCüio ;i qiw o olho teve Je liabK.ua- :.c. Admitiu
do sc cs.s.;j hipótese. lalvcx se possa supor que. unin VC7 reíiliííutn c-.- n ! trela, ttmha sprpVcil;i do Uh Iu e c|uíiI
-iuwr ecitioso Oe m,u«vni <•< po- : J. n fuc ildfiilc rcc ementem adquirida \ ivcme i da pintura imprcsüiv
riisin. l|uc sNtrai a imagem <!ú cjos das manetiiis de cor. .-.erm portanto um refleM' de oxptriêocin^ que se tor
n.irúm lamfliarcs ,ii> olho habitante «k uma .arantfc cidade- Um quadro emnu .1 CoifrtVhrir th t V / r a de
Monel, que é aigw parecido tom um lormÍRueiroilc pedras. podería ilustra* essa hipélvse.
a Fnire . 1111:. coisas. KctíTmarm ..leditfa ru.vse U'v:o rerW.c% edificantes m lv w qm mninetn .1 cabeça
cTiçuídii para a teu Baudulairc. qmr conheei.i esse conto, um as ccin.ider ações. de I lutTmanrt. no ultimo verso
dc A veugtes, urna i^uc JhC im pugna o objetivo ivltlicanur çiierahtW fls utf C ivi, tons ce.\
aveuçlex? ’
SO SR K A L G U NS l'E MAS E VE B A U D E L A IR E 4,7

t é c n ic a a s s im descreve um dns elementos cm questão: “o homem civilizado das


aríinünw metrópoles retorna ao estado selvagem, isto c„ a um estado dc isolamento.
O sentido de estar necessariamente em relação com os outros, a princípio contí-
nuãmcnie reavivado pela necessidade, torna se pouco n pouco obtuso, rm Funcio
namento sem atritos do mecanismo social. Cada aperfeiçoamento dCSSC meça
nismo torna imiteis determinados atos. determinados modos dv sentir". O camjbrf
isola. Enquanto por outro lado identifica os seus usuários ao mecanismo. Com a
invenção dos fosform, em fins do século* começa urtlit serie dc inovações técns
cas que tem em comum D lato de substituir unia série complexa de operações por
um gesto brusco* Esta evolução dá se em muitos campos: c é evidente, por exem­
plo, no telefone, em que, cm vez do mo vi monto contínuo quu ora necessário para
girar a ma nivela nos primeiros aparelhos, basta redrar o gancho. Entro os inúme­
ros gostos do acionar, pôr, aportar etc. foi partícula rnionie cheio dc consequências
o “disparo" do fotógrafo, Bastava apertar um dedo para lixar um acontecimento
por uni período ilimitado dc tempo. A máquina comunicava ao instante, por
assim dizer, um ckoc póstumo. A experiências táteis desse gênero j un lavara-sc
experiências óticas como aquelas que a aecçáo dedassificados de um jornal susci­
ta. mas também o tráfego das grandes cidades. D evo car se através do iráfego
implica para o indivíduo uma serie dc chocs€ dc colisões. Nos cruzamento* peri
gOiots uma rápida sucessão dc contrações o percorra, como goEpes dc unia batería,
Õstudclnirc tal:i do homem que mergulha rm multidão, como num reservatório dc
energia elétrica. F ú Uélinc logo depois. descrevendo assim a experiência drí choc,
"um caleidoscópio dotado de consciência". Se os transeuntes de Hoç ainda km
çam olhares para todos os hulós (aparentemente) sem motivo, os de hoje lént dc
fazê-lo á força para alentar aos sinais do trânsito. Desse modo a técnica submeríít
o sensório do homem :i um trainíng complexo. Chegou o dia em que o ftíme
correspondeu a uma nova c urgente necessidade dc estimulas, No Ume, a pvrcep
çào inLcrmitcrue afirma sc como princípio formal. Aquilo que determina o ritmo
da produção cm cadeia, Condiciono no filme o firmo <fu percepção,.
Não è .sem ra/ào que Marx demonstra como no trabalho profissional a
sucessão dos morrtomos dc trabalho é contínua, Essa sucessão* automatizada e
objetivada, se concretiza pura o operário da fábrica, na linha de montagem. A
peça a sei trabalhada entra no rato de ação Ju operário Liidependentememe de sua
vontade: c d;i mesma íbrma lhe e subtraída a revelia, “ f próprio da produção
capitalista , * escreve M aix. o fato de que não c o trabalhador que uLíli/a as con­
dições <k trabalho* mas ;is condiçoes lIc trabalho que utilizam o trabalhador, mas
somente com â maquinaria tal inversão adquire uma realidade tecnicamente
palpável." No trato coin u máquina os operários aprendem a conformar "os seus
próprios movimentos com o movimento uníiorinemente constante de um autòma
lo ‘ ". Essus palavras lançam uma luz particular sobre as uníformidades de caráter
absurdo que Poe atribui u multidão. Uniformidade no modo de vestir ç m>
comportamento e até mesmo uniformidade Jc expressão. O próprio sorriso dá o
que. pensar. Provavelmente c aquilo que hoje comum ente se conhece por kevp Srm
lirifí c que desempenha o papel, por assim dizer, de pára choque mímico. "Todo
44 B F .N JA M JN

trabalho na máquina. Ji;z st; no trecho supra citado, exige do operário um aprendi­
zado precoce." Esse aprendizado é diferente do exercício. O exercício, único fator
decisivo na profissão, ainda tinha vez na manufatura. Na base da manufatura
“ todo ramo particular de produção vc na experiência a forma técnica up l- lhe é
adequada, e aperfeiçoa 3 t&tta*nertle", t verdade que a cristaliza rapidamente
"‘mui atinge um certo grau de matur idade” . Mas a própria manufatura produz, por
outro lado. “em cada emprego cm que investe, uma classe de operários assim cha
mados não especializados, que a adnijiuslraçàu üa empresa excluía rigorosa-
meute. Enquanto desenvolve até t> virtuosismo a especialidade extremamente
simplificada, às custas da capacidade cie trabalho de conjunto, começa a fazer
uma especialidade ate mesmo da falta dc qualquer formação. A o lado da ordem
hierárquica entra a simples distinção dos operários, em especializados c não
espeeiaiizaciosT. O operário nào especializado é 0 mais profunda mente degradado
pelo aprendizado da máquina. O seu imbuído í impermeável à experiência. Nele
o exercício nào tem mais nenhum direito. 10 Aquilo que o lunapark realiza nas
sttas jaulas voadoras e em outros divertimento» do gênero» não c mais que umü
amostra do aprendizado a que o operário nào especializado é submetido na fá­
brica (uma amostra que por vezes teve de substituir para efe todo o programai
visto que a arte do excêntrico, em que qualquer nussou podia exercitar-se nas
lunapark, prosperava npç períodos dc desemprego). O texto de Poe evidencia a
relação entre desordem t disciplina. Os seus transeuntes se comportam como se.
adaptados para autônomos, já não m - pudessem exprimir a nào ser dc forma auto­
mática, O seu com porta memo é uma reação u chocs. 'Quando eram uhalrtttdCK.
saudavam profundamente aqueles vlc quem haviam recebido o encontrão,1'

À experiência do ciioc fíita pelü transeunte Pa multidão correspondia u dü


operário que lida com ãs máquinas. Isso ainda não no» autoriza supor que Poe
lenha tido um conceito do processo do trabalho industrial. Em todo caso. Raudc-
laire estava longíssimo dc um tal conceito» Contudo deixou se seduzir |>or um pro
censo cm que o mecanismo reflexo que a máquina aciona no operário poJc ser
estudado no desocupado como em um espelho. Este processo c o jogo dc azar. A
afirmação deve parecer paradoxal. Qnde encontrar uma antítese mais clara do
que a existente entre o trabalho e o azar? Alain es-crevc com grande clareza; “o
conceito, de jogo. consiste no fato de que a partida sucessiva não depende
da precedente, 0 jogo ignora firmemente toda c qualquer posição adquirida. .
nào leva cm Conta méritos adquirido» no passado, c. nisso ;se distingue do traba­
lho, () jogo prescinde inteiramênte. . - do passado meritório no qual sc funda
mcnui o trabalho". O trabalho que ÀJain tem em mente, neste caso. ê o trabalho

10 Quanto itimr b e if ve lemii o período J i i rdiníuronao <iç» npernrio indusírinl- uinto mais tongn h* fü*a cfc>s
rw ru ías T,i(v©d fa ça parw da pn:rint^:;n> Ja vuciedjuiç puxa u j .uí.-itu cmU que O CXerdcio passe da p r f à ii
prnúuiJvrt p.ir.'i .1 ikínaUa.
SO B R F A L G U N S T E M A S EM BAU DHL Al RE

a liam ente especializado (que. à semelhança do Intelectual. pode conservar certos


elementos do trabalho profissional L não é o trabalho da maior parte dos operários
He fábrica, e muito menos o dos não especializados, A este último falta, é verdade,
o elemento de aventura, a Íatíi morgsna que seduz o jogador, Mas. por outro lado.
não lhe fui La u sanidade. o vazio, o futo de não poder terminar, que é inerente mais
que nada n atividade de operário assnlanndo, Também o seu gesto, determinado
pelo processo automático do trabalho, c representado no jogo que não acontece
sem o gesto rápido de quem I ují. a aposta ou recolhe a carta. A partida no mç>vi
mento da máquina corresponde o cottp no jogo de azar. A intervenção do operário
na máquina e sum relação com a precedente exata mente porque constitui a %ua
reprodução exata Ioda e qualquer intervenção na máquina c lào hermeticamente
separada da que a precedeu, comu um coup na jogo de azar 0 disÜnLü do cQUp
imediata mente precedente. E .1 escravidão do assalariado u seu modo se equipara
á do jogador. O trabalho de um e dei outro é igual mente tndependente dc todo
Cüntcúdo,
Há ttmü litografia dc Senefdder que representa uma roda de jogo. Nenhum
dos jogadores que ã< são retratados acompanha o jogo na forma habitual Cada
Lim está preocupado eoiii a próprio pai\ào; este com uma alegria incontida. esse
com desconfiança, do próprio partner, aquele com am sombrio desespero, cnnro
com vontade He brigar; um está a punio de suicidar se. Nas várias, iHitudts há
qualquer coisa de secreta mente .-ifim: as personagens representadas mostram
como o mecanismo ao qual Os jogadores se entregam no jogo apodera *e dc seus
corpos c almas pelo que. até mesmo na sua privapy, por mais forte que seja u pai
xíui que os agita, nuo podem deixar de agir ainomaticamcnle. Comportam se
conw os transeuntes do tesjo de Pue; vivem iuna vida de mtiómutos. c iissemc
lham-se aos seres imaginários de Bcrgson que liquidaram inicirumcnic a memória.
Não consta que Baudekurc fosse dedicado ao jogo, embora tenha lido pala
vras de simpatia e até de respeito para as suas vitimas. O tema de que tratou nu
poema noturno L a icu, era predeterminado, no seu modo de ver. pelos tempos
modernos, Escrever aquele poema era urna parte de sua missão, A llgura Ho joga
dor é. em Baudelaiie. a integração propriamente moderna da figura arcaica do
aspadachim. Para d c . urn é personagem heróica, assim como outro, bome en.ver
gava com os olhos de Baudclairc ao escrever; “ Sc sc poupasse,. . toda a força e
a paixão. . que lodo ano se desperdiça na Lu rapa no redor das mesas de
jogo., , . U lo seria suficiente pura fazer um povo romano e uma história romana.
Mas é assim: visto que iodo homem nasce romano, u sociedade burguês., trata de
desromam/íTlo, e com essa finalidade são introduzidos , . os jogos dc azar. e de
salão, os romances, as óperas italianas c as revistas elegameU . Na burguesia, o
jogo de azar somente se aclimatem no decorrer do Oitocentos: no século prece
deruc .somente a nobreza jogava, boi difundido pelos exércitos napoleõnicox e
fazia parte então Ju “espetáculo da viila mundana u de milhares de existências
irregulares que circulam nos subterrâneos de unia grande cidade1': o espetáculo
em que llu u d d airc via u elemento heróico '“como e próprio da nossa época".
Se o jogo dc azar Ibr considerado náo mmo do ponto He vista técnico como
46 b e n ja Mí n

do psicológico, li concepção cie Bnudelaire ainda parece mais significativa. O


jogador visa ao ganho, c claro. Mas o seu gosto Jc vencer e de Fazer muito
dinheiro nào pode ser de tinido como um desejo no sentido próprio da palavra. Mo
íntimo, o que o absorve é talvez avidez, talvez uma sombria decisão. Em todo
caso etlCOEUra-se num estado de ulmâ em que não pode valer-se dn cxperSên
c ia . 11 Ao contrário, o desejo pertence às ordens da experiencin. "Aquilo que se
deseja quando jovem, tem-se quando velho em abundância diz Goethe. Na vida.
qunnlo mais cedo se formula um desejo, tanto maiores são as suas perspectivas dc
icuiizaçào. Quanto mais um desejo remonta no tempo, tanto mais se pode esperar
a stirs concretização. Ma? aquilo que reporta ao tem[H> passado é a experiência. ê
o que o preenche e articula. Por isso, o desejo realizado é a coroa destinada h
experiencia. Np simbolismo dos povos, a distância espacia] pode tomar lugar da
Lcmpural; pelo que a estrela cadente, que se precipita na Infinita lonjuru do espa
ço. ò elevada a símbolo do desejo realizado. A bolinha de marfim, que rola para
a pnU itm L ixa. p m x u m carta que está em cim a do mayo, são :i verdadeira anti-
?c^L* da estreia cadente. O tempo contido no instante em que a luz dn csirehi
cadente brilha ao olho do homem, é da mesma natureza que aquele que Joubert
definiu com a segurança habitual: " H á um leinpo. escreve, até na eternidade: não
é porém o tempo tcrrCslfe.o lempo mundano é um tempo que não destrói. mas
somente realiza” , F a antítese dn uun|KJ infernal cm que transcorre a existência
daqueles aos quais não é dado realizar nwda daquilo que começaram. A má repu
i.uçàci do jogo depende exaiamenu’ do fluo dc ser a próprio jogador que põe mãos
à obra. (Um cliente incori ijovd de loteria não incorrerá nu mesma coa dotação do
jogador dc a/:ir, no sentido estrito da palavra )
O tino de recomeçai sempre de novo. é a idéia que regula o jogo (como o tra
bullio assalariado). Há portanto um significado hem preciso no frito doo ponteiro
dos segundos Su svcomiv figurar um Kuudelutre como 0 pnn*H't‘ do jogador:

Strtn'ú'rts toi t/m,1 lc (\ mpsatl t<nju iu r ü^ide,


Q uí sagne sam irkher, ã tom counl e *m Ia foi í
t> 114ji;i 1 qut o sepurdo ocupa aqui é ocupado ern outro r. mo pelo próprio
Satanás. Sem dúvida também pertence aos setes domímos o "antro taciturno" a
que o poema L c jtut relega as vninms do jogo de a/un
t o ilò h n o ir la b U w u q u Vvr itt* rC\'i' n o c u trn v
Ji> ivv vo tlé ro u le r ü o k s m a *r o v il c ia i i v o v a n i .
Mtíf J a n s ui; ciüjn / ü iU ft' uu'UurtiLr,
./1■tfie rí.v ctecoudéf/roitl, enviam*
h n v io / u ( fo c r s guux (a p a s m o u fe n iic c .

•J n ■;:0 exe 11 :t‘i íirdoi\ iLi svpia bna.i. I §4o\ -..‘jji uri alwtsci.i Kfntini.mut slos-a' lUin .1q11, f.i. |vtpu|u,
.•lar-imfniu- ailn: os jnpni.lim.-’!,. .1 ■ >pelo veljuir a n" n ;r;\ijnr di? ", *wu..... .. ... tomo *1 libiv
linu Jí. ’ . !#eu !ijm - I in lin U>- ^c.iiiiiiUi, fnj|iví ui .. vy.i itnLalLdiJ.ee l*l|líL* ,|«vn o ,um "No htiuh^-artlcu
íKintuiJ :ií!iiiu«.i ituLi ji -iia.rtv'. tiaasi rfliSFttfttítítHte í fiívoríiiitii jpfl.bi iqsartíti qut l’ uin intcu Jfjin.r ,ms itixinuci
ui-.iiii 1ui 1 Liuurn Jç i-hur, ÜL :iii'ih" ii" m çcíEíJtlü lIl csiwrirneiii. J'arg .1 hlinmesiiL 45C iIICmihi uss
acoiKiKimeillOis piiíílica-, tmcfi.irn n .'issumir • ■brm.,i .ft >ni ni„v ua meia Jc «1^0
O poeta não participa «io jogo. Permanece a um canto e não se sente mais
Icliz: que cies, os jogadores. Também ele é um homem roubado pela própria expc
ríêneia, um moderno., Ele porém recusa o estupefaciente com que os jogadores
IcnLitm aturdir a consciência que os entregou ao ritmo dos segundos: 12
E i mmi com í t 'ijjrü y n iV u n v itr m iiuil p a u v r e h o m m c
C ouram avec Jervcur a f abime btiant,
E t tjui, s o ü i th1 so u süfifá, p tc f é f v r u h tv? wwwrr
L a douí&r u ia m o rt c' f en fer a a n êã n i.

Nestes últimos versos. Baudekiire faz da inipaciência o substrato do ímpeto


do fogo E a encontrava em si em estado puro. A sua cólera repentina tinha n
expressividade da Ir a ç m tiiia de Gioüo em Pádua,

10 -

A crer em Bergson. o que tsra no homem a obcessão do íempo e a atualiza


çâo da Juiik'. Proust compartilhei chia convicção c dela deduziu o exercícios com
Ljtie durante toda a vidíi procurou trazer de volta a Iliz do passado, saturado de
tudau as remirmccnciaí! que o impregnaram durante a sua permanência iucorts
ciente. Foi ele um leitor incomparável J ç Llcurs tfu utai. Pois sentia aluando nesse
poema algo que lhe era afim. Não há familiaridade possível com Haudepiire que
uào esteja presente na experiência biiudçkdrianu dc Pruuxt. “ Iim Baudelaire.
escreve Prousl. o tempo é dividido dc modo desconcertanle: somente se revelam
p o u c o s dias, c apenas dias significativos, Assim sc explica pum que ireqüentememe
se encontram nele formações como 'quando uma tarde* ou vcmelhnntes." Ewíes
dias significativos são es do tempo que realiza. parti usar as palavras de Joubcrt,
Sâo os dias da lembrança Não sRo cm contrapartida por nenhuma
vivência: não acompanham ck detim-s. mas. ao coutraiiu. destacam se dt> tempo.
Aquilo que constitui o seu conteúdo ibi fixado poi fiauilelairc no eoricetLo dc
0orrespuu dances, Que é imediatamenlc vizinho do conceito dc “ beleza moderna",
Deixando de lado a literatura erudita sobre as rtfrresptmrf/inces (que são
patrimônio camuw dos nfttstiCOS; Biiudelturç éndootírou se em Fourriér). Bfcteüst
nác> dá maior importância nem mesmo ás variações artísticas sobre esse tema.
representadas pela?» sínestesius. O ini portimiv é que ã í íonespmnkinccs lixam um
conceito dc experiência que conserva cm si elementos cultuais. Somente fazendo

1 A embriague* em tiuesiciti c ttecrminnela lempnralmeniz wwim n Uai qm; ,|«jvltió mJ w hu '. O uírnpfl í- a e*i
Uifo* tií-i i.^iui! iãu iccitfeis n> CltllAhrenedrla-. J>' jo v . fiourUiin <^»cvç t»*ni F u ík Miv o th \un. " \ f ií inti
í|MW .1 %Ju jp|H» > J inur- uub-li eas. w i W l-. |W , WICCtTU c « d 11‘lJb |lci ias*. Uniu ,4 11. Ji- :.lll\.L Ixan
sueediJtrx itte prup>reivna .-"i ptnt.ur niftiut Uu que « uní pussu oiperi mentor um i m i i k k . m u ji^ra.
<luram< tino Jullji.i.ii« que- <n i <íiu j i >j í w . k lucrr* n. num ipie mi cabe',’ l ni ii 'm v íjo « ulMrcfcp íifte g
Haí.eíM 1111c me propoxeicmB. I. i|Uv vonhom ttctnaniudi) rápida pare nnslurpru n . *ii <- , nunw r.irin ljid r
/.rftíUlc pftfll P kU-A'111 ’íli ■
li!..|,:i mi V.V,. t\-iv vijlls. tlu«.l »'• Sv VM.i|sJ, taç<»'^ "i M.-nwlluHiça thi
iaíat4 í ü i 'i t ’4 . S« vm .(vjun >i H iim n v «> miiihíri mnn*, d« hsmea pnm jiipar i porque ca.nltcço Ucnuis.ijti.Ji
Ik i i i h «'ah)»' Uo tci ií |.h> pam tfijiprtuá Io coínu o Iq/cnj us-ik-üiuiaí. t n> ceno pr;tívr 4, ms nu ^:<nv,:cU<Js.v,‘. cuSiru
me ia mil outras pnoeres. E‘enhí>« a s prezrrís nn «Kpciiio r min qmw ourras". Hnatole lrrançe aprçscnui
ii eqii'j4 «rrr.dinirtlijrp.BnlB em ■uas» Iwl.is retloròes s íi Iwc n .iov.n nu Jimiut ríV piruri'
48 BENJAMIM

seus esses elementos, Rauddaire podia avaliar plcnamente o significado da catas


trofe da qual de, como moderno, cra testemunha. Somente assim podia rcconhc-
cè-la como o desafio lançado a si mesmo e que aceitou em Fleurs du ma!. Se de
fam existe a .secreta arquitetura desse Iívto , objeto de tantas especulações, o cicio
de poesias que inaugura y volume podería ser dedicado a qualquer coisa de irrevn
gavelmente perdido. A este ciclo pertencem dois sonetos idênticos nos seus temas.
O primeira que tem por título Correspundanves começa como segue:

La :Yature esf m tempíe mi de vivants püiers


Laíssent par/üis sortir dc confusas pctroics;
L ih úmmey passe à travers desforéis da symboies
Qui / observem avec des repareis famítiers.
Cânone de longs achas qui de toin se confondmt
Dana une tértiéòreme et prqfonde uniié,
í aste ctnnmc ia nuií et commc la cfartF
Les purjúms, í&s couimrs et las sons se rêpondé/it.

O que Bãüdclairc pretendia com essas Corresponitdtíces pode ser definido


como uma expcriéncíâ que proçura fixar-se a salvo de toda crise. Taf experiência
somente c põsMvel cio rtmbito cultuai. Quando sai desse âmbito assume o aspecto
do belo. Neste aparece 0 valor cuttuól da arte 13
As C p rrespondances sao as datas da lembrança. Nuo $âo datas históricas e.
sim, datas da pré história. O que torna grandes e significativos os dias de festa é
o encontro com uma vida anterior. BaudelítÜre o rransfundiu no soneto que se irtli

■1 □ hei'1 * pode ser Uéiimd-' dr tíbís rmHk?s .i relacA-u èimi . história « a>« a ariiturcau Sub ambos o--
.'upeütijs lar-sc-A rales a. aparem: ea, i> elemento aponteira d*» belo, IQuíiatO .ni primeiro. $ '-nficíaitc uma
oljiicrvayà-ií. N.i mu ic.did.iJi: ftwAirrcn;, v Iküo t um apelo mqu-v acendem os qu<i> .^teormurn amei íouiicofie.
A exjwxic‘nei:i do hdc é um a í fitares tre. eu?in) ramnnas clujnw«í*i,i a mora, Sol>esse aspecto a aparência
do W ú e>,inslM0 l-hi qut n iibjdn idcmira prncarsdii pela jtlmiraçi»» nãa se |wdu encontrar n:i obra, A suími'
ração outra c$i*ít iw*i fa* iíoào rccoflw o que as BCfaçAc*. preceder»c* nela iMimiraram Hâ uma palavra dc
GoccJk l|uc dá «qui a última pui.-ivra dn nabeiturint Ttidü1iiquíle» q«if exerceu uma p/andç influência, rm venhi
de. iiíw iiiiiEN pude julpitltí.! I;1» sua. rcluçúo rarr -• naturezn, o bçlo pode ser definido tomu aquiki que
"snmente permureee «jisciieialrnilillL' s,tendeu .t sí «éítmtí- *nB um .invólucro". Aí. nos díyeen
o que se deve e»mnJ« pur r-sv invólucro l-.ssr nu-di.- sa emmucrMiki. nsun remirmi nititmcruc oumkIu, Ct>mo
ci elemento rcfinidutiVA timii.il.*vi>>na .i'Hr.1 i1e smc As eorm/Hftffíancvs repretemaín a imtànna ame a qual
y Mbjew Óv arte «pítreee uomo fielinentr fcpnsdu?.ivcl niniJa que. eswamenle por isso. COmpkiariltmic íií>ç>r*-
bcsr.-Se »e eiH<‘nln»f etwt apo*M ny pfõpiio ntaterlid Ungiii.sik-t». «h^w -.«• ú «Min.ifão Uo bettt
COTTU1 0 ubjtiu d.i experièndiB no estado Jc scmclilBtiça. Tal dcfmíçai> coincidi ria um íónmilííàfi de
Valtrv: *"0 bek» ewjte. quem sabe. a irtiiiaçào «frvV daquilo que» luttelnivel nas coisas" Se tbwm rdomíi
l-uiii uiitv pr’.iMi a e«i; icnm <qaí aparLCt nck como o icmpo recnconircirUO. ruio se piulc ituer nue L-te C jíiúi
..." vfpfcócs. I- jiw <taNlecíns mai?. tlewinccnantc! do eu mtjtk* de aifir oukivaif aooiijiuaruenií no centno. dc
&uas consiikraçòifti, prcciaunCcitc u concciUi de, obr» de arte contó cópia ou reprptiuçún, o uuiiiceuo do tmlo.
iTiliiT. o aspecto ptopriarncJnç hcmunen du arte. J.le iruia da eèucsc c iias micnções ik id,i própria obra com,
a ilcsenvvluirn e urbanidade dc um ewiliíCcílOí -ellrado Isso turt indiihiiaveimente um cosucspcmácnic «m
Hcriison. lissas palavras com ípie o fiJA&ttfo mostra u que se pode esperar de uma atualização du lluso tntictü
da vir a ser, tem un lom que nscnrtla Pídiim. -'Poderem* >faz'cr pm lnr estn visao cm nona viela ttíâria e
de;. hu mamata, p SJovUia. .jurar dc sutis facões scntClhadtCS .iquelas de qu«! [tuzatnos pela anc. com a
dircrença de que >criam mais Irpi-enn». nois auminuas e jnuis facilincntc accsísívci* aa homem comum
Bcrjtson v< su>.ilcancc- da mâo aquilo íijí apa:c« para a melhor comprçcnsi»' jsbeihíana dc Valérv- comu o
■■jqiu” cot uúl* 'o iirsuílcsanie sr i.nua eventoY
S O B R E A L G U N S T E M A S EM BAU D E L A IRE 49

tuIrs precisamente La vie antérieur. A s imagens de grutas e de plantas. de nuvens


c dc ondas evocadas no início desse soneto, emergem da câlída névoa das láari
mas que sào lágrimas de nostalgia. “Olhando estas vastidões veladas de luto. o
viandante senle subirem aos olhos lágrimas histéricas, hysrericul tears', escreve
Baudclaire na sua recensão das poesias de Ma recline Desbordes-Valmore. Corres­
pondências simultâneas com as que foram cultivadas depois pelos simbolistas não
existem. O passado murmura nas correspondências; e a experiência canônica das
mesmas tem lugar numa vida anterior:

Les houles, en remiam les images des deux.


Mciaicnt d'unQfaçon solcnnellc et mystique
Les tom puissants accords de leur riche musique
Aux coiileurs du couchwtl refleti par mesyeu a .
C ‘est ia que] ar vccu , . .

O fato dc a vontade restauradora dc Prousl permanecer encerrada nos limites


da existência terrestre, enquanto Raudeláire tende a super;i In. pode ser conside
rado perfdtamcnic como um sintoma do caráter tanto mais originário c violento
com que us forças hostis se manifestaram em Baudclaire. E quem sabe jam ais
tenha conseguido algo dc tão perfeito como no momento cm que, dominado por
d as. parece cedei u resignação. O recueMlement traça, contra as profundidades do
céu, as alegorias dos anos transcorridos:

, . . Vo is sc pcncher les díjuntcs AflfíieS


S u r les baicons du ciei. en robes suramiées.

Nesses versos Buudciaire se contenta com prestar homenagem ao imemorávd que


lhe escapou, na forma do surannée, Prousl imagina os anos de Cõm bray fraternal
mente reunidos aos que aparecem no mirante quando, no último volume da
Rechcrche, remonta à experiência que o envolvera no sabor da madclainc. “ Em
Baudelíiire . .. tais rcminiscòncías. ninda mais numerosas, são evidentemente
menos casuais c portanto decisivas, na minha opinião. É o próprio poeta que. por
exemplo, tio odor de uma mulher, no perfume dc seus cabelos e seios, segue, de
propósito, com maior seletividade c displicência, as analogias inspiradoras que
lhe representam o azul dc um céu imenso, abobadado’, e “um porto cheio de flã
mulas e de mastros’ ." Essas palavras são como uma epígrafe involuntária da obra
dc Proust: tão afim a de Baudelairc. que reuniu cm um anu espirilual. Os dias da
lembrança.
Contudo. Fieurs du mui não seria o que è se nele vigorasse apenas esse resul
taüo. O que o faz inconfundível é antes o fato dc que soube arrancar à ineficácia
do próprio conforto, ao ocaso da própria paixão, a falência da própria ação. poe­
sias que cm nada são inferiores àquelas em que as Correspondances celebram
suas restas. O livro Spleen vf Idéai è e primeiro do ciclo de Fleurs du mai, O ideai
proporciona a força da lembrança; o spteen lhe opõe a horda dos segundos. E seu
imperador, como Belzebu é imperador das moscas. Pertence à série dos poemas
de spíeen Legoúi du necnt onde se lê:
50 BENJAM IN

L e Priniemps adorablc ci perda son o citar!


Messe verso. R au d e ln ire d ix afgo dc extrem o com extrem a d is ú n ç ã o ; c & isso
o que o la z in co n fu n d ive lm en te seu. A ru ín a c o desapareeim iento ila experiência
de que d e p articip o u em tem pos idos è ad m itid o cut palax ra perdu. O o d o r é o
refugio in acessível da mómoire hi v a ia m (tiro R a ra m e n te é asso cia d o a uma repre­
sen tação vis u a i: entre as im pressões sen síveis será acompanhado Sempre do
m esm o od o r. Se cabe ao reconhecim ento de um odor* m ais que a qualquer outra
lembrança* o privilegio tíc consolar, isso ta lve z se deva aq fato de que o n d o r
entorpece profundam ente a. LcnsctO íieia do tem po. U m perfum e fa z tra n sc o rre r
an os inteiros no perfum e que o evoca t: isso o que faz esse verso de B n u d elaire
infinitamente (riste. N ão há cuiUsUld p ara quem jã não [aije fazei mais nenhum a
experiência. Mas é exainmente !:d incapacidade que constitui a essência intima da
cólera. Pessoa irada “ não quer sentir nada’*: o seu arquétipo. T im ào jn veste cor
ira todos intjiscrimrnadamcru: . já nàt> c capaz de distinguir o amigo fiel do inim i­
go mortal. D Aiirevillv cntreviu, com grande acuidade, essa natureza em Ruiuie-
Laire; e o dejlniti “ um Tim ão com gênio de um Arquiloco'*. A cólera medç jxir
s u a s explosões o ritmo de segundos, lio qunl está subjugado o melancólico.

F l k iVmpi ui onüfnvttf miruitc par minute.


Coatait !a tWige iattitertsc lin cor ps pris de rmifeur,

Esses versos seguem-se imediatameme no supracitado. No spitm i o tempo e


objetivado: os minutos cobrem u Uomvm como flocos de neve l-sse tempo é sem
história como o tempo da mêntoirc invvltwtaire. Mas no spiten a percepção do
tempo é aguçada dé modo sobrenatural: cada segundo enenníra a consciência cm
guarda a liai de apurar o seu golpe, 1 11
O cálculo tio tempo, que sobrepõe n sua uniformidade :i duração, não pode
corsLudo prescindir de deixar nela fragmentos desiguais e piivilcgiadov, É mérito
dos calendários, que nos dias de festa deixam por assim dizer cm branco os esjia
ços da lembrança* terem unido o reconhecimento da qualidade ã medição da
quantidade, O homem a quem escapa a experiência some se excluído do cnlendá
rio. O homem da cidade experimenta e s s a sensação no domingo. Baudclinrc jci o
experimenta avant h k t t r m »ima poesia de sphcn.

Des cbches toai à ca up suaicnt avcc íta ic


E i lancem vers lectcí mi ajjreux huelemoni.

Num inivuvu UiõJujsi emrc Mmins t: I .fiíi, Poc enteou por u siin t|iír<i irsi 41» r í <? v;u«o l|*HIWSíj içuipMrnt
.1. que o imiivi\ÍM.i *; : lI iiiiiln.i ui., riu jtptfí-H, l (uirc'.'L fíiw in im iíii a in » ) umn Itduiiiufc » líhrm çõci ,n,-. «
K-rroTtA. 0 “ síUrt í-Caind' ■" que pertence ao dcfwu. • ' i faculdade Uv txim ii Uui.i liüi rYiOrli.i i lc mesmo du
vaz.ni Jocuriti u-rripumt. t verdatte qw í chi é iík iliilcntc pcrlurlMila pelo i k ]ik - uiQue dos 5te$ttiwtis- “ I mh;i ,i
imfircssiiLi de que cnlraf# ru minhu cabeça ol *■um :i ítMSíl do que real mente não posso tlíir uma m^m.'
Wígn Hixmfusa. ll um intelecLi) humano. Mâí« qiíe *1e* qualquer unira puisu, ílirie d? uma vihr»çã« {kl regula.
Lí<ir mental r.-ai.i .,*•,I,-i i#|uiv’ilimiç ciipíriuiil Uri sh o - LUi representação liustt.ina Jn : l iu |x i . C! i ietír lEih'-
r c l A ^ - uh regybdu mu perleini lun nniin i ,urn c a c mueuncnLii (<iu et uri ei nitavimeum Loircspuntlcnici.
A&iira l:u puiLiu mwJü sc. In^ulH í iilAijcs de pênduli» MJhre a «h,i nine, ou iKH ivlu^íüb J c hulM.* ihus prcsetnc*
\ãnlia 9 ieu liqyc iaque nos íiuvtckja. Uí ecsvi-ja iio rir mu Lsitiu. por menures que iíis-.c-rti rae perLurbavtíft
cxuuuaaiiccomn u- fero, *-«iei-i- os Ihiiikiiv . .i viubçju Ja vcrilaUcabsiraia
SO B R E A E G l NÍS TF. M A S E M B A U D E L A I RE 51

Ainsi que des úsprils erraitls ct sans patriv


Qui se rneiiwii u geiruire opifiiàtremvnt.
O i sinos. ligados amigam etue aos dias de !V:-;lu. s3u como os homens excluídos do
calendário. Assemelham se aos pobres coitados que se agitam muito mas não tem
história. Enquanto ftatulelairc conserva no spleen é na vie antêrieurü os de
menioâ dissociados da verdadeira experiência histórica. Bcrgson no seu conceito
de duração afastou-st* bem mais da história. " O metafísico Bergson suprime a
moriv." Que falte a morte na durêe bsrgsoniana. c isto o que a separa da ordem
histórica í.comci também de uma ordem prê histórica), 0 conceito bergsortíano da
açs!&n tem o mesmo caráter. O 1'sadio bum senso", no qual o “ homem prático" se
destaca, n apadrinhou. \ ihirèe de que a morte foi suprimida tem a ms infinitilde
de urn arabesco. Exclui u possibilidade de acolher a tradição. 1 u E o protótipo dc
uma “ vivência" que se pavoacãanas vestes dn experiência. Ao contrário, o spiêpn
põe ã mostra ;t “ vivência" na sua timidez. Com admiração o melancólico ve a
terra voltar ao puro estado de nutjre<cu. Nenhum sopro de pré história u circunda.
Nenhuma aura. Assim cia aparece nos versos de L v g&át du nómi. que vêm logo
depois daqueles acima citados;

J í ' çamempkd‘en haut lvgiobe en sn rotídivtr,


R ije n V cherchc pias l abri d une ca/iute,

Definindo se as representações radicais nti mèmairt' invakmtatrv tendentes a


tcurtir se cm torno de u.m objeto sensível, como a aura dcs.sc abjeto, a aura ao
redor dc um objeto scn.sivel corresponde exata mento à experiência que se deposita
como excretei» num objeto de uso. Os processos basviidos na euínmra líuográlltía
o no* Aparelhos análogos que se lhe seguiram ampliam o âmbito tlti ntêmoin'
votou laire; enquanto permitem fixar com o nparelhn. n qualquer momento, um
fato sonora c visualmcnie. E dessa maneira se tornam conquistas fundaracrnais de
um sociedade nn qual o exercício definha. A daguerreotipia tinha qualquer coisa
de pavorosa e perturbam o para Baudolairi "SurprcàUleitlc e cruel", assim define
0 seu atrativo. E assim intuiu a relação de que SC falou, embora não a lenha pene
inulo. Com o sempre tratou de conservar um lugar para o moderno, e de indicá lo
sobretudo na arte. assim o fw também em relação ã Fotografia. Todas a& vezes
que a sentia como ameaça d cma, procurava pôr a culpa d cs se Fato nos seus “ pro
gressos mal entendidos” . Pm que contudo em obrigado a admitir que iaK progres
sos. eram facilitados pdy **v#Uipidc% da grande mossa” , “ Esui massa aspirava a
um ideal que fosse digno d ila c dc acordo com sua natureza. um deus vinga
ti vo o u viu ílie as preces e D aguerre foi o seu profeta." Não obsuiutc isso, Baudc
lairc procura assumir uma atitude mais conciliadora. A fotografia pode. minqüí

1 6 A ik-iiv Iliíjii.Cíim L i , . pi'M, rii-u; i l-vi-í ;i - nT Kn*usl m■ ■


■iduiü i |vjkLU.i u1h uli nirneoci JtTLaJL-irn. NnJa
tk- mais liátnJ Jti tjuie o mtwki t-m <juc :t?. v tw s fciar pv^entç u Idicw, njsb dt hüíííjj títtl Io ijuc 0 jiu x Iú « n <jW
.sL-mpre im presetu-; n idrtiT i redenção é'jin cmprççfKUpctuo particulai meu,
52 B K N JA M IN

lamenle. adjudicar a <\ as coisas caducas que tem direito “ a um lugar nos arquivos
da nossa memória", contanto que pare anteu “domínio l!o impai páv-ei e do imagi
nário": ante o domínio da arte, tie “tudo aquilo que existe unicamente graças à
alma que o homem lhe acrescenta", l. difícil considerar saluntônico esse ve rédito.
A constante disponibilidade da lembrança voluntária, discursiva, reduz o espaço
da fantasug. Que latvez « possa entender como a faculdade de formular desejos cie
um tipo especial: desejos tais que se possam considerar realizados por “ algo de
belo" lambem aqui foram definidas por Valcry as condições desta realização:
“Reconhecemos a obra de arre pelo fam de que nenhuma idéia que ela suscita em
nós. nenhum ato que ela nos sugere pode esgotá-la ou conclui-la. Respire-seft von­
tade uma flor agradável ao olfato: jam ais se chegara a esgotar esse perfume, cujo
gjOxO renova a necessidade: e tlão há lembrança, pensamento ou ação que possa
anular lhe n efeito ou libertar nós inteiramoníe do seu poder, F:$ aí a. finalidade
que persegue àquele que pretende criar urna obra cie arte". Segundo es:rs concep­
ção. um quadro reproduziría de um espetáculo aquilo de que o olho jam ais poderá
saciar se. Aquilo pdo qual isso satisfaz o desejo que se pode projetar rctrospccti
va mente ate sua origem seria algo que. ao mesmo tempo, rtylriria continuam eme
aquele desejo, Fica. portanto, claro o que é que separa a fotografia tfo quadro c
por que não pode haver um só princípio formal válido paru ambos: paru um olhar
que jamíiis pode saciar se com o quadro, u íbto grafia significa ames aquilo que o
atimemo ê para :i reme ou a bebida pari] a sede.
A crise da reprodução artística que assim >e delineia pode considerar-se
parte integrante dc «ma crise da própria percepção. Q que faz insaciável o prazer
do belo é a Imagem do mundo amcrioi que Buudelnirc díz coberto com o véu das
lágrimas de nostalgia. "Ach du nun.v/ in ahgck-bui; 7viicnJtwintr Schwviiwr oder
mviiU' Frait Z”1 *•: csíh confissão é o tributo que o belo como Cil pock estgir. Na
medida em que j arte visa uo belo e o "reproduz", uma vez que simplesmente o
rcevoen fcomo F-austo o Helena) das profundezas do tem po.' y Isto já não cabe n?i
■reprodução técnica. (Nesta o belo não tem lugar.) Quando Prolist aeu-sa a insuíi
ciência e is Falta de profundidade das imagens que a mómaiw vohntaire lhe o fere
cc sobre Veneza, diz que diante da palavra "Veneza". sem mais. este repertório dc
imagens lhe aparecera v:v/ío e insípido como umn exposição dc fotografias. Se a
marca das imagens que afloram dc dentro uh mêmoíre invoíomoire se divisa no
lí»o dc possuírem umn aura. 6 preciso dizer que a fotografia tem uma pane deci­
siva no fenômeno da “ decadência Ja aura” O que na daguerreotipia devia ser sen
tido como desumano, dtria mesmo mortal, cra o olhar dirigido (além do mais,
longamente) ao aparelho, enquanto ade acolhe n imagem do homem sem retri
buir-lhc u:n olhar, No eiHanUt. esta implícita nú olhar a expectativa de ser corres
pondido por aquilo u que se oferece. Se tal expectativa (que poete associar-se no
pensamento tanto a um olhar intencional de atenção comP a um olhar no sentido

" A h ! iu lim*. rui#«nuK» rímulua.nunha irmã ou nunli:. capu^ii! tN . iJü.s I i


> {} instante desse rcxuliaiki è rruuvaUu por s«M vez- COfnO iinio*i e irrcpcftvel Nisto sw >. bnseln o esamnwa
çonsu iiiivti lL-i mbra pmusliána caiia um:i J:K dtiuiçífes em que o crímisl n0 tmattlo pria hálito «totempo prr
ilido touiB se fwsr issã mesmo (.ueivntpar.ivel e se destaca d* sgiie Uimi J;as.
SO B R E A L G U N S T E M A S E M B A U D H L A IR E 53

literal <ia palavra), c .saiLsfüita, o o3h.Tr consegue na sua plenitude n experiência da


aura. “ A perceptíhilidade". alírma N avalis, "é uma atenção/' A perceptibilidack
dc que (ala não é outra coisa senão a da aura. À experiência da autu repousa, por
tanto na transfere nem de um ri Ibrma do reação normal na sociedade humana para
a relação do inanimado ou da natureza com o homem. Quem 6 olhado ou sejuiea
olhado Levanta os olhos. Perceber a aura de uma coisa significa dota Ia da capiici
da de de olhar, 1 B Isto è confirmado pelas descobertas da memnire involontaire.
(Estas alias são irrepciíveis: c logen] a Lembrança que tenta úrquivá Ias. Desse
modo apoiam um cone tu10 de aura pelo qual se entende, com ela. a “ aparição irre-
petivel de uma distância", Esta definição Lcm o mérito de fazer transparente t>
caráter cultua! do Fenômeno. O essencialínente distante c inacessível: c a inaccxsí
bilidndc é uma qualidade essencial da imagem dc culto d l inútil sublinhar o quan­
to ProusL penetrou o problema du aura. Contudo, sem pré é digno de nota o fato
dc que cie sempre o trate incidcntaLmenie em conceitos que implicam a teoria:
"'ecríPs pfliantes do mistério querem crer que nos objeLüS permanece algo dos
olhares que o tocaram". (A saber, a capacidade dc eorrcspoudcr-lhesf) “Creem
cies que o* monumentos e os quadros somente se apresentam sob o delicado véu
que ao seu redor teceram o amor e a veneração dc tantos admiradores no decurso
dos séculos. Esta quimera, concluí Proiifct evnftivamcmc. transformar-sc-fa cm ver
dade se des a referissem n única realidade existente para o indivíduo, isto c. ao seu
próprio mundo ssmimcittiil/’ Análoga, nuis orientada em sentido objetivo, c, por
tanto, capitas de levar mais longe, é a descrição da percepção como auráiica, no
sonho. Idita por Vulcry. "QiuiiuÈo dieú: vcji> esla coisa, não pürtlio uma equação
entre mim mesmo e a coisa. . . na sonho, porém, subsiste uma equação. As coisas
que eu vejo me veem como eu is vejo ‘ I! é lipfea da pereqtçãa onírica a natureza
dos templos dos quais *e diz:

t 'dormney passe à rravers des Jorêís de svmboles


Que lobservm t m vc dvS re$a>dsfti/>iiUeis.

Quanto mais liauddaire percebeu isto utmo imtis claramcmc a decadência


du aura inscreveu se na sua poesia, hso ocorreu scib n forma de uma cifra: que gg
taiconira um qu.sfi todas as passagens do Fleurs du mat onde c olhar parte do
olho humano. ÍÉ evidente que Bauddmre jam im a usou dc propósito.) E 0 fato dc
que a expectativa orientada para o o Ehar do homem permanece frustrada Kaude-
laire descreve olhos sobre us quuis se poderia dizer que perderam 4 cupucidâde dc
olhar. Tal propriedade, porém, dola os dc um atrativo de que se nutre Ornamente
e talvez na maior parte a economia dos síuS instintos. Sob o fascínio desses olhos,
o sexo em Bauddairc emancipou se do cros. Se os versos da SolLge Sehnsueht:
"Keirt*! Fffttc macht dicír schwierig'Komm&l gajhtgm und gtihartití ",1 9 são cCHWi

'■Tal douv.n- ijtt. niitlfuiCiál iít [kwüiü-Qu.iuiíJu 0 ncwswai..' uniiiuhsu ,üii isteccu iimjiiruaJn. Jouih Uc-- a
capamlnde iki pncla, craut l". •T1ujs j ■ ■uJluu . ísílí s,- p síj; n.l l^tãncti; 11 ulh»r J j iwI imcjíí] itC3|MOTíldft
innhn l nu sru soilho anaiia ■ ■ xwii. Até m w :is paíir-u.iü pudera tia ri vúu aura 1 Timo esvriwvu IS.nl
Krausr'‘QlKinto mais de perra se olha uma palnvnijanln mais Lnnge cLa nihj"
1 0 MluiIimmiu dutiincí» II- iiit|Vde do vir ViUltuli* I:i>a:jnadu. 1 N . iJjjs T i
S-t B E N JA M T N

derados Como a descrição clássica do amor. impregnado da eeperiêneia da a ura.


dificilmente se podem encontrar* em toda a poesia lírica, versos que se oponham
iníiis decididamente a esses quanto os de Bmsdclaire:

J e i 'ü tlo rç à f e g ú l d ? !a iwjííê n o e f u n t e ,


Q etise ( k { n a t e s s e . v g r a n d e T a c i t a n i e ,
E t r kitm* dautm t pias, hc!k\ que tu tttefitis,
Et que m nu- parais, tmiement tív mes imita.
Pias iiottiqtiemgnt tiviunmkr les ligue*.
Qut sêpavmi mes bras de immeimiâs bleues

Tantcv mais dominador, poder ^ ia duer. e um o.har quunLo mau? profunda


é a ausência de quem olha. contida nesse olhar. t m olhos que se limitam a relkirrv
tal ausência permanece intuiu. exata mente pot isso esses olhos não conhecem
distancia. A sua luenkv i'01 incluída por Baudelaire numa rima engenhosa:

Pforige tes yeitx duns k s yeuxjixes


Des Safyresses ou d i s X i x r s .
SaLiríis c nãiados já não pertencem ú lãmilía dos seres humanos. São seres a
parte. F significativo que BuoJduire tenh.i m tfodurijo na píiesia como regarei
füm iiw r o olhar carregado de distância, Ele que não ctmstil nin família <Icii a pala
viu familiar um contexto carregado de promessa e de renúncia. C aiu cm poder de
olhos sem olliar esc entrega sem ilusões n seu poder.
Tcs i Cu .Ví iilifíò n fês a i n s i q u e d r s h o it t iç u e x
Es íks ifsjiatnboyants dans lesjêtes publiques.
Useut ifisoíeoiniertf rffun pouvoir eoipruiué,

“A estupidez, escreve Bo tutela ire em um de seus primeiros artigos. é náki ram


o ornamenta da hele/n. P graças ti da que os olhos sâo tristes e trnnsparcmes
como os negros charcos* «u tem a calm a oleosa tios pântanos tropicais.“ Se há
uma vida nesses olhos ê a da fera que se põe a salvo do perigo enquanto olha ao
redor ã. busca de presa. Assim a prostituta, enquanto atenta aos transeunte», ao
mesmo tempo se acautela contra eus policiais. BaudcLairc reencontrou o tipo fisio
nômico produzido por esse gênero de vida nos numerosos esboços que G u ys dedi­
cou à prostituía. "Eln passeia o seu olhar pelo horizonte como o animal predador ,
a mesma instabilidade, a mesma distração indolente, mas também, por vestes, :j
mesma atenção in opinada.” É evidente que o olho do habitante das grandes cida
des é literal mente* sobrecarrega do por funções de segurança. Menos evidente é
uma evitrêneia :i que è submetida e da qual fala Simm el: "Aquele que vê sem sen
Etr é muito. . . mais preocupado do que aquele que ouve sem ver. Isto c caracte­
rístico da. . , grande cidade. A s relações reciprocas entre os homens nas grandes
cidades. _ caracterizam se por uma fone prevalência da atividade da visia sobre
a do ouvido. A causa principal desse fato são os coletivos. Antes tio advento dos
ônibus, dos trens e do metrô no século X JX as pessoas nunca sc haviam eneon
irado na condição de dever permanecer minutos, c até horas iruciras* a ofhar-se
sem se tlíri^jr li palavra".
O olhar preocupado com a segurança própria não tem o abandono sonhador
e distante: c pode chegar ao pomo de experimentar uma espécie de prazer na
humilhação desse abandono. Neste sentido, talvez seja bom ler as curiosas afir
maçóes que seguem. No Safou </c 1859 Haudelaire passa em revista os quadros de
paisagem para concluir com esta confissão: "gostaria de voltar aos dioramas. cuja
magia enorme c brutal consegue impor me uma útil ilusão. Prefiro contemplar
qualquer pmto de fundo de teatro onde encontro, expressos artisticamente e em
trágica concentração, os meus sonhos mais caros. Mesmo sendo falsas, essas coi
sas sào infinitamente mais vizinhas, mais próximas do verdadeiro: enquanto a
maior parLe dos nossos paisagistas mente, precisam ente porque descuida de. men
lir", Mais que a "útil ilu são", goítanam os de sublinhar n "concisão trágica' 1 Bau
delaire insiste no fascínio da distância: e chega a julgar o quadro de paisagem ao
mesmo nível que as pinturas dk>s barracões dc fetra. Quererá ver destruído o
eneanLo da distancia como ocorre no espectador que se aproxima demais de um
cenário? bstetema. penetrou em um dos grandes versos de Fleurs iiu mal:

L c phvsir vaporeuxfuira vers 1fiorizon


Aitisi qu une sylpftide aufond de !a coidisse.

12.

F leu rs cht mal ê o último texto de poesia lírica a alcançar ressonância curo
peia: nenhum dos que apareceram depois conseguiu ultrapassar os limites de um
âmbito linguístico mais ou menos restrito. Acrescente sc a isso o Oito de Baudc
laire ter dirigido a sua capacidade criativa quase exclusivamcnte para este único
livro. I enfim nãó se pode negar que alguns de seus temas, de que tratou o pre
sente estudo, torna problemática a própria possibilidade du poesia lírica. Rssa tri
plice constatação define Baudelaire historicamente, Mostra que ele se manteve
solidamente no seu posto: que fui irredutível rui consciência via sua missão. Che­
gou a ponto tle definir como sua finalidade a "criação de um poneff". Nisto via cie
a premissa de qualquer futuro poeta lírico. Tinha em pouquíssima conta todos os
que não sc mostravam a altura dessa exigência. “ O que 6 que bebeis? Caldos de
ambrosia? 0 que e que comeis? Costeletas dc Patos7 Quanto vos dão por unia
lira na casa de penhores?*' Para Baudclaire o poeta com a auréola c antiquado. O
próprio Baudclaire lhe reservou um lugar de figurante num texto em prosa irnitu-
lado i \ r l c daurèvle. O texto só foi publicado mais turde. Ao primeiro exame da
obra póstuma foi descartado como "inadequado para publicação": e até hoje pas
sou despercebido nu literatura buudcluirianu.
Que é que vejo. amigo meu í Você aq u i! Você em um luuur mal a fuma.
d o ! Voei* iiu.? hehe essências e se nutre dc ambrosia ! I siou na verdade estupefato.
— Você hem sabe. meu caro. do medo que tenho de cavalos e de carruagens.
Pouco antes, enquanto atravessava a avenida muito apressado, saltando no barro,
através desse caos móvel cm que a morte chega a galope dc todos os lados ao
mesmo tempo, a auréola num movimento brusco escurrcgaiwnt da cabeça e caiu
no barro do calçamento. Não tive coragem de apanhá-la. Julguci menos desagra
56 B E N JA M IN

dável perder as minhas insígnias do que ter os ossos quebrados. Al em disso, disse
de mim para mim, as desgraças servem para algo. Posso andar por aL como
'incógnito, praticar ações baixas e dedicar-me à glxitonaría como o comum dos
mortais. Aqui estou, como me vê, em tudo semelhante a você! Você deveria,
pelo menos-, por um aviso ou mandar o comissário procura Ia. - Nem pensar
nisso! Esluu muito bem aqui. Só você me reconheceu Além dá mais a dignidade
me abafa. E achu divertido pensar que algum mau poeta haverá de apanhá-lã e
será làü impudeiitc que se enfeitará com d a! Que alegria tornar alg uém feliz! t
sobretudo alguém que me faz rir! Pense em X ou em Z \ Como será eõmiêü!" 0
mes-mo tema encontra se nos diários: mas a conclusão e diversa. O povos sç apres­
sa era apanhar a auréola; mas é acometido pda desagradável sensação de que isso
seria um incidente dc mau augúrio.30
O autor desse esboço não é um jlâneur. Exprimem ironicamente a mesma
experiência que Kau dela ire confia de passagem sem enfeite de qualquer espécie a
um período como este; "Perdu dons ce viiain monde, coudoyé par tes fo u le s.je
suis comme un homme Jassé dom to cií ne voií en arrière, Jaus les artnées profon
des, que désahusemcnr ei ameriume, et. devam íui. qu'un orage oii rim de nçuf
n est com mu, rti citscignement m douíettr Ter sentido os encontro cs da multidão
ê. entre todas as experiências que fizeram da vida de Bcndelaire o que eln foi, a
experiência que d c tem por decisiva c insubstituível. A aparência de uma muhi
dão, viva c movimentada, objeto da contemplação do ftânmr, dissolveu se aos
seus olhos. Pura melhor fixar a sua baixeza, ele tmagina o dia cm que, atê mesmo
as mulheres perdidas, as rejeitadas, hão dc pronunciar-se |xnr uma conduta regu­
lar, condenarão a libertinagem e não admitirão outra coisa senão o dinheiro. Trai
do por cs$cs sçus últimos aliados, Bauddairc lança sc contra a multidão; c o faz
com a cólera impotente de quem se lança contra o vento ou contra a chuva. E is
ai a “vivencia" a que B au d ckire deu o peso dc uma experiência. Ele mostrou o
preço que custa a sensação de modernidade: u dissolução da aura na “ experiên
cia", o choc. Custou-lbí cttro o eru en d i mento com esta dissolução. Mas esta ê .1 lei
da sua poesia que brilha no céu do Segundo Império, como “ um astro sem
atmosfera”.

!0 Não c ímpoisível que n Qca.ai.do ttessçcsboço lenha iidio um choc patogênico. Tanto mais instrutiva é b
tuduboni^àu tòcri ri a que çi incorpora, ,1 obia dc Baudchire.
O NARRADOR*

Observações sobre a obra de Nikolai Leskow**

O narrador — par mais familiar que este nome nos soe — de modo algum
conserva viva, dentro de nós, u plenitude de sua eficácia. Para nós ele já é algo
distante e que ainda continua a se distanciar Apresentar um Leskow como nar­
rador não significa aprovimá-lo de nós — significa, antes, aumentar nossa dis­
tancia em relação a ele. Observados com certo afastamento, os traços fortes c
simples, que constituem o narrador, nele preponderam. Melhor: nele se eviden­
ciam da mesma maneira como, num roehído. pode surgir unia êabeça humana
ou um corpo de animal paru o observador que mantém a distancia certa e o :m
guio dc visão correto. Esta distância e este ângulo nos suu prescritos por uma ex
perieneia que quase lodo dia temos ocasião cic fazer. E la nos diz que a farte de
narrar caminha para o fim. Iorna se cada vez mais raro o encontro com pessoas
que sabem narrar alguma coisa direito. É cada vez mais Frequente espalhar se em
volta o embaraço quando se anuncia o desejo de ouvir uma história, fc como se
uma faculdade, que nos parecia inalienável, a mais garantida entre as coisas se
guras, nos fosse retirada Ou seja: n de trocar experiências.
Uma causa deste Fenômeno é evidente: a experiência caiu na cotação. E a
impressão i dc que prosseguirá na queda interminável, Q u a lq u e r olhada aos jor
riais comprova que ela atingiu novo Limite inferior, que não s'ô a imagem do
mundo externo, mas Lambem a do mundo moral, sofreu da noite para o dui mu
danças que nunca ninguém considerou possíveis. Com a Guerra Mundial come
çou a manifestar-se um processo que desde então não %e deteve, Não se notou, no
fim da guerra, que as pessoas chegavam mudas do campo dc batalha não
mais ricas, mas mais pobres em experiência comunicável? O que dez anos mais
tarde desaguou na marc dc livros de guerra cra tudo, menos experiência que
undfl du bí>ca èiYt boca. I-. isso não cra dc estranhar. Pois nunca as experiências
foram desmentidas mais radicaImentç do que as estratégicas pela guerra de posi
ções, as econômicas pela inflação, as físicas pela batalha dc maicriuL bélico, as
morais peios detentores do poder, Uma geração que ainda Fora à escola dc bonde
puxado d cavalos, ficou üob céu aberto numa paisagem onde nada permanecera
inalterado a não ser as nuvens e, debaixo delas, num campo magnético da corren­
tes e explosões desiruidoras. o minúsculo, frágil coipu humano.

• Tradu/UIrtHe íim £ irí a I .'icemao t J f u r r L t í C m i u r , Suhrlotftp Verlap, h ra rvk tun am IW J


■■ Nkkolwí Lcskw» Eiíis,ceu cm IB3-I nu Província de Orjal e rmirriMi i>m IVicrs-burgo na ano dc 18^5 MotW
cena;. afinidades com Ti.,i, i.> pelos ieus interessais. c cm rd aíào sm c com Doe
toícvski por ma orántuçüu relígJOSa, No cnuinio, juMiamerue aqueles escritos que ckprimcm sua pcrfíçào
douirioãrla básica — as romuflees Ua tnícin provaram ser a pane peredvei dc sua. obra. A imponina»
dc I .Kükmv reside nas narrativas que pertencem a ema fase posterior de sua produção. Desde o Mm da guerra
foram cmprccndidAc vária ' icotalivat fkar.i tornar r-viii*; hiaorias «wihtcidas fll! ãüthllO da língua aLm ã
líL: N j AM 1N

El

A experiência que anda de boca em boca c :i fonte onde beber a m todos os


narradores. L entre os que escreveram histórias, os grandes são aqueles cuja es­
crita menos se distingue do discurso dos inúmeros narradores anônimos, Entre
Chies últimos, aliás, há dois grupos que certamenle se cruzam de maneiras diver­
sas. Só para quem faz idéia de ambos é qu,e a llgura do narrador adquire plena
maiersalidudc. Quando alguém faz uma viagem, entào tem alguma coisa para
cornar, diz a voz dó povo e imagina o narrador como alguém que vem de longe.
M as nâo ó ce»rtt menos prazer que m* ouve aquele que. vivendo honestameme do
seu irabálho. ficou em casa <* conhece as história* e tradições de sua terra Se se
quer pre senti ficar estes dois grupos nos seus represo iiuim.es arcaicos, então um
está çiléárnado no lavrador sedentário e o outro no marinheiro mercante, De fato
os circulos vitais de ambos dc certo modo produziram sua própria linhagem de
narradores. Cada uma delas conserva algumas de suas características ainda em
século* bem posteriores. Assim se destacaram, entre os narradores alemães re
uciues. Hebe! ç C o tth d f na primeira, Rcrdsllcld e Gerstacker na segunda. Mas
de resio traia se, no caso daquelas linhagens — como se disse apenas de tipps
lundamt-muis. A extensão real do âmbito das narrativas, em sua amplitude histó
rica total, nâo pode ser pensada sem u mm- intima intcrpraiarão destes dois tipos
arcaicos. A Idade Media, em particular, alcançou essa interpretação através do
estatuLi» dos artesãos. O mestre sedentário e os aprendiz,es volantes laboravam
juntos nus mesmas oficinas e todo mestre fora aprendiz volante antes de se haver
estabelecido em sua terra ou fora dela, Sc camponeses e homens do mar tinham
sido os velhos mestres d» narração, a condirão dc artífice era sua academia, Nela
se unia o conhecimento do lugar distante, como o traz para casa o homem via
judo. com o conhecimento do passado, da forma como e.sie se oferece de prefe
rência uu sedcníãnu.

Lesfcow está ã vontade tatuo un distância do espaço qumiio rta distancia do


tempo. Pertencia : l Igreja Ortodoxa grega ria verdade como homem dc cuitên
uqó interesse religioso, Mas ufa nm adversário rum menos autêntico dil bit roera
Cia eclesiástica, Uma vez que tampouco ^ dava bem com o funcUmulisiuo leigo,
as posições oficiais em que se odiou não Ibrain duradouras. Hara sua produção
o posto que durante muito tempo manteve, de representante russo dc uma grande
firemt ingleso, foi presumivelmente O uiws útil dc todos. Pm incumbência dessa,
firmo, viajou pela Rússia, e uu- viagens incrementaram seu discernimento do
mundo ltinto quanto seu conhecimento das condiçoes dc vida russas. T cvt opor
lunidude, assim, de o u ra r cm contato com as seiu s do pais. Isso deixou marca
nas suas narrativas. Nas lendas russas hesitou viu aliados para u luta que movia
contra ã burocracia ortodoxa. Dele há uma serie de narrativas lendárias cujo
Centro è representado pclu Justo raramente um usçcia. a maior parte das vezes
O NARRADOR 5y

um homem simples e laborioso, que se torna santo ao que parece da maneira


mais natural do mundo Kxaltação mística não é com Leskow. Por mais que às
vezes se entregue ao miraculoso, ate na devoção ele prefere apegar se ao que é
vigorosamente natural. Vc o exemplo no homem que se arranja na terra sem se
prender a cia de maneira demasiado profunda. Manifestou alilude turrespon
dente na área mundana. Ajusta se bem a ela o fato de ter começado tarde a cs
crever, ou seja, com vinte e nove <mo$- Isso foi depois dc suas viagens de negócio.
Seu primeiro trabalho impresso chamou se Por que os livros em Kiew são caros?
Uma outra série de escritos sobre a classe trabalhadora, sobre a embriague/, so
bre os conselhos policiais, sobre os desempregados no comércio, são os precur­
sores das narrativas.

IV

A orientação para o interesse pratico c um traço característico dc muitos


narradores natos Mais eficaz do que em Leskov pude sc reconhece-Io. por
exemplo, num Gotthelf, que dava conselhos sobre agricultura aos seus campone
ses. c!c c encontrado num Nodier. que se ocupou dos perigos da iluminação a
gás. e um Hchel, que empurrava pequenas instruções de ciência natural pura seus
leitores na Caixinha de Tesouros, figura igualmente nesta série. Tudo aponta
para a relação que isso mantém com qualquer narrativa verdadeira. Clara ou
oculta, d a carrega consigo sua utilidade, I sua pode consistir ora numa lição dc
moral, ura numa indicação prática, ora num ditado ou norma dc vida cm
qualquer caso o narrador é um homem que dá conselhos ao ouvinte. Mas se hoje
'dar conselhos" começa a soar nos ouvidos como algo fora dc moda. a culpa é
da circunstancia dc estar diminuindo a ímediatez da experiência. Por causa disso
não sabemos dar conselhos nem a nós. nem aos outros. () conselho c dc lato me
nos resposta u uma pergunta do que uma proposta que di/ respeito á contínui
d ade de uma história que se desenvolve agora Para recebe lo seria necessário,
primeiro de tudo, saber narrá-la. {Sem levar cm coma que uma pessoa só se abre
n um conselho n.i medida cm que verbaliza suu situação.) O conselho, crilrcte-
çidu nu matéria da vida vivida, c sabedoria. A arte dc narrar tende para o fim
porque o lado épico da verdade, a sabedoria, está agonizando. Mas este ê um
processo que vem dc* longe. Nada seria mais tolo do que querer vislumbrar nele
apenas um "fenômeno <la decadência" muito menos ainda ■ ‘moderno". Hic é
antes uma manifestação secundária dc lorças produtivas históricas seculares que
aos poucos afastou a narrativa do âmbito Jo discurso vivo. ao mesmo tempo que
tornava palpável uma nova beleza naquílu que desaparecia.

0 indicut mais remoto de urn processo em cujo término se situa o declínio


da narrativa é c> advento do romance no inicio da br a Moderna. O que separa o
romance da narrativa (c do gênero épico em seruído mais estrito) é sua depen
uo B H N J A M l,\

dencia e&sencial do livro. \ difusão do romance sõ mj torna possível com a in


vençào da imprensa. A tradição oral. patrimônio da épicn. leni uma natureza di
ferente da que constitui a existência do romance. Ü que distingue o romance Je
todas as Outras formas de criação literária cm prosa o conto dc fadas, a saga.
üll rncbmo a novela — c o fato de nfn >derivar da tradição oral, nem entrar para
ela Mas isso o distingue sobretudo da ação de narrar, O narrador coíhe o que
narra na experiência, própria ou relatada. F. transforma isso outra ve/ em expe
riência dos que- ouvem sua história. O romand slu segregou ^e. O local de nascí
mento do romance c o indivíduo na sua solidão, que já não consegue exprimir se
excmplarmcntc sobre seus interesses fu rida iflííti tais, pois ele mesmo esr.i desorien­
tado e não sahe mais aconselhar. Escrever um romance dignifica levar o iticu
mensurável ao auge na representaçàu da vida humana, Km meio a plenitude da
vida e através da representação de>$a plenitude, u romance dá notícia da pro­
funda desorientação de quem vive. O primeiro grande livro Jo gênero. o Ootn
Quixúte, ensina logo conto n grandeza dc alma. u ousadia, a solicitude de um dos
seres mais nobres — o Dom Quixotc estão totalmcnlc desorientadas ç não
CQíHÉm á míníma centelha de sabedoria. Se no correr dos séculos um:j vez ou ou­
tra sc tentou talvez, com maior consistência nos -tflüâ t/t* Wagetn â t Wtthefm
M e istir impregnar o romance de ensinamentos, essas tentativas resultaram
sempre numa modificação da própria lorma do romance. O romance de forma
ção. ao contrário, nâo se desvia dfi maneira alguma da estrutura básica do ro
rnanec, N íl medida cm que integra a processo social dc vids no desenvolvimento
dc uma personagem, ele oferece a justificação mais frágil que se possa imaginar
as regras que o determinam. Sua legitimação vní :í contrapeio dc sua realidade.
Justuuierttc a carência sc torna aconiedmemü no romance de formação.

VI

|- preciso imaginar que a mutação das forma* épicas sc consumou em rii


mos comparáveis aos da metamorfose que. durante milhares de séculos, a super
ficie Ja terra sofreu Dificilmente formas de comunicação humana sc constitui
ram c sc perderam dc modo mais lento. O romance, cujos primórdios remontam
u Antiguidade, necessitou de centenas dc anos para encontrar na burguesia em
lorcuaçao os elementos que serviram ao suas florescimento, Com o aparecimento
desses elementos a narrativa começou, cm seguida, a retroceder bem devagar
pura o arcaico: na verdade du se apropriem, de várias maneiras, do nnvo con­
teúdo. mas não IVu rculmente determinada por dc. Percebemos, por outro lado,
corno, com o donrinío consolidado da burguesia, surge a imprensa, forma de co
rruintuação que pertence uós seus instrumentos mais Importantes no capitalismo
avançado e que por iruiís distante que sua origem possa recuar no tempo
nunca ante- influenciou a forma épica de modo dcECírninamc. Mas agora da o
faz. c evidencia se que se arUepóe à narrativa de uin jeito não menos estranho,
nuts muito mais ameaçador do que o romance ao qual, de resiü. leva, por sua
vez. a uma crise. H.st;í nova forma de comunicação é a informação.
O NARRADOR

Villemcssant. o fundador do Figaro. caracterizou numa fórmula famosa a


essência da informação. “ Para meus leitores, costumava dizer, um incêndio de
sótão nn Quartier Latin e mais importante do que uma revolução em M a d ri.”
De um bò golpe isso torna claro que o que inaia atrai a audiência, agora.jã não é
a noticia que vem de longe, mas a informação que oferece um ponto de apoio
para o que é mais próximo. Á noLícia que vinha da distância — fosse ela a dis­
tância espacial de terras estranhas ou u icmporal da tradição dispunha de
uma autoridade que lhe conferia validade, mesmo nos casos onde não era suhme
tida a controle. A Informação, porém, coloca a exigência de pronta verificabili
dade. O que nela adquire primazia e o fato de ser “inteligível por si mesma”.
Frequentemente ela não é mais exata do que fora a noticia de séculos precedem
Ics. M as ao passo que esta gostava de recorrer ao milagre, c indispensável a in
formação que soe plausível. Com tsso ela mostra ser imcompatível com o espirito
da narrativa. Sc a arte de narrar rareou, então a dilusâo da informação teve
nesse acontecimento uniu participação decisiva.
Cada manhã nos informa sobre as novidades do universo. Mc» entanto xo
mas pobres cm histórias notáveis Isso ocorre porque não chega alé nós nenhum
fato que já não tenha sido impregnado de explicações. Fm outras palavras: quase
mais nada do que acontece beneficia a narrativa, tudo reverte cm proveito da m
formação. Com efeito, já é metade da arte de narrar, liberar uma história de ex
pli cações y medida que d a ê reproduz ida. Nisso Lesku w c um mestre {pense se
em peças como I í-raude, .1 fea/tí Branca) O extraordinário, o maravilhoso, é
narrado ooni a máxima precisão, mas t> contexto psicológico do acontecimento
não e impingido ao leitor. I lhe facultado interpretar a coisa como d e a entende
e com isso o que é narrado alcança a amplitude de oscilação que falta à in
formação.

V II

I e>k.iw frequentou a escola dos antigos. O primeiro narrador dos gregos foi
Heródolo, No capitulo décimo quarto do terceiro livro de suas Histórias crtcon
tra se uma em que se aprende muita coisa. I la truta de Psumcniia.
Quando o rei dos egípcios. Psamenita. foi batido e preso por Cambixes. rei
dos persas, empenhou-se este cm humilbttr o prisioneiro. Deu ordens para que
Psuntenita fosse colocado junto ã estrada pela qual deveria passar o desfile de
triunfo persa. Além disso determinou que o delido visse sua filha como escrava
dirigindo-se ix fonte com a jarra I nquunto todos os egípcios reclamavam desse
espetáculo, lastimando o. Psamcnua permanecia mudo e imóvel, os olhos prega
dos no chão. ficou igual mente sem se mover quando depois viu seu filho ser k
vado à execução. M as cm seguida. a<» reconhecer um dos seus criados, homem
velho c empobrecido, nas filas de prisioneiros, bateu com os punhos na cabeça e
deu todos os sinais da dor mais profunda,
A partir desta história pode se deduzir o que acontece eom a verdadeira
narrativa. O mérito da informação reduz-sc ao instante cm que era nova. Vive
62 HL NJ AM IN

apenas nesse insiarue. precisa entregar se imeiramenie u ele. e, sem perda de


tempo, comprometer-se com ele Com a narrativa é ditereme: ela não se exaure.
Conserva coesa a sua forca c é capar, d-- desdobramento mesmo depois de pas­
sado muito tempo. Assim. Montaigjic voltou à narrativa do rei dos egípcios e se
indagou; “ Por que ele só se lamenta a vista do criado? Responde: "Um a ve?
que ja estava repleto de dor. bastava o mínimo acréscimo para que ruis sem as
comportas h o que diz Moniaígnc. Mas seria possível também dizer: “ O des­
tino dos seres nnperiais nao u toca. porque c o seu próprio" O u: "Toca-nos no
palco muita coisa que não nos comove na vida: para o rei esse criado é apenas
um ator". Ou: "A grande dor se congestiona, e só se rompe quando diminui ::
tensão. A vista desse criado foi a distensão'’. Heródoto não explica nada Seu
relato é o mais seco po.ssivd. Por isso l-ou história do w lho hgitf) ainda é capaz,
milênios mais lurde. dc provocar espanto c reflexão. Assemelha se aos grãos de
semente que. durante milênios hcrmcticamenic Icchados nas câmaras das pirã
mides, conservaram ate hoje sua força de germinação.

VJII

Não hâ nada que de lorma mais duradoura recomende historias a memória


dn que aquela casta concisão que as subtrai á análise psicológica. H quanto mais
natural o modo pelo qual se dá. para <<narrador, a renúncia ao inaií/amento psi
eológico. tanio maior se torna sua candidatura a um lugar na memória do ou
vinte, tão mais pLnainem e histórias se conformam a experiência pessoal dele.
tanto maior é sua satisfação cm. mais dia menos dia. voltar afinal a conta Ias.
Ksle processo dc assimilação, que se desenrola cm camadas profundas, precisa
de um estudo de dcscontruçào cada ve/ mais raro. Se o sono e o ponto culmi
nanle do relaxamento físico, então o tédio o é da distensão espiritual. 0 tédio c o
pássaro onírico que choca o ovo da experiência- O rumor nu floresta de folhas
aluyema o. Seus ninhos as atividades inúmamente ligadas ao fastio ja
morreram nas cidades, mus também no campo estão cm ruínas. Perde ve com
isso o dom dc escutai e desuparece a comunidade dos que escutam. Narrar liisió
rias é sempre a arte dc as continuar contando e esta se perde quando as histórias
já não sào mui-, relidas Perde-se porque já nào se tcce e fia enquanto cia» são cs
cutadas. Quanto m ais esquecido de si mesmo está quem escuta, tanto mais fundo
sc grava nele a eoLsn escutada. No momento em que o ritmo do trabalho o captu
rou ele escuta as histórias de tal muneira que o dom de ntirrá Ias lhe advêm cs
pOiuancamente. Assim , portanto, está constituída a rede em que se assenta o dom
Je narrar. Hoje cm dia ela sc desfaz em ludus as extremidades, depois de ter sido
atada ha milênios no âmbito das mais antigas formas dc trabalho artc.sunul.

IX

A narrativa, da maneira como prospera lewgumentc no circulo do trabalho


artesanal agrícola, marítimo c depois urbano ê ela própria algo parecido a
O NARRADOR 63

ama forma artesanal de comunicação. Não pretende irun.Miiiiii o puro "erri .si" da
coisa, como uma informação ou um relatório. Mergulha a coisa na vivia de uucivi
reluta, a fim de extrai-la ouira ve/ dela. I. assim que adere á narrativa a marca dc
quem Rilrra. como a tigela de barro a marca das maos do oleiro. A tendência dos
narradores é começarem -.ua historia com uma apresentação das circunstancias
em que eles mesmos tomaram conhecimento daquilo que segue, quando não as
dão pura c simplesmente como experiência pessoal. Leskow inicia A Fraude com
a descrição de uma viagem de trem. da qual ouvm de um companheiro de viagem
os acontecimentos que cm seguida reconta, ou então pensa nu enterro de Dos
toiévski. para onde desloca o contato com :i heroina do um conto Por Ocasião da
Sitnuiu f\reuzer; ou evoca a reunião num clube de leitura cm que >uu discutidos
os sucessos que ele rtos reproduz em Homens Interessantes. AssinVe que. de truil
liplas maneiras, atlura sua marca na coisa narrada — se não como a de quem vt
vencia, pelo menos como a de quem reluta.
Esta arte artesanal. a narração, o próprio Lcskow a sentia, aliás, como um
trabalho de artesão. "A arte de escrever, consta numa de suas cartas, não c para
mim nenhuma arte livre, mas um trabalho de artesão." Não surpreende que ele se
sentisse ligado ao artesanato, m.m permanecesse estranho, por outro lado. a tée
nica industrial. Tolstúi. que deve lei 1ido compreensão por este lato. ocasional
mcnlc toca o nervo do dom narrativo de l.eskove. quando o caracteriza como o
primeiro “que apontou para o que há de insatisfatório no progresso econômico...
I estranho que se leia tanto Dostúiévski... Por outro lado simplesmente nào
compreendo porque l.eskow não ê lido. FIc é um escritor fiel á verdade". Fm Mia
história astuciosa e petulante A Pulga de Aço, que mantém o meio termo entre
saga e farsa, l.cskow enalteceu n artesanato local nas ourivosarias de prata de
Tula. A obra prima destas, a pulga de açu. aparece a Pedro, o Grande, e o ct>n
vence de que os russos n.no precisam envergonhar se pernnis* os ingleses
A imagem espiritual daquela esfera iirtexannl de que procede o narrador tal
vc/. nunca tenha .sido circunscrita de modo tão significativo como vi foi por Paul
Vuléry. Fie tala das coisas acabadas da natureza, das pérolas imaculadas, do*
vinhos plenos e amadurecidos, das criaturas real mente consumadas e as chami
de "obra preciosa de uma longa cadeia de causas que sc aswnielhant umas as ou
iras". A acumulação dessas causas, porém, só encontra seu limite temporal na
plenitude. "Hste procedimento paciente da natureza, continua Paul Valcry. fui
uutrora imitado pelo homem. Miniaturas. cninlhes em marfim elaborados com a
mais alta perfeição, pedras irrepreensíveis no polimento e na cunhagem, trabu
Ihos cm verniz ou pinturas em que superpõe uma série de camadas fimis, transpa­
rentes... todos esses produtos do esforço resistente c abnegado, estão a ponto
de desaparecer, c acabou o tempo em que o (empo nào vinha ao caso. O homem
de hoje não trabalha mais naquilo que nào pode ser abreviado . Na verdade ele
conseguiu abreviar ate a narrativa. Assistimos a formação da sftort story, que fu
giu ã tradição oral e nào permite mais aquela lema superposição de camadas |]
nas c transparentes, que oferece a imagem mais exata da maneira pdu qual a nar
riuiva perfeita emerge Uu esinuificução Je múltiplas renarrações,
&4 B E N JA M IM

Valery conclui sua observação com esta frase: "'É quase como se a atrofia
do pirnsamtnni de eternidade coincidisse com u aversão crescente ao trabalho
prolongado"- A idéia dc eternidade leve rui morte, desde sempre, sua fome mais
fone. Se ela desaparece deduzimos — o rosto da morte deve ter-sc modifl
cada. Verifica se que ene prolongamento é igual ao que reduziu a imediatez da
experiência na medida em que a ar re caminhava para o fim.
Desde há vários séculos pode-se acompanhar a perda cm onipresença e
lorça plástica que c» pensamento de morte sofreu nu consciência comum. fc‘m suas
últimas fases este processo se desenrola cm rimno acéierado. 1- no decorrer do sé­
culo X I X a sociedade burguesa produziu, com ritos higiênicosc sociais, privados
C públicos, um efeito secundário que talvez tenha sido seu objetivo principal, em
bura inconsciente; oferecer às pessoa* a possibilidade dc se furtarem à visão dos
moribundos. Morrer, ouirora um processo publico e al lamente exemplar (pense
■se mis imagens da Idade Media, nas quais n ledo dc morte se metamor fosca va
num trono, de encontro ao qual. através da* portas escancaradas da casa mor
w âria o povo ia-se apinhartdo) - morrer, durante n brtt Moderna. é cada ver
mais repelido do mundo perceptível dos vivos. Antigamenie não havia uma casa.
quase nem um quarto, em que alguém ja não tivesse morrido. (A idade Média
sentia também espacia lmente o que aquelu inscrição nu relógio de sol de Ibiza
torna relevante como sentimento do tempo: Ultima multisj Em espaços que fica
ram purificados de morte os cidadãos hoje suo habitantes enxutos de eternidade
e. quando seu fim :*• aproxima, u|cg suo dispostos pelos herdeiros em sanatórios
ou hospitais. No entanto não c só o saber ou a sabedoria, do homem, mas acima
dc indo sua vida vivida a matéria dc onde surgem as historias que assume
Ibrma transmissível primeiro naquele que morre. Da mesma maneire como no 5n
Liiiu) do homem entra cm movimento, com o correr da vida. uma seqüéncia de
■mugens que consiste nos pontos de vista du própria pessoa, erure os quais
sem %' aperceber ele encontra a st mesmo aos seus gestas e olhares incorpora»
sc Jc repente o inesquecível c transmite, a tudo que lhe disse respeito, a autori­
dade de que ;tté o mais miserável pé de chinelo dispòc diante dos vivos, na hora
dc morrer. INia autoridade está na origem dn narrativa,

XI

A nioric è a sanção dc tudo o que o narrador pude relatar Ele derivou sua
autoridade da morte. Em outras palavras: ela é a história natural a que suas his-
tórias rcmcicm, Isso foi exprimido dc modo exemplar numa das mais belas liistò
rias que ternos do incomparável Jobann Peter HçbeL Está oa Caixinha de Tesou­
ros do Amigo Renmw, chama xc Reencontro Inesperado c começa com o noi­
vado de um jovem que trabalha nas minas dc Falun. Na véspera do casamento a
morté düs mineiros o surpreende no fundo de uma galeria. A noiva permanece
lhe fiel após a morre e vive tempo sullctenre para um d ia já velhinha, reconhecer
O NARRADOR h5

u noivo num cadáver retirado da gaieria perdida, poupado à decomposição peta


impregnação dc vitriolo de ferro. Depois desse recneururo ela também c chamada
peta morte Quando Hebcl. no curso tia narrativa, se viu ante a necessidade de
tornar manifesta a longa série de anos, ele o fez com as seguintes frases: "'Nesse
im erinv a cidade de Lisboa foi destruída por um terremoto, a Guerra dos Sete
A nos terminou, o Imperador Francisco I morreu., a Ordem dos Jesuítas foi nu
primida, d Polônia dividida, a imperatriz Marsa Teresa morreu, Struensec foi
executado, a America tornou se independente e as Torças Francesas c espanholas
reunidas não conseguiram conquistar Gibraltar. Os turcos cercaram o general
Stein na C o va dos Veteranoá na Hungria. O imperador José também morreu. O
rei Gustavo da Suécia conquistou a Finlandia russa, começou n Revolução
Francesa e a longa guerra, e ü imperador Leopoldo I lambem baixou ao túmulo.
NapolcüLc conquistou a Prússia, os ingleses bombardearam Çopcnhaguc. o>
camponeses, semearam e colheram. O moleiro moeu. os ferreiros martelaram, os
mineiros buscaram veios de meud na sua oficina subterrânea, Mas quando os
mineiros dc Falun. no ano dc 1809-." Nunca um narrador ancorou seu relato na
história natural mais fundo do que Hkhel o fez nesta cronologia. I- só lê Ia aten
lamente: a morte aparece em turnos tào regulares como o homem da foice nas
procissões de meio dia no relógio das catedrais.

X II

Ô estudo dc uma determinada forma épica, seja d a qual for, estâ as voltas
com a relação entre forma c a historiografia. Pode se mc mesmo ir adiante in
dagar sc a historiografia nSo rcpreáenla u ponto dc indiferença criadora entre to
das as formas épicas. Nesse caso, a História «scrim se comportaria cm relação ns
formas épicas como a lu/ branca cm relação às cores do espectro. Seja como for,
entre todas as formas da narrativa não há nenhuma cujo aparecimento na luz
pura c incolor da H isto ria escrita esteja mais escoimada dc dúvidas J n que n
crônica, L. nu ampla faixa cromática da crônica graduam sc. como matizes
de uma mesma cor. os modos pelos quais se pode narrar. O cronista é o narrador
da História. Pense-se no trecho citado dc Hehel. que conserva todo o tom da erô
nica, c meça depois. .sem esforço, a diferença que há entre aquele que e.Ycmv
História, o historiador, t aquele que a narra, o cronista. O historiador está obri
^ado a explicar, de uma maneira pu outra, os incidentes de que traia; não pode.
em circunstância alguma, contentar-sc em apresenta tos como peças exemplares
do mundo, M»s é exata meu ie isso que o cronista faz. com ênfase especial nos
seus representantes clássicos, os cronistas da idade Média, precursores dos hisio
riadores modernos. Na medida em que eles subordinavam a historiografia ao
piano divino da salvação, que c impcrscrucável, livravam-sc Jc antemão do peso
da explicação derrtonstrável. Entra Um seu lugar i interpretação, que nada tem a
ver entn «.» encadea mento preciso dos acontecimentos, mas com a maneira de en
quadrá-los no curso insondávcl do universo,
Nãü laz diferença se o andamento Jas coisas do mundo c natural nu condí
w BRNJAM IN

cio na do pela história da salvação, O cronista conservou se no narrador numa


forma me tantorfosettda. por assim di/cr scculíirixadtf. Lntre aqueles cuja obra dá
testemunho desse fato de maneira especial mente clara, está Leskow. Tanto o
cronista, com sua orientação para a história da salvação dos homens, quanto o
narrador, com sua orientação profana, têm nestit obra uma participação de cal
ordem, que em muitas lIl suas narrativas mal dá par a decidir se cias emergem na
trama dourada da intuição religiosa do mundo ou na tela colorida de uma visão
mundana das coisas. Pense se em 1 AiexuHtlriía* que transporta o leitor "pura
aqueles tempos cm que as pedras no sêio da terra e os planetas nas alturas do ceu
ainda se preocupavam com o destino dos homens — não como hoje cm dia.
quando, tanto nos céus como na terra, tudo ficou indiferente uo seu destino e ne
nhuma vo/ mais lhes fala ou obediência se lhes presLu de parte alguma. Nos ho
róseopos os planetas não descobertos já não desempenham papel algum c existe
uma grande quantidade dc petlrsis novas, todas chis medidas c pesadas, referidas
ao seu peso específico c á sua densidade. mus elas não nos anunciam mais nada.
nem nos tfà/ern qualquer benefício. Passou o tempo em que elas Calavam cum os
homens". Como se vê. c quase impossível caracterizar com nitidez o curso do
rmimlo, da maneira como de v ilustrado nesta história de Lcskmv. F.stii ddimdo
pela hislúriu da salvação ou pela historia natural dos homens? Certo c apenas o
fato dc que. enquanto curso do mundo, permanece fora dc todas as cnieporius
propriamente históricas, A epoe;i cm que o homem pndiu acreditar e em sjiuo
nia com a natureza, di/ Leskmv. acabou. Scíliller chamou ew;i época do mundo
dc época da poesia ingênua. 0 narrador mantêm se liei a elu e seu olhar não se
desvia do mostrador de relógio diante do qual se move a procissão de criaturas,
onde. conforme o caso, a morte ocupa o lugar dc chefe tia fitii tut dc miserável re­
tardatário.

X III

Kants vez.es dà se conta Jc que a relação ingênua entre ouvinte e narrador ç


iluminada pelo imeres.se .-m reter a coisa narrada. O ponto dinve para o ouvinte
desarmado é garantir a possibilidade da reprodução. A memória é a capacidade
épica por excelência. Só graças» a uma memória abrangente pode a épica, por um
lado, apropriar-se do curso das coisas e. por nutro, fazer as pazes com o desapa
reçimcmo delas com o poder da morte, Não é dc admirar que, para um ho
mem simples do povo. corno I.eskou o imaginou, o c/.ar. senhor do universo
onde acontecem suas histórias, disponha da memória mais englobame. **>Josso
imperador e toda ma família é tssim que ali consta - tém de tato uma me
tnória espantosa.”
M ncm osinj, A que se Recorda. c r;t entre os grettos a musa do venero épico.
Kstc nome dirige «> observador Je vnUii .1 um divisor Je earmnhn.s h.i história do
mundo. Se aquilo que c rei: listrado pela lembrança. a hisLoriografis repre
senta o pomo dc indiferença criadora das várias, formas épicas leomo a grande
prosa representa a matriz criadora dos vários metros do verso), então sua forrou
mais antiga — a epopéia — engloba, gradas a uma espécie de denominador co
mum. a narrativa e n romance. Quando depois, no decorrer dos séculos, o m
mancecomeçou a desgarrar se do seio de epopéia, veríficou-se que nele a musa
inspiradora do épico, ou seja: a lembrança, se manifestava numa 1'orma total
mente diferente do que m narrativa.
A lembrança instituiu a corrente da tradição que lúirtsmiic n acontecido de
geração a geração. Fia é a musa da épica em sentido lato. Abarca o conjunto das
3'ormas singulares do épico inspiradas por ela. fcntrc estas figura, cm primeiro lu
j:ar. u que o narrador euourn^. Ma funda a rede que todas as lu stórias interliga
das formam no final. Uma historia emenda na outra, como os grandes narrado
rc.s. sobretudo os oricjiiui.s. tinham güstn em mostrar. Fm cada um deles vive
uma Scheheraiíade, a quem em qualquer ponto de suas histórias» ocorre uma
nova. F ila memória é épica o .elemento de musa que impele a narrativa. H ne­
cessário no entanto, contrapor lhe um outro principio, que. cm sentido cssrilo. é
do igual natureza: aquele que, nos pfimíirdios do romance, isto é. mi epopéia,
permanece oculto, vaie di/er: ainda amarrado á musa da narrai iva. I>e qualquer
forma, ele pode -.cr ocasióflídmeme pressentido nas epopéia?,, H o que se dá so­
bretudo cm partes solenes das epopéias homertemu tais como a.s tmocaçoes as
m usas nu seu sníciu. 0 que se anuncia rtedes lredn>s é u memória pcm n/anic do
romancista em opomçàó a mCtnóna de esnníUnimcrdo do narrador, A primeira é
consagrada a uní liemt. a uma odisséia, a uma luta: a segunda, a muitos acome
cimento* dispersos. Lm outras palavras.. é a rcçtiwtação que. enquanto musa do
romance, se alia à memória, musa. da narrativa depois que. com a decadência
da epopéqu j unidade de sua origem na lembrança se rompeu,

X IV

"Ninguém di? Pascal morre láo pobre que não deixe alguma coi ,.i
i certo que deixa também recortl ações só que esia.s nem sempre encontram
um herdeiro. 0 romancista entra na posse dessa herança, c c raro que o faça sem
profunda melancolia, Pois aquilo que num romance de -\rnold Iknnctt se div. Jc
uma morta “ela não havia aproveitado nuda da verdadeira vida " vaie para
o total de herança que o romancista assume, 'sobre este lado da questão devemos
o esclurceirnunto mais importante a Ocurg Lukacs. que viu no romance "a forma
do desterro irnnsççndírUflr \o mesmo tempo o romance c, segundo Lukqçs, a
única forma que incorpora o lempo na série dc seus princípios consntuiivos. 'O
tempo eonsoí na ‘Teoria do Romance' mi pode ser constitutivo cüs,*u-u a
vinculação com a pàiriâ transcendental Só no romance separam se sentido c
vida, e an u isso o csscnci.il v o temporal: pode ,se quase drzer que toda li uçào m-
terna do romance não é ouiru coisa senão a luta contra o poder do tempo.. 1
dclu... emergem as legitimas vivências épicas do tempo: a esperança e n recorda
çào... Só no romance ocorre uma recordação criadora que acerta c mctamorlo
scia t) sibjeto... A dualidade dc mundo interno e externo podo .ser superada pelo
sujeito ‘só’ se ele vislumbra a unidade de sua vida inteira... no fluxo da virin pus
(A BUNJ AM IN

iXsdii e concentrada na lem brança ... A percepçiio qu-e apreende csla unidade...
torna se a apreensão iniuiLivo-divinatória do sentido inalcançado e por isso indi
zível da vi.fdá/*
O “ sen (ido da v ida" c. nu verdade. o centre em tòrno do qual n romance se
move. Ma?» a pergunta qne m faz sobre ele não é outra coisa senão a expressão
inaugural da desorientação com que seu leitor se vê inLroduíddo nesta vida es­
crita. Aqui “sentido du vida" alí “ mural da hisLÕriá” : corrí estas senhas con-
irapòcm se romance e narrativa, c nelas pode-se ler o csunulv histórico lotai-
mente distinto destas formas artísticas. Se n modelo perfeito mais remoto (3o
romance c o Dom Quixate, talvez o mais. recente seja a Hducatiwj Sfniimv-nrale.
Nus últimas palavras desti romance scdlmCmou-sc. como fermento no caltce da
vtda. t> sentido que. nn inicio da decadência da era burguesa, corria ao encontro
de acus ales c cimissóes. F rc d m c c Dcslauriers. amigos de juventude. relembram
sua amizade naquele tempo. Ocorrera então urn pequeno episódio: um dia. furti
va mente c com medo, cies se apresentaram no prostíbulo dc sua cidade natal, não
fazendo outra coisa senão oferecer k pairortnc um buquê de dores que haviam co­
lhido no jardim. "Três anos depois ainda se falava nessa história, h agora eles
continuavam a contá-la entre m. uiti completando a memória dn outro. 'Talvez
isso tenha sido a coisa mu is bela de nossa vida', disse l :rédcric*, quando termina
ratn. ‘Sim. é poxxivd que você tenha razfio‘, disse D csku ricrs. hnlve? isso tenha
aido a coisa mais bela de nossa vidaV" Cum esse reconhecimento o romance
chega ao fim um fim que lhe é adequado em sentido mais estrito do que a
qualquer narrativa. N h realidade não hã narrativa nltpima cm que a pergunta:
eomo continuou1.1 pudesse perder o seu direi Ui. O romance* ao contrário, nâo
pode alimentar a esperança de dar o mínimo passo nlcm daquele limite em que.
convidaiído o leitor n capou iniuiitvMinemc o scmidii tia vida. convida o também
a escrever um ‘T in is " embaixo da última página.

XV

Quem ouve uma história esta na companhia Jo narrador: mesmo quem lê.
participa dessa companhia. Mas o leitor de um romance ó solitário. Htc o c mais
dn que quukiucr nutro leiior. (Pois a lê quem lê um poema está disposto a dar voz
ás palavras para um ouvinte.) I m sua solidão o leitor de romance se- apodera da
matéria deste com mais fervor do que qualquer outro, hsiã pronto a apropriar se
integral mente ddc de certa forma a engolí Io. Sim : de aniquila, devora o as­
sunto como o fogo devora a lenha na (sreirm A tensão que atra vo -..i o romance
sc usscmellu ú corrente de ar que anima a chama c dá vida ao seu jogo na lareira.
0 material de que se alimenta o interesse candciue do leitor e sl-c o - - O
qqe quer dizqr issoê “ Um lioniun que morre aos trinta e einco anos — disse
cena vez. Moritz Meimann ê em qualquer momento de sua vida um homem
que morre aos trinta e cinco anos.” Nada mai-s discutível do que esta frase. Uni
eameme porque se equivoca nu tempo do verbo. Um homem que morrer: aos
trinta e cinco anos assim diz a verdade a que aqut se refere aparecerá à
o NARRADOR

lembrança, ura qualquer momento de >ua vida. como um homem que morre aos
trinta e cinco anos. Km outras palavras: a frase, que não dá sentido ã vida rea],
torna se incontestável para a vida recordada. Não .se pode representar melhor a
essência do personagem dc romance do que naquilo que acontece nesta frase. Ela
di7 que "o sentido" de sua vida so se manifesta a partir de sua morte. Contudo, o
leitor dc romance procura realmerue homens ern que ->e possa ler o “ sentido da
vida”. Consequentemente precisa, de uma maneira ou outra, estar dc antemão
certo de que participa de sua morte, hm caso de necessidade apela para a morte
figurada: o fim do romance, M as a morte reai c melhor. De que modo cies lhe
dão ciência de que a morte já os espera uma morte bem definida, num lugar
bem definido? E essa pergunta que nutre o interesse voraz do leitor pela suçâo
do romance.
Portanto, o romance não tem significado porque representa, talvez de ma
neira instrutiva, um destino estranho, mas porque esse destino estranho, graças ü
chama pela qual ê devorado, nos transmite um calor que nunca podemos obter
do nosso. O que arrosta o leitor paro o romance é a esperança dc aquecer sua
vida enregelüda numa morte que ele vivência através da leitura

XV I

" L e sk o * — escreve Gorki é o escritor de raizes mais profundas no


povo, imune a qualquer influência estranho.“ O grande narrador se enraizara
sempre no povo. antes dc mais nada nas suas camadas artesanais. Mas como cs
ta* compreendem as camadas rurais, marítimas c ur.banas nos vários estágios do
seu grau dc desenvolvimento econômico e técnico, multiplicam sc os conceitos
em que ve sedimenta para nós o acervo de sua experiência. (Sem mencionar a
participação nada desprezível que os mercadores terrt na arte de narrar; menos
que aumentar seu conteúdo informativo, des tiveram de refinar as manhas desti
nadas a prender a atenção do ouvinte. No ciclo dc histórias das M il e Orna >\'ot
U‘S eles deixaram uma marea profunda.) Km suma: «cm prejjnim do papel ele
rneniar que a narrativa desempenha na economia da humanidade, são extrema
mente variados os conceitos em que se recolhe o produto das narrativas. O que
em Leskow se deve captar da maneira mais a mão possivel como religioso, pa
recc enquadrar-se em llebel como que espontaneamente nas perspectivas
pedagógicas do Iluminismo. manifesta sc cm Poe como tradição hermética, en­
contra em kipling o último refugio no âmbito vital de marinheiros e soldados co
loníais britânicos. Dai ser comum a iodos os narradores a despreocupação com
que sobem e descem os degraus de sua experiência, como se se tratasse de uma
escuda. Uma escada que alcança o interior da terra e sc perde rtas nuvens c a
imagem de uma experiência coletiv a para a qual mesmo o choque mais profundo
dc tudo indivíduo, a m ont. não representa impedimento ou barreira.
" E se nno morreram, vivem felizes até hoje", di/. o conto de fadas. O como
de-ladas, que atrtda hoje c o primeiro conselheiro das crianças, porque loi ou
trora o primeiro da humanidade, permanece vivo, em segredo, na narrativa. O
70 B E N JA M IM

primeiro narrador verdadeiro é e continua sendo o dos contos de fadas, Onde era
difícil obter o bom conselho, o conto de fadas sabia dá-lo, e onde a aflição se
mostrava extrema, mais próxima estava sua ajuda. A aflição vinha do mito O
conto de -fadas dá nos noticia dos ritos mais and aos que a humanidade insLiiuiu.
para espantar o pesadelo que o mito depositara no seu peito. Mostra-nt>s. na fí
glifa. ílo bobo. como a humanidade se faz de boba diante do mito: mostra-nos. na
iip ura. do irraào mais moço, como aumentam suas chances com a distância em
relação ao tempo mítico primitivo, mostra-nos, na figura daquele que parte par:i
aprender o temor, que as coisas de que ternos medo são transparentes: mostra
nos. na lisura do inteligente. que as perguntas que o mito faz são simplórias
como a pergunta du Esfinge: mostra-nos. na figura dos animais que socorrem a
criunça do conto de-fadas, que a natureza ruvo está obrigada apenas cm relação
oo mito. mas prefere reunir se em torno do homem. O mais aconselhável - os
sim o conto-dc fadas ensinou h;í tempos ã humanidade, c assim ainda hoje ensina
ás crianças — e enfrentar os poderes do mundo mítico com astúcia e superiori
dáde. [Dçssa forma o ccntode-fadas polariza n coragem (Mut), ou seja, dialeti
camentc: na consciência de pouca coragem (UntermuO, isto c. na asiticia. e na
petulância (Ubermur). A magia liberador a de que dispõe o conto de fadas nao
põe cm jogo, de rmido miticp. a miturexa. mas aponta para sua cumplicidade
com o homem liberado. 0 homem maduro .só sentí essa cumplicidade de vez cm
quando, ou sejá: na felicidade: mas ela aparece primeiro ã criança no conto de
fadas», v a faz feliz.)

X V II

Poucos narradores mostraram afinidade lão profunda com o espirito do


conto de látfas como l.eskow. No caso, traia se de tendendas estimuladas, pelo
corpo de dogmas da Igreja Católica grega, Com o se sabe. desempenha papel rc
levanta nesses dogmas n especulação de Origenes sobre a upwcutâstasc a acl
mtesáo de iodas as almas ao paraíso, repudiada pela Igreja de Roma, l.eskow foi
muito influenciado por Origenc*,. Pretendia traduzir sua obra "Sobre os bunda
ntemos P rim itivos' Acompanhando a crença popular russa, ele interpretava a
ressurreição menos como transfiguração (nuni sentido aparentado ao çonitvde-
fada.vb do que como descncarnamento Fsva irucrpreuçiio de Origenes lasircia o
Pwaftrino litiçmtodQ* Aqui como uni muiLas nutras hislõrias de t.esknw trata-se
de um sei misto, situado entre o como de fadas c a lenda, serndhíime àquele hi
bráde» de como de fadas e saga de que fala hrnst Bloch num contexto cm que. à
sua maneira, de se apropria dü nus ia distinção entre o mi tu u conto de-fadas.
I m “ ser intermediário entre o aomo de ladas e a sagu, dí* se uiq ó algo impro
priamente mitico - ü mi tico que funciona Je modo ubsolutameme encuntaiôrío
e estático c que apesar disso, nào esia situado lora do homem. Nesse 'íi ilido são
'míticas' na saga as figuras racistas, sobretudo as muito antigas, Como. por
exemplo, Filòmon e Baucis: saídas do conto-de-fadas, embora instaladas nu na
Uire7:í b CSSa relação ccrLíimenre existe no Tao de prupprçòcs bem menores de
G o tilicif; dc tempos em tempos ctíi retira o espaço ao feitiço salva a luz da vida
O N ARRADOR 71

— a luz da vida que e própria ao homem e que arde tranquila, tanto demro
coma fora"
"Saídas dc um conto-de-fadas’ são hs criaturas que ostentam o iruço das
criações de Leskow ; os Justos. Pawlin, F igura. o peruqueiro. o vigsa do:-, ursos, o
scniinela solicito todos os que encarnam a sabedoria, a bondade, o consolo do
mundo, envolvem o narrador. É inconfundível que estão peneirados pela imago
da mãe de Leskow "F-da era tào bondosa — assim ele a retrata — que era inen
paz de causar .sofrimento a quem quer que fosse, até mesmo aos animais. Não
comia carne nem peixes porque tinhn a maior compaixão pelos seres vivos. Meu
pai costumava ás vezes censurá-la por issn. Mas ela respondia: Fu mesma criei
os bichinhos, paru nmn é como se fossem meus filhos. Nào posso comer meus
próprios filhosf Mesmo na casa dos vizinhos ela não comia carne. Fu os vi Vivos,
dizia, são meus conhecidos. Nã<> posso comer meus conhecidos."
O Justo é o defensor da criatura e. simultaneamente, sua encarnação mais
alia. Fim Leskow cie lem um vinco materno que as vezes se intensifica aié o mí­
tico (c com isso cerittmcme ameaça sua pureza de como de fadas), fc. tipicu. nesse
sentido, a figura principal da narrativa "koiin. ama-homem. e Plaionida" lista
figura central, um camponês. Pisonski. ê licrinafrodita. Durante doze anos a mãe
o criou corno menina. Sua parte masculina se desenvolve ao mesmo tcnvpo que a
feminina e seu hermafroditismo “ se toma símbolo do homem deus"
Leskow vê. com isso, alcançado o ápice da criatura, ao mesmo tempo que
lançada a ponte entre n mundo terreno e extralerreno Pois estas figuras terrena
mente poderosas c maternais de Itomcns que coniinuamcnte se apoderam da arte
dc fabulaÇao dc Leskow, foram retirada* a tutela do impulso sexual no apogeu de
sua força. Mas nem por isso elas encarnam propriamente um ideal ascético: a
continência destes Justos terrt antes, um caráter dc privação tua reduzida que etc
se transforma no pólo oposlo elementar d:t sexualidade sem freios que o narrador
eorporifica na Lady Macbeih de Mencz. St a distância entre uma Pawlinc esta
mulher de comerciante serve paru medir a amplitude do mundo das criaturas,
nào e menos verdadeiro que Leskow sondou, na hierarquia delas, a sua profundi
d ade.

X V III

A hierarquia do mundo das criaturas, que no Justo atinge seu pomo mais
elevado, desce por múltiplos degraus ao abismo do inanimado Aqui e preciso
lembrar umu circunstância especial. Tixlo esse mundo dc criaturas manifesta sc
para Leskow não só na voz humana, mas lamhcm naquilo que. dc acordo com o
titulo de uma de suas narrativas mais significativas, se poderia chamar dc ” vo?
da natureza . A narrativa traia do pequeno funcionário Felipe Fcltpuviich, que
aciona todos os mei<v possíveis para poder receber em sua casa, como hóspede,
um marcchul-de-campo que passa pela ciduüczinhu no curso de uma viagem, t
consegue. O hóspede, que a pnncípio tica admirado com o convite insistente do
funcionário, com o tempo acredita reconhecer nele alguém que havia conhecido
ames. Mas quent'.’ Nào consegue Icmbrur-sc. O curioso é que o anfitrião, por seu
FJLM AM IN

lado, não vsuí di&posLO a ktentinear-se. Ao invcs disso, iodos os dias ele da a alia
personalidade a esperança dc que a "voa du natureza" nào deixará de lhes falar*
um dia. de modo perceptível. Isso continua assim até qnc. finalimente, pouco an-
re.s dc prosseguir viagem. o marechal tem dc conceder ao dono da casa permissão
pLiHlicamcnlc solicitada por este — para que a "voz da natureza" ressoe.
Logo a seguir a mulher do anfitrião se afasta, Ria "voltou com uma grande
trompa de cobre, bem polida, e entregou a ao marido. liste pegou a irompa, colo­
cou íi nus lábios e. no mesmn instante, ficou comí» que transfigurado. Mal havia
inflado as bochechas e produzido um som possante como o rolar de trovão, o
marechal dc campo bradou: Pare. agora eu sei. irmão, eu o estou reconhecendo.
Você é cr músico do regimento de caçadores que. por causa de sua honestidade,
eu mandei fiscalizar üm funcionário vdhajg® da intendcncia. Ê verdade, FtxCc
IcnckL. respondeu o anfitrião, bu não queria Icmbrá-ln pessoalmente disso, mas
sim deixar que a vo* da natureza' falasse". O modo pelo qual o sentido profundo
desta história fica escondido atras de suu parvo ice dá uma idéia tio humor excep­
cional de L.tískow.
liste humor confirma sc. na mesma história, dc um modo ainda mais rc
euado. Tínhamos escutado que o pequeno funcionário fora incumbido, "por
causa dc 1,1)\i honestidade. dc fiscalizar um fuiiciimãrin velhaco da intendência"
L. assim que esta no final na cena do reconhecimento Mas logo no começo da
história ouvimos o seguinte a respeito dt> anfitrião: "Todos os moradores do lu
: ar conheciam o homem e sabiam que cie não ocupava nenhum pçyLo elevado,
pois nào era netn funcionário do h. stado rtem militar, mas um in&petnrzinho da
pequena repartição dc viveres, onde rota com os ratos as bolachas e as solas das
botas estatais, tendo com o tempo chegado a roer uma bela casinha dc madeira".
Com o sc w . evidencia se nesta história a tradicional simpatia que o narrador
alimenta por malandros e mandriões, Tpda a literatura burlesca chi testemunho
disso. Bla nào e negada nem mesmo nas alturãv d;i arte: acompanharam um Hc
hct. da maneira mais fict, entre todos os personagens que d c criou, o moleira de
Rrassenheim. p Zundclfried. e Dtctcr, c Vermelho. E no emamo. também para
Hebel, o Justo tern o papel principal no ih e a im m m itfitfi. Mas pelo fatn de nc
nhmri csirii á sua ukura. ele passa de um para nutro. Ora é o vagabundo, ura o
judeu usuráno, ora t> tapado que entra em cena para excetuar esse papel. Lm
cada um desses casos trata-se sempre dc uma represenLaçào cm palco diferente
uma improvisação moral, Hebel é Casuisia. Por preço algum se solidariza com
um princípio qualquer, mas também não rejeita nenhum deles, pais iodos podem
um diâ ser instrumento do Jusio. Compare sc isso com a aulude dc Leshow, ‘vEs
toa consciente - escreve Cie na história P o r O c a s iã o d a S o n a ta K re u c ú r — dc
que m eus raciocínios se fundam muito mais unmy concepção prâcíeá da vida do
que num a filosofia abstrata ou m im a moral elevad a, mas nem por ík *o crio u ha
biUiado a pensar com» ajo." A lias, as catástrofes morais do mundo leskowiano
Com portam sc. cm relação aos. incidentes morais do mundo dc Hebel. com» as
grandes correnie/ys silenciosas do Volga em relação ao riacho dc moinho que
fica pairando enquanto sc precipita. I lá, entre as narrativas históricas de Leskow,
várias onde a paixão lavra tão avassaladora quanto a cólera dc Aquiles ou o ódio
O NARRADOR 73

dc Hagen. L espantoso como o inundo pode anuviar-se tanto neste autor: e es:-
pauto s a a majestade w m que o mal pode nele levantar o seu ceiro. Leskow viví
ve 1 mente conheceu estados de ânimo em que enleve próximo a uma ética aníino-
micu — c este podería. ser um dos poucos traços que o colocam em contato com
Df>$túiév«ki. As naturezas elementares de suas Narrativas dos Tempos Passado*
vão ao extremo na sua paixão descontrolada. Mas justamente para os mistieíw é
que este extremo aparecia de preferência como o ponto em que a vilesíá
mada se transforma cm santidade.

X IX

Quanto mais Lesfcow sc aprofunda na escala das c r ia t u r a tanto mais evi


dente se torna a proximidade entre o seu modo de ver -e a visão mística. Muita
coisa, aliás - donrm depois se mostrará — indica que aqui também se modela
um traço que existe na natureza cki próprio narrador Evidente mente só poucos
ousaram descer às profundezas da natureza inanimada, e na literatura narrativa
moderna não há muita coisa onde a v o a do narrador anônimo, que precxisíiu 3
qualquer escrita. eCOC de maneira tão perceptível como na ilislóriu dc Lcaküvv ,4
Afaxarufrila. Ela truta de uma pedra, o pi ropo. A camada da pedra é a mais baixa
na estala das criaturas. Para o narrador, no entanto, ela está imedtatamenie li
gada à muts alta, Ê lhe dado distinguir nesta pedra semipreciosa. o pirupo. uma
profecia natural da nnuiry/.n petrificada, inanimídu. em rdrtçàc no mundo histó
rico. no qual d c mesmo vive. Este mundo é o dc Alexandre II, Q narrador - - ou,
antes, o homem 0 quem d c atribui seu próprio saber é um lapidtirio de nome
W c iu d . que no seu oficio o elevou a mais memorável das artes, Pode se colocá-
lo ao ludo das ourivesarias de prata dc lu la e dl /cr que no semido dc t.cskow
— u artesão perfeito tem acesso no mais recôndito recinto do reino das criaturas.
Ele é uma encarnação do devoto. A >eu respeito Ic sc o segui mie: “ Ele apertou de
repente minha mão, cm que estava o anel dc Alcxandrira, pedra que. como sc
*abc. errute chispas vermelhas à luz artificial, c gritou: 'Veja. aqui esta cia. a pro­
fética pedra r u s s a ô siheriam» astucioso! E la sempre foi verde como a espe­
rança e sò no anoitecer o sangue a inundava. Desde a origem do mundo ela foi
assim, mas escondeu-se por mu.iio tempo jazendo oculta na terra, e só permitiu
que fosse encontrada no dia da declaração de maioridade do czar Alexandre,
quando um grande mágico chegou à Sibéria para descobri-la. a pedra../ ‘Que to­
lice é essa que está dizendo’, interrompí o. ‘nenhum mágico encontrou esta pc
dra. foi um sábio chamado Norden.skio]d V 'Em um mágien, eu lhe digo — um
mágico !\ bradou W í i i a c I cm vu r bem alta, 'Veja só que pedra! Ilú nela uniu
manhã verde e um rmoiieccr de sangue... b este o destino o destino do nobre
czar Alexandre!" Com estas palavras voltou-se o velho W u u c l para a parede,
apoiou a cabeça sobre £>s cotovelos e.~ começou a soluçar’".
É impossível chegar m ais perto do sentido desta importante narrativa do
que através de algumas palavras escritas por Pnu! Vulcry cm contextos muito dí-
refêrertes, “ A observação artística", d ir. a cie ao examinar u ma artista cuja obra cc?n
74 BKNJAM IN

ms I c de bordados figurativos em seda, “ pode atingir uma profundidade quase


mistica. O s objetos sobre us quais eia incide perdem o nome. Sombra e claridade
formam sistemas muito especiais, colocam perguntas bem próprias que não estão
vinculadas a nenhuma ciência, nem derivam de alguma prática* mas adquirem
existência e valor exclusiva meme a partir de certos acordes que se estabelecem
entre alma. olho e mão de alguém que nasceu pura concebê-los e desencadea los
no próprio intimo." Alma., olho e mão estão referidas, nestas palavras, a um
mesmo Contexto. Agindo umas sobre í i s outras, elas definem uma prática* que já
não nos é familiar. O papd da mão na produção tornou se mais modesto e o lu
gar que preenchia no ato de narrar ficou vazio. (Pelo lado sensorial. narrar nâo 6.
de forma alguma* apenas obra da voz No autentico ato de narrar intervém u ati­
vidade da mão que. com os gestos aprendidos no trabalho* apoia de cem manei
ras diferentes aquilo que se pronuncia.! Aquela velha coordenação de alma. olho
e mão. que aparece nas palavras de V alcry. é a coordenação ariesanal que éncon
tramos no habitat da arte de narrar. Pode se até dar um. passo adiante c pergun
t a i: a relação que o narrador mantem com sua matéria, a vida humana, não c ela
própria uma relação ariesanal? Sua tarda não consiste justamente cm trabalhar
de maneira solida, útil e única* a matéria das expcriériems próprias ou
alheias? Trata se de um modo de elaboração de que o provérbio dá a melhor
idéia, quando c entendido corno - ideograma de umu narrativa. Provérbios, as
Sim se podaria dizer, são ruínas que estão no lugar de velhas histórias: nelas se
enrosea. ao redor do gesto, uma moral como a hera nos muros.
Visto desse ângulo, o narrador entrn nu caiugmia dos professores u dos sã
bios. Rlç dá conselho nào como 0 provérbio: para alguns casos mas como
o sábio: para muitos, Pois lhe é dado recorrer a ioda uma vida. (Uma vida* aliás,
que abarca nâo só a própria experiência, mas também u dos outros Àquilo que é
mais próprio do narrador acrescenta se também o que d e aprendeu ouvindo, i
Seu talento consiste em saber narrar sua vida: sua dignidade em narrá-la intuira,
O narrador é o homem que pode ri:: deixai a media dc sua vida consumir se ínte
gralmente no fogo brando de sua narrativa. Reside nisso n incomparável estado
de animo que cnvohc o narrador, tanto em Lçskow quanto em HaulT, tanto em
Poe quanto çni Stevenson. 0 narrador é u forma cm que o Justo encontra n si
mesmo.
O S U R R E A L IS M O *

O ntais recente instantâneo da inteligência européia

Correntes espirituais podem alcançar quedas suficientemcnte abruptas para


permitirem ao critico estabelecer a sua "casa dc força1'. T a is quedas propor­
cionam a diferença de nível existente entre a França e a Alemanha no tocante ao
surrealismo, Ê possível que aquilo que nasceu no ano de I9 I9 na França, no cír
culo dc alguns literatos — e vamos d a r já aqui os nomes mais significativos:
André Brcíon. Lotus Aragon. Philippe Soupault. Robert Desnos, Paul Eluard
não tenha sido mais que uru ribeirinho estreito, alimentado pdo tédio úmido da
Europa do pós-guerra e os últimos regatos da decadência francesa, O s pseudo-sá­
bios. que ainda Hoje não ultrapassam os "princípios autênticos^ do movimento e
que, mesmo hoie, nada sabem expressar senão a sua opinião de que aqui ainda
uma vez uma ‘Sgrejiflha" de literatos se empenha em mistificar a honrada opinião
pública, assemdham-se um pouco aquela reunião de peritos, que numa fonte che­
gam, após madura reflexão, n convencer se dc que essa pequena nascente jam ais
terá forças para impelir turbinas.
O observador alemão nào se encontra junto à fome, f c esta a sua oportuni
dade. Encontra se no vale c pode avaliar as energias do movimento. Sendo ate
mão. está há muito acostumado ú crise da inteligência, ou melhor, do conceito
humanista da liberdade, t sabe que vontade frenética ela originou, no sentido de
desvencilhar se do estágio das eternas discussões. para chegar à decisão a qual
quer preço. Fie experimentou na própria carne a sua posição extremamente expôs
ta entre subordinação anarquista c disciplina revolucionária, c por isso mesino
nfio há perdão se ele considerar, baseado na aparência mais superficial. O movi
mento como "artístico" e "poético” Mesmo que assim tenha sido no principio, já
declarara Breton que pretendia romper uma prática, que apresentava :io público
os reflexos literários de determinada forma de existência, sem revelar a forma em
si. Isto significa, expresso mais breve e dialcticamente, o seguinte: o campo da
literatura ern rompido de dentro paro fora, pela prática da "vida literária", por um
círculo de indivíduos intimamente ligados até os limites extremos db que era pos­
sível fazer se. E é lícito acreditar em suas palavras, quando afirmam que Saison
en Enfiar de Rimbaud jn não lhes apresentava quaisquer mistério*. Pois este livro
é. de faro. o primeiro documento dc tal movimento Idos tempos mais reccmcst
ainda havemos de falar de predeces^ores mais antigos), Será possível apresentar o

" Trndwüído J.t *irígjn,il ukmàü: "Der Siirrfaltsmuh" em Vcher Liieram . Frankfurt am M:iin, i #69, Sahr-
Limp Vcrlftjí, pp. $7 1U3.
76 B E N JA M IN

cerne dos problemas suscitados mais definitiva e coram temente do que o fez Rim-
baud no seu exemplar pessoal do livro mencionado? Anotou na margem, onde se
diz: "na seda dos mares e das flores árticas" — “Não existem" ( “Files n 'existent
pa s').
Em 1924. numa época em que não era previsível ainda o desenvolví mento d<
movimento surrealista, demonstrou Aragon na sua Vague de Rê\'es em que subs
Lancia Jeseofada e díspar repousava o ceme dialético, mais tarde desdobrado no
surrealismo. Hoje podemos prevê Io. Pois não há dúvida de que o estágio heróico,
cujo catálogo de façanhas nos foi legado naquela obra de Aragon. chegou a seu
fim. Em tais movimentos existe sempre um determinado instante no qual as ten­
sões primitivas, próprias da aliança oculta, explodem na luta objetiva, profana,
pelo poder e pelo domínio ou se decompõem como manifestação pública, sendo
levadas a transformar se. Nesta fase rransfbrmacionista encontra se presente
mente o surrealismo. Mas naquela oportunidade, quando irrompeu na forma de
uma onda onírica engolfando seus próprios criadores, parecia o que havia de mais
integral, mais definitivo e mais absoluto. Integrou em seu bojo tudo aquilo que
tocava. A vida parecia digna de ser vivida, apenas na medida em que u soleira a
separar dormir de acordar era destruída como por passos de inúmeras imagens a
flutuarem dcsordcnadamcmc. cm que a linguagem parecia autônoma, na qual som
c imagem, imagem e som. se ligavam com exatidão automática dc maneira tao
perfeita que não restava lugar algum para o “sentido**. À imagem e à linguagem
pertence a ordem dc precedência. Quando, ja quase manhã, Saint Pol Roux deci­
dia deitar sc para dormir, afixava na sua porta o aviso: Le poèic iravaille. Breton
anota: "Silencio. Quero passar por onde ninguém passou, silêncio! - - Em segui
da a você. língua querida'1. E la tem a precedência.
Esta precedência não se aplica apenas ao sentido. Também an E u No siste­
ma do universo, o sonho afrouxa a individualidade corno sc fosse ura dente oco.
K esse afrouxamento do Eu pelo êxtase é ao mesmo tempo a experiência frutífera
c viva que permitiu a esta gente escapar ao círculo dc fascínio do próprio cxU sc.
Não e aqui o lugar dc apresentar a experiência surrealista cm sua total disposição,
M as aquele que reconheceu que os c s c .-íló s deste círculo não são literatura, mas
outra eoisa; manifestação, senha, documento, blefe, falsificação se quiser, mas ele
modo nenhum literatura, sabe também que aqui sc trata literalmente dc experiên-
cias e nào dc teorias, c muito menos de famasmagorias. Essas experiências não sc
restringem dc modo algum a sonhos, a horas de haxixe ou de fumo opiático. Pois
engano corrente e enurme é supor que das “experiências surrealistas” apenas
conhecemos os êxtases dc religião ou de drogas. Ópio para o povo, foi assim que
Lenine denominou a religião, aproximando essas duas coisas mais do que deve ser
do agrado dos surrealistas. Ainda teremos de tratar Ja rebelião apaixonada e
amargurada contra o catolicismo, no curso da qual o surrealismo foi criado por
Rimbaud, Lautréamont e Apollinaire. Mas realmente não reside nos estupefa
cientes a qualidade dc superar a inspiração religiosa dc forma real e criadora.
Reside, isto sim. numa revelação profana, numa inspiração materialista, antropo­
lógica. para a qual o haxixe, o ópio e outras coisas mais podem constituir o está
gio preparatório. (Mas um esiájio perigoso. E o das religiões c mni--* severo.) E^ta
inspiração profana nem sempre deparou com o surrealismo nas alturas devidas e
justam ente os escritos a atestarem-na do forma mais evidente, o incomparável
Paysan de Paris de Àragon e Núdja de Brcton. revelam sinais perturbadores de
deficiência nesse campa. Assim encorttra-se, por exemplo, uni trecho excelente em
.Vflí^ci acerca dos ” arre ba Lado rcs dias rfe saque parisienses sob o signo de Sacco
C VanzeUF', e Breton acrescenta ainda a asseveração de que o Boulevard ftnraie
Nouvçllc cumpriu nesses dias a promessa estratégica da revolta, que desde sempre
tinha sido feita por seu próprio nome. Mas também aparece uma Mme Sacco, e
não sc iratá da mulher da vítima de Fttller. mas de uma vovnn/e, de umn vidente,
que mora no número três da Rue des Usines e que revela a Paul Eluard que nada
de bom. lhe será reservado por Mndja. Admitimos que o caminho temerário do
surrealismo, que passa por telhados, pára-raios, calhas, varandas, cata ventos e
estuques — o homem aranha tem de íiprovcstar-se dc todos os ornamentos — ,
admitimos pois que esse caminho leve Inmbém ao úmido quarto de Fundos do
espiritismo. Mas nâo gostamos de ouvi-lo bater cautelosa mente â janela para
fazer consultas acerca de seu futuro. Quem não gostaria de ver «rscs filhos adoti
vos da revolução bem distantes de tudo aquilo que sc verifica nos ccuiventícuias
de cônegas frustradas, de majores aposentados e dc ccnirabítndisuti emigrados?
De resto, presta-se o livro de Breton admiravelmente paru a demonstração de
alguns traços fundamentais dessa “ revelação profana", Ele chama Nadja dc livre
è portê haílanfe, um “ livrn no qual bate m porta ' (Em Moscou hospedei me num
hotel, ent que quase todos os quartos eram ocupados por lamas tibetanos. que
estavam em Moscou para assistir a uni congresso dc todas as igrejas budistas. O
lato de munas das porias dos quartos estarem apenas encostadas chamou mc a
atenção nos corredores do hotel. O que inicial mente parecia acaso, passou depois
a tomar feições de um mistério. Fui informado: ness&s quartos estavam hospeda­
dos indivíduos lllittdus it uma seita em que tinltam jurado não ficar jam ais em
iijwsentôs fechados. O choque que Bofri naquela octtsiàc deve scr sentido por
qualquer leitor dc \ a d jn j Viver em casa com telhado dc vidro è uma virtude
revolucionária par exctllm cr, Trata- m: dc outro êxtase, de um exibicionismo
moral, dc que nrtuito necessitamos. À discrição em questões relativas a própria
existência deixou de ser virtude aristocrática para tornar-se problema de pequenos
burgueses enriquecidos. Nadja encontrou a sínteuc verdadeira, c rindo ra L-nirc o
romance artístico e o romance de chave.
Basifl. aliás. levar a sério o ei mor. para reconhecer também nde uma "revela­
ção profana" — c também isto revela Nadja. O autor relata que “justamente
então (L e.. na época de .seu contato com Nudju) ocupei-mc intensívamente com
a época de Luls V U , por ler sido a época das ‘cortes amorasa.s' e procurei ler pre­
sente com grande intensidade :■ > maneira com que a vida era encarada". Autor
recente, oferece algumas noções exalas acerca du conceito do amor provençtl.
que nos aproxima surpreendem emente da concepção surrealota do amor. “Todos
os poetas do 'estilo novo' possuem assim di? Frich Auerhadh em seu excelente
D a n íe c o m o P o a a do M u n d o Terreno - uma amante mística, todos passam por
aventuras amorosas muito semelhantes, mas de cunho bastante arran ho , n todos
des o amor concede ou recusa Favores, que mais se assemelham a uma revelação
7ü B E N JA M IM

do que a gozo SCnsual, c todüs pertencem a uma espécie de associação secreta, que
determina a sua existência íntima, e talvez mesmo a externa/' A dialética do êxta­
se oferece aspectos curiosos. Não será talvez qualquer êxtase próprio de um
mundo, u rn a sobriedade vergonhosa d o mundo complementar'? Se não. o que pre­
tende a concepção medieval amorosa — e é ela. e não o amor. que liga Breton
àquela moça telepática além de estabelecer que castidade seja lambem afasta­
mento? Afastamento para um mundo que confina não apenas com Jazigos Cora
çãú de Jesus ou Altares da Virgem Maria, mus também w m a manha antes de
uma batalha ou depois de uma vitória.
No amor esotérico, a dama è o que hà de menos essencial. Assim lambciti em
Bicitm . £ mais correto d k w que ele »e situa mui* próximo às cubas que são pró­
ximas a Níidjn do que a d a mesma. Ei quais essas coisas que são próximas a
Nadja? Seus cânones são bastante elucidativos para o surrealismo. Por onde
começar? Cabe lhe* a glória de surpreendente descoberta. Apefcebeu-.sc cm pn
medo lugar das energias revolucionarias, comidas naquilo que é "ohcolei o"\ nas
primeiras construções dc ferro, nas primeiras fábrica*, nas fotografias mais anti­
gas, nos objetos que começam a desaparecer de circulação, nos piano; de cauda,
nos vestidos de cinco anos atrás, nos locais mundanos de reunião, quando a moda
principia a considera los ultrapassados. Du posição dessas coisas perante a revo
luçàü ninguém pode ler idéia mais precisa a esse r&pcilo do que exa lamente
tais autores. Antes desses videntes e augures ninguém percebeu até que ponto u
rniserim. e não apenas n miséria social, ma* da mesma forma a arquitetônica, a
iniséria dos interiores, as coisas escravizadas e escraviza.»! es são capazes de ee
transformar em niilusm» revolucionário. Silenciando acerca da Fas suge Ue! 'Opérít
de Aragqili Hrelort c Nadja é o casal de amantes que transforma em experiência
revolucionária, senão cm açãó. tudo aquilo que percebemos nu curso dc tristes
viagens nà estrada dc ferro (ç os trens começam a envelhecer), em ae&brunh antes
tardes domingueiras nos bairros proletários das fun des cidades, pila olhadela

explodir as forças poderosas do “ambiente**. ocultas em iodos esses objetos. Qual


á sua opinião acerca do desenvolvimento de uma existência, que num momento
decisivo seria determinada pela mais recente modinha de sucesso?
O truque a dominar esse mundo de objetes e coisas — c mais correio talar
aqui de um truque do que de um método fundamenta se na substituição da
visão histórica Jo passado pela política. "Abri-vos, covas, vós, morto» das pina
coteess. extintos atrás de biombos, em palácios, caxidos, c morteiros, ehs aqui n
chaveiro fabuloso, a conservar n:is mãos um molho de chave* dc todas as épocas,
que sabe como abrir as fechaduras mais bem cerradas e que vos convida a pene­
trar no mundo de hojé. Convida-vos a misturar vos aos carregadores, aos mee .'mi
cos. enobrecidos pelo dinheiro, a acomodar-vos t?m seus automóveis, belos como
nus armaduras dos tempos du cmulaciu, u ulujur-vos no» vagões dormitórios im u
nacionais e a ligar vos indissolúvelmente àquelas pessoas que ainda hoje têm
orgulho dc sua* prerrogativas. Mas a civ iliLiçã o liquida las á dentro de pouco
tempo " a Apüllínaire foi atribuída essa laia por soa amigo Henri Hertz. E real-
O SU R R E A L ISM O

mente toi Ápolltnaírc quem deu origem a esta técnica. Utilizou-a no seu volume
oovelislico L líóréshirqui' com cálculo maquiavelisia. a fim de Jazer ir pelos ares
o catolicismo (ao qual. no intimo, se sentia ligado).
No centro desse universo coisificado situa se o mais sonhado dos seus obje­
tos. a própria cidade de Paris. Mas só a revolta consegue fazer aparecer na sua
totalidade o seu rosto surrealista. (Ruas absolutíimentç vazias, nas quais apitos ç
tiros ditam a decisão.) F- não há rosto algum que apresente uma fisionomia são
surrealista quanto o verdadeiro rosto de uma cidade. Não há quadro de De G iir i
co ou Marx F.mst que possa medir se com as divisões cortantes de suas Fortifica­
ções interiores. que rem de ser conquistadas c ocupadas para dominar o destino,
c no destino das suas massas, o seu próprio. Nndja é expoente dessas massas c de
tudo aquilo que ela inspira revolucionariam ente: La grande mconscience eive et
sotwre qui m Inspire nies senis ades probants dans íe sens oü tQUjouts je rcfi.v
prmiver. qu eUt dispvse à lout jamais de lout ce qui esl à moi. f aqui. portanto,
que se encontra o registro dessas fortificações. a começar daquela Placc Mnubtírt.
onde, como em nenhum outro lugar. & sujeira conservou toda a sua força sinibó
Itca. até o “Theátre Modernc” , que não conhecí mais. o que me deixa incenso
lávcl. Mas cxisle algo na descrição do bar do pavimento superior, feita por Rrclon
— “ reina total escuridão* caíamaJlChòes em forma de túneis, impossível de atra
cessar, um salão nu fundo de um lago" * que nte traz à memória aquela safa
mais mui compreendida do velho C a le Princesa, Tratava sc da sala de fundo do
primeiro andar, com som casais envoltos na luz a/uí, Demos-lhe a alcunha de
'Anatomia ': era o derradeiro abrigo do amor. Em trechos semelhantes, u íixogra
Ha começa a interferir na obra de Breíon. Ttartsforma as ruas, os arcos, as praças
da cidade em ilustrações de um romance de divulgação, pnva essas arquiteturas
sccukires de sua evidencia banal para envolví* Ias. com a mais primitiva iniünsi-
dadf, no noontí>vimcnt^ci IW íi IÍzílüü S. que MIO CütílpfOvadOS, t.ll COrflO acontece
em velhos livros de cozinheiras. c«m citações literais c indicações dc paginas. I
i o d o s os reçuntos dc Paris que aqui aparecem são lugares a movimentar, como
portas giratórias, aquilo que se situa entre as pessoas.
Mesmo y Pane dos surrealistas é um “ pequeno mundo" Isto significa que o
grande mundo, o cosmo, não lem aparência diversa, lambem aí existem cruza
inemos. no» quais surgem dc repente, entre o transito, sinais fanusmagórieos, nus
quais sucedem analogias incomensuráveis c entrelaçamentos de eventos deKneon
irados í o espaço relatado na poesia lírica do surrealismo, f: necessário ter-se
ciência disto, mesmo que não sejn para mais do que defender-ac contra o rnal-cn
tendido obrígíiiôrio do l ‘a n paut t dri. Pois este i un pour /‘ar! quase nunca preten
deu sur tomado ao pé da letra; quase sempre sc traia de urna bandeira, sob fl qual
singram bens que não podem ser declarados. por ainda carecerem de nom cnch
tura. Seria esle o momento propício para elaborar um trabalho que, como nenhum
outro, podería aclarai a crise das artes que testemunhamos: uma história da litcru
iiira esotérica F não c acaso que d a ainda não tenha sido CSCrila. Pois escrevê-la
como se impõe — não como uma “coletáneró-, para a qual os “ especialistas" indi­
viduais contribuem, eada um uo seu campo, aquilo que è “ mais digno dc ser sabi
*0 BE NJ A MIN

do — , mas sim como obra fundamentada dc um indivíduo, que por neveis idade
íntima se metería a representar nao tanto a história do desenvolvimento e snn um
sempre renovado reviver original da literatura esotérica — da viria a scr uma
daquelas eruditas profissões dc fé. que cm Lodos os séculos aparecem em pequeno
numenú_ A sua última página Lería dc apresemar o raio X do surrealismo. Rretnn
indica nti fmroduciion au discou rs sttr íe peu de rêalilé até que ponto a experiência
poética sc baseia no realismo poético da idade Média. Mas esse realismo e.
pürumtü, a crença em uma existência real a parte dus conceitos* seja fora seja den
tro dos objetos — encontrou sempre com rapidez a passagem do campo da
concêítuaçâo lógica para o camtxi das palavras mágicas. Assim , os apaixonados
jogos dc transformação Fonética e gráfica, a perpassarem, já ugora laz quinze
anos toda a literatura de vanguarda, quer se intitule futurismo, dadaísmo ou
surrealismo* sàu experimentos mágico-lingüisticos e não brincadeiras artísticas. A
maneira cümO Sü entrelaçam ser,ha, fórmula mágica c conceito é demonstrada
pelas seguintes palavras de Apollinaire. extraídas do seu último manifesto:
“L 'esprir nouveau et les poeles". É o seguinte o que diz em 19IS ; “ Nâo existe
correspondência moderna na literatura para a rapidez e a simplicidade com qutr
nos acostumamos iodos a designar com uma única palavra essência^ Uio comple­
xas como multidão. povo, universo, Mus os poetas hodiernos preenchem esta
lacuna: suas obras sintéticas criam novos seres, cuja figura plástica è lào com
plexa quanto a das designações de coletivos". Pór oulro lado. pretendem as arre
metidas ainda mais enérgicas <lc Apdllirtaírc c Breton, executadas sempre na
mesma direção, integração dem asi adam ente impetuosa. Assim , ligam o surrea
lismo âo mundo cm tomo com a explicação: " A s conquistas da ciência funda men
tam-sc antes num pensamento surrealista do que numa reflexão lógica“ c assim
encaram, com outras palavras, u mistificação, cuja culminância Srcton enxerga
na poesia (o que é defensável), como fundainento mesmo dc desenvolvimentos
científicos e técnicos, fi multo conveniente comparar as fantasias luxuriantes c a
união precipitada deste movimento como o milagre da máquina não conveniente
mente compreendido com as utopias muito bem ventiladas de um Schecrbarl
(AjinUirisUrc: "A* fábulas amigas tornaram-se realidade cm boa parte, agora eabc
aos poetas imaginar novas, que por sua vez podem ser tornadas realidade pelos
inventores".).
A manifestação de Aragon ‘Ta/, ma rir pensar cm qualquer atividade huma
na” indica com clareza qual o caminho percorrido pelo surrealismo desde as ori
gero até a sua poliLização, t razão leve Pierrc Naville. que miçíalrncnic perten
cera a esse grupo, ao chamar Jc dialético este desenvolvimento em sua excelente
obra La R e v o lu t ío n er les fn iê íle c it ie ls . No processo desta transformação deuma
posição extremam eme contemplativa para oposição revolucionária, representou
papel predominante a oposição da burguesia contra qualquer manifestação radi
cal dc liberdade inLdccLuàl. Este antagonismo empurrou o surrealismo para a
esquerda, Acontecimentos políticos* principal mente a guerra marroquina, acelera
ram este desenvolvimento, A o ser publicado, no Muntüttitij. o manifesto “ O s inte­
lectuais comru a guerra marroquina", havia sido conquisiaüa uma plataforma
O S T R R F .A U S M O KI

categoricamente diferente daquela, marcada peto celebre escândalo por ocasião


do banquete Saint-Pol Roux. Naquela oportunidade. logo depois da guerra, quan­
do os surrealistas, considerando comprometida u homenagem que prestavam a um
poeta pda presença de elementos nacionalistas, irromperam no grito “ Viva a
Alemanha'*, conservararn-sv dentro dos limites dt> escândalo, contra o qual u bur
guesta e tão insensível como c sensitiva u qualquer açao. Sob a influência de ml
atmosfera politku c supreendente a concordância de pontos de vista de A poli i-
nairc c Aragon quanto ao futuro do poeta. Os capítulos "Perseguição'" e "Assassi
mo" no Poèie Assassine dc Apollin.sõre contem a famosa descrição de uma caça
aos poetas, A s editoras são tomadas de assalto, os livros de poemas atirados ao
fogo e 05 poetas são mortos. E estas mesmas cenas desenrolam se no mesmo
momento no mundo inteiro A premonição dc tais horrores faz com que. em Ara
gon. a "Imaginaiion” convoque a sua equipe de seguidores para uma última
cruzada..
Para que .seja possível entender se tais profecias e para dar-se estrategioa
mente conta da linha alcançada pelo surrealismo, e preciso avaliar 0 espírito que
reina n a chamada bem intencionada inteligência burguesa de esquerda. Este ê
demonstrado com bastante evidência na presente orientação para a Rússia, cor­
rente nesses círculos. Ê evidente que aqui não falamos de BcrauJ, que abriu eami
nho às mentiras acerca da Rússia, c nem de I abre Lime, que o segue nesse cami
nho já preparado como burro paciente, earregudo dc todos o* ressentimentos
burgueses. Mas o próprio livro mediador dé Duhnmet. como é problemáticoI
Com o c difícil suportar a linguagem forçada mente correta, força da mente corajosa
c cordial do tcologa protestante, a pcrpassii Io de um Lado a outro! V somo c
gasto o método, ditado jjcüo embaraço e o desconhecimento da linguagem, de atri
Hati r ns coisas sempre qualquer significado simbólico! Denuncia o o seu resumo;
“ N S ü se verificou ainda a verdadeira, a profunda revolução, aquela que dc certa
maneira í capa? dc transformar a própria substância da alma eslava". Bem típico
dessa inteligência da esquerda francesa — como efe resto também para a corre*.
pOrtdente russa e o filio de sua função pt.isiLivt.-i procedei integral mente de um
sentimento Uo dever, não para com a revolução, mu> para com uma herança cul
tural. Sua realização çpSçtivü. na medida um que seja positiva, aproxima sedaque
lu dos conservadores. Mas política c eco no micít mente será sempre conveniente
contar, ao tratar com des. com a ameaça de sabotagem.
Ü traço característico de toda e$$a posição burguesa de esquerda é a fusão
incurável de moral idealista e prática política. Sé por contraste cora os compro
misses desajeitados do "credo político” podem ser compreendidas certas peças
centrais do surrealismo e mesmo da tradição surrealista. Ainda nâo se fez muito
para acelerar esta compreensão. A idéia de entender o satanismu de um Rimbaud
e dc mn Lautrcam oni como correspondendo ao 1'art pour I an num inventário do
esnobismo, era demasiado sedutora para scr deisadu de lado. Mas, decidindo-nos
l>ni desmascarai esse engodo romântico, poderemos reter algo dc bem útil Assim
encontramos oculto do mal com o uma aparelhagem de cerca maneira romântica
dc des infecção e isolamento da política contra qualquer diletantismo moralizunie.
82 RKNJÀMIN

Nesta convicção será necessário retroceder alguns decênios, quando em Breton


encontramos o cenário de um melodrama que apresentava como centro a violação
dc uma criança. Nos anos de 1865 u 1875 alguns dos grandes anarquistas elabo­
raram. sem ter conhecimento um do outro, as, sua'; máquinas infernais. O espan­
toso 6 que. independtíniementc um do outro- acertaram os ponteiros de tal forma
qnc a mesma hora fosse escolhida, e quarenta anos mais tarde explodiam na Euro­
pa ocidental os escritos de Dostoiévskt, Rimbaud e Lautrcamont exatamente no
mesmo instante. Para ser ainda mais exato ê licito citar um trecho da obra com
pleta de Dostoiévski que realmente foi publicado apenas no ano de 191 5: “ A con­
fusão de Stavroguim" dos Drmrmios. Esse capítulo, intimamente ligado ao ter­
ceiro canto dos Chants dc ^faldoror, contém uma justifteação do mal que
estabelece com maior vigor certos motivos do surrealismo do que conseguiram
fazê-lo quaisquer de seus porta vozes aluais. Pois Stavroguim è um surrealista
avant la Icitrc. Ninguém percebeu tão bem quanto cie quão inocente é a opinião do
“bom burguês": dc que n bem c inspirado por Deus. apesar de todas, as virtudes
viris duqucle que o pratica, mas que o mal provém totãlmertte de nossa csponia
neidade: de que nesse campo somos indivíduos autônomos, dependentes apenas de
nós próprios. Ninguém viu como de a inspiração divina mesmo na prática mais
vil. e prindpalmentc nela. Assim como o burguês idealista vê a virtude, enxergou
d c a maldade como alguma coisa preconcebida nu curso universal, ma.s também
cm nós próprios, algo que nos é apresentado como possível, ou até mesmo impôs
to. o Deus dc Dostoièvskt não criou apenas céu e terra e ser luimano e animal,
mas ainda a baixeza, a vingança e a crueldade. E também aqui o diabo não st*
intrometeu no suo obro. que por isso é, em Dostoiévski, rcalmentc original, talvez
nao "esplendorosa", mas ctcrn&menie nova. tal "como rio primeiro dos dias",
enormemente afastada dos clichês, de que sc reveste o pecado paro os filisteus,1
A carta que Isidore Ducasse escreveu em 23 dc outubro dc 1869 a seu edi
tor. no propósito dc lhe tornar plausível a sua maneira dc escrever, atesta dc
maneira curiosa o deito intensivo dc tais experiências. :i tomar possível a espnn
tosa influência dos autores mencionados. Nessa carta enfileira-se D ucasseao lado
dc M ickícwicz. Milton. Southey. Altred de Mu.vsot. Baudot a ire e diz: “f bem ver
da de que dei um toque mais sonoro, n fim dc introduzir uma novidade nessa lite
ratura. que afinal celebra o desespero apenas para deprimir o leitor c a fim de que
anseie ainda mais pelo hem. como remédio universal. F- esu- que, afinal, è sempre
celebrado, sói que o método se tomou mais filosófico e menos ín^ènuo do que nn
época da velha escola, da qual sobrevivem apenas Vjctor Hugo e poucos outros ",
E se o livro errático de I autréamont se situa dentro de algum contexto, ou melhor,
sc c possível coloca Io em algum, não é o tia inssurreiçâo. Por isso mesmo foi uma
tentativa bem compreensível c em si ajuizada, quando Soupa.ull.na suo edição das
Obras Completas de 1927. tentou escrever uma apreciação biográfico-política de
Isidore Dueassc. Só que ínfcli/merite não existem documentos para a mesma, eo s

Tr.nn sc ,1c rrfert*nci:is ao “ frólit^p rn Cèu" iku çiarlc mUinliil<’in;i .n> F auxttt, p;irlc 1. tlc I VV Cuirjlhf
0 S U R R E A L IS M O K?

qsic SoiLpault consultou provaram ser frutos de engano? Por outro lado. foi coroa
da do êxito uma tentativa correspondente com Rimbaud, sendo o mérito de Mar
ccl Coulon ter defendido a sua imagem real contra n tisurpação católica realizada
por Ciaudet e Berriehon. É verdade que Rimbaud e católico. mas o è, de acordu
com sua própria opinião, na sua parte mais desprezível, que nunca se cansa de
denunciar e dc entregar ao ódio e ao desprezo próprio c dos outros. naquela que
o força à confissão de não entender a revolução. Entretanto, Iruta se da confissão
dc um enmunardo. sempre descontente pnnsigü mesmo e que, ao ahandonar a lite
ratura. já há muito se despedira da religião nas suas pramieia,? literárias. “ Odio.
confiei a l i o meu tesouro", escreve nu Saison **n Enfer. Também nesta sentença
podería vslribar se uma poética do surrealismo, e ela viría mesmo a enterrar a?
suas rai/.cK mais profundameriLc do que aquela teoria da surpríset da composáçàu
poética inesperada, de ApOllinairô. até as profundezas de pensamentos dc Poe.
Desde Bakiínin não existiu tnt Kurüpa um conceito radicai de liberdade. Os
surrealistas, entretanto, o cultivam. Sào os primeiros a acabar com o esclerosado
ideal de liberdade, liberal, moral e humanista, porque não duvidam dc que 'a
liberdade, que nesta terra apenas pode ser conquistada com milhares dc sacrifícios
os mais pesados, tem de ser usufruída sem quaisquer limitações, em sua plenitude
c s-ãm qualquer cálculo de ordem pragmática, enquanto d u rar', O que, por sua
v rv , lhes prova, “ que a luta dc libertação da humanidade na sua forma revolucio­
nária mais simples (que c afinal, a libertação cm todos os sentidos'! é a única causa
digna de ser servidn" Mas conseguem unir esta cxpcricncip dc liberdade com
aquela outra experiência revolucionária, que tomos dc reconhecer, porque a vive­
mos: com o caráter construtivo, ditatorial da revolução? Em breves palavras con
seeuem fundir u revolta e n revolução? De que maneira temes de imaginar uma
exislenda, intcinuncmc calculada para o Soulcvnrd Bonne Nnuvdle. nos salões
de Le C o rb u sicr e Qud?
O surrealismo, cm iodos os seus livros e empreendimemos, empenha se cm
conquistar as forças do êxtase para u revolução. I: isto o que se pode chamar de
sua Utrefa predpua. E d a não se satisfaz com a verdade, de nós conhecida, de que
em qualquer ato revolucionário existe vivo um componente extático. Este c icfên
fico ao anárquico. Mas frisar çxelusivnmcxilc esse ftito .significaria dar precedência
indevida a uma prática oscilante entre aplicação e festejo? preparatórios sobre o
preparo mdódico e disciplinar hu revolução. Acresce uma concepção muito
sum ária c jtouc< dialética dn essência do cxrase. A estética do pirnor, do poeta cn
úiai t/i sttrprfse, da arte como reação do surpreendido está presa a alguns prccon
cetuv; romântico:, bem fatais. Qualquer pesquisa béria dos doLes e fenômenoS
ocultos, surrealistas e fantasmagóricos estriba se num entrelaçamento dialético,
que nunca seiá aceito por uma cabeça romântica. Pois dc nada nos adianta subli
nhar fanática ou pateticamente o lado enigmático do enigma; muito pelo contrá­
rio. conseguimos penetrar no mistério apenas no grau em que o reencontramos no
cotidiano, graças a urna ótica dialcric^ que reconhece scr impenetrável õ colidia
no e cotidiano o impenetrável. A ssim » pesquisa mais apaixonada dc faiõmcnos
telepáticos não lançará tanta luz sobre ü ato da leitura (que è eminentemente tele-
fw BENJA MIN

pátíco). quanto a elucidação profana da leitura acerca de fenômenos telepáticos.


Ou então: o estudo mais apaixonado do fumo dc haxixe não esclarecerá tanto o
ato da reflexão (que ê um narcótico eminente) quanto a elucidação profana da
reflexão acerca do fumo de haxixe. O leitor, o pensador, o indivíduo que espera ou
passeia s-ao tipos cão elucidados quanto o comedor dcópLO, o sonhador ou o extá
tico. E são mais profanos, t Ludo isio sem lálar daquela mais terrível das dJrouas
que inferimos na solidão — nós próprios.
“Conquistar as forças do êxtase para a revolução" — com outras palavras:
política literária? “?\'ous vn avvns soupê. Preferimos ludo a isso! Bem, tanto
mais interesse voce terá em ver como uma incursão na literatura serve para cia
rear as coisas. Pois: o que êo programa dos partidos políticos? Urr poema prima
vutíI bastante ruim, Repleto de analogias, O socialista enxerga aquele ltfuturo
mais belo para nossos filhos c netos" num mundo cm que todos agem “ como se
fossem anjos", cru que todos têm posses "como se tossem ricos" c todos vivem
“como se fossem livres**. Nem vestígio, entretanto, dc anjos, riqueza ou liberdade,
fu do são imagens. 0 o tesouro imagtstico desses poetas dc clubes social demo­
cráticos? Seus gradus ad parrmssttm? O Otimismo. Ê mister reconhecer que uma
outra atmosfera é semidft na obra dc Naville. que eleva “ Organização do Pessi •
mismo'* a uma exigência primordial, Fm nome dc seus amigos literários apresenta
um ultimato que infalivelmente impele esse otimismo inconsciente c diletante a
declarar a verdade: onde surgem as condições prévias pam a revolução? Ma tnng
formação do credo político uu na situação externa? l-i» n questão principal, a
determinar n relação entre política e moral c que não permite encobrimentos. O
surrealismo aproximou sc cada vez mais da sua resposta comunista, fc“ isto signifl
ca: pessimismo cm ioda a extensão. Absolutamcntc. Desconfiança pela sorte da
literatura, pola sorte da liberdade. pela sorte da humanidade européia. mas antes
dc mais nada desconfiança, desconfiança c descotiluttiça de qualquer entendí
mento: entro as classes, entre os povos, entre os indivíduos, i , confiança Ilimitada
apenas na l. G . Karben* e no desenvolvimento pacífico da Fo rça Aérea. Mas
então, e depois?
Impdc-sc aqui n nccpçáo que exige a distinção entre analogia c imagem no
último livro de Aragou. no fraiíé dtí Styie. Trata sc dc um;i percepção feliz, de
questões estilísticas que deve ser ampliada, E is a ampliação: nunca a,s duas
analogia e imagem — sc defrontam dc forma tão drástica e inconciliável quanto
na política. Pois organizar o pessimismo não significa senão excluir a metáfora
morai da política c descobrir no espaço da ação política o espaça dedicado imri
ramente n imagem. Mas este espaço visual não pode nem ser medido de forma
contemplativa. Se a tarefa dupla da inteligência revolucionária exige a derrubada
do predomínio intelectual da burguesia e a conquista do contato com as massas
proletárias, emâo pode-se dizer que ela falhou quase inteiramente perante a segun­
da pane dessa, tarefa, por não ier possível realiza Ia de maneira contemplativa.

; A iiu g am au c .i I. ti. Fartai cr» a mtiim eirnipJwuj industrial ajepiiíi nu campo da indústria q^imicu i-n
nruiioremproridimcnia ecooòfnico d&iudte país,Foi fundado cm 1425 i!N iki T.|
O S U R R E A L IS M O K5

Apesar disso, apenas poucos deixaram de apresenta la como se tivesse satisfeito


às duas condições, e insistiram sempre em clam ar por poetas, pensadores e anis
proletários. Por outro latlo já T ro isky. em Lheranira e Revolução, lembrou
que ela poderia surgir apenas graças a uma revolução vitoriosa, Traiu se. em ver
Jade. muito menos de transformar o artista de ascendência burguesa em um mes­
tre da "arte proletária '- do que dar-lhe uma função cm postos importantes desse
espaço imagústiw, mesmo à custa de sua atuação artística. Não seria a interrup
çâo de sua "carreira artística” parte importante dessa função?
Tanto melhores tornam-se as anedotas que conta. C tanto melhor vai narra-
las. Pois mesmo na anedota, na injúria, rio mal entendido, sempre enfim quando
uma atuação projeta d a própria a sua imagem* vivendo a ou contemplando e
devorando a- abre sc esse espaçe» Ja imagem, o mundo de atualidade geral e ime
gral. Aí não há "salas de v i s i t a j á que se trata de um lugar no qual. de acordo
com a justiça dialética, o materialismu político e a criatura tísica partilham entre
si o indivíduo interior, a psique, a individualidade, ou o que mais w queira dizer,
de tal forma que nada nele Se Conserve intato. Entretanto c especial mente de
pois de tal descrição dialética esse campo continua espaço imagUtíco. c mais
concreta mente, espaço tísico. Isso tudo leva ü confissão seguinte: é impossível
transferir sem rupturas o maleriulismo mctalísícü da observância de Vogt ou li;i
khariu paru o cam po do matcrialigmo antropológico, o que ficou comprovado
pela experiência dos surrealistas e. em ocasião anterior por um Hetoel, Georg
Büchncr. Nietzselic c Rirnbuud, II i sempre unia sobra, pois também h uoíclivi
dade é entidade tísica. E a physis, organizada pela técnica de acordo com ela. é
produzidíi na parte correspondente ã sua realidade política e objetiva, apenas
naquela espaço- itti&gúêEicú» que nos é tomado conhecido pclu revelação praiana. A
realidade conseguira superar-se. na medida em que o cxqyr«» manifesto comunista,
a penas quando nela o espaço tísico c o imágísLiim se ínserpcnctrarcm tão proJun
da mente que toda a tensão revolucionária se transforma em uma comoção nervo
so-tísiea coletiva c que todas as comoções nervoso físicas da coletividade se tor
nem descargas revolucionárias. Neste momento sào os surrealistas os únicos a
compreender as exigências do Manifesto, correspondentes nos dias de hoje I ofe
recem. cada um deles, a sua mímica em troca do mostrador de uin despertador
que teça durante sessenta segundos cm cada m imito que passa.
T E X T O S DE
MAX HORKHEIM ER
rradu^cVcK Uii Zeljko Loparié e Andréa Maria Alíin«» d* ( nmpo*. r ivparic
(Cfnwihi Ji' Hii»nrn'\nio, Tosiode Hm U iç n n c r cm parceria com T Adorno).
Ldgard AfbiiMi Mniagudi c Ronaldo Pereira C uiiIih
('tiroria irudtpUwtot r Ve&rio i 'rilieai liUmtJia < Twtria ( ríitca,
lextode llnrklicintirr cm parccrin com I l.-rbcrt MarçtttV)
C O N C E I T O DE ILU M IN ISM Ü *

(Em parceria com T A dorno}

Desde sempre o ilurninismo. no sentido mais abrangente de um pensar que


faz progressos. perseguiu o objetivo de livrar oh homens do medo c de foser deles
senhores. Mas. compktamenLe iluminada. á terra resplandece SõH o signo do in
fominio triunfal. O programa dt> ilummismo era o tic livrar o mundo do feitiço.
Sua pretensão, a de d is s o lv e r os mitos e anular a imaginação, por rrtfiío do saber.
Bacon, "o pat da filosofia experimental ".1 já havia coligido as suas idéias diretri­
zes. Fie desprezava os adeptos da tradição que “ acreditam primeiro que outros
sabem o que des próprios nào sabem; e* em seguida, que eles próprios sabem
0 que não sabem. Entretanto. a Oredulidade. ; l aversão à dúvida, a precipitação
nas respostas, o pedantismo cultural, o receio de contradizer. a parcialidade, a
negligencia na pesquisa pessoal, o fcíichismo verbal, a tendência ,1 dar se por
satisfeito com conhecimentos parciais, essas c outras causas semelhantes impedi
rum que o entendimento humano fizesse um casamento feliz com a natureza das
coisas e foram, em ve/ disso, as alcoviteiras de sua ligação a conceitos luteis
e esps rii ieiitas nã<u planejados: Ir fácil imaginar o:- frutos n prole de uma união
rfio gloriosa, À impressora, invenção grosseira; o canhão, que já era prcligurndo:
a t>ús*ola, que ate certo ponto jti era conhecida anterior mente: que mudanças
nao produziram cssás trêv a primeira, no estado da ciência, a outra, no da
guerra, a terceira, no das linanças, do comércio e da navegação! H foi só por
acuso, repito, que se deu de encontro com essas invenções. Portanto, não há dú
vida alguma de que a superioridade do homem reside no saber. Nele estão guarda
das imiiíav coisas, que os rcK com iodos os seus tesouros nào podem comprar,
sobre ys. quais nào se impõe o seu mando, das quais seus informantes e alcagüctcs.
nào dão noticin alguma, cujas terras de origem não podem sçr alcançadas pelos
veleiros dos seus navegantes c descobridores. Hoje, não passa tic simples opinião
nossa, a de que dominamos a natureza: estamos submetidos a teu jugo. Porém,
se nos deixássemos guiar por d a na invenção, nós a leriamos, na práxis^ a nosso
mando ",7
Apesar de alheio à matemática. Bacon captou muito hem ó espírito da cicn
cia que se seguiu a ele. O casamento feliz entre o entendimento humano e a naiu
reza das coisas, que ele tem cm vista, é patriarcal; o entendimento, que venceu

' IVadurido du originiil alemão: BüyrílT iler Auíirtaemnp”. cm Diatirklik iifí Au/kàêeruttg, Frankfurt atn
Mrun, U.írZ.S Fisçhci Verlaít, pp. 1-fi
1 Vçdrtúrç, {.vítrea Fhífosnphitfw ; AÚ/, Ocui>ies c#rtipiètt£, Kd- ■UamifiT, Paris. US7V. vul.. XAlL. p. ! Li.
( N . d o À .1
f Èuçoti, J n P t m s c ú f K tiQ ttjC tig i', M à c e U a n c m e s -Tra çar ( f p o n fit t m a n F h i t o s o p U y , T h e - IMwtí & J F r ú f& fS
{S u c u ri, edL tlnsií XionliifiLi LortdlCí. ÍX2J. vr>|_ I, pp. 254 6. (N. du A.)
WJ HORKHEIMER ADORNO

a superstição. dcvc ter vo/ de comando sobre a natureza des enfeitiçada. Na esera
vização du criai ura ou na capacidade dc oposição voluntária aos senhores do
mundo, o saber que c poder nào conhece limites. Esse saber serve aos empreendí
mentes de qualquer um. sem distinção de õrigern, assim como. na fábrica e no
campo Je batalha. está a serviço Je todos os fins du economia burguesa. Os reis
não dispõem sobre n técnica de maneira mais direta do que os comerciantes:
o saber é tão democrático quanto o sistema econômico juntamenle com o qual
se desenvolve. A técnica é a essência desse sabor. Seu objetivo não suo os eoncd
tos ou imagens nem a felicidade da contemplação, mus o método, a exploração
do trabalho dos outros, o capital. Por sua vez as inúmeras coisas que. segundo
Bacon, ainda são guardadas nele não passam de insLrumcntos: o rádio, enquanto
impressora sublimada, o avião de combate, enquanto artilharia eficaz, o teleco­
mando, enquanto bússola de maior confiança. 0 que os homens querem aprender
du natureza é eonu> aplica la pura dominar completam ente sobre ela e sobre os
liomcns. Fora disso, nada conta. Sem escrúpulos para consigo m am o , o ilumi
nismo incinerou gs últimos restos, da sua própria consciência de si. Só uni pensar
que faz violência a si próprio é sub dentem ente duro para quebrar os mitos.
Diante do triunfo atual do tino para os fatos, até mesmo o credo nominal isto
dv Bacon sçriy suspeito de scr ainda unia mct;i!Ísica c cairia sob o ve rédito de
futilidade que ele próprio pronunciou COfttru a escolas dem Poder e conhecimento
são sinônimos.J À felicidade estéril. provinda do conhecimento, ò lasciva tanto
para Bacon como para t.uiero. O que importa não é aquela satisfação que os
homens uh&mam de verdade, o que importa é a opefatiou, o proceder d ica /. “ O
verdadeiro objetivo c serventia da ciência'* não reside nos "discursos plausíveis,
deleitam cs. veneráveis, que fu/em efeito, ou em quaisquer aríumentoN intuitiva
mciuc evidentes, mas sim no desempenho e no trabalho. na descoberta dos fatos
pni'íiciilurijr tm tcrio m icn u rle-íí oriticvã Jun que m is uufliltcni C lios equipem m ullior
na vida ' / Portanto, nenhum mbtério há de restar e. tampouco, qualquer desejo
de revelação.
ü díseElbiltçamenlo do mundo é a erradicação do unimismo, XcnóJancs
/.ornbu dos muitos deuses, por serem eles semelhantes ans homens, que os produ
zíram. no que estes têm dc acidental e de pior. e a lógica mais iceeulu denuncia
as palavras erh que se cunha a linguagem. Como moedas- falsas, que melhor seriu
m- fossem substituídas por fichas neutras de um jogo. (I mundo vira caos e a
síntese c a salvação Entre o animal totem ico. os sonhos de um visionário c a
id e a absoluta. não cabe nenhuma diferença C a min liando Cfn busca da ciência
moilnírn.i, os homens se despojam do sentido. Eles substituem o conceito pela
lórTmúm .1 causa pela regra ü pela. proba bilt Jade. -\ noção de causa foi o último
conceito filosófico a entrai na âçcrip dc contas da crítica científica e, por ser
n único que ainda com parada perante a ciência, era por assim dizer a secalari/.a
çào mais Laidia do princípio criadpi Desde Bacon, um úo\\ objetivos dft filosofia
era o de redefinir, um conformidade com o espiriLo Jo tempo. substância, qualj-

Cf hccçn, .VmafiH Ú r g a tíu a t , v p . a i , , vul XIV. ji„31, (N. do A .1>



* Hiicnn, V alerías T erm in a s ^ itw t t v e r p m t it im f*j .\ a r i w . A ü w íltm & H rt T n ttis . >*r do « I. r. 2SIO.N.
dti ÀJ
C O N C E IT O DL 1LUMINISMO V!

diidé, ação u paixão, scr c existência. mas a ciência se safüu, mesmo sem tais
categorias. Elas ficaram para trás. como fdola Theatri da velha, metafísica: e.
mesmo no tempo dessa última, já eram elas mementos de entidades e potências
do ante passado, que tinham, nos mitos, vida e morte explicítad&s e entrelaçadas.
A s categorias, nas quais a filosofia ocidental determinara sua eterna ardem da
natureza, marcavam os lugares, amigam eme ocupados por Ocnos e Pm éJòne.
Ariadne c Nureu. A$ co&m o b tia s pré socrálicas fixam o momento de transição.
A umidade, o indifercnciado, o ar, o togo. nelas tratados como material primitivo
da natureza, são justam eme sedimentações m eram eme nacionalizadas da visão
mirica do mundo. Assim como as imagens da criação a partir tio rio e da terra,
imagens que chegaram do Niln así1 ns gregos, (.ornaram se aqui princípios hikv
/.oísticos, elementos, assim Ltunbéni a profusa umbigiiidadc dos demônios míticos
sc espi riLtializou nas formas puras das esscncías ontológicas. Pelas idei as platòni
eas, o togos filosófico tínalmcnte também toma conta dos deuses patriarcais do
Olimpo. Mas. reconhecendo rts antigas potências na herança pi a tônico âristote
Itca <k metafísica. o iluminismfl combateu a preteri sã n â verdade dos universais.
como superstição. Ele julga ver ainda, na autoridade dos conceitos universais,
ü medo dos. demônios, por meio de Cujas imagens os homens procuravam, no
ritual mágico, influir na natureza, A ptmir de agora, a matéria deverá fimiltnentc
ser dominada, sem apelo a Ibrça?, ilusórias que a governem ou que nda habitem,
sccn apelo a propriedades ocultas. O que não se ajusto às medidas da caleulabili
dàde t da utilidade è suspeito para o ilumbiismo. Um a vez que pode destncol
ver‘SC sem ser perturbado pcln opressão externa, nada mais há que lhe possa
servir de freio, Com as suas próprias idéias sohrc os direitos humanos acontece
o mesmo que avorUveern com os amigo.-, universais Cad a resistência espiritual
que de encontra serve apenas paru multiplicar a sua Força,& Isso se explica pelo
fato d eq u eo iluminhirtio se auto reconhece até mesmo nos mitos. Quaisquer que
Stíjam os miros para os quais c m resistência po^n apelar. e*se* mitos, pclõ sim
pks lato dc sc tornarem argumentos numa ml contestação, aderem ao princípio
da racionalidade demo li dor» pela qual censuram o ilimimísmo, O iluminismo é
Loialitúria.
Paru ele. o fundamento do mito desde sempre estivera no antropomoillsmo.
na projeção do subjetivo nobre a natureza.'1 Ü sobrenatural, os espíritos e os dc
rnônios seriam imagens nas quais sc espelham os homens que se ddxam atemorb
wir pelo natural, Segundo <» ihami»ismos as múltiplas figuras míticas podem ser.
todas das. remetidas u um mesmo denominador comum, d as sc reduzem ao su
Jeito. A resposta de Édipo ao enigma da esfinge, " Ê o homem”, ê inüifc-
rcnctadamcmc repelida como uma saída estereotipada, pouco importando
que se Lenha diante dós olhos um fragmento do sentido objetivo, os contornos
dc uma ordem, a angústia perante as. potências do mal ou a esperança dc salva
çau. O que o iluminismo reconhece de anrcmào como ser e c a n o aenntcccr ê

* f !’- Hepcl. Phwiom atBíoxi? Ut.v t/VtsjV*. UVr^r. wo|. I I , pp. -I |(J-1 I. (N , 00 A.)
" Xçnòtiines. Montatgsse, Elaine. Feacrliarii e Saintnnr Reinaclt estão dc acorde sobre esse pinto. Cf em
Kciiiaeh; rra.au/idn frantís púr F. Sinraoru;, Lowtre» v Nov* York UW9, pp. ò $s, {N, fo
A.i
91 H Ü R K H EL M E R -ADORNO

O que pode ser abrangido pela unidade; seu ideal é o sistema, do qual tudo
Nesse ponto, suas versões raeionalísta e empirista não divergem. Ainda que as
diferentes escolas interpretem os axiomas de diferentes maneiras, a estrutura da
ciência, unitária é sempre a mesma. Apesar de todo o pluralismo dos domínios
de pesquisa, o postulado de Bacon da Una sciantia imiversalis 7 é tão hostil ao
desconexo quanto a malhesi.s wüversatis de l.etbniz è inimiga do salio. A muilipli
cidade das figuras é reduzida a posição e ordenação; a história, ao fato; as coisas,
à matéria. Mesmo Sêgündo Bacon, deve existir entre os princípios supremos e
os enunciados de observação uma conexão lógica univoca através dos níveis de
generalidade. De Maistre túmba de Bacon, acusando-o de cultuar une hloíç ü'é-
ctieüe.* A lógica formal foi a grande escola de unjíoritir/ação F h ofereceu aos
Üuministas o esquema da calculabi lidada do mundo. A equiparação milologizante
díts idéias aos números, nos úlLimos cçcritos de Platão, exprime a ânsia própria
a qualquer desmitologizaçâo: u numero se tomou o cãnon do ilumutismo. As
mesmas equações dominam tanto a justiça burguesa quanto a ovea de mercado
rins, "Pois a regra de que é desigual a soma do igual com o desigual não será
um princípio fundamental tanto da justiça Como da matemática? E será que miO
exi-ste uma verdadeira correspondeu ei u entre a justiça çomutâtiva e JisLributiva.
por utn lado. c as proporções geométricas e aritméticas, por outro?” 5 A sociedade
burguesa é dominada pd-o equivalente. Ela toma comparáveis as coisas que não
têm denominador comum, quando as redio n grandezas* abstratas. O que não
sc pode desvanecer cm números, e. cm última análise, numa unidade, redu? se.
para o tlunrtirtkmit. a aparência e é desterrado, pelo positivismo moderno, para
o domínio da poestu. De Parménídcs a R iisstll, a senha é b unidade. Insiste se
na destruição dos deuses e das qualidades.
Mas os mitos que tombam como vitimas do íJurmnísmo já eram. por sua vez.
seus próprios produtos. No cálculo científico do acontecer, anula sc a justificação
que uma ve? Ihc fora dada pelo pensamento, nos mitos. O mito pretendia relatar,
denominar, direi a origem; e. assim, expor, fixar, explicar. Com a escrita e a
compilação dos mitos, cvsu tendência se fortaleceu. De relato que eritrn. eles logo
passaram a ser doutrina. Todo ritual inclui uma representação do acontecer cn
quanto processo determinado que se destina a ser influenciado pelo feitiço, liste
elemento teórico do ritual tornou se independente nas mais amigas epopéias dos
povos. O s mito?:. cais como encontrados pelos autores trágicos, jã estavam sob
o s-i^no daquela disciplina e daquele poder louvados por Bacon como o objetivo
a ser perseguido. Em lugar dos deuses» e demônios locais. aparecem o céu y a
sun hierarquia, ern lugar das práticas de conjuração do fciiiccirei e da trih,í. «nr
gem os sacrifícios de vários níveis h ierá rq u ico s c o trabalho dos escravos medi rui
zado pelo mundo. A* divindades olímpicas não são mais imediatameme idênticas
aos elementos, das os significam. Em Homero. Zeus preside o céu diurno, Apoio

iíucun, De a ugnxntix .Vcftfirômjffi1


, õp.cii-. vol. V|I1, p, lei. ■
,N. ilu i
11 f^s Soircvx J a-Hautt-PHcrthitrR, .Vffn: «hjtwVw. Z)r‘iii'rj-v (nmp^cr. I.ijo. IX^I vul IV. p. 256 íM. du
A.)
B Bacon, ,-l tfppriçempnf efLcn m in g.vp. alt.. vol. II. i>. I 26{'N dp A.)
CONC t i TO ü t LLÜM INISM Ü 13

guia o sol. Hélio e Lo s já derivam para o alegórica. Os deuses se separam dos


dcmcntos materiais corno sua* essências Desde emâo. o ser 5c decompõe, por
um lado. cm légõs que. com o progresso da Filosofia,, se comprime na mono da.
num mero pomo de referência, c. por outro lado na massa de tüd.as as eòm is
f criaturas lá fora. Um a üiiica diferença, y diferença entre a própria existência
e 3 realidade, absorve todas as outras. Sem que sejam respeitadas as diferenças,
o mundo lorna-se sujeito ao homem. Nesse ponto concordam a história da cria
çao judaica e a religião olímpica. “ P disse Deus: 'Façam os o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança. Domine de sobre os peixes do mar, sobre
as aves do céu. sobre os animais domésticos, os animais selvagens c todos os
répreis que rastejam sobre a t e r r a ' 0
X'Ó . Zeus. pai Zeus. c teu o domínio do céu e teu olhar sç estctltk do alio
a todos os feiios dos homens, os criotinosos e cs justos, e mmbem a insolência
dos anitnaís. c o leu coração se compra/ na retidão."1 11 "Pois assim são as coisas,
um espia im cjiaiam ertte.o outro, mais tarde; e. ainda que alguém consiga escapai
e a ameaçadora fatalidade dos deuses não o atinja, a--.n fatalidade acaba todavia
por Cumprir sc infalivelmente c inocentes têm que pagar pelo ato. seus filhos ou
uma geração posterior."'! 2 Perante os deuses subsiste apenas aquele que .se sub
mete sem restrições. O despertar tk> sujeito é pago pelo reconhecí mento do |xxicr
como principio de iodas as relações, I-"rente j unidade de uma tal razão. a Jiíe
rençn cmrc Deus c o homem é reduzida àquela irrelevância que a razão já iridi
cara rcsúkitamcruc. desde a mais antiga critica homérica. 0 Deus crutdor c 0
espírito ordenador íáo iguais entre si enquanto senhores da natureza. No hòincm.
0 seu .ser feito á imagem de Deus consiste na sua soberania sobre 0 que existe,
no >eu olhar de senhor, no comando, 0 mito passa u ser iluminação e a natureza,
mara objetividade. O pfeço que os homens pagam pelo multiplicação do seu puler
é a sua alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O iluitninismo se relaciona
com us cousas assim como o ditador se relaciona com os homens, Ele os conhece,
na medida em que os pode manipular. Ü homem de ciência conhece as coisas,
na medida em que ns pode produzir. É assim que o em si das coisas vem a ser
p a ra -rlc,*. N;i modificação, a ííssêndn da», coisas se revela como já svrtdo desde
sempre a mesma, como substrato Ue dominação, Jiasa tdemtdade consiiiui a um
da de do natureza. Nem ela nem tampouco a unidade do sujeito eram pressupostas
pela conjuração mágica. Os ritos xamanístas eram usados para o vento, par» a
chuva, para a ser perue lá fora ou para o demônio no doente, e nàn para os elemen-
los materiais ou para os exemplares. A magia não era impulsionada por um único
•c mesmo espirito: ele variava, uil mmü as máscara* do culto, que deviam assente
lhar se aos diversos cspirÍLOs. A magia é u inverdade cruenta, mas que não pre
tende ainda renegar a dominação, estabelecendo se. LransEbrmadn na verdade
pura. em fundamento do mundo caído soh seu poder. O feiticeiro sc faz. sente

1 * ( , lti l . C t h ( N . iln A , )
1 ArchitochítK, 1*. * 7. Ctuda por JltaiiCrtn. A ll& m tin * ttwtrfiteiite dt*r JPhfíaKrtpkit. vai. 11. 1‘fimar: [wru-.
Lçipíijí. D l l. p. 11 (N-dn A.i
l! . np. /'ir,, p 20 ítV tia A I
Sótijffi. Ir I I , 25 ■
Y4 H O R K H E IM E R A D O R N O

Ihame aos demônios; para assustá-íos ou abrandá-los. ele se comporta de uma


maneira assustadora ou branda. Embora seu ulícío fosse o da repetição, de ainda
não se proclamara feito á imagem dsi força invisível, tal como faz o civilizado,
paia o qual. então, os modestos campos tlé caça se aviltam, convertendo-SC num
COSmó unitário, no conjunto de todas as possibilidades de exploração. Só na ine
didu cm que é essa imagem, o homem atinge a identidade do si-mesmo. que não
se pode p-erdef na identificação com um outro, mus que toma posse dc ri de uma
ve/ por todas como uma mascara impenetrável. Essa è a identidade do espirito.
c seu correlato é a unidade da natureza, diante da qual sucumbe a riqueza das
qualidades. A natureza desqualificada tõma-se o material eaofiço dc uma simples
classiJiwvüü e u ú mesmo todo-pyderuso converte se cm mero ter. em identidade
abstrata. Na mugia, ha representantes específicos. O que ocorre com :i lança do
inimigo, com o seu cabelo, com o seu nome atinge, ao mesmo tempo, a pessoa.
í u animal de sacrifício é massacrado em lugar do deus. À substituição no sacrifí­
cio murou um pitsso em direção da lógica discursiva. A ceava ou o cordeiro que
deviam ser ofertados pela filha. ou pelo primogênito, embora devessem ainda ter
qualidades próprias, já representavam, entretanto, a espécie. Eles traziam cm vi
o caráter arbitrário do ükcm piar. Mas i sacralidtuk do hic vi mmc, a unicidade
do eleito, contraída pelo representante, distingue-se ratliealmctUc. faz com que
ele 11 àd possa vir a ser objeto de troca. À ciência põe lim a isso. Neta nílo se
pode recorrer a representação especifica: se ainda hâ animais de sacrifício, deuses
não mais -existem. 0 recurso da representação transforma se em funcionalidade
universal. Um átomo não é desintegrado enquanto representante, mas enquanto
cspécimcn da matéria. c o coelho na o assume qualquer função rcpnsent ativa,
mas incompreendido, atravessa a viü vntris ilo laboratório como tun mero exertt
piar. Cum o na Ciência funcional as diferenças se tornam tão fluidas que tudo
perece numa matéria única, o objeto cientifico se petrifica e o rígido ritual de
.miigamenu aparece como maleável. pois ainda substituía uma coisa pela outra.
O mundo da magia ainda continha diferenças, cujos traços desapareceram. até
mesmo da turma da linguagem. ’ a A s múltiplas afinidades entre entes são reprimi
d;is por uma únicíi relação entre o sujeito doador de sentido e o objeto sem sen­
tido, entre a significação racional c o suporte causai da significação. Na etapa
üu mugiu, sonho e imugem não valiam euimj meros rignox dc coisa, mas como
vinculados ,i ela por semelhança uu peio nome. A relação não é n do intenção,
mas u do parenlesco. A feitiçaria, como a ciência, tem seus fins. ma* da os p*rse
v.uc pclu mim esc e não por um distanciamento progressivo Uo objeto. E la tiãü
se lundamentíi de modo algum numa "onipotência dos pensamentos" que fo^m
atribuída a si mesmo pelo primitivo, tal corno fazem os neuróticos;1* onde nâu
hâ separação radicai entre pensamento e realidade, não pode haver "superestima
çftü de processos psíquicos face ú realidade'. A "confiança inabalável na possibi
lidade de dominação do mundo” , q u e FremJ unacrúnicaineme atribui à fciüça 1

11 C!.. p. e#„ H.irhc=” l ( l,gwig. ,\n frwtiifaaktt) tu i-tit/nrat Aiitírrvpfititsil « Rov& Vorfc. I Wtf, pp,. 4>.
EN dn- A i
' 4 i ’l, fotvw unJ Tí/íki. íir.iinwwiii' fl i-vív, vul. X . pp 11>f>ss. I IS!. ilu A t
4 Oç‘. l-í i ., p. IJ1MN- do A )
C Q N C E .n o DE ILUMINISMO 95

ria. só vem com uma dominação do mundo adaptada à realidade, feita |Wf mCiu
de uma ciência mais astuta, Para as praticas locais do curandeiro poderem ser
subsLítuídas pela técnica industrial universal mente aplicável, foi necessário, cm
primeiro lugar, ter havido um processo em que os pensamentos se tornaram indc
pendentes dos objetos, semelhante ao que se perfa/ no cu adaptado à realidade.
Enquanto totalidade verbal mente desenvolvida — cuja pretensão á verdade
reprimiu a lê mítica mais antiga, as religiões primitivas - o mito solar patriarcal
é por sua vez iluminismo com o qual o iluminismo i doso fico pode medir se no
mesmo plano, Ele recebe agora o pagamento na mesma moeda. \ própria mitolo
gta desencadeou o processo sem fim do iluminismo, no qual qualquer visão teó
rica determinada sucumbe, inelutável e necessariamente, como vítima da crítica
arraxadora de ser apenas uma crença, n ml ponto que o< próprio*, conceitos de
espírito, dc verdade c ate mesmo dc iluminismo são relegados ao domínio do
feitiço animistu. O principio daquela necessidade do destino que se trama qual
uma consequência lógica do Oráculo, e pela qual perecem o* heróis do mito. uma
vlv. purificado a pomo de atingir o rigor da lógica formal, não predomina apenas
em qualquer cisterna racion alista da filosofia ocidental, mas governa até mosmu
u sequência dus .sistemas, que começa com a hierarquia dos deuses e. no crepús­
culo permanente dos ídolos, lega. a líiulo de conteúdo idêntico, d ira contra as
OOnUü ma! prestadas Assim como os mitos já são iluminismo. assim nimbem
o ilum inism o sc envolve cm mitologia a cada passo mais prolundamente. Ele
recebe todo o seu material tios mitos, paru oitâo destruí los. c. enquanto iusti
ceirc. cai sob u encantamento uiiiico, file pretende wuhirpir-.se ao processo do
destino e dá retaliação, exercendo a retaliação sobre cSse próprio processo. Nos
mitos, todo acontecer tem que expiar seu ter acontecido. 0 iluminismo Jica nisso
rru-smoi o fato se anula, mal tendo acontecido. A doutrina da igualdade da ação
e da reação alegava o poder da repetição sobre a existência, muito depois de
o* homens se terem desfeito da ilusão ac identificar se por repetição com a exix
tòncia repetida c de subtrair-se assim a seu podei. Porém, quantu mais se desva
nece a ilusão mágica, mais implacavelmente1 a repetição, sob o rótulo de legtili
dude. amarra o homem àquele círculo, por meio dc cuja objetuah/.açáa em lei
du nuture/íi o homem se pretende garantido cnmo sujeito livre. Q principio de
imanêneia. dc explicação de todo acontecer como uma repetição, sustentado pelo
iluminismo contra o poder tia imaginação mítica, è o princípio dc próprio milo.
A sabedoria ressequida, para a qual nada de nova vige sob o soí, desde que.
no jogo sem sentido, todas, as curtas já Ibrum jogadas, c os grandes pensameruos.
todos cies já pensado*. que ás possíveis descobertas podem ser ÈSltecipadmncrUe
construídas, c que os homens estão comprometidos a se autoconservarem pela
adaptação essa sabedoria ressequida limita sc a renovar a sabedoria fantástica
que jusLamenfe rejeita: sanção do destino que reproduz snce^anicmeniv por rem
lí ação o que sempre já cru. O que podería ser outro é Jeito ijtual. Tal c o verediio
que estabelece ciitícnmente os confins da experiência possível, A identidade dc
tudo com tudo c paga com o não haver nada podendo ser ao mesmo tempo idén
tico a sí mesmo. 0 iluminismo dissolve a in justiça da antiga desigualdade, a do
% H O K K H E IM L K A DO K NO

miniiçào imi&iiata, porém toma a. ao mesmo rompo, eterna mediação universal*


na relaçào de um ente qualquer a qualquer outro. Ele consegue fazer aquilo de
que sc louva u ética protestante de Kiertegaard e que se encontra no ciclo épico
de Hercules como dos arquétipos da violência mítica: cie extirpa u ineomeiisurá-
vel* Não são só as qualidades que se dissolvem no pensamento, também os ho­
mens são coagidos à conformidade com o real O mercado não questiona sobre
o seu nascimento, mas o preço dessa vantagem* pago por quem fez a troca, foi
u de ser obrigado a permitir que as suas possibilidades de nascença fossem mode
ladas pela produção das mercadorias que nele podem ser compradas. O s homens
foram presenteados com um si-mesmo próprio ã cada um e distinto ül* todos
os outros, só para que se tome, com mais segurança, igual aos outros. Mas. como
d e nunca se dcslcz LuLalmente, n ilumínismo. mesmo durante o períodu liberal,
sempre simpatizou com a coação social. A unidade do coletivo manipulado cun
sisíc ria negação tle qualquer indivíduo* zomba-se de ioda espécie de sociedade
que pudesse querer fazer do indivíduo uni indivíduo. A horda, cujo nome figura
sem dúvida alguma na organização da Juventude HulcfisUl, não c ncnlutrna re­
caída na antiga barbárie, mas o triunfe da igualdade repressiva, o desenvolvi­
mento du igualdade do direito rta injustiça feita pelos iguais. O mito pechísbcque
dos fascistas rcvçía-se como aquilo que no ante tempo era o mito genuíno, só
que esse último distínguía a retaliação, enquanto o falso a executa cega mente
nas suas vitimas. Cada uma das tentativas de romper o jugo du natureza, en
quanto rompe com a natureza, c só uma queda mais profunda sob esse jugo.
f o i assim que a uivílí/.içâo européia percorreu o seu caminho. A abstração, ferra
menta do ilumínismo* comporta se face n seus objetos como o destino, cujo cou
ccilo c por cia mesmo eliminado: como liquidação. Sob u dominação nlvclante
do abstrato, que fim a>m que tudo na natureza se possa repetir, o sob a da imitis
iria. para a qual isso c aprontado, os próprios liberados convertem se rtnalmente
naquela "tropa" que Ik g jíl *6 «ssínalou como o resultado do iluminismo.
Á distância do sujeito ao objeto, pressuposto da abstração, fundamenta-se
na distância â coisa que o senhor obtém por meio do assenhoreamenttí. Os cantos
homêríeti* ç o» hinos do Rig linia provêm dos tempos du dominação das terras
e dos burpos lonalccidos nos. quais se assentara um povo guerreiro, senhor da
massa dos autóctones vencidos.11r O maior de todos os deuses gerou se no mundo
desses primeiros burgos, onde o rei. como chefe da nobreza armada, fixava h
rern os subjugados, enquanto médicos, adivinhos, artesãos, comerciantes cuida­
vam da circulação social. Com o fim da vida nômade, a ordem social se consti­
tuiu à base da propriedade estável. Dominação c trabalho se separam. Um pro
prietário, como Ulisses, "traz consigo, de terras longinquas* um pessoal numeroso
e mirUidosaniLiTiie diferenciado, eon.sduiido por homens que cuidam dos b-uis.uve
lhas, v purços. o por serviçais. À noiu.% Lendo avistado do seu ca sid o o campo

‘‘ PitMNJNHYiotvglC J í >Gvisl eí, inc. i'.'".'.. p. í2-í. i N. J í>A.)


' C! W. itirfcl. CcifWíJfli' (tt Pwpvim?arls^csditchic, vnl. III. p|i. 261 s. e G Glnu> lilstoirt
(Ifin/ui-, vol. I. fii Itià-lfirt' Uk -ii h w . Pur.* tWS. pp 1.17 .s. |N .A ' A.)
C O N C E I T O Dh 1LÜ M IN ISM O 9?

Iluminado ptir mil Fogos. pode adormecer tfanqiiilarriente: ele sabe que seus bra­
vos servíçaus velam para, manter a distância os animais selvagens e para afugentar
os ladrões dos recintos confiados ã sua gu arda.'18 A generalidade dos pensame-
toft, tal como a lógica discursiva a desenvolve, a dominação na esfera do conceito,
erige-se sobre n fundamento da dominação na esfera da realidade. Na substituição
da herança mágica, das antigas representações difusas, pda unidade conceituai,
exprime se :i constituição da vida articulada pelo mando e determinada pelos hc-
m«ns livres. O si mesmo quç. com a sujeição do mundo, aprendeu a ordem ç
a subonlmação. não tardou a identificar a verdade em geral com um pensar que
dispõe, cujas firmes diferenciações sào imprescindíveis para que possa subsistir.
Com o feitiço mimético, o si-mesmo transformou cm tabu o conhecimento que
atinge efetiva mente o objeto, Seu ódio se volta, contra a. imagem do ante-m undo
vencido e contra a sim felicidade imaginária. O s deuses ctónios dos aborígenes
sàu desterrados para o inferno no qual a terra mesma se transforma, sob a religião
de so3 e luz de In Jra c Zeus.
Mas céu tf inferno estavam estreitamento ligados. Assim como- o nome de
Zeus convinha, em cultos que não se excluíam reciproca mente, tanto a um deus
subterrâneo como a um deus de lu z .19 assim como os deuses do Olimpo cultiva
vam todo tipo de convivência com os ctònioã. do mesmo modo as potências boas
c más. a salvação c si perdição, não estavam isoladas uma da outra «cm amhigui
dades. Idas sC encadeavam como geração e corrupção, vida c morte, verão c in
verno. No mundo luminoso da rdigjão grega sobrevive a turva in diferenciação
do princípio religioso que, nas mais antigas fases conhecidas da humanidade,
era venerado como m a n o . Originaria mente, in diferenciado é tudo aquilo que è
desconhecido, estranho, aquilo que transcende o âmbito da experiência, aquilo
que nas coisas excede o seu existir antecipadamente conhecido. O que aqui e
experimentado como sobrenatural pelo primitivo não o a substância espiritual,
em OpOsíçào n material, mas o crurdnça mento do natural face ao membro singu
Uu isolado. O grito de terror que acompanha a experiência do insólito, fica sendo
o seu nome. Ele fi xíé a transcendência do desconhecido face ao que é conhecido
e converte assim o tremor em santidade. A duplicação da natureza em aparência
c essência, ação c força, que faz com que taiuo u mito como a ciência venham
a ser possíveis, provém da angústia do homem, cuja expressão .se toma explica
ç lo . Não que a alma seja transferida para a natureza, core o f.v ercr o psicolo
gism-o; rrnna, o espírito motor, não c nenhuma projeção c sim o eco da suprema
cia rçiil da natureza nus almas fracas dos selvagens.. Só a partir desse
pre animismo è que è feita a cisão entre o animado e o inanimado, ç que determM
nados lugares são invesLidos de demônios e divindades. Nele já e*tú implícita
a separação entre sujeito c objeto. Se o homem não considera mais a árvore ape
nas como uma árvore, mas como testemunho de um outro, como sede do

'* C.J.(1,161/. o p . n t [>, L4-0 [N Jo -Vi


'* Cf. Ku rt Eckcrmann. Ja krb » e it dpr Retigfons^ snhieiiU ' uutl MvihalngU-, I3;Jk, 1845. viC. J. p, 24 I e
O. Kiati. p ic Reftgtw da iirfcdica. Etrlnn. J02u, vul.L pp. IB I to.(N Ju A.)
Í>H' H O R K H EIM b R AD O RN O

mana, a linguagem exprime a contradição de algo ser d e próprio e ao mesmo


tempo algo tlifereme.de si próprio, idêntico c nao idêntico,za Por meio dn divin­
dade. a linguagem passa de tautología a linguagem* O conceito, que costuma
ser definido como unidade das características daquilo que compreende sob si.
Jbi* cm vez disso, desde u imriu. o produto do pensamento dialético, no qual
sempre tudo St"> c o que é. enquanto se tnrna o que não é. Essa foi a forma origina
ria da objelivaçàü determinante cm que conceito e coisa se separam dessa mesma
objetivarão que, na epoea homericA, ia era bastante florescente c que 5C inverte
na ciência moderna positiva. Mas essa dialética permanece impotente, na medida
em que se desenvolve a partir do grito dá terror que c d duplicação, a tauLOlopid
do próprio terror. O s deuses não podem livrar o homem do medo cujas voze*
petrificadas eles carregam como seus. nomes. O Jinmcm iem a ilusão de se ter
libertado du medo quando já não hâ mais nada de desconhecido. Jsso diLenniua
a via da desrnitoiogizaçáo do iluminismo que identifica o animado com o inntti
ma do, aisim como o mito identificava o inanimado com ü animado O clumi
nismo e n angústia mítica que se tomou radical. A imãncnda pura do positiva
mertle. seu produto ultimo, é algo como um tabu universal, l.á Ibro nao deve*
haver mais nada, pois a mera representação do lá fora ú a verdadeira fonte da
angústia, guando a vingança do primitivo, pd a morto infligida n um dos seus.
se deixava evcniualmemc aplacar pdti aceitação do homicida no seio da própria
fam ília.* 1 tanto a vingança quanto a aceitação significavam a assimilação do
sangue alheio ao próprio, ,i instauração da imaneneia. O dualismo mítico não
levit alem do âmbito da existência. O mundo dominado pelo ntuna o mesmo cinda
o mundo do mito hindu c grego $5c> utemarmanic iguais c sem saída. Co da na,set
mento é pago com a morte, cada felicidade, com u infelicidade, I lotnens e deuses
podem tentar. dumnlc n tempo que lhes é dado. distribuir o xortesegundo medidas
diferentes do curso cego do destino, mtus. no final a existência triunfa sobre de*.
Até mesmo sua justiça, arrancada do destino, exibe os seiix traços: d a corres
ponde ao olhar que os homens. tanto os primitivos como os gregos c os bárbaros,
lançam para seu muiulo ambiente, a partir de uma sociedade de coação c dc
miséria. h por ivso que, Uinto para a juf-iiçu mítica eomo para ti do Ilurninismo,
culpa e pena, felicidade valem como memhros de uma equação. A justiça perece
no direito, O vrimanista esconjura o perigoso pda sua imagem. íe u insmtmeiuo
ò a igualdade I da que regula a partição c o mérito na civilização. Ás represemn
çóes dos mitos podem ser reduzidas, sem deixar resto, a relações da natureza.
Assim como a constelação dos Gêmeos e todos os outros símbolos de dualidade
indicam o ciclo inelutável da natureza, que por su:i vez tem no símbolo do ova.
do qual saiu, seu sieno mais arcaico, da mesma maneira a balança na mão de
Zeus, imagem sensível da justiça de lodo o mundo patriarcal, remete â natureza
nua. O passo que vai do caos ã civilização, onde as relaçòex naturais não mais

“ llutarr c Míi-iSs ikSéftverti <* Us*r represcnraiivo Jn ‘"simpíiUfl" da mimou.', J j . Li.-uinu in fla m "I "un
Cri íir U lu t, to uf ■.*•-1 i Vin>. I ' l i ' . lá rtal ii tu IrtiMTipln' 1/ l,i iKili.irq’" 11. I l u W n % M Min. T h iu iu ; G tiliêiiilc
A* in M 9 $ p . tn I ' I jjb . v X a e / íih fflç tú . Z, ,i. j f f l / V J i I J
• 1 Ci 'kVesteriiHircK. Urspmn# Jvi .itotàiàcrxrijjfa, LcipzifL, t^J3, vliI, tp 4U2.t N. di> Aq
C O N C E IT O D E 1LU M IN ISM Ü 99

exercem n seu poder imediata mente. tnas através da consciência dos homens, não
resultou cm alterarão alguma na principia dit igualdade. Sim , os homens tiveram
■que expiar, justa mente por esse passo. com a adoração daquilo a que antes eram
<i,penai submetidos, assim como todas as outras criaL tiras. Antes, o fetiebes esta
vam sob a lei da igualdade. Agora, a própria igualdade se converte em leLichc.
A venda sobre os olhos da JtíSfítíà não s itn iik à somente a proibição de intervir
nu direito; cia diz ainda que o direito não provém da Liberdade.

A doutrina dos sacerdotes era Simbólica, no sentido em que nela coincidiam


signo e imagem. Como testemunham os hieróglifos, a palavra desempenhava on
pínaríamente também n função de imagem. FNso função passou para ós mitos.
Tanto os mitos, quanto os ritos mágicos visam á natureza que \e repete. Ela c
a essência do simbólico: um scr ou uni processo que é representado coino efojmo*
por dever sempre converter se nova mente cm acontecimento. no perfazer sc do
símbolo. Itiesgotabüidáde, renovação sem fim. permanência do significado. não
são apenas atributos de todos os símbolos, mas seu verdadeiro teor. As narrativas
da criação em que o mundo .sai da mãe primígena, d;*. vaOâ ou do ovo. são simbó­
licas em oposição á gênese judaica. A zombaria que os antigos fa/iam dos deuses
demasiadamenie humanos deixou intacto o essencial. A individualidade não es
gota a essência dos deuses. Eles ainda tinham em si algo de mana, encarnavam
a natureza enquanto poder universal; c. com setis traços pre-animisLas. sob revi
vem no iluminismo. Debaixo do véu pudico da crontque scartdahitse do Olirnpo.
já sc linha configurado a doutrina da mi st ufa, da pressão e choque dos elementos,
que logo em seguida st estabeleceu cCrnü ciência c reduziu os mitos a construções
da fantasia. Com a d a ra distinção entre ciência e puesiú. a divisão do trabalho
jà efetivada com seu auxilio se estende a linguagem. Com o signo, n palavra entra
na ciência; como som. corno imagem, como palavra propriamente Jtia, elti t dis­
tribuída pelas diferentes artes, sem que jam ais possa ser restabelecida pda soma
dessas última», pela sinestesiu ou pela “ arte global". Como sigtiu. a linguagem
deve resignar-se a ser um cálculo, pnra conhecer a natureza, precisa renunciar
u prelaW iu du lhe scr -semelhante, Como imagem, ela deve resignar se a ser repro
duçãó. para ser tutal mente natureza, tem que renunciar á pretensão de conhece la.
Com o progredir do iluminismõ. só us autênticas obras át arte puderam escapar
de ser meras imitações daquilo que, de qualquer maneira, já é, A antítese corri
queira entre arte u ciência, que separa as duns em diferentes setores culturais,
a Um de que. enquanto setores culturais, das possam ser ambas administradas,
faz. com que cada uma delas, enquanto exato oposto, converta se final mente na
outra em virtude Je suas próprias tendências. A ciência, na sua interpretação
ncoposítivíxia, (orna-se esteiicísmo. um sístema de signos solios. desti i li ido.s de
qualquer intenção que transcenda o sísiema; jugo que os matemáticos, já lià muito
tempo, orgulhosa mciue declararam ser o seu assunto. Mas a arte da rcproihnihiii
dade integral abandonou sc à ciência positivista até mesmo na> suas técnicas.
Mais uma vez. de fato. ela *e torna mundo, duplicação ideológica, dócil reprodu
çáo. A separação entre signo e imagem é inevitável. Todavia, .sc for mais uma
ve? hiprwrnsíada. num incauto contentamento consigo mesma, cada um dos dois
princípios isolados iruluí, à destruição da verdade.
100 H O R K H E IM E R A D O R N O

A filosofia evita o abismo que se abriu oom essa separação* na relação entre
conceito e intuição, e tenta sempre c em vão cobri-lo: sim. na verdade* eia se
define por essa tentativa, £tàS mais das vezes, ela se posta decerto do lado do
qual recebe o nome. PEatào baniu a poesia, no mesmo espirito cem que o positi
visnio desterrou a doutrina tias idéias. Com sua arte tão louvada* Homero não
impôs reforma* nem pública* nem privadas, nãu ganhou guerras nem fez desco­
bertas. Desconhecemos a existência de um grande número de seguidores que o
Leríam venerado uu amado. A arte aindà terá que comprovar sua utilidade.22
Em Platão, como nr> judaísmo, u imitação ê pro senta. Razão e religião banem
o princípio tia feitiçaria. Enquanto arte. numa abnegada distância da existência,
esse princípio ainda é desonesto; os que o praticam tornam-se erranfox. nômades
sobreviventes que não tèm mais pátria entre os que sl- tornaram sedentárias. A
natureza não deve mais ser influenciada pur assemeíhação. mas domirtaida pelo
trabafho. À obra de arte tem ainda em comum com a feitiçaria a fixação de
11111 domínio próprio fechado cm si. subtraído da contextura do existir profano.
Vigem aí leis particulares. Assim como 0 feiticeiro começava a cerimônia delimi­
tando. contra lodo o mundo circundante, o lugar próprio para o jogo das forças
sagradas, assim também em cada obra de arte destaca-se do real o seu âmbito
fechado. A renúncia ;i influencia, pela qual a arte se desliga da simpatia mágica,
é justamente o que mais profunda mente preserva a herança mágica. Ela impõe,
cm oposição ã vxistcrwia cm carne c usso. a imagem pura que supera em si os
elementos dessa existência, O sentido da cbra de arte, á aparência estética, exige
que ckt seja aquilo cm que sc convertia, naquele feitiço do primitivo, o novo e
terriííctmte acontecer: a aparição do todo no particular. Perfaz -se mais unia vez,
na obra dc arte. a duplicação pela qual ;;i coisa aparecera como espiritual. como
extemuçuo do mana. É isso que faz it sua aura. Enquanto expressão da totalidade,
a arte se firvora cm dignidade tio absoluto. As vezes isso levou a filosofia a alri
buir à arte a primazia sobre o cünhecimemu conceituai Segundo Shdling. a arte
começa onde o saber abandona o homem i\ sleíi sonc., E la c. para Shelling, “o
modelo dn ciência, que ainda está para chegar onde a arte já se encontra” . 23
A separação entre imagem c signo c« no sentido da sua doutrina, “cumpla.amt.mu'
superada jvir cada apresentação singular dn arte’’*,? 4 Raros vezes., o mundo bur­
guês mostrou abertura para umn tal confiança na arte. Quando ele restringia o
saber* via dc regra, isso acontecia PflO a fim dc dar lugar â arte, mas sim ú fé.
E pda fé que a retigiosidede militante dos tempo® modernos, Torqucmada. Lu
icro, Maome, pretendiam reconciliar espírito e existência. Mas fé é um conceito
privativo: cia c anulada enquanto fé se não acentuar conrinuamente sua oposição
ou sua concordância com o saber. Enquanto depende da restrição du saber, d a
é por snn vez restringida. A teaiativa empreendida pela fé, no protestantismo,

ii Cí- bü decano livro J * K ç p M llC it, tN .tk j A.l


** i r s f í f t n t r n r j fin e s S v ste rm der N a ív rp liilo sifp M r. guinia spção. in W erkc, Pnwnejía parle, vol. lí. p.
&2S. (N. do A.l
■' * 0(1, t-it , p.-SJ5. 1 N, do A,'i
C O N C E IT O DE ILU M ÍM SM O 101

de encontrar imedíatafltente na palavra, como se dava no anle-tcmpo. o principio


da verdade a ela transcendente e sem n qual ela nau pode existir, e dc devolver lhe
o poder simbólico, essa tentativa foi paga com a obediência à palavra, e precisa•
mente não à palavra sagrada. Enqvanto permanece, quer como amiga, quer corno
inimiga, forçosa mente atada ac sabor, a fé perpetua a separação, na luta para
vence la: seu fanatismo é o signo da sua inverdade, a confissão objetiva de que
quem rem somente té. por isso mesmo não tem mais fé. A mã consciência ê sua
segunda natureza. A razão pela qual Leda honestidade de quem tem le foi desde
sempre írascivd e perigosa está na consciência secreta do defeito que necessária
mente a afeta, na consciência de contradição que lhe c irrtanente. de fazer da
reconciliação o seu oficio. Os horrores da espada e do loco. da Contra-Reforma
e -da Reforma, nao foram excessos cometidos, mús & realização do princípio da
íc. A fé manifesta continuamente que tem ò mesmo cunho que a história do
mundo. que pretende ter a seu coutando, Nus Limpos modernos da se torna o
instrumento predileto do seu ardil particular. Irrefreável é não só o iLuminismo
do século X V I I I . como reconhecia 1legei. mus. o nenhum outro sabia disso me
Dum do que ele. t> próprio movimento do pensamento. Em todos os níveis dc
compreensão, desde os inferiores ntc os mais d evid o s, está contida a evidência
de sua distância à verdade, que torna o apologeta um mentiroso, O paradoxo
da fé se abastarda final mente na burla, no mito do século X X , c sua irracionalí
düde degenera cm insiiuiiçào racional nas mãos dos UefíhiiivameiiLe esclarecido*
que guiam entretanto a sociedade para A barbárie.
Desde que a linguagem entra na história, seus mestres são sacerdotes e feiti­
ceiros. Quem viola as símbolos cai. em nome das poícndiis s-upraierrénas, vítima
dos poderes terrestres, cujos representantes çao os. órgãos oficiais dn sociedade.
Ignoramos o que pode icr acontecido ameriormente A etnologia sempre encon
creu já sancionado. tio mínimo pelos anciãos da tribo, o terror do qual nascia
o mana. Os homens tornam consistente e materializam com violência o muna
fluído e não idcniico, Os íeitiedros não tardaram a povoar Ludos os lugares com
emamiçõçf. e u coordenar n multiplicidade dos domínios sacra ís aos ritos >.aerais.
Com o mundo dos espíritos e sutis peculiaridades, des desenvolvem seu saber
futuro e sua autoridade A essência sagrada transmite se aos feiticeiras que com
elfl convivem- Nas primeiras etapas nômades, os membros da cHtwo participam
ainda, de maneira independente, du iníluéncia sobre o curso da natureza. O s ho
mens vao à caça e as mulheres cuidam do trabalho que pode ser feito sem um
comando rígido, t, impossível determinar quanta violência precedeu ao hábito
mesmo dt uma ordem tão simples. Nela, o mundo já estava dividido numa esfera
de poder e numa outra profana. Nela. o curso da natureza, enquanto emanação
do mtma já se elevara cm norma que exige a submissão. Mas $e apesar de toda
submissão o selvagem nômade ainda tomava parte no feitiço que a limitava, dis­
farçando se em caça para surpreender á caça- nos períodos posteriores-, u comér­
cio com os espíritos c a submissão foram distribuidor pelas diferentes classes
da humanidade; o poder fica dê um lado, o obedecer do outro. Os processos
dá natureza, etçmaroeme iguais e repetitivos, são ineulcados nos que sito submeti-
102 H O R KH F.IM ER A D O RN O

ctos. quer por tribos estranhas, quer pelas suas próprias camarilhas dirigentes,
corno cadência de trabalho marcada pelo ritmo do pilão e do açoite. que ressoa
em cada tambor bárbaro, em cada ritual monótono. Os símbolos assumem a ex
pressão do fetiche. A repetirão da natureza, que eles significavam, evidencia-se
ciai por diartre sempre como a repetição dâ permanência de coação social por
des representada, O terror objdualizado na imagem fixa Uíma-se signo da domí
nação fortalecida rios privilegiados. Mas os conceitos gerais continuam a scr esses
mesmos signos, embora tendo eliminada do si qualquer afiguração. A forma dedu­
tiva da ciência espelha ainda a hierarquia e a coação, T al como as primeiras
categorias representam a tribo organizada e seu poder sobre o indivíduo, toda
n ordem lógica, dependência, concaicitação, extensão e conexão dos: conceitos
fundamentam-se nas relações correspondentes da realidade w c ia l. da divisão do
trabalho.3s Contudo, esse caráter social das formas do pensar não ê. como ensina,
Durbhdm . expressão de solidariedade social, mas testemunho da unidade impene­
trável entre sociedade c dominação. A dominação confere maior força e con&is
tencia uo Ledo social no qual se estabelece. A divisão do trabalho, na qual a
dominação sc desenvolve social mente, serve à autocouservaçao do todo domi
nu do. Mas com isso. o todo como Lal, a atividade da razão a ele im&nente. ior-
na se execução do particular. A dominação faz frente uo indivíduo a título de
gorai, dc razão na esfera da realidade. O poder de todos os membros da sociedade,
que enquanto tais não dispõem de outra .saída aberta, soma-se. sempre de novo.
por meio da divisão dc trabalho que lhes ê imposta, para a realização justa meme
do todo. cuja racionalidade assim e por sua vez multiplicada. O que c feito a
io d o s p o r poucos, perfaz sempre pela xubjug&çào dc alguns por muitos: a
opressão da sociedade cxihe sempre, ao mesmo tempo, os traços da o presa, uo
exercida pot um coletivo. I essa unidade dc coJciivida.de o dominação, ç não
a imediata generalidade social a solidariedade, que se sedimenta nas formas do
pensamento Q s conceitos filosóficos com os quais Platão e Aristóteles expõem
o mundo, pela pretensão á validade universal, elevaram as relações pot eles lurtda
mentadns ao S!a!ns da realidade verdadeira. Esses conceito* provêm, como se
lê em V icu .5* do mercado dc Atenas. Eles espelham, com a mesma pureza, as
lei- da física a igualdade dos cidadãos de pleno direito c a inferioridade das
mulheres, crianças c escravos, A própria linguagem conferiu ao dito. as relações
de dominação, universalidade que cia própria assumiu enquanto meio de com uni
cação dc uma sociedade burguesa. A insistência metafísica, a sanção por ideiús
e normas, não passava da hipósiase da dureza c exclusividade que deve sempre
caracterizar os conceitos onde quer que n linguagem tenha unido a comunidade
dos dominantes no exercício do comando Quanto mais crescia o poder social
da linguagem, mais supérfluas tomavam-se as idéias para fortalecê-lo. c a lingua­
gem da ciência lhes deu o golpe de misericórdia. A sugestão, que tinha em xí
ainda algo do terror perante o fetíche, não se prendia à justificação consciente.

’ f' C l fi. Ourkhóm, ih ‘ q ü c lq tirt farines p r im it iv a uV c la s s ific a i in a . L ‘A m i v - W U iõgiepu, vol IV pp.


fjti ss, {N, da A.)
111 C . Vicrt, P ii \ « w PFi*scwsc/ttifi itw r efü' iiwntvaxçütfftlwht' Xatur dm tVilker, Tri*J. (le Auerbaeh. Muni
qu«:. I J 24. p W* t K . J c A i
CONCEITO DE ILUMIN1SMO lí»

A unidade entre coletividade e dominação manifesta se antes naquela universal!


dade que o conteúdo mau necessariamente assume na linguagem, tanto na língua
gcrn metafísica como na científica. A apologia metafísica trai a injustiça do sub
xistente. pelo menos na incongruência entre conceito c realidade. Na
imparcialidade da linguagem científica o desprovido de poder perdeu completa
mente a força de expressão e só o subsistente encontra >eu signo neutro. Tal
neutralidade é mais metafísica do que a própria metafísica. O iluminismo devorou
finalmenle não su os símbolos, mas também seus sucessores, os conceitos univer­
sais. e da metafísica não restou nada unais do que aquela angústia abstrata perante
o coletivo, da qual se originou, frente ao iluminismo, os conceitos estão como
reruiers perante os trustes industriais. Nenhum deles pode seniir se seguro. Se
o positivismo lógico d eixara urna Chance á probabilidade, o positivismo etiioló
gico a equipara a csscticta. “ Nossas idéias vagas, de chance e de quintessência.
são pálidos sobreviventes de uma noção muito m ais rica' . 77 a saber. ;j de subs
liincús mágica,
O iluminismo. enquanto nominalista, pára dmntc do nü/rten, conceito punti
forme, sem extensão, nome próprio. Já nàn c mais possível decidir com certeza
se. como pretendem alguns.40 os nomes próprios eram também originabnente no
mes genéricos: contudo cies não compartilham ainda do destino desses últimos.
A substancia-eu. negada por liutnc e Maeh. não é o mesmo que o nome. Na
religião judaica, onde a idéia du patriarca se acentua até a anulação do mito,
o vínculo entre nome c ser ainda c reconhecido na proibição dc pronunciar o
nome dc Deus. O mundo desenfeitiçado dos judeus reconcilia a feitiçaria com
a sun negação, na idéia dc Deus, A religião jud aica não tolera nenhuma palavra
que iitiga consolação uo desespero dc tudo o que é murlal. Toda esperança é
vinculada à proibição de invocar o falso como Deus. o finito como infinito, a
mentira como verdade. O penhor da salvação çsià na recusa de toda l e q u e pu
desse Mistcrttá la. o conhecimento está na denúncia da ilusão. Contudo. a negação
não ê abstrata A contestação indiscriminada de lodo o positivismo, a lorm ula
estereotipada da nulidade. tal como é aplicada p d o budism o, importa-se tão
pouco com a proibição de chamar o absoluto pelo nome. quanto o sen oposto.
o punioisitio. ou sun ciiriciuuru. o ceticismo burguês. A s ox,piic.içòes do mundo,
como mundo do nada. ou do tudo. são mitologias, e as veredas garantidas da
redenção, práticas mágicas sublimadas. O autocônicniumcnio cm ter por anteci
pação resposta para tudo c a transfiguração da negatívidade em redenção são
Ibrmas não verdadeiras da resistência ao engano. O que é salvo ê o direito da
imagem, no fiel respeito à sua proibição, Esse procedimento* "negação deLcrmi
nada".23 não é imunizado, pela soberania do conceito abstrato, contra as sedu
ções Ja intuição, tal como é o ceticismo, pura o qual falso e verdadeiro têm valor
nulo. A negação determinada rejeita as representações imperfeitas do absoluto.

’ ] lultttl u r/ft, Vir,, p. IIÜ (N ikr A .l


s* v í. lúmiittk. Mthmphiscfit frrnmologit:. to Pà.vtàokif!acthSo:mfo)n$ckr Ansudit, Lcipzip, 1908.
p. tfiK .d o A i
3 “ Kcfgxl. ii/i.cn.. p, W <N 11.1 a i
104 H O R K H E IM E R A D O R N O

os ídolos, icm lhes opor. como faz, o rigori&mo. u idcia para a qual cies são insull
cismes. A dialética manifesta, em vez disso, ioda imagem como escritura, Ela
ensina a ler. nos traças da imagem, a confissão da sua falsidade, que lhe rouba
o poder, adjudicando-a à verdade. Com isso a linguagem toma-se mais do que
um mero sistema de signos, Com o concedo de negação determinada, Hegel des
tacou um elemento que distingue o iluminismo da decomposição positivista. à
qual ele o atribui. Contudo, ao tran sfo rm ar firutlmente em absoluto o resultado
consciente do processo global dc negação — a Lüíal idade em sistema e em histó­
ria . ele infringe a proibição e cai por sua v / na mitologia.
Isso não aconteceu apenas com a sua filosofia, enquanto apoteose do pensar
que progride, mus ao próprio iluminismc. á sobriedade pela qual pretende di.siirt
guir-se de Hegd c da metafísica em geral. Pois o iluminismo é tão totalitário
quanto qualquer nutro sistema. Soa inverdade não è. como Ehe acusavam desde
sempre seus inimigos românticos, o método analítico, a volta aos elementos, a
decomposição por reflexão, mas o fato de que. para ele, o processo esta decidido
dc antemão, Ao tomar-sc. no procedimento matemático, a incógnitu de uma equa
çrío, o desconhecido fica assim caracterizado como um velho conhecido, mesmo
antes de se tei determinado o seu valor. Antes e depois da teoria dos quanta,
a natureza è aquilo que deve ser compreendido matematicamente; mesmo o que
não se encaixa, insolubilidade e irracionalidade, é cercado por teoremas matemá­
ticos. Identificando por antecipação o mundo matem afiz ado, pensado até as últt
mas conscqiiências. com a verdade, o üuminismo acredita estar a salvo diante
do retorno do mito. Ele identifica pensar e matemática. Assim, esla fica como
que deixada á solta, convertida em instância absoluta. “ Um mundo infinito, aqui
um mundo dc ideal idades, è concebido como um mundo cujos objetos não se
tornam acessíveis a nosso conhecimento um por um. Je maneira incompleta c
como que acidenta]mente, mas um metódo racional, sisrematicumentc unitário
atinge fínulniènte num progredir sem limites - cada objeto segundo o seu
pleno ser cm si. Na maicmati/açào galiltna da nature/n, a própria rtaiurcza
é então idealizada, sob a orientação da nova matemática: cia própria - moderna-
mente lâlando toma se uma multiplicidade matemática.'’ 50 0 pensar se coisi-
fica tio processo automático que transcorre por conta própria, competindo com
a máquina que de próprio produz para que esía possa final mente substiLuí-lo.
O ilum inism o3 1 deixou de Indo a exigência clássica de pensar o pensamento
da qual a filosofia de Fiehie é o desenvolvimento radical porque ela o desviava
do imperativo de comandar a prâxis. imperativo que. entretanto, o próprio Fichte
queria satisfazer O procedimento matemático tomou $c como que um ritual do
pensar, Apesar dc auto-restrição axiornãlica, ele se instaura como necessário c
objetivo: transforma o pensamento cm coisa, cm ferramenta, como eíe próprio
o denomina. Mas, com essa mímese. na qual o pensar sc faz igual ao mundo.

J<l ndmiüiít l-h- • I. Kriíls r i «furopâisclwn Wi-^cnchutcri unU dk IransxontJumoli; PJiitnocrtoiotugis".


in P h H o io p k in . Ko'it-i-,1,1., ilíSíi, pp, 95 47,(N .U i> <U
11 C f. fiutcrga m tí PaKtíif^jmenff, *ut. II 5 35(1. Wtirkf, fccl UctiMÉn v-ol V, p. 67L. ^N.
ito ,-U
C O N C E IT O D E ILU.MINI&MO 105

o tatirai orna-se agora a tal ponto único qut* atê mesmo a negação de Deu? n
corre na condenação formulada contra a metafísica. Para o positivismo, qu.e ocu­
pou (3 posto de juiz da razão esclarecida, uma digressão pelos mundos inicliui* ei?>
não c mais: apenas proibida, mas é vista como uma tagarelice wm sentido, O
positivismo para a sita felicidade — rtào precisa ser atasia, pois o pensamento
rei ficado não pode nem mesmo pôr a questão. O censor positivista deixa passar
o culto oficial, enquanto setor particular de atividade social destituído de conhecí
mento, com a mesma benevolência com que deixa a arte: mas nunca u negar
que se levanta com a pretensão de ver. ele próprio, conhecimento. O distância
mento do pensar com respeito á tarda de ordenar o faturil. a saída do círculo
encantado J: l existência, significa para a consciência ciem illcisU . loucura e auLu
destruição, aquilo mesmo que. para o feiticeiro primitivo, era representado pela
saída do círculo mágico por d e traçado para :i conjuração; c nos Jois casos
providencias são tomada;- pura que a violação do tabu sc converta também efeti
vamenLc um perdição paru o sacrílego. A dominação da natureza delineia o cm
cu!f> para o qual o pensar foi exilado pela Crítica dú Razão Pura. Karn ligou
u doutrina do trabalhoso e ininterrupto progresso sem tlm do pensar a insistência
sobre a swa in suficiência e eterna limitação. A resposta que dou é um oráculo.
Não há ser nn mundo em que a ciência não possa penetrar, mas aquilo em que
a ciência pode penetrai não é u scr. Segundo Kant. o juízo tllosollco visa á n o vi­
dade l contudo não conhece mtd» ik* novo, pois limita se u repelir continuamente
aquilo que a razão desde sempre implantou no objeto, Mas. & esse pensamento,
garantido nos diversos MiuOs da ciência face aos. sonhos de um visionário, é apre
sentada a conta: n dominação mundial sobre a nature/a vira se contra o próprio
sujeito pensante, dele nada mais m ia do que jrist.inicntc aquele cfcrnameíite iden
tico eu penso que deve poder acompanhar todas as minhas representações!. Sujeito
c objeto tornam sc ambos nulos. O si mesmo abstrato, o título legal para lã/er
relatórios e sistematizar só lem diunie de si o material abstrato que não possui
outra propriedade senão p k ser substrato dk semelhante posse. A equação entre
cspí/lLo l mundo ê solucionada sem deixar resto, mas devido apçnax a seus dois
membros serem reciprocam ante simplificados. Na redução do pensar ao aparam
matemática está impliuím a consagração do mundo como medida de sí mesmo.
O que aparece come triunfo da racionalidade subjetiva, a ttujeiçao de todo ente
:k i formalismo lógico, é pago com a subordinação dócil da razão aos achados
imediatos. Compreender o achado uuno tal. nouu nos dados não aperta* >uas
relações espaço temporais abstratas, por onde podem então ser apanhados, mas
pensá-los. em vez disso, como superfície, t»m o nrnmmtA* mwliíiHvadrK do eon
ceito que ,ó se prúcnehem no desdobramento dc seu sentido social, histórico.
humano toclá a pretensão ao conhecimento è abandonada, I Ia não consiste
no muro perucher. classificar e calcular, mas justumuite na negação determinante
do que ;t cada momento ê imediato, MôS o formalismo matemático, cujo meio
e o número, a figura mais abstraia dti imediato, lixa. em vez disso, o pensamento
nn mora imcdistez, o ÉuLual conserva o seu direito, o conhecimento sç restringe
è sua repetição, o pensamento converte-se em mera tButdogia, Quanto mais a
106 H O R K H E IM E R A D O RN O

maquinaria do pensamento subjuga o ente, mais cega é a sua resignação ao repro


duzi-io, Com isso, o iluminísmo recai na mitologia, da qual nunca soube escapar.
Pois a mitologia tinha nas suas figuras, espelhada como verdade, a essência do
subsistente: ciclo, destino, dominação do mundo; havia renunciado à esperança.
No semblante de imagem mítica, bem como na clareza da fórmula cientifica,
é ratificada a eternidade do faLual e a mera existência é proclamada como sentido
que u fatual obstrui. O mundo enquanto gigantesco juízo analítico, o único que
restou de todos os sonhos du ciência, lera o mesmo Cunho do mito cósmico, que
ligava a mudança da primavera e do outono ao rapto de Pcrsèfone. A unicidade
do acontecimento mítico, que deve legitimai- o acontecimento fatual. c enganosa.
Griginariameme. o rapto da deusa era imediata mente identificado à morte da na-
Utrezit, Repetia se a cada outono, e nem incsmo a repetição era uma sucessão
de acontecimentos separados, mas era. cada vez, o mesmo, Com o endurecimento
da consciência do tempo, o aeoniec!mento foj lixado no passado como único,
e buscou sc aplacar rltualmentc o tremor perante a morte, cm cada novo ciclo
das estaçófiS do ;mo. recorrendo sc so que era uma vez. há muito tempo. Mas
a separação é impotente Rm virtude do posicionamento daquele passado como
acontecendo uma só vez. 0 cid o assume o caráter do inevitável c o tremor sc
irradia do antigo para o acontecer inteiro, enquanto mera repetição sua. A sub-
sunçáo do fatual. quer á fabulosa pró-história, quer ao formalismo matemático,
o relacionamento simbólico do presente, no rito. com o acontecimento mítico,
ou. na ciência, com a categoria abstrata, faz com que o novo apareça como o
predeterminado que. nu verdade, ê assim o antigo O que é sem esperança nau
ç n existência, mas o saber, que no símbolo a figurativo ou matemático se apropria
da existência c a perpetua como um esquema.
Nu mundo do iium inism o. a mitologia entrou na esfera do profano. Á exis
tèneiu radicnlrneiue purificada dos demônios c dc sua prole conceituai assume, na
sua naturalidade lím pida, o caráter luminnso que o ante mundo atribuiu aos
demônios. Sob o titulo de fato bruto, a injustiça social da qual eles se originam ê
hoje sacffilizada com o uma injustiça que se subtrai eterna mente a investidas,
assim conto o curandeiro cru sacrossanto, sob a proteção de seus deuses A domi
nação não è paga apertas com a alienação do homem com respeito aos objetos
dom inados: com a rei lie ação dd espírito, as próprias relações entre os homens
foram enfeitiçadas, bem conto a* de cada um dos indivíduos consigo mesmo, h lc
se atrofia ate virar o ponto nodal das reações e dos modos dc funcionamento
convencionais dele esperados concreta mente. O nnínm m o .mimou o real. o indus
trialism o rdficou as alm as. Pelo jjk k ato econôm ico, as mercadorias são dotadas
autom aticamente, antes mesmo da planificação total. de valores que decidem
sobre o comportamento do homem. Desde o momento cm q u c.co m o fim da troca
livre, as m ercadorias perdem suas qualidades econôm icas e até mesmo seu caráter
de fetiche, este último sc propaga como uma câibra sobre a vida da sociedade, cm
todos os seus aspectos, Por meio das inúm eras agências dc produção e de cultura
de m assa, os modos de comportamento sujeitos a norm as são ínculcados no in d i­
víduo com o os únicos naturais, decentes e racionais. F ie só sé determina ainda
C O N C C IT O DF ILUM1NISMO 107

como coisa, como demento cstaiís Lico, como sucúvss or fmluic. 5>ya mu
dida c a autoconservaçâo. a adaptação à objetividade bem ou mal a c e d id a das
suas funções. e o modelo imposto para csly adaptação. Todo o restante, Idéia
tf criminalidade, experimenta a força do coletivo que tudo vigia, desde a sala
de aula aLe o sindicato. Todavia, mesmo 0 coletivo ameaçador pertence apenas
a superfície enganosa sob a qual se albergam as potências que o manipulam na
sua violência. Sua brutalidade, que mantém o indivíduo no seu lugar, representa
Eiío pouco a verdadeira qualidade do homem, quanto o valor com respeito à ver­
dadeira qualidade dos objetos de uso. A figura d emon taca mente deformada, que
as coisas e os homens assumiram à Iliz clara do conhecimento sem preconceitos,
remete à dominação. ao principio que já havia efetivado a especificação do mana
tem espíritos c divindades e capturado o olhar pelas miragens dos feiticeiros e
dos curandeiros. À fatalidade pda qual o ante-tenapu sancionara a morte incom
preensível é transmitida ã existência compreendida sem lacunas. O pânico meri
diano m> qual o-s homens mbitamente sc inteiraram horrorizados, du natureza
enquanto totalidade, encontrou seu correspondente no pânico que hoje eslu pres­
tes a irromper a qualquer momento: os homens esperam que o mundo sem saída
sejii posto em chamas por uma totalidade que eles prpprios são e sobre a qual
não tem nenhum poder.
O ilutninísmo experimenta um pavor mítico perante o mito. Ele o avista
não somente cm palavras c conceitos mio esclarecidos, como presume a critica
semântica da linguagem, mas cm qualquer expressão humana que não tenha lugar
ná contextura de lins daquela autoCOnservaçàu, A proposição de F.s pi no sa 'Co
miiM Si>sr i onservarnii primum et unieum virtutiu fundamentam 3' ‘S1 contém
a verdadeira máxima dc toda a civili/açào ocidental, na qual sc aplacam as dife
rctiçfis religiosas e lílosóficusr da burguesia, o si mesmo que depois de todos
os traços naiurms terem dilo metodologicnmemo eliminados como mitológicos
não devia mais ser nem corpo, item sangue, nem alma. nem mesmo o cu natural
constituiu, sublimado em sujeito transcendental ou lógico, o ponto Jc referên
cia da razão, da instância Icgisladoru do agir, Quem se abandona ã vida sem
referir st* lucionalmenie â sua autoconservuçào recai, segundo o juízo do iluini
nisrtio c do protestantismo no pré história. O impulso como tal seria mítico, as
sim como u superstição; servir a uin deus que o si-mesmo não postula é tão insen-
sato como o vício da bebida. O progresso reservou para üs dois o mesmo destino:
a adoração c o afundamento no scr natural imediato; ele amaldiçoou o esqueci
mento de >i do pensamento «mim como o do prazer. O trabalho social de cada
indivíduo na sociedade burguesa ú mediai izado pelo princípio do si-mesmo: deve
restituir a uns o capital acrescido, a outros, a força para o mnís rrahalho. Porém,
quanto mais longe chega o processo líís autoconscrvâçào pela divisão burguesa
do trabalho, mais d e força o autodesixnjamento dos indivíduos, que devem mt>l
dar se, corpo e alma, ao aparato lécnico. Isso C por sua ve/ levado em conta
pelo pensamento esclarecido: até mesmo o aijeito transcendental do conhecí

l ihn-u gli'CJ fV, Pi is[-M SN 11 Cisrisl. I. Si Ju \.l


10K HORKHE1M ER.

nu r-ço tí llnáiniente suprimido, ao que parece, eomo última recordação da própria


Mibjui ividade. e substituído peiu trabalho, de tanto menor a m io, executado pelos
mecanismos aulomálícos da ordem. A subjetividade *c vo Ia tirou na lódca d:ií
regras de jojso pretensameme* arbitrárias para poder dispor de tudo com menos
inibições ainda. O positivismo que lin.ilmente não pgrou nem sequer diante do
que ò tecido pelo cérebro, no sentido literal, o próprio pensar, descartou si última
instância pela qual a açâo individual podia ser desligada dá norma sucial. O
processo técnico, no qual o sujeito se r d ficou depois de ter sido extirpado da
consciência, é isento da plurivodáade do pensar mítico, bem èoraü dc todo c
qualquer significar. pois a própria razão tornou-se mero instrumento auxiliar do
aparato econômico que tudo abrange E is serve de? ferramenta universal que se
presta à fübricâção dc todas as outras, rigidamente dirigida para fins, tão fatal
como o manipular calculado com exatidão na produção material, cujo resultado
para os homens escapa a qualquer computação. Realizou-se finalmerue sua velha
ambição, a dc ser o pum órgão dós fins. A exclusividade das leis lógicas provêm
dessa univocidaçlc da função, em última análise, do caráter eontivo da atiiotíonçqr
vação. Essa ultima st aguça cada vez mais na escolha entre sobrevivência e ruína,
que a indo sc reflete no principio, segundo o quaí. dc duas proposições contraditei
rias só c possível que uma seja verdadeira c a outra falsa, O formalismo desse
princípio, e da lógica inteira a cujo título ele se estabelece* provém da impenetra
bil idade c do entrelaçamento dos interesses dc uma socicdâde. nu qual a conserva
çào d;is formas e a conservação dos indivíduos só coincidem acidentaImenu-, A
expulsão do pensamento para Ibra da esfera da lógica ratifica, nu s»ul;i dc aula.
a reifiuaçfsLi do homem na fábrica e no escritório. Dessa forma o tabu se alastra
ao poder dc constituir inhus, o ílurninismo. ao espirito que ele próprio è. Mas
com isso, ti natureza, enquanto verdadeira aiitoconservaçl*, é deixada à solta,
pcltn processo que prometia expulsá-la. tanto no indivíduo como no destino cole
tivo de crise e guerra. Sç 0 ideal de unidãdc da ciência sc mantém comt> única
norma da teoria, a pràxix c vitimada pela engrenagem desenfreada da história
do mundo. 0 si mesmo, absorvido LotuJmeiUe pclu civilização, dissolvc-aC num
demento daquela iHumanidade da qual a civilização tentava escapar desde o íní
cio. Cortcrctkn sc n mais amiga angústia, a de perder o próprio nome. A vxwtén
cia puramonie natural, animal c vegatattvu constituía para a civilização o perigo
absoluto. Os modos dc com pena meto mimético. mítico t metafísico foram süçfis-
sivaineme tomados como épocas supUmLadii.s; a recaída nelas cru ligada ao terror
líc que o si-mesmn fosse n<A amctllc convertido naquela mera natureza da qual
>e alienara com mcíívaível cslínço e que jusiam em c por isso inspirava um indi
vi/ivel pavor. A recordação viva do anre-tempo, ou mesmo do tempo nômade
e mais ainda das época- pré-patriarcai* propriamente ditas. foi extirpada da eorjs
ciência dos homens com as mais terríveis punições, cm todos os milênios, O cs
ptrito esclarecido substituiu o tbgn e a roda de tortura pdo estigma que estampou
em tudu irrítçicirtí!idade, desde que oEu conduz à i l i l í i ; i . O hedonismo era corne
dide», os eixtremos não lhe eram menos odiosos que a Aristlótclca. O ideal burguês
Ju naturalidade não significa a natureza amorfa, mas a virtude do mdo. Promís
cuidado e aseeee. abundância e fome. apesar de mutuamente opostas, são imôdia-
C O N C E IT O DH ILUM IN Í5M O 109

lamente idênticas enquanto potências de dissolução. Pela subordinação da vida


inteira às exigências do sua conservação, a minoria que manda garanto, atem
da própria segurança, a permanência do todo. Entre a C ila da recaída na reprodu­
ção simples e a Caribdcs da satisfação desenfreada, o espirito dominante procura
navegar, desde os tempos de Homero; ele descem fim desde sempre, de qualquer
outra estrela que o norteie, que nao seja a do mal menor. O s neo pagãos alemães
e os manipuladores da atmosfera de guerra querem liberar novamente o prazer,
Mas como na milenar coação ao trabalho, aprendeu-se a ndiá Io. na emancipação
totnlitária. o prazer fica sendo vulgar o estrypiado peto auUxJesprezo. Ele coilti
nua a >er ligado Ê autíiconscrvaçãO para a qual fora outrora educado pela razão
destituída entretempo, Nos momentos críticos da civilização ocidental, desde a
transição para n religião do Olimpo alé o Renascimento, a Reforma e o ateísmo
burguês, sempre que novos povos e camadas recalcavam cada ve/, mais decidida
mente o rniLo. o medo perante a natureza incompreendida e ameaçadora, canse
querida de sua própria materialização a objetuali/.uçâo, foi rebaixado a supersti
çâu .mi ui is tu c a dommuçào da natureza, por dentro c por fora. convertida em
fim absoluto da vida. Se (ínalmctUc a autoconservação é automatizada. íi ra/.ão
é despedida por aqueles que. como diretores da produção, assumiram sua herança
e que a temem agora, nos deserdados, A essência do iluinuilsmo c a alternativa
cuja inevitabilidade é a da dominação. O s homens sempre tiveram que escolher
entre sua própriu submissão a natureza c a da natureza ao si mesmo, Com a
propagação da economia mereamil burguesa, o horizonte obscuro do mito c iíu
minado pelo sol da razão calculadora, sob cujos ratos, gélidos amadurece a se
mente da iiovtt barbárie, Coagido pela dominação, o trabalho humano desde sem
pre se distanciara do mito. em cujo circulo encantado recai sempre dc novo sob
a dominação.
Num relato hornêrico é pre.^çrvado o entrelaçamento entre miiu, dominação
c trabalhcr. O décimo-segundo canto da Odisséia narra a passagem diante dc se
reius. O chamariz era a tentação dc perder se no passado. Mas o herói que é
submetido a tentação chegou à maioridade no sofrimento. Nu variedade dos peri
gus munais, nos quais ele sc devia manter firme, a unidade dc siui própria vida.
n identidade iie pessoa endureceu sc. Com o água. tenra c ar. separam sc para d c
Oi reinos tio tempo. Para dc. a maré do que era rcíluiu da roca do presente c
o futuro nublado carrega o horizonte. O que Ulisses deitou atras de ti entrou
no mundo das sombras; o si mesma está ainda tão perto do mito do aiuc-ictnpo.
dc cujo seio se separou penosamente, que seu próprio passado vivido sc converte
para ele no ante tempo mítico, Peta ordem firme do Lumpu ele procura um palia­
tivo para isso O «quemú In partido deve libertar o momento presente do poder
do passado, expulsando este ultima para irás do limite absoluta do irrestituive!
v pando li ;i disposição do 3gúiá u título de saber praticável. Ü afã de salvar
o passado enquanto vivo, cm ver dc usa Io como material do progresso, só é
apaziguado na arte. à qual a própria história pertence enquanto exposição da
vida passada. Enquanto renuncia :i valer como conhecimento, fechando sc assim
paru a prâxis. a arte c tolerada, assim como o prazer, pela práxis social Mas
<> canto das sereias ainda nita foi privado da sua lorça, ainda nao foi reduzido
no HOR.KHRIMF.ft AD O RN O

n arte. Elas sabem dc "tudo quanto se pas.*u na terra Fecunda '.3i sobretudo aquilo
de que o- próprio Ulisses participou, “ tudo quanto os argivos e troianos sofreram
na arrasada Tróia pela vontade dos deuses".3*
Evocando diretamente o passado mais recente, elas ameaçam. com a irresisü
vel promessa de prazer percebida no seu canto, a ordem patriarcal que só devolve
a vida de cada um contra sua plena medida do tempo. Quem vai atrás das artima
nlias das sereias cai na pcrdtçan, desde que só a permanente presença de espirito
arranca a existência da natureza. Se as sereias sabem de tudo o que se passou,
d a s exigem o futuro como preço disso e a promissão do feliz retorno è o engano
pelo qual o passado captura o saudoso. Ulisses foi prevenido por Ciree. divindade
que transforma os homens em anim ais: ele lhe soube resistir e. em compensação,
d a lhe deu a força etc resistir a outros poderes de dissolução. Mas a seduçáó
das sereias é assim mesmo Forte demais. Ninguém que ouça o seu canto pode
escapar lhe. À humanidade teve que infligir sc terríveis violências até ser produ
z.ido o si mesrpo. o caráter do homem idêntico, viril, dirigido para Fins. c algo
disso sc repete ainda ein cada infância. O esforço para maniei firme o eu pren
de sc ao eu em todos os &eus estágios e a tentação de perdê-lo sempre veio dr
píir com a. cega decisão de Cún&ttrvà-lo. A embriaguez naTCÓLica que faz expiar,
com um sono semelhante u morte, a euforia que suspende y se mesmo, c uma
das mais antigas instituições sociais que fazem a mediação entre autoconservaçào
u auto aniquilamento, urna tentativa do si mesmo de sobreviver a si próprio. A
angustia de perder o si mesmo e de suprimir com d e ,i Fronteira entre si próprio
ç a outra vida. u pavor perante morte e destruição, irmana sc cora uma promessa
Jò felicidade que ameaçava a civilização cuda momento. Seu caminho cr a u da
Obediência c do trabalho, sobre u qual u satisfação rcluzia permaneruemente
como mera aparência, conto beteza esvaziada de força. Inimigo tanto da própria
morte como da própria felicidade, o pensamento de Ulisses sabe Jb.so. Ele ço
nhecc apenas duas saídas possíveis. Uma ele prescreve n seus companheiros. Ele
lh.es tapa as orelhas com cera e manda os remar cora toda* as forças que têm.
Quem quiser subsistir não deverá ciar ouvidos à tentação do irrestituivol e isso
só poderá ser evitado caso rtào lhe for possível escutá-la. Disso n sociedade sem
pft Cuidou, Viçosos e concentrados, os trabalhadores devem olhar para frente
e deixar de lado o que estiver ao Indo. Eles devem sublimar o impulso que os
ao desvio, afcmmdo se ao esforço suplementar. Assim cies se somam
práticos. — À outra saidu é a que é escolhida peto próprio Ulisses, o senhor
Uc terras, que faz os outros trabalharem para si. Ele escuta, porém privado de
forças. atado ao mastro e. quanto maior se toma a tentação, mais íoncm cnic
ele se faz acorrentar, da mesma maneira que. cm épocas posteriores, os burgueses
recusarão n felicidade para si méSmOs, com tanto maior obstinação quuntu rriais
a tenham ao sou alcance, com o crescimento do seu poder. O escutado não- tem
consequências para ele. que pode apenas acenar com a cabeça para que u soltem -

J j Út/rsítra, \íi. (N iln A .jT rad . Jaim e Brnnji, Ç u lirji. IVGSóN, i1o I’..]
i 1 ( ) p Ctt . V//|N, ,7*n A,)
porém tardo demais; os companheiros, que nào podem escutar sabem apenas do
perigo do canto, não da sua beleza, e deixam-no alado ao mastro para salvar
a de e a ú próprios. Eles reproduzem a vida Jo opressor ao mesmo lempo que
a sua própria vida e ele não pode mais fugir a seu papel social. Os vínculos
pelos quais ele c irrevogávelmente acorrentado ã prâxis no mesmo tempo guar­
dam as sereias à distância da práxis: sua tentação é neutralizada cm puro objeto
de contemplação, em arte, O acorrentado assiste n um concerto escutando imóvel,
como fará depois o público de um concerto, c seu grito apaixonado peta liberação
perdé-se num aplauso. Aissim o prazer artístico e o trabalho manual se separam
na despedida do nnte-mundo. A epopéia já coniêm n teoria correta. Os bens cultu
rats estão em exata correlação com o trabalho comandado ç os dois se Fundamen
tam na inelutável coação à dominação social sobre a natureza.
Medidas tais como as que foram tomadas; diante das sereias na nave de L lis
sés. são uma alegoria premonitória da dialética do iUiminismo, Assim como a
possibilidade de se lazer representar é a medida da dominação, sendo o mais
poderoso aquele que pode fa/.ei -sc representai Tio maior número dc Funções, essa
possibilidade é tombem o veículo do progresso e. nu mesmo lempo, da regressão.
Dependendo das circunstancias, não estar envolvido no trabalho significa tam
bém ser estro piado, não apenas para os desempregados, mas até mesmo para
OS de pólo social oposto. O- que estâõ dc cim a. não estando mai.s ás voltas com
a existência, só .1 experimentam ainda como substrato, e petrificam sc inteira
mente no si mesmo que comanda, O primitivo Fc/. a experiência dil cuisu natural
apenas 3 titulo Je objeto que se subtraí ao desejo, ‘'mas 0 sêniior, que inseriu
o escravo entre e le c a coisa. liga-se assim apenas ã não-independência da coisa,
gozando íi puramente; mas abandona 0 lado da independência no servo que iraba
lha a co isa".3'• Ulisses sc fu/, represem ar no trabalho. Assim como não pode
ceder ;e tentação dc renunciai ao si mesmo, enquanto proprietário ele acaba por
não mais participar do trabalho, deixando fin.ilmer.te até de dirigí Io. no passo
que o.s companheiros, apesar dc unia a proximidade às coisas, não podem na
verdade gozar do trabalho, pois este se fay sob coação, no desespero, os sentidos
obstruídos pela violência. O servo permanece subjugado de corpo e alma. o se
nhor regride. Nenhuma dominação pode até agora deixar dc pagar esse preço
c o aspecto cíclico da história no seu progresso è explicado também por esse
enfraquecimento, u equivaleme do poder. Enquanto Sttaw habilidades c conheci­
mentos sl- diferenciam pela divisão do trabalho, a humanidade c coagida a retro
ceder íi mjüis etapas antropológica mente mais primitivas, pois, com a existência
facilitada pela técnica, a permanência da dominação condiciona a fixação dos
instintos por uma opressão mais forte. A fantasia è atrofiada, A perdição não
está cm que os indivíduos nào correspondam n sociedade ou à sua produção mate
rinl. Onde quer que a evolução da máquina já sc Lenha transformado cm maquina­
ria dc dominação, fazendo com que as tendência* técnica * social, desde sempre
entremeadas, convirjam para um envolvimento total lIo homem, os que não eor
respondem não representam apenas a inverdade. Em oposição a isso, a adaptação
4■ PJiüjioineni-iíi/gir (.Oi 6'w .s fíí. fíp. rí/ ., p. [-!(-• (".N i.ki A .]
112 H G R K H B IM L R A D O RN O

ao poder do progresso. ao progresso do poder, envolve sempre de novo aquelas


formações regressivas que traduzem nào o progresso falido, mas justamente o
progresso bem sucedido do seu próprio oposto* A maldição do progresso irrefreá
vel è ci irrefreável regressão
Essa regressão nào sc restringe à experiência do mundo sensível, ligada a
uma proximidade em carne e osso, mas afeta ao mesmo tem|w o intelecto auto
crátiço que se separa da experiência sensível para subjuga Ia. A uniformização
da função intelectual, por força da qual sc perfaz a dominação sobre os sentidos,
a resignação do pensar a produção da unanimidade, significa um empobrecimento
tanto do pensar como da experiência: a separação dos dois reinos importa cm
Junos para ambos. Na restrição do pensar à organização e administração, pruti
cada pelos que estão de cim a, desde o astuto Ldísses até os ingênuos diretores
gerais, esta implícita a eslreiteza que acomete os grandes, a partir do momento
em que não mais sc trata de manipular os pequenos. O espirito sc converte de
fato naquele aparato de dominação e de autocontrole, a titulo do que sempre
foi desconhecido pela filosofia burguesa. O s ouvidos surdos que os dóceis prol et A
rios conservaram desde o mito não sc constituíram em vantagem alguma, diante
da imobilidade do mandanle. Amadurecida ate passar do ponto, a sociedade vive
da imaturidade dos dominados. Quanto mais complicado e refinado o aparato
.social, econômico e científico, a serviço do qual 0 corpo fora destinado, desde
muito, pelo sistema de produção, tanto mais pobres as vivências dc que esse corpo
é capaz, A eliminação das qualidades, seu cálculo em termos de funções, irnns
põe se da ciência, em virtude dos mudos de trabalho racionalizados, para o
mundo da experiência dos povos c tende a toma Io novamente sim ilar no mundo
dos anfíbios, Hoje, a regressão das massas consiste na incapacidade de ouvir
o que nunca foi ouvidõ. de palpar com as próprias mãos o que nunca foi tocado,
uma nova forma de ofuscamento que supera qualquer ofuscamento mítico ven
cido. Através da mediação da sociedade total, que amarra todas as relações c
impulsos, os homens sào convertidos de novo justnmentc naquilo contra o que
sc voltara a lei do desenvolvimento da sociedade o princípio do si mesmo; cm
simples exemplares da espécie humana, semelhantes uns aos outros, cm virtude
do isolamento na coletividade dirigida pela coação. Os remadores que nao podem
falar entre si são atrelados, todos eles, ao mesmo ritmo, tal como o trabalhador
moderno, na fábrica, no cinema e nn sua comunidade de irubalho. Sào as condi
çôes concretas de trabalho na sociedade que impõem o conformismo, e nào aque-
Ias influências conscientes, as quais fizeram com que. por cima disso, os homens
oprimidos se em hru teces sem c se distanciassem dn verdade A impotência du»
trabalhadores não é apenas uma tinta dos dominantes, mas a consequência lógica
da sociedade industrial, na qual finalmente se transformou o fado da antiguidade,
no eslorço de escapar-lhc.
Mas essa necessidade lógica nào c definitiva. E la está ligada à dominação
como seu reflexo e. ao mesmo tempo, como sua ferramenta Portanto, sua verdade
è pelo menos tão questionável quanto é inevitável sua evidencia. N a verdade,
o pensar sempre se bastou para determinai cuncrclamenLe seu próprio caráter
questionável. F.lc é o servo que o senhor não pode fazer para o seu bel prazer.
Ao coisificar se cm lei e organização — desde que os homens se tornaram sedem
tários e. em seguida, na economia mercantil — a dominação leve que se restrin
gir. O instrumento adquiriu independência: a instância mediadora do espírito
abranda, indcpendentemesite da vontade do dirigente, a imediatez da injustiça eco
nómíca, O s instrumentos de dominação, que devem tomar tudo cm suas garras,
linguagem, armas e tinaImente maquinas, têm que poder ser empunhados por to­
dos.. Assim o momento da racionalidade se impõe na dominação, também en­
quanto diferente dela. A objctualidade do meto. que o faz universal mente dispam
v d . sua "objetividade"’ para todos, implica prontameme nn crítica da dominação:
como meío para esta última, desenvolveu-se o pensar. No caminho que vai da
mitologia à logística, o pensar perdeu o demento da reflexão sobre si c hoje a
maquinaria eslrupia os homens mesmo quando os alimenta, Mas. na figura da
máquina, a raz.no alienada move se para umn sociedade que reconcilia o pensai.
firmado tanto no seu aparato material como no intelectual, com o vivcnle li.be
rado, e o refere ã própria sociedade enquanto seu sujeito real. A origem particular
do pensar e sua perspectiva universal sempre foram inseparáveis. Hoje. com a
transformação tio mundo em indústria, a perspectiva do universal, a realização
social ào pensar, c tão amplítmentc aberta que, poi essa razão, o pensar dos pró­
prios dominantes ó negado como mera ideologia. A má consciência das catnari
Ihus nas quais por fim se encarna a necessidade econômica è traída pelo fato
de que suas manifestações, desde as inuiiçòes do F&hrcr até u “visão dinâmica
do mundo", não mais reconhecem, numa decidida oposição á apologétlea Km
guesa anterior, as próprias ações criminosas como consequências necessárias de
conjunturas da vida regidas por leis. As mentiras mitológicas relativas u missão
£j destino. que v i em .seu lugar, ncin sequer anunciam touilrrjçnte a inverdade:
já não são mais as leis objetivas do mercado, que dominavam a» açòcs do$ vmpre
•vários c levavam ã catástrofe. I*ni vez disso, n decisão consciente dos diretores
gerais enquanto resultante que cm nada ccdc à obrigatoriedade dos mais cegos
mecanismos de preços, pòc em execução a antiga lei do valor o. com isso, o
destino do capitalismo. O s próprios dominantes não acreditam em nenhuma nc
Cóssidade objetivo, embora ás vezes des denominem assim aquilo que tramam.
Eles se arvoram cm engenheiros da história do mundo, Só os dominados aceitam
como intocável c necessário o dcsenvolvímeiiuj que, a cada aumento de custo
de vida decretado.os torna ainda mais impotentes. Desde que se tornou possível
produzir o sustento daqueles que, dc alguma maneira., são usados ,l inda para ma
nejo das máquinas, com uma parte mínima do tempo de trabalho que esta à dispo
siçào dos donos da SOCledadé. O restante supérfluo, a enorme massa da população
recebe agora o adestramento dos guardas dc reserva do sistema, para servir, hoje
c amanhã, de material para seus grandes planos. A eles se dá de comer como
ao exército dos sem-trabalho. Seu rebaixamento a meros abjetos dxi administra
ção. que ecforma antecipadamente cadu setor da vídtt moderna, até mesmo a
linguagem e a percepção, prega-lhes a peça da necessidade objetiva, contra a qual
eles creem nada poder fazer. A mifteria, enquanto oposição entre poder e impotên-
E3-1 H O R K H E IM E R AD O RN O

cia. cresce até n meomensurável. juruameme com a capacidade de suprimir para


sempre ioda miséria, Ê impenetrável, para q u a lq u e r indivi-Juu. a selva dc casnari
llias e instituições, que, desde as supremas, alturas do comando da economia ato
o último bando ele assaltantes profissionais, cuidam da permanência ilimitada
do staíüi- tjuo. Um proletário nüo passa de um exemplar excedente, perante o
bonzo sindical que por acaso o repare, para não falar no manuger; enquanto
o bonzu, por í-ua v è z _ estremece temendo a própria liquidação,
O absurda da situação, na qual u violência do sistema sobre os homens
cresce a cada passe que os liberta da v iolência da natureza, denuncia como obso­
leta a razão da sociedade racional. Suu necessidade c tão apa; ente quanto a líbcr
daCÍô dos empresários que acaba mam restando sua natureza co ativa na.*- suas lut
vitáveis lutas c acomodações. TaJ aparência, na qual sc perde a humanidade
íQtalmentc esclarecida. não pode ser difóólvidá pdo pensar que. enquanto órgão
da dominação, tem que escolher entre comando e obediência. Sem poder livrar-se
das amarras com que Foi preso, na pre história, o pensar é capaz de reconhecer
a lógica da alternativa, da, consequência e da antinomia, pda qual sc emancipou
radical menti da natureza, como essa própria natureza não apaziguada e alienada
ã si própria. O pensar, cm cüjo mecanismo eoatíva a natureza sc reflete c se
perpetua, reflete, justamente em virtude de sua irrefreável conseqiiêncio. também
a si próprio, corpo natureza que se esqueceu de si mesma, como mecanismo de
coação. Decerto, .1 representação (iarsteiJtmg) é apenas um instrumento. Pcn
sondo, os homens sc distanciam da natureza, para colocá Ia diante dc si. rol como
clft deve ser do mi nada. Tu] como a coisa Ferra menta meu criai qtre c mantida
edêntiea cm diferentes simações c que separa assim o mundo. enquanto caótico,
mullilateral, díspar do inundo conhecido, uno. idêntico . o concedo ê a ferra
menta ideal que sc* ajusta ás coisas no pomo em quç cEas podem ser apanhadas.
Portanto, o pensar também se toma iltisorio. toda vez que pretende negar a função
separatória. 0 dsütitncmnuruo e a objciuuiizaçãn. Todá uniJkaçao mística é ape­
rtas mais um engano, traço interno impotente da revolução aviltada. Mas. cn
quanto 0 iluminismü conserva seu direito contra qualquer hipótese de utopia c
enuncia impassível a dominação enquanto ruptura, a cisão entre sujeite t objeto.
Cujo encobrimento e por d e proibido, converte se em índice da verdade c de sua
própria inverdade. O desterro da superstição sempre significou o progresso da
dominação, ao mesmo tempo que seu desnudamento, ü iluminismo é mais do
que iUsminismo, natureza que se torna perceptível na sua alienação. No tigloço
nheen-emo do espirito, enquanto ruptura da nnfureza conaigo mesma, é a nmu
reza que. como cio ame-tempo, invoca a si mesma, parem não mais imedíaiametiie
como mana. seu presumido nome que quer dizer onipotência, mas como coisa
cega e estropiada. A sujeição a natureza consiste na sua dominação, sem a qual
não existe espirito. Pela humildade na qu.nl ele sc reconhece enquanto dominação
c sc retira para a natureza, desfaz-se a sua pretensão dominadora que justumenie
o ewraviza a natureza. Mesmo que não se possa deter na fuga diante du ncuçssi
dade, no progresso c na civilização, sem renunciar ao próprio conhecimento, a
humanidade ruk> mais íncnrre no erro de tomar por garantia de ama liberdade
vindoura os diques que constrói contra a necessidade, as instituições, as práticas
de dominação, que desde sempre se refletiram sabre a sociedade, a partir da sub-
j ligação da aausrcía. Cada um dos progressos da civilização renovou, juntam ente
com :t dominação, a perspectiva de mitigá-la. Contudo, enquanto a história real
é tecida por um real sofrimento, que absolutamente não diminui na proporção
em que crescem os meiosL paru eliminá-lo. a concretização da perspectiva depende
do conceito. Pois o conceito nàu se limita ii distanciar, enquanto ciência, os h o ­
mem da natureza, mas nos permite medir ainda a distância que etemi/u a irtjus
ttça. justa mente enquanto auto rdlex-o do pensar que se mantém acorrentado. na
forma da ciência, à cega tendência econômica. Por es.su recordação da natureza
no sujeito, que encerra, ao perfazer se. a verdade incompreendida de toda a cu l­
tura. o üummisano se opõe a qualquer dominação e o apelo pura que cie seja
sustado ressoou, já nos tempos de Vnnirti. menos por angustia diante da ciência
exata, que pelo ódio contra a pensar desregrado, o qual, na medida em que
se confessa diante de si mesmo como um estremecimento ih própria natureza,
liberta se da seu encantamento. Os sacerdotes sempre vingavam mana no ilumi
nista que. ;lo atemorizar se perante o icmm que levava o seu nome. apaziguava,
c c s augures do iluminismo uniam-se aos sacerdotes na hvbrís. Enquanto burguês,
o llunnmismo se perdeu no seu momento positivista. muito antes d cT u rg m e d"A
lemhert. Ele nunca foi imune ã tentação de confundir u liberdade com li engrena
gem da auioconscrvação. A suspensão do conceito, independentemente de ler sido
v ila em nume do progresso ou da cultura, os quais, desde há muito, uniram -Sc
mim conluio secreto contra a verdade, deixou campo livre para a mentira. Num
mundo que importava apenas em verificar ps enunciados de relatórios e que
guardava o pensamento, degradado a eonirihuiçào do grandes pensadores, como
uma espécie de slogan caduco, nesse mundo, a mentira nào podia mnts disün
guir se J ís verdadeneutralizada em bem cultural.
Porém, o reconhcdmento da dominação ale mesmo no intimo do próprio
pensamento, enquanto natureza não apaziguada. pode afrouxar aquela nccessi
dítde, cuja etemidede loi precipiiadanicmc raiiHcada pelo próprio socialismo,
como concessão ao comum» sen st? reacionário, Ao elevar a necessidade paia todo
sempre u euruliçüu de base c ao depravar o espirito, em bom estilo idealista, (a
zendo dele o mais alto ponto, o socialismo se agarrou, num espasmo ansioso,
à herança da lilosona burpuesa. Assim , a relação da necessidade no reinei lia
liberdade ficou ^endo purumeníe quaiuímtiva. mecânica, c a natureza, posta como
algo total mente alheio, tornou se totalitária, como nn primeira mitologia, e atwor
vou a liberdade junu> com a socialismo. Com a renuncia ao pensar, que na sua
forma coi si ficada, enquanto mufematteu. máquina, oriumização. vinga sc nu tio
mtm que o esu't esquecendo, o iluminismn renunciou a sua própria realização.
Disciplinando tudo o que é individual, o iluminismo tki\ou ao todo não concci-
Lualizado it liberdade de abatei se. enquanto dominação sobre as coisas, por cima
116 H G R K H E JM E R A D O RN O

do ser c do ücr consciente dite homens. Mas u prásis revoLucioftàna depende da


intransigência da teoria taco u inconsciência cont a qual u sociedade deixa que
o pensai se endureça, A concretização não k posta, cm causa pelos seus prcssupiÉi
tos materiais, pela técnica, como tal. deixada h solta. Isso c o q u e dizem os soció­
logo:- que sonham, por sua ve?,, com tim antídoto, mesmo que de cunho cole:,
vista, pura se tornarem seus donos.-* A culpa esta no obcecartte contexto social.
O mítico respeito da ciência dos povos pdo dado. que entretanto c sempre produ
7idO por eles. converte-se linalrnentè, por sua ve/, num lato positivo, nn torre-du
guarda diante da qual ate mesmo a fantasie revolucionar ia se envergonha de sí.
como um uíoptsmo. e degenera cm dócil confiança na tendência objetiva da histó
ria. Corno órgão de unia tal adaptação, como mera construção de meios, o ilumi
nismo è tão destrutivo como n proclamam seus inimigos românticos, Ele só re­
cairá cm si quando desfizer o ultimo acordo enm esses inimigos e ousar
abandonar o falso absoluto, o principio dü dominação ccga. O espírito tlvs.su teo
ria mtransiçenii poder iá inverter, para seus próprios fine. o espírito devsc pru
gresso impiedoso. Bacon, u arauto desse último, sonhava com as muitas coisas
“ que es reis. com todos os «eus tesouros, não podem comprar, sobre a> quais
não se impõe seu mando, das quais seus informantes c aleagiiete* não dão noticia
alguma". Tal como d e queria, uido isso coube aos burgueses, herdeiros, esdítreei
dos dos feis. Multiplicando n seu poder pela mediação do mercado, a economia
burguesa multiplicou de Lítf modo suas coisas e suás forças que não só reis. m aí
também burgueses, dei Miram de ser ntíwssáríoí. para ítdmmhtrá-las: necessários
ainda são apenas todos. Ksses entào aprendem, pdo ixvder da>- coisas, a passar
luiatrnenie sem o poder, O duminismo se completa e se supera quando os fins
práticos próximos se revelam como o pomo mais distante ü que se chegou, c
as terras “ das quais seus informantes c ntcagíieies não dão notícia alguma a
snbcr. a natureza incompreeiidlda pela ciência senhoriul, .são rcCsvrdada^ como
as terras da origem Hoje que a utopia de Bacon, de podermos “ ter a natureza,
ms prúxht a nosso mundo", eoncrctizou-üe cm proporções tdú n tas, lorna-se ma
nt lesta a essência d» coação. |x»r ele atribuída a ruiturczft não dominailu. Essa
essência era a própria dominação, O saber, que para Bacon residia induhianvd
mente na " uperioridade do homem’', pode passar agora â dissolução dessa domi
nação. Mus. face a semelhante- possibilidade, o iluminismo n serviço do presente
transforma se no total engano das massas,

■...... Oii' MJfuviiii ifui-Mion nrfu h iVifJtfKf# n w -ain /n UnJai ihi- tfauxtitut rti irtucii ui! ts tiicr jim bfcim
a>v ttétiüty camlteries m whrffw teckfí&foíu WW $r-(mntgltt mcfa"COfttmi Nabtitiy £ütt hè smt‘ <tf fht'
Jòrrmld by vítfí fins cuil can hr atthinvif. Il-V- maf d/w fl#íAu resottKtn'-tf* vhieh ae-m ran hu
ha d " [Ttu‘ Kocfccfdlrr I fuulUaltílin > Arvim for (QJ* Navr« Varfc, UJ-W. pp 5.1-55. í Ni ,M> A I
(~A quC-tlúo -suprema cwni a qmil Btwsáa gvtiiçía haje #ç dupEiris ÇitoMiiu du ,|wil losl.it as iíuWJWf js4»
..t i n ià ric i •* a «!i ,a lv r ...• A DCei»í»|ajíiá píuU k.st goma- v»t) cv>fiíii:»lc Níu>jiii'ni pmfc I s*f .tç.uriJiJíça
qunrno s- fórtm&ll p-u qu^O cwc fim pode ser jitcançadí» É |nceian .diiçur mão ér rodos 0: r-tXItrJKH
:m>s qiiiiús- possamos ler acessai ' 1 N, do* T 1
T E O R IA T R A D IC IO N A L E T E O R IA C R IT IC A *

A questão — o que* c teoria parece nào oferecer maiores dificuldades


dentro do Quadro ú Llki! dra ciência. No sentido usual da pesquisa, teoria equivale
a uma sinopse de proposições de um campo especializado, ligadas de ud modo
entre rí que >.e poderíam deduzir de algumas dessas teoria* todas as demais.
Quanta menor foi o número dos princípios mrns elevados, em relação às conclu
sões. tanto mais perfeito será a teoria. Sua valida.de real reside na consonância
das proposições deduzidas com os fatos ocorridos. Se. no contrário. se evidenciam
com radiques (IVid.eKsprucche) entre a experiência c ti teoria, uma ou outra terá
que iér revista. Ou sl observação foi falha, ou hã aluo discnqvur.L- nos princípios
teóricos. Portanto, no que concerne aos latos, a teoria permanece sempre hipote
tiesi- Dcvc se estar disposto a mudá-la sempre que se apresentem ineonvementes
na Utilização do material I eu na é o saber acumulado de tal lbrmu que permita
ser este utilizado na caracterização dos fatos tão rnimiciosamcntc quanto passível.
Poíncítré compara a ciência com uma biblioteca que deve crescer Incessante
mente. A lírica experimental desempenha o papel do bibliotecário que realiza
us aquisições, isto í. que enriquece o saber, Uívivudu o material. A Eíriey mauimi
liCM. teoria da ciência natural em «it-niido mais estrito, tom n tarefa de catalogar.
Sem o cninlago não sv pude riu fu/cr uso da biblioteca, apesar dc ty ja a suu
riqueza “ fi este. portanto.,.o papel da 11saca matemática: deve dirigir a generaliza
ção dc tal forma que f. ) aiimcmc a sua eficácia".1 O sistema universal da
ciência aparece aí corno a meia da teorisi em geral. Não se restringe mais u uma
área particular, mas abrange todos as objetas possíveis. Ao fundar as proposições
referentes a ramos diversos nas mesmas pressuposições. 3 elimina se a separação
das ciências, O mesmo aparata concíptunl (hçgrijjhdur App&rat} em pregado na
determinação da naittre/.n inerte serve também para classificar a natureza viva.
podendo ser utilí/udo a qualquer momento por toda pessoa que tenha aprendido
Ò seu manejo, isto è. as regrns da dedução, o material sigmiicantc. os métodos
de comparação de proposições deduzidas com constatações dc fatos, etc, Mas
estamos longe de tal situação.
Esta e. em linhas gerai*-, n representação {Vtirstelíung) atualmente difundida
da essência (IVexwi) dn teorin. Tosa representação encontra em geral sua origem

“ Trad u riiln Jn o r ir i» * 1 •lantniv “ T • uli • •iinHIu mui Lriiitm lv T h«»rl i*" -mu K.ith-rli, Víi.viir^. fim-
DvkumivtaiHirt, FrrnkAm Ma Muin. J%É>S. Flscheí Veunji. II. pp. IJ7 191, |*iiblLcaiki jwla pfiineàm v»
cm Z e ilv h iijtfa e r SfíZHiffõrscfrung ............... I9B-J, pp. C-1S 21)4, |N dn fc.J
1 11. i'omcarv lí ts-iMiwhif/r jiHiJ tf> r< íA. r. Ii., m ,.í >;i I l 1 I imt-.-ninnn. I .i(.v.i>. I ‘1i-I. p Mr
íN do A.)
: "pfí;tii-Millsna ctliwiu dc Alfrcil &dimldi. IN, div, T,5.
1IS I tOR KH EI MER

rtúo primórdios da filosofia moderna. Descartas assinais na terceira máxima de


se a método científico a decisão "de conduzir a ordem. de acordo com os meu-,
pensamenLos. portanto. CtímeçandO cnm os objetos de conhecimento mais fácil
c Mranln_ para então subir, por assim dizer. gradual mente, ate chegar a conhecer
os mais complexos, pressupondo nesses objetos uma ordem que não succtle de
um mudo natural". A dedução ia! como c usual nu matemática deve ser estendida
à totalidade das ciências. A ordem do mundo abre se para uma conexão dc dedu
ções inidecLuuis (deduktiwn gedattklichcn Zttsainn.tenhaag)* “ A s longas cadeias
foi ma das por motivos raciona is. dc muito simples c fácil compreensão. hubituâJ
mente utilizados pelo geòmetra paru checar às mais difíceis demonstrações, mc
levaram a imaginar que todas as coisas que püssarn ser do conhecimento do ho­
mem encontram na mesma relação, e que. atendo se apenas cm nãü considerar
verdadeira uma coisa que não o Stja. c mantendo se a ordem que c necessária
para dizer uma coisa da outra, não |x>dc haver nenhum conhecimento que. por
mais distante que esteja, não possa ser alcançado, nete conhecimento que. por
mais oculto que esteja, não possa ser descoberto",3 As proposições mais gerais
de Onde partem as deduções são vistas conforme n respectiva posição filosófica
do lógico. Para John Slunrt Mitl. por exemplo, d a s são ainda juízos empíricos
(Erfahrimgsuridle), induções; nas corrente? raçionalistas c fctiomenológicHs sfm
consideradas intelecçòes evidentes (cvithwti' fUnsichten), enquanto a modem li
axiomdtica as toma corno cstipulaçdes arbitrárias. Hnra a lógica mais avançada
da atualidade, que se expretpqi representativa mente nus Im w tigoçfm LôgíCOS tle
Husserh a teoria ê considerada “como um sistema fechado de proposições dc
uma ciência*'-. * Teu ri a. cm sentido preciso, c "um encadeam ente sistemático de
proposições de uma dedução sisLcmatícarricnu unitária'1. s Ciência significa "um
certo universo dc proposições i. . tai como sempre surge do trabalho teórico,
cuja ordem sistemática permite a determinação (Bestinimung) dc um certo um
verso dc objetos"’. 9 Uma exigência fundamental, que tu do sistema teórico tem
que satisfazer, consiste em estarem todas as parte* conectada* ininierruptameme
c livres dé contradição. li. Weyl considera como condição imprescindível a liar
munia que exclui toda a possibilidade dc Cõnínidiçfio. assim como n ausência
de compojacme* supérfluos, purumciue dogmáticos, c independentes das apurén
cias observáveis , 1
Na medida cm que se manifesta uma tendência nesse Conceito (Begnff) tra
dicional de teoria, d a visa a um sistema de sinais puirurncnic raaiemáiicüü. Cada
ve/, menor è o número de nomes que aparecem como elementos üu teoria c panes
das conclusões c proposições, sendo substituídos por símbolo* matemáticos na
designação de objetos observado». Também, as próprias operações lógica* já estão

Prscaíic.s, Olsc.ours c/r In \l,'m nh\ tl. ir:id, ul<MTiã i|p \ Ruclicc.ui. f '-i[V!í- |‘>| l. p. I < ■
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H, Wcvl "tMiíl ^opliic J-.j jNalunvib.ivnscfPfi". ia Hattdbueh ífrr nrilnxrtpffie prirto II. Mumijui r Kerlira,
1957, pp- 11s e ms.
raciona ti radas a tal pomo que, pelo menos em grande pane dà ciência natural,
a. formação de teorias tornou sc construção matemática,
ÀS cièrichus do homem e da sociedade têm procurado seguir o modelo ( Vt í r -
biid) das bem sucedidas ciências naturais. A diferença entre as escolas da ciência
social, que .se dedicam mais à pesquisa de latos, c outras que visam mais os
princípios, não tem nada a ver com o conceito de teoria como tal. A laboriosa
atividade dx colecionar, cm iodas as especialidades que sc ocupam cuni a vida
social, a compilação de quantidades enormes de detalhes sobre problemas, as
pesquisas empíricas realizadas através de etiquetes cuidadosas ou outro* expe­
dientes, que. desde Spencer. constitui uma boa parle dos trabalhos realizados nas
universidades anglo-Jtaxõnicas. oferecem e m a mente uma imagem que aparenta
estar mais próxima cxlcriormeme da vida em geral dentro do modo de produção
industrial do que a formulação de princípios abstratos c ponderações sobre ctm
coitos fundameiitui.s. ei:r gabinete, como Ibi característico de uma porte da socio
logia alemã. Mas isto nào significa diferença estrutural do pensamento. Nas ulti­
mas épocas da sociedade aluai .as assim chamadas d é n e iis do espírito têm tido
apenas um valor de mercado oscilante; elas se veem na commjiència de fazer
de qualquer maneira o mesmo que as ciências naturais. muD v cm u rosas, cuja
possibilidade de aplicação está fora de duvidas. De qualquer maneira existe uma
i dem idade na concepção (A i^fossung) de teoria entre as diferentes escolas sociu
lógicas u entre estas c as ciências naturais. O s empíricos não têm nutra representa
çào melhor de teoria do que os teóricos. F.stào meramente convencidos dc que.
em vista da complexidade des problemas sociais e do quadro atual da ciência,
o trabalho com princípios gerais deve ser considerado como odoso e cômodo.
Na medida em que seja necessária a realização tíe um trabalho teórico, isso o-cor
rtirã- pensam des. através do manuseio crexcvnie do material: não é de kl- esperai'
a curto prazo exposições teóricas de grande alcance. São os métodos de formula
ção CsatJL ‘Kpcdíilmcmç métodos matemáticos, cujo sentido está em estreita eo
ncxào com o conceito de teoria esboçado acim a, que são muito apreciados por
estes. dentistas. Nao é o signifiendo Ju teoria em geral que c questionado aqui.
mas a teoria esboçada “ de cima para baixo" por outro*, elaborada sem o contato
direto eom os problemas de uma ciência empírica particular. Diferenciações
como, por exemplo, entre coletividade c sociedade [Toenniesg entre solidariedade
mecânica c solidariedade orgânica (D u rfh cim h entre cultura e civilização (A .
Wtíber), em proadas como formas fundamentais da socialização humana, dcüven
tianj imediatamente sun problemática, se se intenta nplica-bs a problemas concre
tos. Lm vista do quadro atua! da pesquisa, o caminho que a sociologia terift que
percorrer seria a d dlcíl nscensão da descrição de fenômenos sociais até campara
ções detalhadas, e só então a panír dai passar para a formação de conceitos
gãraiü.
A oposição f Geg&waiz} acima exposta está buscada no fato de o* empiristas.
cm conformidade com sua tradição, considerarem apenas as induções concluídas
como eis mais elevadas proposições da teoría: e ao mesmo tempo acreditarem
que ainda se estaria longe da realização de tais induções. Seus opositores conside-
120 H O R KH KIM F.R

ram corretos outros modos Je prove J lineiALu. que ná» são totnlmente dependentes
da acumulação do material coletado, para a formação das intdccções e tias cate
porias mais elevadas. Pode ser que, por exemplo. Durkhdm concorde em muitos
aspectos com as teorias hasteas dos empiristas. mas. na medida em que se trata
de princípios, cie declara redutivej o processo da indução. A classificação de pro
ccs sos sociais por meio de inventários empíricos não t possível, nem tampouco
traria facilidades na pesquisa, na forma que se espera. 'Sen papel é o dc colocar
nos â mão pontos de referência, aos quais podemos relacionar ouLras. observações
além dnqueho pelas quais adquirimos c-si.es pontos de referência. Para satisfazer
esta FirtHlidüde eia nào necessita ser concebida secundo o inventário completo
dc todos os traços individuais, maç do um número pequeno, cuidadosamettte cs
colhido dentre eles. t . .) fcta pode poupar muitíssimos passos ao observador,
pois d a o guiará (. ) I l-hhb portatitó que descobrir traços panicutarmenlL:
essenciais para nossui classificação,G Mas. com relação à sua função un sistema
teórico ideal U(kaien). não faz diferença nlguma qüe os princípios mais elevados,
por sua vez. sejam adquiridos por escolha, por intuição d dê ti ca do ser ( Wvsert
schau)oa pela simples convenção, f certo que o cientista aplicará suas proposj
çòes mais ou menos gerais como hipóteses aos novos fatos surgidos. Depois da
constatação dc uma lei essencial { l-¥esef:sgtrst'i:)t o sociólogo de orienLação feno
menológica estará indubitavelmente seguro dc que cada exemplar lería que procc
der de conformidade corrí essa lei. Mas o caráter hipotético da Id essencial se
impõe no problema: xc kc traia de um exemplar da respectiva essência ou de
uma essência próxima; se $e truui de um mau exemplar dc um gênero, ou de
um bom exemplar de utn outro. Tem se sempre.de uma lado. o saber formulado
intekciualmente e. dc outro. um faio concreto (Saehverhalt) que deve ser subsu
mido por esse saber subsumír, isto é. este estabelecer u relação entre rt mera per
cepçáo õu Constatação do fnto concreto e n ordem 9 conceituai do nosso saber
chama sc explicação teórica.
Não será necessário lalar aqui dos diferentes tipos dc classificação Indicare­
mos apenas cm hrevçx palavras como se procede com a explicação dos aconicc:
memos históricos segundo este conceito tradicional dc teoria. Isto sc torna na
controvertia entre Lduaril Muyur u Mas Weber. A respeito de certas decisões
voluntárias de dcieiniinqdov personagens históricos que desencadearam guerras,
Vleyer havia afirmado que u questão de saber se estas guerras sc dariam ou não.
caso não tivessem sido tomadas tais decisões, è irrespondível e ociosa. Tomando
par tido contrário. Webci tentou provar que admitir jsslk si tiris ficaria q tte a explica­
ção histórica é impossível, Segundo as teorias do lisíólogp Vou Kries, de juristas
e ççonomiitas como Mcrtcl. Liefmann ç Radhruçh, WcbCr desenvolveu a 'V ó riíi
da possibilidade objetiva", Segundo este autor, do mesmo modo que para o espe­
cialista cm direito penal, a explicação para o historiador nào consisLe em uma
enumeração mais completa possível de todas as circusm ándas aí presentes, mas

L. Durkiicín». Lts tiyitt* dc ia iniitiudenttclologíque. Paris., JHlL p, yv.dx. do A.l


y «mirufa , na «j-ífeA SíhrmdiqN. JosT .i
T E O R IA T R A D IC IO N A L E T E O R IA CR ÍTICA 121

em destacar a conexão entre certos componentes do acontecimento, importantes


para a continuação do proccssu histórico, c. por outro lado. os processos indivi­
duais determinantes. E s t a conexão, por exemplo, o julgam ento de que uma guerra
foi desencadeada pela ação política dc um estadista decidido, pressupõe lógica
menLc que. no caso dc esta política não ter sido levada a cabo. não se daria
0 efeito explicado por ela. mas um outro. A afirmação de uma determinada causa
histórica implica sempre que. no caso dc sua nào-realização, devido a regras dc
experiência conhecidas, e sob as circunstâncias vigentes, ocorrería um outro dc
terminado efeito. As regras da experiência, neste caso. não são outra coisa que
formulações dc* nosso saber a respeito dos nexos econômicos, sociais e psicológi­
cos. Com sua ajuda construímos o percurso provável, omitindo nu incluindo a
ocorrência que deve servir para explicá-lo.10 Opera-se com proposições condicio­
nais, aplicadas a uma situação dada. Pressupondo se as circunstâncias a, b,
c. d. deve-se esperar a ocorrência q; desaparecendo p. espera se a ocorrência r,
advindo g. então espera sc a ocorrência s. e assim por diante. Esse calcular per­
tence nn arcabouço locico da história assim eomo ao da ciência natural. E t>
modo dc existência da teoria em sentido tradicional.
Por conseguinte, o que os etentistas consideram, nos diferentes campos,
como a essência da teoria, corresponde àquilo que tem constituído dc lato sua
tarefa imediata. O manejo da natureza física, como também daqueles mecanismos
econômicos e sociais determinados, requer a enformação (Fornamg) do material
do saber, tal como c dado em uma estruturação hierárquica (OrdHungsgçfiifgt'}
das hipóteses. O s progressos técnicos da idade burguesa sâo inseparáveis deste
tipo de funcionamento dn ciência. Por outro Indo. os fatos tomam çç fecundo?
para o saber por meio deste funcionamento, o que tem utilização dentro das rela
ções dadas, Por outro lado. o saber vigente c aplicado aos fatos. Não há dúvidas
de què tãl elaboração representa um momento de revolução e desenvolvimento
constamos du base material desta sociedade. Na medida cm que o conceito da
teoria é independentisado. como que saindo da essência interna da gnose (E r
kewuniòj. ou possuindo urna fundamentação a-histórica, ele $c transforma cm
uma categoria coirificadu (verdifiglichte) c, por isso. ideológica.
Tanto a fucundidadc de nexos efetivos recém descobertos paru a modificação
da form a11 do conhecimento existente, como a aplicação deste conhecimento
aos latos são determinações que não têm origem cm elementos puramente lógicos
ou metodológicos, mas só podem ser compreendidos em conexão com os proces­
sos sociais reais. O fato de uma descoberta motivar uma reestruturação das intui
ções'* vigentes não pode jam ais ser fundamentado cxelusivamente por meio dc
ponderações lógicas, mas precisa mente em contradição com determinadas partes
das representações dominantes. Sempre ê possivel encontrar hipóteses auxiliares,
por meio das quais se podería evitar uma lota! transformação da teoria, Ainda

0 Cf. Xtas. Wcbci. ”K riii. chc Studiua .iuf ik-m Gcbicl Jct kukurwi-.'■aivc!i;if(Iichm 1 *<t».iC” . in Ccuamnwlít'
. lujsw tzi-. T11f.k>i11rc;n i 4)?!*.. pp, üfcZ c -.k. i N cV a .)
’ 1 nranssorpwçãu", tut eü.rk A. sdimiüu N. des ip
1 - “tCFcs", nn ud. tlc A. SchmidL (N UU•- T 1
122 H O R KH EIM H R

que para o próprio oioniisia só on motivos imanentes sejam válidos» corno determi
nanto-s. novas teses se impõem e >e enquadram nas conexões históricas concretas.
Isto não é negado pelos cpistcmòlogos modernos quando pensam mais em gênio
e acaso do que nas relações sociais, também no que se refere aos fatores extra
científicos decisivos. No século X V I I. ao invés de resolver as dificuldades nas
qual;» u procedimento gnos to lógico da astronomia tradicional havia se envolvido
tentando supera las por meio de construções lógicas, passou-se a adotar o sistema
eopemieiano. liste fato não se deve apenas ãs qualidades lógicas deste sistema,
como sua simplicidade, por exemplo. Mesmo as vantagens que estas qualidades
representam conduzem à base da prâxis daquele período histórico. O modo pelo
qual o sistema de Copèm ico, que era pouco mencionado durante o século X V J .
tomou se um poder revolucionário. constituí ttma parte dü processo social, no
qual o pensamento mecânico passa a ser dominante,1a Contudo não ê só para ieu-
rias tâo extensas, como o rislema copermciano, que a mudança da estrutura
científica depende da respectiva situação social: isto se Fílí presente também nos
problemas especiais da pesquisa coLidianu. Não se pode ite lõrma alguma deduzir
simplesmente da situação lógica se ;i descoberta de nov a i variedades em campos
isolados da natureza orgânica ou inorgânica, seja cm laboratório químico ou cm
pesquisas pai conto lógicas. implicara na alteração de antigas classàfiçnçOes OU nu
surgimento de novas. O s cpixtemologos costumam neste caso recorrer n um con
cdtn aparentemente Jimincnte y sua ciência — o conceito de conveniência
(Zwecknttwmgkcti). Se c c«mo novas são formuladas convenièiUemenlc- Isto. nu
verdade, não depende só da simplicidade e da coerência do sistema. mas também,
entre outra» coisas, da direção e Jos objetivos da pesquisa que náo explica e
não pode tomar nada inteligível por d mesma. Tãnto quanto :i influenciado mate
ríul .-.Libre a teoria, a aplicação da teoria ao material Pão é apenas um processo
ínt meiem i tico, mas também um. processo sucml, Afinal a relação entre hipóteses
c fatos nâo se realiza na cabeça dos cientistas, mas na indústria. A s regras como.
por exemplo, u de que o alcatrão de hulha quando submetido a determinadas
reações desenvolve um corante, mi a. de que i« nitrogUuerina. o snlitre c outro*
elementos possuem grande força explosiva, constituem um saber acumulado que
ê aplicado cttòvamcnte aos fatos no interior das fábrica* dos grandes tiusie-í,5 *
Dentre as diferentes escola* filosóficas parecem ser particularmente os posi1
tívástas ü pragmático* que tomam cm consideração o entrelaçamento do trabalho
teórico com o processo de vida da sociedade, F.íes assinalam como tarefo da cicn
eia a previsão e a utilidade dos resultados. Na realidade, este caráter resoluto,
u crença no valor .social da sus profissão, é para o cientista, todavia, um assunto
privado. Lie pode crer tanto num »uber independente, '"supra-saciar e desligado,
como no significado social da suu especialidade: esta oposição na interpretação
não exerce u mínima inlluência sobre ú sua atividade prática, O cientista e sua

11 ^«n* trn ae síü fui t^posm jvtr H G ■-‘Ss-maim cm «•» vnftmn “ D k jgcsáOchafUiehçn Crundtagcn dei
mcChanistÍRchcn PhilcWiYpIm! um! .11 . UiiputuLlg»” . na ytfrschrtfl '■!,,■> S<n!ulfbr.\rhuni;, . mu* TV. l lI^5. pp.
30] uSi-aN J j A..I
l+ "inilListriai ena ed. d* A .S c h m fii.IN , ittiT .}
Ih U K IA 1K A D K A O N A L E T E O R IA C R IT IC A 123

ciência Csíãa atrelados íu» aparelho social, suas rcalkaçòcs constituem um mo­
mento da auto preservação e da rep rod u zo contínua do existente. in dependente -
mente daquilo que imaginam a respeito disso. BI cs Lem apenas que se enquadrar
ao seu “conceito’, ou seja. fazer 1cúria no sem ido descrito acima. Dentro da divi
são social do trabalho, o cientista icm que conceber e classificar ’ 5 ns fatos cm
ordens conceituais c dispô-los dc tal forma que cie mesmo e todos os que devem
utilizá-los possam dominar os fatos o mais amplamerae possível. Dernro da ciên­
cia o experimento tem. o sentido dc constatar os fatos de tal modo que seja parLi
cu larmente adequado ã respectiva situação da teoria. O material em fatos, a mate
riu. é fornecida dc fora. A ciência proporciona uma formulação clara, bem visível,
de modo que se possnm manusear os conhecimentos como se queira. Nâo importa
se ac trata de exposição da matéria, como na historio e partes descritivas de outras
ciências particulares, ou de sinopse de grandes quantidades de dados e obtenção
ilc regras gerais, como na física; pitru o cientista a tarefa dc registro, modificação
da forma c racionalização total do saber a respeito dos fatos é sua espontanei­
dade. é a sua atividade teórica. O dualismo entre pensar c ser. ertLendtmontu c
per ccpçao. Ihe é natu ra 1.
A repicscíLiaçàu iradicional de teoria é abstraída dc> funcionamento da ciên­
cia, tal como este ocorre a um nível dado dá divisão do trabalho, LJá cor responde
ã atividade cientifica tal como c executada ao lado dc todas as tlemais atividades
Noeiüis. sem que a conexão entre as atividades individuais se tome irmxli a lamente
transparente. Nesta representação surge, portanto, não a função real da ciência
nem o que a icofiü significa para a existência humana, mas, apenas o que significa
na esfera isolada cm que é feita sob as condições históricas. Na verdade, a vida
da sociedade é um resultado dn totalidade do trabalho nos diferentes rumos de
profissão, c mesmo que u divisão dú trabalho funcione mal Súb a modo dc prodti
çâo capitalista, os seus. ramos, e dentre eles a dênein. nno podem ser vistos eymo
autônomos c independentes. Estes constituem apenas partícula ri/ações da ma
neirsa comn a sociedade se defronta com a natureza c se mantém nas formas da
das. Sim, portanto, momentos do processo de produção social, mesmo que. pnp
príiurtcme falando, sejam pouco produtivos ou áié improdutivos, Nem a estrutura
dá produção industrial e agraria nem a separação entre funções diretoras e fun
ções executivas, entre serviços c trabalhos, entre atividade intelectual e atividade
manual, constituem relações eternas ou naturais» pelo contrario, estas relações
emergem do modo de produção em formas de terminadas de sociedade. A aparente
autonomia nos processos de trabalho, cujo decorrer se pensa, provir dc uma essên­
cia interior ao seu objeto, corresponde á ilusão dc liberdade dos sujeitos cconomí
eos na sociedade burguesa. Mesmo nos cálculos mais complicados, des são ex
poentes- do mecanismo social invisível, embora, ciciam agii segundo vuas decisões
individuais.
À autoóonseiência errônea dos cientistas burgueses durante a era líboralista
aparece nos. ma A diferentes sistemas filosóficos. Pode-se encontrar uma expansão

1! Falia n;i «I, A A. Séhtnádi. (N. dos 1 i


124 HORKHEIMER

hem precisa disso no neoknntismo dn estilo da escola de Marhurç. na passagem


do século. Alguns traços da atividade teórica do especialista são transformados
em categorias universais, por assim dizer, em momentos do espírito universal,
do lagos eterno, ou. antes, traços decisivos da vida social são reduzidos ã ativi
dnde teórica do cientista, A “ força da uno.se" passa u ser chamada '"força da
origem". Por “ produzir" (Krseiigen) passa-se a entender a ““soberania criadora
do pensamento". No momento em que algo aparece como dado. tem que ser
possível — pensam os referidos cientistas — constituir todas as determinações
deste algo a partir dos sistemas teóricos, em última instância, a partir da mntemá
tica: todas as dimensões finitas podem ser deduzidas do conceito do ínfinitamente
pequeno, por meio do cálculo infinitcsimal. e justamente isso ó n sua “'produção"
(fcr+eNxung)* O ideal é o sistema unitário da ciência que. nesse .sentido, é todo po
derosa. H porquv no objeto tudo se resolve em determinações intelectuais. t> rcsul
tado não representa nada consistente e material: a função determinante,classtlica
dor a e doadora de unidade, ê a única que ióiriecc u base para tudo. e a única
que o esforço almeja. \ produção ê produção da unidade, a própria produção
é produto.1* Segtmdo esta lógica o progresso da consciência da liberdade eon
siste propriamente em poder expressar cada vez melhor, nu lormu de quoçjçntc
diferencial, o aspecto do mundo miserável que se apresenta aos olhos do cientista.
Enquanto a profi&sào do cientista representa efetiva mente um momento nào inde
pendente no trabalho c na atividade histórica do homem, ela é colocada no lugar
deles. Na medida cm que o entendimento deve determinar efetiva mente os aconie
eitnentos, numa sociedade futura, esta hypóstasts do lógos como realidade efetiva
ò também uma utopia travestida, Todavia a ciência natural míUemáiicn. que npn
rcce comu lógos eterno, nào é .1 que constitui atualmente 0 autoeonhcdmentu
do homent, mas a teoria crítica da sociedade atual, teoria esta impregnada do
interesse por um estado racional.
A consideração que isola as atividades particulares e os rumos de atividade
juntamente com os seus conteúdos e objetos necessita, para ser verdadeira, da
consciência concreta da sua limitação, f preciso passar para uma concepção que
elimine a parcialidade que resulta necessariamente da fato de retirar os processos
parciais da totalidade da préxis social, Na representação du teoria, tal como dn
se apresenta áo cientista, como resultado necessário de sua própria profissão,
a relação entre fato e ordem conceituai oferece um importante ponto de partida
para lal eliminação, A gnosiologia dominante reconhece também a problemática
dessa relação, Tem sido salientado constantememe que os mesmos objetos que
constituem problemas numa disciplina, para os quais uma solução é remota, são
aceitos como fritos consumados cm outras disciplinas. Nexos que na física são
temas dc pesquisa, na biologia .suo considerados cotno pressuposição evidente.
Na própria biologia acontece o mesmo com os processos fisiológicos cm relação
aos processos psicológicos. As ciências sociais tomam a totalidade da natureza
humana e extra humana como dada ç se interessam pela estrutura das relações

1H
Ci. 11 Cdum. Um,«a. riiT m nar l-rium tm h, llerlmv IVU, pp. ju c *>.. IN <|C' \,i
I fcOKIA T R A D IC IO N A L I T E O R IA C R IT IC A 125

entre homem c nalurev.i e dos homens entre si. Nào é por meio dessa referência
a relatividade da conexão entre pensamento teórico e fatos, imanentes á ciência
burguesa. que se dá o desenvolvimento do conceito e teoria. mas por uma ponde
ração que não tange unicamente ao cientista, mas também a Iodos os indivíduos
cognosoentes.
A totalidade do mundo perceptível, tal como existe para o membro da socie­
dade burguesa e tal como e interpretado em sua reciprocidade com da. dentro
da concepção tradicional do mundo, e para seu sujeito uma sinopse de fatie ida
des; ísse mundo existe c deve ser aceito. O pensamento organizador concernente
a cada indivíduo pertence as reações sociais que tendem a se ajustar ás neeessida
des dc modo o mais adequado possível. Porém, entre indivíduo c sociedade, existe
uma diferença essencial. O mesmo mundo que. para o indivíduo, c algo cm si
existente c que tem que captar c tomar cm consideração c. por outro lado. na
figura que existe e se mantem, produto da práxis social geral. O que percebemos
no nosso meio ambiente, as cidades, povoados, campos e bosques trazem em
rí a marca do trabalho. Os homens não são apenas um resultado da história
cm sua indumentária e apresentação, em sua figura c seu modo de sentir, mas
também a maneira como veem e ouvem é inseparável do processo dc vida social
tiil como este se desenvolveu através ik»s séculos. O s latos que os sentidos nos
fornecem são pré formados dc modo duplo: pelo caráter histórico do objeto perce
bido e pelo caráter histórico do órgão perccplivo. Nem um nem outro sào mera
mente naturais, mas en formados pela atividade humana, sendo que o indivíduo
sc autopcrcche. no momento da percepção, como perceptivo c passivo. A oposi
ç.ào entre passividade e atividade que na gftOsiologia surge como dualismo da
sensibilidade e entendimento não c válida para a sociedade na mesma medida
cm que é válida para o indivíduo. Enquanto este se experimenta como passivo
e dependente, a sociedade, que na verdade é composta de indivíduos, é entretanto
um sujeito ativo, atndu que inconsciente e. nessa medida, inautcntico f-.sta dife
rençü na existência do homem e da sociedade é uma expressão da cisão que no
passado e no presenteiem sido própria ás formas sociais da vida social. A existên
cia da sociedade se baseou sempre na oposição direta, ou é resultado de forças
contrárias: dc qualquer modo não 6 o resultado de uma espontaneidade consciente
de indivíduos livres. Por isso altera se o significado dos conceitos de passividade
c dc atividade, em conformidade com a sua aplicação u sociedade ou ao indiví
duo. No modo burguês de economia (biuvgvrhcht Win\schafts iveise) a atividade
da sociedade é cega e concreta, e a do indivíduo ç abstrata e consciente,
A produção humana contem lambem sempre algo planificado. Na medida
cm que o fato surge como algo exterior que se acrescenta a teoria, c portanto
necessário que contenha em si razão t Vernunft), mesmo que num sentido limitado.
Com efeito, o sabei aplicado e disponível esta sempre contido na práxis social;
em consequência disso o ímo percebido antes mesmo da sua elaboração teórica
consciente por um indivíduo cognoseeme. já está eodeterminado pelas representa
çóe.x c conceitos humanos. Não se deve pensar aqui apenas nos experimentos
da ciência natural. A assim chamada pure/u do processo efetivo que deve ser
126 H Ü R K H E IM E K

alcançada polo procedimento experimental está ligada a requisitos técnicos, cuja


conexão com o processo matéria! de produção é evidente. Todavia se confunde
facilmente a questão da mediação do fato pela práxis social como uni todo com
a. questão da influencia exercida pelo instrumento medidor sobre 0 objeto obser­
vado, ou seja, com um método particular. O último problema com que a própria
física sc ocupu uuntiruiamente não esta menos ligado cum o problema aqui levan­
tado do que com a percepção em geral. Inclusive a percepção cotidiana. 0 próprio
aparelho fisiológico dos sentidos do homem trabalha já há tempos detalhada
mente- nos experimentos lisicos. A maneira pda qual as partes são separadas uu
reunidas na observação registradora, o modo pelo qual algumas passam despcrce
bidas e outras são destacadas, é igual mente resu ltado do moderno modo de produ
çno. assim como a percepção de um homem dc uma tribo qualquer dc caçadores
ou pescadores primitivos é o resultado das suas .condições de existência, c. por­
tanto. ind-ubítavelmerue também do objeto. Em relação a isso poder se ia inverter
a frase; as ferramentas são prolongamentos dos órgãos humanos, na frase: os
órgãos são também prolongamentos das ferramentas:. Nas eJapns mais elevadas
da civilização a praxis humana consciente determina in conscientemente não ape­
nas o lado subjetivo da percepção, mas em maior medida também o objeto. 0
que ç> membro da sociedade capitalista1 7 vê diariamente » sua volta: conglome
radús habitacionais, fábricas, algodão, gado de cone. seres humanos* c não SÓ
estos objetos como tamhêm os movimentos, nos quai* são percebidas. dc trens
subterrâneos, elevadores, automóveis, aviões, etc,. lern este mundo sensível as ira
ços do trabalho consciente ertr si: nãn ê mais possível distinguir çn irí o que per
cenee a natureza inconsciente c o que pertence n pràxis social. Mesmo quando
se : rata da experiência com objetos naturais como tal. sua naturalidude ê dciermi
nada pelo contraste com o mundo social, c nesta medida dele depende.
Contudo o indivíduo registra a realidade efetiva sensível como rnent seqüèn
d a du fatos na.v ordens conceituais. Sem dúvida, estas também se desenvolveram
em conexão reciproca com o processo vital da sociedade. Quando ocorre por
isso ei classificação nos sistemas do entendimento, u julgamento dos objciüx» t>
que se dá cm geral com grande evidência c em apreciável concordância entre
os membros da sociedade gadn. essu hsirmoniu entre a percepção e u pensamento
tradicional, como também entre as mònudas. isto é. entre os sujeitos cognoscentcs
individuais, não e um fato metafísico acidental. O poder do bom senso, do com
rnon s&títe, pura o qual não existe segredos, mais que isto. a validade geral das
imuiçòes • a em campos que não estão diretameme relacionados com as lutas
sociais, como è o caso das ciências naturais, c condicionado pelo fato de que
o mundo-objeto (Gc^L-nsíímiiswcU) a ser julgado advêm em grande medida dc
íij7i;i atividade determinada pelos mesmoa pensamentos, graças à qual o poder
c reconhecido c compreendido no indivíduo. Este fato ê expresso na filosofia knn
sianu. dc forma, idealista. Segundo K ant, a doutrina da sensibilidade tneramente

,J mrfuttriaí1; na l-U, <le A, Sclimidi. ■N das I J


“validade jlTj I (Iji.s teses”, ca l-J. J l' A. Si íimidi (N. dos T.)
passiva e do entendimento ativa amadurece :i seguinte questão: donde o entendi
meciLu retira a previsão segura dc„ segundo as suas regras, se ocupar para iodo
o sempre do mülícplo que e dado na sensibilidade? Ríc combate veementemente
a tese de uma harmonia preestabelecída, de um “ sistema de pré formações da
razão pura", na qual as regras ccrtamente sei iam inatas ao pensamento, de forma
que os objetos teriam que se enquadrar nelas.19 Sua explicação é a de que as
aparências sensíveis do sujeito transcendental já estão portanto cr formadas (ge-
formt) através da atividade racional quando registradas pela percepção e julgadas
com consciência,.21' Nos capítulos mais importantes da Crítica tia Razão Para.
Kant tentou fundamentar com maior precisão essa 'afinidade transcendental” ,
essa determinidude {Béstimmíhcu} subjetiva do material sensível, sobre a qual
o indivíduo nada sabe.
De acordo com a própria intuição^1 kanLíana. as partes principais da dedu­
ção e do esquema!ismo dos conceito? puro? do entendimento aqui referidos Ira
zcm cm si a dificuldade t n obscuridade, as quais podem estar ligadas ao fato
de cie representar a atividade supra individual, inconsciente ao sujeito empírico,
aptínas na Ibrma idealista de uma consciência em si. de uma instância pura mente
espiritual. De acordo com a visão teórica geral, possível cm sua época, cie eonsi
dera a realidade não como produto do trabalho social, caólitu em seu lodo, mas
individual mente orientado para objetivos certos. Onde Hegd já vê a astúcia de
uma riizão objetiva, pelo menos ao nivd histórico, Kam vç “ uma arte Ocultii
nas profundidades da alma humana, cujo manejo verdadeiro nós dificilmente ar
rançaremos da nuturatit, cuío-caiido-a ü descoberto dlanu: dos olhos". í m lodo
o caso cie compreendeu que, atrás da discrepância entre fato c teoriti q iic o eien
tista experimenta em sua ocupação especializada. existe uma unidade profunda.
;t subjetividade geral de que depende a COgnição (Erkvnnm) individual. A ativi
da de social aparece como poder transcendental. isto L como supra sumo dc fnto
ros espirituais, A afirmação dc Kam dc que a eficácia desta atividade está eflvol
vida por tima obscuridade, ou seja. apesar de toda a racionalidade í- ir.acionai,
não deixa de ter cm fundo de verdade O modo burguês de economia rtào é orien
todo por nenhum planejamento nem é orientado conscientemente paru um obje
ti VO geral, apesar da perspicácia dos indivíduos concorrentes; a vida do iodo re
mlLa numa figura deformada, como que por acaso, mesmo assim sob enormes
atritos. A s dificuldades intemus que acompanham os conceitos mais elevados da
filosofia kam uma. principal mente o t u da subjdividadc transcenctental. a aper
eepçfiu pura ou original e a eonscienck em si testemunham a profundidade e
sinceridade de seu pensamento, O duplo caráter destes conceitos kantíünos, que
mostram por um lado a máxima unidade e orientação, e. por outro lado. algo

'fB C r‘ K rllít iJrr r<v)4ti W nnju/i. frawKmtltMfair fitflttkUtin der reme» l (■ rstandrsbcxrifíi!. 2 " cU. # 11.
B I fi7. |,N- tl*>t\ l
in IbtU. Aur Dfiiuktltut der rriítm I 'MSlándMhí-jjptffp, 1." iíJiçSii. 2. Wbsdimit -I VorfcicuRfw: Krkhcain;/1
d ír MkifitlichXoi dcT Kataipricn nts hrkcsnninisw; u nriurP” A I W>. ■M Uf> A.)
11 ”$fljuindon próprio Kiira", na c l dc 4. Sdimi.li, (1M dnsl ■
,s tf»W 1’m demSckematísjnnx derrrinçrt í 'ee&andefèfifrffi?. B IKI.<N. ilo A.l
Í2Ã HORKHEI ML R

de obscuro. de inconsciente. de intransparenií;, define cxatamenU' a forma ctmira-


diLona da atividade humana nos últimos tempos. A ação conjunta dos homens
na sociedade c o modo de existência dc sua razão: assim utilizam suas forças
c confirmam sua essência. Ao mesmo tempo este processo, com seus resultados,
è estranho a eles próprios: parece thes, com todo o seu desperdício de força de
trabalho e vida humana, com seus estados de guerra e toda a miséria absurda,
uma força imutável da natureza, um destino sobre humano. Lsia contradição c
mantida na filosofia teórica de Kant. na sua análise da gnose. A problemática
nâo solucionada da relação entre atividade í passividade, entre o a priort e o
dado sensivel, entre filosofia c psicologia, não é por isso uma insuficiência subjc
ti va ma$. ao contrário, uma insuficiência necessariamente condicionada , 23 llcg d
dcsvcknj e desenvolveu essas contradições, mas por fim as concilia numa esfera
espiritual mais elevada. Âo eoioçar o espírito absoluto como emincmcmcnte real.
Ilegei se livrou do embaraço, do sujeito universal. que K ant havia afirmado, mas
não conseguiu esiractarisn do correta monte. Segundo el e, o universal já se desett
volveu nricquadamenie. c é idêntico àquilo que ocorre. A razão não precisa mais
ser mera mente critica consigo mesma, elu se tomou afirmativa com Hcgcl antes
mesmo de ser possível afirmar ; l realidade como racional, Em vista das coniradi
çõe.s da existência humana, que contínua efetiva mente existindo, e em vista da
debilidade dos Indivíduos diunu das situações criadas por eles próprios, esta .folu
çáo aparece como uma afirmação privada, com o pacto de paz pessoal do filósofo
com um mundo inumano.
A classificação de fatos cm sistemas conceituais já prontos e a. revisão destes
através dc simplificação ou eliminação de contradições c. como foi exposto
acim a, uma parte da prâxis social geral. Sendo .1 sociedade dividida ern classes
e grupos, compreendo-Sê que as construções teóricas mantém relações diferentes
eotn est a práxis geral, conforme a sua filiação a um desses grupos ou d asses.
Enquanto a classe burguesa nindii sl- encontra cm formação sob uma ordem social
feudal, a teoria puramense científica que surgia com ela tinha em relação h sua
época uma lendêncin fartem cru« agressiva contra a fôrma amiga da pràxis. No
liberalismo da caracterizou o tipo hnrti;mó dominante. íIo jv o desenvolvimento
não é determinado tanto pelas existências médias que na sua concorrência &ào
obrigadas a melhorar 0 aparelho material de produção c seus produtos, quanto
pelas oposições em fiívd nacional c m urnadonal dc camarilhas de caciques
(Fuehrcrciiquvn) nos diversos cscálôcs da economia c do Listado, Ma medida em
que o pensamento teórico não se relaciona com fins muito especiais ligados u
essas, lutai. sobrçLudu com a guerra e sua indústria, diminui o interesse por esse
pensamento. Não se emprega mais tanta energia cm formar e desenvolver a capa
cidade de pensar, independente de seu tipo de aplicação. Contudo, estas, diferen
ças. às quais se poderíam juntar muitas outras, não impedem que uma função
social positiva seja desempenhada peht teoria na r.ua figura tradicional, pela avú
liação existente feita por meio de um instrumento rradicional de conceitos e jui

J *'((isulic3en:L'i:i nsvwriahrtfBH! fsackluJirinecsxthrvi''. na cd J«? A S-lirnúíMN dos I o


T E O R IA T R A D IC IO N A L h I È O R lA C R ÍT IC A 129

zos. ainda atuante na consciência mais simples, e, além disso, pda aç;u> reciproca
Ljuk‘ ocorre entre os fatos e as formas teóricas por mouvo das tarefas profissionais
cotidianas* Desta atividade inlekttuid passaram a fazer parte as necessidades e
fins. as experiências e hôbdidtRte, e os costnrnes e tendências, da forma atual
de sei Etum ano. ComO .se tora um instrumento material de produção, da repre­
senta,. segundo as suas possibilidades, um elemento não só do presente, como
também de um todo mais justo, mais diferenciado í cultura [mente mais harnio
meo. No momento em que o pensamento teórico deixa de se adaptar conseioitc-
mente a interesses exteriores, estranhos ao objeto, e se além efetiva mente aos pro­
blemas tal como cies aparecem diante deste pensamento, em consequência do
desenvolvimento du sua cspcciuJidade, que cm conexão com isso lança novos pro
btemas e modifica conceitos antipos onde isso se faz necessário, pode com direito
ver as realizações na técnica e na indústria da época burguesa como sua legitima­
ção c eslar seguro de si mesmo. Sem duvida o pensamento teórico compreende
a si mesmo Como hipótese e não como certeza. Mas tate caráter hipotético e com
pensado de algum modo. A insegurança não e maior do que dcvtf ser. se sc leva
cm conta os meios intelectuais c técnicos existentes, que tem em geral sua utili­
dade comprovada, c a íormul&çào tíc uris hipótese^. |*u maus reduzida que seja
:i sua probabilidade, é considerada inclusive unir» realização SOCtalmenEc rtcccssá
ria e valiosa, que de qualquer maneira não è cm si hipotética. A formulação de
hipóteses, a realização teórica em geral è um trabalho paia 0 qual existe possibili
da de fundamental de aplicação, isto c, k*m uma demanda sob ns condições sociais
cxistcnLes. Na medida em que d e è pago abaixo do seu valor, ou tàü encontra
demanda, a uniea coisa que lhe pode acontecer é compartilhar o desuno de outros
trabalhos concretos, possivelmente uteis, qtie sucumbem sob estas relações econó
m ieas,34 Estes trabalhos pressupõem coniudo essas mesmas relações que fazem
parle da totalidade do processo econômico, ml corno ele se desenrola snh condi
çóca históricas determinadas, hso nãó tem nada a ver com a questão de sc os
próprios esforços científíç.oH, em sentido estrito, vão produzidos ou não, Neste
sistema existe uma demanda para um sem numero de produtos pretensa mente
científicos. Eles recebem honorários dos modos mais diversos. Lio c. uma parle
dos bens provenientes do trabalho efetivamente produtivo são gastos com eles,
sem que isso altere um mínimo da süü prôpríu produtividade. O s esforços inúteis
de certos setores da atividade universitária coma também a perspicácia vã. a for
mitção, metafísica ou nâo, dc ideologias, assim corno outras necessidades prove
mentes da oposição das classes.15 s tem sua importância social sem corresponder
efetivnmenie nu período mnnl noa bitore í-jcü de ul£,umu maioria notável ,i:i xocic
dade. Uma atividade que contribui para a existência da sociedade na sua forma
dada nào prccLít ser ubsolutarncntc produtiva. isto é. ser formadora tle valor para
uma empresa. Apesar disso ela não pode pertencer n esta ordem LodaJ| e. com
isso, tomada possível, como é rcalncnte o caso da ciência especializada.

-4 "‘ l| ijl - s u e u m br sub l*s 1ü. ( W r j ,f i J j f i í "1 rui


&& 1.1 t d . iju A S u h m i e J i . i V!

31 “ neceíüifàdCÃ proveniemes de oposípcYr jocitrú". nu d , dc A , Schmsídt. IN. do l


130 HÜRKHF.IMF.R

VIas existe também um comportamento humano56 que tem a própria socie


dade como seu ubjeLo. Ele não tem apenas a intenção de remediar quaisquer in­
convenientes; ao contrário, estes lhe parecem ligados necessariamente a toda qr
ganização estrutural da sociedade. Mesmo que este comportamento provenha de
estrutura social, tifm é nem a sua intenção consciente nem a sua importância
objetiva que faz com que alguma coisa funcione melhor nessa estrutura. A$ cate
gorius: melhor, útil. conveniente, produtivo, valioso, tais como são aceitas nesta
ordem |social]., são pura <rfe suspeitas e nào são Je forma alguma premissas extra-
cientificas que dispensem a sus atenção critica, Em regra geral o indivíduo aceita
natural mente como prccstabelecidus as determinações básicas tia sua existência.
C se esforça para preenchê-la. Ademais ele encontra a sua satisfação c sua honra
ao empregar toda& &> suas forças na realização das tarefas, apesar de toda a
crítica enérgica que talvez fosse parcialmente apropriada, cumprindo com afã
a sua parle. Ao contrário, o pensamenIo crítico não confia de forma alguma nesta
direLriz, tal como é posta à mão de cada um péla v:da social. A separação enrre
indivíduo e sociedade, cm virtude dn qual os indivíduos aceitam como naturais
ás barreiras que são impostas à süa atividade, é elim inada2 ? na teoria critica,
na medida em que efca considera ser o contexto condicionada pela cega atuação
conjunta das atividades isoladas, isto c. pela divisão dada do trabalho c pelas
diferenças de classe, como uma função que advem da ação humana $ que poderia
estar possivelmente subordinada â decisão píanificada c a objetivos racionais
Para os sujeitos do comportamento critico, o caráter discrepanu cindido
do todo social, em sua figura atual, passa a ser contradição consciente. Ao reco
nbecero mnjn çftr econotnát vigente e o iodo cultural nele baseado como produto
do trabalho humano, e como a organização dc qu-e a humanidade foi capaz e
que impôs a s: mesma na época atual, aqueles sujeitos se identificam, des rmrs
mos. com esse todo c o compreendem como vontade c razão; ele é o seu próprio
mundo. Por ruiri.i lado, descobrem que a sociedade c comparável com processos
naturais extra humanos, meios mecanismos, porque as formas culturais baseadas
cm lula e opressão não c a prova dc uma vontade c-iutoconsei ente e uni ui ria. Brn
outras palavras; este mundo não c o deles, mas sim o mundo do capital. Aliás
a história náo pôde ntê agora ser compreendida a rigor, pois compreensíveis são
apenas os indivíduos c grupos isolados, e mesmo está compreensão não se da
de umrt forma exaustiva, nitiíi vez que eles. por força da dependência interna de
uma sociedade desumana, são ainda funções mcramenic mecânicas, inclusive nn
ação consciente, Aquela identificação é portanto contraditória, pois encerra em
si uma contradição que caracteriza todos os um edtos J a maneira cfo pensar crí
rica. Assim íík categorias econômicas tais como trabalho, valor e produtividade
são pura d a exaianietuc u que são nesta ordem [social!, e qualquer outra interpre
laçiio não passa de mau idealismo. For outro lado. aceitar isso simplesmente apa

" lisLe eoni|>oniamenti> jierà denuminaílo a se*Lilr de ^nnpo;rtW.eiTto “CffíiÇB" Mils>■ . ".rmien” naíi hnin
nu senifoii ir. crines iilcatisrs >ia r? 2ão pura corvo no «ntiJu l-i critica -diiájtiea J ü i-aan<>tniri política.
r.í.[L‘ temeo inlicci u m pntprrcdadc essencial Ja learia di.iSêiicn U . j sociududc. 1N J» A.)
11 - c retaifrizaUv na teorin crilic-üT, ilu sJ. tfe A-Sdmiiíll,{!S. des 3 .,1
rcec como uma inverdade torpe: n reconhecimento crítico das, categorias dorni
nariLo na vida social contêm ao mesmo tempo a sua condenação. O caráter
dialético desta auíoconcepção do homem contemporâneo condiciona em ühimu
instância Lambem a obscuridade da critica kantiana da rarão. A razão não pode
tornar-se. cta mesma, transparente enquanto os homens agem como membros de
um organismo irracional. Com o uma unidade naturalmente eres-ceme e decadente,
o organismo nâo c para a sociedade uma espécie de modelo. m$s sim uma forma
apática do ser. do qual Lem que se emancipar. Um comportamento que esteja
orientado para essa emancipação, que tenha por mela .1 transformação do todo,
pode servir-se sem dúvida do trabalho teórico. Lal como ocorre dentro da ordem
dcsla realidade existente. Contudo ele dispensa o caráter pragmático que advêm
do pensamento tradicional como uni trabalho profissional social mente útil.
O pensamento teórico no sentido Lradicioiml considera, como foi exposto
acima, tanto a gênese dos latos concretos determinados como a aplicação prática
dos sistemas de conceitos, pelas quais estes latos são apreendidos, e por eonsc
pumie seu papel na pnrxh conto algo exterior. A alienação que se expressa na
terminologia lilosufica ao separar valor de ciên cia.*3 saber de agir.com o também
outras oposiçoes, preservam o dentista das contradições mencionadas c empresta
30 seu trabalho limites bem demarcados. Um pensamento que não reconheça cs
sés limites parecv perder suas bases. Que outra coisa podería ser um método teu
ríctX que em última instância nâo coincide com a determinação dos fatos dentro
de sistemas conceituais diferenciados c bastante simplificados além de um diver
li menu» intelectual desorientado, em pai té poesia racional, e cm parte expressão
impotente de estados de espírito? A investigação do condicionamento de fatos
f*üCLius assim como de teoria podem muito bem constiluii um prúblcma da pes
qtúsa. inclusive um campo próprio do trabalho teórico, mas não se vê por que
este iipu de estudo deveria ser funda mem a Lmente diferente dos outros esforços
teóricos. A análise da ideologia ou a sociedade do saber, retiradas da teoria crítica
da sociedade e esiâbckcidíiS como ramos particulares dc pesquisa, não se encon
fiam em oposição w fu ceio na meu to normal da ciência ordenadora. nem quanto
n sua essência nem em relação n sua am bição. Nisso a autognose do pensamento
c redu/ida a revelação das relações entre in tu içõ es” ’ c posições sociais. A csiru-
uma do comporta mento crítico, cujas intenções ultra passa ram a> da prúxís social
dominante, não está certamente mais próxima destas disciplinas soeíais do que
das ciências naturais. Sua oposição ao conceito n adicional dc teoria não surge
nem da diversidade dos objetos nem da diversidade dos sujeitos. Para os represen
1antes deste comporta mento, os latos, tais como surgem nn sociedade, frutos cio
trabalho, não são exteriores no mesmo sentido em qu-e o são para 0 pesquisador
nu profissional de outrov ramo*. que se irnuginu u si mesmo aomo pequeno eien
lista. Para os primeiros Ç importante uma nova orgartixaçào do trabalho. Os fatos
concretos que esLão -Judos nu percepção devem despoja: se do caráter de mera
faticídndé na medida em que forem compreendidos como produtos que, como

"□ D asparar valu-i Já p c t t fu it a ". h.l«a ílc A. SdimiüL.ílS. ii •• F .


‘ " lIs - rdMiiítEs l ii l /«'.icri . ijffiV 1jujíí.i .1 1■
i. ■
j |. il i .1j : 11.1 jd. ,i.' a XcliTaiUt. iN dU!>'IV|
152 HÜRKHF.tM BR

tais. deveríam estar sob o controle humano e que. em todo o caso. passarão 1'utJ-
ramente a este controle
O especialista cicmism vê a realidade social o seus. produtos
como algo exterior e "■enquanto" cidadão mostra o seu interesse por essa realidade
através de escritos políticos, de filiação i organizações partidárias ou beneficentes
c participação uni eleições, sem unir ambas as eoisíis e algumas outras formais
suas de comportamento, i não ser por meio da interpretação ideológica. Ao con
erário, o pensamento critico c motivado pela tentativa dc superar realmente a
icnsão- de eu minar ;i otvrsiçãa entre a consciência dos objetivos, espontaneidade
c racionalídlade. inerentes ao indivíduo, de um lado. e us relações do processo
de trabalho, básicas paru a sociedade, dc outro, O pensamento crítico contém
um conceito do homem que contraria a si enquanto mio ocorrer esta identidade.
Se c pfóprío do homem que veii u iir seja determinado pela razão-, a prãxist social
dada. que dá forma ao modo de ser (Daseni), é desumana, e essa desumanidade
repercute sobre tudo o que ocorre na sociedade. Sempre permanecerá algo exte
rior .a atividade intelectual e material, a saber, a natureza como uma sinopse dc
fntos ainda não dominados- com os quais a sociedade se ocupa. Mas neste algo
exterior incluem-se Lambem as relações constituídas unicamente pelos próprios
homens, isto c. seu relacionamento no trabalho e o desenrolar dc sua própria
história. et>TYto i-m prolongamento dn natureza. l 'ssa cxtcríuridade não 6 contudo
uma categoria supra-histórica ou eterna - isso também não seria a natureza
no seruitto assinalado aqui . mas sim o sinul de uma impotência lamentável,
tííjãúcá Ia seria nmi humano e anti nacional.
O pensamento burguês c constituído dc uti maneira que. ao voltar30 no seu
próprio sujeiio. reconhece com necessidade lógica o ego que se julga autônomo.
Segundo a sua essência cie é abstrato, e seu princípio é a individualidade que»
isolada dos acontecimento»» stt deva á condição de causa primeira do mundo
ou sc considera o próprio mundo. O oposto imediato a isso é a convicção que
se julga expressão não problemática dc uma coletividade, como uma espécie de
ideologia da raça. O nós retórico e empregado u serio. O falar se julga o nislru
mento de todos, Na sociedade dilaceradu do presente, este pensamento é. sobre
tudo- cm questões sociais, hannomeislu c ilusionista. O |)cnsarnento critico com
sua teoria sç opõe a ambos os ripos referidos, l í k nào tem a função ik um indiví
duo isolado nem a de uma generalidade de indivíduos. Ao contrário, ele considera
conscientemente como sujeito n. um indivíduo determinado em seus relacionamen-
Lus efetivos çom outros indivíduos ç grupos. Cm seu confronto oom uma classe
determinada, c. por ultimo, mediado por este entrelaçamento, em vinculaçào com
o todo social e rt natureza, físte sujeito não é pois um ponto, como o eu da filoso
fia burguesa; sua exposição (Dtir&ieUmg) consiste na construção do presente his­
tórico. Tampouco o sujeito pensante é o ponto onde coincidem sujeito e objeto,
c donde sc pudesse extrair por isso um saber absoluto, Líbia aparência» da qual

Nu dc V Sdimuli. * 1 invos dc rrr der fitJrrív.TiidMf!, 4 -e ti ;i.hu unos |»r ,Jati voJlai' ac". cu n u
íif Jt r JtrJJivdmt Infl rrfteJíguK IN. -Jus T.J
T E O R IA T R A D IC IO N A L E T E O R IA C R ÍT IC A 133

o idealismo tem vivido desde Descartes, c ideologia um sentido rigoroso: 2 liber


dade limitada do indivíduo- burguês aparece na figura de liberdade c autonomia
perfeitas, Mas 0 eu, quer .vija mera mente pensante, quer atue de alguma outra
fôrma, tnmbém nào esta seguro de si próprio numa sociedade intransparente c
incoiBCÍemç. No pensamento sobre 0 homem, sajeito e objeto divergem um do
outro: sua identidade se encontra no futuro e não no presente. O método que
leva a isso pode ser designado clareza, de acordo com a terminologia cartesiana.
mas cita clareza significa, no pensamento efei iva mente critico. não apenas um
processo lógico, mas também um processo histórico eoscreLõ. lirn seu percurso
fe modiftea tanto a estrutura social em seu todo. como lambem a. relação do
teórico com a classe31 e com a sociedade cm geral, ou seja, modifica se o sujeito
c também o papdi desempenhado pelo pensamento. A suposição da invariabili
datte social du relação sujeito, roofia e objeto distingue a concepção earte&ianíi
dc qualquer tipo de lógica dialética.
MâS COmo se dá a conexão do pensamento com s experiência? Sc nào se
trata apenas de ordenar, mas também dc buscar os fins transcendentes deste orde
nar, isto é. buscar n sun direção em si mesma, então poder sc ia concluir ele
permanece sempre cm si mesmo, como na filosofia idealista. Sc o pensamento cri
tico - pensa sc não tccorrcsse a fantasias utópicas, a fo g a rse ia em quer cias
formalistas. A. tentai iva dc legitimar phjclivos práticos por meto de pensamentos
tuna sempre que fracassar. Se o pensamemo nào se conforma com o papel que lhe
foi adjudicado pda sociedade cxUtcflic. t se nào faz teoria no sentido tradicional,
cie recai necessariamente nas ilusões já superadas há muito Ksia relh-são comete
o erro de entender t> pensamento dc modo cspcutali/.ado, isolado, c por isso espjri-
lualisut, hú como este ocorre sob as condições da atuãl divisão do trabalho Na
realidade social, a atividade de representação jam ais se manteve restrita a sí
mesma pelo eomrário. sempre atuou comn um momento dependente do processo
do trabalho que tem, por sua ve?,. uma tendência própria. Através do movimento
oposto üc épocas e forças progressista e rcinAradus tende o processo dc trabalho
a preservar, elevar e desenvolver a vida Immmtm Nas formas históricas do modo
de ser da sociedade. 0 excedente de bens produzidos na etapa alcançada bencti
ciou direta mente apenas um pequeno grupo de seres humanos, e essas condições
dc vida manifestaram se Lambem no pensamento e deixaram n <uirí marco na lilo
solta c na religião. No fundo sempre existiu o anseio dc estender o desfrute ú
maioria: apesar de toda n conveniência material dn organização de classe, iodas
as suas formas rio 1‘tm ste- mostraram inadequadas. Os escravos, os servos e os
cidadãos (Buergar) se livraram du jugo. Também csíe anseio modelou configura­
ções culturais. A o exigir dc cada indivíduo que (açu seus os fios da toiídidude c
que os reconheça nela depois* como tem ocorrido na história rocemc. existe a
possibilidade de que m direção do processo social dó trabalho, cstabd.ctida sem
icotia determinada e resultante de forças dispares, em cujas ocasiões criticas 0
desespero das massas foi nionienianeamcmc decisivo, seja registrada na euns-

"euni u classe". unucktv IU Ctí. ilc A. 3dãniull-(|Si- il-' - | l


134 HORKUEÍMER

ciência c posta como meta. O pensamento não inventa estórias a


partir de suu própria fantasia. antes exprime a sua própria função interior. Em seu
percurso histórico os homens chegam à gnose do seu lazer e com isso mLendçm
a contradição encerrada em sua existência. A economia burguesa estruturou se de
tal forma que os indivíduos, ao perseguirem a sua própria felicidade, mantenham
a vida da sociedade. Contudo essa estrutura possui uma dinâmica em virtude da
qual se acumula, numa proporção que lembra as antigas dinastias asiáticas, um
poder fabuloso, de um lado, u. de outro, uma impotência material e intelectual, A
fecunditlade originai dessa organização do processo vital se transforma em esteri
1idade e inibição. O s homens renovam com seu próprio trabalho uma realidade
que os escraviza em medida crescente e os ameaça com todo tipo de miséria. A
consciência dessa oposição não provem da fantasia, mas. da experiência.33
No entanto, no que diz respeito ao papel cia experiência, existe uma difc
rença entre u teoria tradicional e a teoria critica. Os pomes de vista que a teoria
critica retira da análise histórica como metas da atividade humana, principal-
mente a idéia de uma organização social racional correspondente ao interesse
dc todos, são imanentes ao Lrabâlho humana, sem que os indivíduos ou o espírito
público os tenham presentes dc forma correta. É necessário uma determinada
direção do irtlCRüsC para descobrir e assimilar essns tendências. Que essas- são
produzidas necessariamente no proletariado, a classe dirçtamente produtiva,33
è o que mostram os unsinameníOs de Marx c Fngels. Devido n sua situação na
sociedade moderna, o proltitaríudo vi vencia o nexo entre o trabalho que dá nos
liomcns. em mia luta com a natureza, ferramentas cada vez mais poderosas, poi
u,m lado. e a renovação constante de uma organização obsoleta, cjuc o faz cada
vez mais miserável e impotente, por ouirti.*14 O desemprego, as crises econômicas,
a m ihiarização. os governos terrorestas c o estado em que se encontram as mas
sas, ml como os produtores vi venciam n coda instante.36 não se baseiam dc forma
alguma na limitação do potencial técnico, como podería ter ocorrido em épocas
anteriores, mas sim nas condições inadequadas da produção atuai. O emprego
de todos os meios físicos e intelectuais cie domínio da natureza é impedido pelo
fítio de e^ses meios, uns relações dominantes, caiarem subordinados a interessei
particulares e conHitivo*. A produção não t>iá dirigida a vida da coletividade
nem satisfaz às exigências dos indivíduos, mas está orientada à exigência de poder
dc indivíduos e sc encarrega lambem da penúria nu vida da coletividade, isso
resultou inevitavelmente da aplicação, dentro do sistema de propriedade
dominante, do principio progrsssísra de que é suficiente que o?. indivíduos sc preo
cupom apenas consigo mesmos.
Mas nesiu sociedade uunpouco a siLuaçào do proletariado constitui garantia
para a gnose correta. Por mais que safra nti próprhi carne o absurdo da continua

\ •• rnnwi-j l‘ ú ■.■ i. hu* Lípci Jc i i i i v í i :i \ ( . ' u n ^ c i J < S í a ppiísiç-âo uãu- pim-om da fsniaíin m.-.-.
da uXpenenLÍa. Todu ia*e irecia) uíím j|>üicee nu ctf de A. Sdiniiril.tN. dc» T )
J J “ a alij-Ac! UbfCiajndntí pRutetlvuriirmitidci na aU dlé A.. SchituUt, r.N. Ui.-. I . i
3* "qu*.-»i liz dada ve? m;us miserável e impotente"1, não apjrccc ua«L Jc* A.Schimdt. ( H . & k T )
J; " U lI w bv os pi.KtuhmtK r » encima ' l m .taiui:” . . i nri Lido nti <*u dc A f iftim iO i, ( N . diiS ’!
ção da miscria e do aumento, da injustiça, a diferenciação de sua estrutura social
estimulada de cima. e a oposição dos interesses pessoal e de classe, superadas
apenas em momentos excepcionais, : mpede que o proletariado adquira imediata
rtieatc consciência disso. Ao contrário, também para-o proletariado o mundo apa
rece na Sua superfície de uma outra forma. Uma atitude que nào estivesse em
condições de opor ao próprio proletariado os seus verdadeiros interesses e com
isso também os interesses da sociedade como um todo. c. ao invés disso, retirasse
sua diretriz dos pensamentos e tendências da massa, eaíria numa dependência
escrava du situação vigente, ü intelectual que. numa veneração momentânea da
força de criação do proletariado encontra sua satisfação cm adaptar se e em faüer
apoteoses, não vê que qualquer poupança de esforços do seu pensamento e a
recusa a uma oposição oiomcnLânca às massas, para a.s quais ele podería levar
os próprios pensamentos, faz com que estas fiquem massas mais cegas e fracas
do que precisariam ser. Seu próprio pensamento faz parte do desenvolvimento
das massas como um elemento critico e cstimulador. Submetendo-sc total mente
às situações psicológicas respectivas da ciasse, que em st represem» a força para
a transformação, esse intelectual é levado ao semi mento confortador de estar li­
gado Cüm um enorme poder o o conduz a um otimismo profissional, Mas quando
este otimismo é abalado cm períodos de duras derrotas, surge então o perigo
para muitos intelectuais de caírem num pessimismo e num niilismo, inutilmente
profundos, tão exagerados como foi o seu otimismo. Não suportam o fato de
que justa mente o pensamento mais atualizado. 0 que compreende com mais pro
fundidado 0 momento histórico e o qut mais promete para o futuro, contribui
um determinados períodos para o isolamento c abandono de seus representantes.
Eles esqueceram n relação entre revolução e independência.™
Se íj teoria critica sc restringisse csscncJ&lmcntú a lormular rexpeçiivamente
sentimentos c representações próprias de uma classe, não mostraria diferença cs
trutural çm relação a ciência especializada; nesse caso liuvcria uma descrição
de conteúdos psíquico». típicos para um grupo determinado da sociedade, nu seja,
tratar se ia de psicologia social. A relação emrc .ser ç consciência c diferente nas
diversas classes da sociedade. As idéias com as quais » burguesia explica a >.un
própria ordem n troca justu, a livre concorrência. u harmonia dos interesses,
etc. mostram, se tomadas ri sério e se, como princípios da sociedade, levadas
até as ultimas consequências. :i sua contradição interna e com isso também a
sua oposição a esta ordem, A simples descrição da aulOeonsciêiiua burguesa não
c suficiente parn mostrar a verdade sobre sobre sua classe. Tam pouco a sistemaó
z.açào dos conteúdos da consciência do proletariado fornece uma verdadeira ima
gem do seu modo de ser e dos seus interesses, Ela seria uma teoria tradicional
caracterizada por uma problemática peculiar, tr não a lace intelectual do processo
histórico de emancipação do proletariado. Isto lambem c váüdü, mesmo qliando
sç deixam de lado as representações do proletariado em geral, para assumir c
divulgar as representações de uma parte progressista dele, de um partido ou de

jii hsla frase rum consm nu «\l de A. Sehmídl. <M. ãiwT i


136 H O R K H E IM ER

unia direção. Registrar e classificar por meio dc um aparato conceituai que esteja
adaptado ao máximo aos fatos constitui, também nesse caso, a tarefa peculiar
e a previsão de futuros dados sócio-psicológicos aparece corno a última meta
do teórico. O pensamento, a form ulação da teoria, seria uma coisa, enquanto
que o seu objeto, o proletariado, seria outra. Contudo, a Função da teoria crítica
Luma-se ciara se o teórico e a sua atividade especifica são considerados cm uni
dade dinâmica com a classe dominada, dc tal modo que a exposição das contradi
çóes sociais não seja mcrainenre um a expressão ca situação histórica concreta,
mas também um fator que estimula e que transforma, O desenrolar do confronto
■.nire os setores mais progressistas da classe e os indivíduos que exprimem a ver
dade dela. e rrirm disso, o confronto entre esses setores inclusive us seus teóricos
c o re$to da classe, se entende com um processo de efeitos recíprocos, no qual a
consciência desenvolve, junto com suas forças, libertadoras, suas forças estimula
tiyras. disciplinadoras e vm lenlas.;i f O vigor deste processo se manifesta nn possi
bilidade constante dc tensão efttrc o teóriüo c a classe, à qual se aplica o seu pen
sar. A unidade das forças sociais, das quais sc espera a libertação 6. em sentido
hegeliano, ao mesmo tempo sua diferença: cia existe só como eonfiiro. o qual
ameaça constantemente os sujeitos nela envolvidos, bso sc torna evidente na pes­
soa do teórico: sua crítica ê agressiva não apenas frente aos apologcla* cons­
cientes da situação vigente, corno também frente a tendências desviactonistas.
conformistas ou utópicas nas suas próprias filei ms.
A figura tradicional da teoria, da qual a lógica formal é uma parte, pertence
ao processo de produção por efeito da divisão do irnbítlho cm sua forma atual.
O fato de a sociedade ter que sc confrontar também em épocas futuras com a
natureza não uirna irrelevante essa técnica intelectual: ao contrário, essa técnica
terá que ser desenvolvida ao máximo. A teoria enrno momento dc uma pnixls
que conduz n novas formas sociais não é uma roda dentada dc uma engrenagem
cm movimento. Se vitórias e derrotas cotistiLuem uma analogia vaga á confirma
çáo ou invalidação dc- hipóteses na ciência, o teórico da oposição riem por isso
tem u tranquilidade de incluí Ias na sua disciplina. Ele não pode fazer a si mesmo
a exaltação que Poincarc3 6 fez. â acumulação dc hipóteses que tiveram que ser
rejeitadas Sua vocação è a luLa ã qual pertence o süli pensamento; mas não um
pensamento como algo autônomo ç separável. No seu comportamento existem,
sem dúvida, muitos elementos teóricos correntes: o conhecimento e prognóstico
de fotos relâlivamenle isolados, os juízos científicos c a formulação dlc problemas
que sc afastam dos elementos hahmiais devido aos seus interesses específicos.
Contudo apresentam a mesma forma lógica. O que a teoria tradicional admite
como existente, sem ertganjar se de alguma forma; seu papel positivo numa socie­
dade que funciona, a relação medíalizada e inirtm.sparetUú com a satisfação das
necessidades gerais, a participação nn processo renovador da vida da totalidade,
inclusive a.s exigência* com as quais a própria ciência não costuma .se preocupar.

*' "forças vtolenl:!*" passaram a ser "fprçtn a^nv$ivas na «J. ik A., SçhtüidtdM. Uos T. I
** CJ'. I ( Pniiicare. idem. p. I.S7
TEORIA T R A D ICIO N A L E TEORI A CR ÍT ICA 137

porque seu preenchimento é identificado com n compensação e a confirmação


através da posição do cicntisiu. são questionados, pelo pensamento critico. A meta
que este quer nlcartçnr. isto t. a realização do estado racional, sem dúxida, tem
suas rarzes na miséria do preseme. Contudo, o modo de ser dessa miséria não ofe
rece a imagem de sua superação. A teoria que projeta essa imagem não trabalha
a serviço da realidade éxistenLe: ela exprime apenas o seu segredo Por mais exata
mente que os equívocos e confusões possam a qualquer momento ser mostrados,
por mais desastrosas que possam ser as consequências dc erros, a direção do
empreendimento, o próprio labor intelectual* por mais repleto de êxito que piomc
ta ser. não sofre sanção do senso comum nem pude sc apoiar nos hábitos. Outras
teorias, porém, que testam a sua eficiência nn construção dc máquinas, inclusive
nos filmcti dc sucesso, acabam rendo um consumo nitidamente definido, mesmo
quando são elaboradas separadamente du sua aplicação, como a física teórica, e
mesmo quando esse consumo consiste apenas no manejo dc»s sinais matemáticos,
para com o qual a boa sociedade mostra, pela recompensa, o seu sentimento
humanitário.
Contudo, quanto hu consumo ao luturo. o que è assunto para o pensamento
crítico, não existem tais exemplos. Apesar disso, a idéia (Idee) de uma sociedade
futura como coletividade de homens livres, ml como seria possível em virtude
dos meios técnicos existentes, tem um conteúdo que deve manter-se fiel apesar
de todas as transformações. Essa idéia se reproduz, constantemenie sob a situação
vigente, na forma de uma intelccçào a respeito da possibilidade e do modo em
que a dilaccrução c irracionalidade podem ser eliminadas agora. Mas os fatos
nela julgados, as tendências imptilsionadorus no sentido dc Uma sociedade rytiv
nal. nào são produzidos fura do pensamento por forças exteriores a d c. cm ctuio
produto pudesse reconhecer ocasional mente u si próprio. P d o contrário, o mesmo
sujeito que quer impor os fatos de umí-i realidade melhor pode Irimbéin represen
iA Ta. Desta coincidência enigmática entre o pensamento e o ser, enLrc entendí
mento e sensibilidade, entre necessidades humanas e sun satisfação dentro da eco
no mia caótica atual, coincidência que aparenta ser acidental nít época burguesa.
virA a ser cm épocas futuras u reiaçãú entre u intenção racional e a realização,
Na luta pelo futuro esra relação aparece dc forma parcial, na medida cm que
uma vontade se relacione corrí a estruturação da sociedade como um iodo e atue
conscientemente na elaboração da teoria e da prãxis que conduzem a este futuro.
Na organização e comunidade dos combatentes aparece, apesar dc toda a disci
plinn baseada na necessidade de $c impor, algo da liberdade c espontaneidade
do futuro. Onde a unidade entre disciplina e espontaneidade desapareceu, o movi
mento sc transforma num assumo para a sua própria burocracia, um espetáculo
q u ç já entrou para o repertório da história recente.
No entanto n vitalidade atual do futuro almejado não constitui uma confir
maçao Os sistemas conceituais do entendimento ordertador. as categorias, nos
quais süo registrados o tnçrte c o vivo. assim como processos sociais, psicológicos
e físicos, u classificação dos objetos u juízos nas diversas disciplinas dos ramos
particulares du conhecimento, tudo isso constitui o aparelho intelectual, tal como
138 I10RKHEI VIER

ê comprovado c ajustado em conexão com o processo real de trabalho. Este uni


verso intelectual33 constitui a consciência geral; de tem uma base a qual os seus
representantes podem recorrer. Também o.s interesses do pctlsamcnLu crítico são
universais, mas não são universal mente reconhecidos Os conceitos que surgem
sob sua influência suo críticos frente ao presente. C la s s e .,1n exploração, maiç-va
Lia, lucro, pauperl/.ação. ruína são mümciUos da totalidade conceituai. O sentido
não deve ser buscado na reprodução da sociedade atual, mas na sua transforma
ção. Por isso para 0 modo de julgar dominante a teoria crítica aparece como sub
jeíiva c especulativa, parcial s inútil, embora da rtão proceda nem arbitraria mente
nem ao acaso. Com o d a contraria o modo de pensar existente que permite a
continuidade do passado favorecendo os interesses da ordem ultrapassada, e se
ypòe aos garantes Jc um mundo partidário, a teoria críticíà aparenta ser partidúríít
c injusta.
Mas antes de ludo ela não pode mostrar um rendimento material, A Lranstòr
maçaO que i\ teoria crítica tenla reali/ar não é das que vão se impondo aos poucos
de modo a tçr um sliccsso que. apesar de vagaroso, seja constante, O crescimento
do número dos seus adeptos, a influencia de alguns deles sobre os governas, ü
força daqueles punidos que a veem com bons olhos ou que pela menos não a
proscrevem, tudo isco pertence aos reveses da luta para alcançar um grau mais
alto de convivência humana, mas náo constitui ainda o seu começo. Tais êxitos
podem revelar sc pôsterbnnente, inclusive como vitórias aparentes ou erros. Um
método de aduba asm na agricultura ou a aplicação de uma terapia na medicina
podem estar longe de alcan çar o deito ideal, o que não significa que não possam
ter algum resultado positivo. Talvez us leuriaa baseadas em íais experiências téc­
nicas em relação com u respectiva p r â x h í com a* descobertas cm outros campos
tenham que ser aprim oradas, revisadas ou rejeitadas: com isso seria poupado
um grande quemtitm de trabalho em relação ao produto, c seriam curadas e alivia
Jaa mui ms doenças.4! Ao contrário. ;i teoria que impulsiona a transformação
do todo social tem com o consequência a intensificação da Juta com a qual cs:;t
vinculada, Tam bém quando alguns, melhoramentos materiais celadem da elevada
Ibrçs lIc resistência de determinados grupos. que surgem indíretamertle da teoria,
não se trata de setores chi sociedade, de cuja expansão to m ín u a resultaria ;i nova
.sociedade. Todas as represeruaçõex sobre esse tipo de crescim ento paulatino dos
conhecem a diversidade fundamental de um todo social dividido, no qual o poder
material ç ideológico tem :t função de manter o.s privilégios contra a associação
dos homens livres, na qual cada um tem as mesmas possihiltdades dedésenvolvi
mento. Esta idéia se diferencia da utopia 42 pela prova de sua possibilidade real
fundada nas forças produtivas humanas desenvolvidas . 43 Q uantos esforços foram
necessários para se chegar a d a . quantas etapas foram ultrapassadas, e como

i!S ’r,rc universo [£.- c, m rdioi » j cd. J c A, Suhmith (N Jrr. T i


N a lM ie \, Sclimidl ihi ímrtj.íij/iaik: •'A^euti.^oíiiiü rii L ixiiias(.M . cíds I.i
*’ 13r íiitHto lumíiPtena: pcur*c com j >. úcüimmica'; r içtfflicu Cinimciswas c sc« apravaiumento
pda paiíiicn ccunámica. (N, tk>A.)
JL “lüi >pi:i abitmier", n:i cJ Jc A Schmidl. IN. iku; T )
Ja Na cd. Jc A, SutrimUi consut: mWncíadl au rxukfo atmf das forças píodutivas humanas". tN. J«jk t ,}
pode ler sido desejada e valiosa cada empa em si — o significado histórico desses
esforços e empai para a idéia só será conhecido depois de sua efetivação, Este
pensamento tem algo em comum com a fantasia. Trala-se de fato de uma imagem
do futuro, surgida da compreensão profunda do presente; determinar em tais pc
rio dós os pensamentos c ações nos quais o desenrolar das coisas aparenta alas
tar-se dessa imagem: C antes justificar qualquer doutrina do que a crença na sua
realização. A arbitrariedade e a suposta independência não sào próprias deste
pensamento, mas sim u tenacidade da fantasia. Cabe ao teórico introduzir essa
tenacidade no* grupos mais avançados das camadas dominadas, pois é justa
mente douro dessas camadas que esses grupos se encontram ativos . aA Também
não reina harmonia nestas relações. Se o teórico da classe dominante alcança,
talvez, depois dc muito esforço inicial, uma posição relativa mente segura, o teo
rico que se encontra em oposição è considerado às vezes como inimigo l- erimi
noso. às vezes como utopista c alienado do mundo, c a discussão em tomo dele
não Lerá um resultado definitivo nem após a sua morte, O significado histórico
do seu trabalho não se estabelece por si mesmo: ao contrário, depende do fato
de que atuem por ele c o defendam. Bssc significado iiãu faz. parto da figura íustó
riça acabada.
\ capacidade dc pensar, na forma exigida na prâxis cotidiana. tanto pela
vida da sociedade como peta ciência, foi desenvolvida no decorrer dos séculos
no homem por meto dc umn educação realista: uma falha aqui irasí sofrimentos,
fracassos c castigos. Esse modo dc comportamento intelectual consiste essencial
meníc erri conhecer íis condições para o surgimento dc irn efeito, que sempre
surgiu sob os mesmos pré requisitos que cm algumas circunstancias podem scr
provocadas de forma autônoma, Existe uma instrução intuitiva (. \nschautíngsun
fcrrícht) através de experiência a boas e más c do experimento organizado. Aqui
st- truta da preservação individual c imediata da vida humana, r os homens tive
ram oportunidade na sociedade burguesa dc desenvolver umn sensibilidade pura
isso. A gnose, neste sentido tradicional, inclusive qualquer tí|H? de experiência
estão comidos na teoria e na prtíxis crítica, Mas. no que sc refere à iransformaçào
essencial, inexiste n percepção concreta correspondente enquanto essas transfor­
mações núo ocorram de lato. Se o reste do pudim é comè to. então está claro que
ainda está por vir.4"' A comparação com acontecimentos históricos similares só
é possível de um rnodo muito condicionado. Por isso o pensamento construtivo
comparado com a experiência empírica desempenha na totalidade dessa teoria
um papel mais importante do que rto senso comum. F.stc é um dos motivos por
que, nas questões que sc referem .i sociedade como um lodo, pessoas que nas
ciências particulares e nos diversos, ramos profissionais demonstram capacidade
dc realização, podem, apesar da boa vontade, mostrar se limitadas ,e incapazes.

* ■ fvlj cil dí A. Schiaiül Ibi “J.v; c;«n'..iJit • Jaw -..m .,- |n>. i-ç juNlumcnTe UviiUu Ü£>KVi cam.’idíi‘-
que ou* itiijIos seMcmlnm ativos*’. flV dos T )
*' I lortlu-imiT Ia/ jqui .ilu*«ii> ao prcm-rNi• iujjcs l ’i{c proof ú f ihe piftilflttf! Í5 iri lA<* jvffag, ciladi» JH>í
Engds nn Inm içiuçãa q 1. edição inghaa dc O P&enwM marki riu Snciattitmn’ f.''rrf/xpw tío Cteniiflei;
IN" Jna T,,i
340 HORKHE1MER

Ao contrário, sempre que transformações sociais estavam prestes a ocorrer, as


pessoas que pensavam "demais" foram consideradas perigosas. Esso nos leva ao
problema da íntdíigmlsia, na sua relaçâü com a sociedade como um lodo.
O teórico, cujo único interesse consiste ™ acelerar o desenvolvimento que
deve levar u sociedade sem exploração, pode encontrar se numa situação contrá­
ria aos pontos de vista que, como Foi exposto acima, predominam jusxamemc
entre os explorados.46 Sem a possibilidade desse conflito não seria necessária
nenhuma teoria; ela seria algo espontâneo naqueles que dela necessitassem. O
conflito rião icm necessariamente nada a ver com a situação de classe individual
do teórico: não depende da forma dn sua renda. Ertgels foi um kusirteSsrmn!
N a sociologia, que não rciira o seu conceito de classe da critica da economia,
mas das Mias próprias ohftervaçiies não 6 u fonte de renda item o conteúdo dos
fatos da teoria que determinam a situação social do teórico, mas o elemento fór
mal da educação. A possibilidade de uma visão maior, não corno a dos magnatas
industriais que conhecem o mercado mundial e dirigem países inteiros por irás
dos baslãduroí, mas a visão de professores universitários, funcionários públicos,
médicos, advogados, etc., deve constituir uma mttfligúiWíiu. ou veja, uma camada
social especial ou mesmo uma camada supra social, O caráter essencial desse
conceito sociológico será o pairar sobre as classes, uma espécie de qualidade
excepcional da intelligertísiã. da quül ela sc o rg u lh a;4 r enquanto que a i.ucfa do
teórico crítico é superar1,5 a tensão enlre a sua compreensão e a humanidade
oprimida, para a qual de pensa, A neutralidade dessa teoria corres ponde ao auto
conhecimento abstrato tio cientista. O modo como saber aparece no consumo
burguês du libe/nlismo, isfo é, çomo um conhecimento que jKtde ser aproveitado,
em circunstâncias dadas, independente do que se trata, também é compcndiado
teoricamente por essa sociologia. Marx c Mises. Lénin e Uefmann. Juaròs e Je
vons são colocados sob uma rubrica .iociológica, sc ê que luto deixamos Os pulíli
cos compkiemente de lado. e no papel de possíveis discípulos e lo são contrapos
tos aos politóiogos. aos sociólogos c aos filósofos como aos que sabem, Os
políticos devem aprender a aplicar "tais ou sais m dos‘\ quando assumem "tais
nu tais posiçòcs". ídes devem também aprender a ajustar as suas decisões práticas
ã "coerência in tern a"/'1 Entre o.s homens, que influenciam o desenrolar da liisió
ria em suai lutas sociais, c o diagnosucador sociológico que lhes aponta onde
devem, atuar, surge uma divisão do trabalho.
A teoria critica csu'i em contradição com o conceito formalíaiiço do espírito,
no qual >>v haadu tal reprexemaçao de t n w ilig e n fo t a . ScguúJo du existe xó uma
verdade e os predicados positivos de lealdade e coerência interna, racionalidade.

'* Nsl vil. J t A SclmiUí ri>i:mi Mitpiiufitlu* as pal.lYíáS' 'cjL|lkítBvwi“ t "eRpIctratlps". 4Ue afiareeiyn neSLa
friiC COitiu “injusliea c "pmluiiri itln", respécnvamcnic. (N ,1o T l
** O -firiwiT mlndo :ií.|i«» i' rti< pfftriyrui-.' sejuinte n ‘^ xíoteg ii do suber” do K a rl Mnentotiri, quv trai.i Uti
•'.i.iun^ii» ot.p«dlii:a c (ki nicidci dc fiens*» d»i Im i-íiígiwfíiiQ rui gpwa burguesa. [N. ge A, Saginiiüi-j
11* -f-viquunw » uitçíj. a,n,órji;.i t-rítiui.-, v tiimtuitii i uxtxãtf.Rj t;iL ec a tkihnmlc (N. dus T.)
4' M.ts. Wíbri. "Wi-sstnsiSi^fi ala Bcr«r. (J-tsaifMteü-e .iitjãran .-ui <1wíjriwústth.', j'us*im.gfli, 1922
Tp. 54V .150 iN.de A •
T E O R IA T R A D IC IO N A L H TEORIA C R ÍT IC A 141

anseio de paz. liberdade l* felicidade não podem ser atribuídos no mesmn senado
■i qualquer outra teoria e prâxis. Não existe teoria da sociedade nem mesmo a teo­
ria do sociólogo generalizador. Que rtào inclua interesses políticos, e por cuja ver
dade. ao invés de manter se numa reflexão aparentemente neutra, náo tenha que se
decidir ao agir e pensar, ou seja. na própria atividade histórica concreta. E incon
cebívcl que u intelectual pretenda previamente realizar, ele próprio, um trabalho
intelectual Jilícil. para so depois poder decidir entre metas e caminhos revolucio­
nários. liberais ou fascistas. Há décadas a situação não é mais propícia para isso.
\ vanguarda necessita de perspicácia para a ItiUi política e não de lições acadê­
micas sobre :i sua pretensa posição social. Ainda mais agora que mesmo as forças
libertadoras da Europa estão desorientadas e tentam organizar sc de novo. que
tudo depende dc nuançav dentro do próprio movimento, que ti indiferença frente a
i'!er«;rminaitos conteúdos, proveniente tia derrota, desespero e burocracia corrupta,
ameaça aniquilar ioda espontaneidade, experiência e conhecimento das massas,
apesar de seu heroísm o.Sl' a concepção abstrai.: e supra partidária da btrcttigcrttsia
significa uma versão dos problemas que nada mais faz que ocultar as que*;toes
decisivas. O espírito é liberal. Ele não suporta coação externa nem adaptação dc
seus resultados aos caprichos de um poder qualquer Todavia •> espírito não está
separado da vida da sociedade, não paira sobre ela. Na medida em que a lendân
cia a autodeterminação e ao domínio do homem, tanto de sua própria •«ida como
da natureza, é imancnic ac> espirito, este iimã cm c o n d iç õ e s ' dc divisar essa ten
dencia como força atuante na história. Considerar isoladamente n constatação
dessa tendência aparece como uma atitude imparcial, mas assim como o espírito
mtü pode reconhecer essa tendência sem estar interessado dc alguma forma, nâo
conseguí também transforma la cm consciência gerul sem luta real. Ne.s*e.sentido
o espírito não c liberal Os eslorços do pensamento não conectados consciente­
mente com uma práxis determinada caplicados aqui e ali. conforme as tarefas que
sc alternam entre acadêmicos e outras e que lõmeniadas prometem êxito, podem
ser dc grande utilidade para essa ou aquela tendência histórica. Contudo ov esJbr
ço -í do pénsamcnio podem, apesar da exatidão formal, inibir e desviar o descnvol
vi menu) imdgctuot. Afinal que construção teórica, por mais equivocada que seja.
não pode preencher v requisito dc exatidão formal! O conceito abstrato, fixado
como categoria sociológica, de uma itiwilig&usia que. além de tudo, deve preen
cher funções missionárias, faz parte, segundo n sua estrutura, da hypòxivsfc da
ciência particular. A teoria critica nâo está nem “ enraizado" como a propaganda
totalitária nem é 'divre-flutuante" corno a tnlplligenista liberal,
Da diversidade de função entre o pensamento tradicionaj e o pensamento
critico resultam as diferenças na estrutura lógica As proposições mais elevadas
da teoria tradicional dellncm conceitos universais que devem abranger iodos os
fatos dc um campo determinado, como, por exemplo, na física, o conceito dc um

“ "Jscnn-vnifi ikk,iljuin>. . ua cd tlv Selim :<R, (N , dos T..i


Mii i 4, -,;x A. Sulimi.il 'Sí;, uiL-diUn ltm que eíc (i'<dpiriui.i nliicliva a auiü norma e o domírim»á> homem
mwiii d« Mia --n..■ ; ia vítfci corno tia niiUirc/.u, csui cm.coodrçòt» ."tN .ikw T.)
14Ç H Ü R K H E IM E R

processo íisicu. ou, na biologia, o conceito de um processo orgânico. Enlre es,ses


conceitos existe uma hierarquia de gêneros e espécies que mantém subordms em
lotias as esferas em relações correspondentes. Os fatos são casos isolados, são
exemplares ou incorporação dos gêneros. Não existem diferenças cronológicas
entre as unidades do sistema. A eletricidade não existe antes do campo elétrico
nem o campo elétrico existe antes, da eletricidade, taniü quanto u leão como tal
não preçxiste nem surge depois dos 3cõc^ particulares. Se no conhecer individual
pode exiilir uma ou outra ordem cronológica destas relações, de qualquer maneira
tumeu ocorrem du lado dos objetos. A tísica deixou de conceber os traços mais ge­
rais dos latos concretos como causas ou forças ocultas e abandonou também as
h . v p ó s í u s a das relações lógicas: apenas nu sociologia reina ainda confusão a res­

peito. Alterações no sistema, seja a introdução de novos gêneros, seja outra qual
quer. não sào concebidas costiimeiramente no sentido de que as determinações
suu ncceasariamente rígidas e por isso inadequadas. Nem tampouco as alterações
do sisrema são concebidas como resultado da alteração da relação com o objeto
ou mesmo dentro do próprio objelo, sem que este perca sua identidade. Ao contra
rio, as alterações são tomadas como urna falha do nosso conhecimento anterior
Ou como substituição de partes isoladas do objeto por outras. cDmú. por exemplo,
um mapa desatualiza-se pela derrubada d e mal eis . pelo surgimento lÍc novas cida­
des ou pda modificação de limites. É dessa maneira lambem que o desenvolví
mento dinâmico é compreendido pula lógica discursiva, ou lógica do entendí
mento. Dizer csu ser humano ç agora unia criança c depois será um adulto
implica para esta lógica afirmar que existe um único núcleo imutável: “ este ser
humano"'; ambas as qualidades dc str c r i a n ç a c ver u d u f o o são grampeadas ride.
uma após outra. Segundo o positivismo, não permanece ubsolutamédte nada idên
tico; ao contrário, primeiro existe uma criança, depois um aduílo. ambos eonxti
luem dois complexos de tatua diferentes, lista lógica nào está em condições de
compreender que o hómem se crnnslorma e apesar disso permanece idêntico a si
mesmo.
A teoris
crítica começa tgualmcntü com determinações abstratas; cia começa
com a caracterização de uma economia baseada nu troca, pois se ocupa com a
época atual, *3 Os c-onceiim que suigerrt em seu inicio, tais como im?retidoriu.
valor, dinheiro,50 podem funcionar como conceitos genéricos pelo fato de consi
derai as relações nu vida social concreta cumo relações de troca, e tkt se referir
aos bens a pari ir ác seu caráter de mercadoria. Mas :t teoria não se exaure pelo
simples fato Je relacionar os conceitos com a realidade pela mediação tle hipótc
se*, O começo jà esboça o mecanismo social, que, apesar do principio anárquico
da sociedade burguesa, não a deixa perecer imediata mente após a abolição dos
regulamentos feudais, do sistema eorpuiiiiívo c da servidão nas glebas: no CürUfá
rio. n sociedade burguesa sobrevive por força deste m«ünisraur A teoria crítica

A rrspaEd iU -jxLniurs lúpicu da oHiiea céi oconoAiia políiiuú ctHnjMirc «u*i “ Stmn PinMvlem der Wahi
hu-li” ,s .ib iv P ‘\ ' l > l c i n ; í , í. i V sm I.iiíií I. íí<'itsvkri/i JU e r V u rü j^ » \.:hu»fí, m u IV . i**3J. pp, 3-U •.• cunv
taui !>. in 11 li- 35 f .£ v í N râ>A.l
13 "Os- oçHxeiujs 4urgem coijj Marx", nu tsl. de A, icftmidUN ite T j
T E O R EA T R A D I C I O N A L h T E O R I A C R Í T I C A 1 v-.

demonstra o efeito regulador da troca na qual a economia burguesa está baseada.


A concepção de um processo entre a sociedade c a natureza. que também é impor
tante aqui, a idéia de uni período histórico unitário da sociedade, sua autoprescr
vaçâo, etc. nascem de uma análise rigorosa de -desenrolar trístóríco, Essa análise
é dirigida pelo interesse no Futuro. A relação dos primeiros nexos conceituais
com n mia Fido cEos fatos não è essencial mentí a mosma relação dos gêneros e
exemplares. A relação de troca, caracterizada por essa análise, domina a reali
da.de social devido a dinâmica inerente is relação dc troca. da mesma forma que
o metabolismo domina a m piam ente «>« organismos veactais c anim ais. Também
na teoria crítica devem ser introduzidos dcmi-ntos específicos, para que. partindo
dessa estrutura básica, se chegue à realidade diferenciada. Mas a introdução de
determinações novas, digamos a acumulação de ouro. a expansão da economia,
em espaços da sociedade ainda feudais,6,0 o comércio exterior, não c conseqüên
cia de dedução simples, como acontece na teoria encerrada na sua própria espe­
cialização. Ao contrário, todo passo teórico laz parte do conhecimento do homem
c d:i natureza que se encontra ú disposição nas ciências e na experiência historiem
No que sc refere aos ensinamentos da técnica industrial, isto é evidente, Mas
também o conhecimento diferenciado dos modos da ação humana retirados de
outros campos encontram uma aplicação no desenvolvimento intelectual aqui
mencionado. Por exemplo, a tese de que. sob determinadas condições, as camadas
mais baixas da sociedade suo as que tem maix crianças desempenha um papel
importante como prova de que a sociedade burguesa baseada na troca leva neco-.
sariameme ao capitalismo com exercito de reserva 6 8 e crises. A fundumentação
psicológica dessa tese fica entregue às ciências tradicionais. A teoria crítica riu
sociedade começa portanto com a idéia d;i troca simples dc mercadorias, idéia
Cita d%terminada por conceitos, ivlaii vam ente univer&ais. I au lo corno pressuposto
n totalidade do saber disponível c n assimilação do matcrinl adquirido através
da pesquitm própria ou dc outrem, mostra sc então como a economia de uoâà.
dentro düS condições humanas e materiais dadas, e sem que os próprios princípios
expostos pela economia fossem transgredidos. deve conduzir necessariamente ao
agravamento das oposíções sociais, o que levn n guerras v a revoluções na situa
ção histórica aluai.
O sentido da necessidade referida aqui. assim como o sentido da absiratívi
dade dos conceitos, é ao mesmo tempo semelhante aos respectivos traços dn ico
ria tradicional c deles d is semelhante, Hm ambos os tipos de teoria o rigor da
dedução dos pensamento* repousa sobre a clareza que traz para a questão de
como a afirmação da conveniência de determinações attivttKflós inclui a afirmação
da conveniência de certas relações (atuais Quando ocorre um fenômeno elétrico,
devem ocorrei também essas c aquelas condições por que estas e aquelas carac
Leristicas pertencem ao conceito de eletricidade. A teoria crítica da sociedade Cón
têm de fato este tipo de necessidade na medida cm que desenvolve a situação

54 ■rm txpaços -du sntkcléde rtinda prè rnjHiatfstiK. na vj Je A Sehmiclr <K. fk T .>
5r' "exército I n d i u t r i a f iíe rísérva" iui cd. J c A. $ch mide CN-dos Tá
J44 HOKKHf 1MER

atual a partir do conceito da Lruca simples, mas com a ressalva de ser relativa*
mente indiferente ã forma liipoletiea «craJ. O acento não c colocado no fato de
que. onde domina a sociedade baseada na troca simples, o capitalismo sempre
se desenvolverá necessária mente, ainda que Isso seja verdade, mas na simples
dedução desta sociedade capitalista real — que partiu da BurOpa e se estendeu
pelo mundo todo. e para a qual a teoria reclama a sua vnlida.de — , dedução
que pane. exdusivameme- da relação básica da troca. Enquanto os juízos Categó
ricos possuem no fundo um caráter hipotético, c juízos existenciais (ExiSíenZÍalur‘-
tuila), sc c que aparecem, são admitidos apenas em capítulos próprios, cm partes
descritas c práticas,50 a Leoria critica da sociedade em seu todo c um único juízo
cxisiendal desenvolvido. Formulado cm linhas gerais. <i$tc juízo existencial
allrma que a forma básica da economia de mercadorias, historicamente dada c
sobre u qual repousa a história uai* recente, encerra cm si as aposições internas
c externas dessa época, c se renova cnnlinuamentc de ukui forma mais aguda
c. depois Je urn período de crpsd mento, de desenvolvimento das forças humanas,
dc emancipação do indivíduo, depois de uma enorme expansão do poder humano
sobre u natureza, acaba emperrando a continuidade do desenvolvimento r leva
a humanidade a uma nova barbárie. Os passos isolados do pensamento dentro
dessa teoria possuem, pelo menos em sua intenção, o mesmo rigor que as dedu
ções dentro da teoria dc uma ciência cspeciülizadít. Cada passo consiste num
momento da constituição daquele juízo existencial dc amplo alcance. A.s partes
isoladas da leoríít critica da sociedade podem transformar se cm juízos hipotéti
cot universais- ou puniculnics, o ser utilizados no sentido da teoria tradicional.
Corno, por exemplo: com 0 aumento da produtividade, o capital se desvaloriza
consLiuricmentcn DcMc modo surgem cm algumas parles Ja tcorra proposições
que têm uma relação difícil com a realidade. Pois. se u exposição de um objçio
unitário % verdadeira na sua totalidade, o ac erro na aplicação dc algumas panes
separadas dela em sua isolução dc partes isolada do objeto depende de condições
muito especiais. A problemática que resulta da aplicação de proposições parciais
da teoria crítica a processos únicos e repetitivos da sociedade atual estabelece
:i junção da teoria críiten com as realizações do pensamento tradicional. Esta
problemática alende a um fim progressista, inas não corresponde â verdade da
teoria critica, A incapacidade Jas ciências especializadas, principal mente da eco
nomia política contemporânea, dc sc valer da teoria crítica no estudo fragmen
tário das suas questões não está nem nestas nem na teoria critica em si. mas nos
diferentes hJ ; papéis que desempenham na realidade efetiva.
Também a teoria critica e oposicionista, como foi exposto acima, deduz dc
conceitos gerai.-- básicos ns suas afirmações sobre relações reais, deixando trans-

>B Kllire tHf Éormas d í juj/ u s c ns ^sríe'(teii hi iiíiflufr. cMÍttah cuTi-miie, que eMhoçflreniíJs aqui um pouca*
|i:ilavrn‘. O iuiw> calC*i>ríco t !i» í» du sociedade uic a •ijueui C'-»u juiao nw> permite lu-nhiMn.i tlinji^ii
J li minuto |Xu ^arw du homem. A> formas llipuldusi v Uisjumiwi ils hjjzc íscííí intima mente li^ulps ao
mundo hmv.ub: em itelermirwiiiN çireujislàmriai pode :tpíir.-l-lM 1 -jih certo <f«M th.,-,:: .111 J.-uju. l.i htrrna.
A tm nu nuca .'ilirmjsr k >ii iini tem ijut -.oi -r-.r-r <- Iiamcn-*, pocci,' mnJ.ii i -.1 r
n» cincunsumc v. p i-iviivaMN dr* A l
"ma* nori papeis «prctjftus“ «i «I. dc A, Schxmlt. 1N. dos, 1.1
I fcüRIA T R A D I C I O N A L F T E O R I A C R Í T I C A 145

parecer essas relações como necessárias, Sc tio ponto dc vista da rsçcessidade


lógica os dois lipus de estruturai teórica sào semelhantes. surgirá no entanto uma
divergência no momento em que deixarmos de falar de necessidade lógica para
falar de necessidade das próprias coisas, isto é. para falar de necessidade do de
sen rolar dos fatos. À afirmação do biólogo de que uma planta tem que fenecer
devido a processos i maneei tes. e de que certos processos inerentes ao organismo
humano o conduzem necessariamente :» sun morte, não deixa claro, sc uma inter
lerência qualquer pode influenciar o caráter desses processos ou modifica Sos to-
talmcnte. Também no caso dc uma doença ser diagnosticada como curável, a
circunstância dc que ?crâo efetivam cure tomadas medidas correspondentes c uma
questão considerada como exterior à própria coisa, islo ê. pertinente à técnica.
c por isso considerada na teoria como uma sequência de acontecimentos não
essenciais. A necessidade que domina a sociedade poder ia ser vista, nesse seniido,
como biológica c. com isto. poder -se ia questionar o caráter específico da teoria
crítica, pois, na biologia c em outras ciências naturais, sào construídos teórica
mente processos isolados dc modo semelhante à teoria crítica da sociedade. como
foi mostrado acima. Assim , o desenvolvimento dn sociedade seria considerado
imui sequência dc acontecimento* determinados, parti eujn exposição seriam bus
ca dos os resultados dos mais diferentes campos, como. por exemplo, o medico
Lcm que utilizar resultados de outros ramos científicos para explicar a evolução
dc uma doença, ou o geólogo, na pesquisa da pré história da terra. A sociedade
aparece aqui como um indivíduo julgado pelas teorias científicas cspecinli/ndns.
Por mais que pussn existir momentaneamente analogia entre esses esforços
intelectuais-, persiste contudo o mu diferença decisiva no que se refere ;i relação
entre sujeito c objeto, c com isso também quanto à ncccssidudc do acontecimento
julgado. A própria teoria do cietuisiu especializado nãu toca dc forma alguma
o assunto com o qunl tem a ver. o sujeito e o objeto sào rigorosamtínie separados,
mesmo que se mostre que o acontecimento ohjeíivo venha a ser influenciado pos
teriormenie pclíi ação humana direta, o que é considerado também nu cicncui
como um fino, O acomecimcmo objetivo é transcendente n teoria, c a necessidade
do conhecimento consiste na independência deste face à leoria: o observador
como lal náo pode modificar nada no acontecimento, O comporta mento critico
consciente faz parte do desenvolvimento da sociedade. A construção do desonro
lar histórico, como produto necessário de um mecanismo econômico, contém o
protesto coniru esta ordem inerente no próprio mecanismo, c. ao mesmo tempo,
a idéia dc autodeterminação do gênero humano. isto c, u idéia dc um estado onde
as ações dos homens nno pari cm mais dc um mecanismo, mas dc suas próprias
decisões, O juízo sobre a necessidade da história passada c presente implica na
luta para a transformação da necessidade cega em uma necessidade que lenha
sentido. O fato de se aceitar um objeto separado dn teoria significa falsificar a
Imagem, e conduz ao quicci.smo c ao conformismo. Todas as suas panes presüu
põem a existência da critica e da luta contra o estabelecido, dentro da linlui ira
çada por cia mesm a.
N ío foi sem rruíáo. embora também não com todo o direito, que os episiemó
146 ílO R K H E IM E R

logos oriundos da iísica. estigmatizaram a troca de causa por efeito de forças,


e por fim trocaram t> conceito Je causa pelo dc condição ou função. O pensa­
mento meramente regisLrador vê unicamente sequências de aparências, mas nunca
forças- e antilbrça.s. o que sem dúvida não ê obra dá natureza. mas é próprio
desxe tipo dc pensamento. Se se aplica este ripo ác procedimento à sociedade,
têm-se como resultado a estatística c a sociologia descritiva, que podem ser im ­
portantes para qualquer finalidade, inclusive para a teoria c rítica . Para a ciência
tradicional o caráter ncccssáiiu e dccistvo é tudo ou nada, entendendo-se esla
necessidade como o independência do obsarvador ou como a possibilidade «ibso
luta de certas prügnoses. Contudo, no momento em quecí sujeito pensante como
t a l não se isola radicalmente das I u l u n sociais, das quais participa de alguma
forma, e que não considera mais sujeito cognoscente c sujeito atuante SB como
dnis concciLos isolados, ü icrmó necessidade passa a Ler um outro sentido. Na
medida em que a necessidade cão dominada se Opoc ao homem, é considerada
por um lado. como reino da natureza, que não desaparecerá jam ais apesar das
muitas conquistas que ainda devem ser feitas, e. por outro, essa necessidade c
considerada como a impotência da sociedade passada e presente de lutar contra
essa natureza, como umu organização consciente e adequada. Aqui estão, suben-
tendidas força c antiforça O s dois momentos desse conceito da necessidade que
estão reciprocamcnic relacionados, poder da natureza e impotência humana, ba
seíam-<e no esforço vivido peto próprio hom em dc se libertar da imposição da
natureza e das Ibrmas da vida social transformadas em amarras, e dc se libertar
da ordem jurídica, política e cultural. E bhcm montemos fazem parte de uma aspira
ção efetiva a uma situação onde a vontade dos homens possui inmbêm um caráter
necessário c onde a necessidade da coisa se toma a necessidade dc um aconcecí
mento controlado racionalmcntc. Á aplieviçik>b3 e mesmo a compreensão deste
ou daquele conceito da forma crítica dc pensar estão ligadas ã própria atividade
c ao esforço, isto ê, ã experiência dc uma vontade no sujeito cognosceme. A lenta
liva de se remediar a compreensão precária de tais idéias c do modo de seus
encadeamentos por meio da mera intensificação da sua concisão lógica, da cria
çâo de definições aparentemente mais exatas e ate dc uma 'linguagem uniforme1'.
tem obrigatoriamente que fracassar. Não *c trata dc uma tn/i compreensão, mas
de uma oposição efetiva de modos diferentes de comportamento. O conceito da
necessidade na teoria critica ê. ele mesmo, critico; çle pressupõe o conceito de
liberdade ainda que seja ama não existente. A representação dc uma liberdade
sempre existe, mesmo que os homens estejam escravizados, ou seja, a representa
ção dc tiniu mera liberdade interior pertence no modo de pensa menu 5 ide.ilKta
A tendência desta idéia não totulmcntc destituída de verdade, mas distorcida, foi
mostrada da forma mais clara pdo jovem Fichtc: “ Estou totalmeme convencido
de que à vontade humana é livre e de que u fim da nossa existência não c :i
felicidade. mas apenas ser digno d d a ," fi& A identidade do mau com 0 ruim parece

'• •* ” n4o CuiiKiJ^ru n u m ittjith m r c tu mar níi L-d l! c A . S c h m i.L . l.N . Jo s I-I
bl‘ " A jip ltc a b iliu a J.:' n.i u J, de A .-S d u n íd u í N .d o i . l ' j
fifl JL G. f LctUe. íiriçfweehse!. cdfit. po-r HSchab 3 t. I Leipíã. 1Q25. p, 127. JN.daAã
T E O R I A T R A D IC IO N A L L T E O R IA C R Í T I C A 147

aqui nas escolas a corrantas metafísicas radical mente opostas. A afirmação da


necessidade absoluta do acontecer significa, em última instância, o mesmo que
a afirmação da liberdade rual no presente: a resignação ria práxis.
A incapacidade de se pensar teoria e pr/txis como unidade c a restrição do
conceito de necessidade no ocorrer lalalisLa se baseiam, do ponto de vista giiCsiO-
lógico, na hypósiam do dualismo eurtesiano entre pensar e ser. Esse dualismo é
adequado á natureza e à sociedade burguesa, na medida cm que d e próprio sc
iguala a um mecanismo natural. A teoria que sc toma poder real. a autoçpnsciên ■
d a dos sujeitos que promovem uma grande revolução histórica, supera a mentali
d ade característica deste dualismo. Na medida em que os cientistas não tem o
dualismo apenas na cabeça, mas o levam a serio, não podem atuar com aütüno
mia. Conforme os seus próprios pensamentos, eles executam apenas o que o nexo
causai da realidade, fechado em si mesmo, determina, ou consideram apenas uni
d ades individuais dc valor estatístico» onde a unidade individual não desempenho,
papel algum. Com o sores racionais são isolados e impotentes. O reconhecimento
deste fato constitui o primeiro passo de sua supressão* mas este íiitO só entra para
a consciência burguesa na figura metafísica c a-histórica. Seu domínio dn reali­
dade se dá por meio da crença na imutabilidade du forma social. Na sua reflexão
os homens sl- consideram meros espectadores, participantes passivos de um enor
mc acontecimento que talvez possa ser previsto, mas çiç forma alguma dominado.
Não conhecem necessidade» no sentido de ocorrências que são impostas por
alguém, mas apenas aquelas que são pré calculadas com probabilidade. Os
entrelaçamentos entre vontade u pensamento, entre opinião e ação. quando admi
iedos. como acontece em algumas partes da sociologia mais recente, são aceitos
apenas sob o aspecto dc uma complexidade apreciável do objeto. í necessário
relacionar todas os teorias existente*, às tomadas prática* dc posição e ás camadas
sociais correspondentes, () sujeito sc safa. pois não tem outro interesse senão
a ciência..
A hostilidade que reina hoje cm dia na opinião pública a qualquer teoria,
sc orienta na verdade contra a atividade modifiendorn ligada ao pensamento crí
tico. Se t> pensamento não sc limita a rcgisLrur u cltusificur as categorias da lurina
mais neutra possível, isto é. náo se restringe às categorias indispensáveis à práxis
da vjda nus formas dados, surge iuicdiautrnenic uma resistência, Para a grande
maioria dos dominados prevalece o medo inconsciente de que o pensamento teó
rico, faça aparecer corno equivocada e supérflua a acomodação deles ã realidade,
0 que foi conseguido corei Ltinio esforço I >p pane dos aproveitadores se levanta
a suspeita geral contra qualquer tipo dc autonomia intelectual. A tendência de
yç conceber u teoria como o oposto á positiviclacle é de tal força que inclusive
a inofensiva teoria tradicional e às vezes atingida por isso, A teoria critica da
sociedade, por ser a forma mais avançada do pensamento no presente, e pelo
fato de qualquer esforço intelectual consequente, preocupado com as questões
humanas, desembocar analogamente na teoria crítica, ;i teoria cm geral passa
a sei desacreditada. Também qualquer outro enunciado científico que nüo faça
referencia a fatos nas categorias maís usuais e mesmo nus formas mais neutras
1*1S H Ü R K H E i M ER

possíveis, nas formas da málemãücit. são acusada.s üc ser '‘teóricas demais". Essa
atitude positivista nao precisa ser nuccssuriumunlc hcisrLL ao progresso. Se. diante
do agravamento dos ConMitos de ciasse nas últimas década*, a classe dominante
Lem que confiar cada v c í mais no aparato real de poder, a ideologia constitui
um demento unifácatlor da enorme estrutura social que não pode ser subesLimado.
No lema de limitar sc aos fatos e tle abandonar Lodo Li.po de ilusão esconde sc
ate nos dias. de hoje a reação contra :i coligação entre opressão e metafísica,
Seria entretanto um erro desconhecer a diferença enorme01 entre o iluminismo
ettipíncu do século X V I I I e a atualidade. Naquele período histórico uma nova
sociedade se desenvolvera dentro da amiga. A. questão era de libertar a economia
burguesa já existente das travas feudais. ÍMu ê. simplesmente “ dei xá-Ia passar” ,
IDe igual modo o pensamento científico, próprio da nova -umejude, precisou ape
nas tllustui se das antigas vinculações dogmáticas para empreender u rumo já
divisado por da. Na pasaugvm da forma da sociedade acuai à futura, a humani­
dade deverá erigir st pela primeira ve/ um sujeito consciente t determinar ativa
mente a sua próprio forma de vida. Mesmo que os elementos Ja cultura vindoura
sujam existentes, será necessário uma nova construção consciente das relações
econômicas. A hostilidade indiscriminada frente n teoria nâo significa por isso
um obstiáeuiü. Sc nâo hú continuidade nu esforço teórico, então a esperança dc
melhorar fundamental mente :i existência luimiut.i perderá a sua razão de ser. Re
ferimo-mis ao esforço que investiga criticam ente a .sociedade atual com viitu a
uma sociedade futura organizada racional merue, e que ê construída com base
ria teoria tradicional. formada nas ciência* especializadas- A existência <lc positi
vidade e Mibmtsssfio, que ameuça lambem tornar insensíveis á teoria os grupos
mais avançados da sociedade, afeta nfio so n teoria, mas também u prâxis libera
dora.
As parles isoladas da teoria que deduzem do esquema tis economia simples
de mercadorias ; k rdnções complexas do capitalismo liberal e Jo capitalismo
monupülNtíi*2 não sâo indiferentes ao tempo como as etapas dc um encadea
mento hierárquico dedutivo, \ssjm como na escala dos organismos a digestão,
função tão importante para a vida humano sc encontra em seu estado simples

Jade que jw> menos se aproxima ar da economia simples de mercadorias. O desen


volvimenk intelectual sc encontra, como foi a lust rado acima, numa relação po.s.si
vei de comprovar, se bem que tiâo paraícla. com u desenvolví mento JliíJlófíco.
À relação essencial da teoria com o tempo nâo sc baseia na eorresponHèrmiri
dc panes isoladas da construção teórica com o período histórico — um ensina
merde cm que coincidem Fm otw nfthgia :fo Espirito c Lógica de H ceei com o
Capitai de Marx. como testemunhos de um mesmo método — . ruas na i rans fu r
maçâo permanente do juizu existencial teórico sobre a sociedade. uma transfor­
mação que está condicionada pela sua conexão consciente com a pm vis histórica.

"' “'a •Jibreiiça esáviiciaf'. nu ed. dc A SèhniididN, Ji»s T.i


n- -ujpiiutlsiTKi ílos jgujjos.ecomjmicijUÇna .:-.i Uf .-V SclLmidl. IN. ilw> I ..1
T E O R 1A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R Í T I C A 149

Isso nào icm nada a ver com o princípio de questionar radical c permanentememe
qualquer conteúdo teórico e de estar iniciando sempre tudo dc novo. com o qual
a metafísica moderna e a filosofia dâ religião combateram tndü a elaboração
consciente dc teoria. A teoria nào tem hoje um conteúdo e amanhã outro. As
suas alterações nào exigem que cia se transforme em uma concepção totalmente
nova enquanto nào mudar o período histórico. A consciência da teoria critica
sc baseia ao fato de que. apesar das mudanças da sociedade, permanece a sua
estrutura econômica fundamental — a relação de classe na sua figura mais sim
pies — e com isso a idéia da supressão dessa sociedade permanece idêntica. Os
traços decisivos do seu conteúdo. condicionados por este fnLO. nào sofrem ulieru
goto tnics da transformação histórica. Por outro lado a história nào ficará estau
nada aié que ocorra esta transformação. O desenvolvimento histórico das oposí
ções. com as quais o pensamento critico está entrelaçado altera a importância
de seus momentos isolados, obriga a distinções e modifica a importância dos
conhecimentos científicos especializados para a teoria e a práxis críticas.
A questão a que nos referimos ficará mais hem explicada com o conceito
da etasse social que dispõe dos meios dc produção. No período do liberalismo
a dominação econom ka estava fortemente ligada ã propriedade jurídica dos
meios de produção. A grande ciasse dos proprietários privados tinha o comando
social, e a cultura global dessa época cru caracterizada por essa relação. Compn
ra n jo com a época atual, a indústria consistia num grande número dc pequenas
empresas autônomas. A direção du fabrica era exercida por um ou mais proprictá
rios ou seus encarregados diretos, dc acordo com o grau dc desenvolvimento tcc
meo da época. Com a rápida e progressiva concentração c centralização do ca pi
tal. propiciadas por esse desenvolví mento, a maioria dos. proprietários jurídicos
foi al&stítdn da direção díb grnrutes empresas em formação, que absorveram suas
fábricas. Com isso a direção adquiriu autonomia face ao titulo dc propriedade
jurídica Surgem então os magnatas industriais, os comandantes da economia,
fim muitos casos, os proprietários mantem no início a maior pane da propriedade
dos grupos econômicos cm suas mãos. Hoje esse detalhe deixou de scr essencial.
ü alguns poderosos nKjjiojjrry controlam setores inteiros da industria. Apenas um
número cada vez menor deles tem propriedade jurídica sobre as fábricas que dirí
gcm. Esse processo econômico ira/ consigo uma mudança da função dos apare
tlios jurídico t político, e também uma mudança üa função das ideologias. Sem
que a definição jurídica da propriedade tenha sido alterada, as proprietários sc
tornam cada vez mais impotentes diante dos diretores e seus comandos. O con
troic direto sobre os recursos das grandes empresas dá à direção uma tal força
que seria absurdo esperar uma vitória dos proprietários na maioria dos processos
que esies venham a instaurar motivados por divergências com :i direção. A in
fluência du direção, que inicialmente se restringiu ás instâncias jurídicas c ncimi
nistrativas mais baixas, alcança depois as mais altas instâncias, e. por fim, o
Estado c a sua organização dc poder. Com o seu afastamento da produção eletiva
c com a suu infitténcia redu/iíla. diminuiram se as perspectivas dos simples donos
de títulos de posse: as condições de vida e a apresentação pessoal dos proprictá
150 HORKHFJMER

nos tomam-se cada vez mais impróprias para posições sociais importantes. C.
por último, aparece a parte que ainda recebem de suas propriedades, conto moral
mente duvidosa e Noçialmentc inútil, por nào poderem realizar efetivamente algo
para o desenvolvimento de sua propriedade. Surgem então ideologias conectadas
estreitamcnlc com estas e outras transformações: a ideologia das grandes persona
Iidades e da diferença entre capitalistas, produtivos e capitalistas parasitários. A
representação de um direito autônomo de conteúdo fixo perde n sua importância.
Do mesmo grupo que, exercendo u poder sobre os meios de produção, mantém
â força o núcleo da ordem social dominante, partem os ensinamentos políticos
de que a propriedade improdutiva e a renda parasitária teriam que desaparecer
Com a redução do número dos que são efetivamente poderosos aumenta a pussi
bilidade da elaboração consciente de ideologia e do estabelecimento de uma dupla
verdade, onde o saber é reservado ao& ittsiders u a interpretação deixada ao povo.
e se espalha o cinismo contra toda verdade e todo pensamento. No fim deste
processo perdura uma sociedade nào mais dominada por proprietários indepen
dentes, mas por camarilhas dc dirigentes iridtislriais e políticos.
listas transformações condicionam também modificações na estrutura du
teoria crítica. A teoria crítica não se deixa enganar pela aparência, isto é. pela
ilusão fomcntüda meliculassijnentc nas ciências sociais, de que propriedade c lu
oro não desempenhariam mais o papel decisivo. De um lado. n teoria crítica ja
mais viu as relações jurídicas como essência. Ao contrário, considera as como
a superfície do contexto social e fcíibe que a disposição sobre homens c coisas
permanece nas mãos de um grupo especifico da sociedade, que na verdade con
corre menos no próprio país. mas que se encontra numa concorrência cada vez
mais acirrada com outros poderosos grupos econômicos no plano internacional,
O lucro provem das mesmas fontes soei sus que antes, e tem que .ser aumentado
da fôrma costumeira. Por outro lado. parece desaparecer junto com a eliminação
dc todo direito de conteúdo determinado, fruto da concentração do poder econô
mreo e realista plena mente nos Estudos autoritários uma ideologia aliada a um
fato cukurul que ao lado dc seu aspecto negativo tem tamhém um caráter positivo.
A teoria, tomando em consideração esins trunsformaçoex na estrutura interna da
classe empresarial, modifica tamhém outros conceitos. A dependência da cultura
Irente às relações sociais mudará nté nos mínimos detalhes, na medida mesma
das mudanças ocorridas nestas relações sociais, se c que sociedade c um lodo,
Também com relação à época do liberalismo as concepções morais e políticas
dos indivíduos puderam ser reduzidas dc sua situação eçonònlica. ü respeito ao
caráter franco c leal. á palavra de honra, :i autonomia de um julgamento, etc.,
é resultado dc uma sociedade dc sujeitos econômicos relaiivamente independentes,
unidos por meto de contratos. Mas essa dependência era mediada psicológica
mente, e mesmo a moral possuía uma espécie de firmeza em virtude de .«.ua função
no indivíduo. (A verdade de que a dependência da economia também tomava
conta dessa moral ficou d ara quando recentcmcnlc as posições econômicas da
burguesia liberal foram ameaçadas e a convicção dc liberdade desapareceu aos
poucos.) FrUretamo, sob o capitalismo monopolista também esse tipo de indepén
TEORIA I K A D IC ÍO N A L E TEO RIA CRÍTICA 151

dência relativa dt> indivíduo deixou de existir. O indivíduo deixou de ter um pen
sarnento próprio. O conteúdo da crença das massas, no qual ninguém acredita
muito é o produto direto da burocracia que domina a economia e o Estado. O s
adeptos dessa crença seguem em segredo apenas os seus interesses atomízados
e por isso não verdadeiros; des agem como meras funções do mecanismo econô­
mico.
Com isso muda também o conceito da dependência cultural do econômico.
Esse. conceito deve ser entendido pelo materialismo vulgar, mais facilmente que
antes, como a destruição do indivíduo típico. A s explicações dos fenômenos so­
ciais tomaram-se mais fáceis e. ao mesmo tempo, mais complexas. Mais fáceis
porque o econômico determina os homens de uma forma mais dircia e mais eons
ciente, c porque a força relativa de resistência e a substancialidudc das esferas
culturais se encontram num processo de desaparecimento. Mais complexas por
que a dinâmica econômica desenfreada degrada a maioria dos indivíduo» à condi
çào de meros instrumentos e traz constautemcntc. em curto espaço dc tempo,
novos espectros u infortúnios. Mesmo os grupos mais avançados da sociedade
são desencorajados, tomados pela total desorientação reinante. Também a ver
ilude na sua existência depende das configurações da realidade. No século X V I I I ,
na Fran ça, a verdade tinha o apoio de unia burguesia já economicamente desen
volvida. Nt> capitalismo monopolista83 e nn impotência dos trabalhadores diante
dos aparelhos repressivos dos Estados autoritários, a verdade se abrigou cm pe
quenos grupos dignos dc admiração, que. dizimados pelo terror, muito pouco
tempo têm para aprimorar a teoria. Os charlatões lucram com isso c o estado
intelectual geral das massas retrocede rapidamente.
O exposto acima visa u esclarecer que a transformação constante das rela
çòes sociais c resultado direto do desenvolvimento econômico, se expressa na
composição da camada dominante e não atinge somente alguns ramos da cultura,
mas. o sentido de sua dependência da economia. Com isso atinge também o eon
ceito da concepção global. Essa influência do desenvolvimento social sobre a cs
truiura da teoria faz parte dc seu próprio conteúdo. Por isso os novos conteúdos
não são incluídos mecanicamente nas partes já existentes. Ao mesmo tempo que
a teoria constitui um todo unitário, que alcança o seu significado peculiar apenas
na relação com a situação atual, da também se encontra numa evolução que,
apesar dc suas transformações mais reecnies. não sõ suprime seus fundamentos
como nào modifica a e.s.sência do objeto refletido por cia. isto c. a essência da
sociedade atual Mesmo os conceitos, que aparentemente são os mais afastados
do núeleo da teoria, sàu contudo englobados no processo. A s dificuldades lógicas
descobertas peto entendimento em qualquer pensamento que reflita uma totali­
dade viva se baseiam principal mente nessa particularidade. Sc sc retiram concei­
tos e juízos isolados da teoria e se comparam com os de outra concepção anterior.
surgirão contradições. Isso é válido tanto para a relação reciproca d*N etapas
do desenvolvimento histórico da teoria como para as etapas lógicas dentro dcln

6J "No capitalismo tardio" (SjutetkovUahsmus)* na. ed cie A. Schmiik. i N do-. T )


15: HORKHEIMER

própria. Nos conceitos dc empresa c empresário existe uma diferença, por maior
que seja a idetiLidadc. Eslu iHterciiça dependerá da pro1 eniêneia cios conceitos.
Se têm a sua origem na primeira forma da economia burguesa, serão diferentes
dos conceitos correspondentes ao capitabsTuo desenvolvido, do mesmo modo que
os conceitos que resultaram da crítica da economia política do século X I X . que
visava aos fabricantes libera listas, serão distintos '{aqueles que provem da critica
da economia político do século X X . que traía dos rubricamos monopolistas. D:i
mesma forma que o próprio empresário, a representação que sc la/. dclc passa
pur um desenvolvimento. A s contradições das partes isoladas da teoria não sào
portanto resultantes de erros ou definições mal cuidadas, mas resultam do fato
da teoria visar a um objeto que ve transforma çonstantemente e que apesar do
esfacelamento não deixa de ser um objeto único. A teoria não acumula hipóteses
sobre o desenrolar de acontecimentos sociais isolados, mas constrói a imagem
des envolvida do todo. dt> juiro existencial tínplohado na história, O que era o
empresário, ou melhor, o burguês -cm geral, c que está comido cm seu caráter
raciona! isi a quanto rios traços não racion alistas dos movimentos dc massa atuais
das classes médias, remonta à situação econômica inicial da burguesia c está
assinalai Io tins conceitos básice» dn teoria. Mas. desta forma diferenciada, essa
origem só se torna visível nas lulas. As atuais, e não Sãmente pelo Fnto dc a
burguesia sofrer transformações nestas lutas, mas lambem porque, em relação
n isso. o interesse c a aknçao cto sujeito teórico condicionam outras acentuações.
Pode ser que corresponda a um interesse sistemático c que não seja rambém
de lodo inútil o interesse de classificar c comparar as variadas formas de depcn
dcncia, de mei çadoriti. dc classe, de empresário, erc.. nas fases histéricas l- lógicas
díi leoria. Já que o sentido da teoria, em última instância, só se toma claro com
o todo da construção intelectual. que tein que se adequar sempre às novas situa
çõés, tuis sistemas de espécie e sabes peeies. definições c especificações dc concéí
tos emprestados da teoria critica nâo costumam nem mesmo possuir o valor dc
um inventário dc conceitos dc nutras ciências especializadas, que pelo menos po
dem scr mili/ados ua prática rclutivamcme uniforme da vida cotidiana. Transfor
mar n teoria crílicíi da sociedade em sociologia é por princípio, um empreendí
mento problemático.
A questão aqui tratada sobre a relação cm re pensamento e tempo está ligada
a uma dificuldade especifica. I simplesmente impossível falar, em sentido estrito,
de alterações de uma teoria correia. Ao contrário, a constatação dc tais alterações
pressupõe uma teoria que está afetada pelos mesmos problemas. Ninguém pode
colocar ve como sujeito, u não .scr com o sujeito do instante histórico. A discussão
SOhrs a constância ou mutabílidade da verdade- só tem valor para u.s mcruulidodes
polêmicua. isso contraria a suposição de um sujeito absoluto e supra histórico
e a substitutbifidadc des sujeitos, como se fos.se real mente possível a transposição
do m oinenio histórico atual para qualquer outro m om ento histórico, passado ou
futuro. Até que ponto i^su é possível não constitui agora o nosso problema. Em
todo o c a s o , a icoria critica ê incompatível com a crença idealista de que ela
própria representaria algo que transcende os homens, que possui algo assim como
TE O R IA T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R Í T I C A 153

crescimento. Os documentos estão inseridos numa historia, mas a teona não está
presa a um destino. A afirmação de que momentos determinados foram engloba­
dos pela teoria e de que ela teria de se adequar no futuro a novas situações sem
ter que transformar essencial mente o seu conteúdo pertence ã teoria na forma
em que ela existe e na torma em que eln procura determinar a ptáxis. Aqueles
que possuem a teoria uiilittim na como um iodo e agem em conformidade com
esse todo. O aumento constante de uma verdade independente do* sujeitos, c a
confiança no progresso das ciências só podem estar relacionados, em sua validade
limitada, com aquela função do saber que continuará também sendo necessária
na sociedade futura, isto ú\ a dominação da natureza, Esse saber pertence também
à totalidade social c existente. A condição prévia para se fazer afirmações sobre
duração ou transformação, isto c. a continuação das formas conhecidas dc produ
ção e reprodução econômica, equivale, cm certo sentido, à substituibilidade dos
sujeitos. O falo d« a sociedade ser dividida cm classes não impede a identificação
dos sujeitos humanos. O próprio saber é uma coisa quC é transmitida de geração
em geração, e que os homens necessitam para a sua própria vida. l ambém neste
aspecto o cientista tradicional pode estar tranquilo.
A construção da sociedade sob a imagem de uma transformação radical
que ainda não passou peta prova dc sua possibilidade real carece do mérito dc
ser comum a muitos sujeitos. O desejo de um mundo sem exploração nem opres
são. no qual existiría um sujeito agindo de fato. isto é. uma humanidade autocons*
cicntc. c no qual surgiríam as condições de uma elaboração tcôricíi unitária bem
como dc um pensamento que transcende os indivíduos, não representa por si só
a efetivação desse mundo. A transmissão mais exata possível da teoria critica
1- condição para o êxito histórico Mas essa transmissão não ocorre sobre ti base
firme de uma próxís esmerada e de modos dc comportamentos fixados, mas sim
medida pelo seu interesse na i rans formação. Esse interesse, que é reproduzido
necessariamente pela injustiça dominante, deve ser enformado e dirigido pela pró
pria teoria, ao mesmo tempo que exerce uma ação sobre ela. O circulo dos rçpre
sen Lurdes desta tradição não adquire novos limites nem e renovado pola* leis orgá
nicas ou sociológicas. Fssc círculo não é constituído e mantido por heranças
biológicas ou lestamemáiiaâ. mas pelo conhecimento vineulante. c esse conhcci
mento garante apenas n sun comunidade atual e não a sua comunidade futura
Provida dc todos os critérios lógicos, a teoria carecerá, até o final do período
histórico, da sua confirmação pela vitória. Até que isso ocorra, ela lutará pela ver
são e pela utilização correta Ju teoria. A interpretação feita pelo aparelho
de propaganda e pela maioria não precisa ser. por isso, a melhor. Antes da trans
formação geral da história a verdade pode refugiar se nas minorias. A história
ensina que tais grupos inquebruntáveis. apesar de serem pouco notados e até
mesmo prescritos por outros setores da oposição, podem, devido a sua visão mais
profunda, chegar a postos de comando nos momentos decisivos. Hoje em dia.
no momento cm que todo poder dominante força o abandono dc todos os valores
culturais e impele a barbárie obscura, o círculo de solidariedade verdadeira tnos
tra-se sem dúvida bastante reduzido Os inimigos, isto é. os senhores desse pe
\5i HGRKHEIMER

itodo de decadência, não conhecem nem fidelidade nem solidariedade. Tais co n ­


ceito* constituem momentos da teoria c da p r â x is correta.. Separados da teoria
üs conceitos perdem o seu significado como ocorrería com qualquer parte de uma
conexão v iv a . Ê pleuamaítc possível que uma horda de bandidos desenvolva tra­
ços positivos de coletividade humana, mas essa possibilidade aponta sempre as
falhas da sociedade maior, na qual esse bando existe. Fm uma sociedade injusta,
os criminosos não sao obrigatória mente seres humanos inferiores. Nu sociedade
iotaJmente justa eles seriam ao mesmo tempo desumanos. O sentido correto de
juízos isolados sobre coisas humanas só é obtido na sua relação com o todo.
Não existem critérios gerais para a teoria crítica cotão um todot pois des
se baseiam sempre na repetição de ocorrências, isrn é. na totalidade que se auto
reproduz, Tampouco existe uma classe social em cujo consenti mento se possa
basear. A consciência dc qualquer camada na situação atuai pode reproduzir se
c corrompei sc por mais que. devido a sua posição dentro da sociedade, seja desti­
nada à verdade. A teoria crítica não tem. apesar de toda a s.ua profunda coin
preensão dos passos isolados c da conformidade de seus elementos com as teorias
tradicionais mais avançadas, nenhuma instância específica para si, a não ser os
interesses ligados ã própria teoria critica de s u p r í m í i a dominação de classe. B-
E-ssa formulação negativa, expressa abstrata mente. £ o conteúdo materialista do
conceito idealista da razão. Num período histórico cumo este a teoria verdadeira
não c lào afirmativa como crítica, como também a sua ação não pode ser "produ
tiva '. O futuro da humanidade depende da existência do comportamento critico
que abriga em si elementos da teoria tradicional e dessa cultura que tende □ dei, ei
parcccr. Uma ciência que em sua autonomia imaginária se satisfaz em considerar
a práxís h qual serve c na qunl está inserida como o seu Além. e $e conieniu
com ti separação entre pensamento e ação. jà renunciou à humanidade. Dctermi
nnr o conteúdo e u finalidade de >tua$ próprias realizações, c não apenas nas
partes isoladas mas cm sua totalidade, è a Característica marcante da atividade
intelectual. Sua própria condição a Jevu a transformação histórica. Por ciarás
da proclamação de '‘espírito social" c "comunidade nuciunaT' se aprofunda, dia
ã dia. a oposição emre indivíduo e sociedade. A autodeterminação da ciência
sc torna cada vez mais abstrata. O conformismo do pensamento, a insistência
cm que isto COrtSlilua uma atividade fixa. um reino à parte dentro da totalidade
social, faz com que u pcnsatâénio abandone a auã própria essência.

154 "dt Mjfjmiu i fji;u:.;í ,vj ■n c t a ! ' \ nu .:U Ji- a 3-;h a:tk. |S. Ju> T i
Bí 1 trnaç. na cJ. J c a Sslimiüi, apaiícc da segiiuttc íormü: "Suu própria condição tnutre l cia m
iransfoín ação histórica, y reelizarib de um estada tiejusiico m rrrtt ftnmms " 1N dos i }
FILOSOFJ A E TEORIA CRÍTICA1

\’uta prelim inar:2 Sobre o ensaio r'Teoria Tradicional e Teoria Crítica", publi­
cado no úI limo número dtsslá revista, foram feitos muitos comentários deialhaik>s.
O significado da jüosofltt, ou m e l h o r , a questão do papel a ser desempenhado
peto pensamento atual, fo i o temo mais iinportuntc destas críticas, A nossa parti
Cipaçâo neste debute teve como base as contribuições que se seguem.

M. H.

I m meu efusuio "Teoria Tradicional c L'cor ia C ritica" apontei a diferença


entre dois métodos gnosiológicos. Um foi fundamentado no D iscou rs de (a M c
ihotle. cujo jubileu dc publicação sc comemorou neste ano,J e 0 nuiro, na critica
da economia poliu ca. A teoria em sentido tradicional, cancsiano, como a que sc
encontra em vi2.nr em todas as ciências especializadas, organiza a experiência
à base da formulação de questões que «urgem em conexão com a reprodução
da vida dentro da sociedade aluai. Os sistemas das disciplinas contem os conhecí
méritos dc ud forma que, sob circunstâncias dadas, são aplicáveis ao maior nu
mero possível de ocasiões. A gênese social dos problemas, as situações reais,
nas quais a ciência é empregada c os fins perseguidos em sua aplicação, sáo
por ela mesma consideradas exteriores. A teoria critica da sociedade, ao con­
trário, tem corno objeto os homens como produtores de todas as suas formas
históricas de vida. A s situações efetivas, nas quais a ciência se baseia, não è
para ela urna coisa dada, cujo único problema estaria na mera constatação e
previsão segundo us leis dy probabilidade. O que é dado nao depende apenas
da natureza, mas também do poder do homem sobre ela. Os objetos e a espccie
dc percepção, a formulação de questões e u sentido da resposta dão provas da
atividade humana e do grau de seu poder1

1 fcstc ais mu foi fiublicuiio na coletanea cJu.ida por Mfrcd Schaidc iMax Horkhcnncr. Kritãehe Thtmie
rim Ktiluwitatt/m. S. Fl« h w Vertas. PrrmkFun am Main. 10ríX i wh . límlp .Se Narhtrag (Apíndici*)
<N. díis T ) Trfttli».wk> cki original ale mio: "Ptiãlo&ophu- umi kriuclK íhoorte". cm àtulschnfi fucr Sòziül
ftftschung. Ano V II l |9.1 7), pp. 7V4
} Esta n o u preliminar nào COflMO dn cillção Oc A . SchrrjwJ; (N . do» T .)
J Esta passagem Ibi omitida na «d. de A. Schmidt. Horidieimer se retiere a 1937. a«o da publicação do reíe
n.Il'i artigo no Zeitsehefp /ú<rXfulutfonehunít. 1N dos T 1
] sei H O K K H tIM E R

A teoria cnti-Oa da sociedade e*lá dè ácordo COjü o idealismo alemão no


que ílíz respeito ã relação da produção humana com o maLerial dos latos aparem
temente últimos. aos quais o especialista tem que se ater. Desde K a n L o idealismo
Lcm contraposto este momento dinâmico a veneração dos fatos e ao conformismo
social subsequente. "O mesmo que sucede na matemjlucli- di/ Fiehie. ocorre nu
totalidade da cosmo vi sã o: a diferença consisu: somettLe no lato de que. du cons­
truir n mundo, tl&o- se está consciente do próprio construir, pois isso c feito .sempre-
pela necessidade e nunca livremente .4 Esse pensarnento que considera como
piriuml a atividade material mente dada. situando-a na eonseiêneiít supra empírica
eni si. no tiu absoluto, no Espírito, c geral no idealismo alemão. A superação
deste seu aspecto apático, inconsciente e irracional fica. por principio, a carj-io
do interior da pessoa, isto c. da convicção moral, Para a concepção materialista,
ao contrário. csut atividade fundamental consiste no trabalho social, cujo caráter
de classe imprime sua forma em todos os modos do reagir humano, inclusive
na teoria. A penclrnção racional do pro-cesso. no qual a gnose e o seu objeto
se constituem. sua subordinação ao controle da consciência, não transcorre poi
bsu mim terreno vsclusivíimCnte espirrua!. mas coincide com a lula por dctcrmi
nadas forma- de vida na realidade efetiva. A formulação de teoria- em sentido
tradicional eunsiíiuí uma profissão n.i sociedade dada. delimitada, por outras uti
vidades çicm ilicas e demais, e não precisa se preocupar em saber nem das tendên
cias nem das meias históricas .com as quais essas teorias esláo entrelaçadas. A
teoria critica, ao contrário, im formação de suas ca lego rias c cm Iodas as fases
dc sen desenvoK inieniu. segue conscienLementc o inierçsKu por uma oi jqimaação
racional da atividade humana; clarificar o legitimar esse interesse é a tarefa que
ela confere a si própria. Pois para a teoria crítica mio se traia apenas dos lin&
iriis como são apresentados pelas Ibrmas de vida *. < . nu s mas dos homens com
todfrs íis s ii :is possibilidades.
I nesse sen lido que .1 leõrin criticn preserva n herança não só do idealismo
alcmào. mas da própria filosofia, L ia nâo é uma hipótese de trabalho qualquer
que se mostra útil para n funcionamento do sistema dominante, mus sim um mu
ntciUo inveiRtiúvcl Jw esfoiço histórico dc criar um mundo que satisfaça às neves
• -1 1 •=. l" forças humLLctã!», Par maior quv seja a nçào reciproca entre teoria crític.i
c ciências cspudali/adas. cm cujo progresso aquela teorta tem que se ementar
consLa 11 temente e sobre 0 qual ela exerce uma influencia liberadara e impulsiona
dora há setenta an o s.‘J a teoria crítica não almeja de forma alguma apenas uma
mera ampliação do xtibct. da inteueionu emancipar o homem de uma situação
escráviáadoiM Nesse sentido ela corresponde à filosofia grega, não tanto :i do
período de resignação, qu into á do seu auge com Platão e Aristóteles. Enquanto
csLÕicos e cpicurisuis voltam a doutrinas de praticas individualistas, após o ira
casso dos projetos políticos daqueles düo, grandes filósofos. a nova filosofia dialê

1 .1 G. Fichlc. “Ijrtisrl and MrlhtiplivíjSt'' era yaçhi!riit$£t'fu- .irhnfiw, 1 U Ikflim 41 -iN.-Jo


AI
5 ‘senerçe umji i-jílucn^iíi |iti^nkiTi« € Impul siünados a hú cftk-ütía?", rwi cÇ, Cf A. Sdliliitk, Cf, OCU.fi iíY,
vlesT-i
fica. ao contrário, parte do conhecimento de que o desenvolvimento livre dos
indivíduos depende da constituição racional da sociedade. Ao focalizar as bases
da situação atual, ela passa a ser a critica da economia.
A criuca todavia não c idêntica au seu objeto. A economia política não
é uma espécie de cristalização do pensamento filosófico- Tam pouco as curvas
matemáticas da ecunomia política de hoje conseguem estabelecer a relação com
o essencial, quanto a corrente filosófica positivista ou à existencialista. O s concei
tos daquela disciplina perderam o contato com as relações básicas do período
liisLoiico aLual. Se investigações riço rosas exigiram sempre o isolam salto de estru
luras. hoje o fio condutor não é tnais constituído por interesses históricos, cons
cientes e impulsionadores. como no caso de Adam Smith. Com isso. deixou de
existir a ligação entre as análises modernas e uma Lotalidade gnosiológica qual­
quer que almeje a história efetiva. A tarefa de estabelecer a relação do conhecí
mento com a realidade, ou com qualquer dc seus Ims. é deixada a outros, ou
é postergada, ou mesmo abandonada no acaso. Nn medida em que existe o inle
resse e o reconhecimento social por d as próprias, as ciências não se preocupam
com isso. ou deixam esta preocupação pura outras disciplinas, por exemplo, pura
a sociologia ou a filosofia especializada, as, quais, por sua vez, fazem o mesmo.
Com isso. ã respectiva dominação da sociedade, isto u, as forças que a controlam,
é confirmada Incitamento no seu sentido e valor pela própria ciência, elevudu
a condição dc juiz. e o conhecimento è declarado impotente.
A o contrário du atividade científica nas disciplinas modernas, a teoria crítica
da sociedade, mesmo enquanto crítica dn economia, permanece filosófica. Seu
conteúdo transforma os conceitos dominantes da economia em seu oposto, isto
e, ela mostra a intensificação da injustiça social no conceito da troca jusfit. o
domínio do monopólio no dc economia livre, a consolidação de situações airavan
caduras da produção rio dc trabalho produtivo, a pauperi/ução dos povos no
de sobrevivência Ja sociedade Não se trata aqui tanto do que permanece igual,
mas siro do movimento histórico da época que caminha Cm direção ao seu ter
mino. O Capital em suas análises nào é menos exato que a economia política
criticada, mas mesmo nos cálculos mai> sutis dc processos Isolados, que se repe
te m periodicamente, o conhecimento tio desenrolar histórico da totalidade conti
nua sendo o motivo propulsor Nào c urn objeto filosófico particular que caracte
ríza a diferença entre teoria critica c observações cspeeitili/adas, mas ê u
consideração das tendências du sociedade global que C *decisiva, mesmo nas suas
ponderações mais abstraias, lógicas e econômicas.
ü caráter filosófico da teoria critica aparece nào somente lace á economia
política, mas também contra o cconomtsmo prático. A luta contra ns ilusões har
tnonicisias do liberalismo, a des nu d ação das contradições inerentes u d c c a abs
Lratividade de seu conceito de liberdade são tomadas literalmente por toda parte,
e distorcidas ao ponto de sc tornarem palavreado reacionário. A frase "a econu
mia. ao invés dc dominar os homens, deve servi los” c pronunciada exutamente
por aqueles que nunca quiseram que se entendesse por economia outra coisa que
os interesses dc seus próprios financiadores. O todo c a coletividade sào cnlatíza
t&ft H O R K H E IM E R

dos onde não se pode nem mesma pensados sem a radicai oposição ao indivíduo,
isto é. em seu sentido m a is c la r o . A coletividade c equiparada com a ordem deca­
dente por de.s defendida. No conceito do egoísmo sagrado c do interesse vital
•da coletividade nacional imaginária, o interesse dos próprios homens por um de
^envolvimento sem obstáculos e e x istê n c ia feliz é confundido com a ânsia de pu­
der d o s grupos d o m in a n te s. 0 material^mu vulgar, que tem a sua práxis criticada
pelo materialismo dialético, está envolto nuin palavreado idealista cujo desvendar
exerce atração sobre os seus adeptos mais fiéis.5 Kssc ripo de materialismo tor
nou-sc a verdadeira religião da atualidade. Vias, se o pensamento especializado,
manieiidu-se nurn conformismo contínuo, rejeita todo tipo de ligação interna. com
os pretensos juízos de valor, e se empreende com extremo rigor y separação entre
pensamento c decisão prática. por sua ve/ ;i falta de ilusões lor levada brutal mente
às últimas consequências pelo niitismn dos donos do poder.
Segundo esse pensamento, o juízo de valor pertence à lírica nacional ou serve
para sei proclamado diante do tribunal popular, mas nunca diante du instância
tio pensamento. A teoria crítica que visa à felicidade de todos os indivíduos, ao
contrário dn> servidores dos listados autoritários, não uçeita a continuação da
miséria. A autocomemplaçâo dü razão, que constituiu o grau máximo de Felici
da de para a velha filosofia, st? transformou, dentro do pensamento mais recetltc.
rto conceito materialista da sociedade livre c nuíodctcrminantc O que resta do
idealismo c a crença do que as p o s s ib ilid a d e s Uü homem são outras, diferentes-
tia incorporação ao existente c da acumulação de poder e lucro.
Desde a derroto, de todas as aspirações progressistas nos países europeus
alta mente desenvolvidos, tem <c alastrado a contusão mesmo entre os represen
tan icsJ da teoria crítica. Isso se dá mesmo com o aparecimento, no teoria e na
práxis a elo contrárias, de alguns de seus demento*, mas cm sentido inverso.
O próximo PbjetiYo histórico c. de fato, a abolição das relações sociais que emper
ram atualmente o desenvolvimento social. Abolição, tu> entanto, é uni conceito
dialético. A transformação dos bens privado^ em propriedade estatal, a expansão
industrial e mesmo o amplo contentamento das massas terá o o seu significado
histórico definido apenas na natureza do todo. no qual estão inseridos. Por mais
importante que sujam facc ao estudo de coisas arcaico, luis elementos podem,
rto entanto. ser englobado*. por um movimento retroativo. O mundo envelhecido
sc desmantela devido a um princípio de organização econômica ultrapassado,
A decadência cultural esta implicada nisso. A crítica teórica e prática tom que
focalizar inicial mente u causa primeira da miséria, a economia. Mas. julgar tam ­
bém ui* formas du sociedade futura, baseando se apenas na sua economia, não

" A forma c u íouieuvfo ,la crimçft ilifu* sàu ulilikremes um íiO ímin:- O que $ç acicdiir» re^cfeulc1no jius
■ )c títniiífci.ir íitg» vniio verdadeiro. Os cornaidííS U.i lücolnv.ia LU raça ('iwAlSfAir/ew/flflrt que icmlrn
ri.i . luiii) u^. mh, i J-í pdo espírito ao imuwfo industrial, n*i «m apreendidos d.* m;imo nrmifo que uma
vsrdaur ifiuilqtia, MiArtíu lis i|ue nuw depcmtrm ..Ma. nii com pensamaiiu-i -“pirdlctaisi u»dns
vibviti HS |>raiicn <i ,|IIC KM» danifica. S»j a . que ouvem penaam que •.« orndor min acredUa IW que dtt.
ívSii r>ã,i ii-m (hiIiil ,'on«n|uúnk‘iJ snniu? Huwcnnu o posl«r tUsic. Ldes >e cHvcncm com Uli JnStdíult1 Mu.
quarufo : -it-a/ção -ea^uvil.CMu COrtluniíladc iiãu i:i.i|lSCfUt resistir. [V. drt A I
‘ 'irn irL o*t de]htoares " lia irii, dv A. SdltUÍtll. I A ikK 1 d
F I L O S O F I A li T E O R I A C R Í T I C A 159

seria um pensamento dialético, mas sim mecanicista. A transformação histórica


nào deixa intocáveis as esferas culturais. E se no estado atual Ja sociedade a
economia domina os homens c constitui, por isso. a alavanca com a qual esse
estado deve ser [transformado face às necessidades naturais, no futuro os homens
mesmos devem determinar otv seus relacionamentos. Por isso. dados econômicos
isolados também não constituem a medida com a qual se poderá avaliar a com u­
nidade futura. Isto é válido também pura o período de transição no qual a política
ganha uma nova autonomia em relação a economia, Somente no final dessa tmn
riçãu os problemas políticos passam a ser questão de mera administração mate
riaL Antes disso e possível que tudo sc modifique, mesmo que □ caráter da transi
çãu continue indeterminado.
O economismo, ao qual a teoria crítica Lem sido reduzida, não consiste
apenas cm tornar o lalor econômico importante demais, mas em tomá-lo dema-
siadameiKe restrito. O seu significada* original, que visa ao todo. desaparece por
trás do recurso aos fenômenos delimitados. Du acordo com a teoria crítica, a
economia atual è determinada essencial meutc pdo fato de os produtos que são
produzidos além do necessidade dos homens não passarem para o domínio da
sociedade, mas, ao contrário, serem apropriados e vendidos por particulares. Com
a abolição dessa situação sc pretende um princípio mais elevado dc organização
econômica, e não uma utopia filosófica. O antigo princípio conduz a humanidade
a catástrofes. Mas no conceito de socialização, que caracteriza a trans formação,
não estão comidos apéntr-í os elementos que surgem na economia política e na
jurisprudência. A passagem du produção industrial ao com role teia tal c um fato
histórico1" cujo significado terá ainda que ser analisado pela teoria critica. Se
*e trata de uma soeiíiJi/uçãü autentica, até que ponto sc desenvolverá portanto
uni princípio mais elevado não depende apenas dn alteração de certas relações
dc propriedade, Jo aumento du pfodutiviçtadí nas novua formas du cooperação
social, mas também da essência do desenvolvimento da sociedade, na qual ocorre,
Isso depende principal mente da qualidade das novas relações dc produção.
Mesmo que persistam os “ privilégio* naturais" condicionados pdu aptidão c ca
paridade dc realização individual, não devem do fôrma alguma ■ser subSLituidos
mnis tarde pdr outros privilégios sociais. Nessa situação transitória a desigual
da de não deve ser estabilizada, mas superada progressiva mente. Pertence ao c o n ­
teúdo do conceito de socialização o problema de como c o que será produzido,
sc existirão gmpos relativamente bem demarcados e com interesses especiais, e se
diferenças sociais serão matuídas ou mesmo ampliãdus. Além disso, pertence au
conteúdo desse eoneeiio o rdacionamento advo do indivíduo com o governo, a
relação entre todos os atos administrativos decisivos, que dizem respeito aos in­
divíduos, ç o seu próprio saber c vontade, a dependência de todas as situações
dc decisão coletiva dominâvds pelo homem, cm poucas palavras, o grau dc desen
volvimerUú dos elementos essenciais, da democracia real e da assoei ação. N e­

1 " A su.i ú u en çà o ucsginal” , na cii ite \ $d )m i< ll. ( N . <3tK T .J


* “áe a prtxlução industrial passar para o cúntrulç cstataJ, então isío será m fato Histórico ", na ed.
ilc ,A S c h u iid L íN , áos T .)
160 H U R K K h l MbR

nhuma despas determinações pode ser isolada do fator econômico, e a crítica


ao eco no mi sino não >c baseio. no abandono eia análise econômica, mas nn insis­
tência da integridade e da perspecLiva histórica. A teoria dialética não faz a sua
crítica a partir da mera idéia. Já em sua ligura idealista. eia refutou a representa
ção de algo bom cm si mesmo, que è simplesmente colocado em confrontação
com a realidade. Ela mãe julga de acordo com o que está Fora do tempo, mas con
Forme o que está ru> tempo. Também os listados totalitário*, ao nacionalizarem
pafcialmenie as propriedades, apelam a comunidade e às práticas coletivas. Nesse
CâSü a inverdade è evidente. Mas. mesmo onde isso ocorre honesta mente. a teoria
crítica tem a função dialética de avaliar qualquer etapa histórica, nào apenas de
acordo com alguns dados a conceitos isolados, mas também conforme o seu con
leudo original e global, procurando mantê-lo vivo. A tllüsülla correta não consiste
hoje em esvaziar se tlc análises concretas econômicas ou saciais, ou em reducif-sc
a categorias isoladas. Ao contrário, d a tem que evitar que os conceitos econô­
micos sc diluam Cm detalhes va/dos c dcsconcc lados, pois esse procedimento c
apropriado para encobrir a realidade em todas as suas Faces. A teoria critica
nunca criou raízes na ciência econômica. A dependência do político 1‘rcntc ao eco­
nômico foi o .seu objeto, e nunca o seu programa,
Lntrc os que hoje recorrem ã teoria crítica se encontram alguns que em pL-rti
consciência a degradam a uma mera racionalização de seus próprios empreendí
mrnlos. Outros sc apoiam cm conceitos, deformando os mesmo face ao seu sen
tido textual, e fazem tida unia ideologia do equilíbrio, tanto mais compreensível
quanto menos sc dei cm para pensa Sa, Mas desde a sua origem o pensa menro
dialético tem representado 0 estado mais avançado do conhecimento, e é, em
última análise, apenas dele que pode provir a decisão. Seus representantes estive
ram. em todas as ocasiões tte revés, rclativamcme isolados, c também isso cies
tem em cornum com a lllosofni, hriquanto o pensamento não 1i vc 1 vencido defini -
ti va mente, jamais poderá sentir-se seguro sob as sombras de um poder. O pensa
mento exige independência Mas os seus conceitos, que sc originam nos movimen
lo s sociais, parecem hoje não ter mais valor, já que nau são muitos os que 0

seguem, além dos seus perseguidores. Mesmo assim a verdade será comprovada,
pois o fim de uma sociedade racional, que hoje parece estar preservada apenas
na imaginação, pertence d ei iv amante a todos as homens.
Kssii não è contudo uma afirmação tranquilizante. A realização das pnssibi
lidades depende das lutas históricas. A verdade sobre o futuro nào é um registro
de fatos «.lados, atja única particularidade eonsislisse em estar contida num in d e x
especial. A própria vontade desempenha ni um papel, c nào deve se acomodar
pelo simples fala d:i prognose ser possivelmente verdadeira. Mesmo depois da
instauração im nova sociedade. a felicidade cíe s c ik membros nào seria um eqi^
valente para a desgraça daqueles que perecem na sociedade atual. A teoria não
iraz a salvação para os seus representantes. Apesar de seu ímpeto e eja vontade
própria, ela não prega um estudo psíquico, como o cstoicismo ou o cristianismo.
O s mártires da liberdade nào buscavam a sua tranquilidade psíquica. Sua filosofia
era a própria política. Se é verdade que suas mentes sc mantiveram tranquilas
diante do terror, isso contudo não passou a constituir a sua meta. Tampouco
o medo seria um agravante contra des. Os instrumentos de poder não perderam
a eficácia que tinham nos tempos da penitencia e da retratação de G alileu: o
ijtie estes aparelhos tinham de atrasado no século X L X , ero relação a outras ma­
quinarias. foi amplamente recuperada nns ultimas décadas. Aqui o fim de um
período histórico aparece também como o retorno ao início, num grau mais ele
vado. P a ia Goeíhe a felicidade reside na personalidade. Sc isso é válido, temos
lambem que considerar o que foi recuwcrocnte acrescentado por OUtro poeta: u
posse da personalidade é uma instituição socuil que se pode perder a qualquer
hora, O fascista10 Pirande!Io conheceu seu tempo melhor do que pressupunha.
Para os homens que vivem sob a dominação totalitária do mal. não somente suas
vidas conto õ próprio Eu dependem do acaso. As retratações significam hoje
menos ainda do que na Renascença. A filosofia que pretende se acomodar em si
mesma, repousando numa verdade qualquer, nada tem a ver. por conseguinte,
com a teoria crítica.

ui Nu fitiiçòu Jc A $ciirrmJU Pirniufctln.qac Jmha hntdênFunsfatcislax, conheceu, " (Ni. do* I )


T E X T O S DE
T H E O D OR W A D O R N O

Tr;idm,íV- ele I ui/ Joio Htirjiútm. fcvi&i.i por João Marcos Coelho
(O Prttchiam t/ tui M ú sic a t a Rcgr\ \Kãir du A u d içã o ),
Rubens Rodrigues Torres- Filho com assessoria cie Rotwrto Schwar/
H, ir ira t Sncirdade),
Wollganj; Lee Maor
(Introdução à C.'onlroxvrtía Sobre o Positivismo na Sociologia AieinâJ.
Hívhcrtn Schu-ar? (Idrlrtf paru a Sociologia do X-íâriat),
Modesto Caro ui; (Poaiçâo do Narrador nu Romance Con icmporáneu)
M
.
O F E T IC H IS M O NA M Ú SICA E A R E G R E S S Ã O DA A U D IÇ Ã O *

As queixas acerca Ua decadência do gpsto musical sào, na prática. tão anti


gas quanto esta experiência. atimhívalente que o gênero humano tez nn Ijminr dn
éjioca histórica, a saber: a música constitui, ao mesmo tempo, a manifestação
imediata do instinto humano c- a msiâncin própria para o seu apaziguamento,
E la desperta a dança das deusas, ressoa da flauta encantadora de Pã. brotando
au mesmo tempo- da !iru de Orfcu. utti torno da qual se çongregum saciadas as
diversas formas tio instinto humano, I oda vez que a pa? musica] sc apresenta
perturbada pui excitações bâcãmicas, pode se íulur du dccadêndo do gosto. F.r.
tretanto, se desde o tempo cln noétiea grega a função diseiplinadora da música
foi considerada como um bem supremo e como tal se manteve, em nossos dias,
certa mente mais do que etu qualquer outra época histórica, todos lertdcm aobede
ecr cegamem? ;i moda musical, como aliás, acontece igual mente cm outros setores.
Contudo, assim como nnci se pode qualificai uSe dionisíaca a consciência musical
contemporânea das massas, da mesma Forma pouco lèm i ver com o gosto artís
tico em geral as mais recentes modificações desta consciência musical. O próprio
conceito àc gosto está ultrapassado. A arte responsável orienta se por critérios
que se íiprovimam muito díis do conhecí mento: o lógico e o ilógico, o verdadeiro
c ri falso. De resto, já mio há eumpo para escolha, nem sequer s-e coloca mais
o problema, e ninguém exige que os cânones du convenção sejam subj et Iva mente
ius ti ficad o s a existência do próprio indivíduo, que podería fundamentar luI gosto,
toi nau se tao problcmãiicu quanto, nó púlü opo.sio, u direito á liberdade dc umu
escolha, que o indivíduo simplesmente n;io consegue mais viver cmpincamcmc.
Se pen.Litti u etuí.s ,i alguém se Mgosta” de uma música dc sucesso lailçada no mn
c-ado. não conseguiremos furtar nos ;i suspeita ele que o gostar c o nao gostar
já rtào correspondem ao estado real. aindíi que a pessoa intermgadíi sc exprima
cm termos de gostar c nào gostar. Ao invés do valor da própria coisa, o critério
dc julgamento c o fato de ít canção dc sucesso ser conhecida de todos; gostar
de um disco de sucesso è quase exaiamentco mesmo que reconhecê-lo. O compor­
tamento valoralivo t&rnOu rc urna ficção para quem se vê cercado dc mercadorias
musicais padronizadas. Tal indivíduo já não consegue suhtraír-se sio jugo da opi­
nião pública, nem tampouco pode decidii çom Eiherdade quanto ao que lhe é
apresentado, uma vçv. que tndo n que se lhe oferece é são semelhante oti idêntico

‘ Trateitlb iHxtrigiTiQi alcmao: 'Ueber Ketisclicharakier hsisdichrafcter tn der Musik uml die Kegrsssioa
des Hncrtps’" .-m Diasfirmrfzen, GtveUinpuri. !%3„ ViindcnhuccV umi Ruprechi. pp. 0 45
A D O RN O

que a. predileção. na realidade, .se prende apenas ao detalhe biográfico, ou mesmo


à situação conem a cm que a música é ouvida. A s categorias da ailC autônoma,
procurada e cultivada ém virtude do seu próprio valem intrínseco, já nâo tem
valor para a apreciação musical dc hoje. IsLo ocorre, em grande escala, também
COm as categorias da música séria. que. paro descartar com maior facilidade,
se costuma designar com o qualificativo de “clássica” . Se se objeta que n música
ligeira e toda a música destinada ao consumo nunca foram experimentadas e
apreciadas segundo as mencionarias categorias, não há como negar a verdade
desta objeção. Contudo, esta espécie de música é afetada pela mudança, e isto
precisamente cm virtude da seguinte razão: proporciona, sim, entrerumento. atra
Livo c pra/.cr, porém. apenas para ao mesmo tempo recusar os valores que cun
cede, Al dou* íluxlcy levantou em um de seus ensaios a seguinte perguntai quem
ainda se diverte reaJmente hoje nurrt lugar de diversão? Com o mesmo direito
podirr se iu perguntar: para quem a música de entretenimento serve ainda como
entretenimento? Ao invés dc entreter, parece que tal música contribui ainda mais
para o emudecimento dos homens, para a morte da linguagem como expressão,
para a incapacidade de comunicação. A música de entretenimento preenche os
vazios do silêncio que st* instalam entre ns pessoas deformadas pelo medo. pejo
cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências. Assume clti etn toda parte,
e sem que sc perceba, o trágico papel que lhe compelia ao tempo c na situação
especifica do cinema mudo. A música do entretenimento serve ainda c apenas
como fundo. Sc ninguém mais é capaz dc falar realmenie, c óbvio lambem
que já ninguém è capaz dc ouvir. Um especialista americano cm propaganda ra
diofõnica que utiliza com predileção especial a música manisfestou eeti
cismo com respeito ao valor de tais anúncios, alegando que os ouvintes aprende
ram a não dar atenção ao que ouvem mesmo durante o próprio ato <la
audição. Tal observação é contestável quanto ao valor publicitário da música.
Mas c essencialmente verdadeira quando se irmn .11 compreensão du própria má
sica.
Nas queixas usuais acerca da decadência do gosto, hà certos motivos que
sc repelem conaluntcmcnic. T a ii motivos estão presentes nas considerações ranço
sas e sentimentais dedicadas .1 atual massificação da música, considerando a
como uma '‘degencraçào". O mais pertinaz é o do encantamento do> sentidos,
que no entender dc muitos amolece c toma a pessoa incapaz dc qualquer atitude
heróica. Tal recriminação encontra se já no terceiro livro da República de Timão,
no qual se proíbem lasUO os modos musicais "queixosos” como os “ moles” , que
no dizei do sábio grego '**<• recomendam cm banquetes e orgias” ; 5 aliás, até
hoje não se sabe com clareza por que razão o filósofo atribui tais características
aos modus nuxofdio, lídio. hipplídio e jóilico. Nn República de Platão seria con­
siderado tabu o modo maior iLa música ocidental posterior, o qual corresponde
ao jõnico. igualmeme proibidos seriam a flauta e os instrumentos ‘Mc muitas
cordas" tangidos com os dedos. Dos diversos modos, $õ sc permitem aqueles

I Suiat, li'ebertraR«itj von Trci.scndaiuuf.q RppübíiCü, trâdaçãn PpíisnUlinA Jen», IS3U, n


O FF.TICH1SM0 N A M ÚSICA 167

que “ de forma adequada imitam a voz e a expressão do homem", que “ na guerra


ou em qualquer ação que exija u força singular, porta se com bravura ainda que
vez por outra possa meidir em erro. ser ferido ou scr atingido pela morte ou
por lima infelicidade"- i
A República de Platão não constitui a utopia tal como c descrita pela histó
ria da filosofia oficial. O fcsiado platônico disciplina os seus cidadãos inchan­
do os tanto para a salvaguarda do Estado como dc sua própria existência, inclu­
sive na música, onde a própria classificação segundo modos suaves e fortes, já
ao tempo de Platão, pratica mente representava apenas um resíduo da mais crassa
superstição. A ironia platônica gosta dc ridicularizar maldosameme o flautista
M ársias. verberado peto moderado Apoio. O programa ético musical de Platão
possui a característica de uma açâo de purificação ãtica. dc uma campanha
de saneamento dc estilo espartano A mesma classe pertencem outros iraços da
pregação musical dos capuchinhos. A s objeções mais marcantes são a da superfi­
cialidade e a do “ culto da personalidade", Todas essas recriminações fazem parte
do progresso, tanto do ponto dc vista social como sob o aspecto estético especí­
fico. Nos atrativos proibidos cntrelaçam-sc a variedade do prazer dos sentidos
c .1 consciência diferenciada. A preponderância da pessoa sobre a coação coletiva
na musica proclama a relevância da liberdade subjetiva, que perpassa a música
em períodos mais tardios: por outra parte, apresenta-se como profanação aquela
superficialidade que liberta a música da opressão mágica que a escraviza. Os
aspectos censurados entram desta forma na grande música ocidental: o prazer
dos sentidos como porta dc enirada para a dimensão harmônica e finalmente
colonsiica; a pessoa livre e sem peias como portadora da expressão e da humani
zaçào da própria música; a "superficialidade" como critica da fria e muda objeti­
vidade deis formas, no sentido du decisão dc líaydn pelo "galuntc" contra o eru­
dito: evidentemente, entende se a decisão dc llaydn e não n despreocupação de
um cantor dotado de boa garganta ou dc um arranjador de mau gosto. T a is rnoti
vos emraram na grande música c foram por d a absorvidos; porém, a grande
música não foi assumida por eles. Na variedade das encantos c da expressão
comprova-se sua grandeza como força que conduz h síntese. A síntese musica!
nào somente conserva a unidade da aparência e a protege do perigo de derivar
para a tentação do “ bonvivanlismo". Em tal unidade, também, na relação dos
momentos particulares com um lodo em produção, fixa-se a imagem de uma si
tuação social na qual e só nela esses elementos particulares de felicidade
seriam mais do que mera aparência. Até o fim da pré-história, o equilíbrio musi
cal entre prazer parcial c totalidade, entre expressão e síntese, entre superficial
e profundo permanece tão precário quanto os momentos de equilíbrio entre a
oferta c a procura na economia burguesa. A “ Flauta Mágica", na qual a utopia
da emancipação e o aspecto de prazer e entretçnimento coincidem exatameme
na cançoneta do “ S in g sp ier, constitui apenas um momento em si mesmo. Após
a “ Flauta Mágica", porém, nnnea mais se conseguiu reunir música séria e música
ligeira.


' U<c e;‘r n í0i>
ÊG8 AD O RN O

Todavta. O que eníão se emancipa da lei formal não são mais impulsos pro­
dutivos uue sc opoem às convenções. O encanto, a subjetividade e a profanação
— os velhos adversários da alienação coisificantc sucumbem prectsamenie
a ela. Ü i tradicionais fermentes anti mitológicos da música conjuram. na era do
capitalismo, corura a liberdade, contra esta mesma liberdade que havia Sido ou
trora a causa de sua proibição, devido as afinidades que os uniam a ela. O s porta
bandeiras da oposição ao esquema autoritário sc transformaram em testemunhas
da autoridade ditatorial do sucesso comercial. O prazer do momento e da Tachada
de variedade transforma-se em pretexto para desobrigar o ouvinte dc pensar no
todo. cuia exigência está incluída na audição adequada, e justa: sem grande oposi­
ção, 0 Ouvinte sc converte em simples comprador c consumidor passivo. O s mo
mentos parciais já não exercem função critica em relação ao todo pré fabricado,
mas suspendem a critica que a autentica globalidade estética exerce em relação
aos males, da sociedade, A unidade sintética e sacrificada aos momentos parciais,
que já não produzem nenhum outro momento próprio a não ser us codificados,
e mostram-se condescendentes a estes últimos. Os momentos dc encantamento
demonstram-sc irrcconciíiávds com a constituição imanente da obra de arte. e
esta última sucumba àqueles toda vez que a obra artística tenta elevfi.r-.se para
a transcendência. Os referidos momentos isolados de encantamento não sào re­
prováveis em si mesmos» mas tão-somente na medida em que cegam a vista. Colo
cam-se a serviço do sucesso, renunciam ao impulso insubordinado e rebelde que
lhes era próprio» conjurintt-sc para aprovar c sancionar tudo n que um momento
isolado c capa? dc oferecer a um indivíduo isolado, que lia muito lim po já deixou
complciamcme de existir. Os momentos dc encanto o dc prazer, ao se isolarem,
embotam o espirito, Quem a eles sc entrega c tão pérfido quanto os amigos noéti
COs cm $eus ataques ao prazer sensual dos orientais. A força dc sedução do en
carteo c do prazer sobrevive somente onde ns forças de renúncia são maiores,
o o seja: na dissonância, que nega le t fraude da harmonia existente. O próprio
conceito dc ascética é dialéuco na musica. Se em outros tempos a ascesc derrotou
as exigências estéticas reacionárias. nos dias tfuç «correm ela se transformou cm
característica c bandeira dri arte avançada. Obviumema tal não acontece em vir
tude de sua deficiência arcaizaníe de meios, na qual a miséria e a pobre? a sào
enaltecidas, mas antes por rigorosa exclusão de tudo o que é culirtariumenic gos­
toso e que deseja ser consumido de imediato, como sc na arte os valores dos
sentidos nào fossem portadores doa valores do espírito, que somente se revela
c so degusta no todo» c nào em momentos isolados du matéria artística. A arxc
considera negativa prccisametuc aquela possibilidade de felicidade, à qual se con­
trapõe hoje a antecipação apenas parcial e positiva q& felicidade. Toda tfrte ligeira
e agradável tomou-se mera aparência e ilusão: o que se nos antolhu esteticamente
em categorias de prazer jã não podt icr degustadpr; a proiuessv (tu honheur —
foi assim que uma ve? se definiu :t arte — já nào se encontra cm lugar algum,
a não ser onde a pessoa lira a máscara da falsa felicidade. O prazer só tem lugar
ainda onde ha presença im ediato, tangível, corporal. Ondu carece de aparência
estética é ele mesmo fictício e aparente segundo crírérios estéticos e engana ac
O FETÍCHISMO NA MÚSICA 169

mesmo tempo 0 consumidor acerca da sua natureza. Somente se mantém Tideli


dade â possibilidade Uo prazer onde cessa a mera. aparência.
A nova etapa da consciência musica! das massas sc define pda negarão
t rejeição da prazer no próprio prazer. Assemelha se tal fenômeno aos comporta­
mentos que as pessoas soem manter face ao esporte ou à propaganda. A expressão
"prazer artístico” ou Agosto artístico" assumiram um significado curioso e có
mico. A música ckr Schoenberg. Lão diferente das canções de sucesso, apresenta
cm todo caso uma analogia com elas: não é degustada, não pode ser desfrutada.
Quem ainda se deliciasse com os bdOs trechos de um quarteto de Schubert ou
com um provocantemente sadio ‘‘concerto grosso'5 de Haendel seria catalogado
como ura defensor suspeito da cultura. Hem abaixo dos colecionadores de borbo
Ictas. O que o cataloga nesta categoria de amadores não é o “novo” . O fascínio
da canção da moda, do que é melodioso, c de codas as variantes da banalidade,
exerce a sua influência desde o período inicial da burguesia. Em outros tempos
este fascínio atacou o privilégio cultural das camadas sociais dominantes. Hoje.
contudo, quando este poder da banalidade se estendeu a ioda a sociedade, sua
função sc modificou. A modificação de função atinge todos os tipos de musica
Não somente a ligeirn reino cm que o poder da banalidade se farsa notar
comodamente como simplesmente “ gradual” com respeito aos meios mecânicos
de difusão. A unidade c harmonia das esferas musicais separadas deve ser repcn
sada e recomposta. A sua separação estática, tal como a defendem e promovem
ocasional mente alguns conservadores da cultura antiquada, è ilusória - etn*
gou-se a atribuir ac totalitarismo dó rádio a tarefa de, por um lado, propiciar
entretenimento c distração aos ouvintes, e por outro, a de incentivar e promover
os chamados valores culturais, como se ainda pudesse haver bom entretenimento
e como se os bens da cultura não se transformassem cm algo de mau, precisa
mente cm virtude do modo de eu luva los. Assim, como a música série, desde Mc-
zart, tem a sua história na fuga du banalidade c como aspecto negativo reflete
os traços da música ligeira, da mesma forma presta d a hoje cm dia testemunho,
nos seu?» representantes mais credenciados, de sombrias experiências, que se prefi
guram. carregadas de pressentimentos, na despreocupada simplicidade da música
ligeira. Inversamente seria igualmcnte cômodo ocultar a separação c a ruptura
entre as duas esferas e supor uma continuidade, que pcrmiliria â formação pro­
gressiva passar sem perigo dó jazz e das canções de sucesso aos genuínos valores
da cultura. A barbárie cínica de forma alguma é preferível a fraude cultural, ü
que alcança, quanto à desilusão do superior, é por ela compensado através das
ideologias dc originalidade e vinciilaçàn com o natural, mediante as quais transfi­
gura o mundo musical inferior: urn Submundo que já não ajuda, por exemplo,
na contradição dos excluídos da cultura, mas limita se a se alimentar com o que
lhe c dado dc cima, A ilusória convicção da superioridade da música ligeira cm
relação à séria iem como fundamento precisa mente essa passividade das massas,
que colocam o consumo da música
.i
ligeira cm oposição às necessidades objetivas
daqueles que a conso m em . E habitual alegar, a este proposito, que as pessoas
na realidade apreciam a musica Eigeírq, c só tomam conhecimento da música
l“0 ADORNO

séria por motivos de prestígio social, ao passo que o conhecimento dc um único


texto de canção Je sucesso è suficiente para revelar que função pode desempenhar
o que é lealmoite aceito e aprovado. Fm consequência, a unidade de ambas as
esferas da música resulta de uma contradição nau resolvida, \mbas não sc rela
eiunam entre si como sc a inferior constituísse uma espécie de propedêutica popu
Iut para a superior, ou como &e a superior pudesse haurir da inferior a sua perdida
força coletiva. Não è possível es partir da mera soma das duas metades seçeiona-
das. formar o todo, mas em cada uma delas aparecem, ainda que em perspectiva,
as modificações do tndo. qut ,?ó se move em constante contradição. Se a fuga
da banalidade sc tomasse definitiva. reduzir-se-ia a zero a possibilidade de venda
c de consumo da produção seria, em consequência de suas demandas objetivas
inerentes, e a padronização dos sucessos se efetua mais abaixo, de mudo a nâo
aitngir de maneira alguma o sucesso de estilo antigo, admitindo somente a mera
participação f ntre a incompreensibilidade e a inevitabilidade não existe meio-
termo possível: a situação polarizo l i -se em extremos que na realidade acabam
por tocar se. Cntre eles i;i não há espaço algum para o “indivíduo'. cuias exigên­
cias — onde ainda eventual mente existirem — são ilusórias, ou seja, forçadas
a se amoldarem aos padrões gerais. A liquidação do indivíduo constitui o sinal
característico da nova época musical em que vivemos.
Se íts duas esfera'; da música se movem na unidade da &u& contradição recí
proca. a linha de demarcação que as separa ê variável, A produção musical avan
çada se independentizou do consumo. O resto dn música seria é submelido ã
lei do consumo pelo preço do sen contendo. Ouve se tal música scrín como sc
consome uma mercadoria adquirida no mercado, Carecem LOtalm&Ue de sig.nili
cada real tix distinções entre a audição da música "clássica’1 oficial e da música
ligeira. Os dois tipo* dc música são manipulados exclusiva mente h base das chan
ces de venda: deve sc assegurar ao lã das músicas <lc sucesso que os seus ídolos
não súo cxccssivamcnte elevado* para cie. Quanto mais premeditada mente os or
ganismos dirigentes plantam cercas dc arame farpado para separar as duas esferas
da música, tanto maior í- n suspeita de que sent Lues separações os Clientes nfio
poderíam entender se com facilidade. Tanto Toscanini como o chefe de uma
"bandinhn" qualquer são denominados '‘ maestros**, embora neste último caso
com urna certa poma dc ironia, Uma certa música famosa - "Mu&ic. maestro,
p kú se" - obteve evito impressionante ímediaianiente depois que foscanini foi
condecorado pela opinião pública, com a cobertura dn rádio. O reino daquela
vida musical que se estende pacifica metí iv desde as organizações de compositores
como Irving Beríin c Walter Domildson (lhe teorlds besi compüstr — o melhor
Compositor do mundo), passando pnr Gershw in. Sibelius e Tühatkóvski, Lite a
Sinfonia tnt Si Menor denominada Inacabada, c dominado por fcitches, O princí
pio do "estrelato" tomou-sc tornlitário As reações dos ouvintes parecem Jcsvin
culúi sc da relação com o consumo da música e dirigir-se direta mente ao sucesso
acumulado, o qual, por sua ve/., nào pode ser suficicntemenic explicado pela cs
pomanctdade da audição mas. umes, parece comandado pelos editores, magnatas
do cinema c senhores do rádio. A s "estrelas" não são apenas os nomes célebres
O FETICHISM O NA M ÚSICA 171

de determinadas pessoas. As próprias produções já começam a assumir esta Ueno


nainação. Vai-se construindo um verdadeiro panteão de besi sefters. Os programas
vão-se encolhendo, e este processo de encolhimento vai separando não somente
o que c mediâitammie bom. o bom como termo médio de qualidade, mas os
próprios clássicos comumente aceitos são submetidos a uma seleção que nada
tem a ver com a qualidade. Nos Estados Unidos, a Quarta Sinfanta de feeeihovcn
já se perde entre as autênticas raridades, Esta seleção perpetua-se e termina num
círculo vicioso fatal: o mais conhecido c o mais famoso, e tem mais sucesso.
Consequentemente, e gravado e ouvido sempre mais. e com isto se toma cada
vez mais conhecido. A própria escolha das produções-padrão orienta se pela *foli
c á c iif em termos dc critérios de valor e sucesso que regem a música ligeira ou
permitem ;io maestro de orquestra fumoso exercer fascínio sobre os ouvintes de
acordo com o programa: os crcscemto Ja Sétima Sinfonia de tíeethoven são colo
OítÜOi no mesmo plano do indizívd solo de trompa do movimento lento da Quirttu
Si/ijGfuu de ['chaikóvski. Melodia si unifica aqui o mesmo qtic melodia no regis
tro médio agudo com Mmclria Jc oito compassos. Esta è registrada como um
“achado do compositor, que se acredita poder levar pura casa como uma coisa
eonsprada, da meu mu forma como e atribuída ao compositor como sua proprie
dade legal. O conceito de "achado" é precisam ente inadequado para a música
considerada classica. O seu material temático, o mais das vezes tríades desagrega­
das- de modo algum pertence ao autor ua forma cspecílicá cm que cabe. por
exemplo, no romântico. A grandeza de Ecctlioven se .n-alia pdn subordinação
total do demento melódico casual c isoíru.in ao conjunto formal da obra Isto
iuuj impede que toda a música, mesmo Bíidi que tomou dc empréstimo alguns
dos mais relevantes temas do seu Cravo Hem Temperado . seja compreendida
sob a categoria de ‘“achados” e se vigiem com o máximo xclü üh plágios musicais,
de sorte que atinai de contas um comentarista musical pode justificar seu êxito
com o tiuifo dc “ detetive" dc melodias. 0 campo que o fetiehisrno musical mais
domina ê o du valorização pública dada ys vozes dos cantores, O atrativo excr-
cido por ç.stcs últimos é tradicional, bem como r> i- n vineulação estreita do su
■cesso com a pessoa do cantor dotado dc bom “matéria]". Entretanto nos dias
dc hoje. esqueceu-se que a voz c apemis um demento material. Ter boa voz e ser
cantor suo hoje exprçssOcs sinônimas para o vulgar apreciador materialista da
muxica Em outros tempos exig.m sc dos ases do canto, dos “'çastrati^c das prima
donas. tu> mínimo, alto virtuosismo técnico. Agora exalta, se o material em si
mesmo, destituído dc qualquer lunçao. I ! inútil perguntar pela capacidade dc ex
petição pu ram ente musical Nem sequer se espera que o cantor domine mccanica
mciuc us recursos técnicos. Requer SC tàü somente que a sua vo? seja particular
mente potente ou aguda para legitimar o renome de seu dono. Quem. não obstante
essas convicções, quiser se atrever h pôr cm dúvida mesmo que numa convcr
sação privada a impõnâneta decisiva da voz c externe a uptniãu de que com
uma voz modesta se pode produzir música tão boa quanto a que sc pode tocar
cm um piano dc sonoridade modesta, deparará de imediato com uma situação
de inimizade e hostilidade que a feri vam ente reveste-se dc muito maior írpporiân
172 ADORNO

eia que <5 próprio motivo da discussau. A s vozes dos cantores constituem bens
sagfados de valor igual ;\ uma m arca de fabricação n a cio n a l. Com o se as vozes
quisessem vingar-sc disto, já começam a perder o encantamento dos sentidos em
cujo nome são tratadas. Na maioria dos casos, soam como imitações dos arrrvis
tas. mesmo quando elas mesmas são anivistas. Todo este processo cu lm in a aber
tamente no absurdo do culto que se presta aos grandes mestres do violino. Cai-se
proatamente em estado <fe êxtase diante do belíssima som convenientemente
anunciado pela propaganda de um SlradiVárius ou de um Am ati: no entanto,
só podem ser disítnguãdos de um violino moderno razoavelmente bom por um
ouvido especialiiíidu, esquecendo se de prestar atenção à composição ou à execu
çào. da qud sempre sc podería ainda Lirar aipo de valor. Quanto mais progride
a moderna técnica dc fabricação de violinos, tanto maior é o valor que se atribui
;u?.s instrumentos antigos. De vez que os atrativos dos sentidos, da voz e do instru
mento são fetiçihizados c destituídos de suas funções únicas que lhes poderíam
conferir sentido, cm idêntico isolamento lhe*, respondem — iguaimente distancia­
das e alheias ao significado do conjunto c igual mente determinadas pelas lei*-
do sucesso — as emoções cegas e irracionais, como as relações com a música,
na qual em ram carentes de relação. Na realidade, as relações suo :vs mesmas
que sc verificam entre as músicas dc sucesso e os sçys consumidores. Parcce-lhcs
próximo o totalmcnte estranho: Lio estranho, alienado da consciência das massas
por um espesso véu. como alguém que lenta falar nos mudos, Se estes porventura
ainda reagirem, já não lará diferença alguma se se truta da Sétima Síufottia ou
do short de battbu.
O conceito de fetichismo musical não sc pode deduzir por meios purameme
psicológicos, O faro de que "valores’* sejam consumidos c atraiam os afetos sobre
si. sem que suas qualidades específicas sejam sequer compreendidas ou apreendí
das pelo consumidor, constitui uma evidência da suo característica de mercado
ria. Com efeito, a música atual, na sua totalidade, c dominada pela característica
dc mercadoria: os últimos resíduos pre capitalistas foram eliminados. A música,
com todos os atributos do cièreo e do sublime que lhes são outorgados com libera
lidnde, ê utilizada sobretudo nos Estados U nidos.com o instrumento pftra a propa
parida comercial de mercadorias que é preciso comprar pura poder ouvir músicu.
Se é verdade que a função propagandislica è cuidadosamente ofuscada cm sc
tratando dc música seria, no âmbito da música ligeira tal função sc impõe Cm
toda parte. Todf» o movimento do jazz, çum a distribuição grátis das partituras
ás diversas orquestras, está orientado no sentido dc a execução ser usada como
instrumento de propaganda para a compra dc discos c dc reduções pata piano
Inúmcros são os textos de músicas de sucesso que enaltecem a própria canção,
cujo título repetem cortsianiemertte em maiusculas. O que transparece em tais
Letreiros monstruosos è o vafoT de troca, no qual o qtumtum do prazer possível
desapareceu. Marx descreve o caráter feridhism da mercadoria como a veneração
do que é auto fabrica do, o qual, por sua vez, na qualidade de valor de troca sc
aliena tanto do produtor corno do consumidor, ou seja. do “homem ". Escreve
Míirx: kfcO mistério da forma mercadoria consiste simplesmente no seguinte: ela
O FETICHISM O NA M ÚSICA m

devolve aos homens, como um espelho, os caracteres sociais do seu próprio traba
Iho como caracteres dos próprios produtos do trabalho, como propriedades natu­
rais e sociais dessas coisas; em consequência, a forma mercadoria reflete também
a relaçàc social dos produtores com o trabalho global como uma relação social
de objetas existente fora deles” . 5 Este é o verdadeiro segredo do sucesso. É o
mero reflexo daquilo que se paga no mercado pelo produto: a rigor, o consumidor
idolatra o dinheiro que cle mesmo gastou pela entrada num concerto de T o sc a -
nini. O consumidor ‘'fabricou' tilcralmcnle o sucesso, que ele coisifiea e aceita
corno critério objetivo, porém sem se reconhecer nele. “Fabricou” o sucesso, não
porque o concerto lhe agradou, mas por ter comprado a entrada. É óbvio que
no setor dos bens da cultura o valor de troca se impõe de maneira peculiar. Com
eleito, tal setor se apresenta no mundo das mercadorias precisamente como ex
cluido do poder da troca, como um setor de imediatidade em relação aos bens.
c c cxclusivamente a esia aparência que os bens da cu ltu ra devem o seu valor
de troca. Ao mesmo tempo, contudo, fazem parte do mundo da mercadoria, são
preparados para o mercado c sàa governados segundo os critérios deste mercado,
A aparência de proximidade c imediatidade é tão fcal quiãnto é inexorável
a pressão do valor de troca. A aceitação e o acordo social harmonizam a contra­
dição. A aparência de imediatidade apodcra-sc do que na realidade não passa
de um objeto de mediação do próprio valor de troca. Se a mercadoria se compõe
sempre do valor de troca e do valor de uso, o mero valor dc uso aparência
ilusória, que os bens da cultura devem conservar, na sociedade capitalista —
é substituído pelo mero valor dc troca, o qual. prccisamcntc enquanto valor dc
iroca, assume ficticiamente a função de valui dc uso. Ú neste tiiiiproquó especifico
que consiste o específico caráter lêtiçhista da música: os efeitos que se dirigem
para o valor de troca criam a aparência do imediato, c a falta dc relação com
o objeto ao mesmo tempo desmente tai aparência. lisLa carência dc relação ba
seia se no caráter abstraio do valor de troca. D c tal processo dc substituição
social depende ioda a satisfação substitutiva, toda a posterior substituição “ psico­
lógica".
A modificação dn função d.n música atinge os próprios fundamentos da rela
çào entre arte c socicdudc. Quamo mais inexoravelmente o principio do valor
dc troca subtrai aos homens os valores dc uso. tanto mais impeneiravdmenlc
sc mascara o próprio valor de iroca como obieto de prazer. Tem se perguntado
qual seria o fator que ainda mantem coesa a sociedade da mercadoria (e con
sumo). Para elucidar tal fato pode contribuir aquela transferência do valor de
uso dos bens de consumo para o seu valor dc troca dentro de uma constituição
global, na qual, fimalmeme, todo prazer quc.se emancipa do valor dc troca assume
traços subversivos. O aparecimento do valor de troca nas mercadorias assumiu
uma função específica de coesão. A mulher que possui dinheiro para as compras,
delicia-se no ato mesmo de fazer compras, Having a good time (“ Passar momen
tos agradáveis”) significa, na linguagem convencional americana, participar do

J D ü .t h n j H i a f , €<líç;kO V ii 91a B v r lim , 1932. («m in I . p. 177.


174 ADORNO

divertim ento dos outros, divertim ento que, a seu turno. tem com o único objeto
e m otivo o p articip ar. A religião do autom óvel fife com q ue. no mom ento sa c rr
m ental, todos os hom ens se sintam irm ão s ao som tias palavras ‘'este é um Ralis.
R o v c e . P o r outra pnrte, para m uitas m ulheres, as situações de intim idad e, em
que tratam dos cabelos c fazem a rnaquilagem . são m ais ag rad áveis do que as
situ a çõ e s dc intim idad e la.m íkar c conjug al para as q uais se destinam o penteado
e a m aqnitagem , A relaçã o com o que é destituído de relação trai a 5 tia natureza
so e i 5,1 n a obediência. T u d o se m ovim enta e se luz segundo 0 mesmo cornando;
o ca sa l de. autom óvel, que passa o tempo a id entificar ca d a ca rro com que cru za
c a alegrar-se quando possui a m a rca e n m odelo maus recentes- a m oça cujo
único p razer consiste em obser%rar que ela e o seu parceiro “ sejam elegantes":
o “ju íz o crítico ” do entusiasta do jazz. que sc legitim a pelo Fato de estai ao cor­
rente do que é m oda inevitável. D ia n te dos caprichos teológicos das m ercad o rias,
OS consum id ores se transform am em escravo s d ó ce is, o s que cm setor algum se
sujeitam a outros, neste setor conseguem a b d ica r dc sua vontade, deixando-se
engana r totalm cnte.
Tanto no adorador feitichista dos bens- dc consumo como no dc “ caráter
sadümasoquistü“ c 110 ciienlc da arte dc massas de nosso tempo, verifica $£ o
mesmo fenômeno, sob aspectos diversos. A masoquista cultura de mascas consti­
tui a manifestação necessária da própria produção onipotente A ocupação efetiva
do valor dc troca não constitui nenhuma iransubstunciação mística. Corresponde
ao comportamento do prisioneiro que ama a sua cela porque não lhe c permitido
amar outra coisa. A renúncia ã individualidade que se amolda a regularidade
rotmeira daquilo que tem sucesso, bem epifid o fazer o que iodos fazem, se­
guem se do íaLO básico de que a produção padronizada dos bens de consumo
oferece pratica mente o*, mesmos produtos 11 todo cidadão. Per outra parte, à ne
cussidadc. imposta pilas Ids do mercado, de ocultar tal equação conduz à moni
pulaçãç úi> gosio c ú aparência individual da cultura oficial, a qual forçosa mente
aumenta na proporção em que se agigania o processo dc liquidação do indivíduo.
Tam bcm no âmbito da wpereslrutura. : l aparência nao é apenas o ocultamerno
da essência, mas resulta impcriosamcntc da própria essência. A iguâJdúdc dos
produtos oferecidos, que todos devem aceitar, mascara-se no rigor de um estilo
que se proclama unNcrsalmcnie obrigatório; a ficçào da rdnção dc olcrta c pro
cura perpetua âç nas nuança* pseudo individuais. Se coniestamos a validade do
go$Lc nu situação atual, è muite fácil compreender do que se compõe na verdade
c&ttí gosto, sm taj situação. A adaptação à lei comum c mcionahncntu apresentada
como disciplina, rejeição da arbitrariedade c da anarquia: a*.sim como c encarna
mento musical, pereceu também a noética musical, que tem sua paródia nos tem
pos dos compassos rigidamente contados. A isto uno se comptcmeniarmême a,
diferenciação casual no contexto estrito do quê é oferecido e preceituado. Entre
tanto, se o indivíduo liquidado acciLa rctiLineiUc e com paixão a exteriondade
consumada tias convenções coma critério, deve s í dizer que a épocu áurea do
gosto irrompeu num momento cm que não há mais gosto algum.
As obras que sucumbem ao fetichísm» e se transformam em bens da cultura
O F E T IC I1ISMO NA M ÚSICA 175

sofrem, mediante este processo, alterações constitutivas. Tornam-se d epravad as.


O consumo, destituído de relação, faz com que se corrompam. Isto. não somente
no sentido de que as poucas qoe são sempre de novo tocadas ou cantadas se
desgastam como a Madona da capela Sisíinu, que comum ente è colocada no
quarto de dormir. O processo de eoisificação atinou a sua própria estrutura in
tema. Tais obra* transformam-se cm um conglomerado de idéias, dc "‘ achados1',
que são ineulcados aos ouvintes através dç amplificações e repetições contínuas,
sem que a organização do conjunto possa exercer a mínima influência contrária.
O valor dc recordação das partes dissociadas possui na própria grande musica
uma forma prévia ou ãúlecjpada nas técnicas de composição do romantismo tar
dio. sobretudo na wagneriana. Quanto mais eoisíficada for a música, tanto mais
romântica soará aos ouvidos alienados. É precisameme através disto que lal mú­
sica se torna “ propriedade*1. Unia sinfonia dc Reethoven. executada c ouvida, en­
quanto totalidade, espontaneamente, jamais podería tornar se propriedade de a l­
guém. A pessoa que no metrõ assobia triunfulmeruc o tema do último movimento
da Primeira Sinfonia dc Brahtns. na realidade relaciona se apenas com suas m i­
nas. Contudo, tanto quanto a decadência do fctiche representa um perigo para
o próprio fctiche, aproximando-o das músicas de sucesso, também produz uma
tendência contrária, no intuito de conservar o seu caráter fetichista Se .n romíinti
xação do indivíduo sc alimenta com o corpo da totalidade, o ameaçado vê sc
recoberto dc cobre, por galvanização. A ampliação, que precisamente sublinha
as panes coisificadas, assume o caráter dc um ritual mágico, no qual são csconju
nados, por quem reproduz, todos OS mistérios d:i personalidade, intimidade, inspi­
ração e espontaneidade, que desapareceram da própria obra, Precisa mente porque
a obra dos momentos, em decadência, renuncia a sua espontaneidade, tais mo­
mentos lhe sáu injetados dc fora, tão estereotipados quanto as idéias criadoras.
A despeito de todo o falatório sobre a “nova objetividade” , a lunção essencial
das representações ou execuções musicais conformistas não c muis a representa
çdo <fa obra "pura'” mas a apresentação da obra depravada com um enorme apa
rato que procura, enfática e impotentememe, afastar dela a dcpravaçâo.
Dcpravaçáo c redução ã magia, irmã1- inimigas, coabilam nos “ arranjos**.
que passaram a dominar perman.-ntemente vastos- setores da música. A prática
dos arranjos estendeu se e amplia se continuam ente nas mais diversas dimensões.
Primeiramente apodera se do tempo, Separa manifestam eme os "achados" {idéias
criadoras), çoísificados c os arranca do seu contexto original, nioúlando-os num
pot pauni. Dilacera a unidade poíiédriea de obras inteiras e apresenta apenas
frases ou movimentos isolados t conjugados, juntados anilieialm entc: o minuetn
da Sinfonia em M i Bemol Maior de Mozart, executado isoladamente, perde seu
caráter dc necessidade dentro du harm üim sinfônica e se transforma, nas mãos
dc quem o executa, ein uma peça comum, que se assemelha mais à Gavoia de
Stcpbanie do que àquele tipo dc classicisnao de que faz propaganda e para a
qual tenta ganhar adeptos, Em segundo lugar, a técnica do arranjo se converte
no principio da colorí.siica. Os novos fazedores de musica fazem arranjos com
toda música J<- que possam apoderar-se, a nào ser que algum interprete famoso
176 AD O R N O

us proíba, Se rio CíünpQ da música ligeira os arranjador^ suo us únicos músicos


dotados de alguma formação, isto só pode levá-los a se sentirem vocacionados
e manipular os bens da cultura com muito maior desenvoltura. Invocam toda
espécie de motivos pars justificar os arranjos. No caso de grandes obras orquCS
tradíisu a lega tu que os arranjos contribuem para a barateamento da execução;
ou então, afirmam que os compositores têm uma técnica de instrumentação im ­
perfeita. Nu realidade, essas razões são Lamentáveis pretextos, O argumento do
barateamento, que do ponto de vista estético se julga c se condena a si mesmo,
é anulado praticamenit: à constatação da riqueza de instrumentação dc que dis­
põem precisamente aqueles qne mais propaganda fazem do arranjo. Q argumento
anula se igual mente porque, com muita freqíiênçia. da qual são exemplo os Heder
para piano transcritos depois paru Orquestra, os arranjos acabam tendo ClíStO
substancial maior que uma interpretação da versão originai da obra. Além disso,
a convicção de que a música mais amiga necessita de um toque coloristico rcrK>
va dor supõe que a relação cor— desenho ê esporádica neste tipo de música, o
que trai um desconhecimento brutal do classicism o vienense ç de um compositor
como Schuben. objeto predileto dos arranjadores, Admitamos que a descoberta
verdadeira e própria da dimensão colóristien se deu na época de Berlioz e de
Wagner. tim que pêsc tal constatação, a sobriedade eolorística de Haydn ou de
Beeth-civen tem uma profundíssima rdnçâo com á preponderância do princípio
construtivo sobre os elementos melódicos individuais e isolados, que ressaltariam
em cores brilhantes a partir da unidade dinâmica do conjunto. Prccbam cntc em
razão dc tal sobriedade, â& terças do fagote HO início da abertura do terceiro íUo
de Leonora, üu a cadência do oboé nu repetição da primeira frase da Quinta Sin
foniü adquirem uma imponência que se pérderia inexoravelmente se houvesse
í ronde riqueza de vozes ç instrumentos. F a cc ao que vimos dizendo, ê imperioso
aceitar que a prática dos arranjos musicais sc tem imposto cm virtude dc motivos
s u i gençrís. Antes de mais nada. o objetivo visado é tomar assimilável a grande
música distílutc do homem, que sempre possui traços d i Caráter público, não p ri­
vado O I«Ornem de negócios, que volta para casa exausto-, consegue digerir c
mc fazer amizade com os clássicos “ arranjados", I rata-se de um impulso s-eme
Ibume àquele qué obrtga os disejóqueis do rádio a imiscuir-se corno tios e tias
nas festas familiares dos seus ouvintes &fingir que se interessam pelos seus proble
mas. O processo dc cüisificaçào radical produz a sua própria aparência dc ime
diatidade e intimidade, hiversamente. a dimensão do intimo, precisa mente por
ser excexsivamenn- sóbrio, e exagerada e explorada petos "arranjos” , e colorida.
Os momentos Je encantamento dos sentidos, que resultam das unidades boiada#
t decompostas, sâo em si mesmos — pelo feio de serem apenas momentos separa
dos do conjunto - demisiadamentc fracos para produzir o encantamento dos
sentidos que deles se exige, e para cumprir os requisitos publicitários que lhes são
impostos. O embelezamento artificial e a exaltação do individual fazem desapa­
r e c e r os traços de protesto que estavam traçados na limitação do individual a si

próprio e frente aos negócios, da mesma forma como na imunização do que é


grande sc perde a contemplação da EüLalidadc, na qual encontrava o seu limite
O F E T IC H IS M O NA M USICA 177

a má i medi a tida de na grande música, Ao invés disso, forma se um falso equilí­


brio, o qual a cada passo se evidencia falso. por contradíz.çr o material. A Sere­
nata de S c h u W ' ao som compassado da combinação de cordas e piano, com
a estúpida superaccniuaçào dos compassos intermediários irnitativos, toma-sc tão
absurda como sc tivesse surgido no D r d m a e ú e r lh a u s . Igualmente ridículo se apre
senta o Prcislied dos Mestres Cantores, quando executado por unia simples or­
questra de cordas. Na monocromta. perde objetivamente :i articulação que lhe
dá plasticidade na partitura original Jc Wagner. Entretanto, precisamente por
esse motivo, se toma plástico para o ouvinte que não mais necessita compor o
corpo da canção com diferentes cores, mas pode abandonar-se tranquilamente
ao som (ia melodia dominante, única e ininterrupta. N êsic exemplo torna-se pal­
pável o antagonismo, cm relação aos ouvintes, no qual sucumbem hoje. cm dia
as obras consideradas c lá s s ic a s . Todavia, pode sc presumir que o segredo ou a
razão mais obscura da téerttca do ■'arranjo” reside na tendência ou instinto de
não deixar nada tal como ê. e manipular tudo com que topar peb frente. Tal
tendência toma-se tanto mais forte quanto maior é a estabilidade do existente.
A ditadura social total confirma o seu poder e a sua glória pelo selo que é im
presso cm tudo quanto cai na engrenagem dc seu maquinismo. Contudo. esta
afirmação ó ao mesmo tempo destrutiva. Os ouvintes de hoje teriarn o máximo
prazer ern destruir o que os montem cm atitude dc respeito cego. e sua pseudo-a ti
vidade já se encontra prefigurada c recomendado do lado da produção.
A prática dos arranjos provém da música de saião. É a prática do entreteni
mento devado, que luma emprestada a exigência dc nívd c qualidade dos bens dít
cultura, porém transforma-os em objetos de entretenimento do tipo das músicas
de sucesso. T al entretenimento, que cm outras épocas se limitava a acompanhar o
murmúrio ou tartamudeio da voz humana, difunde se hoje cm L(jdí> O campo &â
vida musical, que ninguém rnnts leva a serio, e a verdadeira musica desaparece
sempre mais, não obstante lodo o falniário em torno da cultura. Na prática, há
apenas duas alternativas n escolher: ou entrar docilmente na engrenagem do
maquinismo mesmo que apenas diante do alto-falante no sábado à tarde —■,ou
aceitar essa pornografia musicul que é fabricada paru satisfazer ás supostas OU
reais necessidades das massas. A falta de compromisso v o caráter ilusório dos
objetos do emreienimento elevado ditam a distração dos ouvintes. Para cúmulo
dos males, tem-se ainda a ousadia dc manter a consciência tranquila, alegando
que se oferece aos ouvintes uma mercadoria de primeira qualidade; a quem obje­
tar que se trata de mercadoria embolo rada. replica sc cm seguida que é exala
mente isto que os ouvintes desejam. Tal réplica podería ser refutada não por diag
nós tico realista do estado dos ouvimos, mas somente analisando o processo em
sua totalidade, que consiste em diabolicamente levar os consumidores a concorda
Ftm com os critérios ditados pelos produtores. Entretanto o processo de
feticbizaçio invade até mesmo a música supostamente seria, que mobiliza
u pútfios da distância contra o entretenimento elevado. A pureza do servi­
ço prestado uos genuínos interesses da arte, com a qual apresenta as suas
produçóès. evidencia se frequentemente tão hostil ao entretenimento elevado
17K ADORNO

como a depravação e o arranjo. O ideal oficial da interpretação. que predomina


cm toda parte na csL-dxa do trabalho extraordinário de Toseanini. ajuda a sancio­
nar u t t j estado de coisas que — para usar urna expressão de Eduard Sleucrmann
pode-se denominar ‘ barbárie cia perfeição", inquestionavelmente, aqui não
mais sào fetichizgdos os nomes das obras famosas* embora as não famosas, que
chegam a ocupar um lugar nos programas de concertos, praticamente façam apa
recer como desejável a limitação ao pequeno numero das outras. Certamente
aqui não se esmagam com os pés os momentos da invenção criadora, nem se
depuram os contrastes, a fim de exercer o fascínio. Reina aqui uma disciplina
férrea. Preeisamente férrea. O novo felicite, neste caso. è o aparato como tal,
imponente e brilhante, que funciona sem falha c sem lacunas, no qual todas as
rodas engrenam umas nus outras com títilLu pErfCiçáò c exatidão, que jã rtào resta
a mínima fenda paru u captação do sentido do todo. A interpretação perluita
e sem defeito, característica do novo estilo. conserva u obra a expensas do preço
da sua eoisifkaçào definitiva. A prosem a-a c o i b o algo jâ prumo e acabado desde
as primeiras notas a execução soa exatn mento como sc Ibssc sua própria grava
ção no disco, A dinâmica é de tal forma predisposta e pré fabricada, que não
deixa espaço algum para tensões. A s resistências do material sonoro são elimina
das tão impiedosa mente no ato d» produção do som. que já não há possibilidade
de atingir a síntese, a ítuioproduçáü da obra. que constitui o significado e a carac-
tcrístícfl de cada uma das sinfonias de Buethovcn, Para que. ainda, o cslbrço c
o empenho sinfônico, sc o material já fui digerido c triturado, a ponto de lürniir
supérfluo e inútil tal trabalho? A fivaçàti conservadora da obra leva á sua destrui
ção. visto que y sua unidade se realiza apenas, precisam ente. na espontaneidade,
que é .sacrificada pela fixação. O último fctlchfemu. que domina a própria obra.
sufoca id espontaneidade: a adequação absoluta da aparência ü obra desmente
esui última a luz com que esta desapareça com indiferença atrás do aparato, da
mesma forma que certo.', pantanais süo secados por equipes dc trabalhadores ape­
nas para empregar mão de obra, e naô em razão da sua utilidade. Não ç em vão
que o domínio dos novos maestros lembra o poderio de um governante totalitário.
Assim eornu este. o maesim reduz o nimbo dc gloria e a organização ao mesmo
denominador comum, É ele o verdadeiro tipo moderno do antigo virtuoso: como
bmàleader ou a frente dc uma filarmônica, O xeu virtuosismo atingiu uma tal
perfeição que d e mesmo já não necessita fazer nada; a equipe de maestros subsii
Lutos dispoisa-o dc ler u partitura musical nos ensaios. O moderno maestro cria
normas c individualiza ao mesmo tempo; a normalização è creditada à .sua perso
rmliüudc, c os artifícios individuais que peneira repetem ti penas máximas gerais.
O caráter fetichistíi do maestro é ao mesmo tempo o mais manifesto e o mais
oculto de iodos: us õbras-padrào poderíam provavelmente ser executada.-; pelas
aiuais. orquestra* -Jc virtuoses asm a mesma perfeição sem nenhum maestro c
o pública que aclam a freneticamente a Kapirllmeister *eria incapaz dc notar que
atrás do fosso que esconde a orquestra é na realidade o maestro substituto que
está atuando, cm lugar do ‘‘herói", ausente devido a uma gripe.
A consciência da grande massa dos ouvintes está em perfeita sintonia com a
0 F E T IC H IS M O N A M Ú S IC A 1.79

música fcciclii^ada Ouvt-sc a música conforme os preceitos estabelecidos pois.


cíimo é óbvio, a (ieppavação da musica não seria possível se houvesse resistência
por parle do público, se üs ouvintes ainda fossem capazes de romper, com suas
exigcncías, íls barreiras que delimitam o que ü mercado lhes oferece. Aliás, quem
eventualrnente tentasse '‘■verificar1* ou comprovar o caráter fctichisia da música
atravéíj de uma enquete sobre as relações dos ouvintes, por meio de entrevistas e
questionários, podería sofrer vexames imprevistos. Tanto na música como nas de­
mais áreas, a tensão entre substância c fenômeno, entre essência e aparência agi
gamou se em tal proporção que já ê inteira mente impossível que a aparência
chegue a ser um testemunho válido da essência.4 Ah reações inconscientes do
público, dos ouvintes, são ofuscadas com tal perfeição, a apreciação consciente
dos ouvintes é teleguiada com Lu! exclusividade pelos critérios fetíchistas domi­
nantes. que toda e qualquer resposta concorda a priori com a superfície mais
banal deste cultivo musical atacado pda teoria cuja validade precisa mente se quer
“verificar'. Basta formular a um ouvinte a pergunta mais primitiva que existe
com relação a uma obra de arte agraria lhe ou desagrada lhe? para consta
tar que entra eficazmente cm jogo lodo o mecanismo que. como se crê. podería
tornar-sc manifesto ou <er eliminado pcl.n redução a esta pergunta. Se. porém,
ainda sc tentar substituir tais condições dc averiguação, que levem em conta n
dependência real do ouvinte em relação aos ditames da máquina dirigente da
propaganda, constata se que ioda sofisticação do mêtodõ de averiguação mio só
dificultará urna interpretação objetiva dos resultados, mas icimbcm aumentará as
resistências dos OUVintcs a serem testados, acabando por f;r/.ê los insistirem ainda
mais neste upo de comportamento conformista, dentro do qual se consideram
protegidos do perigo dc aparecerem publicatnenie como sâo. Nào é possível ç.slu-
bdcccr com clareia um nexo causai, por exemplo, entre as "repercussões” das
músicas de sucesso e seus efeitos psicológicos sobre os ouvintes. Sc real mente
hoje cm dia os ouvintes não pertencem rmiis a si mesmos, isto significa lambem
que já nuo podem ser "íníluenciados” . Os pólos opostos da produção c do con
.sumo estão ntspecti v am ente subordinados entre si c nào são rociprocnmunte dc
pendentes dc modo isolado, A sua própria mediação de maneira alguma se subtrai
.•I conjeiura teórica. Basta recordar quanto sofrimento ê poupado àquele que não
tem muitas idéias c quanto mais “ de acordo com a realidade” se comporta quem
aceita a realidade como verdadeira, c até que ponto dispõe do domínio sobre
o mecanismo somente aquele que o aceita sem objeções. para que a correspondèn
cia entre a consciência dos ouvintes c a música fctichizada permaneça com
prcensívcl mcsim» quando n;1n ú possível reduzii a consciência dos ouvintes a
esta última.
No pólo oposto ao fctiçbísmo njt música opera se uma regressão da audição
Com isto nà<! nos referimos a um regresso do ouvinte individual a umu ÍÜSC (inte­
rior do próprio desenvolvimento, nem a um retrocesso do nível coletivo geral, por
que é impossível estabelecer um confronto entre os milhões de pessoas
* Cr. Vta* Horkheimtir. "Der octusitr An^iifTístilMu Meiaphv.íik1’. in J e its e k r iâ /tn ,f füozialAtrschunt;, a«t>
Vl(1937),pi>.2Sss.
180 ADORNO

que. em virtude dos meios de comunicação de massas, são hoje atingidos pcios
programas musicais e os ouvintes do passado. O que regrediu e permaneceu num
estado infanLil Foi a audição moderna. Os ouvintes perdem com a liberdade de
escolha c eorn a responsabilidade não somente a capacidade para um conhcci
mento consciente da música — que. sempre constitui prerrogativa de pequenas
grupos mas negam com pertinácia a própria possibilidade dc se chagar a um
tal conhecimento. Flutuam entre o amplo esquecimento e o repentino reconhcci
mento, que logo desaparece de novo no esquecimento. Ouvem de maneira atonuV
tiea e dissociam o que ouviram, porém desenvolvem, precisamentç na dissociação,
certas capacidades que são mais compreensíveis em Lermos de futebol e automobi
Esmo do que com os conceitos da estética tradicional. Não são infantis no sentido
de Uma cnncepção segundo a qual o novo tipo de audição surge porque certas pe?
soas. que até ngora estavam alheias à música, foram introduzidas na vida musical.
F. ioda Via são infantis: o seu primi ti vismo não e o que caracteriza os nao desen
volvidos, e sim o dos que Foram privados violenta mente da sua liberdade. M ani­
festam, sempre que lhes é permitido. O ódio reprimido daquele que tem
ã idéia de uma nutra coisa, mas a adia. para poder viver tranquilo, c por isso pre­
fere deixar morrer uma possibilidade dc algo melhor. A repressão efetua se em
relação a esta possibilidade presente: mais concretomínte-, constata-se uma regres
são quanio u possibilidade dc uma outra música, oposta a essa. Regressivo é, con
tudo. também o papel que desempenha a atual música de massas na psicologia das
suas vitimas* Esses ouvintes não somente são desviados do que é mais importante,
mas confirmados na sua n&scidade neurótica. indcpcndcnlcmcncc dc como
as. suas capacidades musicais sc comportam em relação :« cultura especifica mente
musical dc etapas sociais anteriores. A sua adesão entusiasta às músicas desuccs
so e nos bens da cultura depravados enquadra sq no mesmo quadro dc sintomas
dos rostos, dc que já não sc sabe se Ibi o filme t|ue os tirou da realidade, ou a realt
dade do filme; rostos que abrem unia boca monslruosaménie grande com dentes
brilhantes, encimada por dois olhos tristes, cansados c distraídos. Junusmcntc com
o esporte e o cinema, a música dc massas e o novo tipo tlc audição contribuem
para tornar impossível o abandono da situação infantil geral. A enfermidade tem
significado conservador, Os modos de ouvir lí picos das massas atuais não são. em
absoluto, nove?*, e pode se conceder pucificamenie que a aceitação da canção dc
sucesso Puppchm. famosa antes da [1 Guerra, nao foi diferente da que se dispensa
a uma canção infumil sintética dc jazz. Todavia, ti digno de nota o contexto no
qual aparece uma ml canção infantil; a ridicularização masoquista do próprio de
sejo dc recuperar a felicidade perdida, cm o comprometimento da exigência da
própria felicidade mediante a rctroversào a uma infância cuja inacessibilidade dá
testemunho da inacessibilidade da alegria — esta é a conquista da nova audição,
e nada do que atinge o ouvido foge deste esquema dc apropriação. Sem dúvida,
subsistem diferenças sociaís, porém o novo tipo de audição vai lão longe quanto
a estupidez dos oprimidos atinge os próprios opressores: e diante da prepotência
da roda que se impulsiona a èl mesma se tornam suas vítimas aqueles que acredi
tam poder determinar sua trajetória.
O F E T IC H1SM 0 N A M Ú S IC A 181

A ãudiçào regressiva relaciona-se mánifestamenie com a produção, através


uto mecanismo de difusão, o que acontece precisamente mediante a propaganda. À
audição regressiva ocorre tao logo a propaganda faça ouvir a sua vo/, de terror. ou
?e]a: no próprio momento em que, ante o poderio da mercadoria anunciada, já
uão rema à consciência do comprador e do ouvinte outra alternativa senão eapitu
lar e comprar a sua pa/ de espírito. fazendo com quç a mercadoria oferecida se
torne literal mente sua propriedade. Na audição regressiva o anúncio publicitário
assume caráter de coação. Um a fábrica dc cerveja inglesa utilizou durante algum
tempo, píira fins de propaganda, um cartaz que representava uma dessas paredes
dc tijolos brancos que sç encontram com tanta frequência nos bairros pobres de
Londres e nas cidades industriais do norte do país. Colocado com habilidade, o
cartaz, dificilmente se disLinguia de um muro rea,L No cartaz $e via. cm cor branca,
a imitação perfeita dc uma caligrafia desajeitada, com as palavras: What we wani
l$ Walnay 's (O que queremos é cerveja Watney). A marca da cerveju çra apre
goada como slogan político. T a l caria/ não somente permite entender a natureza
da propaganda moderna, que transmite à& pessoas os seus ditames como se Tos
sem mercadorias, mas tartlbêm, no caso da firma inglesa, a mercadoria se m asca­
ra sob o slogan, O tipo de comportamento que o cartaz sugeria, istú è, que as mas­
sas fizessem de um produto que lhe er.-i recomendado a objeto dc si.33 própria
ação. sc encontra, na realidade, dc novo. como esquema dn aceitação da musica
ligeira O s ouvintes e os consumidores cm geral precisam e exigem exatamenle
aquilo que llics ê imposto insinientemente. O sentimento de impotência, que furti-
vamtnte coma coma deles face ã produção monopolista, domina oü enquanto se
identificam com 0 produto do qual não conseguem subtrair se. Assim , eliminam a
cstranhcisu das produções musicais que lhes são ao mesmo tempo longínquas c
ameaçado ramentu próximas, e a!cm disso obtem lucro no prazer de s em irem se
sócios dos empreendimentos do Sr. KatwUverstan.6 com os quais se defrontam
em toda pnrtc, Isto explica por que conti cuitimcntc nos deparamos com manifesta­
ções de preferência individual ou natural mente também dc recusa num
campo cm que o objeto c 0 sujeito tornam Lai-s reações imediata mente suspeitas. O
caráter felichista da música produx, através da identificação dos ouvintes com os
fetiche-s lançados no mercado, o seu próprio masearamenro. Somente esta identifs
cação confere às músicas de sucesso 0 poder que exercem sobre as suas vítimas.
Opera-se esta idcmificaçào na sequência do esquecer e do recordar. Assim como
cadu anúncio publicitário sç compõe do que é discretamente conhecido e
desconhecí damente discreto, da mesma fôrma a músicu de sucesso, na
penumbra do seu conhecimento subconsciente, permanece benfazejamente esque
eida. para tomar sl; por alguns insUintus ck>lorosamçnte d a ra . como na luz repen
lina de um refletor, L-se quase tentado a equiparar ü momento desta recordação
com aquele cm que ocorrem á vitima 0 título ou as palavras do início do refrão da
sua música dc sucesso; talvez Sc identifique recordando-a. e assim incorpora a sua

■'.Nao-emenJo-itadn ncrnie próprio criado pof Aílamii a partir dc kanir (posso) nichis (nada)
imietidcrl, cosí» intenção irortimie.! W, di>fc..)
182 AD ORNO

posse, É possível que esta coarão o leve a rclTvlir sobre o titulo da musica de
sucesso. O texto escrito debaixo das notas musicais, que permite a identificação,
nào e outra coisa que a m arca comerciai da música de sucesso.
O modo de comportamento perceptivo. através do qual se prepara o esquecer
e o rápido recordar da música dc massas, c a descoiicemração. Se os produtos
normalizados e irremediavelmente semelhantes entre si exceto certas parttculari
da des surpreendentes, não permitem uma audição concentrada sem se tomarem
insuportáveis para os ouvintes. e$tcs, por sua vez. já nao sao absolutameme capa
zes de uma autliçãü concentrada Não consccuem míinter a tensão de uma
concentração atenta, c por isso se entregam resignadameme àquilo que acontece
e fluí acima deícs, e com o qual fazem amizade somente porque jã o ouvem sem
atenção excessiva, A observação de Wall cr Benjamim sobre a apercepção dc um
filme em estado dc distração também vale para a música ligeira, O costumeiro
ja zz comercial só pode exercer a sua Função quando è ouvido sem grande atenção,
durante um bate-papo e sobretudo como acompanhamento dc baile. Ue vez em
quando se ouvirá a opinião de que o jazz e sumam elite agradável num haile e hor
rívç] de ouvir, Contudo, se o filme cómo totalidade parece ser adequado
para a apreensão düwcniccntrada, é certo que a audição desconcentrada torna
impossível a apreensão de uma totalidade. Só se aprende o que recai exata mente
sob o facho luminoso do refletor: intervalos melódicos surpreendentes, modula
çòes invertidas. erros deliberados ou casuais, ou aquilo que cveniualmcntc se con
dena como fórmula mediante uma fusão particularmentc intima da melodia com
o texto. Também nisto há concordância cnerc os ouvintes e os produtos; a csiru-
Lura, que não têm capacidade de seguir, nem sequer lhes é ofcrcosda. So é verdade
que, cm w* tratando da música superior, a audição utQillísiita significa decomposi
çán progressiva, também é inquestionável que no caso da música inferior jâ nada
mais «xisto que seja suscetível dc decomposição. Com eleito, as formas dois succs
sos musicais sat» tão rigidamente normalizadas c padronizadas, até quanto ao
número de compassos c à sua duração, que em uma determinada peça isolada
nem sequer aparece uma forma especifica. A emancipação das partes cm relação
ao todo c em relaçao n todos os momentos que ultrapassam a sua presença ime­
diata inaugura O deslocamento do interesse musical para o atrativo particular,
sensual, Ê significativa a atenção que os ouvintes dispensam não somente a deter­
minadas habilidades acrobáticas: instrumentais, mas também aos diversos colori
dos dos instrumentos enquanto tais: atenção que í* ainda mais estimulada pela
pratica da música popular americana, pelo fato de que cada variação - chorus
— apresenta com predileção um determinado timbre instrumental peculiar
a clarineta, o piano, o trompete de modo quase çonçei Uirile. Chega-ac até
0 ponto em que m ouvintes parecem preocupar-se mais com o "estilo” do que
com o próprio material a música — que c em todo caso indiferente; a única
coisa importante é que o estüo assegure efeitos parricu lares de atrativo sensoraal
Evi dentem ente, esta predileção pelo colorido ou timbre como tal manifesta um
endeusamtuto do instrumento c n desejo de imitar e participar; possivelmente
entre tambern cm jugo algo do poderoso encantamento das crianças pelo muliicor.
que retoma sob a pressão da experiência musical contemporânea.
Ü FET1CHISMO NA M USICA IS?

A transferência do Interesse para o atrativo da Limbre e o truque individual


c habilidoso, isolado do conjunto c talvez até mesmo da “ melodia” , podería ser
interpretada otimisíamente como uno impulso novo, cm virtude da sua função
discípiinadòra Entretanto, precisameute esta interpretação seria errônea. Com
efeito, por uma parte os atrativos apercebidos permanecem sem resisLÊncia. no
esquema rígido, e quem n eles se entrepa, no final se rebelara contra os mesmos.
Além disso, esses atrativos são de natureza extremamente limitada. G iram iodos
em tomo de uma tonalidade diluída ímpressionisticumcntc, Em absoluto é lícito
pensar que. por exemplo, o interesse pelo timbre isolado desperte o senso c t>dese­
jo de novos timbres e novos sons. Pelo contrário, os ouvintes, em razão da audi­
ção atomística que os caracteriza. çno os primeiros a denunciar tais sons turati
Intckctüairí* ou. pior ainda, como dissonantes, cacolonicos. O s atrativos degus­
tados pdos, ouvintes devem ser do tipo aprovado c comprovado. É verdade que na
prática do ja zz ocorrem dissonâncias, c existem até técnicas da des entoação inten
ctonal. I ntrctanto, a todos esses hábitos eunferc-sé um atestado de irrepreensibi
Iidade; todo som extravagante deve apresentar características tais que o ouvinte
possa reconhecer nele uma substituição de um som ''normal": e enquanto o ouvin
le sc alegru com o mau trato que a dissonância inflige ã consonância que substitui,
a consonância virtual assegura ao mesmo tempo que sc permanece dentro do cír
culo estabelecido. Em Lestes realizados com o objetivo de apurar a aceitação das
músicas de sucesso, deparou se com pessoas que perguntam como sc devem com
portar quando unia determinada passagem lhes agrada e desagrada ao mesmo
tempo. Pode sc presumir que, ac fazerem Lal pergunta, dào testemunho de uma
experiência que é comum também àqueles que não falam dela As reações face aos
atrativos isolados são ambivalentes. Urna passagem que agrada aos sentidos
causa fnstio tão logo se nota que clà âc destina apenas a enganar o consumidor, A
fraude consiste aqui cm proporcionar consdm temente a mesma coisa. Até mesmo
0 inaís imbecil fã das músicas de sucesso há de ter por vezes o sentimento de uma
criança gulosa que entra numa confeitaria. Se os atrativos se esvaem c tendem a
transformar-se no opusio — a cutia duração dos sucessos musicais pertence ao
mesmo tipo de experiência , » ideologia cultural, que caracteriza a atividade
musical superior, acarreta como consequência que também a musica inferior seja
ouvida com consciência iiuranqíiila. Ninguém acredita intei remonte no prazer
dirigido, No entanto, mesmo aqui a audição permanece regressiva, na medida cm
que aceita csie estado de coisas, a despeito de toda desconfiança c de toda a íimhi
vnléncía possíveis, A transferencia dos afetos para, o valor de troca traz como
consequência que, em música, já não se faz nenhuma exigência. O s substitutos
atingem tão bem o seu objetivo porque os próprios desejos c ansdew aos quais sc
ajustam já foram substituídos, Entretanto, ox ouvidas que somente têm capaci
Jade para ouvir, naquilo que lhes é proporcionado, o que se lhes exige, e que regis
triim o atrativo sensorial abstrato, aü invés de levarem os momentos de encanta
mentu ã síntese. constituem ouvidos de mã qualidade: mesmo no fenômeno
“ isolado", escapar-lhes-ào traços decisivos, isto é, precisa mente aqueles que per­
mitem ao fenômeno transcender o seu próprio isolamento. Existe efeu vam ente um
184 ADORNO

mecanismo neurótico da necessidade no ato da audição; o sinal seguro deste


mecanismo neurótico c a rejeição ignorante c orgulhosa de tudo o que sai do
eoütumeiro, O i ouvintes, vítimas da regressão, comportam-se como crianças. Exi
gem sempre de novo, com malícia e pertinácia, o mesmo alimento que uma vez
lhes foi oferecido,
Para Laís ouvintes, elabora-se uma espécie de linguagem musical infantil,
que se distingue da linguagem genuína porque o seu vocabulário consta exclusiva
mente dc resíduos e deformações da linguagem artística musical. Nas transcrições
para piano dos sucessos musicais deparatno nos com diagramas singulares. Refe­
rem-se a guitarra, ukelele e banjo, instrumentos infantis, tanto quanto a harmô­
nica dos tangos, comparados ao piano — c sc destinam a tocadores incapazes
de ler as notas musicais. O s diagramas representam graficamente a posição das
mãos nas cordas que devem ser tangidas nos respectivos instrumentos. O texto
musical das notas, ao invés de ser apresentado em termos racionais, é substituído
por comandos ópticos, espécie de sinais musicais de trânsito. Esses sinais limi
tara üe obviamenie aos três acordes fundamentais e excluem qualquer progressão
harmunica dotada dc sentido. O trânsito musical assim regulamentado é digno
de Lais sinais. T a l transito musical não pode ser comparado com o trânsito rodo­
viário. porque abundam os erros de fraseado c de harmonia. Trata-se de falsas
duplicações de terças, progressões de quintas c oitavas, desenvolvimentos melódi­
cos ilógicos de toda espécie, sobretudo nOe baixos. Poder-sc ia acreditar que tais
erros são atribuíveis aos smadores. dos quaiç na maioria dos casos procedem
os originais das músicas dc sucesso, ao passo que o trabalho musical propria­
mente dito é executado pelos arranjadores. Entretanto, assim como seria inad
missivcl que os editores permitissem a publicação dc uma carta eivada dc erros
ortográficos, da mesma forrau não se pode crer que os arranj adores, assessorados
pelos técnicos na matéria, permitam n publicação descontrolada dc versões dc
amadores cheias dc erros. Por conseguinte, dc duas uma: ou os erros provém
deliberadamente dos próprios técnicos, ou são deixados intencionalmcntc em
atenção aos ouvintes. Poder-se-ia supor que os editores e técnicos desciam eon
grnçnr-se com os ouvintes m>sc apresentarem tão “ cm mangas dc cam isa", pode
ríamos dizer, tão riOftdmlútlL COma qualquer I7i que arranha uma música dc su
cesso tocando do ouvido. T a is intrigas seriam iguais — embora calculadas,
inclusive psicologicamente, com outros fins às da ortografia incorreta cm inú
meros textos de publicidade. Mesmo, porem, que se quisesse excluir sua aceitação
por sutileza excessiva, os erros estereotipados seriam de fácil compreensão. Por
uma parte, a audição infantil exige sons ricos e cheios, como os que são represem
l íu I o -s pameularrnenre petas luxuriantes terças, c c precisumcilie p O f esta exigência

que a linguagem musical infantil contradiz de maneira brutal a canção infantil.


Por outra, u audição infantil requer sempre as soluções mais cômodas e comuns.
A s comeqüêneias que derivariam do *om "rico" seriam tão alheias ãs condições
harmôuicaM estandardtzadas que os ouvintes as rejeitariam como “ anti naturais".
Scgundo isto os erros seriam os golpes de poder que eliminariam os antagonismos
da consciência dos ouvintes infantis. Nào menos características para a linguagem
musical regressiva são as citações. Seu campo ele utilização vai desde a citação
consciente dc canções populares e infantis, passando por alusões equivocas e
semícasuais. aLê sem elh anças e plágios manifestos. Esta tendência triunfa sobre­
tudo onde sc adaptam trechos ou obras inteiras do repertório clássico ou operíó
tico, A prática das citações reflete a ambivalência da consciência infantil do
ouvinte. A s frases melódicas citadas se revestem ao mesmo tempo dc um cunho de
autoridade e dc paródia. É assim que uma criança imita o professor.
A ambivalência dos ouvintes vítimas da regressão encontra a sua expressão
máxima no seguinte fato: sempre de novo os indivíduos ainda não inteiramenle
coisificados querem subtrair se ao mecanismo da coisiíicaçâo musical, ao qual
estão entregues, porérn na realidade cada uma das suas revoltas contra o feti-
chismü acaba pur escraviza los ainda mais ti ele. Toda vez que tentam Iibcrtar-sc
do estado passivo de consumidores sob coação e procuram tomar-se "ativos",
caem na psêudo-atividade. Fn lre a massa das vítimas da regressão destacam se
os tipos do que se distinguem pela pseudo atividade e„ não obstante isto, dão
ainda mais realce n regressão. Fm primeiro lugar figuram os entusiastas que es
crevem cartas de estimulo as estações de rádio e às orquestras, e em Jam-sessions
habilmente teleguiadas dào vazão ao seu próprio entusiasmo como propaganda
para a mercadoria que consomem Denominam se a si mesmos jitterbugs, como
se quisessem ao mesmo tempo afirmar e ridicularizar a perda dc sua individual!
dade. a sua transformação cm besouros que ziguezagueiam fascinados. Sua única
escusa e que o ivrmú jttterbug. como de resto toda a terminologia do cinema edo
jazz. lhes foi mculcado pelos empresários a fim de fazcr-lhes crer que sào eles que
sc encontram por trás dos bastidores. O seu êxtase ê desprovido
de conteúdo. 0 fato dc que o êxtase se realiza, o fato dc que se obedece a
música, isto é suficiente para substituir o próprio conteúdo. O objeto do seu
êxtase c constituído pelo caráter dc coação que o distingue O êxtase é estilizado
segundo os arrcbatamemos ao rufar dos tambores dc guerra, como acontece com
üí» selvagens, O fenômeno apresenta traços convulsivos, que lembram a doença
denominada dança de São Cuido ou os reflexos de animais mutilados. A própria
paixão parece provocada por determinadas inibas funcionais. O i uuul do êxtase
revela sc como pseudo-atividade através do momento mímico, Não *c dança nem
se ouve música "por sensualidade", muito menos a audição satisfaz a sensuali­
dade, mas 0 qúe se faz e imttar gestos dc pessoas sensuais, Existe uma analogia
com a representação de excitações particulares no cinema, onde ocorrem fenórac
nos fisionômicos do medo, do desejo, do brilho erótico; também com o keep stni
li/ig u com o "expressivo" ntontifuico da música depravada A apropriação imita
tiva de modelos comerciais entrelaça-se com Os hábitos folclóricos da imitação.
No jazz é mínima a relação dessa mímica com os indivíduos que imitam, O seu
meio c u caricatura, A dança e a música imitam as etapas da excitação sexual
apenas para ridiculariza Ias. Ê como se imediatameme o sucedâneo do próprio
prazer se voltasse desfavoravelmente contra este. cheio dc inveja: r> comporta
mento "segundo a realidade" do oprimido triunfa sobre € seu sonho de felicidade.
E para confirmar o carárer aparente e a traição desse tipo de êxtase, os pós são
lãfi AE)ORNO

incapazes de executar o que o ouvida aprende Os mesmos jiiíethu^s, que se com


portam como se estivessem dclrizados por síncopes, dançam quase exciu&iva­
ro ente as boas passagens rítmicas. A carne fraca denuncia o caráter mentiroso
do espírito sempre pronto; o êxtase gestual do ouvinte infamil fracassa diante
do gesto estático, — O oposto dos entusiastas parece ser o diligente, que se retira
do movimento e se ocupa” com a música na silenciosa paz de seu quarto. H tími­
do c inibido, talvez não tenha sucesso com 0 sexo oposta, em todo caso quer
conservar se na .sua esfera singular. Tenta isto como rádio-amador. Coro vinte
anos. conserva se na idade tios adolescentes que constroem casinhas ou. para
agradar aos pais. executam trabalhos de serra rneçántca. Ifste lipo de jovem alcan
çau grande prestigio no âmbito técnico do rádio. Constrói pacicntementc apare­
lhos cujos componentes principais deve adquirir prontos, e pesquisa o ar atras dos
segredos das ondas curtas, segredos que naturalmcmc são inexistentes. Com a lei­
tor Uv histórias de índios e livros de viagens, descobriu terras desconhecidas c
abriu á sua senda através da floresta virgem. Na qualidade dc rádio-amador. tor­
na-se descobridor prcdsamcmte dos produtos industriais, os quais estão interes­
sados cm ser descobertos por ele. Não leva nada para casa que já não lhe tenha
sido dado cm casa. O s aventureiros da pseudo atividade se organizaram cm gru
pos. alegres: os ráüío amadores encomendam às estações dc ondas curtas por des
descobertas fichas dc verificação e organizam concursos nos quais vence quem
apresentar o maior número de tais fichas. Dentre os ouvintes fcuchistas, o mais
perfeito e talvez o rúdio-amador. O que ouve. e mesmo ;t maneira como ouve. lhe
è totalmente indiferente: o que lhe interessa ê íio-someme saber que está ouvindo,
c que consegue, através do seu aparelho particular, introduzir-se no mecanismo
público, embora não consiga exercer sobre este a mínima influencia. Imbuídos do
mesmo espirito, incontáveis são Os rádio ouvintes que manobram o botão sinioni
/.Ptlor c o regulador de volume do seu aparelho, .sem eles mesmos "fabricarem"
tais aparelhos. Outros há que são mais entendidos, ou pelo menos mais agressi­
vos. São os moços "moüeminhos". que em cotia parte sc sentem à vontade e que
tem capacidade pam tutk>: c o estudante dc escola superior ou faculdade, que em
qualquer ambiente social está disposto a tocar jazz mecanicamente para os de­
mais. dançarem ou ouvirem; ou então trata sc do [Yenlista do posto dc gasolina,
que cantarola descontraída mente as suas síncopes ao abastecer os carros que apu
treeem. Ou então, trata se do perito dc audição que 6 capaz dc identificar cada
banda e se ftprofundít na história do jazz como so fosse a história sagrada.
u que mais se aproxima do esportista: se não do próprio jogador de futebol,
em todo caso do torcedor fanfarrão que domina as tribunas dos estádio*. Brilha
pClà capacidade de improvisação, embora íenha que tocar piano em casa durante
horas, para poder executar os ritmos fantasmagóricos que lhe apresentam. E slc
Lipo de "modeminho” se apresenta como o independente que assobia descontrai
dameme. contra todo mundo. Mas, no fundo, a melodia que assobia o a que todo
mundo canta, c os seus estratagemas constituem, mais do que invenções do mo
mento, experiências acumuladas no contato com os objetos técnicos impostos
O F FTÍC 1IIS UO N A M ÜSIC A IST

pela. propaganda. A s suai improvisações são sempre gestos de hábil Subordinação


àquilo qutí lhe é ditado pelos organismos dirigentes. 0 motorista è o protótipo
do ouvinte s'niodcminho” . A sua concordância com tudo o que esLa na crista
da onda é tão maciça, que iü não opòe quaisquer resistências a nada, mas faz
sempre o que lhe é exigido, a Hm de que tudo funcione tranquilamente. Ele
mesmo, porém, afirma que não está sujeito à máquina dirigente, mati a domina.
Em consequência, a rotina soberana do amador de jazz é apenas a capacidade
passiva de não ddxar-se desviar por nada na adaptação dos padrões. Fie é o
verdadeiro sujeito do jazz:: as suas improvisações vêm do esquema: comanda o
esquema, com o cigarro ma boca. tão d is.pl acente mente como se ele mesmo o ti­
vesse inventado.
O s ouvintes regressivos apresentam muitos traços em comum com o homem
que precisa matar o tempo porque não tem. outra coisa com que exercitar o seu
instinto de agressão, c com o trabalhador de tncin expediente. Prccisa-se dispor
de muito tempo livre e d-e muito pouca liberdade ou ficar colado o dia inteiro
ao rádio para tornar sc um bom perito em ja zz, í a hübilidade de dar conta,
com a mesma desenvoltura, tanto das síncopes do jazz corno dos ritmos funda­
mentais. c comparável k tio funileiro tte automóveis, que se considera capaz de
consertar alto-falantes c instalações elétricas. Os modernos ouvintes asseme­
lha m-sc a certo tipo de mecânicos, especializadas e ao mesmo tempo capazes
de empregar os seus conhecimentos técnicos em misteres inesperados, tora do
oficio que aprenderam. Entretanto, o abandono da sua especialização $ó aparente
mente os ajuda a sc libertarem do sistema. Quanto mais intensamerue $c dedicam
i s exigências do seu ofício, turno mais sc escravizam aos ditames do sistema.
A constatação resultante de uma pesquisa, de que entre rádio ouvintes os amigos
da musica ligeira sc demonstram Jespuliiizadm . não c Cítssual. A possibilidade do
refugio individual c da segurança pessoal, questionável como sempre, impede o
olhar dc perceber a modificação do estado no qual se quer procurar guarida. À
experiência superficial o contradiz. A ■ “geração jovem” - o próprio conceito
constitui uma simples capa ideológica parece precisam ente, em
razão da nova maneira dc ouvir, estar em contradição com os seus pais c sua
cultLirn pequeno burguesa e destituída de gosto. Nos Estados Unidos depara se
com os assim chamados liberais e progressistas entre os entusiastas da música
popular ligeira, que a classificam çqmo democrática por excelência, devido u um
plidão da sua ação. Se, porém, a audição rezressiva progredisse, cm comparação
com a “ individualista", isto aconteceria apenas no semido dialético dc que, me­
lhor do que csU . se adaptariam a brutalidade que progride. Todo o mofo possível
c varrido pela vileza. c c legitima a crítica feita aos resíduos estéticos de um
individuali-smo que há muito leanpo foi arrebatado dos indivíduos. Todavia, da
parte da música popular, esta critica nào pode ser feita, tanto mais que precisa
mente tai tipo de múâiCEt conserva zelosamentc e embalsama i)s restos depravadas
e pucrefaLos do individualismo romântico. A s suas inovações estão sempre ínsepa
ravelmerue irmanadas com velhos resíduos.
m ADO RN O

O masoquismo da audição define se nào somente na renúncia a si mesmo


e no prazer de substituição pela identificação com o poder. Fun-damenía-se este
masoquismo na experiência de que a segurança da procura de proteção nas condi­
ções reinantes constitui algo dc provisório, um simples paliativo, e que ao Finai
Lodo este estado de coisas deve ter um Fim. Mesmo na renúncia xà própria liber­
dade não se Lcm consciência tranquila: ao mesmo tempo que sentem prazer, no
fundo as pessoas percebem-se traidoras de uma possibilidade melhor, e simulta­
neamente percebem-se traídas pela situação reinante. A audição regressiva está
a cada momento pronta a degenerar em fWor. Sabendo-se que no fundo se está
marcando passo, o furor se dirige ric imediato contra tudo aquilo que o moder­
nismo da moda podería desaprovar e mostrar quão reduzida foi a mudança que
houve na realidade. Conhecemos, pelas rotor.raílas. e pelo cinema, o efeito do que
é moderno envelhecido, efeito que, utilizado originaríamente COdlG choque
pelo surrealismo, desde então passou a ser mera diversão daqueles cujo feticliiâmu
se prende ao presente abstrata. Fisie efeito retoma abreviado de forma selvagem,
no caso dos ouvintes regredidos: eles gostariam de ridicularizar e destruir aquilo
que aindâ ontem os encantava, como se quisessem vingar se a postado ri deste
falso encantamento. Deu-se a este efeito uma denominação própria, difundida
pelo rádio e pda imprensa. Entretanto, comy de forma algurna significa — como
se podeita pensar — a música ligeira, de ritmo mais simples, do período anterior
uo jazz, mas antes, toda musica sincopada, que precisam ente nào se campõe das
fórmulas rítmicas aprovadas no momento presente, Um perito de jazz pode mor­
rer de rir ao ouvir uma música que ritmicamente tenha uma semicolcheia seguida
dfi uma colchein com ponto, entbüra este ritmo tenha rido de imediato mais agres
si vo, embora de forma ítlguma seja. dentro do seu estilo, mais provinciana, do
que os legati sincopados praticados mais tarde e a renúnciíi a todos os acentos
nos tempos fracos do compasso. Os ouvintes regressivos são real mente desfrutí
vos. O insulto trivial tem seu motivo irônico; irônico, porque as tendências destru­
tivas dos ouvintes regressivos na verdade sc dirigem contra os mesmos elementos
que são odiados pelos ouvintes fora de moda. ou seja, contra a rebeldia como
tal, a hão ser que esta .se apresente acobertada peLa espontaneidade tolerada de
excessos coletivos. 0 contraste aparente das gerações em parte alguma se toma
mais manifesto do que no furor. Partilham a mesma linha, no fundo, os hipócritas
que em canas patéticas e sádicas às emissoras, recriminam a profanação dos
tesouros M&radús da grande música peto jazz, e a juventude que se delicia com
tais exibições, Bu.sta apenas que surja uniu situação apropriada para vê-los alia­
dos,
Com isco sc formula uma crítica às “novas possibilidades" na audição re­
gressiva. Poder-se-ia estar tentado a redimi-la alegando, por exemplo, que nela
o caráter dç 'aura" da obra de arte. os elementos de sua auréola ou aparência
externa codém em favor do purãmenle lúdico. Com o quer que seja no cinema,
a atua! música de massas pouco apresenta deste progresso no desêncantamento.
Neste típ-o de música nada é mais forte e mais constante do que a aparência
externa. e nada nela é mais. ilusório do que a objetividade. Este jogo infantil só
tem em comum com os jogos produtivos das crianças o nume. Não é cm vão
que o esporte burguês gostaria de separar-se nitidamente deste jogo. Sua seriedade
carrancuda consiste no seguinte*, ao invés de conservar-se Jlcl ao sonho da liber
dade. mantendo distância em relação aos seus objetivos, cataloga a participação
no jogo coma dever entre os objetivos úteis. extirpando os vestígios de liberdade
nele existentes, isto vale ainda mais Lntenaumente para a música de massas atual.
Representa d a um jogo mas tão-somente no sentido de repetição de modelos pré-
fabricados; isenta-sc da própria responsabilidade c a descarrega sobre os padrões
que .se Obriga a seguir, transformando em dever. T a l jogo tem apenas aparência
dc jogo. Por isso. a aparência c necessariamente inerente â música esportiva atual
F. ilusório estimular e promover os momentos ou aspecLOs lòcnico-ractonais da
atual música de massas ou as. capacidades excepcionais dos ouvintes regressi
vos que apreciam tai,s aspectos — às expensas de um encantamento corrompido
que prescreve as normas para o seu funcionamento impecável. Seria ilusório
também porque as inovações técnicas da música de massa são simplesmente me
xisrentsis... No que respeita à harmonia c à linha melódica isto é evidente. Com
efeito, verdadeiro engodo colnrí&ta da nova música dc dança, as aproximações
das diversas cores e timbres entre si aproximações tão grandes, que sem ruptu­
ras um instrumento pode tomar o lugar do outro ou até mascarar se no outro
— tudo isto sâo coisa* tão familiares à técnica orquestral wagnenana e pósw ag
neríuna qunrtto os efeitos de surdina dos instrumentos dc supro de metal. Mesmu
dentre os arittícios dá sincope, nàõ há nenhum que não sc encontre germinal mente
em Brahrris, e que não tenha sido superado por Schoenberg e Stravinsky, A mú­
sica popular dc hoje não desenvolveu propriamente tais técnicas, mas até lhes
tirou, de certo, o vigor, com seu conformismo. O s ouvintes que admiram tais
artificies com competência não vççrn nisso uma proveitosa lição lècnica. mas
reagem com uma atitude de resistência e recusa, desde o momento em que tais
técnicas lhes são apresentadas dentro dos contextos que lhes dão verdadeiro sen
lido. O que decide uma determinada técnica pode ser considerada “ racional"
c constitui um progresso, c o sentido original, a sua posição no conjunto social
c no eonjumo da obra de arte concreta e individual. A cçcmcização cúmO tal
pode .ervir à simples reação, desde o momento cm que sc firmo como íctichc e
pela sua perfeição substitui a perfeição da sociedade. Esta è a razão pela qual
têm gorado todas ax tentativas de modificar a íursçüo da música dc massas c
da audição regressiva, A arte musical capa? dc ser objeto dc consumo devç pagar
o preço da sua consistência, e os erros que encerra não constituem errúx “ artísti­
cos” , mas cada acorde falsam eme composto ou retardatário expressa o caráter
reacionário daqueles a cuja demanda a música è adaptada. Urna música dc mas
sas tecnicamente consequente, coerente e purificada dos ciumentos de má aparén
u a , se transformaria em música artística, e com isto mesmo perderia a caracterís­
tica que a torna aceita pelas massas. Todas as tentativas de conciliação, quer
sçjam feitas por artistas que acreditem no mercado, quer procedam de pedagogos
da arte que creiam no coletivo, sao infrutíferas. Tais tentativas nenhum outro
resultado têm logrítdò senão eriíir artes industriais ou então aquele ripo de produ
jyu ADORNO

çôes ás quais se deve anexar um a L'bula de uso” ou um texto sócia] para se ^ííber
quais são as suas motivações profundas.
Enaltccc-sí* um aspecto positivo da nova música de massas e da audição
regressiva: a vitalidade e o progresso técnico, a ampla aceitação coletiva e a rela
ção com uma prática indefinida, em cujos conceitos Cfltrou a autodeminda dos
intelectuais, ok quais em ultima análise podem eliminar a sua alienação das mas
sas porque unificam sua consciência com a atual consciência de massas. O ra.
este aspecto que se diz positivo na verdade è negativo, ou seja. a irrupção, na
música, de um fa.se catastrófica da própria sociedade. O positivo só existe na
sua negatividade. A música de massas íetscliizada ameaça OS valores culturais
fetiçhizados. A tensão entre as duas esferas musicais cresceu de tal forma que
se toma difícil à música oficial susLentar-se. Embora Lenha muito pouco a ver
com os padrões técnicos dos ouvintes da música de massas, sc compararmos
os conhecimentos musicais dc um perito de ja zz com os de um adorador de Tos
eanini. verifica-se que os do primeiro ultrapassam de muito os deste último. Entre­
tanto. a audição regressiva consótui um inimigo impiedoso não só dos bens cultu
ruis que poderiamos chamar ‘'museológicos'". mas também cia função anti-
qüíssima e sagrada da música como instância de sujeição c repressão dos
instintos. Náo sem punição, ás produções depravadas da cultura musical são c*
postas ao jogo desrespeitoso e ao humor sádico. Face à audição regressiva, a
música em sua totalidade começa a assumir um aspecto curioso e cômico. Basta
ouvir de fora o som de um ensaio de coro, Com imponente impertinência esta
experiência foi retratada em alguns filmes dos irmãos Marx. que demolem uma
decoração dc ópera, como se se devesse demonstrar alegórica mente a intuição
histórico-filosófica da decadência da ópera, ou então com uma peça apreciável
dc entretenimento elevado, reduzem a ruínas o piano tlc cauda com o objetivo
de apoderar-se do acordoamcmo interno do piano, utilizando-o como uma verda
deirn harpa do futuro na execução úc um prelúdio 0 as|)ccio cômico da música
na fase atual tem como primeiro motivo o fato de que ac faz uma coisa completa
mente inútil com todos os sinais visíveis do esforço exigido por um trabalho serio
A estranheza da músiem para as pessoa* sérias denota a estranheza que reina entre
d as e a consciência desta estranheza se exprime cm uma explosão dc garga1hadã$-
Nfa música ou analogamente no poeui lírico - torna-se cômica a sociedade
que ti condena ao cômico. Daquela gargalhada participa a decadência do espírito
sagrado de conciliação. Com muita facilidade ioda a música soa hoje como aos
ouvidos de Nietzsçhe soava ó Parsifal. Lem bra ritos- incompreensíveis e máscaras
que sobrevivem dos tempos antigos. O rádio, que projeta exçessíva lu? sobre a
música, concorre para tanto. Talvez esta decadência ajude um dia a levar ao intis
perado. É possível que um dia soe uma hora mais feliz para osjoven$ "modemi
nlios"’, a hora que requeira antes a adequação rápida com matérias previameme
fabricadas, a alteração ímpro vis adora das coisas, do que aquele gênero de começo
radical que só floresce sob a proteção do inabalável mundo real. Mesmo a disci
pltnn pode ser expressão de livre solidariedade, quando o seu conteúdo ío ra liber­
dade. Embora a audição regressiva não constitua sintoma de progresso na cons
O FETICH1SM0 NA M U SICA 191

ciência da liberdade, é possível que ínesperadamente a situação se modificasse, se


um dia a arte, de rnàos dadas com a sociedade, abandonasse a rotina do sempre
igual.
Para esta possibilidade a música produziu um modelo: não a música popu­
lar. mas a artística. Não e em vão que Mahler constitui o escândalo secreto de
toda a estetiot musical burguesa. Qualificam-no dc carente de capacidade criativa
porque de deixa cm suspenso seu próprio conceito de “ criar", Tudo aquilo que
Mahler manipula já existe. Tomâ-O como ê em sua forma de deprava
ção, Seus temas não sào seus, são desapropriados. À despeito deste fato. nenhum
dos seus temas apresenta n som habitual, rodos são guiados como por um imã.
Precisamente o que já está "gasto” cede maleavelmente à mão improvisadora:
precisamente os temas “ balidos'” recebem novo vida w m ú variações. Assim como
0 conhecimento que o motonsta possui do seu carro velho e usado pode eapaci
tá lo a conduzí lo pontuaImuntc ao termo desejado, da mesma forma pode 3 Ex­
pressão de uma melodia batida t repisada posta em tensão sob o som agudo
da darineLa em mi bemol e de oboés em Tcgístros íiltos atingir píncaros que a
Linguagem musical escolhida jam ais atingiu sem perigo. T a l música consegue a s­
sumir os elementos depravados C formar um conjunto realmemc novo, mas 6 in
comeKtúvel que 0 sem iruUurial ê tirado da audição regressiva. Poder-se ta íilê pen
sür que nu música de Mahler esteja sismografiea mente registrada a experiência
do atiLcjr, quarenta anos antes que lal experiência penetrasse a sociedade. Sc. po
rem, Mahler foi contrário ao conceito do progresso musical, não Sc pode colocar
sob 0 signo do progresso a música nova e radica! que. nos seus representantes
mais avançados, sc apoia nele c o invoca paradoxalmenie como precursor. Esla
novn musica propoc sc a resistir conscientemente ú experiência da audição regres-
si va. O modo que, hoje como ontem difundem Schcenberg <2 Webérn não procede
da sua ineompreensibíl idade, mas precisamemc por serem demasiada mente bem
compreendidos. A sua música dá forma àquela angústia, àquele pavor, àquela
visão cíara do estado catastrófico ao qual üs outros só podem escapar regredindo.
Chamnm lhes de individualistas, c no entanto a sua obra não c senão um diálogo
único com os poderes que destroem n individualidade poderes cujas ‘sombras
monstruosas" se projetam, gigantescas, sobre a sua música. A s forças coletivas
liquidam também na música a individualidade que jâ não tem chance de salvação.
Todavia, somente t>a indivíduos são capazes dc representar e defender com conhe­
cimento claro, o genuíno desejo de coletividade faeç a tais poderes.
L ÍR IC A £ S O C IE D A D E *

Perante o anúncio de uma palestra sobre lírica c sociedade, mui Los dos se
níiurcs serão tomados de algum mal-estar, tia expectativa de uma dessas conside
rações sociológicas que se podem alinhavar ud fibitttiw a todo c qualquer objeto,
do mesmo modo que se inventavam, há cinqüe.nia anos. psicologias c. há trtnta.
íenomenologias de todas as cohui. imagináveis. Como se não bastasse, nutrirão a
desconfiança de que a discussão das condições sob as quai.s surgiram determina
das formações1 e do efeito delas quer intreme ler-se no lugar da experiência des
sas formações tais como são; do que combinações c relações bloqueiem ü inspe
ção interna da verdade ou inverdade do próprio objeto- Desconfiarão que um in
tclectual se torne culpado daquilo que I legei lançava ao rosto do “ intelecto for
ma;", ou seja. abarcando o Todo de cima. ficar acima da existência singular du­
que fala, isio c. simplesmente não vè*]a e apenas etiqueui Ia. O que ha de penoso
em. tal procedimento ser lhes á particulanm.ni>.. sensiveí no cavo da lírica. I rata
se dc manusear u que ha de mais delicado, de mais Frágil, de pó Io em contacto
iustameme com aquela roda vida da qual preservar se intacta fuz parte do ideal
cia lirica. pelo menos no sentido tradicional. Trata st rtc tomar uma esfera de cx
pressão que tem sua essência dirmmenu:. seja cm não reconhecer a potência da
socialização, seja. como no ca st» de BnudeUiire ou dc Niciasehc, em Superá-la,
pelo paihü.s da distância, c. pela maneira de considera 3a. Il.i/cr dvia o contrário
daquilo que eta se sabe. Qutm seria capaz de falar de liríca e sociedade, perguii
taràn. senão alguém lotalmentc desamparado pelas Musas?
ÜbviàmciiLu. ;;il suspeita só podo ser cncarádn de frente quando formações
líricas não são tomadas abusivumuniv eomo objetos dc demonsiração de tese^
sociológicas* quando* ao contrário, sua referência ao social revela nelas próprias
algo dtr essencial, algo do fundamento dc >u«t qualidade. Essa referenda não deve
levar embora da obra de arte, mas levar mais fundo para dentro dela. Que. entre
tanto, isso seja de se esperar, é o que se depreende dn mnis simples reparo. Pois o
conteúdo de um poema ruio c a mera expressão de emoções e experiências indívi
duais, Pelo contrário. estas só se tornam artísticas quando, exatamente em vir
tude da especificação dc seu tomarTorma estético, adquirem participação no

* T r*du*idt> ê» Oficinal otwrtàc» rYofrn Zuf Llteratur t. Kuhrknmp Verla^, FranltOin mn Mam, l^SX-

HjaiçnOe hé. ''formações históricas''; o termu tttemkt c Crbitde c c m sendo empregado no semKtG hüge-
ttaiHi, Apenas em .iluunseiísíís, pareceu impor-se como preferível n iraduçno por “íííirrepoáçóc- “ i N. do T s
194 AD O R N O

universal. Não que aquilo que o poema lírico exprime tenha de ser imediatamente
aquilo que todos ^ivendam. Sua universalidade não é uma voltmié de rou s. não é
u da mera comunicação daquilo que os outros, simple-sincntc. não são capazes de
comunicar. Ao contrário, o mergulho no individuado eleva o poema lírico ou
universal porque põe em cena algo de não desfigurado, de não captado, de ainda
não subsumido. c desse modo anuncia, por antecipação, algo de um estado em
que nenhum universal postiço.2 ou .seja. panicular em suas raizes mats profun
das. acorrente o outro, o universal humano- Da mais irrestrita individuação a
formação lírica tem esperança de extrair o universal. D risco especifico que a lí
rica assume, entretanto, consiste cm que seu principio de individuação nào ga
rantií nunca o cngendríimcnto de validade, de autenticidade. Pia nào tem nenhum
poder quanto a não persistir na contingência da existência meramente marginal.
Essa universalidade do contendo lírico, todavia, é esscndalmerUe social. Sô
ertiende aquilo que o poema di? quem escuta em sua solidão a voz da humani
d ad eim ais ainda, a própria solidão da palavra lírica c prê-trtiçntia pela sociedade
individualista c. cm última análise, momísnem assim como. inversa mente, sua
posltdaçuo de vtilidadv universal vive da densidade de sua individuação. Por isso
mesmo, o pensar da obra de arte está autorizado c comprometido a perguntar
concrctamente pdo conteúdo social, a nào se satisfazer com o vago sentimento
de algo universal c abrangente. I al pensamento determinador nào é uma reflexão
alheia e externa á arte: c exigida por toda composição de linguagem, O material
próprio desta, »>s conceitos, nào ve esgota na mera intuição, Pfira pixlercm seres
teticamentc írUuidos, d e s querem sempre ser pensados lambem, c o pensar. Lima
vez posto em jugo pelo poema, nào pode m ais. a seu comando, sustai' se.
Isse pensar, porém, a íiUerpretuçào social da lirica. cOrno.de resto.de iodas
as obras de urie. nào pode por isso ter cm mira sem mediação, u assim chamada
situação social ou a inserção social de interesses das obras mi ate de seus auto
res, Tem de estabelecer, muito mais, como o Todo de uma sociedade, tomada
como uma unidade em si contraditória, aparece na obra de arte: mostrar em que
a obra de arte lhe obedece e em que a ultrapassa. O procedimento tem de ser,
conforme a linguagem da filosofia, imanente. Conceitos soei ar- nào devem ser
trazidos de fora ás formações líricas, mas sçr huuridos da rigorosa intuição delas
mesmas. Aquela frase das Máximas c Reflexões de Gocthc. que diz que o que
não entendes tu também nào possuis, nào vale somente para o relacionamento cs-
tático com obras de arte. vale também paru a teoria estética: nada que não esteia
nas obras, cm sua forma própria, legitima a decisão quânto àquilo que seu coo
icúdo (Céhali), o poetado (Üedichieie) em si mesmo, representa socmlmeme. De­
termina Io requer, sem duvida, não só o saber Ja obra de arte por dentro, como
também o da sociedade fora dela. Mas esse saber só c válido quando se redesco
bre no puro abandonar se à coisa mesma, Recomenda se vigilância, sobretudo,
perante o conceito, hoje debulhado aiê o limite do suportável, de ideologia. Poi .
ideologia é inverdade, consciência falsa, mentira. Ela se manifesta no malogro da
£ fcm al-cmáü: kein sehieçhi Allpmtiws. isto c, ncanum mau tituve/sal. abstrato t Jc emcndimeiilu. no seu
lidü hcgeliaru:. por oposição ao bom universal disletico IN. ao T j
obra de arie. no que esta tem em si de errado, e c alvo da critica, Mas dizer de
grandes obras dc arte. que tem sua essencia no poder de configurar e, somente
através desse poder, na capacidade de conciliação tendencial de contradições !e
caudas. da existência real. que è!ai são ideologia, não c simplesmente fazer injus­
tiça :l sou conteúdo próprio de verdade: ê também Falsificar o conceito de ideolo­
gia. Este não afirma que tudo o que é espirito su serve para que homens eventuais
escamoteiem interesses particulares eventuais JazÇndo-os passar por universais,
mas quer desmascarar determinado espiriio falso e, ao mesmo tempo, concebê-lo
cm sua necessidade. Obras dc aric, todavia, tem sua grandeza unicamente em
deitarem falar aquilo que a ideologia esconde. Seu próprio êxito, quer elas t> am ­
bicionem ou não. passa além d3 falsa consciência
Pfiírmilam-itic que tome como pomo de partida a própria desconfiança dos
senhores Os senhores semem n. lírica como aipo oposto u sociedade, como algo
visceralmeritt: individual. Sua sensibilidade faz questão de que continue séntlo as
sim* de que a expressão lírica, desvencilhada tio peso da objetividade, conjtire a
imagem de uma vida que seja livre da coerção da pratica dominante. da utíli
dude. da pressão da nutoconscrvação obtusa. Essa exigência feita ii lírica, toda­
via. ü exigência tSa palavra virginal, é cm si mesma social. Implica o proiesio
conira um estado social que todo indivíduo experimenta como lunlil. alheio, frio.
oprvssivo* c imprime nogtidvamorue esse estado 11a formação lírica: quanto mais
pesa esse estado, mais infle vivei mente lhe resiste 11 formação, nân w curvando a
nada dc heterônomo c constituindo se ínteiramente segundo a lei que lhe é pró
jiria. Sou distanciíimtnto da mera existência tonta se n medida do que lui nesta do
errado e dc ruim. Em pnueslo contra ela o poema enuncia o sonho de um mundo
em que Síria diferente. A idiossincrasia do espírito lirico contra a prepotência
das coisas c uma forma de reação ri coisificaçâo do mundo, fi dominação dc mer
cadorias -sobre lurmert^ que sc difundiu desde o começo da idade moderna c que
desde n revolução industrial se desdobrou em poder dominante do vida Inclusive
o culto à coisa, dc Rilke. está preso no circulo encarnado dc tal idiossincrasia,
como uma tentativa de recolher c resolver na expressão subjetjvamenie pura uà
coisas alienadas ede creditar meiallsicamerue cm favor delas essa sua alienação:
ts .1 fraqueza estética desse culto k Coisa, o gesto misterioso afetado, esse misto de
religião c ideologia do artesanato, denunciam ao mesmo tempo 0 real poder da
coisificaçào. que rutu se deixa mais dourar por nenhuma aura lírica. que não sc
deixa rnim resgatar pelo sentldiv
Está se apenas emprestando uma outra versão a tal compreensão da essên­
cia du lírica ao dizer que seu conceito. Uil conto nos c imediato ç, cm eciUi me
d ida. uma segunda natureza, tem um caráter Eotalmeme moderno. Ana Ioga
mente, o paisagismo cm pintura ç sua idéia dc "natureza” só sc desenvolvem uu
tonomameme na idade moderna, Sei que com isso asuui exagerando e que os %e
nhores poderíam contrapor me muitos mntra-excinplos. O mais incisivo seria
Saio. N íio talo da lírica chinesa. japonesa, árabe. pois não a leio no original e nu
iro a suspeita de que através da tradução cia e apanhada por urn mecanismo úc
adaptação que torna simplesmente impossível o entendimento adequado. Mas as
1% ADORNO

evidencias do espirito lírico no sentido especifico que nos è familiar. no tempo


antigo, só no-, aparecem Je relance, aoü estilhaços, assim como às vezes certos
fundos da pintura Ltntig.ii antecipam, carregados de presságio* a idéia do paisa­
gismo. Não constituem a forma. O ü grandes poetas do tempo mais remoto, que
contam para a ! rica conforme os conceitos histórico-literários Pmdaru. por
exemplo, c Alceu, mas também a obra dc Walther H>n der Vqgelweidc cm sua
parte preponderante, estão a uma distancia descomunal dc nossa mais primária
representação do que seja a lírica. FalLu lhes nquelc caráter do imediato, do des-
materiaíizado, que nos habituamos, justa ou injustamente. a considerar como cri
tério do lirismo e que só forçadameme ultrapassamos, a bem da formação ctilLu
ral.
Tíxlavia, aquilo que entendemos [wr lírica, ames que tenhamos, seja am­
pliado historicamente esse conceito, seja voltado c.&c conceito contra n esfera in
dívidualislu, tem, quanto mais “pufo” se da. o momento da ruptura em si mesmo.
O eu que ganha voz na lírica ú um eu que sc determina c sc exprime como oposto
ao coletivo, â objetividade; com a natureza, a que sé refere sua expressão, sua
unidade não c sem mediação. Bla a perdeu, por assim dizer, e empenha-se, pelo
ammismo. pelo mergulho no próprio cu. em restabelece-Ia. Somente através da
liytTiurutuçáo há dc ser trazido dc volta à natureza o direito que a dominação
humana da natureza lhe tirou. Mesmo aquelas formações líricas cm que não se
imiscui nenhum residuo da existência convencional e objetiva, nenhuma matéria
lidado crua. e que sào as mais alias que nossa língua conhece, devem sua digna
dade Eitíuamcnto à forç? om que nelas o cu desperta u aparência da natureza, re
trocedendü du alienação. Sua pura subjetividade, aquilo que nelas sugere au.sín
cia de ruptura e harmonia, atesta o contrário, o sofrimento com a existência
alheia ao sujeito, bem fiomo o amor a «Ia aliás, sua harmonia não è própria
mente nada mais auc o imbricamcriLó intimo desse sofrimento e desse amor.
Ainda o 11Paciência, logo / Sossegarás tu também " (Warte nur, baldei Ruhesídu
üudt}^ lem o gé-sLn do consolo: sua abissal beleza é inseparável daquilo que cala,
d33 representação dc um mundo que ücncga a paz. Unicamente na medida em
ljuc o tom do poema está cm consonância com o sentimento trágico desse
mundo, ele reafirma que. upesar de tudo, existe paz. Quase seríamos tentados a
ir buscar com o auxílio, no poema vizinho dc mesmo título, o verso Ai, estou
cansado da faina" (Ach, teft biu des f"reibett\ miidtt), para servir de interpretação
ao Noturno do Andarilho. Sem dúvida, u grandeza deste provém de que cie não
fala daquilo que é alienado, daquilo que perturba, de que. nde próprio* nio sc
conirapOe uo sujeito o desassossego do objeto: pelo contrário, vibra seu próprio
desa.ssossegí>. H prometida uma segunda tmediaiez: o humano, a própria lingua­
gem brilha como se fosse ainda uma vez a criação, enquanto tudo o que vem de

J Sim 1,93.dois nlLimo-, v .. i m i Ou celebre .Vuwrnu riu Andarilha fWancJiT^rs NaektSwiit ík OnçthP- Ucbtr a!
t m G i p f t l n / t u Hat, tn afíètr m p M « / S p ü r ís t d u kan m tin e n H a u c fii / A c V S p tt e iu .s e h w ig r » ir»
Woidr.. fflarit" tfttr, haMt-i RuhcsS-du meh. Nu mu iradiiç&o jípcm*-. Flt^nU "Solwe uwlr.s o:: cu , / hy
sossego. 1emudas. as copas f nao semes / um supro, quase; / os passao.nhcis cstkm-ve iu muia Paciência,
tog-o/ SçrescjsrSs mtarntérri.” (N, do T. i
fora silencia no eco da alma. £ mais que aparência, porem, e se torna verdade m
Lcgra] purquc, pela futyit da expressão verbal do bom cansaço, persiste ainda st.)
bre a conciliação a sombra da nostalgia e mesmo da morte: ao 'Paciência,
logo", ü vida inteira se transforma, com enigmático sorriso de tristeza, no breve
instante que antecede o adormecer. O tom de paz dst testemunho de que a paz
não deu certo, sem que entretanto o sonho se rompesse. Nenhum poder tem a
sombra sobre a imagem da vida retornada a si mesma, mas somente ela em
presta ao sonho, como üUimâ lembrança de seu desfigunimemo. a pesada pro
fu nd idade sob a canção sem peso. No semblante da natureza pusla era sossego,
da qual foi extirpado o traço de toda semelhança humana, o sujeito interioriza
sua própria nulídade, Impcrceplivelmentç. sem emitir um som. a ironia cancela o
que há de consolador no poema: us segundos que antecedem a ticm-avcnLurtinça
do sonho são os mesmos que separam a curta vida da morte. Essa sublime i™
nia, depois de Gocihc, decatü c tornou se pértlda. Mas sempre foi burguesa: a
exaltação do sujeito libertado traz consigo, como sua sombra, seu rebaixamento
ã condição de objeto permutável, de mero ^er para outro: a personalidade traz
Consigo o " G que vouc pensa que é ?". A autenticidade do Noturno, entretanto,
está em seu instante: o que há de destrutivo em seu pano de fundo afasta-o do
jogo. enquanto esse destrutivo üau tem ainda nenhum poder sobre a potente rtáo
violência do consolo. Costuma se dizer que um poema liriCo perfeito tem de ter
totalidade ou universalidade, tem de dar em sua delimitação o Todo, etn sua fini
tude o infinito. Se issv> for algo rnais que um lugar comum daquela estética que
lem sempre ei mão. como panacéta universal, n concedo do sim bólico/ indica
então que cm todo poema tíriei) a relação histórica do sujeito à objetividade,
do indivíduo ã sociedade, precisa ter encontrado sua materialização no elemento
do espirito subjetivo. reverheratU» sobre si mesmo, kxsa sedimentação sem tanto
m ais perfeita quanto menos a formação lírica tetnatizar u relação entre « 1 e su-cie
tíadte. quanto mais involuntariamente cristali/.ar sç essa relação, a partir de si
mesma, nu poema,
Poderão objetar me os senhor** que eu. através dessa determinação. por
medo do Mieiologismü' grosseiro. ter ia sublimado n itil pomo a relnçíto entre li
rica e sociedade, que nada mais resta propriamente delu; esatameme •• não social
no poema lírico seria tgofa seu social. Podcriam recordar-me aquela caricatura
Je ■Gustuve DorCi de uni deputado uJuu reacionário que vai iiUCOSiflcuiido seu
louvor ao Ancien Réginn', ate chegar a exclamação: “ l a quem. meus senhores,
devemos agradecer pela revolução de l7tfV. a quem. senão a I ui/ X V I ? ” O s se
uhores poderíam aplicar isso à minha concepção de liricu c sociedade; nela a so
çicdudv desempenharia o papel do rei executado e a hrteu o papel daqueles que o

’ Keleiencia a»s lilluldfifc-i 0,1 rtoçv^ Je urutuiíum. m*e úo <1c m u a ii /Octlu.-an:i. rclttmadn por Kart Philipp-
•rn -• i prüpõai.ttí dn nÍT£<!ú(.;i j jmipu v uunck-iiiiiilme-ínr cíjh.umJy pi;i Sirltclln^, >rri /•VWi-vrJi-a ic/í/rr
<■? Frít/safia ulu . I r ; Ue 1fiu-2. -Qui: nu i-iruit-ffl nuo se iríll 4 Ut jj,irii.jceii> .-tu o i v il m;r-, dc Ufiurnhíi ureatw-uo»
CwDCíilüílI. HCl'íuüi> na dinâmica da idetw idade. r n que n ErinJuii.r prcv-.itu mnüirar itfl en^iio tj
SimhQifra em Setwlttns fíci Afowwqw CndúWus dt Literatura r Ltntaio n ‘ 7. Km- iliem*, X. Piiukc |V7K),
examinando o que L> fildsofu linha a responder A Ak\m quesião que lhe fui |>fOptisU por Guclht sobre
a d tsóncíio fntre simbtduc ahx urte, (N. dn T i
IUM adorno

combateram; mas a lirtca pode Lâo pouco ser explicada a partir da sociedade
quanto a revolução atribuída ao mérito do monarca que ela derrubou e sem cujos
desatinos eia talvez nào livesse irrompido naquele momento histórico, R csia sa
ber se o deputado de Duré era eletivamente apenas um propagam!ista estúpido
cínico, lal como o caricatura o desenhista, ou se cm sua involuntária piada nào
há mais verdade do que admite o entendimento são: a filosofia da história de He
gel lería muiLu com que contribuir para a reabilitação daquele deputado. No t?n
tanto- a comparação não sc ajusta bem. Nào se trata de deduzir a lírica da socie­
dade; seu conteúdo social è éxatamenle o espontâneo, aquilo que não se segue
das relações já vigentes em dado momento. Mus a filosofia — mais uma v ez. a
de Hegel conhece a proposição especulativa que diz que o in d iv id u al é m«
diudo pelo universal e vice versa. O ra, isso quer dizer que tamhém a resistência
contra a pressão social não c nada de nbsoluiamcntc individual, que nela .se rc
volvem artisticamente. através do indivíduo e de sua espontaneidade, ns forças
objetivas que impelem para além dc um estado social estreito e estreitador na d i­
reção dc um estado digno dn homem: Ibrças. portanto, de uma constituição dc
conjunto. não meramente da individualidade liirta. que se opõe cegam ente a so
cieiiade, Se efetivamente se pode falar dn conteúdo lírico como um conteúdo ob
jeiivo cm virtude da subjetividade que lhe e própria — e caso contrário o que há
dc mais simples, aquilo que institui a possibilidade da lírica como gênero anis
tico. seu efeito sobre outros que nào o poeta monologsintc, seria inexplicável
isso só ocorre se o retomar se ern si mesma, o recolher se cm si mesma dn obra
dc arte lirica. seu afastamento da superfície social, foi, por sobre a cubeça do au
tor, .sodülmciiic motivado. Ü meio para isso. porém, c a linguagem, ü paradoxo
especifico da formação lírica, a subjetividade que vira objetividade, está ligada
àquela prceminéncm da forma ímgíiísiica na lírica, dc que provém o primado du
linguagem na criação Hteráriu (f)tchiung) cm geral, até à forma da prosa. P o isa
própria linguagem é algo duplo. Através dc suas configurações cia sc molda m
teiramente is emoções subjetivas: um pouco rruiis. e se podería chegar a pensar
que somerue ela as faz brotar e amadurecer. Mus da continua a ser. por outro
lado, o meio dos conceitos, aquilo que restabelece ei referência irrenuneirivt:! uo
universal c à sociedade. As mais altas formações líricas são, por isso. aquelas cm
que o sujeito, sem resíduo de mera matéria, soa na linguagem, ate que a própria
linguagem ganha voz. O auto-esquedmciUo do sujeito, que se põe ao dispor dn
linguagem como de algo objetivo, c o que há dc imediato c invotunLárit> cm sua
expressão são o mesmo: assim a linguagem estabelece a mediação entre lírica u
‘sociedade no que há de mais imrinscco. Por isso a lírica se mostra mais prnfun
d cimente garantida socinlmente ali onde nào fah» segundo o paladar da sociedade,
onde nada comunica, onde, ao contrário, o sujeito, que acerta com a expressão
feliz, chega ao pé dc igualdade com a própria linguagem, ao ponto onde esta. por
si mesma., gostaria de ir.
Por outro lado, porém, a linguagem também não deve, como ítèriíi do
agrado de muitas teorias ontológieas da linguagem em voga nos dias de hoje. ser
absolutizada, como voz do ser, contra o sujeito lírico. 0 sujeito, cujà expressão.
LÍR ICA i - SGCU DADt 199

em face üa mera Significação de conteúdos objetivos. e necessária para alcançar


essa camada da objetividade linguística, nau è um adendo ao conteúdo pró­
prio delo- não lhe é externo. O instante do esquecimento de si em que o sujeito
submeTge na linguagem nào é o sacrifício dele ao ser. Não ê um instante de vio ­
lência. nem sequer de violência contra o sujeito, mas um instante de conciliação:
$ó c a própria linguagem quem Faia quando eh não Pala mais como algo alheio
ao sujeito, mas como sua própria voz. Onde u eu se esquece na linguagem, aSi élê
esta imeiramente presente: caso contrário a linguagem, convertida em abraçada
hra sagrado, cairia sob a coisificação do mesmo modo que no discurso comuni
cativo. M as isso reconduz A questão da relação real entre indivíduo e sociedade.
Não basta cliíer que o indivíduo é sodalmente mediado em si mesmo, não basta
dizer que seus conteúdos s à o sempre, &o mesmo tempo, sociais também. In ver
sa mente, também a sociedade forma-se e vive apenar; cm virtude tíos indivíduos,
cujo computo (InbegriJJ) ela é. Se certa vez ü grande filosofia construiu a ver
dade. hoje sem duvida desdenhada pela lógica da ciência,, de que sujeito e objeto
não são pólos hirtos e isolados,, mas só podem ser determinados a partir do pro
cesso em que se trabalham c sc modificam mu tu amente, então è a lírica a comra-
prova c&tclica desse filosofcma dialético. No poema li rico o sujeito nega. por
identificação com a linguagem, tanto sua mera contradição monadülógica à so
cicdndc, quanto seu mero funcionar no interior du soeiedude socializada. Mas,
quanto mais cresce a preponderância dela sobre o sujeito, mais precária é a si
luaçâo Ju lírica. A obra de Raudclairc foi a primeira u rcgistfá-lu. na medida em
que. como mais alta consequência da dor de mundo européia, não se contentou
com os sofrimentos do indivíduo, mas escolheu para sua invectiva o moderno
mesmo, como o pura e simplesmente antílírico, c. por força da linguagem herói
ca mente estilizada, extraiu dele as faíscas poéticas Já nessa óbra anuncia se.
com isso, algo de desesperado, que tão somente se balança sobre a poma de seu
próprio paradoxo. Quando, em seguida, intensificou se a contradição da lmu.ua
gem poética com a comunicativa, toda liríca se tornou um jogo de tudo-ou-nada:
nào, èiJttu.3 pretendería a opinião basbaque, porque se tivesse tornado ininicligi
vcl. mas porque, em virtude üo puro vir-a si mesma da linguagem na condição de
linguagem artística, através do esforço pela absoluta objetividade J e h , nào cei
ceada por nenhuma consideração ã comunicação, cia se afasta ao mesmo tempo
da objetividade do espírito, da língua viva, e supre uma objetividade não mqis
presente álravés do sucedâneo do aparato poético. O momento poettiame, ele
vado. subjetivam eme violento, da lírica posterior mais fraca c o preço que cia
tem de pagar para manter objetivamente cm vida nho degradada, seni mácula:
seu falso esplendor é o complemento do mundo desencantado d o q u a l d a se de­
senrasca.
Tudo isso, servi dúvida, precisa ser restringido para não ser mal interpre
tado. Era minha afirmação que a formação lírica è sempre também, a expressão
subjetiva de um antagonismo social. Mas como « mundo objetivo, que produz ; l
lírica, c cm si o mundo aniagoní stico. o conceito da lírica ruto sc esgota na ex
pressão du subjetividade, à gual a linguagem empresta objetividade, Não basta
7.01) ADORNO

di/.cr que o sujeito lírico, quatuo mais adequadamente dá sinal de si. mais vali
damente corporiílca Lambem o Todo. A subjetividade lírica deve sua própria
existência ao privilégio: somente a pouquíssimos seres humanos foi dado» a des­
peito da pressão da necessidade vital, captar o universal no mergulho cm si meá­
mos ou, mesmo, simplesmente desenvolver-se como sujeitos autônomos, mestres
da livre expressão de si mesmos. Os outros, contudo, aqueles que não apenas sc
contrapòém ao acanhado sujeito poético como alheios, como se fossem objetos»
mas que iarnbém, no sentido mais literal, fórum rebaixados à condição de objeto
da história, têm o mesmo ou maior direito dc tatear em busca da voz cm que so­
frimento e sonho se acasalam, fcsse direito inalienável sempre volta a irromper,
ainda que de maneira impura, destroçada, fragmentária, intermitente, como não
podería ser diferente, da parte daqueles que têm o tardo para carregar. Uma cor
rente subterrânea coletiva faz u fundo de toda lírica individual. Se esta visa efdi
vamente o Todo e não meramente um pedaço do privilégio, da fiuuru u da dclica
deza daquele que pode dar-se o luxo de ser delicado, então o tomar parte nessa
Corrente subterrânea pertence também, essendalmçrue, à substaneialtdade (ia li
rica individual: è somente ela que faz da linguagem o meio em que o sujeito se
torna mais que apenas sujeito. A relação do romantismo com a poesia popular c
apenas o exemplo mais visível di$$o, não. seguramente, o mais incisivo.
Pois o romantismo persegue programai icamente uma espécie de transfusão do
coletivo no individual, por força da qual a lírica individual buscava tecnicamente
0 que terá sido antes uma ilusão iJe validade universal, validade que rara mente
lhe coube em panilha a parnr dela mesma Muitas vezes, em lugar disso, poetas
que desdenhavam todo o empréstimo du linguagem coletiva tem parte com essa
corrente subterrânea coletiva pela força de sua experiência histórica. Cito Baudc
laire. cuja lírica não apenas golpeia fromalmcme ú juste mílieu. mas também
ioda simpatia social burguesa, e que no entanto, em poemas como as Peiiies
1 it ifles ou ii da servente de grande coração, dos Tabienx Parisiens, foi mais llci
às massas, para as quais voltava sua máscara trágico ulliva, do qut! Uxla a poesia
gente pobre. Hoje. quando a pressuposição daquele conceito de lírica que tomo
corno ponto Je partida» a expressão individual, parece abalada aió o mais intimo
nn crise do indivíduo, a corrente subterrânea da liricu aflora com violência rios
rmti.s diversos pontos, primeiro como mero fermento da expressão individual
mesma, mas cm ^eguida, talvez, também como antecipação dc um estado que ul
trapassa a mera individualidade. Se üs traduções não enganam, G arcia Lorca,
que os esbirros dc Franco assassinaram e que nenhum regime totalitário feria
podido suportar, ê portador de tal torça:6 e o nome de Brcchl se impõe como
o do lírico a quem foi dada integridade dc linguagem sem que por isso ele tenha
sido obrigado a pagar oprçço do esoterismo. Proibo- mede julgar se aqui o principio
poético de indíviduaçào foi efetiva mente superado (anfgehohan)* em um

'■ Vale- a penti -n CDceju çem n traduCPO CSiíMlwta. que é ancarmr na ieq«lw}frt!iíise»i« mour^Miíi iiíi I 1
li.irib.i c ttaj sirttpIt-MncrtW. twsia fiapaftemi "S i las trtutMtXMfies no enganari. Gtmrfa f-w cn .fu e ventwfero
ptâtadur de eia ju crza IN. itn T .)
" O termo esw camprçgMto im vemufo lic&diaih>de supressão conservaçjí i Uiafwta. (vinanto com ai ncce-.-
sariu conotação dc priigrc\su ufTuv» Cu nt^açan da negação. cN.doT.i
L I K I C A r SOCIHDAD3 201

principio superior, ou o que está no fundamcnLo disto e regressão, enfraquecí


mento da eu. Muitas vezes seria possivel que o vigor coletivo da lírica contempo
rãnea se devesse aos rudimentos linguísticos e anímieos dc uni estado ainda não
imeiramrtnre mdniduadu. pré Purgues no sentido mais amplo do termo — o dia
Icto. A lírtea tradicional, porém, como a mais rigorosa negação estética da condi­
ção burguesa. tem permanecido até hoje. justamenie por isso, ligada à sociedade
burguesa.
Porque não bastam ponderações de principio, eu gostaria dc concretizar
agora, pelo exame dc alguns poemae. a relação que o sujeito poético, que sempre
responde como fiudur por uni sujeito muito mais universal, coletivo, mantém
com a realidade rociai que lhe é antitéticu. Para isso. os elementos materiais, dos
quais nenhuma composição de linguagem, nem mesmo a pnésiv ptire, é capa? de
despojar se (sicfrcntaussern) inieiramenie, precisarão dc interpretação tanto
quanto os assim chamados formais, lim particular, deverá ser realçado como
ambos sc imcrpcncirtim, pois somente por força dc tal interpenciraçãej o poema
liríco propriamente mantém firme cm seus limites a batida dc horas da história-
No entanto, nau gostaria dc çlcger formações tais como a dc Gncthc. na qual
realcei alguma coisa, sem entretanto anulisé-lu, e sim algo mais tardio, versos
que não w Ninguíarizum por aquela incondicional autenticidade que é própria do
Noturno, t certa que ambas as formações sobre as quais quero dizer algu lêrn
pariu com n corrente subterrânea coletiva, Mas o pomo cm direçau ao qual cu
go stam dc orientar a atenção dos senhores è cflrno. nelas, vêrtt a luz {sfe h d a rstv f
Uw) diferentes graus de tuna relação fundartienial contraditória tk* uma soeiechidc
no elemento (Médium) do sujeito poético. Posso repetir que não se trata da pes
soa privada do poda nem de sua psicologia nem de seu asisim chamado ponto dc
vista soe ia! mente situado, mas do poema mesmo tomado como relógio solar hi s
lórico filosófico.
Rm primeiro lugar, gostaria de ler lhes f i m a t u a .1 m U t u ç u f A u / a f h r II u n
tfcrw tg j, de M õrike:

Num.a gentil euhulc/mha cm no


Nas ruas. rubro, o poente punha cor.
De uma janela aberta, eis
Por entro flores ricameme em fipr —
Quem vem pairando sons de sino em ouro
E uma vo? que eu dírm rouxinóis em coro
Fazendo tis flores fremir.
Fazendo os ares bulir
I em rubro mais imenso incendiarem se as rosas.

Nn assombro ;ili flquei, cravado de prazer.


De como irtc vi fora e os portais trunspus
Jli nem eu mesmo,juro, sei dizer.
Ai. comn o mundo, áqtii.é pura i u z !
L como o céu purpurcn ondula cm turvcliflhti
202 ADORNO

E u cidade lá atrás se esfuma em ouro puro;


O rebato entre os alnos. como murmura, c como
Murmurei ao fundo o moinho !
Sinto me como cbrio. perdido do caminho —
Ô VIusa- rne tocaste o coração, hem sei.
Com um bafejo de am o r! 7

A imagem que nos assalta c a daquela promessa de felicidade que ainda


hoje. no dia certo, c proporcionada a slmj hospede pela pequena cidade do sul da
Alemanha, mas sem a mais ligeira concessão ao tom “jogos de botões sobre a
calçada", ao idtlio da pequena cidade. O poema dá o sentimento da tepidez c do
abrigo na estreiteza. e no entanto è ao mesmo tempo uma obra de estilo elevado,
não maculado de complacência pelu agradável o pelo confortável, não cele­
brando. à maneira sentimental, a estreiteza contra a vastidão nem a felicidade do
cantinho. Fahulação e linguagem rudimentares auxiliam, em igual medida, a por
em uníssono, artisticamente, a utopia da proximidade mais próxima e o da dis
tãncia mais longínqua. A fabutaçao sabe da eidade/inha unicamente como cena
rio fugidio, não como paradeiro. A grande/.a do sentimento que se prende ao en
canta mento com a voz da rapariga, c não escuta a esta somente, mas n da natu
reza inteira — o coro — só sc revela além do cenário limitado, sob o purpüreo c
ondulante ceu aberto, no ponto cm que cidade de ouro e regato murmurante sc
conjugam em ímágo. A isso vem em auxilio, no plano da linguagem, um ele
mento impunderavelmente fino. quase impossível de fixar no detalhe, de antigui­
dade, algo dc ode. Assim como. longinquamente, os ritmos livres evocam estrofes

' A irndisçis c ounrc literal, p-nném tentando conservar a principal cnrneiimlkadi» poema. <juc é a compJi
ccçoo formal, devida o i r n j u k M t métrica, t>» »ima% cruxada», alguma» uk loontcx, ás ritn.vi internai.
c ao cromatismo vocálico. fcro alemão, o texto è o seguinte
ln cui ftcundhchc), Siadtchcn trci'ich ein.
In den Strssítrn Iicri ratei Abcndschcm
Ausdflcm afVncn Fcnswrcben.
Uchcr den rcichxien Bliimcnflor
iftnwç^, iioin mau CJtrgl^lacksiikHK
Uiul nine Slimmc scticiniíin Nachciiigdlcricbor.
Dasy. uic BUllen beben.
Oasz dic Lufte Icbcru
Dasv in hdherem Roídie Rosín kuchcen ver

Uariji' hkli ich .uunena. Iu«bcki|í>mmi;n.


Wic iictí hinsius vota I ih gckdmmcn.
Idt nveiu es v-ahrlich seiber nitíu.
AcB liicr, «-ie lic^r die WeU vn Iíc Ki 1
D e r I tímmcl wo&t in purpurnent trcwuhlc.

Ruckwanadic StnUt in çokintrm Raueh,


Wic rauícht der tirlenbacti. *i< rjiusdn
Imtirund die Mulilc!
Ich bm tvic trunkcn. irr|çefflhn —
O Musc. J li hast mein Hcr/. berühn
Mit emem Licbcshaoch !
CN.doT.)
L Í R I C A I SOCIKDAM- 203

gregas sem rima. assim também, por exemplo, o fjathm que irrompe — t no en
lauto é obtido como efeito com os recursos mais discretos tia inversão da ordem
de palavras no verso fecho dn prim eira estrofe: 44h em rubro m ai« intenso in
eendiurum se as rosas” (Uasz ifí ftofteren fiúi die Rosen teuehien vor).* Decisiva
c a simples palavra Musa no final. E como se essa palavra, uma das meus esgota
das do dassi cismo alemão, polo fato de ser emprestada ao g e i i i u s l o c i , ao p.cnio
mtclar da gentil ddadezinha. rebrilhasse uma vc/ ainda, verdadeiramente como
que a [u.z du sol dculinante c. ia a ponto de desaparecer. Fosse dona de todo o po
der dc encantamento no qual a invocação dá VUfSü cotll palavras da linguagem
moderna costumo perder pé, numa escorregadela cémitea c desastrada. Difícil
mente a inspiração d;> poema se comprovará tãn perfeitameme em um de seus
traços quanto no fato de que a escolha da palavra mais chocante, no ponto cri
lieo. pftíéíividamenie tfiòtivada. pelo gesto linguístico grego em irsiado Intente,
resgata, como em uma coda musica], a premente tensão dinâmica üü U>do. A li
rica consegue, no espaço mais exíguo, ter êxito naquilo que a épica alemã,
mesmo cm concepções como f/ermai/n and Oamthva de fíoethe. tema em vão
alcançar.
A interpretação social de ml êxito visa o estágio de experiência histórica que
sc açLis.i tto poema. O das.sicisni!» alemão havia empreendido, em nome dn.hu
mímidiide, dn, universal idade do humano. a tarefa, de eximir t emoção subjetiva
da contingência t|ué a ameaça numa sociedade em que as relações entre os hn
meus não sèk* mais imediatas c só se mantêm aunia através tia mediação do mer
cado. Hfiviít se esforçado peln objctivaçâo do subjetivo, assim como Hegel na
filosofia, c tentado superar, reconciljandtbas no espirito, nu Idéia, as contratli
çòcs d ei vida real dos homens. A pernstvnciu dessas contradições nu rcalidndç.
entretanto, havia comprometida a solução espiritual: fronte à vida rtàn susícn
t»da por nenhum sentido, ã vida que sc csfalfa no luarefameruo dos interesses
coiuwrcrue* ou, como ela aparece à experiência artisticu. á vida prosaica, frente
u um mundo cm que n destino dos hometts individuais se cumpre obedecendo n
leis cegas, a arte cuja forma ,c dtí nres dc quem fala a vo/ da humanidade hem
Uiiiada torna se fraseologia oca. O conceito de homem, tal como o havia gr:m-
jeado o elas si cismo. recolheu se por isso nu existerseiã privada do homem singu
lar c cm suas imagens: somente nelas parecia o humano estar albergado nindn.
Neceisar ia mente a idéia da hum unidade como inteira, autodcicfmin ante, foi re
nunctada pela burguesia, assim na política como nus formas esiétiea.s. O emper
rar se no confinamento daquilo que è próprio a cada um e que, por si mesmo,
obedeee g uma cocrçSo, c a que torna tão suspeitos m is iüeab eorriu os do con
UiHíivül e do agradável. (> p m prh' sentido é atado a ennlingêncía dn felicidade
individual: como que usiirpaiorinmemc. é lhe airibuída uma dignidade que e h só
alcan çaria, junto com a felicid ad e Jo Todo. O vigor so cial que ha no engenho de
Mórike, todavia, consiste em ter enlaçado ambas as exp eriências, a do estilo ele
vad o do chssicismo c a da m iniaturo p rivad a do romantismo e. ao fazõ lt>, ter

M X i RVOTW i |V.flCifíiiS. 'Kl i í k w ;4lertfijii>. íiírt-rv -frpirij ■ffirK.i e ti HJ.içiln a.n trrir.r. pois a ciiiRtrihUti • ^nriiu
r j l " . iwi l im i, Mimi tencfHr/i ,lrtr H t iir M r u r 1.
nu ADORMO

atinado- com incomparável senso de medida ( T a k i ) , com os lúniLCs de ambas as


possibilidades. equilibrando as uma frente ia outra. Em nenhum movimento da
expressão de transgrlde aquilo que podia vcrdadciramenie ser preenchido em seu
insiánte. A tão decantada orgnnicidade de sua produção nada mais e. provável
mente. senão esse senso e medida liistònco filosófico, tal como dificilmente um
poeta de língua alemã o possui na mesma escuta. Os traços pretensamente doentios
de Mbrike. sobre os quais os psicólogos sabem contar tantas histórias, c mesmo
o estàncamento de sua produção nos últimos anos. são n aspecto negativo de
seu saber, levado ao extremo, acerca do que c possível. Os poemas do pároco
hipocondríaco de Clcversúlzbach. que costuma ser incluído no rol dos artistas
ingênuos, sno peças Jc virtuosisma que nenhum mestre cie f a r i p Q u r l ürf sobrepu­
jou. O que há de t>ço e ideológico no estilo elevfldn lhe é lüo presente quanto
o que há dc menor, de pequeno burguesmente abafado üde cç^ado IVentc ã totalida
de no estilo Riederm:çle^.,, cm cujo tempo se situa a maior parte de sua lírica.
O que impele o espírito, nele. é compor, ainda uma vc?. imagens que não se
traiam nem peles drapeado nem pula mesa de botequim, nem pelos dós de peito
nem pela bcijoifuice. Como sobre um estreito gume encontra-se nele justamente
aquilo que sobrevive ainda como lembrança do estilo elevado, em suas iiliimos
ressonâncias, junto com os signos de uma vida imediata que prometessem fiança
quando eles mesmos, propriamente, já foram julgados pela tendência histórica,
c a ambos saúda o poeta, cm uma andança, apenas, ainda, cm seu desvanecer se.
tile jà tem parte com 0 paradoxo da lírica nn época industrial usccrtdcntc, TftO
oscilantes e frágeis corno suas soluções, que foram ás primeiras, são. à seguir,
as (Je todos os grandes lincos que n sucederam, mesmo daqueles que parecem
separados dele por um abismo, corno aquele Baudeíairc do qual ili/ru Claudd
que seu estilo é um misto do estilo dc Raeinc c do estilo do jornalista de seu
tempo. Na sociedade industrial a idéia lírica dn imcdialc/ que se auto restabelece
torna-se. na medida em que não conjura impotentemente o romanticamente pns
sadtk, cada ve/ mais um brusco lampejo, em que o possível sobrevoa sua própria
impossibilidade.
() curto poema dc Stcfan Clcorgc, sobre o qual gostaria agora de di/er lhes
alguma coisa ainda, nasceu em uma fase muito mais tardia desse desenvolví
mento, É uma das célebres canções üo S é t i m o A n e l ( D e r S t e h e n t i * R i n g ) , um ci
cio dc composições ailensadas ao extremo, a despeito dn leve/a do ritmo sobre
carregadas de conteúdo, despojadas dc iodos ns ornamentos J u g e n d s t i l . ^ Sua
temerária ousadia só foi arrancada $ o desdenhoso cunservativismo cultural do
C írcu lo " pela musicalizacáo do grande compositor \nton von Webern; em

3 I sliUi uUislieci. rm vuf.:t nu pfuníirj niciailu cVi sêi.1 XI V, mahiliúriai «• nu piamiu. u g»c sc «nruetsn/a
pçti. praciuso. pLiímíSCo. iJcnsu.SK fwrqMçno-tlufgEiCü. V? nome ê fomi#é9 pela jwrçàt* dus ilois perwinar.CTiü.
ímfcpmwffl c BummrhneiiT, criados pui Vjetfir von Sehçfítl, Sm tf4S, reis Ffífffefídt Bfáiter ll-nllias. Vo
:jincejs;i. oinic Ibrjira punlieudci- os poemas Biftter»tau.vs Liederíttsi. de Riehnxlt (M.do T,'l
” I.itcralmíjnw: 'VSSiU» Juventude ousta que viçou r^r volta iJl- Í4ÍX», earaewmadft polu ornanuMiação
vjigetJll CStíhoda c n^&im ch»m iíf« p w rífsrêuein ú c c.cçií, J .n - i.a d (JnvenuiitÇ)', ifirc circulou na irpocâ Chi
Munique u tinha o açfthanfâlIUi grãfiea ncvse estilo, (N. d1. T j
■ A>m; era eomo sç auuvlcnominavum os admirjKlores que sg reuniam em tomeníe Gtoree IN. do Ta
LÍRICA F. SOCIF.DADF. 205

Gcorge a ideologia e o conteúdo social fendem-se escuncaradamcntc um do ou


rrn. A canção (das Lied) soa assim:

No vira vento
Foi meu ensaio
í»õ devaneio
Sorriso apenas
U que Lu deste
D l* noite orvalho
Utn vitfrilbo bnlha —
Já urge o maio
Ja devo ao cabo
Por llli olho e cabelo
Dias, u fio
Viver de anseto, 1 }

Quanto ao estilo elevado, não há um segundo de dúvida. A felicidade das


co isas próxim as, que roça ainda o poema táo mais amigo de M pfike, cai soh o
interdito. I mandada embora ju&tumchtc por aquele p a th v s nieuschcano da dis
lãncia. do qual G eorgc se sabia o seguidor I n Ire M òrike c etc jazem com o es
pam alhos, os despojob do rom antism o; os restos idílicos estão irremediavelmente
envelhecidos c degeneraram em acalanto* de coração. Ao mesmo tempo que a
poesia de (feorge. que é it tíc um indivíduo serthoril. pressupõe como condição de
sua possibilidade a sociedade individualista burguesa e o indivíduo sendo para si
em sua singularidade, pesa um atlálema sobre o elemento burguês da forma
aceita, nào menos que sobre o conteúdo burguês.. M as. porque essu liiiua não
pode falar a partir de nenhuma outra ordem social, senão a burguesa. rejeitada
por d a nào sorncnic a p r i o r i e Lacitamente. mas também expressamente, ela c es
lançada e reflui: forma a partir dc si mesma, por seu arbítrio, a ficção dc um es
tudo feude 1 '■ isso que se esconde, socialm ente, por irás daquilo que o clichê dc

v A u^duçà"' L-rlsU.i íkj |>t‘Lí.ivcl procutA irvniai a uiusiculidiutc lninal pjir.-K.losaI du puoirlB. nM.um3r.1ln ji
moilulftvtkb :airbcfli hjuidas du I rtCJl dc lirig.u(l portuguesa (p. cx ”0 anel q«C tU UM d£S<é era v«Jro ç jç que
br ou” cic.í. A |KnJ;i üi . , w mais i*: ave du inckçào c ,1 do uspn sctnátili eo d* cxpKjoào fm wimks-w*hpn {mn
tirilir do vento). qu<- i uma brinciukirn o>m a txpríssão Forrmuín im Windeit IVetori (no soprar Uo venial
Eis aqui a pixmn cm g;ii nc c ossor
Im wmdes suben
War m&ne ft ifyt
Nur irnumerei
Nnr fãdiéln *ur
Wa , Ju gçgçben
Aul misSer rsauhi
Eia glanz eiwíachi
Nun drun&l ücr m.n
Nun muüí icp gar
I 'm dem aug uruj haar
Aüe ia^c
tn sclmcn Iclxri.
íN. dn T.)
2.06 AD ORN O

nnm ina a postura aristocrática -de Georne. EUi não é s. pose que exaspera o bur
çuês. ao qual estes poemas não permitem intimidades. itiíí^ antes, por mais so
cialm ente hostil que seja seu gesto. c sazonada pela dialética social que recusa ao
sujeito lírico a identificação cnm o vigente ç eoni seu mundo de formas, nu
megmo momento em que ele está conjurado. até seu lundu m ais intim o. com o
vigente: ele não pode falar de nenhum outro lugar que nslo seja o dc uma socíe
d ade passada, senhoria! ela mesma. Desse lugar é tomado de empréstimo o ideal
de nobreza que dita a escolha de cada palavra, imagem c sütn no poema: e a
form a c, dc uma maneira â qual c quase impossível dar solide/ dc coisa palpável,
dc umu maneira como que impregnada na configuração verbal, medieval. Nessa
medida o poema, assim como tieorge em seu conjunto, é çfeüvarncnu: neo
rom ântico, ü que ê conjurado porém não sãn realidades nem sonoridade*, e sim
um estado dc alma absorto. A latência do ideal, uriistieam ciuc conquistada, a
ausência de indo orçai sitio grosseiro, alça a canção acim a de toda ficção iteses
perada. que ela entretanto oferece: é tão impossível confundi-la com :i poesia
adorno-de-parede de Dúna M in n e e d a s A ven tu ras 13 quanto eçt» o acervo dc re
quisitos da lírica do mundo moderno: seu principio dc esiiliznçâo resguarda o
poema do conformismo, A reconciliação orgânica dc elementos conflitantes, q«c
na época 11 realidade já não aplainava mnis. Ilea sem espaço: cies so são domina
dos par seleção, p o re x d u sa ü . Onde são adm itidas ainda coisas próximas, aquilo
que Com um ente se denomina experiências imediatas, na Ifrien de George. esse
acesso $ò IIk s c permitido :-io preço da m n o lo g i/açu .r nenhuma delas pode per
muneeer o que é. A ssim , em uma das paisagens do $ é iim o A n e i, a crian ça que
culhiti am oras é metamorfoseada. sem uma palavra, com o com a varinha dc*
condão, com violência mágica, em crian ça encantada. A harm onia da canção é
arrancada ii força dc um extremo de dissonância: repousa sobre aquilo que
Valery denominava rqfus, um inexorável recusar-se dc tudo aquilo no qual a
convenção lírica delira possuir a aura du% coisas. G procedimento só conserva
uinda. COrno restos, m odelos: fls puras idéias fnrm;u. e esquemas do lírico, os
quais, na medida cm q u í rejeitam toda e qualquer contingência, falam ain
da, reiesjfcdoa de expressão. E m méio à Aiem anlm d,c Guilherm e LJ„ ç
estilo elevado, du quul essa lírica se dcsvcncilha polemicarncme. não p o ­
de Inzer apelo a tradição nenhuma c. cm último lugar, ao legado d a ssid stm
Ele é granjeado, não na medida cm que sc dá de lambujem algo de figuras
retóricas c ritmos, mas na medida cm que econom iza asceticamente tudo
aquilo que podería dim inuir a distância em r.-lação ü linguagem dagimcUida
peto comércio. Pura que o sujeito, aqui. contraponha se verdadeirâmente, em soli­
dão, à eoisificação. cie nem sequer deve tentar m a» recolheresc ao
próprio como a sua propriedade; os vestígios de um individualism o que. nesse
meus Lempo. jà se entregou ã tutela do merçado, no subjeLiví.siuo da crônica dc

'* Heferrnçui ,i Cüíiçãn truvad crcsca da IJpuk Mcílb iMinapsengt. «niradn no .amor ewièv <j«» csvaloins
por sun Úunii.c àepwpíiii medieval, que era dividida era. capitula diam ado- "avrniurairi A palavr* mmtrr,
em medio aJtiÃ-akmão, fiip;mFic;,v;i ‘-am o :’’ Já ;i palavra Schimick, m i ..iVnià.. modcrim. ,ui pt*li» ser irad»,
nia çom* ÍliÍ:-mêuíCíu.i liirralinunrc. iidi.jrin.t11 (N.dnT.J
I ÍR IC A l SOC II Li ADI 207

jo rn al, repelem; é preciso que o sujeito saia üe si. através tio calar-se, É preciso
que ele laça dc si como que o recipiente para a idéia de uma linguagem pura. É p
■salvamento desta que visam os grandes poem as de George, Form ado na* línguas
ro m ã n k â s. mas lambem, em particular, naquela redução da lírica ao mais Sim­
ples- através da qual Verlaine p converteu cm instrumento para o m ais diícrcn
ciado, o ouvido do discípqio alemão de MaUarmé ouve sun própria língua como
se fosse estrangeira. Supera u alienação dela, causada pelo USO. huensifieandq-a
até o alheamento 14 de uma língua que propriamente já n tio c mnis falrtdn. diga
mos uma iingua im aginária, cm que lhe surge aquilo que em sua com posição se­
ria possível e no entanto ja m a is ocorreu. A s quatro linhas: **Jy devo ao cabo/
Por teu olho e cabelo/ D ia s a fio/ Viver dc anseio” (Nun musz ich gari Um
dem &ug imd haari Alie tageJ hi sehnen kben), que eu considero um dqs momentos
itints irresistiveís jam ais alcançados pela lírica alem ã, são como uma citação,
mas não de um outro poeta, c sim do irreparavelmente perdido pela língua: esses
versos, leriam de ter sido trovadas (gçlungen) pelo M itm esang 1 se este. se uma
tradição da linguu alem ão, se quase estaríam os tentados a dizer a própria
língua alemã tivesse dado certo (gtíitotgen nwfi/, E ra netsse espírito que Bor
chiirdt queria Eraduzir LJante. Ouvidos sutis têm trnpeçydo nesse elíptico ,Jg a r ' f
(na tradução: “ ao cabo” ), que sepi dúvida faz as Vcv.cs de "ganz urut gar " (na.
tradução: *4ao llm e ao eâbo” ) e . cm certa medida, está im iti ado a bem da rima,
Pode-se admitir tal critica, do mesmo modo que se admite que a palavra assim
que foi encravada no verso, não oferece mais nenhum sentido exato. M as as
grandes obras de arte são niqueías que. ítrt seus pomos mais problemáticos, são
feli/c*; a s s i m , do mesmo modo como. digamos, a mais alta m úsica não se esgota
puramente em sua construção, mas se atira pura além desta com um par de notas
ou com passos supérfluos, o mesmo se passa também com o “g ítr", uma goet
hccina "sedunenuição do absurdo” , com que a íngua refoge ã intenção subjetiva
que trouxe consigo u p alavra: ê provável que .ejo simplesinetue esse "gar "aquilo
que institui a dignidade do poema com o vigor de utn d è jà v u : aquilo através do
qual sua melodia verbal alcanço além do mero significar ( Õ edeu ten J. Na época
do declínio da Itnguágcm. George apanha nela a idéia que a marcha da história
Use negou e articula linhas que soam . não com o se fossem d d c. como se tivessem
estado ai desde o com eço dos tempos e devessem necessariamente -cr pura sem
pre assim . 0 quixotism o disso, porem, u im possibilidade de ud poesia repara
dor a. o perigo da artcsaníce acrescem ainda ao conteúdo do poema: o quiméricq
anseio da linguagem pelo impossível torna-se eni expressão do inestancáve] an
seio erótico do sujeita que. na outro, se descarrega de si mesmo, Foi preciso i re­
conversão da individualidade, intensificada até ao desmedido, em auto
aniquilam ento — e u que c o culto a M in in iin o do Gcorge du ultima fase, senão

O 'Vsirangçjrn", Ca ?iniu-ri..r, Jrariiti io iiíi/tLiVí?; Mii‘;iri^ciri.u ealninho, alheio, aíienus). Kecticie,


poií, Utretamenie s palavra Emfitmüuc^ IrâduriUii uma vt/. por "abc& tçâ.j" t em vcBUlífll por "alhcii-
nttnuj". A mesma palavra que ira Jircçhi. cosu ms ser traduzida por "estmiliítenen:.::" ou “distancia
mcntcC' 1o<jo k .w ioro hism nra -tirp>âriLi^r. esra presenü riu CesUi alemão. (M. do T.t
i V Mia 1
2 0?, ADORNO

d abdicação da individualidade, interpretando- se tie maneira de.sesperaüamsnte


positiva? para preparar a fantasmagoría daquilo pelo qual a língua
alemã, cm seus maiores mestres, tateou em vão: a canção popular. Somente em
virtude de urna diferenciação que chega tão longt a ponto de não poder mais su­
portar sua própria diferença, nem nada mais. que não fosse n universal libertado,
no indivíduo, da vergonha da índívíduâlízaçào, a palavra lírica torna o partido do
ser-cm-si da linguagem contra sua servidão no reino dos fins. Com isso, porém,
fala em nome do pensamento de uma humanidade livre, por mais que a escola de
Gcorge o Lenha ocultado de vi mesma com n baixo culto das alturas. Georgé tem
sua verdade em que Sua lírica, na consum ação do particular, na aversão pelo bu
naU do mesmy mudo que. afinal de comas, também pelo seleto, derruba os muros
da individualidade. Se a expressão dessa verdade se encolheu em expressão indi
vidual, sÉiUtratla inteiramente com substância c experiência d:i s o lid ã o própria,
então é jusiameme essa palavra que sc Lorrta cm voz dos homens, entre os quais a
barreira caiu.
A F r e d P o ih c k ,
n o a e u se p tu a g é sim o q u itu o a n iv e rs á rio ,
c o m am izade

IN TR O D U Ç Ã O Ã C O N T R O V É R S IA SO DRE O PO SITIVISM O
N A S O C TOL O G IA A L E MA *.

Abn> Sémmo — quero sair!


STANISLAW J E R Z Y L l C

Em s u a » incisivas o b s e rv a ç õ e s a rcspuiLo da discussão dè Tübingcn suhrc as


duav comunicações, com qtte começou na Alemanha a controvérsia pública sobre
dialética c, no sentido mais amplo, a sociologia positivista.1 Ralf Dahrendorf
lamenta ter a discussão carecí do, >lem geral, daquela intensidade que seria apro
priada às diferenças de concepção delivamente presentes d Em consequência, al­
guns dos participam cs. da discussão criticaram “u ausência de tensão entre as
duas comunicações principais e entre os seus relatores".5 Diante disto, Dahrsn
dorf sente "'a ironia de tyi> concordâncias'’; por trás <lc coincidências da formula­
ção teriam se ocultado diferenças profundas coneememes, ao assumo. Que efetiva
mente não se originasse discussão alguma, eua que razões opostas LivcssCCl Stí
entrelaçado, não era devido unicamente à conciliação dos relatores: eles almeja
vam. cm primeiro lugar, tomai icoricumeniç cOmcíisurúvcts as posições. Mas
também não ê simples mente responsável a atitude de alguns participantes da dis­
cussão que convertem em trunfo sua estranheza em relação à filosofia, por vezes
SOmcnlc granjeada. Os dialéticos recorrem explicStamerUe i lilusofiu. porem os
iittei esses metodológicos. ik>s positivistas não são menos alheios a<> empreendi­
mento dc pesquisa ingenuamente praticado. Ambos os relatores deveríam se eon
fossar culpados de uma carência verdadeira, que bloqueava a discussão: ambos
não tiverarn sucesso na medição total â sociologia GOrtió lal. Grande parte dc que
diziam referiu se à ciência cm geral Unni parcela dc abstração pejorativa è posta
para toda a teoria do conhecimento,, bem COrnO para sua critica.'' Quem. na sim
pies i.medi ate/ do procedimento científico, não sc conforma afasLundo se dc suas
necessidades, aufcre. jumamcMc com a visão mais livre, também vantagens ilcitín
mas,. Entretanto, não procede o que freqUenicmcnlc ouvimos, que a discussão de
Ttlbingert pcrmaiWCcu nu terra de ninguém c por isto não foi proveitosa á sociolo

* Traduzido do atestuo: “ElnloiTuils", em Der PvsíilvàmusstrcU iu A t deutsch&t Soslologie.


Dítirnstndi mu! Ncu;ivieil. IV74. IJ- LudiMCfiwfuJ VçíI hjj. 3/ pp, 7 "V.
1 Vklc .1 intr-íHlüviio *.k S»ràth*ght . FitCH&Jkt th? E. Durkhetm. Fnwklurt lVo7. pp. 8 imUu. A.:;*,íiiílIc t*
ntwamante nue fúpper c AUnmI nãn -,e UmWnm :it' p.■ >-.i"i iv- • :iir> lõu.iit* rwtrha. Porque, Bfwsar cJntionct
üsrades fwsitiviüUs. o textoftcxpüeiinm-
KjCI Dtliri.iul,iri’. ' Ani ivsuii^vi.i «ui llt^ku ii;>n vlcr U ttVfiiic vr-n k;i I F P-upper uihI Theçjar W. Adop
no" i.“Notas ã Diseufisio lias ( nmunicacóos dc Poppcr« AdciraíTí. cm 1 Dispuui da Paxifhnsmt* nc Sacia-
íOfiíá l.!£mã, dc A (Somn cowrflfl, Hcrniann I ..njterhíoíd. DartusiaJ: innt Nvuwicd. [972. p 145.
3 toe, CÍK
‘ I Uns Aibctt. “Dci MyUios der wtalea VtriiuíT (“O mim da -azia t a u l e m A Ovspw ifc>Positivti-
mo. . . p. 197.
210 AD O R N O

gia como çiêiicia determinada. Argumentos que se entregam à teoria analítica da


ciência, setn atender a seus. axiomas — c somente isto pode -se querer dizer com
“ terra de ninguém" — , acabam caindo na máquina inferna) ria lógica. Por mais
íidmente que sigamos o princípio da crítica imancuie, este não há de ser aplicado
irrefleú da mente ali. onde si própria imanêneia lógica, prescindindo de qualquei
conteúdo particular, é erigida como referência única. Acrcsceme-xc à critica ima-
Titínte da lógica desenfreada, ade seu caráter coercívo. Este c adotado pelo pensa­
mento mediante u irreíletida identificação com processos- lógico-formais. A crítica
imanente tem seu limite no principio feríchizádo da lógica ímauetltc: a este há que
indicar peEo nome. Além disto, a relevância de conteúdo para a sociologia das
pretensas discu&Mta na terra de ninguém não c muito rebuscada, O podermos dis­
tinguir entre aparência e essência implica imcdititumcnts;, se podemos falar de
ideologia, e assim através de todas as suas ramificações, ama peça doutrinária
Central da sociologia. Uma tal relevância de conteúdo do que mais parecem ser
preliminares lógicos ou da teoria do conhecimento se explica pelo fato de que ay
controvérsias decisiva», por sua ve*, suo da natureza de conteúdo latente. Ou n
conhecimento dâ sociedade está intimãmcntc vinculado a esta- e a sociedade iran
sita concretantóiHe à ciência de que é objeto, ou esta c somente um produto da
razão subjetiva situado além de toda questão rctros pcctrvu quanto a suas próprias
mediações objetivas,
Contudo, poí irás da recriminada abstração, espreitam dificuldades muito
mais sérias da discussão. Paru ser possível ela precisa proceder conforme u lógica
formal. A tese da prioridade desta, porém, constitui por xcu lado o ccme da con
ccpção positivista ou trocando a expressão, talvez excessivameíitc sobrecarfè
gada. par uma eventual mente aceitável a Pop per da concepção cientificistn de
cotia ciência, incluídas sociologia c teoria social. Não deve sc excluir dentre os
objetos da controvérsia, se a inalienável logieidadc do procedimento cfctivumcnie
proporciona à lógica o primado absoluto. Contudo, raciocínios motivados pela
auto-fdlexão crítica do primado da lógica em disciplinas objetivas cacm inevita­
velmente em desvantagem iâtica. Precisam pensar sobre a lógica com meios entre
os quais sc afirmem os lógicos — uma contradição do ripo de que já Wmgensteín.
o positivista de maior reflexão, se tomou dol o rosa mento consciente. Se u m debate,
impreierivcl como o presente, fosse conduzido a respeito de visões de mundo, par
rindo de pontos de visto externamento opostos, seria infrutífero a p r i o r i : mas. pas-
sando à argumentação. sofre a ameaça de serem reconhecidas sem discussão as
regras do jogo Jc umu das posições, que não perfazem por último o objeto de
discussão,
A observação cio correlator. dç não se tratar de uma diferença de pontos de
vista ruas de oposiçóe* deeidíwis, foi respondida por Dábrendorf com a pergunta
“se o primeiro não seria falso e o segundo verdadeiro ".6 K certo que, em consc
qiicnciu, as posições não excluiríam discussão e argumentos, as diferenças na
natureza cln argumentação contudo suo tão profundas, “que é preciso duvidar

* Piihrtfndcui' ioç, ci'/,r p. 150.


POSITIVISMO NA SOCIOLOGIA ALEMA 211

Popper e Adorno sao cupaz.es de concordar quanto a um único procedí mento


sequer, com cujo auxilio permitir-se-iam decidir suas diferenças".6 A pergunta
tem propriedade: ela admite resposta apenas uma vez realizada a tentativa de pro­
vocar uma tal decisão, nàn antes. Somos impelidos A tentativa, porque a tol.c
rãncía pacifica para dois tipos diferentes de sociologia. coexistentes lado a lado,
não conduziría a nada melhor do que a neutralização da enfática pretensão de
Verdade. A tarefa se apresenta paradoxalmente: discutir as questões controversas
sem preconceito iogicista. mas também sem Uogmatismo, Os esforços neste senti
do. e não astuciosos artifícios erísticos. con>tituem o que Habermas quer dizer
com as formulações “ infiltrar sob"' ou “ por trás das costas” . Havería de ser
encontrado um local espiritual, cm que pudesse existir concordância, sem contudo
aceitar um cânone tematizado na controvérsia mesma: uinn terra dc ninguém do
pensamento. Este local não deve ser imaginado, conforme o modelo da lógica da
proporcionalidade, como ainda mais geral do que as duas posições em choque.
Obtém sua eoncreçào, porque também a ciência, incluída a lógica formal, não é
apenas força social produtiva, mas iguulmente relação social do pioduçuu. Kcsta
saber se isto é aceitável para os positivistas; abala criticamcrtc a tese fundamental
da autonomia absoluta da ciência, do seu caráter constitutivo para qualquer
conhecimento. Haveria que questionar se é válida uma disjunção convincente
enlre o conhecimento c o processo dc vida real; se. ao contrário, o conhecimento
não é mediuiizado cm relação u ç$tc. e mesmo se sua própria autonomia, mediante
o que sc tornou independente e se objetivou produtiva mente frente n sua gênese,
não é por sua vez derivada dc sua função social; se não constitui uma conexão de
imancncia. e igualmemt*. conforme sua constituição corno tal. se se situa num
campo circundante, atua também sobre sua estnitur;i imaneme. IJma tal ambigüi
dade, por mais plausível, seria conflitante com o principio du não contradição,
pois a ciência seria autônoma, c não o seria. I Jmn dialética qnc sustenta isto deve
tampouco. como em qualquer outra parte, comportar-se como "pensamento privi
Iagindo"’: não deve apresentar se como uma capacidade particular subjetiva, com
que um é dotado e que é negado a outro, ou até se fazer passar por intuicíonismo.
Por outro lado. os positivistas precisam lazer o sacrifício de abandonar a posição
denominada por Habermas de "nào-estou entendendo", não desqualificar
simplesmente como ininteligível tudo o que nàu é concorde com categorias como
os seus “ critérios dc sentido” . Lm face da hostilidade a se propagar contra a filo­
sofia. não conseguimos abandonar a suspeita dc que alguns sociólogos querem
obstinaílumcnte se livrar do próprio passado, conira o que este costuma se vingar.
Prima vista, a controvérsia se apresenta como se os positivista* represem
ta-s-sem um rigoroso conceito de validade científica objetiva, diluído pela filosofia;
Os dialéti oos seduzem, conforme o insinua a tradição filosófica, de modo especula
li vo. I certo que nisto o uso d;t linguagem transforma o conceito de especulativo
em seu oposto. Ele não é mais interpretado, como cm Hegcl, no sentido dc auto
reflexão c r i t i c a dk» en ten d im e n to , sua lim it a ç ã o c sua correção, mas inadvertida

6 Lu c. cit* p. 151.
212 AD O R N O

mente de acordo coto o modelo popular, que sobre especulativo imagina aquele
que pensa [utilmente sem compromisso, justa mente sem auto crítica lógica e sem
confrotaçào com as coisas. A partir do desmoronamento do sistema heleaiano. e
talvez coam sua consequência, a. idéia <ie especulação sc inverteu deste modo. Uil
como o queria o clichê fãustico do animai em árida charneca, O que devería
designar o pensamento que se despoja de sua própria limitação, adquirindo assim
objetividade* c equiparado ã arbitrariedade subjetiva: à arbitrariedade, porque a
especulttçào carece de controles uni versai merne válidos; ao subjetivismo. porque
o conceito do fato especulativo é substituído, w m ênfase na mediação, pelo "con
ceíio" que aparece com o retorno ao realismo escoláslíco. e. conforme o rito positi
vista, corno realização do pensamento. a se confundir audaciosa mente cora um
ser em si. Frente a isto. mais força do que o argumento tu q u o q u e , 3 tuu reticente
para Albcrt, tem a tese de que j posição positivista, cujo parhos e cujo efeito se
prtrndem à sua pretensão d c objetividade» é por sua vez subjetiva. Isto o antecipou
á critica de Hegel ao que denominava filosofia á i refiexâo, O triunfo de Camap,
segundo o qual du lilosofia nào restará nada. a fiàõ ser o método: o da análise ló­
gica. constitui o protótipo de uma decisão prévia quasíonrobgka paru uma razão
subjetiva.9 ü positivismo, para v qual comradições são artátentâs, possui n sua
mais profunda e inconsciente de si mesma IconlruiliçãoJ, ao perseguir, nHeiício
nalmenle. a mais extrema objetividade, purificada dc todas us projeções subjeti
vas. contudo apenas enredando se sempre mais na particularidade de uma razão
instrumental simplesmente subjetiva Os que se sentem vitoriosos frente ao idea
lismo lhe são bem mai$ próximos do que ê jj teoria critica: hipostasiarn ao con
trnlc científico o sujeito COjçnosüenle. :.c tem que nàt> mais amui sujeito Criador,
absoluto, mas ainda como o topoií novtiaw'* de toda validade Enquanto querem
liquidar u filosofia, simplesmente advogam uma que. apounfit na autoridade da
ciência, se toma impermeável a.vl mesma. E‘ m Camap. elo final da cadeia I lume
Madi bchlick. o vínculo com o positivismo subjetivo mais amigo ainda esui pre
sente através de sua interpretação sensuafistu enunciados protocolares. Como
tambêrn estes são fornecidos a ciência somente através da linguagem, e não são
imediata mente determinados pelos sentidos, aquela interpretação desencadeou a
problemática de Wiiigcnstein. Porém, de modo algum o subjetivismo latente c
rompido pela teoria da linguagem do Jraciaíus. “A filosofia nào resulta cm
proposições, filosóficas", a firma neste, “ mas em tornar daras as proposições. A
filosofia deve tomar os pensamentos, que. assim dizer. sã., vagos c obscuros e
torna los claros e bem delimita dos."10 Clareza, porém, corresponde unicamente* à
consciência subjetiva. No espirito ciemifieistu. WitLgensieiiv 'uvbrcearrcga du tal

Alguirumu» tu tfttõifae c o se volta oenjrrft sí «icfioio. S‘o vumi fircBCiuc. a crinca à CiaJética como rcile-
*à(i .lesprovida dc autocrítica lógica t confrontava*-) mm i. cm-. i:. cias mesmas. iptieíi-se ao pròffk» putiu
vi-.íno que w movv, ,i alter jí , no poi ..'vil- uperMta uu cun; cito Oc npecilIfttlVú. IM. do I i
11 Q tfonuwitu x cnceinra ’ •-•ovolvnkj em: Mas Hürkft^jmcr. Criiicu dú Rúzãn Insirumittvt. t.* omu*-
tTanJífuiT, l9{i?.
B Li>i;al dçtenBifiactí1flc ÇriohfcHneut.. iN í: T '
LuUvíii; wàugciüxeiri. 'fta c to tu s P f t i iv w p h i c t t í t.I 12, FuuikLurL. 2Vftl>l MlóVfi, pO- 31 ■ eiliiilo
pela tradução portuguesa CeJ-A. Qiwiioiu. (N, doT)
PO SIT IV IS MO N A S O C I G L O G 1A A L E M Ã 213

modo a pretensão de objetividade que da sc desfaz e cada àquele paradoxo total


da filosofia, que forma o nimbo de Wittgenstein. Subjetivismo latente constitui se
em contraponto dc objeti vi sino de Lodo movimento nominaltaLa du ilumimsmo, a
permanente fâjfidçfiú ad hominen r. A ela o pensamento nao precisa se submeter.,
pois é capaz de desvelar criticam ente o subjeiivismu latente. í suTpreendcme que
os cieirtificisias, inclusive Wittg.cnstein, tenham -sc incomodado Làü pouco com
isto. como também com o permanente antagonismo da ala lógico “formal e da ala
empírisUi, cjuc. cm forma distorcida no interior do positivismo, revela um outro
dos mais reais. Já em I Iume a doutrina da validade absoluta da matemática sc
opunha heterogênea mente ao sensualismo cético. Nisto se manifesta o insucesso
do cientilictamo na mediação de facttcidade e conceito: dissociados, ambos tor­
nam-sc logicamente inconciliáveis, & menos sustentável a precedência absoluta do
evento singular frente às “ idéias”, do que manter u autonomia absoluta dc cm
domínio purmnertre ideal, prcctaíimend: o matemático. Enquanto *e conservar,
não importa sob que variação, o mi* vst parçipt de Berkeley. é incompreensível
donde provém a petcmdio dc validade das disciplinas lurmais que nâo possui séu
fundamento em nada sensível. Inversamente, todas as operações çonsetivas do
pensamento do empírtamo. para as quais " nexo das sentenças constitui um çrite
rio de verdade, postulam a lógica formal. Esta simples consideração deveria ses
suficíçmc para mover o ciani fie usino cm direção à dialética. A polaridade ahstra
tíi. no mau sentido, do formal e do empíriço, contudo. se mantem perceptível nas
ciências sociais, A sociologia formal ê o complemento externo dn experiência
restringida, para usar um termo dc Hubermas. Nâc ià o as Leses do formalismo
sociológico, as de Simmel, por exemplo, que lulütB cm si, mas sim os atos do
pensamemo que as arrancam da empina, as hipostasiam e posteriorroente lhes
conferem conteúdo ilustrativo. Algumas descobertas favorita* da sociologia for
mal, como a burocrati/;içdo dos partidos proletários, têm seu fundamento ér rc,
porém nào se originam invariavelmente a partir do conceito de ‘'organização em
gerai” , mas sim de condições sociais, wmo ci obrigação de &c afirmar no interior
de um sistema prepotente, cuja violénctn se realiza graças à difusào pelo todo de
sua* próprias lormas dc organização. Esta obrigação sc partilha com os oponen
tes. não apenas mediante Lransmjsxão soeifit, mas Lumbém de modo quase racio
nal; para que a organização possa representar momentan ca mente de modo efi
ciente as interesses de seus membros. No interior dy sociedade cotai fie ada, nada
Lcm chance dc sobreviver que por sua vez não seja coisifteade. A universalidade
histórica concreta do capitalismo monopolista se prolonga no monopólio do ira
balbo c todas a> suas iimplicações. Uma tarda relevante da sociologia empírica
seria analisar os dos intermediários, demonstrarem detalhe como a adaptação :iã
relações capitalistas de produção transformadas se apodera daqueles cujos irue
resses objetivos á ia fongueicom o tempo) se contrapõe àquela adaptação.
Com razão, a sociologia positivista dominante pode .ser denominada sybjc
iiv .l no masiTM) sentido da economia subjetiva; em um Jos representantes princi
puta desLa, Vilfredo Pareio. o positivismo sociológico contemporâneo Lcm suas
raizes. Aqui “subjetivo” possui significado duplo. Uma vez a sociologia Jorni
254 ADORNO

name opera, na expressão de Hahermas. com reiícuias. esquemas sobrepostos ao


material. Enquanto nestes indubitavelmente o maíeria! também tem importância,
de acordo com o lugar em que precisa ser ajustado, constitui uma diferença ca pi •
táí, sc o material, üs fenômenos são ou nâo interpretados conforme uma estrutura
em &5 pré estabelecida. não produzida em tiUenção classiílcatória pela ciência.
Quão pouco indiferente é a «colha dos supostos sistemas de coordenadas, pode
ser exemplificado na alternativa ite submeter determinados fenômenos sociais a
conceitos como prestígio e st.itus, ou derivá los de relações objetivas de domina
çào. Segundo ü última concepção. slulus e prestígio se submetem à dinâmica da
relação de classes, e em princípio podem ser apresentados como suprimívçjs; sua
NUbstinçào ciassifi entorta contudo toma tendenciosa mente aquela ■ > categorias
como aipo simplcsmenie dadu c virtual mente imutável. Do conteúdo de tal modo
rico cm consequências é uma distinção que aparentemente diz respeito apenas ã
metodologia. C o m isto concorda também o subjeiivism o da sociologia positivista
em seu segundo significado. A o menos em um setor bastante coasidtírâvd de sua
atividade, ela pnrte de opiniões, dc modos de com porta mento, da autacompreen
são díi-s sujeitos singulares e da sociedade, em vez dc partir desta. N um a tal
concepção. .1 sociedade é. em am pla medida., a consciência ou a inconsciência
média a ser obtida esiaiistiçam cm c de .sujeiteis so cializad o s e que agem social
mente, e não t> melo em que estes se movimentam. A objetividade da estrutura,
para os positivistas uma relíquia mitológica, é, segundo n teoria dialética, o a
ftrfo ri da ra/áo subjetiva cinmo.sceruc. C a so se tornas.se consciente disto, d a lerin
que determinar a estrutura quanto a suas próprias leis. e não pur m mesma, con
forme regras dc comportamento de ordem conceituai. C o n d içã o e conteúdo de
fatos sociais a serem levantados a partir de sujeitos singulares sãõ fornecidos por
aquela estrutura. Nào importa até que ponto a concepção dialético da sociedade
recuperou sua pretensão de objetividade, e se esta lhe é mesmo possível * 0 lato
é que d a a considera com mais gravidade do que seus uposileros, que adquirem a
segurança aparente das suas descobertas objciivum entc válid as, na medida em que
renunciam desde o inicio u vigorosa idéia dc objetividade, taE com o esta fora
considerada em relação ao co n cd to do em «i, O s positivísins emitem ju ízo s pré
vios sobre o debute, na medida cm que deixam transparecer que representam um
tipo dc pensamento novo que progrediu, apesar dc suas concepções., nu expressão
de A lh ç n , hoje ainda não terem se firmado em toda parte, porém em relação às
quais íi dialética consum i arcai smeu E síli visão do progresso deixa dc lado o
preço, que o está sabotando, 0 espirito deve progredir, na medida em que, como
espírito, se constrange cm ben eíeio dos fatos efctiv&mente umra contradição lógí
c a ‘Por que", pergurun A lbert. 'novas idéias não deveríam iuualmente tc: uma
chance dc se confirm arem ?” ’ ' A s idéias; novas referem ve a uma mentalidade em
geral pouco amistosa para com idéias. Sua pretensão á modernidade não pode ser
outra senão a dc uin iluminismci avançado, Esto, cernindo. necessita da auto rc
fiexão critica da razão subjetiva, cujo progresso, unido ínrimameme com a dialê

1I ARrart-^OnaãiiNda r.izào tiULnr -I Disputa ik±Pfixitfvísmt). . . p. 2íY5


PO S1TIVÍSM O N A S O C IO L O G IA A L E M A 215

rica do iluminismu, nau pode ser incondicionahnente suposLo como a suprema


objetividade. Eis o loco da controvérsia.
O nào ser a dialética um método independente dc seu objeto impede sua
apresentação como um paro si, lia] 00mo a permite o sistema dedutivo. Nào obe
doce ao critério da definição, critica-o. Mais grave é que, após o irrevogável ruína
Jo sistema hegeliano. da tinha perdido também a OUtrora existente e profunda
mente discutível consciência de segurança filosófica. O que lhe recriminam os
positivistas, a carência de um fundamento sobre que sc cdifica todo o restante,
constitui também a censura cia filosofia dominante: falta-lhe arkhê. Em sua versão
idealista, atreveu-se a mostrar o ente de incontidas mediações, graças mesmo à
sua não identidade própria com o espirito, como sem restos idênticos a este. Isto
malogrou, motivo por que a dialética em sua configuração atual nào se situa
menos polemicamente em relação ao mito da razão total” do que ao cienlifi
cismo de Albert, Ela nào pode considerar garantida a sua pretensão de verdade
como nos tempos idealistas. Como principio abrangente de explicação, o movi
mento dialético em Hegd entendia se sem mais como “ciência”. Pois, já em seus
primeiros passos ou proposições sempre estava contida a tese da identidade que.
no transcurso das análises, tanto era corroborada como explicitada; Hegel a
descreveu por meio da igualdade círculo. Um tal fechamento que cuidava
para que nada fosse extraído da dialética como sendo inessenciíd ou acidental sc
perdeu, juntamente com a necessidade e a univocidade; ela não possui um cânone
a regula Ia. Apesar disto tem sua razão de ser. Social mente a idéia dc um sistema
objetivo que é em si nào e tào quimérica como parecia ser após a queda do idea­
lismo. c tal como é alegada pelo positivismo. O conceito de grande filosofia, lido
por este como superado12 nào é devido a pretensas qualidades estéticas de reali
/.ações do pensamento, mas a um conteúdo dc experiência que. justam CMC por
causa dc sua transcendência cm relação á consciência humana singular, atraía
para a htpóstasc desta como absoluto. A dialética é capar de se legitimar
mediante a retraduçao deste conteúdo na experiência de que proveio. Esta, porém,
é a experiência da mediação dc todo singular por meio da totalidade social objeti
va. Na dialética tradicional ela estava disposta de cabeça para baixo, segundo a
tese dc que a objetividade precedente, o próprio objeto, entendido como totali
dade, c sujeito, Albert censurou ao correJaior de Tübingen o ter passado pelo
caso, delicadamente, com simples indicações acerca da totalidade . 1 3 Ora. é quase
tautológico que o conceito dc localidade nào pode ser apontado de igual modo
como aqueles fac{$ dos quais sc destacou como conceito, ,kPara a primeira apro­
ximação, ainda em dem asia abstrata, recorde-se a dependência dc todos os singu
lares quanto à totalidade que constituem. Nesta também todos são dependentes de
todos. O todo só sc mamem graças à unidade das funções efetuadas por seus

VJUf Helniut F Spinncf. “Wu wjusi du Pliuiüún? llin kJdncf Pnuicsi pegea cuic ‘grasse Pttilüsupliic’
cm Soziale I¥ à t; Revista 2/3. ano 18. dc I9ê7, pp. 174 « .
; fláberl. lar. nt.. p. IM4 . nota |
2 l6 AD OK NO

membros. De modo geral, iodo singular precisa., pura viver, tomar sobre si uma
Tunçào c aprende a ser grrato enquanto tem uma.” '14
A lb ert resp o n sa b iliza Habermas por uma idéia Eotaã de ratão, eom todos os
pecados da filosofia da identidade. F.m termos objetivos: a dialética procede, ruim
modo hegcliunamenic obsoleto, com uma representarão do iodo social fora do
alcance da pesquisa e que deve ver abandonada. O fascínio exercido pela Theory
o f thc Middlc Range de Mcrion há que ser explicado cm grande pane pelo celi
cismo quanto ;i categoria de tolitlidatL*, enquanto os objetos de tais teoremas são
obtido? à força de conexões alastradas. Conforme o mais simples convm n sense.
a empiria conduz à totalidade. Se estudamos. por exemplo, o conflito social em
um caso como o dos excessos cometidos em Berlim, contra o? estudantes, em
3967. então os motivos da situação Isolada (lãü são suficientes para a explicação.
Uma tese como n de que a população reagiu espontaneamente contra um grupo
que lhe parecia põr em perigo os interesses da cidade, mjmhda sob condições
precárias, seria insuficiente não ,somcru c devido á quesiionabilidadc das cçmexòíb
poli tico-ideológicos por ela imputadas De maneira nenhuma ala torn? plausível a
fúria mantlcsmdu imcdíaiamcnte por violência fisica conira uma minoria espeei•
liea visível e facilmente idenlíficável peto preconceito popular. Os estereótipos
mais. difundidos c eficazes cm voga contra os estudantes; de que participavam de
manifestações cm ver de trabalharem utna inverdade flagrante — . de que
desperdiçavam o dinheiro dos contribuintes que pagam os seus estudos, e coisas
semelhantes, evidentemente nada têm n ver com 3 exacerbada situação. Tais
lemas se assemelham visivelmente àqueles da imprensa do ‘dingo";15 mas uma Lu!
imprensa dificilmente encontraria ressonância. se não se associasse a disposições
da opinião c dos impulsos Jc numerosos indivíduos, que cia confirma c fortalece.
Anti intelectual]sírio, p disposição rfc projetar o dcscomentámcnio eom situações
problemáticas sobre aqueles que denunciam os problemas revelam se às reações
às causas imediatas; estas aluam como pretexto, como racionali/.uçua, Mesmo
que o situação tfc Berlim fosse um fator que contribuísse para liberar o potencial
psicológico das masaas, da por sua vc/. não seria inielijtsívcl fora do contexto da
política internacional. Pretender derivar da assim denominada situação Ic Berlim,
o que procede de dispuias de poder que se aiufili/um no conflito de Berlim. seria
um procedimento por demais limitado. Prolongadas. ;ls Linhas condiu»em ao plexo
social. Dada a multiplicidade infinita do seus momentos, este dificilmente admite
ser apreendido por prescrições demificistas. Contudo. uma vex eliminado da ciên­
cia. os fenômenos são atribuídos a causas falsas, do que regularmente se aproveita
u Ideologia dominante. Que a sociedade não permite ser firmada como fato. isin
expressa apenas o fato mesmo <ja mediação: os latos nào $ie aquilo tido por u|ti
mr> e impenetrável pelo que os considera a sociologia dominante, conforme oh1

14 TUfiôiiíV W Atlitrnsi. vocábulo Snoic.liuití, .m S l a u f s l i t x r k w i StuUpJ.IL. IVÍ>7. calmiil 637.


1 ■ 'Jiiijíp" 'U-Msnuvü um partido ounscrvaanr briiaiiiu.*. na fluCíTa K ukm>- liinca de tSTV-nuurefHtn fm
Va-i u Inglaterra j guerra txim a Rússia, se mifezou J j imprensa. A partir disio. r termo pjnia a reprotemaj
■n llurra-pauioi.u jiaiãiita cxakado e imperíri lista faa itiM , i N . do TO
POSITIVISMO NA SO C IO LO G IA ALE MA 217

modelos dos dados sensíveis da teoria mais antiga do conhecimento. Neles se


manifesta algo que eles: mesmos não são.1 11 Não ê a menos significativa das dife­
renças entre □ concepção positivista e a dialética, a de que o positivismo, segundo
a máxima de S d ilic k . reconhece somente a vigência de fenômenos, enquanto a
dialética não renuncia li dísLinção entre essência e fenômeno. Por seu Isdo, consti­
tui uma lei social que esíruturas decisivas do processo social, tais COiDO a da desi­
gualdade dos supostos equivalentes que são intcrcambiados. não se evidencia sem
n inlçrvçnção da teoria. Da suspeita daqui tu que NictzSche denominava trans-
mundano. o pensamento dialético vem ao encontro na medida em que a essência
( IVesert) oculta constituí desordem, abuso ({!nwesen). trrcconcíliàvel com a iradt
çào filosófica, não aceita esta desordem graças a sua violência, mas a critica em
sua contradição com o “que se maniles l i " c por último com a vida real dos ho­
mens singulares. Hú que se apegar ã proposição tiegdnma de que é preciso a
essência sc manifestar: é deste modo que isso incorre na referida contradição com
u fenômeno* A totalidade não constitui uma categoria afirmativa, mas sim crítica.
 critica dialética se propõe a ajudar a. salvar ou restaurar o que nào está de apor
do com a totalidade* o que sc lhe opõe oll o que. como potencial de uma indavi
duuçào que ainda não é. está apenas em formação. A interpretação dos fatos con
du/; á totalidade, serrt que está seja, cia própria, um fato. Não hâ nada social mente
fã tico que não tenha seu valor específico nesta EOtalidade. Kl a está preordenada u
todos OS sujeitos singulares, porque estes obedecem à sua corttrainíe por si mes­
mos e até mesmo por sua constituição monadológicín c inclusive, por causa desta,
representam fl totalidade. Neste sentido, ela constitui a mais efeiiva realidade Na
naeclirfíi cm que é u síntese da relação süüial dt>s indivíduos entre si. u. obScurcccr
se em face do singular, da, contudo, simultaneamente 6 também aparência, ideo
fogjá. Uma humanidade liberada não persiste como totalidade; o ser-em si desta
também c a ausência de liberdade daquela, tal como a simula a respeito de si
mesma como sendo o verdadeiro substrato social. £ certo que deste modo não sc
logrou o desideratõ dc uma análise lógica do conceito dc totalidade’ 7 como des­
provido de contradição objetiva da totalidade, Mas a análise livraria o recurso da
totalidade da cridea de arbitrariedade decisória.1ü Habermas. assim como qual
quer outro dialético, não nega a possibilidade de uma explicação dn totalidade,
mas sim aumente a sua vcriJkabütdade conforme o critério dos fatos, que c trans
cetidido pelo movimento h categoria de totalidade. Da mesma maneira da não é
khorís dos fatos,, mas, como sua mediação, lhes é imanente. A totalidade, numa
formatação provocativa* è a sociedade Como coisa em st. provida de toda carga de
çoisífíc ação, Porém, precisa mente porque esta coisa cm si ainda não é sujeito so
ciai global, ainda não é liberdade, mas prossegue como natureza heterõnorna.
cabe lhe objctívamenic um momento dc irredutibilídade. ud como Durkbeim*com
suficiente parcialidade, a explicava para a essência do social, Nesia medida, da
Lambem é Tática'. O conceito dc fati cidade. custodiado pela concepção positi-1
1c W Mux Hnrtiheiimrr. A>r. rit., rp 70 -.
17 AlhÊrtAO mito da ri&án íiHcIT tmA Dispute dv Positivismo . , pp, [97 i.
1fi kluisi. líittL. p. I íi|)
218 ADORNO

vista como seu substrato último, ê função da mesma sociedade .u cujo respeito
cala a sociologia cieniifrdsta. insistindo na imperscrutabilidade do substrato. A
separação absoluta entre fato ç sociedade constitui um produto artificia! da refle­
xão a ser deduzido e refutado por meio de uma segunda reflexão.
Numa nota de pé de página, Albert diz: "I labei mas cita neste contexto a
indicação de Adorno ã tnvcrifieabilidade da dependência de todo fenômeno social
em relação à “totalidade*. Esta citação provém de um contexto em que Adorno,
remetetido-stí a Hcgcl. afirma que a refutação c frutífera apenas como crítica ima-
nente; para tanto, ver Adorno. S o b r e a L ó g i c a d o * C i ê n c i a * S o c i a i s . Ao mesmo
tempo, o sentido das considerações dc Poppcr acerca da verificação crítica é
transformado. mediante ‘reflexão continuada’, quase em seu oposto, Pareee-mc
que a invcrificabilitladé do citado pensamento dc Adorno se vincula de imcío
tíssencialtnentc ao fato dc que nem o conceito dc totalidade utilizado, nem o tipo
de dependência referido é orientado a um esclarecimento, por modesto que seja.
Possivelmente nada mais há por trás do que a idéia de que de algum modo tudo
se relaciona com tudo. Até que ponto, a. partir de uma tal idéia, se pode obter uma
vantagem metodológica para alguma concepção, è o que precisa ainda ser
comprovado. Meros exorcismos verbais da totalidade não são suficientes.'"1Con
tudo, a “inverilkiibitidade" não corrísfe em que. para o recurso h totalidade, nap
possa ser referida uma ru/áo plausível, mas cm que ü totalidade não c fâlica cnmo
o são os fenômenos sociais singulares nos quais sé limita o critério de vcrificabi-
Iidade de Albert. Ã objeçãu de que por trás do conceito de totalidade nada mais
exisic do que a trívlalidaik* de que tudo se relaciona cOtn tudo» ha que replicar que
a má abstração desta proposição não constitui apenas um produto débil do pensa
mento, mas o teor básico da sociedade: o da troca, Na sim realização universal,
c não apenas nn explicação científica do mesmo. é que se abstrai objetivamente;
prssctnde-sç da eonsiiititçâiJ qualitativa dos produtores e dos consumidores, do
modo dc produção, e ate mesmo da necessidade, que c satisfeita secundaria mente
pdo mecanismo social A humanidade convertida em clientela, sujeito das neço*
sídades, é ainda, além Ue todas as representações Ingênuas, preformada xocial
mente não apenas pela situação técnica dos forças produtivas, mas igual mente
pela* relações econômicas em que estas funcionam. O caráter abstrato do valor de
troca está vinculado a p r i o r i á denominação do universal sobre o particular, da
sociedade sobre seus membros coates. Ele não é social mente neutro, como simula
st logiddade do processo de redução a singularidades, urís como o tempo de traba­
lho socíal médio. Através da redução dos homens a agentes e portadores da troca
de mercadoria*, realiza-se a domirtaçào dos homens pelos homens. A conexão
total configura-se concrecamenlc nn medida em que todos são obrigados a se sub­
meter á lei abstrata da troca, sob pena dc sucumbirem, independente de serem ou
não subjetiva mente conduzidos por um “afã de lucro13*.20 A diferença entre a
visão dialética da totalidade, e a positivista, se aguça justa mente porque o con*

13 td m p. 207. anta 26
l f Àdcirno, vocábulo Scieittfíwcle, ,C ■
- coluna (t »y.
POSITIVISMO NA SO CIO LO G IA ALEM Ã 2lQ

ceito dialético de totalidade pretende ser “objetivo”. i$tO é, ser apljcávd a qual­
quer constatação social singular, enquanto as teorias de sistemas positivistas, ten­
cionam somente, pela escolha de categorias as mais gerais possíveis* reunir
constatações sem contradição em um continuo lógico, sem reconhecer os concei­
tos estruturais superiores como condição dos estados dc coisas por eles subsumi-
dos. Ao denegrir este conceito de totalidade como retrocesso mitológico e prê-
eienLífico, o positivismo- cm infatigável luta contra a mitologia, mitoíogiza a
ciência. Seu caráter instrumental, quer dizer- sua orientação cm direção ao prima­
do de métodos disponíveis, em ve* de à coisa e sen interesse- inibe considerações
que afetam tanto o procedimento cientifico como o seu objeto. O cerne da critica
ao positivismo consiste em que este se fedia à experiência da totalidade cega-
ment-ç dominante, tanto quanto ã estimulante esperança dc que final mente haverá
uma mudança, satisfazendo se com os destroços desprovidos de sentido que resta­
ram após a liquidação do idealismo, sem interpretar e descobrir a verdade, por
sua vez. da liquidação e do liquidado. Lm lugar dislo. encontra díspar o dado
interpretado subjetivam ente. e, de modo complementar, as Formas puras do pensa­
mento do sujeito, bsics momentos diferenciados do conhecimento são retinidos
pdo cicntificistno contemporâneo tão superfstíiaJrtíente como o Fez nutrory a filo
Sofia da reflexão, que por este preciso motivo mereceu a sua crítica pela dialética
especulativa, A dialética contém também o oposto da h y b rts idealista. Afasta a
aparência cie qualquer po&sivd dignidade natur&lmente transcendental do sujeito
singular, compreendendo a este e às suas formas dc pagamento como algo social
em si: nesta medida, elu é mais “ realista" do que o cienlifictsmo com lodosos seus
‘"critérios dc sentido”.
Como porém a sociedade se compõe de sujeitos e se constitui graças à cone
são funcional destes, seu conhecimento por sujeitos vivos, comensuráveis, resulta
muito mais eomensurável à '"coisa mesma * do que acontece na* ciências naturais,
obrigadas, pela estranheza de um objeto, que por sua ve/ nlo c humano, a transfe
rir a objetividade inlcirnmentc no mecanismo categoria t, à subjetividade abstrata.
Frçycr atentou para isto; a distinção atemà entre o ncmotêfico e o ideo gráfico
pode ser posta fora de consideração, tanto toais que uma teoria nao simplificada
da sociedade nào pode prescindir das leis de sua mobilidade cstmurnl. A comeu
surabilidade do objeto sociedade quanto ao .sujeito cogito scente existe tanto como
não existe; tamhcm isto dificilmente pode ser conciliado com a lógica discursiva.
A sociedade é ao mesmo tempo inteligível e ininteligível, Inidigivd na medida em
que o estado de coisas objetivam ente determinante da troca implica abstração, de
acordo com aua própria objetividade, implica um ato subjetivo: nele o sujeito
verdadeira mente reconhece* a si mesmo. Isto explica, do ponto de vista da teoria
científica, por que ã sociologia weberiana está centrada no conceito da racionali­
dade. Nela de procurava, não importa ãc conscientemente ou não. aquela igual­
dade enire sujeito e objeto, própria u permitir algo como o conhecimento da coisa,
cm lugar dc seu esfacelamento em faias reais ç do tratamento mecânico destes.
Contudo u racionalidade objetiva da sociedade, a da troca, pela dinâmica própria
afasta-se cada vez mais do modelo da razão lógica. Por isto 3 sociedade, o que se
220 AD O R N O

tomou autônomo, também nâo continua a ser inteligível: 0 c unicamente a lei de-
aatonomizaçio. Inintdigibilidade designa nào somente algo essencial ã sua cstru
luta. mas também a ideologia, mediante a. qual sc protege da crítica à sua irracio­
nalidade. Porque a racionalitia.de. o espírito, se dissociou como momento parcial
dos sujeitos vivos, -,e limitou à racionalização, clâ continua a se movimentar ern
direção oposta ao sujeito. O aspecto da objetividade como imutabilidade, de que
da assim-se reveste, se reflete nova mente na coisilTcacüc da consciência cognos
centc A contradição no conceito da sociedade como inteligível ç ininteligível
constitui n motor da critica racional a se alastrar pela sociedade c pôr seu tipo de
racionalidade, a particular. Procurando a essência da crítica na eliminarão das
contradições lógicas do conhecimento pelo progresso deste. Pòpper torna seu pró­
prio ideal em crítica à cossü. ao ter a contradição seu lugar cognoKcível nela c não
apenas em seu conhecimento. Uma consciência que nào usa nntolhes frente à
constituição antagônica da sociedade, e também frente á iiimrienLe contradição de
racional idade e irracionalidade, precisa partir para a crítica à sociedade sen;
m t i á b a s i s e h á íli} gêtws. sem outros meios do que os racionais.
Habcrmas, em seu trabalho sobre a teoria analítica da ciência, fundamentou
.1 transição à dialética como necessária, temlo em vista o conhecimento específico
da ciência social.?l Conforme sua argumentação, não apenas o objeto do conhe­
cimento é meduui/ado pelo sujeito, como. aliás, reconhece o positivismo, mas
lambem inversa mente: o sujeito incide como momento na objetividade u ser pnr
ele conhecida, o processo social Neste, em relação direta à expansão eiéoiifica.o
conhecimento é força produtiva. A dialética .quer encontrar o cientificismo em seu
próprio campo, ao pretender conhecer melhor a realidade social contemporânea,
Procuíft traspassar o véu que a ciência ajuda a uscer. Sun tendência harmoniza
dora permitindo, graças a seu metódico tratamento mecânico, o desaparecimento
dos antagonismo* da realidade efetiva, repousa no método diisófiemôi io* sem
qualquer imuneiormlidatic: dos que dele sç utilixam. Reduz :i um mesrno conceito
coisas essencial mente irredutíveis c contraditórias, por meio da escolha do apara­
to conceituai c a serviço de sua unanimidade. Constitui exemplo recente para esta
tendência í» mui oonfiocida tentativa de 1alcotl Passons de fundar uma ciência
unificada do homem, cujo sistema de categorias compreende t^ualmerue indivíduo
c sociedade, psicologia, e sociologia ou. pelo menos, as apresenta em um comí
nuo,* * O ideal de continuidade vigente desde Descartes e sobretudo a partir de
l .eihníz não se tornou duvidoso apenas devido ao desenvolvimento maus recente
das ciências naturais. No plano social, é enganoso a respeito do abismo existente
entre o universal e o particular, no qual y permanente antagonismo se expressa: a
unificação tia ciência desloca u contraditoricdade de seu objeto, A satisfação
indubímvclmenta contagiosu que procede da ciência unificada ccjti um preço: o
momento da divergência entre indivíduo e sociedade, socialmcnte posto. bem

J y KiWi-Jwcrgen tf ubtimas. -Teoria .nmliiica da cinK-la c dwléiic». üUtunbuLção^ w nfravérsiá entre Clipper
b ÁJaTT«)”,cm -l DinfJitiu 4o PuiSto tuírtti. . p. JJJ |.
í : JWHiowtor W. Adorno*' Acerca tl* Tdaçfó entre wcíoIo&í e nsicnlojin", w SnrMisica-' c^tríbui
rííJ tSCúlü de Frankfurt àSocifíhí;ia. 1. r»r>- 12 ss.
como as ciências dedicadas -a ambos. Lhe escapam, O esquema tataliíüdor de Uto
pedante organização. que abrange desde o indivíduo l* suas regularidade» aié as
formações sociais mai-s complexas. tem lugar paira tudo, menos- para u separuçâo
histórica de indivíduo e sociedade, embora não sejam estes radical mente di stinto».
Sua relação ê contraditória porque a sociedade recusa aos indivíduos, cm ampla
medida, o que ela sempre lhes promete, como sociedade dc indivíduos, e o que
constitui em última análise o motivo de sua constituição, enquanto por sua ve/ os
interesses cegos e des en ficados dos indivíduos >inguiares inibem u formação de
um possível interesse social global, Ào ideal dc uma ciência unificada cabe um ú
lulo que seria 0 Ültímo a Lhe agradar, o estético, do mesmo modo como falamos
de elegância cm matemática. A racionalização organizawria, em que desemboca
o programa da ciência uni ficada Irentc ãs ciências singulares díspares, prejulga ay
e.viremu as questões dc leu ria du cicrtcia levantadas pela sociedade. Se. nas pala
vras dc Wdlmer. "dotado de sentido ■se converte cm sinônimo para cientifico *,
então n cicturia. sodalmçnte mcdializiida. dirigida e controla da. que paga à socie
dade existente e à sua tradição i> iributo devido. usurpa o papel do arbittr veri et
fülst. Ao tempo de Kant. a questão da constituição lIcl teoria do conhecimento era
a da possibilidade dn ciência. Hoje. ela è novamente remetida a ciência como sim
pies tantologia. Conhecimento* ç procedimentos que, em ver. de se manterem no
interior dn ciência cm vigor, lhe concernem crítica mente, são evitados a lirtiiuc.
Assim, o conceito aparentemente neutro de "vinculo convencional tem implica
çõtò fatais. Pela poria dos fundos ila teoria dn convença» é contrabandeado o
conformismo social como critério de sentido das ciências sociais; valería a pena
analisar detalhadamente o emaranha mento de conformismo c auto csaUuçá» dn
ciência. HorfchcimcT aludiu a todo este complexo há mais de irfhisi unos em seu
enstij» "O muis reeeitu ataque á metafísica".*' i urulxih Poppca supac o conceito
de ciência corno evidente cm sua condição de fato real dado. NU> entanto, depôs
sui cm si mui dialética histórica. Quando, ria virada do século X V II1 para o X IX ,
foram escritas a Doutrina da Ciânda de F icliu e a Ciência da Lógica de I legd.
Lería permanecido critica mente m> nível do pré científico o que presememcnie
ocupa com pretensões a cxcki-sivÍLlade »• umceitu de eiénciu. cuquam» linjc é eon
denado como extracicruílic» pelo assim denominad» cicntificismo de Poppcr o
que enifu) se chamava cléndít nu, ttutis qttimerieamente, saber absolmti. t) moví
mento da história, e nâo apenas da espiritual, que levou a isto de modo algum
constitui progresso como o pretendem vaidosamerue os positivistas, lodo o rdi
namerun matemático da metodologia científica cm avanço nào dissipa a suspeita
dc que a conversão da ciência eiti uma técnica junto ãs outra» está minando o seu
próprio conccliu, O mais forte argumento para isto seria que o que a interpretação
cientiftcista considera como fim. o fact fmding, constiLui paru a ciência somente
meio para a teonu: na ausência desta não se esclarece por que n todo è çonsti
Luido. Ahás. a alteração no funcionam cato du idéiu dc ciência já se inicia com os
idealistas, sobrei udo com Hcgeb cujo saber absoluto coincide mm o conceito

' : A j^hh um MUjs I li nfcl&taiiKJ. T i\ tría C r ít ír a , UHWd J . pfí, NJ Si.


AD O R N O

desenvolvido do ser assim e nàô outro. A crítica daquele desenvolvimento se apli-


ca nãa à cristalização de métodos científicos específicos, indiscutivelmente frutífe­
ros. mas à representação dominante, rigidamente sustentada pela autoridade de
May Weber. segundo o qual interesses cxtracien tiPicos são exteriores u ciência, e
ambas as coisas devem ser distmgmdas com nitidez. Enquanto por um lado os
interesses pretensamente científicos são muitas vezes neutralização de interesses
cxtracientíliços a se prolongarem, sob sua forma mais atenuada, pela ciência, o
instrumental científico que fornece o cânone do que b científico tambem constitui
instrumental de uma maneira não sonhada pela razao instrumental: meio para
respostas a questões que tèm sua origem alern da cicncia e que vão além dela. Alê
0 ponto em que a racionalidade fim-meio da ciência ignora o telas disposto no
conceito do instrumentafismo e se constitui em fim único para si, elo contradiz
sua própria imstrumentalidade. Jusiameme isto a sociedade exige da ciência. Hm
uma, que pode ser determinada como falsa, contradizendo tanto os interesses dos
membros como do conjunto, todo conhecimento que voluntariamente se submete
is regra* <k*Ut sociedade solidificadas em cicncia participa de sua falsidade.
A usual e academicamente atraente distinção entre o científico c o pré cien
tífiw, de que também Alhert se apropria, não se mantêm. O fato sempre de novo
observado ç tarobém confirmado pulos próprios positivistas- de uma cisão dc seu
pensamento enquanto falam como cicntisms e enquanto falam caEncieniifi
camciue. mas providos de razão, legitima rt revisão daquela dicoLomiü. O classifi
eaclo como prc-dentífico não é somente rí que ainda não atravessou ou evita
mesmo o trabalho autocriiicü da ciência sustentado por P-pppcr. Pelo contrário*
enquadra -*c nisto também tudo dc racional idade c experiência que é excluído
polas determinações instrumentais da razão Ambos os momentos são insepnrà
vctSi Uma cicncia que nfto acolhe dc modo transformador impulsos pré científicos
condena se à indiferença nàr> menos, do que n faz o descom premissa mento
lamadorisuco. No inal conceituado ãmhito do prê-científico reurtem-se os interes­
ses copiados pelo processo dc cíentificação. c não ac traía dos menos rdcvanLcs.
Tâo certo como sem disciplina científica não haveria progresso da consciência, c
certo que a disciplina paralisa símultançamemc os órgãos do conhecimento.
QuanLtt mais a cicncia enrijece na carapaça profetizada ao mundo pyr Max
Wcbcr. Um o mais o prescrito como pré-ckrtlifíco se constitui em refugio dc
conhecimento. A contradição níi rekç&o do espírito com a ciência. responde aque­
la quê è própria da ciência: da postula uma conexão imanerue c c momento da
sociedade que lhe nega coerência, Subtraindo-se desta antinomia, seja apagando o
seu conteúdo de verdade mediante relativização da sociologia do saber, seja
desconhecendo sua interdependência com osjaits socíattx. fazendo-se passar por
algo absoluto c auto suficiente, ela se satisfaz cum ilusões prejudiciais â sua capa­
cidade. Estes dois mometiTos apesar de dispam não são mdiferentes um ao outro;
para a pbjeüvidadc da ciência, icra utilidade unicamente p- conhecimento das
mediações sociais que nela residem. 11a medida em que de modo algum eia eonsíi
[ui simples veículo de relações e interesses sociais. Sua absohmzaçào êsua instru­
mentação. ambas produtos da razão sujetiva, se complementam. Engajando-se
POSITIVISMO \'A SO C IO LO G IA ALF.MA 223

unilateralffieíltê como momento unifícador de indivíduo c sociedade, de acordo


com a sistemática lógica, e desvalorizando cm epifenômeno a momento antueo
nista que nào se enquadra numa tal lógica, o cientificismo torna-se falso cm face
dc estados de coisas centrais. Conforme a lógica pré dialética. o constiiatum não
node ser canstitums, o condicionado nâo pode ser cundiçào de Süa própria condi­
ção. A reflexão acerca do valor posicionai do conhecimento social no interior do
que é por ele conhecido impele para além desta simples ausência de contradição.
A imposição do paradoxo, na expressão Tranca de WittgensLcm, testemunha que
cn] gural a ausência dc contrariedade não pode ser a última palavra para o pensa
mento consequente* mesmo ali onde ele sanciona a sua nurma, Aqui sc* revela
dectsivamente a Superioridade dc Witlgenstcin em relação aos positivistas do cir
cuia de Viena: o lógico percebe os limites da lógica. Em seus próprios limites. a
relação de linguagem e mundo, tal como WiUgctlSlcin a representava para si. não
permitiu tratamento unívoco. Pois. para olc a linguagem forma uma conexão de
imanência fechada em si mesmu. através da qual estão mediatizadõxos momentos
do conhecimento que não são linguagem, os dados sensíveis, por exemplo, contu­
do. não está menos inserido no sentido da linguagem e>referir-se ao que não é Un
guagem. Esta é tanto linguagem cüitw algo autárquico, dotado das regras do jogo
válidrtH apenas pnra cia. conforme a suposição eicnlificista. como também um
momento no interior da sociedade. f ü it social,* " Wiugaistdn precisava dar-se
conta dc que dií se distingue de todo ser latino, porque da é “dada" apenas por
seu intermédio, c ccmLudo pode ser pensada somente como momento do mundo,
do qual. em conformidade com sua reflexão, nada pode ser conhecido a nâo ser
através da linguagem. Deste modo* ele atingiu õ umbral dc uma condenem dialc
tica dos assim denominados problemas de constituição, reduzindo ad absurdutn v
direito dü eiuntifleismo <t amputar o pensítmento dialético. Isto afeta igunimente a
representação cientiíicisua usual do sujeito, inclusive de li eu sujeito transcendental
do conhecimento, que. em conformidade, é remetido no seu objeto como a uma
condição da própria possibilidade* como também a do objeto. Não se constitui
mais em um X cujo substrato havería que compor a punir du conexão de tieserrm
nações subjetivas, mas também determina, como algo por sua vez determinado, a
função suhjuliva.
É ceao que a validade dc conhecimentos e não uptnias dc leis naturais é
amplamenttí independente de sua gênese. Em Tübingçn, relator e correlator
concordavam na crítica á sociologia do saber c ao soeiologismo do tipo dc Pa reto

H O caitátÇHf iiimbí|íUO 4n linituapem IC £*pr«JWa pela tífÇyflst:cnüÍJi. m i 41*2 su.1 ÍB tíéraíiô tfcrtii *?l pu&i(iv$*>
ias lIl- a^quiiii objctiviUiulc unii-.iwtntti nvUmnlc .1 inicflç.nt subjetiviu Sqinçfuç quem pressa Uíi mdtK»
maneira [nttfsível ü que quet ílitcr Hvbj«iivA.neflU: piugnk «Ir enninnrmlitclí Cíim nbiel ivsdíiilc da tinftiwwm.
ibrulú£ttuki'a enquanto n>da icncauva (te se confim ao .ser-c-u \i üu ün; usien, bem tamo á ma ^ièneia
tinlulãiftCG, culmina nom». subjcli vc^cro* rin IiíjVwi.íkc dc fl•wrn>de. iLEt&uaismi lá Refljan .»ha-*-i;•percebí
ini nOpOsitivisnin, iRcvçân feíi;. .tu Win ^rniMein. únicix 14.1.1211n li cr rnotiv.i po&ílivKta .ipmemu. lx-eçiiic , X
ncKligniL-ia ili».cl.-.i de muiius, cnemirip^as, pwjKivd tfc raciona liíflçiui mediante o Uibu a respeiCü Ut-
inoniçilUJ cxprcisivií .1.1 iiniíU^^çn., dei».IIlIÍJI IJIllil COmCicrti^J çtilí lllcau.. tJ m# V(f i]l(! LldcildiS í ikiymaii
ca mente convertida em uma objetividade, que nio deve ler p&SSado pet' sejeim a i-vprcsiào da lin&iuii;rm
«caba ba.gai[clccxda, Quem sempre dispõe estados íe coisas como-sendo cm si, Mm mediação subjeibL pana
esle a forrrmlaçíu tomo se iniJirtmitç, às cusi;v. da coisa dcifieadn
224 AD ORN O

A teoria de Marx lhe è contrária: a doutrina da ideologia, da falsa consciência» da


aparência social mente necessária, seria completam ente sem sentido quando des
provida do conceito de consciência verdadeira c verdade objetiva. Apesar disto,
gênese e validade também não permitem separação isenta de contradição. A vali
dade objetiva preserva o momento de seu surgimento, que atua permanentemente
nela. Por mui1- incontestável que seja a lógica, o processo de abstração que a sub
trai à contestação é o da vontade dccisória. Ulc elimina c desqualifica aquilo a res
peito de que decide. Conforme esta dimensão, n lógica c *'inverídica"; sua
incontestabilidade constitui, ela mesma, o anâlcrngt social çspiidualizado. Seu
caráter de aparência se manifesta nas contradições atingidas peía razão em seus
objetos. No distanciamento do sujeito em relação rm objeto, que realiza a história
do espírito, o sujciLo sc esquivava da superioridade real da objetividade. Sua
dominação era de um mais fraco sobre um mais forte. De outro modo. talvez a
auto afirmação díi espécie humana não leria sido possível como.certamente, tam
hem o processo da objetivação científica. Mas, quanto mais o sujeito se apro
priava das determinações do objeto, tanto mais etc se convertia. inconsciente
menLo. cm objeto. Bis a prç história da eoisiticaçãn da consciência. O que o
cientifidsmo simplesmente apresenta como progresso sempre constituiu sc tam
bem ern sacrifício. Através das malhas escapa o que no objeto não c conforme o
ideal de um sujeito que é para si “ puro", exieriorizado em relação á experiência
viva própria: nesta medida, a consciência em progresso ern acompanhada pela
sombra do falso. A subjetividade extirpou em si tudo que não é conforme a univo
cidade e identidade de sua pretensão dc dominação: a si mesma» que em verdade
também é objeto, não se reduziu menos do que os objetos 1lá que recordar igual
mente os momento-, do*, quais ■meTodol*>gi 1 científica encurta * objetividade,
como também a perda da espontaneidade do conhecimento que o sujeito inflige a
si mesmo no intuito dc dominar suas realizações. Carnap, um dos positivistas
mais radicais, uma vez denominou de afortuna do acaso que as leis da lógica e da
matemática pura se aplicassem â realidade, Um pensamento que contêm todo o
seu pathos em sua ilustração cita em posição central um conceito irracional*
mítico, como è o Jo afortunado acaso, apenas ram evitar o discernimento, que
uhaln a posição positivista, de que o pretenso acaso feliz ono o é, mas sim produto
do ideal de dominação da natureza ou. na terminologia de Habcrmas. ideal “prag
má doo" de objetividade. A racionalidade da realidade efetiva tranqiii fixado­
ra inente registrada por Carnap nada mais é do que o espdhamemo da rodo subje
li va» A metacritieít da leuna do conhecimento desmente a validade da pretensão
subjetiva da apríoridade kantiann, mas confirma Kant de cal modo que sua teoria
do conhecí mento, entendida como aplicada a validade, descreve mui adequada
meme a gênese da razão eíentifiçista. O que. numa grandiosa eonseqüència da
coisificaçào cientificista, lhe parece ser a força da forma subjetiva, que constitui a
realidade eletiva, cm verdade constitui a summa daquek processo histórico cm
que a subjetividade libertada e por isto coisificada xc apresentava como soberana
total da natureza, esquecendo a relação de dominação, ç a transformando,
deslumbrada, na criação do dominado pelo dominador. Nos atos singulares do
P O SIT IV ISM O N A S O C IO L O G I A ALEM Ã

conhecimento c nas disciplinas singulares, gênese e validade devem ser distin-


í!ui das cniicamcnte. Contudo, no âmbito dos assim denominados problemas de
constituição, elas >àu indissolúveis, por mais repugnante que. isto seja ã lógica
discursiva. Por pretender ser toda a verdade, a verdade clentifidísui não o c. Disto
a convence a mesma r c i i i o que nunca se tería constituído dc outro modo do que
por meio da ciência, Ela ç capuz de crítica li Seu próprio conceito e de dcsiçníii
concretamcrue o que escapa à ciência, ü sociedade na sociologia.
Na acentuação do conceito de crítica, houve concordância entre o relator e
o Correlatar de Tuhiitgen/ r‘ Em seguida a uma observação de Pt ter Ludz,
Dalirendorf atentou para a utilização equívoca que dele fora feíla. Irm Poppcr ele
significa, -rtmn qualquer determinação de conteúdo, um “püru meçaitismu dc
confirmação pfovísóriii tlc proposições universais, da ciência*’, c no correlatar, “o
desdobramento das contradições da realidade efetiva alravcs do conhecí mento
desta": de qualquer maneira, o co relator já havia esclarecido o equívoco.* 5 Éle
não c. porém, uma simpEes wnt.it min ação dc significados diferem es mi mesma
palavra, mas é fundamenta do no conteúdo. Sc aceitamos o conceito puppcríikno
de critica, pura mente cognitivo ou. se quisermos, "subjetivo", que pretende apenas
a unanimidade do conhecimento c não a ícgiiimação da coisa conhecida, então a
larefa do pensamento nfio m detém aqui. Poi-s aqui e ali a razão crítica éa mesma:
nâo sâo duas “ faculdades ' que jnrrn«n rm nçào: a identidade não ê mero acuso.
A crítica cognitiva de conhecimentos e sobretudo dc teoremas também examina
neccssariionenie se os objetos do conhecimento suo o que postulam. dc ac ordo
com seu próprio conceito. Caso contrário seriam formalisias. Nunca a critica
imanenu c apenas purametue lógica, mas sempre Lambem dc aimeüdo,confronta■
çlk>de conceito c cojsa, Cabe-lhe perseguir a verdade que os conceitos, jm/.os e
teoremas querem expressai por \i m e s m o s :d a nàu se esgota na harmonia her
méiiüa das formações do pensamento. F.nt uma sociedade ampianietue irracional
cs lã cm discussão pieuisameme o primado cicniilkvnticme estipulado da lógica. O
íicvr ei- aos fatos do qual nenhum conhecimento, inclusive o procedimento pura
mento Lógico. ptnle se libertar sem vestígios, exige que a crítica imanente.
enquanto aplicada ao referido cm proposições científicas e não a " proposições em
si", não proceda upenas dc modo arpumentativo. mas examine sé as coisas eféti-
v amente se passam assim. C aso contrario, a argumentação cai iiaqudu estupidez
que ntso raro observamos na perspicácia. O conceito dc argumento não c eonstí
tuído pulo óbvio, tal como o traía Pop per. mas necessitaria dc análise critica: o
lema fcfiomcnológieo "ás coisas elas mesmas” já o dava a emendei'. A argumenta­
ção toma se questionável assim que supõe a lógica discui si va Irenn ao conteúdo.
Na C i ê n c i a d a L ó g i c a Hege! quase nâo argumentou. no sentido referido: na intrn

? ” A vi(.;Aj«ia irinwirii U” .- J. Pnm*.| int^-rrii numa unnvr-.hViiJ.. ftlvujkU. .il;n cíiiihj um tlnui>ininiidiw
co Oiu■
■) tAtft ntiibiis. J 'Uk lÍBpjfcti, ~Dle Le^i; (ler Sim IAI.»ímíhih 11tccrT (“ Ai InMjqa das eiênejsks vouijikO . itti
I fihpwa tiaFtitiUvtsim, . [ iv.
•' " Inicmlificmc ele sc liedariNi cm eoncrM-ilãnçiii c.im i priiiea dc t*oppcr ;m "naíuralkmis .m çiemificisino
b: l-l. ujoliyieo circulei) ou imKíciiiV l iW .-Píiptv Jttr ■
■é j- m? t- >Vd«eno. " V Iflpca iin.k iü n ti. 1 '. «scmi-V.
p. 128). mas e|ttseguida não ucutumque. sqjtmdnseu eaneeiia ilt crítica, icna que ir atqsmao eiKktóSáà) por
Pii-pjper (vide Aílorttò.Jfettf- eit, pp. 128 -o?.
226 ADORNO

duçào a Fenotnetiofogía do Espirito exigiu a "contemplação pura'". Popper. pelo


contrário, vislumbrando a objetividade da ciência na objetividade do método crili
co, a explica com íi proposição "de que os meios lógicos auxiliares da Cnlica
a categoria da contradição lógica — são objetivos/'2 7 Nisto nào se erige uma
pretensão do e x c lu siv id a d e da lógieá formal, c o m o se a c n lic a poxM.iis.se u n ic a ­
mente nesta o seu organnn. mas isto ê. pelo menos, sugerido. Também Albert. da
orientação de Pop per, não interpretaria de outro modo a crítica.28 Apesar de per­
mitir “exames acerca dc teus conexões Táticas’'.29 tal como lembra Habermas. ten
ciona "manté Ias cm separado " das lógicas. A unidade de ambos os tipos de criti­
ca. que tem no conceito destes seu indicio, c escunioteadu mediante urdem
conceituai. C ontudo, se nas senlenças das ciências sociais aparecem contradições
lógicas, tais como aquela nào irrelevante, de que o mesmo sistema social libera e
escraviza as forças produtivas, então a análise teórica se capacita a remeter tais
dissonâncias lógLcas a momentos estruturais da sociedade, nâo precisando climi
ná-las como simples impertinências do pensamento cientifico, já que somente
podem ser suprimidas mediante transformação da realidade. Mesmo sendo posss
vcl verter tais contradições cm meramente semânticas, mostrando, portanto, que
as proposições contraditórias referem se de cada ve/ a algo diferente, sua configu
ração estampa a estrutura do objeto muito rnais nitidamente do que um procedi­
mento que se torne eicntifleamcnic satisfatório na medida cm que se afasta da
insatiÃfíiroriediKk do objeto do conhecimento cxtracicntífico. Além disto, a possi­
bilidade dc transferir contradições objetivas ã semântica pode-se vincular ao fato
de que o dialético Marx não cogita de uma representação plcnamcnic dcscnvol
vida da dialética, com a qual julgava apenas "flanar” . Um pensamento que apren
Jc que a seu próprio sentido pertence o que por sua ve? não constitui pensamento,
rompe a lógica da nfio-contradição. Ilá janelas em sua prisão. A estreite/a do
positivismo consiste cm que cie nâo toma conhecimento disto, refugiando-se como
cm uma última alternativa, numa ontologia, mesmo sendo apenas a inteiramente
formalizada c sem conteúdo da conexão dedutiva dc proposições.
A critica à relação dc proposições científicas àquilo a que se referem, cotiver
tc-sc contudo inevitável mente cm críticm da coisa. Precisa decidir racionalmente
se as msuficiéncias que encontra são apenas científicas,ou se a coisa não basta ao
que :i ciência quer exprimir mediante seus conceitos. Quão pouco é absoluta a
separação entre j.x formações da ciência c da realidade, tão pouco o conceito dc
verdade deve ser atribuído unicamente àquelas. Tem tanto sentido falar da verda­
de de uma instituição social como da dos teoremas que dela se ocupam, De modo
legitimo o uso du linguagem na critica nào visa ao mente autocrítica — tal como
sucede propriamente em Popper mas também a critica à coisa. Nisto se consti­
tui o pathos da resposta de Habermas a Allicrt.Jg O conceito dc sociedade, especí

* r PíipiKt, WA lõftica dita ciências itviaii" cm .-I Disputa da púgftfàxnwi. . p. 1.06.


l iut. \ lh c r ( .“ Im l&ückrn «Ics. PfiMrlvivmuü?'' ("Pelai» c o m e tk* positivismo'?'"!. liiid .. pp. 2JU« *i.
,ft ld.. cituJ., p. 2SS.
J9 t-7de Jucf&cn Hübcrijías. “Gc^en cinai Posiiivistisih íialbiertca Rationalbruus" (“Contra um ractortQ
iism o <jiviJiu,i pcJt.» positivism o"), cm .4 Uisputu da P&sUivUtma , , p. 545.
P O S m V IS M G N A S O C I O L O G 1A A L E U A 227

ficamcme burguês % anti feudal, imp-lica ü representação de uma associação de


sujeitos livres e autônomos em tomo da possibilidade de uma vida melhor. l\
desta fornua, implica critica a relações sociais primitivas. O enrijedravnto da
sociedade civil em algo primitivo e impenetrável constitui sua involuçào imanente.
Nas teorias contratuais exprimia-se a intenção inversa. Por pouco que se verifi­
quem historicamente, lembram ã sociedade insisicn Leniente o conceito dc uma
unidade de indivíduos, cujo consenso por fim postula sua razão, liberdade e igual
dade. L de uma. mandrii grandiosa que se efetua a unidade de crítica, nos sentidos
Cientifico c metacicrtíltco. na obra de fviarx; estã se denomina C rífica de Econo­
mia PüEtica porque pretende demonstrar o todo a ser criticada eni seu direito de
existência, a partir das formas da troca e da mercadoria c sua contradiloricdadc
imanente. "lógica". A afirmação tia equivalência do trocado, base de toda troca,
é desautorizada pela consequência mesma desta, Na medida cm que o principio
da troca, em virtude dc vua dinâmica 5mim ente, se estendí ao trabalho humano
vivo. Lranstbrma-se obrigatoriamente cm desigualdade objetiva, a das ciasses. A
contradição se expressa dc modo marcante: na troca Ludu sumiu de modo correto
e de modo não corteto. A crítica lógica t! a enfático-pratica. dc que a sociedade
precisa ser transformaila. são momentos do mesmo movimento rio conceito. Que
também uma tal análise não pode simplesmente ignorar a separação do vinculado.
u dc ciência e política, .50 confirma pelo procedimento de Murx. Ele tanto criticou
como respeitou a separação; àquele que em sua juventude escreveu a i TesttS dt
F&uerbach permaneceu por toda a sua vida um Lâórieo da economia política. O
conceito |x>pperiano de critica suspende a lógica, restringindo-a a proposições
científicas sem respeitar a locicidncte de seu abstrato, que de acordo com seu pn>
prio sen lido a exige. Seu "racionalismo critico” cem algo de prv-kãntmno. tópico
formal àft custas do conteúdo. Construas sociológicas* entretanto, discretas em
sua íuiscncia de contradições lógicas, não resistiram ã reflexão de conteúdo: di­
urna sociedade irr.eirarncn.c funcional, porem se perpetuando unicamente ad
Kaknrdas gmecas graças à severidade de uma repressão ininterrupta. porque a
coação sob a qual mantém vivas a si c também a seus membros nào reproduz a
vida destes d:i forma possível, de acordo cõm o estado dc racionalidade dos meios
que precisa mente a dominação burocrática integral pressupõe, Também o terror
sem limites pode funcionar, mas funcionar cotno fim cm si mesmo, separado
daquilo porque funciona; não 6 menos contraditório do que qualquer contradição
lógica, c a ciência que silencia em lace disto seria irracional. Não ç apenas a deci
são acerca cia possibilidade de mostrar u veracidade ou falsidade dc hipóteses pro­
postas que se denomina critica; ela efetua uma transição transparente cm direção
wo objeto. Se os teoremas são contraditórios, a variar a proposição de l.iclmm
berg. nem sempre eles sàa os culpados disto. A contradição dialética exprime os
antagonismos reais que não ficam vi si v eis no interior do sistema lógico-cienti
hcístiL dc pensamento. O s i a í m , conlnrme o modelo do lumeo-dedutivo, consti
uji algo desejável. algo positivo para us positivisins'. já para os dialéticos, tanto
real como filosòficumentc, constituí p cerne a scr criticado. E n u c us lorma* dçca
dentes Jo pensamento dialético no “ Diamet" figura a ;>uu repressão à critica do
21& ADORNO

sistema de ordem superior. A leoria dialética precisa cada vez mais afastar-se da
forma de sistema: a própria sociedade st afasta sempre mais do modelo liberal
que lhe imprimiu o caráter de sistema, e seu sistema cognitivo perde o caráter dc
ideal, porque, na configuração pôs liberal da sociedade, sua unidade sistemática
vai se amalgamar, como totalidade, com a repressão. Alt onde atualmente o pen­
samento dialético, também e justamente na crítica, segue com excessiva inflexibi
Üdade o caráter de sistema, inclina se a ignorar o ente determinado, entregando sc
u representações fantásticas I cr atentado para este fato constitui ura dos méritos
do positivismo, cujo conceito de sistema, como de simples classificação intracicn
lifica. nào sucumbe da mesma forma ;t tentação da hipóstasc A dialética hiposta
siudu loflla sí anti Jiutelieu e necessita Je oorrvçào por aquclm j a c t J i n d t n g cujo
interesse é percebido pela pesquisa social, que por sua vez c em seguida injusta-
meme hiposta^iada pela doutrina positivista da ciência. A estrutura prevíamente
dada. não proveniente apenas da classificação, o impenetrável duiklieimiano. é
algo essencial mente negativo, inconciliável Com sai próprio fim. a conservação e
satisfação da humanidade. Sem um tal fim, em verdade, o conceito da sociedade
seria, quanto no conteúdo, o que os positivistas costumavam denominar dc des
provido de sentido: nesta medida a sociologia, lambem como Leoria critica da
sociedade, é "tópica" O que obriga t ampliar o conceito dc critica além dc sua?
limitações em Puppcr, A idéia de verdade científica não pode scr dissociada da de
uma sociedade verdadeira. Apenas esta seria livre Lanto da contradição como da
nào contradição. Lsta última, resigna damente o cicmificismo a relega unicamente
às forma-, simples do conhecimento,
Contra a crítica ao objeto, em ve/ de somente ás discordãncia.s lógicas, o
eientifieismo se delendc upelundo a sua neutralidade social. Da problemática di­
urna «al limitação da razão critica, lanto Alberl como Popper parecem dai se
conta: daquilo que 1laber mus exprimiu dizendo que a ascese cicntilicisia favorece
o decisionismo dos lins. o irracionalísmu. que já se imprimia n;i doutrina webe
tinna da ciência. A concessão Je Popper segundo u qual ''proposições protoco
lares não são intocáveis parece mc configurar um considerável progresso".3' dc
que hipóteses dc leis de caráter universal numa prática plena cJe sentido nào pode
riam ser compreendidas como verificáveis, e de que isto va teria inclusive pura tis
proposições protocolares.32 efetiva mente leva em frente, de modo produtivo, o
conceito de crítica, Proposital mente ou nào leva se cm conta que aquilo a que se
referem as assim denominadas proposições protocolares, as simples observações,
são pre formadas pela sociedade, que, por sua vez, novamente nào admite *er
redu/ida a proposições protocolares. Contudo, se substituímos o usual postulado
positivista da verificação por aquele da "possibilidade de confirmação , então o
positivismo c privado dc todo seu saí. Todo conhecí mento necessita de confirma
ção, todo conhecimento precisa rncioaalmente distinguir o verdadeiro e o Falso.

21 Poppcr./t L ó g ic a da í t iv e t r ig o ç f a C i m t t f l c o . Tubir»tcn. i %&. p. oj


3" O ,k-:-imu ite ici clirmmul.' trnnhcm txnlc- «correr n urn;» nrupo&ição psiiincolar."' lOlui Ncunuh. "Propo
siçõd nmnKlilnrís’': irr /■rlumnaró. ^ilimÇci por lí » inuip c I l:ms KlutftcnbiKhripani UI. 1‘U!! Jt, Ltip/n
(». 1JIW
POSITIVISMO NA SO C IO LO G IA ALEM Ã 229

sem dispor tiutológica mente as categorias tk verdadeiro e falsa conforme íls re­
gras do jogo de ciências estabelecidas. Pop per contrasta a sua "sociologia do
saber" com a sociologia do conhecimento, usual desde Mannhcim c Sçhçkr, E k
sustenta, uma “teoria da objetividade científica". Ela porém não alcança além do
subjetivísmo cicntíficisia,3* submetendo &c à proposição ainda válida de Durk-
heím. dc que não exisrc “um.a diferença essencial entre a proposição: eu aprecio
isLo. c a proposição: um determinado número de nós aprecia isto*’.3 '* Popper
esclarece a objetividade cicntíTica que sustenta; “ Esta pode ser explicada somente
mediante categorias sociais Laís como: competição (tanto dos cientistas isolados,
como das diversa* escolas); tradição (a tradição critica): instituição social (como.
por exemplo, publicações em diferentes periódicos concorrentes e por meio de
diferentes editores concorrentes; discussões em congressos): poder do Estado (a
tolerância política das discussões Livres)'’. 35 Estas categorias são notoriamente
problemáticas. Assim, a categoria de competição encerra todo o mecanismo da
concorrência, inclusive aquele funeslu. denunciado por Mnrx, conforme o qual o
sucesso no merendo tem primazia frente às qualidades du coisa, mesmo tratando-
sc Jc lórmuçôcs espirituais. A tradição cm que Popper xc apóiâ tornou-se inriubi
tavdmente, no interior elas universidades, cm freio das forças produtivas. Na Ale
ntnnhri há uma ausência total dc tradição crtiica. para nem mencionar as
“ discussões em congressos", que Popper lusitana cm reconhecer cmpiricamente
como instrumento da verdade, da mesma forma como não superestimará o níean
cc efetivo da "Lolerânein poliu ca da discussão livre" rui ciência. A lorçada
despreocupação frente a tudo isto respira o otimismo do desespero. A negação
ítprkmxiica dc urna estrutura objetiva da sociedade c a sim suhsriuiição por esque
mas de ordenação extirpa pensamentos que se voltam contra aquela estrutura,
enquanto o impulso poppcríann de ilustração pretende justamente pensamentos
(ie-sut ordem, A negação dc Objetividade social a mantem intacta cm sua Ibrma
p u ra; l» lôgicti absoLitízada é ideologia, Habermas afirma acerca dc Popper:
'"‘Contra uma solução positivista do problema da base. Popper insiste que as
proposições obscrvndonais adequadas á falscaçâo dc hipótese» dc icis não admi
têm justificação empiricín tcrminanTc; em lugar disto, deve ser tomada uma deci
sào cm cada caso. sc a suposição de uma proposição dc base é suficiecuementií
motivada pela experiência. No processo dc pesquisa, todos os observadores que
participam dc tentativa» dc falscação de determinadas teorias precisam chegar u
um consenso provisória e u qualquer momento refutável acerca dc proposições
observacioíiàis relevantes: esta concordância repousa em últirrui instância em uma
opção que não pode scr forçada, nem empírica nem logicamente”.3 * Ao que
corresponde a comunicação de Popper, apegar Je pleiteai que; “L inteira mente
errôneo supor que a objetividade da ciência depende da objetividade do cientis

■1 i k le n il' kiíi iiuiirm, [Í|V l l I*.


; '' lDurkPGiW. SiKioiogiu c nfííM^fia, t-ranfctun. 19fO. p Ml
Puppci?. ’A kbsca das ciências aíietóis". cm -l Oispuia du Pc&ttivixm , p IJJ,
- s ILuhcrrsas, ” Tenri» ansilíiica tia eicaci:') JinUtir;*” , <lmL pp. 17 K
>313 ADORNO

Ui".J ' De fato, porém, aquela objetividade sofre menos em virtude da antiquada
igualdade pessoal do que pela pré-formaçao objetivo-social do aparato científico
coísificãdo. Para isto o nominal ista Popper não possui corretivo mais vigoroso do
que a inter-subjetividade no interior da ciência organizada: “O que podemos
designar por objetividade científica repousa única c exclusivamente na u adição
crítica: naquela tradição que. a despeito dc todas as resistências, possibilita tantas
vezes criticar um dogma vigente. Em outras palavras, a objetividade da ciência
nào í um problema Individual dos diversos cientistas, mas um problema social dc
crítica recíproca* da amistosa-e-Jiósti] divisão dc trabalho dos cientistas, da sua
cooperação e dc seu conTronEo” . 33 A confiança. cm que posições muito diver­
gentes se conciliem graças às regras reconhecidas tia cooperação, adquirindo
assim o maior grau de objetividade possível do conhecimento, comcorda mteira-
mertte com o antiquado modelo liberal daquele# que se reúnem numa mesa tedon
da a negociar um compromisso As formas da cooperação científica contêm um
grau infinito da mediação social; apesar dc denominá las tema social", Popper
não se preocupa com suas implicações. Estas vão desde mecanismos dè seleção
que controlam o acesso à carreira c ao renome acadêmicos - m ecanismos em
que obvia mente decide a conformidade com a opinião do grupo dominante atê
a conform ação da c&mmunis o p in io e suas irracional idades. A sociologia, que
iiírmuicumcnlc trata dc interesse?, explosivos cambem quanto ò sua conformação
própria, constitui, não apenas na esfera privada, mas pracisamente em suas insii
ttilçòcs, um microcosmo daqueles imeresaes, Disto já sç encarrega o princípio
clnssific&tóriu err. si. □ alcance de conceitos que pretendem somente ser abrevia
turas de fatos encontiadiços. não ultra passam n âmbito destes. Q uão mnis profun
damente d método aprovado se introduz nu matéria social, tanto mais evidente
seu partidarismo, Por exemplo, quando : l sociologia dos “ meios dc comunicação
dc massa'* o próprio título já difunde a preconceito de que o que deve ser pia
nejado c mantido na esfera da produção deve ser obtido Júâ sujeitos, as massas dc
consumidores — . nada mais pretende do que investigar opiniões e atitude*, para
delas extrair consequências ‘"crítico sociais"; o sistema vigçrue atende silenciosa
mente ;t uma manipulação centralizada, e, reproduz.indo se por intermédio de rca
çóes de massa, erige-se cm norma de si mesmo. A afinidade dc toda a esfera deno
minada dc cuhmnbirative research por Paul F, Lazarsfdd com os objetivos da
administração é quase líimológica: contudo, nâo c menos evidente, se o conceito
de estrutura objetiva dc dominação não é, a força, convertido em tabu, que estes
objetivos são modelados conforme suas necessidades, com frequência passando
pür cima das cabeças dos administradores individuais, A admiiiis/raiive rwsmrch
constitui o protótipo Je uma ciência social que sc apoia sobre a teoria cientifícista
da ciência c que recai no âmbito desta. Assim como quanto no conteúdo social a
apatia política sc apresenta coma poliiicum. também acontece quanto à enaltecida
neutralidade cientifica. Desde Pareio, o ceticismo positivista sc arranja com qual
quer podar vigente, inclusive o de Mussotini. Uma vez que toda teoria social está1

1 7 PoppÜT. jMJ„ P i i j
u
P O SIT IV ISM O N A S O C IO L O G I A A L E M Ã 231

entrelaçada com a sociedade real, segura mente qualquer urna pode ser alvo de
abuso ideológico ou manipulação; mas o positivismo, como toda tradição cético-
POminalcsta.J 9 presta se especial mente a manipulação ideológica em virtude de
sua indeierminação de conteúdo, seu procedimento ordertador. c firialmcnLC a
preíêrêneia pela certeza frente à verdade.
A medida cicniíficistâ dc todas as coisas, o fato como aquele fixo. irredutível,
em que o sujeito não deve tocar, é tomada dc empréstimo ao mundo a ser consti-
tuído apenas tnore scienlijleo :i partir dos latos e sua conexão formada conforme
preceitos lógicos. O dado à que conduz a análise cienlifieiita. o último fenômeno
subjetivo postulado por um conhecimento crítico, irredutível, constitui por sua vez
3 côpin deficiente justamenle daquela objetividade, ali reduzida ao sujeito. No
espírito dc uma imperturbável pretensão dc objetividade, a sociologia, nào deve ve
contentar com o mero fato, somente na aparência o mais objetivo. Ali se conserva
antideali.sticamenie algo du conteúdo de verdade do idealismo, A posiçàu de
igunldude de abjeto c sujetio c valida até o ponto um que o Sujeito è Objeto, dc iní
cio nu sentido acentuado por Habermas de que a pesquisa .sociológica c por sua
vez pertinente à Conexão objetiva que pretende investigai.40 Albcn replica: "b
sua intenção” — dc Habermas — “ deefarar o sadio entendimento humano, ou
numa expressão mais relutada, 'a hermenêutica naiurtti do mundo socml’ corno
sacrossanto? Caso contrário, em que consiste u particularidade dc seu método?
Em que medida nela *a coisa’ tem 'mais valor’ quanro 3 Neu próprio peso’ doqttc
nos métodos usuais das eicncias da realidade '" 41 Entretanto, de maneira alguma
:i teoria dialética suspende, tal com o outrora H eg d, de modo artificial c dogran
tico, a crítica ã assim denominada consciência prc-científica. Nn congresso de
sociologia dc Frankfurt em 1968, Dahrciiclorf apúsirolbu ironicamente ox dinléti
co s: E le s sabem muito m ais do que cu, Duvida, d e do conhecimento de uma
objetividade social preexistente, uma ve/, que o social é eni .si mediatizado por
categorias subjetivas do entendimento. O predomínio do método, atacado pelos
dialéticos, nada mais é do que reflexão progressiva da in u m tio recta, pela qual se
realiza 0 prôgresso da ciência. Contudo, os dialéticos criticam juSlitmcnte a eriti
cada teoria do cqnlivesmemo. a tnieiulu ublhfun, em sun própria consequência.
Nisto cobram todas as proibições em que o cfantüíeismo se aguçava até 0 recente
dcsuavolvínicniu da filosofia analítica”, porque se realizam às-custas do conhecí
mento, 0 conceito de coisa mesma não reanima, eomu pretende AÈben, “ diUermi
nados preconceitos” ou mesmo a precedência da “origem" espiritual frente no
“ rendimento", no que aliás o positivismo não é tão imponente ria marcha da
sociologia. A concepção poppeiiana citada por Albeit, em consequência dc que
teoremas “ podem ser cntendidos como tentativas dc aclarar os traças estruturais
da realidade V 1* não dista tanto assitn do conceito daquda coisa mesma. Popper

v HDtkliuiinc/.. "MurtLiLíujiic e .j lUnçsiu da “SkçpsLs’ " íin T ç a n u Cnpiica, rama IJ. t & c .c h ,, p. 22u
JB t jui- vii■
paiifm.
'ía Vide Hahrrenas. "Contra uin raeioflolistno dividido pd* posíiivíteio". em A Disputa dn Posttivixtm. .
** Albert. "O mito da mdio total”, rftfrf.. r». 20-i
48 Albcn, “Pdas- casuis da |X3Kitivismo?”, ib iif., p. 285, nota 41; P«/p uuHtàlt Poppfir. “ 0 tíílaljdííilmtmo
dc otyiílivws pata a ciaicia cxpcuíticnuiL J çru Rulio, anu I. 1957: rrimpresse r:?n "Tltcórie und Xealttaicl".
editado por Hitns Álhar. T ■jbingen, ua-l".
232 ADORNO

nào renega, como a seu tempo fez Rciehenbach, a tradição filosófica. Critérios
lais como o da "relevância" 43 ou da “ força explicativa". 4 4 que não deixa de inter
pretàr posEeriormertte num sentido aproximativo de um modelo de ciência?; natu­
rais. diríam pouco sc por irás nào figurasse implicitamente um conceito de soeic
Jade que muitos positivistas, como Konig e Schelsky na Alemanha, preferiríam
eliminar. A mentalidade recitada a ioda estrutura objetiva da sociedade estremece
em face do objeto que transformou cm tabu. Ao mesmo tempo que os deritifi
dstas caricato ri zam seus opositores como metafísicos sonhadores, eles próprios
deixam de ser realistas. Técnicas operacionalmente ideais distanciam SC forçosa
mente das situações em que se situa o que deve $çr investigador isto poderio $er
demonstrado sobretudo na experiência sócio-psicológica, mas também na suposta
melhora dos índices A Objetividade a que propriamente deveria servir a afinação
metodológica, o evitar fontes de erro. toma-se algo secundário, que o ideal opera
ciunal piedosa mente arrasta consigo: o que era central transforma se em perifé­
rico. Dominando a vontade metodológica, desprovida dc maior reflexão, dc tomar
problemas “fítlscávoK" univoeoimenie dcctdívçis. a ciência se atrofia em aliema
tivas que emergem somente graças à supressão dc varíables» abstraindo portanto
do objeto, c assim transformando-o, Dc acordo com este esquema, o cmpiiismo
metodológico opera cm direção oposta à experiência.
Que sem referencia à totalidade, ao sistema global real porém intradu/uvcl
em i medi ater tangível, nada dc social pode ser pensado, que no entanto só pode
ser conhecido enquanto apreendido no singular fático, constituí o que na soeioto
gin confere peso ã ituerpwtaçãc. fila constitui a fisionomia social do que se mani­
festa. Interpretar significa, em primeiro lugar, perceber a totalidade nos traços dos
dados sociais;, A idéia Ja "aproximação antecipada" ã totalidade, que eventual
mente um positivismo muito liberal aprovaria, nâo c suficiente: ã lembrança de
Kum. du \ isei a totalidade como algo infinitameme abandonado e adiado, porém
n scr preenchido dc princípio por dados, sem considerar ^alto qualitativo entre
essência e leriômeno na sociedade. A análise fisionômica lhe Ia/ mais justiça, já
que apresenta a totalidade que “ é" c não uma simples síntese de operações lógi­
cas. fazendo as valer em sua relação ambígua aos fatos que decifra. Os fatos não
sfto idênticos com da. mas cia não existe além dos fatos. Um conhecimento social
que nâo começa com a visada fisionômica empobrece dc maneira insustentável.
Possui caráter canônico para de o s o u p ç n n quanto ao fenômeno como aparência.
O conhecimento não pode se deter nisto. Desdobrando as mediações do fenômeno
e do que ntihis se expressa, a interpretação frequentemente se diferencia e .se reti
fica de modo radical. Um conhecimento digno do homem, â diferença do registro
obtuso, que cm verdade c pre científico, tem seu inicio ao ser aguçado o sentido
paru o que em Lodo fenômeno social se dá a conhecer: se algo pode ser definido
como o órgão da experiência cientifica., então será isto. A sociologia estabelecida
expulsa este sentido: donde a sua esterilidade. Mas onde se encontra desenvolvido.

42 Pnppcr"A lógica cinscuticeíls sociais” . cin A üitputa tfo Pusütviçw) . .tp. 114
POSITIVISMO N A SO C IO LO G IA ALEM Ã 211

há que svr disciplinado. Sua disciplina requer Lantu licn alto grau Je exatidão da
observação empírica quanto também a torça da teoria que inspira a interpretação,
$ graças a esta se modifica; Muitos clentificislas concordariam general menu:
com isto, sem que isto implique o desaparecimento Ja divergência. Constitui uma
das concepções possíveis, O positivismo encara a sociologia como uma ciência
entre as outras, c. desde Corette. considera os consagrados métodos do ciência
mais antigíL sobretudo a da natureza, como aplicáveis ã sociologia. F aqui que
está coruido o engano propriamente dito. Pois a sociologia possui um caráter
duplo: nela o sujeito de todo conhecimento, justamente a sociedade*, o portador da
universalidade lógica. é simullmeamente objeto. Subjetivam ente. a sociedade, por
remeter aos homens que a formam, e inclusive seus princípios de organização,
remetendo a consciência subjetiva e Sua forma de abstração mais universal, a íógi
ça, é aluo eüsenciai mente imersubjetiva. Ela é objetiva, porque na base cie sua
estrutura de apoio, sua própria subjetividade não lhe é transparente, já que não
possui sujeiLo global c impede a instauração deste em viriude de sua organização.
Um Lal curáler duplo. porém. ulLera u relação de um conhecimento cicnlífico-
social ao seu objeto, c disto o positivismo não toma noticia. l-lc traia sem mais a
sociedade, |ioieiicialmente o sujeito que se autodeterinitna, como se fosse um obje­
to a ser determinado a partir do exterior. Literal mente, de transforma cm objeto.
ü que pof sua vez causa a objeüvaçào e a partir da qua! a objetivação hã que ser
explicada. Uma tal substituição de sociedade como sujeito, por sociedade como
objeto, constitui a consciência coi d ficada da sociologia. Desconsidera quc.com a
mudança um direção ao sujeito como algo objetiva mente oposto c estranho a si
mesmo, necessariamente o sujeila considerado, s í quisermos, precisamente o obje
to da sociologia, se transforma em algo outro. Embora é ceno que n alteração
mediante o enfoque do conhecimento tenha seu funríamwtuin in rv. Por sua ve/,
a tendência evolutiva da sociedade corre em direção a coisi fie ação; o que favorece
:i aduequatiü m uma consciência COisificada daquela. Mas a verdade exige a inclui
são clcs.ii.’ qutti pfò qut». A sociedade como sujeito e a sociedade como objeto ,sâo
a mesma coisa e também não são a mesma coisa. Os atos objetivadores du soeie
dade eliminam nu sociedade o qiiu 1\u com que não seja apenas objeto, o que
lança sua sombra por sobre toda a objetividade cientEficista, Reconhecer isto é o
mais difícil para umu doutrina cuja norma máxima é a ausência de contradito
riedade. Eis aqui a diferença muis profunda cturc uma teoria crítica da sociedade
u o que na linguagem corrente c denominado sociologia: uma teoria critica, apesar
de toda experiência de eoisifieução, e mesmu justam ente ao exterjuri/ur esta expc
riència. se ori ema pula idéia da sociedade comu sujeito, enquanto a sociologia
aceita a coísíficação, repeiimlou em seus métodos, perdendo assim a perspectiva
em que a sociedade o sua lei unicamente se revelaram, hlo daLa regressiva mente
da pretensão de dominação da sociologia anunciada por Cornte, e que hoje se
reproduz mais ou menos abenameme na convicção de que. por Lite ser possível o
controle conseqüente de situações e ccunpos sociais singulares, a sociologia pode
estender seu controle ao rodo. Se uma ml transferência fosse de algum modo i*os
Eivei, se nao desprezasse grosseira mente as relações de poder, cm cuja realidade se
234 ADORNO

mantem constitutiva, a sociedade totalmenLe controlada cientificamenie permanc


ceria objeto, o da ciência, não emancipado como sempre. Mesmo na racionali
dade de uma condução cientifica dos negócios da sociedade global, que se desem­
baraçou aparentemente de todas as suas cadeiras, sobreviveu a dominação. A dos
cientistas se confundiu, mesmo contra sua vontade, com os interesses das grupos
poderosos: uma tecnocracia dos sociólogos manteria caráter elitista. Entre os
momentos que precisam permanecer comuns à filosofia e á sociologia, evitando
que ambas decaiam — aquela â ausência de conteúdo, esta à ausência de conceito
— destaca-se em primeiro lugar que em ambas reside algo que não pode ser intci
ramente convertido em ciência. Aqui como ali. nada pretende ter expressão muito
literal, qtier seja staiemem offaci, quer seja a pura validade. Este não-ser literal,
uma peça de jogo segundo Nietzschc. circunscreve o conceito dc interpretação, a
interpretar um ente sobre um nào-ente. O não inteiramente íitcml testemunha a
tensa não identidade dc essência c fenômeno. O conhecimento enfático não cai no
irracionalismo quando não sc desliga da arte de modo absoluto. A adulta gozação
cientiftcista acerca da “ música dos pensamentos" apenas suplanta o ranger das
portas das estantes cm que são guardados os questionários, os ruídos, do empreen­
dimento de literalidade pura. Associâ-sc à experiente objeção ao solipsismo dc um
pensamento auto-satisfatório acerca da sociedade, que nem respeita o estado de
coisas daquela, nem preenche nela uma função útil. De qualquer maneira, há mui
tos indícios dc que os estudantes de formação teórica, que possuem faro para a
realidade c para o que a mantêm conexa, também estão mais aptos a nela executar
raciona Imentc as inrefas que lhes cabem, como o sào os especialistas juramen
tados para quem o método vale ames dc tudo, D tema solipsismo, contudo, inverte
o estado de coisas. A dialética sc satisfaz lüo pouco com o conceito subjetivo de
razão quanto lhe serve dc substrato ct indivíduo, a que mesmo VIax Weber pensa
precisar recorrer em sua definição de ação s o c ia l;« c justameme nisto que repousa
todo solipsismo. Tudo isto se encontra detidamente explicitado nas publicações
da escola de Frankfurt. A aparência dc solipsismo produz, a circunstância notória
dc que. na situação presente, unicamente o que não se entusiasma com o prazer
comunicativo generalizado da sociologia subjetiva rompe o anátema subjetivista.
Algo disto parece manifestar-sc na recente rebeldia da opinião pública que reco
nhece como digno de crédito unicamente o que não visa, sob a Ibrma de "comum
ca çà o \o s consumidores da cultura a serem seduzidos,
O que soa como música dissonante aos ouvidos dos positivistas» è o que não
está inieiramente contido em estados dc coisa, c que necessita du forma da língua
gem. Quanto nuns estritamente esta se adapta aos estados de coisa, tanto mais se
distancia da mera significação e adota algo parecido a expressão. Que a contro­
vérsia do positivismo tenha ate agora permanecido infrutífera, deve-sc também em
parte a que os conhecimentos dialéticos são tomados de modo excessivamente
literal por parte de séus opositores: literalidade c precisão uso significam o
mesmo, ames são divergentes. Sem ruptura, e impropriedade, nàa existe conhcci
mento que seja mais. do que repetição ordenadora. O fato dc que ao mesmo tempo
não sacrifica a idéia dc verdade, tal como seria muito mais de acordo com o posi-
VOS (TI v 15 MU NA SOC í O L O G 1A AI BMÃ 235

livismo conforme seus reprresentanies mais •cons.eqiiuntcs. circunscreve uma


conlradição essencial: o conhecimento, e isi.u de maneira alguma ocorre per acci
dens, constitui um exagero. Pois táo pouco como algo singular è 'verdadeiro',
mas, graças a sua mediação, também forma seu próprio outro, as rim também o
iodo não c verdadeiro. Sua permanência como inconciliável com o singular cons-
tftui expressão de sua própria ncgaiivida.de. A. verdade é a articulação desta rela­
ção. AniigamCrUC ainda sabia disto a grande filosofia; a de Platão, que constitui
a maior pretensão pré crítica de verdade, saboUi ínccKsantemente, sob a forma de
apresentação dos diálogos "aporétjcoxf esta pretensão tal como seria realizada
literaimente; não seriam descabidas especulações que assim referissem iuuulmcnlc
a ironia socrnttca. O pecado capital do idealismo alemão, a se vingar atualmente
pôr m do da critica jmshivista àquele, foi que iludiu a si c a noi.s seguidores atra­
vés do p á l h a s subjeUvista da identidade plena com o objeto rso conhecimento
absoluto. Justamente assim adentrou o palco dos statemems n/faei c das valida
des terá’ â i e r r e , cai que ú inevitavelmente batido por Limw ciência Capar de lhe
demonstrar a tticuRciéncia própria para seus desideratos. Ó procedimento imu
pretaiivo se debilita no rncrncMO cm que. aterrorizado pelo progresso das ciências
singulares, afirma ser ele também ciência como as outras, Nenhuma objeção a
Hegel tem efeito mais estrtngidor do que a já expressa por Kierkagaard. dc que
aquele toma sua própria filosofia demasiado literal mcuic. Contudo, a interpre
tação tampouco é qualquer uma. A mediação su efetua enirc o fenômeno e o seu
conteúdo carente de interpretação pela história: o que aparece de essencial no
Fenômeno é aquilo por que veio a ser o que c, o qúe nele está va imobilizado e o
que, no sofrimemo de seu enrijecimcnto, origina o que unicamente vem a ser. A
este ímobtlidado. a fenomenal idade de Segundo grau se dirige íl visada de prQCCdi-
mento fisionômico. Sob n expressão "hermenêutica natural do mundo s a c ia i" / s
de Habermas, e uivo da censura de Albert. não há que pensar uma ruiture/a pri
meira: mus sim a expressão que adquirem os processos do vir u ser social Portan
to. a interpretação também não deve ser ahsohiti/ádn conforme 0 uso da ínvtj
iânciei fenomenológica. Permanece entrelaçada com o processo global dos
conhecimentos: segundo Habentuis. "n dependência destas, idéias e interpretações
das disposições dc interesse de uma conexão objetiva da reprodução social. .
proíbe "permanecer em uma hermenêutica de interpretação subjetiva dos .senti
dost uma teoria de interpretação objetiva dos sumidos também precisa dar conta
daquele momento da coisificaçâo, visado exclusiva mente pelos procedimentos
objetivadores".4 * A sociologia tem a ver apenas perifcricamcnic com a relação
mdo-1'm perseguida siibjciivam cníc pelos agentes; icm a ver muitú mais com as
leis que se realizam através e contra tais intenções. A interpretação é o contrário
da doação subjetiva de sentido pelo conhecedor ou pelo agente social. O eoncdLo
dc uma tal doação dc sem ido induz à falsa conclusão afirmativa de que o processo
social e ií ordem social constituem algo compreensível a partir do sujeito, próprio

‘ Hiwcnua, "Traria analítica ila ciência e aialériCA” /í«'«IUn. ISfi: V id e também rewnntáfe acima.
4u M , ihid.. p 4Xf).
2.Vi ADO RN O

do sujeito, justificado c conciliado com n stijeiin. Um conceito dialético de sentido


não seria um correlato do entendimento weberíano de sentido, mas essência suríal
que cunha. uh fenômenos* que neles se manifesta e se oculta. R a determina os
fenômenos, e não uma lei geral no entender cientitkisía usual. Seu modelo seria
algo já como a dei da ruína’ de Míirx. deduzida a partir da tendência da queda dá:-
taxas de lucro, por mais irreconhecível que soja atualmente. Seus abrandamentos
haveríam de por sua vez derivados dela. como esforços pi-escritos imanentes
ao sistema, de desviar nu adiar a tendência imanente própria Jn sistema. De
maneira alguma c seguro que isto ^cju durudouramerue possível; se nao ocorresse
que tais esforços acabariam por realizar, a "lei da ruimi" contra a sua própria
vontade. Legível ò unicamente o mamem o de uma lenta ruína inflacionária.
O uso de categoria como totalidade c essência fortaleço o preconceito de que
os dialéticos se ocupam do global des com promissado. enquanto os positivistas se
ent retém com detalhes sólidos que purificam os fatos de Ludo títércu acréscimo
concauial. Ao hábito cieniificisla de estigmatizar a dialética como teologm m im
duzúda rurtiviimctiLc. há que opor a diferença do caráter saciai de sistema o o
assim chamado pensamento glohali/nntc. A sociedade é sistema como síntese de
um diverso alümteado. como sinopse real, mas abstraia, de algo não reunido
**organica mente", imediata mente, A relação de troca confere cm ampla medida
caráter mecânico uo sistema: ò disposta objtíi vam ente sobre seus elementos, de
modo absolutumentc diverso de corno figura no conceito de organismo, similar ao
modelo de uma ideologia divina, mediante j qual lodo órgão toriís sua função no
todo. que lhe atribuiría sentido. A mesma conexão que perpetua a vida. simulta
rica mente a dilacera, c por isto já possuí em si ãquclc algo da morte em cuia Jirc
çâo se move sua riinim iea. Na critica à ideologia ^lahnlizunte c organízatòria, a
dialética nào perde cm agudeza dos positivistas. A não omologi/ação do conceito
díü totalidade social, a nào adm issão de ser por Sun ve/ c o iiu k Io num início que é
cm si. constitui uma varianie Jo mesmo csLtdo de coisas, Posilivi&ias que atri
buem isto á teoria dialética. uri> com o reccntcmcntc Scbcuch, simplesmente a
desconhecem. O conceito de um inicio que é cm si. n dialética o aceita ainda
menos do que o la/em os positivi&tají. O do modo dialético de encarar a
sociedade é contrário ao global. Apesar da refiexào sobre a tolalidadc, a dinléiicn
não procede a partir cio alto. mas trata de dominar teoricamente pelo seu procedi
mento a relação antinôm íça do universal e do particular. O s cíeniifiei.stus dcscon
fiam que os dialéticos sejam megaiómanos: eni ve/ de percorrerem o finito em
iodas as direções, à viril maneira de Cíoçthe. e realizarem as exigências do dia no
que está ao alcance, deram se por satisfeitos no deseompromissado infinito. C o r
rodo, cora o mediação de todos üm fatos sociais. a totalidade não l* infinita. iv.um
precisam ente graças u sou carálcr de sistema, c fechada de modo finito, ainda que
nào permita, ser apresada Sc as grandes categorias metafísicas eram projeções da
experiência social mundana sobre o espírito, por sua vez social mente originado, é
certo que também não conservam, urna ve/ rextiuiídas ã sociedade, a aparência do
absoluto prodmudu por aquela projeção. Nenhum conhecimento social pode se
atribuir o domínio do ineondicíunado. Sua crítica à filosofia também nào pretende
PO SITIVISM O NA S O C IO L O G IA A L E MA 23J

que «,1 a nela s»u dissolva som vestígios. A consciência q u e se retrai nu domínio do
social liberta pelo seu auioconhedmento em filosofa o que nào se resolve sem
mais na sociedade. Contudo, quando se contrapõe ao conceiLn social dc sistema
como de algo objetivo, o lato de que ele seculari/.a o conceito de sistema da meta
física, isto certamCnte ê verdadeiro, porém sê aplica a tudo. e portanto a nada.
C o m igual direito poder se ia repreender uu positivismo que seu conceito de co n s­
ciência moral desprovida dc dúvida e secu Jarizaçào da verdade divina. A recrimi
ilação dc criptoteologia ac detêm a meio caminho. O s sistemas metafísicos tinham
projetado apologeticamentc sobre 0 ser social de coação Quem pretende se dis
tanciar do sistema pela via do pensamento, precisa traduzi-lo da filosofia idealista
para u realidade social, de que sc encontrava abstraído. Deste modo o conceito de
totalidade. conservado na idéia do sistema dedutivo justamente por çienüficístas
como Popper, ê confrontado com o iluminismo: no que c decidívcl o que Há aii de
não verdadeiro, mus Uimbêm dc verdadeiro.
Não menos injusta c a recriminíiçán da megalomania a respeito dn conteúdo.
A lógica dc lleeul entendia a totalidade como aquilo que ela lambem è social
mente: nada pfcGamenLc ordenado no singular, aos momentos, como dizia I legd,
mas pelo oomntno. inseparável daqueles-e de sou movimento. O concreto singular
pesa mais à concepção dialética do que a eienciliçj .ui. que o leiitehúa pela Louria
do conhecimento, e trata como mnlòrin prima ou exemplo através da prática do
conhecimento. O modo dialético dc encarar a sociedade considera mais. a mícrolo-
gia do que faz o positivista, que. apesar dc í t t a b s i r a c i ó atribuir ao ente singular
o primado sobre seu conceito, no Am modo de proceder passa rapidamente por
ÍStt) munido dc uma pressa aterapôrab Uü corno ,i realizada nos coinpuiadorcs,
Porque o fenômeno singular encerra cm si toda a sociedade, a microltuda c a
mediação constituem contrapontos mútuos através da totalidade. Uma contribui
ção sobre o conflito social contemporâneo pretendia esclarecer isto; '1 r o antiga
controvérsia com Bcnjamin acerca du íiucrprciaçâo dialética dc fenômenos
sociais movimentava se cm torno dn mesma questão: 4ÉI o tratamento fisionômico
de Bcnj-.imin era criticado como excessivamcnlc imediato, desprovido de reflexão
sobre a mediação social global. Rsta 3x1 de ri a lhe parecer suspeita de idealismo,
mas sem elu. u construção material i$Ut dc fenômenos sociais se movimentará
claudícam c airas d;i teoria. Q empedernido nominalismo. que relega o conedlo ;1
aparência ou k abreviação, e apresenta os fatos como algo desprovido dc conceito,
indeterminado, no entendimento enfático, torna sc necessariamente abstrato cm
virtude disto; a yb-tí tração consiilui o corte irrdletido entre o nrtiversul c o particu­
lar. c inio ;i visão sobre o universal como sobre a determinação do particular em
si. Na medida em que pode ser atribuída abstração ao método dialético, como.
por exemplo, frente ã descrição socio»rátiua de dados singulares, ela é ditada pelo
objeto, pela constante igualdade dc uma sociedade, que não tolera nada qualiiati
vamenie diferente e retorna monotdn amente através do detalhe. Todavia, os Icao-

■' ' I Vt1ixr»0 • 11" iiln Jacrs^uh. “ N í h .-i *; •uvftni Mo i..iiv fln ,i w*Hsil ?<xu í-n i|K>r㻫►". .m A n -s -í í i J í . W m w i
. P fíffllC ü ; >Ju‘ l|w i l-lí c' 5-:r|jrrls EVíjft. pp, I
J B 1 t t j r V V i: l í e r n.-ninm 111. C > i - r r a f p w i l i c t f c i a r [ " r a i l M u i t r p p - 7 H 2
llü AD ORN O

menos singulares que expressam o universo são muito mais su bstan ciai, cls> que
se fossem somente seus representantes lógicos. D e acordo com a ênfasse sobre o
singulat. tjuc por cansa de sua universalidade imancnle. ela nãn sacrifica â univer­
salidade comparativa, a formulação dialética de leis sociais 6 mais concreta do
ponto de v iu i hituórico. A determinação dialética do singular como algo sim ulta­
neamente particular c universal altera o conceito social de lei. Já nao mais detém
ú forma tio “ sempre que. então" mas stm “dado que___ c preciso” ; em prirreí
pio cia vale apenas sob a condição de não-lfberdade. uma vez que os momentos
singulares em si já contém uma determinaria conformidade a leis proveniente da
estrutura social específica, C não apenas produto de sua síntese cientifica. Assim
ho que compreender as e&nsi datrações de Hiabci mas uccroa das leis do movimento
histórico, no contexto da determinação imaneme-objetiva do singular de pró
p rio ,A? A teoria dialética se recusa a simplesmente contrastar o conhecimento his­
tórico c social como de algo individual, o c-onlttícímento de leis, porque o pretensa
mente apenas individual — a indíviduaçâo é uma categoria social — encerra em
si mesmo um particular c um universal: a ueucssáriu distinção dc ambos já tem o
caráter de falsa abstração. Modelos do processo do universal <? do particular são
tendências dc desenvolvimento da sociedade, mi* como a tendência para a
concentração, a supcrücumulnção e a crise. De há muito a sociologia empírica
percebeu o que perde cm conteúdo especifico devido k generalização estatística.
Frequentemente aparece no detalhe algo decisivo acerca do universal, que escapa
á simples generalização. Donde a fundamental com plementaçio de levantamentos
estatísticos mediante os case stutUex. O objetivo, inclusive de métodos sociais
quantitativos, seria o discernimento qual uai ívo: a quantificação não constitui um
fim cm si mesmo mas um meio para janto. Os estatísticos estão mais díapostos a
reconhece Io. do que o é a lógica corrente das ciências sociais, 0 comportamento
do pensar dialético cm relação ao singular pode talvez ser assinaiado da melhor
maneira cm oposição a uma formulação de Wittgenstein citada por W cllmer: “ A
proposição mais simples, a proposição dementar, nfirma a .subsi,stcncin de um cs
tudo de coisas*".so A aparente evidencia de que a análise lógica de proposições
conduz a proposições dementarás è tudo. menos evidente. Até mesmo Wittgens
tem ainda atribui ao Discou rs de la Métfiodp carte&ano o dogma segundo o qual
o mais simples qualquer coisa que isto represente para nós — ê “ mais verda­
deira" do que ü c-Q.mp0.SLo c por isto fe de serventia a prio ri it redução do complexo-
ao simples. De faw paru os cientilieistas a simplicidade constitui um critério de
valor do conhecimento sócio-científico; assim ocorre, por exemplo, na quinta tese
de Pupper na exposição de Tübingen. S1 Através da associação com a honesti
dade. a simplicidade se toma virtude científica; impossível não-ouvir a declaração
concomitante de que o complicado brota da confusão s>u presunção do observa

*" IVrfe fftdHprtwvi; "Teririti uaaifiica da dineia e tüaíéiíeu ", íoc. rí/., In?: Kí/fc também Adorno. "Sozio
k>gic uriti empirisctic Ferschtmj (riSueiolcijsw c pesquisa cmpirica"i. em  üisputa do Positivww. . . , n

a,n WitrgemtCrn. franatn^. iJ í ,


61 t-7ite Poppcr, -W I.igicn dar, ciênctrtr. -vr-ciaií” , ÍiV . erf-,10$.
POSITIVISMO N A SO CIO LO G IA A LEMA 239

dor, Contudo. sc teoremas sociais precisam ser simples ou complexos, constitui


ohjctivamente decisão dos próprios objetos.
A proposição popperiana: "O que existe efetivamente são os problemas e as
tradições cientificas".52 permanece bem recuada frente a seu discernimento
imedi&tamcnte anterior, segundo o qual uma assim chamada matéria científica é
um conglomerado dc problemas e tentativas de solução. A segregação de proble­
mas silenciosa mente delimitados como sendo “o único efetivamente real'* do
ponto de vista cientificista, instala como norma a sim plificação. A ciência deve
sc ocupar unicamente com questões passíveis dc decisão. Rarumenlc n material as
coloca de modo tão concludente. No mesmo espirito, Poppcr define o método das
ciências sócia» s» “ como também das ciências naturais". Ele consisti ria em “ ensaiar
tentativas de solução para os seus problemas que formam 3su ponto dc partida.
As soluções são propostas e criiicadafe, Quando umíl tentativa de solução não é
acessível ã crítica com objetividade, isto implica cm ser eliminada como não cien­
tífica, embora talvez apenas provisoriamente.**53 O conceito do problema aqui
utilizado ilâú é menos atornma do que o critério dc verdade de WitlgensteÉn. Pos
tula-Se que Tudo que sc situa legitima mente nn ãmbiLo da sociologia pode sçr
decomposto em problemas singulares, I ornada rigorosa mente, a tese popperiana
toma-se, apesar do common sensc a recomenda In à primeira vista, uma censura
inibídora da pensamento científico. Marre não sugeriu “a solução de um prnblc
ma" no conceito dc sugestão se imiscui a ficção dt> comensus como fia dor da
verdade: e por isto O Capita! nào constitui ciência snehfe Nlo contexto da soeis
dade, a assim chamada solução de qualquer problema pressupõe aquele contexto.
A panacêiít dc t r í o f a n d e r r o r se efetua às- custas dc momentos, apôs cuja supres
são os problemas ficam arrumados a t f trxum xcimitee c s t convertem possível
meme cm problemas aparentes. A teoria há que pensai lambem as conexões que
desaparecem devido â decomposição cartesiana em problemas sinçulares, c
mediatizá-tu aos latos Mesmo quando uma tentativa dc solução da "critica com
objetividade', tnL como a coloca Pop per, nau é sem mais acessível à refutação, o
problema a partir do ponto dc vista da coisa pode ser central. Sc. como ensinou
Mnrx. a sociedade capitalista è ou não conduzida â sua ruína mediante -sua dinã
mica própria, não constitui somente uma questão racional, enquanto ainda não
manipulamos a questionar: constitui uma das mais importantes questões de que a
ciência social pode se ocupar Mesmo as teses mais modestas, c portanto mais
convincentes, do ciemilieisino sócio mentillco, deslizam par sobre os problemas
vcrdndeiramerue rnai» difíceis, logo que traiam do conceito dc problema. Contei
tos ciuum o dc hipótese, c o de (.estabilidade, que lhe 6 subordinado, não admitem
uma simples transferencia das ciências naturais à s tia sociedade. O que não impli
ca concordância com a ideologia das ciências do espirito, segundo a qual a digni­
dade superior do homem não tolera qualquer quantificação. A sociedade domi-
naniL’ nuo despojou íi si c aos homens, coagidos cm seus membros daquela

/tf, ibid. p . L O S ,
*■
* M, ibíci., pp. 105í .
24U AD O R N O

dignidade. mas nunca permitiu que se convertesse num dos seres emancipados a
que. conforme Ksini. corresponde dignidade. O que lhes sucede corno histeria
natural prolongada, hoje como nutm rru eertamenle não figura acima da lei dos
grandes números, que se impõe de maneira tão consternado ra cm análises de dei
çòes. Porém é certo que a euncxâg possui em si a<? mcQos uma configuração. segu-
ramente cognoscl veh diversa da encontrada na ciência da natureza mais antiga,
donde se adotaram os modelos da sociologia eientíficista. Com o relação entre
homens, esta conexão está igual mente fundada neles, no modo de circunscreve-k>.s
e constituí-los. Leis sociais sào incomensuráveís para o conceito de hipótese. A
confusão hnbilónica entre os positivistas e os erítrco-tedricos começa ali onde,
apesar de aqueles afirmarem tolerância frente à teoria, a despojam, mediante
transformação, em hipóteses daquele momento de autonomia que lhes confere n
supremacia objetiva de sociais. Alcm disto, e Tlorkhcimcr foi o primeiro i assina
lã-In. fatos sociais náo previsíveis da mesma maneira que o são fatos das ciências
naturais no interior üo* seus contínuos mais ou menos homogêneos, Entre a ohje
Liva conformidade às leis da sociedade. conta se seu caráter contraditório, c final
rnente u sua irracionalidade. Cabe □ teoria da sociedade refleti Ia c possivelmente
der ivá Ia; mas não discuti ia através da excessiva mente zelosa adequação ao iJcal
de prognósticos a serem confirmados ou refutados.
l)c medo análogo, o conceito, igualmcrntc procedente das ciências naturais,
de ratificação universal e quase democrática de operações do conhecimento e
discernimentos da ciência social, de maneira alguma c tâo axiomatico quanto pre
I £nde ser. Ignora a violência da consciência necessariamente falsa, cia própria a
ser çriUcamente psrscruiada. que a sod&dade erige supre os seus: no lepo ambi
cioso do pesquisador de ciências sociais cia se encarna sob u figura temporal
mente correspondente do cspiritíl do mundo, Quem se desenvolveu táo inteira
mente sob «á condições da indústria cultural que cestas se tomaram sua segunda
natureza, de início, não encontra aptidão nem vímtude perna discernimentos vâli
dos para su;t função e estrutura social ã maneira da açãn reflexa, c recusará tais
discernimentos, apelando de prefcrcncia justam ente à regra do jugo eienlifieísta
da ratificação universal. Passaram se irim a anos até que a teoria crítica d» indás
iria cultural se impusesse: ainda hoje mmierosELs instâncias c agências procuram
asfixiá-la, por ser d a prejudicial ao negócio. Q conhecimento da conformidade
ohjctsva social as leis. sobretudo sua apresentação dcscompromissadíi pura cn ão
diluída, de modo algum se mude pelo comeu sus oninium. Resistência à tendência
global repressiva reserva-se a pequenas m inorias, ainda passíveis de rec ri min ação
por sc apresentarem de maneira elitista. A miifieiibilidude constitui um potencial
da humanidade, não prciente agora., aqui, sob as circunstâncias vigentes. É bem
verdade que o que um pude entender, conforme a possibilidade também qualquer
outro pode fazê-lo. pois no que; está emcndendo opera, açude todo peto qual tam
bem é posta a universalidade. Porém, para atualizar esta possibilidade, não ésufi
ciente o apelo ao entendimento dos outros, tais come sào, c nem mesmo á educa
çâo: possivelmente necessitar <e in da transformação daquele todo que. de acordo
com sua própria lá. hoje desdobra menos a consciência do que a deforma, 0 pos-
POSl l 1VÍSMO NA S O C IO L O G IA A LEM A 241

tu lado da simplicidade harmoniza com exte lipo regressivo de sentido. Incapaz dc


operações do pensamento outras que as procedem com inteira perfeição mecâni­
ca. ele ainda senie orgulho quanto à integridade intelectual Nega espontanca
mente a complexidade preeisamente de relações sociais tais como indicadas pm
[ermos. entrem entes supersolicitados. como o são estranham ente 5 4 coisillcação.
funcionalidade. estrutura. O método lógico d:i redução 3 elementos a pâflír dos
quais algo social sc constrói, elimina virtualmenLe contradições ubjciivaa. Um
acordo secreto vigora entre o elogio da vida simples c a preferência antíintdectual
pelo simples como o obtido pelo pensamento; a tendência direcional obriga sob
juramento o próprio pensamento u simplicidade. Contudo o conhecimento das
ciências sociais, que exprime a complexa conp-íituiçào do processo de produção f
distribuição, é evidçiiicmcitu- mais frutífero do que a decomposição cm dcmcillus
singulares da produção mediante levantamentos de fábricas, .sociedades isoladas,
tribal h adores individuais c coisas parecidas: mais frutífera tum bem do que a
redução ao conceito universal de tais elementos, que cie sua parte encontram seu
Valor apenas nu conexão estrutural mais complexa. Para saber o que c um opera
rio. c preciso saber o que ê a sociedade capitalista: por outro lado cstfi também
seeiiramenle nào e '"‘mais dementar1- do que os operários. Quando WiLLgcnxtein
funilamenta seu método eom u proposição: "O s objetos Ibrinam ;t substância do
mundo, por isto não podem scr com postos'1•** a com isto acompanha na ingíilui
da de histórica do positivista, o racional ism» dogmático dn século dezesseic, Ape
sor de >i eienlilleismo considerar :iü rca, os objetos Mriguliii es. como sendo o que
é Única c verdadeirameme. ele as despoja cm virtude disto de Lat modo de todas as
suais determinações, como simples superestrutura conceituai. que o único efetiva
nèrtle real se lhe convcnc mima nulidade total, que então dc lato não serve pára
nada mais do que comprovante de uma imivcrsididade iguaimente nula conforme
a crença nomiriâlisUt.
Os críticos positivistas dia dialética exigem eom insistência no menos mode
los de procedimentos sociológicos que, embora nào cuicstituEilos dc acordo eom as
regras empinslas do jogo. sç rcvdftm plenas de sentido: c ccriO que aqui havería
que sç aliciar o ‘ ■critério dc sentido“ assim denominado pelo cmpiristis. O Indo.v
r&rbüvutii ^i-tthibiutruín requerido por O uo NeuruLh em mmtc do círculo dc Viena
esiariu então eliminado. Gomo modelo pode ser indicado o que scçurnmcnte não
se uprcseuUtvu como cicnciu. a critica Ja linguagem, exeíeimd;» durante decênios
por K:irl Kraus. e que muito impressionou Wiugcnstcin. F mnoduz.id;:i dc modo
imaneme. cm grande pane orientada pelas infrações jornalLsiioa-s â gramática. A
crítica estética, enLreianto, desde o inicio possuía sua dimefpãu social: a devasta
çào da linguagem constituía para k ra u s o mensageiro da devastação real: já nu !
Guerra via s>v Instalarem as deformações e frases va/uas cujo grilo .silencioso per
cib era de há muito. Este constitui o protótipo de um procedimento não verbal:
o mui experiente Kraus sabia que a língua, por mais que .seja coitstituiiUe da evpe-
riênda. não Cria n realidade. Pela sua abxolutizaçào, a análise da linguagem se

•J WitLiLeiiitdn. 7racvaiiü. 2.01 1,


q 6 L/iijivtritLirrg. .1 sc duLÍjiguir Jc gfltukttrçw.ig. oUc.ieàu. fN. Uo T ,
242 A D O RN O

Cornou para der o espelho deformanle de tendências reais, ramo como o meio em
que se concreLi/.ou em segunda imediaicz a sua critica ao capitalismo. Os horrores
da linguagem que configurava c cuja desproporção em relação aos reais é rcssal
cada de preferência por aqueles que querem ocultar os reais, sáo excreções sociais,
que «parecem original mente nas palqv rus. untes üe destruírem rispidamente a vida
pretensamerUe normal da sociedade civil* cm que amadureceram quase desperce
bidameme, longt’ da Observação científica, corrente. A análise fisionômica da lin­
guagem desenvolvida por Kr.51.j5 possui, portanto, mais força decifradoru acerca
da sociedade do que resultados mormertie cm pí ri eu-sociológicos, porque assinala
sismogra fica menu: a desordem de que a ciência, movida por vã objeto idade, se re­
cusa obstinadamente a trotar. A s figuras dn linguagem, citadas c apregoadas por
K raus. parodiam e ultrapaüsüm 0 que á research deixa escapar sob a rubrica
negligente de jü icy quoies; r não-ciência dc K raus envergonha a ciência. A soeáü
lõgiit pode trazer mediações, desprezadas por Kraus como abrandamentos de suas
díagnoscís, que apesar de tudo ainda se moviam daudíCaiUcs por trás da realidade:
ele ninda estava vivo quando 0 jornal operário socialista de Vicnu assinalava as
condições sociais que transformavam o jornalismo vienense naquilo vislumbrado
por K r a u s , e numa observação de História e Consciência de Ciasse LuJkács reco­
nhecia 0 [ipo social do jornalista como extremo dialcriço da coísifícação; nele o
cará-ter de mercadoria cobria o que em si é contrário à essência da mercadoria,
devorando a* a capacidade de reação primária. cspõnLánca dos sujeitos, que sc
vínde no mercado. A análise fisionômica da linguagem de Kraus náo teria
influenciado Luo pnhundatTKiue a cicn d a e filosofui da 11istoria* desprovida do
conteúdo de verdade das experiência# portadoras, relegadas com altivez subal
terna pelas corporações como simples arte.tt 4 As análises obtidas, micrü lógica
mente por Kraus de maneira alguma são ulo '■ ‘desligadas'- dn ciência, como esta
desejaria que tosse. De modo específico xuas teses de análises da linguagem íiççr
ca <k\ menulidade do cornam que passa a s>er posioriormetUe, o empregado
devm am st: encontrar como norma neo-bárbara com aspectos de sociologia da

’ *0 poxtrivitfia «1» lOfliciiü .irlL* rcquri urrui inibir vrítica Ao* pwttivtsui:. mstvc vt Inteira fiam lutlO
quL- ç «çlsriila pctti cnnccltn lientciJi^ il, liciu/i.i, qpá, ]tur rumar mnl (j^itrujaumcnce 11 yÍí Lb rtptril 11u; «orrn*
faio. píetisíi ívconliüLSii que .1 vld:i ei pi ritual nfn■-*• rvnin naquilo une ele tuleFti, Nv cnftcrítu pod-tivi:.i -1
nrif fictuioa k « prçivtisn livre invenção ik uma rtulklade llcucia. Ema MJ«ipu< tiii i.minií.'iiio nn%u^ns dc
icii, e rw pintura e literatura ik húje *jmh CMtupleuumeiik recuada. ÇrMflõ $>mptameiUP UísUj, nâo w dá 3
imjxm;"uieiii ücv uhi ú panlcipatfio da aru nu çunliifciniçauí; ou então st jj. iccush ilc jcurmno, cuntbfme eritê
rios tiitõÚfíCONhipOssinsiaik»;: <iu nttvmmil que a arte pode esprimir c quo escapa u ciènCia. pelo que
deve pnfJii o kok proço \ --■ ?.il,-i tüe« i^iriui mcrii*' u iáUa.do<s tfc coU» Un i. i,. sal coasntp pr.Uiiv. -««'• ..*plíc,i,
havería que lay.e. Io mmhém flffl rtlMjáfio' i iflit A^íjis ela não devexiu iííí sihauUi jninru» ne^açüií nh^Trpia da
ciêncLU. Itarns vbíos o n^uisimi tios postuviyurs. e|i«ga ao [XMU-ôdc jHüibirtm a«iiamCntc n arte, |wr vki> tra
irivicL t?f ceuuullf c df que reVttlain pouco cunhccimcju^. comsi alias .sena consequente Responsável por
isiw i suti (XKiviío de neuiralidatk não crítica, ria mnorii dav vetes Luvoruvet a inãústna cultural; t#i como
SchkSioj, çpjuidõram U nne c»'^.i> IW reino da liK-rdade. Sc bem que nà» o laçara Comphaa
mcnic: imatau ve/i*'. -a: compnri ntn de cnoLli ho-xii| cm xriuçán ü irti TnOtkma rnditat, que se afasta do rea
IiSiW ú llgjjjuivü: |[1l-si)io ■■,|mc ftúo i ciuilfíito t medido secretamenti: ounAirnir rainaeLu» mentslLçpü, uu.<
como o da clcmltink u-u ate do HnurolIVO. de estranha Ccini^cração na riautriná da ciência ür Win
gensiein tanto squi coma ali. se imioraaiiza ndes- a gesto do "Lao cu não entendo" ú cçmc du hostilidade
a -ane e iileorsa. no iíjndo. i idcníien
PO SITIVISM O NA S O C IO L O G IA A LE M Ã 243

cultura da doutrina webeiiana da irrupção da. dominação burocrática e do des­


censo cultural assim explicado. A referencia, rigida das analises dc K rau s à língua
gerai e sua objetividade as conduz além do imediata e automaticamente relendo
acaso dc formas dc reação simplesmente subjetivas. Á partir de fenômenos singu­
lares. extrapolam o todo. a cujo respeite a universalidade comparativa c impe
tente e que no começo da analise de K raus c experimentado como pré existente.
Sua obra pode não ser ciência, mas para fazer jus a este nome. uma ciência deve­
ria ser comü ela. — A teoria de Freud na fase de sua expansão foi proserlta por
Kraus. Apesar üislo c apesar da mentalidade positivista própria dc Freud. d a cslã
tão atravessada frente à ciência estabelecida quanto aquele. Desenvolvida a partir
de um numera rehtivameme pequeno de casos singulares, da primeira â última
proposição lhe correspondería secundo d s-isterau dc regras cicnlifíci&las o vere
dito dc que se trata de uma falsa generalização. Sem a sua produtividade para o
entendimento dc mudos dc comportamento sdeiaL sobretudo o do ‘"cimento" da
sociedade, não seria possível imaginar contudo o que pode ser Contabilizado
como progresso de fato da sociologia durante os últimos decênios. E la . que por
motivos de ordem complexa provocou o menosprezo da ciência estabelecida —
costume que a psiquiíurio ainda detém — , forneceu hipóteses tntraeíeniíficas
praLicúvcts pura u expltdãçàú. doutra modo inexplicável, dc que a predominante
maioria dos Homens suporia relações dc dominação, se identifica com elas e por
d as ãc dcixíi induzir a atitudes irracionais, cuja contraditoriedads quanto aos
mais simples interesses de sua ítutóconscrvação é evidente, A liás, è duvidoso que
pela I rans formação da psicanálise em hipóteses se faça jm.Liça «o sçu tipo dc
conhecimento. Sua mil tração em processos dc levantamento se da às custas
daquele aprofundamento no detalhe a que deve sua riquçzg em conhecimento so
d a l novo, apesar de d a própria almejar uma conformidade a EuN gerais dc acordo
com o esquema da teoria tradicional
Albert parece conciliador frente a mis m odelos.* 7 Mas a controvérsia
propriamente se oculta em seu conceito du etmi probabilidade de princípio. Se um
pensador sociológico observa repetidamente nqs çstações do metro de Nova York
que dos luminosos dentes alvos dc uma beldade de cartaz, um se encontra rahis.
ca do dc preto, extrairá disto conclusões como a dc que o iflm tm tr dil indústria eul
rural, como simples satisfação compensatória, pela qual o espectador >e sente
previa mente enganado, desperta ao mesmo tempo a agressão deste úitimo. D e
acordo com o princípio epistcmotôgico, não foi de outro mudo que Freud eons
iruiu seus teoremas. Dificilmente tais extrapolações. são com prováveis do pomo
de vista umpirista, a não ser que sc imaginem experimentos particular mcri le enge
nhosos. Contudo, mis observações podem se cristalizar em estruturai sócio-psico
lógicas do pen-sarnento, que etuàu. num contexto alterado c condensado em ueris.
tomam se novameme acessíveis a métodos clínicos c de questionário. Se em face
disto, os positivistas insistem em que os dialéticos, cm oposição rs eles, não são
capazes Jc indicar regras víncuí adoras do com por ui menta do conhecimento

' ' Albfirt. "'0 milo áa razão 101*1". A>r. ctl.. p. 207.
J4 4 ADOKNU

sociológico. defendendo por isio o afiirçu, então o postulado supõe aquela separa­
ção estrita entre coisa « método, alvo do ataque da dialética, Quem tencionaste
aconchegar á estrutura de seu objeto, pensando o como móvel em si. nào dispõe
de um modü de procedimento independente dele.
Com o contrapartida à tese gerai positivista da verifteabilidade do sentido,
suja citado um tnodelo exposto nn trabalho du sociologia da música do autor; não
porque superestime a sua dignidade, mas porque n atura Ememe um sociólogo cOm
preumie ü intricar de motivos materiais o metódicos do melhor maneira em suas
próprias pesquisas. No trabalho "Sobre o ja//~ publicada na Zeitsçhrift ju e r
SozialfoFSchuníf. em 1936 c reimpressa nos Montènís Musicuux, utilizou se o
conceito do um "sujeito do j a u m a imagem do eu que se apresenta, em geral,
naquele Lipu de música; o jazz seria uma realização simbólica, cm quccSLc sujeito
do j a z i fracassa ante cxígòwias coletivas, representadas pelo ritmo fundamental,
tropeçando, “ caindo fora” , porém como dgo que cai fora revelando-se nu mu
espécie de ritual, como algo igual a todos os outros impotentes c que, por sua
auto-supressão. e integrado no coletivo. Nem o sujeito do ja z? permite ser assina
lado com proposições protocolares, nem o simbolismo da realização pode ser
reduzido cm pleno rigor a dados sensíveis. Apesar dislo. a construção que explica
o esmerado idioma do j.i//, cujos estereótipos aguardam tal dinifração à maneira,
de uma escrita cm código, dificilmente é desprovida de sentido. Para explicar o
âmago do fenômeno do jazz. aquilo que significa social mente ela será de maior
utilidade do que levantamentos acerca tias opiniões sobre o ja * / . de diferente» gru­
pos etários c da população, mesmo quando baseados em sólidas proposições
protocolares tais anuo us afirmações originais de participantes de amostragem
prévia Podemos decidir ueureri du irreconciliabilidade via oposição entre posições
e critérios, apenas feitas insistentes tentativas de transpor teoremas deste íipo em
projetos empíricos de pesquisa. Até o nwmunbj Lstu |oi pouco atraem e ao w a W
tesearçh. embora dificilmente sc possa negar o possível ganho cm discernimentos
concludentes. Sem entregar se a maus compromissos. saltam ã vista critérios de
mentido passíveis de tais imerprciuções; assim por exemplo, extrapolações da an:í
Use tecnológica de um fenômeno de cultura dc massa o que está em jogo nn
teoria do sujeito do jazz uu a capacidade de vine uUiçâ» do* tgqrçnias e(»m (tu
iros fenômenos mais próximos aos critérios usuais, tais como o cíown excêntrico
e deicrmiiiudo^ tipos mais amigos do cinciaa, Hm iodo caso. o pretendido poi
uma tes-e como a do sujeito do ju/.z como portador latente de uma espécie dc musi
ca ligeira é inteligível mesmo quando não verificado uu falseado pelas reag es dc
ouvimos de Jazz.; reações suhjcíivas dc maneira alguma precisam coincidir com o
COtilcúdo determinàvol dos Jonomenos espirituais a que se reage. líã que citar os
momentos que motivam a construção ideal de um sujeito do ja zz. e isso se lento li
embora de modo deficiente, no antigo texto sobre o jazz, Como critério evidente
de sentido desiaca-se c até que ponto um teorema revela conexões que sem cie
permaneceríam ocultas; se por seu intermédio se esclarecem allcmadamenic
aspectos dispares do mesmo fenômeno. A construção pode recorrer a experiências
sociais muito abrangentes, eomo a da integração da sociedade cm sua fase mono
P O SIT IV ISM O N A S O C fO I O G IA A L E MA 245

poliitu às cx pensas c através dos indivíduos viriuul muniu impoicailtò. Num estudo
posterior sobre as "óperas de sabonete" — uma transmissão seriada para donas
de casa. então muito popular no rádio norte americana Herta Herzog aplicou
a fiirm li I n muito Kimilítr à teoria do ja z z . gcíting d u o iroubk* a n d oiti o fit a cm a
cúníent ana/ysis empírica conforme os critérios usuais, e obteve resultados anã Io
gos. Se n ampliação intrapositivista do assim diam ado critério de veriílcabilidade.
de tal maneira que não se restrinja a observações a serem verificadas, mas inclua
proposições pura as quais é possível produzir condições objetivas de verifica­
ção. cria espaço para os moddos referidos, ou se a veniieabilidade daquelas
proposições, em certas circunstancias excosivamenEe indiretas e sobrecarregadas
por variáveis suplementares, continua a tomá Ias insuportáveis aos positivistas,
constitui asMiido n respeito do qual eles próprios devem se manifestar. A soeiolo
oi a cabería analisar quais problemas permitem tratamento empírico adequado, e
quais nâo o permitem sem sacrifício de sen lido: n |o é possível um julgamento
o lr i lamente a priorè a respeito. Cabe supor uma ruptura euUx a pesquisa empírica
objetiva mente realizada e n mciodoto^in positivista. Que esta até hoje Lenha sido
tào pouco produtiva para ã pesquisa sociológica. inclusive sob sua forma de "‘filo­
sofia analítica", ten.i como causa que na pesquisa, e às vezes por puras considera
çoçs pragmalicas, o interesse pela coisa acuha se !irmando contra a obsessão
meto do lógica; antes sçrits preciso salvar a ciêrtcta vivu. do que a filusulãit que nela
tem suas origens e on seguieta tenciona tutelá-la. Havería, que se perguntar única
mente, ve a escalaT da aitifrontarían pmoHalilv a operar com meiodov émptri
cos, com iodas as suais delKÚèneias. poderiu tu sido iutrpduzidíi e aperfeiçoada se
dt' inicio tivesse sido esboçada conforme o critério positivista da escala Gutinan.
A expre^àu daquele professor acadêmico: ’*Os senhores estão aqui pura fazer
pesquisa c nfio para pcn&ar", constitui a mediação entre o caráter subalterno dc
inumeráveis tcvantamcnios sócio científicos e sua posição social, O espírito que
descuida o quê cm benefício Jo como, ou o objetivo du conhecimento cm benefí­
cio dos meios do conhecimento, tçnde a deteriorar-se a si mesmo. Engrenagem
hcteióiumuu sacrifica nu maquimmo toda a liberdade, Através da racionalização
lonia se dçsçspiritualizadó. Um pensamento a serviço tio funcional rumo etmvcr
iç-se n u m pensamento do funcionários em si. Viri imimem ç « espirito dcscRpirilun
lixado deveria se conduzir mlabsurdum, por fracassar frente ;iv suas próprias Laro
ias pragmáticas. A difamação da fantask, u impotência dc representar o que
amdd não ê. trans formam -ss em areia na engrenagem do aparelho, logo que se

’ B VMc Wellmtft, h>c: cit. p. 15.


b* Nu úpíuv-tki rauiuiKilismu fihwiiilieu. iMnvul duúnistu.' vum «ilaw Oíhs upos tli1usjvruo. i1nxpni dt<xáijnr
iria 4j i.ii c"ipr/i & Jh/aSHU’. A urer nu ití^crnimiínlík :in|w«]i:ii;l.»r «Jo geanJ-C «ifltitmíltieu. ríic^tnüuiu «•
üprc^friuim, junt- i ú niíistnsi posümj ma» stíti pciTcUam-vnU- L-osieiUüvçis, Nu iafcki dc um dusmVííJvimcilIu
que des«le crua.- m o tutu n in ' ri~.j*jLHcio. u-JutnhMu .i iiíir^-lp diis furças pmiluirvii: inTelectuai: q,je
cidik w limii cju prucesMi »3l- uui»nliliLH-.iu. einivelw rilii i> ciiicinfeiv.-.-iiai inm v i.ls i. |m- iiicniillun uu.nin
o'vWAAV. tau ui I «ui esprou da nHuymàtiea. o uno mvcssatnt -.a- \ cn.usitlcac.iv úa t ic a m uwummík
a rum Mytiúrihw. v w i iu u ruuci ml imwnçáf' o mprfí t w j r n ç w m* m n v iira dvsxiuiiHlícLuliu fi «.nmrlev Imo d.»
que o icrtru» i rn iid o na U iiduíáa dc W istniuJi con •» 'Vspirttci da Ltípcnhusiliiidc". rc\d :; unb i u cii^imcnUa
i ■11j 11. ■!. , u IE l 1 1 i . _ i «c: t , - ,t J c U . n l.- i . c i . . l .. i ,‘V r li i- ó S n i . i o i , l i i ,vi , ,\ t q L. j i l C j U k - V , ! . l I U C K 1; : j L l d , i J i
ADORN O

percebem em confronto com fenômenos não previstos cm seus esquemas. Ao


desamparo dos americano* na guerrilha vietnamita, contribui sem dúvida o que
ali denominam frrass. Generais burocráticos conduzem uma estratégia calculista,
que não pode antecipar a tática de G iap . irracional de acordo com suas normas;
a condução científica dos negócios, em que se converteu a condução da guerra,
torna >e uma desvantagem militar. A liás, sociaimeme a proibição da fantasia sc
harmoniza da melhor maneira com a estática social ao £e delinear, apesar de
todas as afirmações em contrário. o retrocesso da expansão capitalista, Torna-se
igual mente supérfluo n que de acordo com a própria const ituição, o que po r sua
vez prejudica os interesses do capitid. que, para se manter, precisa se expandir.
Quem se comporta em conformidade com a máxima sqfety Jfrsi, corre o risco de
perder tudo. microcosmo dn sistema dominante, cuja estagnação é produ/.ida
tanto pelas situações de perigo em torno, como pelas deformações, que são ima
nentes ao progresso.
Valéria a pena escrever uma história espiritual da fantasia, o que está
propriamente em jogo nus proibições positivista*. No século dezoito, tanto em
Sítint Simon como no Drseonrs Préliminain* de d'A)cmhert. da c contada entre o
trabalho produtivo, cm conjunto com a arte, participa da idéia do desencadea -
mento d:is forças produtivas; como inimigo da mctalístcíi. Comte. cuja sociologia
se reverte num modo apologêtico estático. ê o primeiro inimigo da fantasia, Sua
difamação, ou repressão num campo espacial da divisão do trabalho,constitui um
fenômeno originário da regressão do espírito burguês, mas não como engano evi
Lãvd, ç sim no curso de uma fatalidade que acopla com aquele tahu a razão
instrumental de que a sociedade necessiut, Que a fantasia ai rufa seja tolerada ape
na* como coisíftcada. isto é. oposta abstratamente ã realidade, pesa sobre a arte
não menos que sobre a ciência: desesperada, u legítima arte procura saldar a hipo
leca. A fantasia não è tanio inventar Livremente, como operar espiritual mente sem
o equivalente de ume ihticidadc urgenLememc cumprida, Jastamentc isto é recu­
sado pela doutrina positivivísia tio assim chamado critério de sentido. A ssim ,
num modo inidramcrue formaI. pelo famoso postulado da clareza; "Tudo o que
pode ser pensado, pode sei pensado eUirameme. Tudo o que se dci\,i exprimir,
pode ser expresso darameme", lif> Mas tudo que não é resolvido pelos sentidos,
mantém uuui área üv indeterrmnaçio; nenhuma abstração consegue ser inteira-
mcrtie clara, qualquer uma também é imprecisa, graças à multiplicidudc de possí
veis conteúdos, Além disto, surpreende o apriarismo da tese da filosofia da lingua­
gem de Witr^ensidn l m conhecimento que é tão livre de preconceitos como u
pretende >or o positivismo, teria que cornar com estados de coisas que em si são
tudo, menos claros, que cm si são confusos, Nada garante que permitem expres­
são clara. A exigência disto, ou ante*, cie que a expressão precisa ser rigorosa
mente conforme ã coisa, ê legitima. Contudo, è passível snnsfa/c Ia apenas grada
tivameme, não mediante unu i media tez que espera da língua unicamente uma
vjhào estranha da linguagem, na medida em que não considera dogmatícanumie

!l WiwgCíWiíiA, Tfabtofus, ■
t.116.
P O SIT IV ISM O N A S O C IO L O G IA AL CM A 247

estabelecida a prerrogativa do instrumento do conhecimento até no âmbito da


relação sujeiio-abjcto. em conformidade com a doutrina uarLesiana da ciara eí du;-
tmçta perceptio. Tão segu ram ente como 6 estruturado o objeto da sociologia, a
sociedade contemporânea, assim indubitavelmente ela porta traços inconciliáveis
com sua pretensão imançntç dc racionalidade. Quando muito, estes levam ao
esforço de pensar clarãmCnte o que não e claro; atas isto não pode ser convertido
em critério tia o o í s e mesma. Wittgçnsldn seria o último a deixar de perceber o
abismai, üeo pensamento de algo que cm si nâo é claro consegue ser claro para
si. Por ultimo, novas experiências, ainda em formação, escarnecem no interior da
ciência souíal do critério de clareza; medi Ias agora e aqui. de acordo com e$ie,
seria im obilizar a experiência ainda ritubéanti\ A clareza constiod um momento
nu processo do conhecimento, e não sua referencia única e iom|_ A formulação
wíttgensletneana obscurece o horizonte á expressão mediatizada. complexa, em
constelações do que não pode ser expressa imediatamento e com clareza. Nisto
seu comportamento próprio era bem mais flexível do que a sua palavra: assim,
por exemplo, ele escrevia a Ludwíg, Fickcr, que havia transmitido u Geonjç Tntkl
urna contribuição doada por Wiügenstdn, que apesar de não entender as poesias
de Tralei, estava convencido de sua qualidade. Uma vez que o meio da poesia c a
linguagem um geral, e não unicamente da ciência, d e confirma involuntariamente
que i poxsívd expressar o que não é possivd expressar: um tal paradoxo era
pouco estranho aos seus hábitos de pensamento. Retrair se frente .1 isto, na itrevo
gtivcl dicotomiu dc conhecimento ç poesia, seria uma simples luga. A anu consu
tui um conhecimento sui gmvris; predsumente na poesia é enfática a linguagem,
sobre 0 que incide Lodo o acento da doutrina da ciência de WiitgensLdn
A hipótese da dureza. como momento do conhecimento. O cânone do çorthv
cimenio por Wittgenstdn colide cüm outros teoremas fundamentais seus. A sua
formulação: ‘‘O mundo c ludo 0 que é 0 caso", desde então dogma do positivismo,
ú em si cão ínnhigua qu-a não é suficiente como "critério de sentido", de acordo
com o próprio postulado de clareza de Wiugenstem. Sun invulnerabilidade apn
rente c sua ambiguidade encontram sc imimamenU unidas: a proposição íx>s$uí
na forma da linguagem umn couraça que impede :i fixação de seu conteúdo, Ser
"o caso”' pode de um lado significar ser ai objetiva mente, no sentido do ente da
filosofia, s à õ n i t t , mas também validade lógica; "c o casa" que duas vc/.cx dois sãu
quatro. Asxirr 0 principio fundamental dos positivistas oculta 0 conflito entre
emptrismü e logicismo, também não solucionado por clçs. e que cm verdade per­
corre toda a tradição filosófica. introduz indo se como novidade no positivismo,
somente porque este nada quti sabei daqudíi, A proposição de Wirtgcnsfein está
Fundamentada esn seu atomkmo lógico, mut corretamenu criticado no iiucrior do
positivismo; apenas eventos singulares podem ser "a caso", algo por sua vez
abstraído. Recentemcntc Wellnier fez ver que no Traaâtw dc Wiugenstein é inútil
a procura de proposições elementares: S1 pois nào "h á” nenhuma com a concisão
requerida pela existência daquele. Pela sua renuncia a exemplos. Se ira põe implid

c I tü.dé Wíilmér. !ür. rfí„ p. S


24K ADORNO

Lamente a critica à categoria do originário; este se oculta tào logo procurado. Em


confronto com os positivistas do Circulo dc Viena propriamente dilo, Wíttgens-
Lein se recusou a transpor, pelo primado do conceito de percepção, o positivismo
hostil à filosofia, era direção a uma filo sufi a por sua vez duvidosa, em última anã
lise_ a sensüaiisia. Por ouLm lado. us assim chamadas proposições protocolares
transcendem a linguagem cm cuja itnanència Wittgcnsretn procura se entrin
cheirar: a antinomia c inevitável. O círculo mágico da reflexão da linguagem não
sc rompe recorrendo a conceitos crus e duvidosos tais como o do i mediam mente
■‘dado” . Categorias li luso ficar?, como a da icdccri c do sensívd. inclusive y dialética,
que desde o fcctcíú de Platão deram os seus frutos, originam se novamcnlç na
doutrina dn ciência hostil a filosofia, anulando assim esír. hostilidade. Não se
resolvem questões filosóficas forçando-as ao esquecimento e redescobrindo as
com o efeito dti deniipnr noiiveuutó. A alteração dc Carrtap no critério do sentido
de Wittgenslein constitui um retrocesso. Reprime a questão da verdade, pela ques
lão dos critérios de validade; de preferência desejaria relegar aquela. à meutlísica.
Conforme Carnap. "proposições metafísicas não são 'propôsições da experien
d2
Cta simples tauiología, 0 que motiva a metafísica não c u experiência sensi-
veL à qual Carnap cm última análise reduz todo conhecimento, mas o que a
mediatiza. Kani não sc cansou de lembra Io.
O fato de os positivistas, num gigantesco círculo, extrapolarem da ciência as
regras que deverão Fundamentá-la e justifica fa. possui consequências finais tam
bem para a eiêncui. cujo progresso eletivo inclui tipos dc experiência que |x?r xua
vez não são prescrito* e aprovados pela ciência. O desenvolvimento posterior do
positivismo confirmou, quão pouco sustentável c a afirmação dc Carnap de qtie
“'as proposições protocolares . não requerem uma confirmação, mas servem dc
fundamento para todas as outras proposições da ciência"*,*'* l certo que tanto
logicamente, como no interior da ciência, não $e pode proceder sem imcdiutcz;
caso contrário, a categoria dc mediação pu sua vez não icri.i sentido razoável,
Mesmo cmegurui >tâo distantes da iincçliaic<c como a da sociedade, se desprovidas
dc um jmcdiaLü. não puderizim ser pensadas; quem não percebe primariamenie a
refcrêqcia à sociedade expressa nos fenômenos sociais não pode ascender a ura
autentico conceito de sociedade. Contudo, o momento dc imediaiez haverá que ser
superado (a u fzu h vb en )â 1 durante o prosseguimetuo dó conhecimento, A possibilí
dade dc contradizer os enunciados protocolares, que constitui u objeção do» ctcti
tistas sociais, de Neuruih e Popper a Carnap. ê um sintoma da .sua própria media
ção. inicíalmcntc mediante o sujeito da percepção, representado cunfurine o
modelo físico, e a cojo respeito o positivismo. desde Hume. considerou supérfluo
pensar, motivo por que eontinuamente se insinua sorraidramerue como pressu

‘ ¥ JU- p. 14)
M JJ.. p. 14.
* .Aufhcte» cwiswili rw diícr de Adorno ; .iintsiy.r.i.iaJc funwnnal ma,•: IniLrilsnil na Iui.mi.iv.ciii dc llcjiet"
l‘ dci.li; moiUi e uuli/ada lambém aijni Muncr .1 iimtnirüldodc - tui vciiv L i pui ‘'aunftcntln deixar cm
. 11 . iiim-, t i i ik So -j^Liii .,.1 o. .1 .• 1 :.ni. ■
ds .1 ,im i1inenrçTHU d.i *H|Vt'üiu, stipc
niçia. V. eoiériu qus nureii souiíxJjctc valnroj a uuúmu Ir ilr uquei.x. fl sipiiiieiHJn m;»is corrente dc onf
uebcfí t guardar. (N. ria L.i
P O SIT IV ISM O N A S O C IO L O G IA Al.F.M Á 1-0

posto despercebia». Isto acaba afeLando o conteúdo de verdade dai preposições


protocolares: elas são verdadeiras e não o são, O que poder ia ser explicitado cora
base cm muitos questionários de levantamentos da sociologia poluira. Certa
mente ds respostas, como material iniciai, sào “‘verdadeiras", apesar de sua rcFe
lúncí.L n opiniões subjetivas, elas próprias são uma parle da objetividade social a
que pertencem inclusive a x opiniões. Os qirt&lidriadns afirmaram o u assinalaram
ihtn e náo aquilo, Mas por outro lado. no contexto dos questionários, as respostas
sào muitas vezes contraditórias « nào conconjani.es. por exemplo, pró dento•
cráücas a um nível absLratò. mas amidcmocràticas lace a itens mais concretos.
Nesta medida a sociologia nifcj pode se restringir eios dados., mas precisa procurar
desviar ;ís cuctradições: s pesquisa empírica procede de acordo. Que 2 toaria da
eiencía despreze ab ova tais considerações habituais à ciência. constitui. encarado
subjclivamente, o ponto de apoio da critica dialética. Muitmi os positivistas con>e
gui ram -.e libcriu'- inteirumeme daquele iimíirLLirlüctuuLi&niü latente, já preformado
na degradação dogmática d a s ideas em Mumc. representações convertidas etn
simples cópias das impr^ssious. Para cies o pensamento não passa de uma raliti
cuçào i*»oslcrior. além do que fã eanstitui ura mal. Um arUiintelcctualismo assim
camuflado, com suas involuntárias colorações políticas. Favorece imkthiutvcl
mente 0 efeito dn doutrina positivista; um deiermindao tipo de seus seguidores so
distingue pela ausência da dimensão dí! reflexão. e pelo rancor contna procedí
mentos espirituais, que se movimentam esscndalm cnic sobre aquela.
0 positivismo interioriza as pressões para uma postura espiritual, exercida
pda sociedade lotalmcntc socializada sobre 0 pensamento, no imuiío dc fazê !•>
funcionar nela. R e c o puriuiiiiMno do conhecimento . 191 O que esle efetua na esfie
r:i moral, no positivismo se stthEima rtíls normas <lo conhecimento. A adveriènei.!.
dc K a m , cqnívoc.i em sua linguagem, dc não sc perder em mundos inteligíveis, h
cujo respeito I Iegcl j á falava ironicamente das “'casas dc perdição**, ê um prelúdio
daquilo: embora somente corno voz isolada no tecido pnlifõnko itu partitura lí Io
sóficíi. enquanto com os positivistas isto se converteu na melodia da vo/ tlomi

Cí .erifjci xn 1 £iU/-!uV cnl 3'Jt'S cili b rérixluil. .i;>bfvl(ii!. Nthrii. li drfentleil i.imü '*■ »'« ikv.in qnr
' iii.ii nmi w | » -tfnáa '.cr \(>ci\,iki|-i;i" rM.rrmnaOir, pn ,*ui!a'. clcnllficn rreurdnm por vive . pavor neu
YHsíXj jío ittfltAtO. l :Majtf(;i iv wtçesülvanicntc s» iniiW I-tll! *.i J jI lin ip w .i, S^htrwáVí dil wKliJt^.iil 1-uk.fc’ v i|Llc
nòw u^iti;«|iuihU y dOuii^àg Uv Webwr ni> iiiieu- ilu £ctíttat»Jtí u SaeiftUnfc, culfl uv-iijy. OrviisovIUs» iti
iüdusiiw tnomenteis osonii fatiai», hlsairicw. $arái> c psiai lógicos ick U gb: io una :i «ueiolopii duque rodear
tenicro^ainetiU' qU4ilc|uef lovúmciHi mícúiI %suji rauVaft tf^írv nin .• ;i Jc «p UoRiimi* esptíclítliíriilu de- uma
"málriri! 1 <ftcpndHea“ roa« 1 imei- rjlwionfiiiiíiit# «HMNhíivA dn.iadc: stamúiiio'. »lv uaitlo in».. unnij
«ir<'e|u »L- j ]í; i rfitjii.3 enpirilw:il da divi-ião tío i q balia»i. qm min puür R1" : lado : ix.íUK» m-Ckinüiçii:
i i . í Ii i i l i 11 1 1 | mm u m a 1 li. i...-ii> a 1 i r u b n U m C o n i l i d o u i t o p o u o 1 n p íru i^ e u n m í.a iwil »- c u m c i l ü b . J‘i u l i l c r . i m t n i i : iv,
Uivçraos- diimtmoH O qm.- >e d eú p ia |» f C0 0 puavai'i iiilcrtJtscipiJiiiir nao e suc-i liv iii A fiiu enbc desvelar
L-rn si üs. rnttãjiçs'itts rins caicÊorios .ibjtíJvo-,. cwln uma dm q u ü s tuadua ã uuloi riln visa 11 rnn^t»ç:To »ma-
uente dcís idementes ápurudita ik um «ttodki rui.n ivunu iiu - iBdepenrilenie f«fiíi eeomo-itiia histiVjii. p:.Ai*.do(ft;i,
■'r 1 I .■ '.ia' j’i V iiJ iii I lM im . i i rit -ill i f i m k' i <ini J i i v i c i|u.- - : - n - i(u«m i e m r, | .. 1! s e r c u .it-i.li-.. . ijtiL -.ti
ds-m po» inwDi&ifio iO dnicla. sv bem que nàu dn inien» por sun causfi, ]fodc sr pervcioè Io maix f-ieílmcme
m» irsecvniM Ja psiçolupi». Mvmuo i s i «si ■i freutlUuta, de eomoçn murindolásico, a sncjodailL* ”csia coniMa"
em mumertivels nu>mcím>í.. o oiiiivííliui. seu sabsuaia, inuuni se auiõnoxisu f«n tc à «nciádbuir |wr mntivo«
•líniais. Pni 11 tisrn ,:.l: .imi rni qgC i!:.scTiN‘c.ri irrcmcilisvt-lu'j.11111:» ínqmtfrçrviStH/neêss dfl Vpfií&tógSçs
,1 vi «uai iTiútL-snati/açãin. que ctiríiplyji-u a |U|ii(dt)ç^u da djrç roq-ií i|ualtUiin'D da sociuluma liai hüu
i is eiéftçias. e deste modo também a sua aucticiria pnKlaniada petos ctentificisLas.
250 ADORNO

nante triviaimente importuna, O que o conhecimento quer, o que altneja. ele se re­
cusa, de antemlo. porque o desiderato do trabalho social mente úíÊ! 3ho proíbe, é
em seguida projeta sobre o objetivo o tabu que &e impôs, endemontn bando o que
lhe ç inacessível. O processo que doutro modo seria insuportável ao sujeito: a inte­
gração do pensamento no que lhe é oposto, no que por ele deve ser atravessado,
é integrado no sujeito pelo positivismo, convertido em assunto próprio deste. A
felicidade do conhecimento não deve existir. Quiséssemos submeter o positivismo
aquela redncriõ ad kominem. que tanto lhe apraz realizar com a metafísica,
poder sé iíj suspeitar que d e logiciza os tabus sexuais, nào convertidos apenas
hoje em proibições do pensamento. Q uç não se deve comer Ja árvore do conheci­
mento, torna-se no positivismo A máxima do próprio conhecimento A curiosidade
c punida na nova face do pensamento, a utopia dele deve ser expulsa sob qualquer
configuração, indusive n da negação, O conhecimento se resigna á reconstrução
repetitiva. Ele empobrece do mesmo modo que a vida empobrece sob a moral do
trabalho. Na compreensão dos fatos, u que há que sc ater. sem se distanciar,
mesmo através de sua interpelação, o conhecimento é considerado simples repro
duçâo do que já ‘existe de qualquer maneira. O ideal de um sistema dedutivo c
completo, que nãó deixa nada de fora. constitui para tanto a expressão reduzida
ã lógica. Um ituminismo desprovido de rcfksão vira reflexão. O que há dc subal­
terno e melindroso na doutrina positivista nào é culpa de seus representantes,
frequentemente cies nada tem disto ao abandonarem a toga, O espírito burguês
objetivo enfunou-se um substituto da filosofia. No que é inconfundível o pttrii pris
pela princípio de troca, abstraído naquela norma do ser para-outro, a que obedece
como medida de todo espiritual o critério da ratificação posterior é o conceito de
comunicação formado ultimamente na indústria cultural, Dificilmente seria des­
leal determinar o que ós positivistas consideram como empírico, como sendo 0
que c para um aturo, â própria coisa nunca deve ser concebida. A simples defi­
ciência de o conhecimento não atingir o suu objeto, mas apenas pôr em relações
que llic são exteriores, c contabilizada, cm reação cornõ itnediaíez, pureza, ganho,
virtude. A repressão que o espírito positivista prepara a si mesmo subjuga o que
não lhe é igual, isto marcará nele o político-, apesar de todas as suas declarações
de neutralidade, quando não o fará em vim ide delas. Suas categorias constituem
de um modo latente aquelas categorias práticas da classe burguesa, em cujo ilumi
nismo figurava desde o inicio a negativa daqueles pensamentos que colocassem
tíi.ii dúvida a racionalidade da rcitia dominante.
Uma tal análise fisionômica do positivismo é também a de seu próprio con
cdto central, o empírico, a experiência, De um modü geral, categorias tornam se
temáticas, quando não mais são substanciais, conforme a terminologia dc Hegel,
nào mais são inquestionavelmente vivas. No positivismo está documentada uma
constituição histórica tio espírito, que nào mais conhece a experiência, motivo por
quê [anta elimina seus rudimentos como se oferece como seu substituto, como
única forma legítima de experiência. A ímancnçja do sistema que virtual mente se
imobiliza não tolera sequer algo qualitarivamente outro, que podería ser experi­
mentado. nem capacita os sujeitos que lhe são adequados a uma experiência nào
V [s MO N A S O C IO L O G IA A t l. MA
P O S1TI ■ 251

regulamentada- A situação de mediação universal da coisific&ção de todas as rela


çdes entre homens. está sabotando a possibilidade objetiva de uma experiência
específica da coisa — este müildo ainda é passível de lima experiência viva?
incluída □, aptidão antropoíóçica. Com razão Schdsky denominou o conceito de
Cípínència nao regulamentada um dos pontos centrais da controvérsia entre os
dialéLícOfl. e os positivistas. Á experiência regulamentada que o positivismo pres­
creve. anula a própria experiência, elimina na intenção o sujeito que experimenta.
O correlato da experiência frente ao objeto e a eliminação do sujeito, sem cuja
receptividade espontânea nada de objetivo sc dá. Conto fenômeno social, o positi­
vismo está aferido ptira aquele tipo de homem desprovido de experiência c- comí
nuidnde. animando-o a sc considerar, k maneira de Babbil. como y coroação da
criaçào. Nesta xua adaptação apríorista àquele tipo, haveria que procurar o ap-
pea! do positivismo. Ajunta-se um pseudo-radicalismo, que procede por íctbulá
rasa, sem ütacíir wnteúdu algum, e que dá conta de qualquer pensamento üu cor
teúdo radical, denunciando-o como mitológico, ideológico, superado. A cons
ciência coísificada se instaura automaticamente com todo pensamento que de
antemão não possua o aval de facts and figures, mediante a objeção: whçre is fhe
ev: dance? A prática empírica vulgar de uma ciência social desprovida de eoncci
tos. que gerai mente não toma notícia de filosofia analítica, revela algo acerca
desta. Ü positivismo c espírito do tempo análogo a mentalidade de Ias do jazzt
semelhante também é a atração que exerce sobre os jovens. I em a introduzí-lo a
segurança absoluta que promete após a derrocada da metafísica tradicional.
Porém ela é aparente: a pura ausência de comraditoriedftde, em que se resume,
nada im is ê tio que [antologia. u forçada repetição sem conteúdo convertida em
conceito. A segurança torna se algo inteira mente abstraio c sc anula (l;cbi sicb
atif): o anseio de viver num mundo sem medo se satisfaz corn a pura igualdade do
pensamento consigo mesmo, Paradoxalmeruc, o fascinante dc positivismo, a sçgu-
rança, se assemelha n pretensa confiança que os zelosos funcionários da autantici
Jade auferem du teologia, e pwla qual Advogam uma teologia cm que mio creem.
Nu dialética histórica do iluminismo, a ontologia se reduz, a ponto adimcnsioníd;
etc, cm verdade um nada. converte-se em basiion, no maJjnhiU- dos cienli(rcisUí>,
Isto sc harmoniza com a consciência das massas, que ao mesmo tempo se sentem
como socialmente supérfluas, nulas, apegando-se mesmo assim ao sistema que.
querendo subsistir, não pode deixá-las morrer dc fonte. Á nulidadu c usufruída
também como destruição, enquanto o formalismo vazio ê indiferente lace a qual
quer existente. motivo por que é eonciliávch a impotência real converte sc numa
atitude espiritual autoritária. Talvez- o vazio objetivo exerça uma atração expeci
fica sobre o tipo antropológico ascendente do vazio desprovido de experiência. A
ocupação afetiva Jo pensar insi.rumental, alienado dc sua coisa, é mcdiuiiz.uda
pela sua teemeização: a!a o apresenta como Mundo de vanguarda. Poppcr posiulu
uma sociedade “ aberta” . Sua idéia contudo contradiz o pensar regulamentado,
n.io aberto, postulado por sua lógica científica como “sistema dedutivo” . O positi­
vismo mais recente encontra se inscrito sobre o corpo mesmo do mundo governa­
do, Se nos primárdíos do nominalistnü, e mesmo ainda para a burguesa nascente.
252 ADORNO

0 cm pi rismfi de Bacon opinava pela liberação da experiência frente à ordo de con


certos preestabetecidos. o aberto como escape da estrutura hierárquica tia sode
dado feudal, hoje. uma vez que a dinâmica desenfreada da (sociedade) burguesa
caminha para uma nova estática, aquela abertura ò obstruída pelo síndrome do
pensamento cienüiieUta. através da restituição de sistemas fechados de controle
espiritual A plicando ao positivismo seu próprio princípio fundamental: por afini
dade com a burguesia cie é contraditório em si. na medida em que declara a expe­
riência como o único e exclusiva mente importante, c. tio mesmo tempo, a proíbe.
A exclusividade que atribui ao ideal da experiência, o sistematiza e assim poten
cialtm nle o suprime f j w b í es a i{ fi.
A teoria de Poppcr e mai-, ágil do que o positivismo usual. Nuo insiste tão
irreílcüdamenti na neutralidade Je valores*1 c como a tradição mais influente da
sociologia alemã, desde Wcbcr. Àlbert, por exemplo, declara: *'0 iuí:io de A dor
no. <le que todo o problema dos valores está disposto erroneamente. nSo tem refe
rêneia a uma formulação determinada deste problema, motivo porque quase não
sc pode fulgã-lo: uma afirmação efe tom abrangente, mas isenta de riscos ' r J Ao
que há a retrucar que a criticada abstração da formulação corresponde à dicoto
mia. desde VVebcr sacrossanta na Alem anha, e pode ser colocada por conta ape­
nas de seus inauguradores e não de seus críticos. Entretanto, as. antinomias em
que o positivismo incorre, graças a norma da neutralidade dc valores, são inteira
mente ccmcreü/.üvcis, Assim como no jogo político de forças uma posição estrita-
mente apolilica se converte em potirikuni em capitulação cra face do poder, assim
iimn neutralidade gerat dc valores se subordina írrcílelídamcnte ao que para os
po»iisv|suts se chama sistemas vigentes de valores. Inclusive Poppcr. com sua e\i
gènciu “ de que precisa ser uma das tardas da uótica cientifica expor mesclas dc
valores, e separar as. ques uh> de valor pur «mente cientifico conforme verdade,
relevância, simplicidade, etc,, das questões e x ir a c ie n t if ic á s " .r e t ir a dc ecrtn
maneira o que inidalmcnte havia permitido. I)c lato a problemática daquela dieo
to mia ha que ser seguida concreta mente nas ciências sociais. Manuseando xc tão
rígorosamente neutralidade de valores, como o fazia indubi lavei mente Max
Wcher em ocasiões públicas nem sempre em seus textos n.s pcaquixas socio
lógicas pecam piçilmenu çonLia o c riim o da relevância, todo modo apresentado
por Popper, Por exemplo, se tt sociologia da arte quer afastar dc s-i a questão da
hierarquia das formações, de cujos efeitos se ocupa, entâo. a ela se subtraem com
pfexns tão relevantes como o da manipulação da consciência pela indústria, o
conteúdo dc verdade ou inverdade dos estimule», a que os investigados estão
expostos, por fim. todo discernimento determinado da ideologia como consciência
socialmentc falsa, Uma sociologia da arte que não pode. cm não quer. distinguir
entre a hierarquia de uma obra íntegra & significativa v a de um produto kitsch
PO SU JV iSM G NA S O C IO L O G IA A L E MA 2S3

calculado cm conformidade com relações üc deito, não se atribui a função critica


que pretende exercer, mas adota o conhecimento d<* tais faits sociaux conio da
autonomia ou heteronomia de formações espirituais, que depende de sua posição
social c determina seu efeito social, Abstraindo disto, permanece o resto insípido
de. quando muito, um matematicamente aperfeiçoado nosc cou/tiing conforme
tikcs atui clisãkes* inconsequente para a significãncia social das preferências e
aversões constatadas. Não há que suprim ira crítica ao comportamento valoraíivo
das ciências sociais- í restaurar, por exemplo, a doutrina Antológica dos valores
do Schelcr intermediário cm norma para as ciências sociais. O que êinsustentável
è a dicolomia de valor >. neutralidade dc valores, e nào um diríes em reparado, Sc
Hopper concede que os ideais cicmificistas de objetividade e neutralidade de valo
res constituem por sua vez íatores. isto atinge a própria verdode dos juízos; o sen
tido destes implica a representação "vftlorativa“ de que algo verdadeiro c melhor
do que algo Falso. A análise de quaisquer teoremas, plenos de conteúdo das ciên­
cias sociais precisaria tocar seus elementos axio lógicos. mesmo que os teoremas
não ws justifiquem. Mas este momento axiqlóstico não se opõe abstratamente à
realização do juízo, mas lhe c irnanentc Valor C neutralidade de valor nào estão
separados, mas inter relacionados: isolada mente cada um seria falso, tanto o juízo
preso a um valor exterior a d c , como também aquele t|uc se paralisou pela. extir
paçno do momento VáloríUivo ;i ele imanenle c enelíminnvcl G fh c w a p ro b a n cíu m ,
junta mente com a argumentação do ensaio weberiàrio acerca da ética protestante,
pode apenas em total cegueira ser separado da intenção, de maneira alguma des
provida de valores, dtí sua critica à doutrina marxista desuperestrutura ç infra cs
trutura. Hla nutre os argumentos isolados mas sobretudo iam bem a impermeabí
Iidade daquela investigação Irentc íi procedeucLi sócio econômica Jos theotcgú
menos. que. secundo ela, constituíram o capitalismo. A posição funda
mental amimatcrialisia de Wcber não motiva somente como ele reconhecería
u temática de sua sociologia da religião, mas. também a su ã nm-mnçáo. st esco
lha düs materiais, a trama do pensamento; sua argumentação situa com embaraço
de pdnta-cabeço a derivação oconõmicíi. A ngukz de um conceito de valor exter
nu ao punsanumo, como à coisa. eunstltuiu se cm ambos os- lados em motivo dá
iiHüLislaloriedadc do debate sobre a neutralidade de valores; aliás, um positivista
como Durkhcim declara sem rodeios, nào citando Wcber. que a razão cognitiva e
valórtitivit s-ítcf a rnesnui. motivo porque a distinção absoluta entre valor e conheci­
mento c improcedente. A seu respeito, positivistas c onloiógios concordam- A
solução do suposto problema do valor, nào encontrada por Albert nos dialéticos,
consistiría em que» utili«MUido desta vez somente um conceito pOsítivisu, a aliei
nativa c concebida como pseudoproblcma. como abstração, desvanecendo se com
a visão concreta sobre a sociedade e a>m a rcllcxãü acerca dc sua consciência. Eis
o que nurava a tese da cuisifícação do problema do valor; que os assim chamados
valores» quer encarados como algo a ser eliminado das ciências sociais ou como
bênção Jtts mesmas. s£o clev.idu> a iiutonomia. quasv o qut é em si. enqu-onU.'
nào o são nem do ponto de vista histórico-real. nem como etuegarias do conhecí
monto. O reladvísmo dos valores constitui o correlato à apoteose absulutista dos
1*4 ADORNO

valores: tÜQ logo, procedentes da arbitrariedade e da indigcncia da consciência


cognitiva, sàc arrancados á sua reflexão e ao contexto histórico, cm que atuam,
caem justamente sob aquela relatividade que sua coniuração Queria banir, O con
ceito econômico dc valor, que serviu de modelo à disputa filosófica de Lotze, dos
alemães de sudoeste e cm seguida à da objetividade, constitui o fenômeno origi­
nário da coisificaçâo. o valor de troca da mercadoria. A ele Marx associou a aná­
lise do fetichismo. que decifrou o conceito dc valor como cspdhamento dc uma
relação entre pessoas, tal como se fosse uma propriedade dc coisas. Os problemas
normativos erguem sc a partir dc constelações históricas, que dc igual maneira
exigem silenciosa e “ objetivamente” a partir de si próprias a sua transformação.
O que posleriormcnle se solidifica em valores para a memória histórica na vertia
de constitui questòcS da realidade, lormalmente não muito distintas do conceito
popperiarto do problema. Não seria possível. |>or exemplo, decretar abstratameme
que iodos os homens precisariam ter o que comer, enquanto as forças produtivas
não fossem suficientes para n satisfação das necessidades primitivas dc todos.
Contudo, quando» numa sociedade em que a fome seria inevitável, aqui c agora,
em face da abundância de bens existentes e evidentemente possível, da mesma
maneira existe a fome. entào isto exige a abolição da fome pela intervenção nas
relações dc produção. Hsta c.vigenciu brota da situação, dc sua análise em Ledas as
dimensões, sem que para tanto se precisasse da universalidade e da necessidade de
uma representação dc valor. Os valores sobre os quais é projetada aquela exigén
eia surgida da situação constituem a sua imitação débil e cm geral falsificadora.
A categoria da mediação é enrica imanente llla contém o momento da neutrali
dade de valores na figura de sua razão não dogmática, acentuada pela confronta
çáo daquilo por que uma sociedade se apresenta e o que ela è: o momento do
valor, contudo, vive na intimação prática u ser apreendida da situação, e paru cuja
apreensão se requer a teoria social A falsa cisão entre neutralidade de valores e
valor revela sc i^ual a cisão entre teoria c prática. A sociedade, enquamo enten
dida como conexão funcional Je autoconscrvação humana, “quer dizer"; tem por
llm ohjeiivamente a reprodução dc sun vida adequada ao estado de suas torças:
Ibra isto qualquer realização social, e mesmo socialí/.ação, constituí um contra
senso no mais simples entendimento cognitivo. A razão subjetiva da relação fins
meios se transformaria, tão logo não fosse detida efetivamente por imperativos
sociais ou eieniifíeriuis, naquela razão objetiva» que contém o momento axiolú
gico como o próprio momento do conhecimento, O valor e a ausência de valores
sâo mediauzados entre si vlialeticamcnte. Conhecimento algum dirigido à essência
imediata da sociedade seria verdadeiro, se não o quisesse assim medida em que
seria portanto "valorativo"; nada há que exigir da sociedade, que não proviesse da
relação de conceito e empiria. que não seja portanto cssencialmente con h eci­
mento.
A ssim como uma teoria dialética não apaga simplesmente o desiderato dc
neutralidade de valores, mas traia de preserva Io suprimindo o cm si (an sich auf
z u h v b e u f r a c h i e t ) em conjunto com o oposto, assim ela devería se com portar em

relação ao positivismo como um todo. A distinção operada por Marx entre apre
POSIT1VI SM O NA s o c 101-OG TA A L E M À 255

sctuação e origem do* conhecimentos. pela qual queria ílrascar a censura de proje
Lar um sistema dedutivo, pode considerar a dialética filosoficamente com frivoli­
dade excessiva, por dégoui peta filosofia. dc todos os modos, o que ha de certo
nisto é o pesado acento sobre o ente frente ao conceito liberado, a acentuação da
teoria crítica frente ao idealismo. Ao pensamento de imanente movimento
progressivo c inata a tentação dc menosprezar o fatos. O conceito dialético, con
ludo. é mediação, e não ser-em-si: o que lhe impõe a obrigação de não pretender
qualquer verdade choris dos medi afiz ados. os fatos. A crítica dialética ao positi
vismo tem seu pomo de aplicação mais importuna na coisiftcaçâo. a da ciência c
da iatleidade não refletida; UmLo menos ela por sua ve? pode eoisilicar os seus
conceitos. ÀJbert percebe correlamcnte que conceitos centrais, mas não verifica
veis pelos sentidos. Utts como sociedade ou coletividade nào devem ser hipqsla-
siudos. postos ou fixados com um realismo ingênuo, como ser-em-si. Uma teoria
exposta ao perigo de uma tal coisíileaçâo. em todo caso. é induzida àquela do
objeto, na medida em que este se encontra tão enrijecido, como sói repetir no
dogfflíitisitio da teoria, no que eslu apenas “ reflete". Sc a sociedade, um conceito
de função e não dc substância, permanece proorilenada de i ri lia I modo objetiva
mente a todos os fenômenos singulares, então lambém a sociologia dialética não
pode si11abster do aspeeio de sua Coisidade; cíisv contrario falsifica o decisivo, as
relações de dominação-. Mesmo o conceito durkJieímiann dc consciência coletiva
que eaisificit cixineniemcntc fenômenos espirituais tem seu conteúdo dc verdade
nn coação exercida pelos mores sociais: so que esta coação por syu v è £ havería
que »çr derivada das rdaçòes dc dominação no processo de vida real. e nâo scr
aceito como “-coisa", algo a ser encontrado por último. I ?n sociedades primitivei»,
a carência de alimentos — talvez exija traços orgánizacórtos dc coação, que
retornam nas situações dc carência provocadas pelas relações dc produção, c por
tjnnto desnecessárias de sociedades supostamente maduras. A questão quanto a
precedência ct& divisão socialmenie necessária de trub&ího físico c intelectual ou
do privilegio usurpniorío dó feiticeiro, tem algo da questão do primado do ovo ou
vki gaJlnhii, dc qualquer maneira o xamã necessita de ideologia, sem o que as coi
sas não funcionariam. Em beneficio da teoria snero.vvsruit, dc modo algum há que
exorcizai a possibilidade de que n coação social seja herança btológíço-animal: o
desterro sem saída Jo mundo animal se reproduz n;t dominação brutal dc uma
sociedade ainda sujeita à ItiMória mtiural. Donde contudo nâ« há que concluir
apologcttcamcnk u irrcmediabilitlíidc da coação. Afinal. <1 momento dc verdade
mais profundo do positivismo, embora resista a d a como à palavra sub cujo feiti
ço se encontra, é que os fatos, o que é assim c não dc outro modo, assumiram uni
aumente numa sociedade nâo livre, que escapa ao poder de seus próprios sujeitos,
aquela violência indcvassávcl. a seguir duplicada no pensamento cientifico pelo
culto cícm ilicista dos falo*. Até mesmo a redenção fitasóíica do positivismo
necessitaria do procedimento por d c desprezado, da interpretação daquilo que no
Curso do mundo dificulta íl interpretação. O positivismo é o fi±riómenu sem con
evito da sociedade negativa nu ciência social. No transcorrer tio debate, a díalé
cica, encoraja o posiiivisnui a consciência de uma tal negatividade, a sua própria.
256 A D O RN O

Em Wittgenstein nào há carência de vestígios de uma ml consciência. Quanto


mais longe se leva o positivismo, tanto mais energicamente de impele para além
de si. A proposição de Wittgenstein ressaltada por Wellmer. de "que precisa haver
muito preparo na linguagem, para que o simples denominar tenha um sentido ' . fi-
nada mais quer dizer senão que para a linguagem, a tradição c constitutiva, e
assim. precisamenLe no sentido de Wittgenstein, também para v conhecimento em
geral Wellmcr toca cm um ponLti nevrálgico ac derivar disto uma recusa objetiva
ao rcducionismo da escola de Viena e ao critério de validade das proposições
protocolares; tanto menos 0 rcducionismo constitui um modelo de autoridade
para ún ciências sociais. Inclusive Carnap renuncia, devido a W cllm cr. ao princí­
pio da redução de todos os termos a predicados ohsc-rv acionais. c introduz parale
lamente à linguagem obscrvacionai uma linguagem teórica apenas parciatmcntc
interpretada. 7<i Pode-se entrever nisto uma tendência determinante Jt> desenvolvi­
mento de todo o positivismo. Ele >c consome mediante uma progressiva, difcren
ciação c auto-reflexão. Mesmo disto se aproveita suá apologêtiea. conforme um
tópos ampliado; objeçòes centrais á escola são postas de lado como superadas
pelo próprio estado evolutivo desta Recente mente Dahttndorf afirmava. não lite­
ral mente, que o positivismo criticado pela escola dc Frankfurt já nem existia mais.
Entretanto, quanto menos os positivistas sao capazes de manter suas normas
sugestiva mente ríspidas, tanto mais desaparece a aparência dc uma legitimação de
•mu desapreço pela filosofia e pelos procedimentos por esta permeados, Também
Alberi. analogamente a Pop per. parece abrir mão das normas proibitivas.11 Junto
ao término dc seu trabalho O Mifo <ící R a z ã o T o ia i Lonut se difícil traçar um limi
te nítido entre o conceito poppermlbertizi.no da ciência e o pensamento dialético
sobre a sociedade. O que nobra como diferença: ” 0 culto dialético dc ratíno total
é excessiva mente exigente pnra se sátisfa/cr com soluções ‘particulares’. Nào
havcmjo soluções que satisfaçam suas exigências, d c se vê obrigado u se -comeu
tar com indicações, alusões e m etáforas ",Ty Contudo, a teoria dialética nào prati
ca nenhum culto da razão total: mas a critica. A altivez frente a soluções partieu
lares lhe c estranha, apenas não admite que estits lhe tapem a boca.
Ao mesmo tempo não se deve perder dc vista o que d O positivismo se nman
tem imoclcredo. A afirmação de Dahrendorf a respeito da escola de Frankfurt
como sendo a última da sociologia è sinioniática. Pretendería dizer que o lempo
da formação escolar no interior da sociologia já passou, que a ciência unificada
suplanta triunfal mente as escolas como sciitlo arcaicameniç qualitativas. Por mais
democrática e igualitária que seja esta profecia a seu próprio entender, sua reuli
zação seria imciccimilmcncc lofahiãria, impedindo prccisumçnbc aquela discussão
que justa mente Dahrendorf considera como agente de todo progresso. O ideal da
racionalização técnica progressiva, inclusive da ciência, desautoriza as represem

ü* Wdlnwr.JMC. cU-, ti. ]2.


tíi td„ pp, ; í *.
1 Atbcn. "Pelas «ííisms . iki posiim sm ti?", kic, cii.rp. 2íi.ft.
’ r\ebcn, O iluiií iLi i j/à u ( M ia r . tuc.íff» p. 2 3 3 .
PO SITIVISM O NA S O C IO L O G IA A LE M Ã 257

tações p!e.srahs-ííiS, a que em outras situações os opositores da dialética dedicam


apreço. Nào há que se entregar a psicolugismo sociológico algum, quem em face
do slogan da última escola se recorda da menina perguntando ao ver um cachorro
imenso;quantos anos pode viver um Cachorra corno este?
Apesar da vontade, manifestada de ambos os lados, dc conduzir a contro­
vérsia dentro dc um espirito racional, ela mantém seu ferrão atcrrorizanle. Nos
comentários da imprensa .i disputa do positivismo, sobretudo os posteriores ao
décimo-sexto congresso alemão de sociólogos, que aliás frequentemente nem se
quer correspondiam ao 1 ranscorn r dos debates, repetia sc csíereotipadamentc que
nào houvera progressos, os argumentos já eram conhecidos, nenhuma mediução
dos argumerUOí: opostos ern prevista, tomando se duvidosa a fertilidade do deba
le Tais considerações plenas de rancor nào atingem o alvo Aguardam progressos
tangíveis da ciência, alí nnJe se questiona lianlo a tangibilidade como a concepção
vigente desta. Não píirçcc claro que é possível satisfazer ambas as posições
mediante uma critica reciproca, tal como se daria em conformidade ao miídeto
popperianor os comentários de Albert dirigidas gratuita mente ad spcctutcnx^ :t
respeito do complexo hcgdiano. para nào Falm- dos mais recentes, não alimentam
muito esta esperança. Asseverar haver sido incompreendido ó da mesma eficácia
que o apelo à concordância mediante um piscar dc olhos, com vistas ã afamada
inintdikübil idade do opositor. A contam inação entre dialética c irradünallsm o sc
opõe cegam ente u que a critica a lógica Jn não Contradição não a elimina, mas a
reflete. O que já havia sido observado em Tübingen a respeito dos equívocos do
termo crítica, precisa ser general ijtado: mesmo ambos os conceitos se tornam
afins, e mesmo onde por cima disto sc estabelece uma concordância, na verdade
os opositores teriam em mente coisas tâo diferentes, que o consenso permanecer ia
simples achada de antagonismos. Um prosseguimento da controvérsia icríix por
tarefa tomar visíveis aqueles Antagonismos básicos, de maneira alguma já inteira
mente articulados Muil a* vezes sc- observou nn história da filosofia que doutrinais,
dc que uma xo sente como exposição fiel da outra, divergem ate o âmago através
do clima dv conexão uü-piritual; o exemplo mais notório disto seria u relação de
I' iclne 1L Jvritlt i\.i o ■!-■i;• &£ fflVar-. -.-n i x-Oi i rm . l i l i - i . it. -ni S m
cia deve nwmcr a sociedade iin lórrn&çyu cm qtte se encontra em funcionamento,
ial como a tradição de Comte a Parsons, ou sc a partir da experiência social impe
le em direção à transformação de suas estruturas centrais, irá determinar cm todas
as suas categorias a teoria cia ciência, motivo por que dificilmente será dccitSvc]
no âmbito da teoria da ciência. Nem sequer a relação imediata com a prática é
decisiva, muito ames. que valor posicionai ac atribui ã ciência na vida do espirito,
e por Rm nu realidade. F sla s não constituem divergências dc visão do mundo,
Tem seu lugar nas questões da lógica e da teoria do conhecimento, concernentes
à concepção dc coiuradição c não contradição, essência c fenômeno, observação
ê interpretação. À dialética se comporta de modo intransigente durante a disputa,
porque acredita continuar pensando aJi onde seus opositores se detém, Ircntc à
não questionada autoridade do empreendimento científico.
ID ÉIA S PA R A A S O C IO L O G IA DA M ÚSICA*

flara dar urna idéia da sociologia da musica. segundo os hábitos científicos


estabelecidos, seria preciso delimitar o seu campo, dividi Io cm áreas, fazer u rc
senha dos problemas, das teorias c dos principais resultados a que chegou a pes
quísn. para no final tentar uma sisltimafiiação A sociologia da musica seria uma
das várias socmlopias dc alguma coisa. Fia seria composta de sclorcs. que pode
riam scr agrupados lado a lado. Iodos ligados a um ftm vc o f referencif- O Con
ceiu» essencial da sociedade (fnbetfrijf der Gexeikchqfi). emreiunio. que nào só
abarca todas as chamadas áreas parciais, rrtus comparece por inteiro em cada
uma delas, flno e um mero campo de ratos mais ou menos interligados, nem e
uma das.se lógica suprema, a qual se pudesse chegar pela progressiva generali/a
vão. hle c cm si mesmo um processo, um nevo que se produz c prtKlir/ os seus
momentos parciais, uma totalidade no sentido dc 1legei. Dí.mie dele, subsistem
somente os conhecimentos que. pela reflexão crítica sobre aquele processo, acer
tom a totalidade lanto corno os seus momentos parciais. Por ímo é mats fecundo
apresentar modelos do conhecimento ciclicamente adquirido, melhor que dar
uma vista geral do campo e <Io-> métodos, T a is vistas costumam resumir se na
imponência va/uri das posturas cientificas, que acabam aprescnuiudo eonuv vir
tu de. corno objetividade incorruptível. ;i sua fiiltu dc iluminações. Recusamos a
separação entre método e objeio: o método ruiu c fi*t». não é invariável cru uu
trabalho sobre o o b jao pelo qual se regula. Jcgilimando se através da clariflt
cação de que for euprs/ O s cuinpos dc pesquisas n.io sl* dividem comportada
mente cm coortlcnados e subordinados, c devem ser colocados cm sua relação
dinâmica. Mesmo a distinção plausível entre a- esluras dc produção, reprodução
e consumo c produto mh ■il •• deve scr deduzida pula sociologia muito mais do
que aceita..
Orientada assim, a sociologia da música tem uma dupla relação com o seu
Ohjclu. que será tomado por dentro e por lora. \ significação social que habita a
musica cm si mesma não ê idêntica a sua posição e função social Nõo é segura a
harmonia entre as d u as esferas. l» hoje a contradição entre d a s é essencial. A
grande música, fl música integra, outrora consciência adequada, pode tornar se
idctdpgia. aparência socialmemc necessária. Mesmu a> composições mais aulcu
Liças dc Beeilioven. verdadeiras, ou. segundo o termo dc I legei. desdobramento
da verdade, foram degradadas pela circulação musical. Lrqnsformnram se em

* Traduzida du aríginal il.-in h» Ww/t - y r \ fiv t t i;v z ;» ift $ n ' tlu livra K iu H ftflg u n in . SülirUmp VurliiB.
J-raulUun. aii Matn. JSjy,
:w a d o r n o

bens de cultura que fornuccm prestígio ao consumidor, mais as emoções que :t


mÚHca não conúm ; e a própria essência da música nuo é ítidifcretue j esla de
gradação. Cünuadições como aquela en|rç o conteúdo social das obras e a fun
çàt) que acabam por cumprir determinam a fisionomia contemporânea da mu
isica Com o região do espirito objetivo d a sc encontra na sociedade, dentro da
qual funciona, e tem seu papel nm só na vida das pessoa*, mas também, en
quanto mercadoria, no processo econômico. F. social d a é também em si mesma,
A sociedade sedimentou se em sou sentido e cm mjus categoria*, que a sociologia
da música deverá decifrar. Assim , exige-se do xyçiélügo um conhecimento entra-
nhadu da música, que va ate as minímas célula- técnicas. Somente assim,
apreendendo a substância social na figura autônoma da obra. como o seu um
E.eúJo estético. c que lhe será possível deixar para irás as aproximações lotai
mente externas entre as obras do espirito v as relações sociais. Todo o aparato
sociológico ó inútil, enquanto não exiiver idcmifictalu aos termos constitutivos da
música. A significação socol! de fenômenos musicais e inseparável da verdade ou
falsidade destes, de seu cxitu ou Traçasse artistido, de sua consistência ou ineon
sistencia, A teoria social d;i música exige a sua crítica.
A sociologia da música, portanto, truta a músiea como ideologia, mus náu
só como ideologia. A música se torna ideologia sõ quando se torna objetiva
mente lãlsn. ou enquanto contradição entre u sua determinação essencial e u sua
função. A sua ciature?:a não conceituai eía não faz a exposição imediata d»
doutrinas nem pode ser identificada simplesmente ti uma tese — fasr supor que
ela nada lenha .1ver com ideologia. Fm contrário, basta lembrar que □ música,
mobilizada pelas itiMãneias adminislnuivas e pelos poderes politicm. por eau\;i
da sua força criadora de sentimento comunitúrio(» expressão l deles mcvmu*),c
capa/, de produzir a ilusão do imediato no interior de uma sociedade rciflcnda c
alienada. I assim que foi manipulada durante o faxer-anu c c manipulada, hoje.
nos pulses toPilítários. c também nos nug totalitários na forma de *'mnvi
mento mu sical popular c juven i; com -eu culto das ' lua Idades” (tíinUun^ Jl da
coletividade enquanto tal. da atividade cmpótgnnie 4 tenaz. O mundo raciona li
/ado. que entanto permanece irracional, necessita cuidar do inconsei eme pai n sc
ocultar. Tam o maior a desconfiança necessário ã sociologia du música, que deve
recusar l identificação entre o direito social da musica c a sua função, d lcú cia e
popularidade no interior Ja ordem existente, A própria definição da xoetologni
da música tende a situá-la do lado d.i música enquanto poder social justa
mente lí que ê preciso evitar. A oi iemaçui) crítica torna se tanto mais necessária
quanto mais as várias atividades musicais, beneficiam tendência* c neutsstdudes
não-clarificadas — habiiualmenie de dominação. Mas musica náo c ideologia
somente enquanto recurso imediato da dominação, mas também enquanto forma
dç faJsíi consciência, enquanto ach «lamento c barmoni/açào de contradições.
Assim como romances do tipo üustàv Freyu-tg,’ também multa música do eh a

' G 1L-.1M. I- n-ytaf, <1816 FWU5). . luI lh do piirm iíru ruri :.in ;■

■i . j I i -;::l d,i Itict dui j itfcmá, í >í ?/ji'm> í - C ffd ilft
Segundo O. VI, Cütpeaux. “U realismo dc /jfôfta êÇiHStò é # timidez. aeriiuaila. Os ccmiln aoppb «w
; rirandütir.-,. n íinsfurrnadox em ..lilseuldiules mr m is <■lirvaitoj, |Xi í j uft. .k-síroho idilsen ck? harmonia c p:u '
OS. do I S
I D H I À 5 P A R A A S O C I O L O G I A D A M l SIC A 261

mado apopeu do liberalismo pertence á ideoloaia e alguma rue muilo Famosa,


como a do Tdiaikovskv que utiliza, por exemplo. .1 forma sinfônica sem dnr
sequência compoutôriu a1.1 conflito que é da própria idéia desta forma, bailando
se com apresenta Ia de modo atraente, em superfície e decorativo, segando um
clichê análogo uo das personagens boas e mas, cm romances convencionais,
A relação entre o todo e a parle não é compreendida como uma relação reciproca
n antagônica dc auto produção, A eficácia de a:s peças, a tacitidade com que são
ouvidas, provem justa mente de sua. renuncia ã articulação, do nivelamento das
contradições, [ornadas meras partes de uma forma coisificada. Apreendí ida" por
seus contrastes: uma popularidade que reduz a determinação sensível o que lería
legitimidade somente enquanto delerminíição d-' espirito. O verdadeiro problema
da sociologia musical é sempre 0 da mediação. Diante da natureza «1S0 -
coneeilLial da música, a. quísl veda o grau de evidência quí nu li LeraLurj iradicio
uai it conteúdo pnreda permitir, afirmações como a tio ■sen caráter im invente
mente ideológico tendem a reduzir sv it mera analogia. A única rc.sposlíl possivd
c a da análise técnica e fisionômica efetivartrtente realizada, que da sentido e
nome mesmo no morrlento lormal. enquanto momento da ignifiçaçún musical
constituída através da conexão ou dn sua ausência. c dai passa à sociedade. Os
constituintes formais da músico, no finoI de contas ;i kuu lógica. devem ser leva
dos n iiilar em termos sociais, IVEas. rsão J1õ fórmula abstrata que ensaie ;s fn/j Io.
Km uwJu o caso. escapa -st ao arbítrio através, da coerência interna v pela eapuei
dfldc do ctsirilkar momentos particulares. São justamente :is tarefas decisivas da
sociologia musical, as da dccifração social da música cia própria, que escapam ii
verificabil idade positivista e irrecusável dos dados sobre hábitos de consumo ou
das descrições das organizações musicais, vcnllcalulidadc que n;in chega n pene
ifatr >i sçy objeto último, rt música. Condição dc uma sociologia musical produ
tivu ê íx compreensão Ja hnguapem da música, mais profunda que íi de que dis
põe quem queira simplesmente usar as categorias da sociologia, c mais prolimdíi.
também, que aquela transmitida pcúi cultura oficial e empedrada dos eonservalõ
rios e da ciência musical acadêmica. O futuro d:i sociolojfiíi da rnúxiea irá depen
der esserseutlrncnic d:t utilização e reflexão dos métodos Ue análise musical, e dc
sim relação com n conteúdo espiritual, que sô -.c realizú na arte mediante can.c.o
rias técnicas
Por sua mera existência, nu sociedade tomada em conjunto, a niudeu tem
cm bou medida — a função dc alhear; as questões dc que « ocupam os con
sumidores da vida musical oficial sabor se 0 Sr. X toca >1 concerto en1 sol
maior de Reeihqvcn melhor que o Sr. Y ou se u vo? do jovem tenor c excessiva
meme trabalhada têm pouco ou rtudu e ver com y substância e o sentido da
músien, mas em compensação ajudam u sustentar o véu cultural, a ocupação
cem o espirito degradado cm cultura genérica, que impede a muitos du ver o que
importaria mais. \ neutralização da música. tornada ohjeio de circulação c Uiga
reiicc culturais, seria um bom tema para a sociologia musical, pariicuturmiTiic se
esLu nãt> estiver colaborando com a neutralização. 1. sera mais ideológico ainda
quem procure combater .1 neutralização du música, através da reativação Jo seu
papel na vida íe assim que \e diz), sem con siderar a relação entre o s<?u destino a
262 \DORSJO

n processo soesul total. -\ m úsica. lormidu ern conjunto. c parcieularm erne aprtt
p ria d â para ideologia. pois a íiu A n c iã de conceito perm ite que os ouvintes se siti
Litnl eum o seres de semi mento. que asso ciem livrem ente, que pensem o que bem
quiserem , i la fu n cio n a com o rc-Lili/.avuu dos desejas- com o sausl ueuu- substitu­
tiva. m as sem que o m ecan ism o .seja evidente, co m o o e no film e. Hsta função vai
desde estim ular u m arasm o , um estado que c.\du& com portam entos ra cio n a is e
c rític o s. ate- o c u liiv o da paixao enquanto tal. esse irrueirm alism o que já no sé
culu X I X se a sso cia ra e s im lam ente ás tendências rep ressivas e violentas da so
d cila de. A m u sica . Irequem em cnie a despeito de sua figura e sentidos próprios,
c o n irilu ii para a “ idcolm m i do in co n scien te". Cam <i "la reira an im te a ” . embora
tmpoLçnte e ilu só ria , d a conso la do progressivo esfriam ento ra cio n a l do m undo,
e doutro lado em W ag n er, por exem plo cia chega íl ju stific a i u perpetr.içuo
da irra d iiria lidada global*
Mnx W eber. auio r do esboço ute agora mtus am plo tr am bicioso d c uma so
CiüLojiin m usical em npenso a nova ed ição dc fivnnomia i 'Sociedade . res
salio u com o d ecisiva p a ra a sociolog ia da m úsica a categoria d a ruciunuli/.uvãu.
enru ritriando. fiesin nreu. o imtüiorialãMTio reina ni c - , e m que a liá s a suti se se ri
Cttnrurfltc tlocum cnladu alterasse muita co isa rui religião m usical burguesa. Não
liy d úvid a dc que a h istó ria da m ú sica é uma p rog ressiva ra cio n a liza çã o , le v e
p asso s, com o a reform a guidóm en. :i intro dução da notação m ensurai, a irtveti
çfio du baixo continuo, n afin a ção icnipei ada. v Im alm cntc a tendência à eonstru
çào integral dn m ú sica . irresistível desde Bucli. e boje levada ao extrem o. Não
obstante, u ra cio n a liz a ç ã o insep arável do processo h isto ria s do a burguesa
m enor' da m ú sica c apenas um de seus a q x x io s so cia is, a ssim com o ;i ra cio
nyltdadc cUi própria. ” A u ild á ru iig " . ç apenas um m um eriin du histo ria da m ic íc

duüe, que p cnm inccc irra cio n a l, presa ainda a forma-, cititurais" No iriteriof da
e v o lu ção loird de que p articip o u através da progressiva racio n a lid a d e. .1 m úsica
foi nim bem , e sem pre, a vo/ du que ficara paru trás no cm m nlio dessa ru cio n ali
desde, Ou do que fora vi m im . I: sta é a o v a r adição social que eMa m> centro Jw
mÚMca ela m esm a, c ú.tam bém a le m á n de que ;ue aqui a pfüdulividadtí m usical
se tem alim entado. Pm seu puro nnüxínul .1 m úsica c a arLc cm que os im pulsos
pré raeu m ais e m im étiços >e afirm am irrcd utivclifientc, enirand o ao m esm o
tempo cm ceustclaçfm com as. tcyd én cia s ao p rog ressivo d om ínio da luiiure/a e
dos m ateriais. I>)d a sun (nin.seendêíieiíl em fuce du engrenagem cotidiarui da ;m
to co n servação , transcend ência que levara Setiopenhaiier a coloca Ia no topo da
hierarq uia das artes. com o o b je iiv a çã o im ediata J a vontade, Se é que eletiva
mente ela vai além da m era repetição dn que jit existe, serã por es>u ry/ão. M as e
peta m esm a ra/Úo por nutro lado. que d a e tuo .apropriada a constante reprodu
çuo da estúpido?.. O que !'a? dela m ats que m era ideologia é também o que rnlh
I pcdi 1 e ,1 sua c a rica tu ra ideológica, t omo cam p o d elim itad o e cu ltiv ad o da irra
eiocial idade em m eio ao m undo ra cio n a liza d o . d u sc transform a no cstm am enLu
negativo. Lal com o e m d ó n iil mente planejado, produzido e adm inistrad o pela m

J A psitpivr;!, ;iífni. svjki e-»t;i u«jda s.. vcmiíIii fn-ínrátivr,. que fiybUwalnwíntí lhe d«wu»* iN. üo I . i
tD ÉIA S PÀ KA A S O r ]01 0 0 1A. DA MÚS K A 26'i

dúslria da cultura do m assas em nossos dias. C alcu lad a ao extremo destinada a


manter os homens cm linha, a irracional] idade Je seu efeito e a parodia de seu
protesto contra o predomínio do conceito olaKsificíUÔrii.». protesto efetivado so
mente quando a própria música se submete a disciplina da racionalidade, com » o
fizeram os grandes com positores depois de Monteverdi. Só por força dessa tu
cionaíidade a m úsica pode ultrapassa la.
fenôm enos com o a irracionalidade m usical soei ul mente manipulada expn
rnem um nexo social de alcance m aior, o predomínio du produção. Procurando
evitar as dificuldudes da análise da produção, íimitàfldn se ;i\ csIVras da dtsiri
buiçao a do consumu, as pesquisas dc sodokjgsa musical sc movimentam desde
logo ilo inlcrior do irtcearlisnin dc merea.Ju. sancionam a precede dem dl> lado
rntic.idofm da m úsica, prcccdéneia. juslism em c. que n sociologia musical deveria
ile.smivtillear. A s pesquisas em pi ricas, puríindo da reação do.s ouvintes eonn- de
um material cictUi Iíc o último e evidente, tornam se lalsas. pois não concebem es
tíis reações corno aquilo que cias csscncialnienic vieram a ser. como lunçõcs J,i
produção. Note-se que mu processo de produção organizado c dirigido segundo
o modelo industrial ocupou o campo inteiro do consum o m usical, substituindo o
que ít idéia da produção artística tencionava. I no mais. ;i dificuldade dc rastreur
os efeitos soem is tia tnüqca c pouco menor que a dc apreender .1 sua vtihsiãncin
•‘ocinl. Pois o que \c pode oh to -mo as opiniões J c om irilcs. sobre ,1 m úsica c xo
bre u sua relação com ela. l-.sUis opiniões, entretanto, pre formadas através dc
m ecanism os soei.ui* com o r« seleção do programa c a pi opagandit. não chegam ao
seu verdadeiro objeto. 0 que os entrevisLtfdi&s acham de sluí relação com il mií
sica. considerada ainda n suu capacidade dc verbalizar. não dã conta nem mesmo
do que se passa sub|ctivameme do pumo de vistu individual conto Ua psieolo
gia social. Se dizem que gostíim Purticolarmenie da melodia ou do ritmo de uma
tnúõcu. não ligam a mis palavra* uma representação adequada, c substituem aos
conceitos o seu conteúdo vugnmôntC! convencional: por ritmo, portanto» cotcn
dem a reciprocidade entre a híuida regular e o desvio sincopado, c por melodia 0
canto Cúeil de apreender. organizado em períodos dc oito com passos. P u r CtiTttS
u* 1 experiência musical pela inifOspCCÇão c muito problemático. para quem não
lenha !*v submetido a disciplina específica da m úsica c itito seja. além disso, çx
CCpcionnlmcntu dotado c treinado para a auto observação. U s métodos seguros
da e\iXTÍm eniaçãu. entre tanto, que o p era m escapar aquela problema lica n ira v ó
da contagem c da merisu ração. iiào levam também mais longe. O pulso Jo ou
vinte que se ttccfçra. ou coisa que valha, e irUcinimerdc abstraio em facc da rela
çãi • especifica com a m ò ic a ouvida. Quem for usar o aparelho dc brartk S u n io n .
u Pfogram A nalyser elaborado nos quadros do Princetoií Radio Research Pro
jcct - a quem pretenda determinar as passagens m usicais que despertam reação
positiva ou negativa. estará justam ente pressupondo %s tipo Ol audição alom isüca
e rèiílcada. o registro da música como sotnn de estímulos sensoriats. que deve
riam .ser o objeto da pesquisa, t) p n m d iv n iu o de uns experimentos deixa escapar
a coiTiplexidade da relação com a rnúsaca. mesmo cum n m ais prim itiva: a c.x.üi
dão tio método vira Içitche e compensa a irrelevância do que permite descobrir
264 ADORNO

Núo que as técnicas de laboratório nãn tenham valor algum para a sociologia
m.usíea.1: cm muitos aspectos ela> csLào como que na medida lLc suas vitima*. Po
■'h” ts ser «leis a avaliação quantuaiiva dns comportamentos syemis cm fuce da
m úsica, mas mesmo isto. somente quando ; l análise sociológica confronta aos
dados quantitativos o significado da m usica ouvida, estudando as condições ><i
cia is de tais eleitos.
O conceito de produção, por outro lado. riâo deve ser posto como absoluto,
nem simplesmente identificado ú produção social de bens. Se na música houve
cristalização de uma esfera particular da produção, independente em lace da re
p ro d u ç ã o c do consumo, esta independência c!u mesma ê consequência de um
processo social, o do aburguesamento. Liga se a carcgoriiv. como. por um lado.
autonomia do sujei lu e. por unira. independência da mercadoria ç do valor. An
les de tudo. a produção musical foi separada do* outros processos musicais pela
divisão social do trabalho, Foi esta que permitiu a grande música dos últimos
350 anos fatrt negligenciado petos liumanu.arios ingênuos, que gostariam de
revogar esta separação da produção por niíinr do seu idolo. a vida musical ime
diata. Nu música, u produção não é "originária” no sentido cm que n produção
de generoso e pura a conservação da sociedade; du nasceu tarde. Não obstante,
historicamente ela .uingiu uni primado que a sociologia d:t musica não pode r»e
gar. Na produção musical há momentos como o da autonomia da çxigêhctii e\
p tossi va e principaSnienie o da, lógica tio objeto, respeitada pelo oompnsiiur. que
-e devcin distinguir das leis da produção dc heils para o mercado, leis que entre
Limo eslão prcsenles durante toda i época burguesa e se uililtrant vdiidíimenii.
tne ru>s momentos estêliao mais sublimes. \ tensão entre os dois momenLbs e es
Hcrcitil nu esfera da produção musical. Ides não m> se combateram. como eram
rceiprocamemc niedsuli/udos. pois durante um bom tempo a aulonomin formal
foi presliei.ada soculinenie cm nome da purc/a da arte c do direito do individuo:
mesmo u liberdade d™ musica em fn.ee da* finalidades sociais ganhava iiuensi
daste por força da sociedade. Somente cm nossos di;o.. quando o conjunto da eul
mrn musical estú lendençiídmenic: dominado pela administração. c que aquela li
herdade parece cancelada; e c também quando a tendência evolutiva J:i rnúsien
sv voli.i contra a sua própria lifrçrdíuk. Aliás, o individualismo da música dçi
apogeu burguês mão deve scr «ornado á ía íçrtrc\ Lia não deve ser construída se
guiulo o modelo dtt propriedade privada, eumn se os grandes compositores a
moldassem segundo o arbiirio de sua disposição psicológica. A parte da obra que
"■pçrtencc"' au entnpOSÍlor, como :i qualquer artista produtivo, é incomparável
meme menor do que supee a opinião vulgar, orientada ainda pela noção do gê
nu» Quanto mais .dut uma estrutura musical, tanto mais o compositor se rela
d an ará com ela tomo o seu simples órgão de realização, como alguém que obe­
dece it exigência do objeto. A Iru*.* da l ía iu Sachà. nos Xfvntres Cuiuorex, se
gundo a qual o compositor propõe a regra a si mesmo, para depois lhe obedecer.
icMcmunha a consciência. embora vaga. do que dissemos, c rndica o ” nomhia
lisiim " da modernidade. pura a qual não existe mais uma ordem arlisLicu subs
i;tneiulmemc segura. M as ainda a regra auio-proposta-è auto-proposla só na npa
IDÉIAS PARA A SO CIO LO G IA DA MÚSí CA 365

renda. Na verdade, eia reflete í> estagio objetivo dia material e da forma. Os
sào Míeialmcniií mòjdia tu ridos. Analisa lu por dentro ê a única. maneira de clic
iiar ao conhecimento social. A subjetividade do compositor não se suma as eon
dições e aspirações. objeuvav I ki se prova prccisamenic quando leva o seu nn
pulso próprio que ruiLurulmeme n:n >pode «.er oniitiJo u >upeiar se naquela
objetividade. Ü compositor niio xõ e%iã preso ;i.s condiçòes uuciais objetivas da
produção, eomu a sua façanha mais pessoal, utna espécie de síntese lógica de na
mre/n particular, ê neta mesma social. O sujei 10 d.i composição não é individual,
m ris coletivo; Toda u música. que seja a muis i:ndindLitdisia pdu exidu, lem uma
substancia irredui h cimente socinf qualquer tom Ji/ ^nóx"
bata substância coletiva, cturclamo. rarnmetite i de urna da-.se ou &. um
grupo Tentativas de amarrar a música a sua filiação social têm ateu mu cotsn
dogmática. Nem provcniéncm. nem biografia, nem mesmo n efeito da música so
bre certas camadas sociais leffi sentido sociológico conviricemiê. <j gesto social
da música deChoput que resta descrever correia mente é m is-tocruticn. sua
popularidade, emrttsr-mto. provem m xtumcvil v des -e gesto ürístiKrãlicn. I enmci se
transformasse cru nobre o burguês, que gostaria de se reconhecer naqucEu melan
cedia ügrudáveb Hoje. a ni isieu viva é toda hurpuesd. A músicui antiga é e\eeu
luda somente por interesse histórico. c ;iv prrierisoes do blom oriental, segundo
is qunis a sim musica seriti o som do socialismo, ao refutadas pelo próprio som,
lodo composto de clichês requintados, vindos do roniaritísmo tardio e da huruuc
sia convenciona], evitando tudo aquilo que desvie t3;ts expectativas conformistas
dp Consumo. 0 que a musica rol foco snn sâo ;ts tendências C cottcrndiçócs da stt
ciedadc burguesa como um lodo. Nu grqndc iruisití.i ir adicional, a idéia da uni
dade dinâmica, da totalidade, nfns cru outra senão a da própria snctcdüde. Nela
estão, indistintos, o reflexo do processo social o processo produtivo no linal
das conta* v a utopia d urna solidária 'associação dos linniens livres". A con
tradição insolúvel pura u>du a grande música, até hoje:, enov o geral l- o panicu
lar a inuMcti tetn ,3 medida de sua eatenurh iuxtnmeiiii: nu capacidade de ev
primir c lormar ís iii contradição- l de deiui ia reaparecer no final, em lugar de
escondê-la pela harmonia dc I adi ada é :t mesma que nn realklml- ■-■■puia o m
ter esse particular do interesse da humanidade, forque e vor desta sitimçáo. poi
sim construção, a musica transcende a sociedade. e na sua imagem antecipadora
reconcilia ü inconciliável. Dfiitde meados; do século A IX . qnircUtnto. a partir de
■*Tmt5o“ . a maior profundidade com que cia sç enircuu ii esta lógica é inmbem a
medida cm que ela sl- alheia da conformidade com f.i ordem social existente, Se
ela prn-çura se f;ucr desejada, socuilmcntç úuk algo que agrada aos homem, cia
trai a sua verdade substancial, c assim os homens. A sua relação çoin o valor de
iíso , com li de qualquer une em nossos d ias. c trueir amente ditdetica
Sc c duvtdoso adjudicar a produção musical a interesses ou tendência-- \o
ciais particulares, isso mio impede que se reconheçam, na 11111 ica tradicional, çq
k lc Lltcs sociais específicos, Ê inescapável u tom de íiom burguês tccalado cm
Metldels.s<vhn. aliás um pouco forçado. cnnu> não esçiipsi :l um pi-ourcs-dslu ■•
gesto grande burguês de Richíird Strauss. u seu éhtn viutl inuiLciortisia. desgos
M(í A D O RN O

toso ik> pedantismo do sistema rotinizaiR) da lógica musica L iniuidonismo asso*


ciado n uma certa brutalidade. um quê de ordinário, sèmelhláie s atitude e-xpan
sionista da grande burguesia industrial akrmit. Descartada a esifeimza C o mofo.
aparece a cara deslavada do imperialismo. Por convincentes que sejam tais ob
servaçòcs nsionórmeos - é seu valor de conhecimcmo bem que supera o dos
dados seguros da estatística musical è dillcil torrú Ias Comcnsurávcís com as

redras estabelecidas dp jogo cientifico. Neste ponto a .sociologia musical precisa


combinar a capíteidáde dc assumir a perspectiva da produção musical a disposí
çào soberana de examinar o Icnõmeno como se Uts.se estranho, dánda lhe assim a
transparência social. Sensibilidade fisionômica para a expressão social das lín
e.ungens artísticas é portanto um itlumtíPUi necessário, rm socmlogio da música,
ao conhecimento. S irv a de Orientação a idéia de que todas as formas musicais,
todos its sca> elementos materiais e de linguagem, foram cies mesmos conteúdos;
que são testemunhos de configurações sociais, o que a insistência do olho critico
pode recuperar esta sua dimensão. Nào hasta referir se à gênese social desses
elementos. à sua ligação uotn a dança c o carilo. por escrnpkn jntcrcs^am sobre
tudo as tendências que levaram :i transformação tAcascs elementos primitiva
mente coníeudisiicox. social mente funcionais. cm elementos formais de compnsi
ç ;lo .
l-xuis tendênciav vão eornplexas. Referem se. por um Indo, ã evolução iiutô
muna c imanéiile dn música, análoga á história du filosofia, que também apre
venia um complc XO relativameuic tCúhadn dç problemas. liste uspveto d:i võció
lofeia musical e o que mais >e aproxima da "história do espirito" fC/m/eíges
c f r i e h w ) , cmbom não se ocupe da intenção subjetiva do compositor, através da

"compreensão", mas ames vise u objetividade técnica e os seus postulados A


evolução musical autônoma representa n todo pela simples fo rça dc sua ewrén
eia, sem qualquer ligação externa; como a mómida de Lcibni/. Assim. ;vs úxigcn
cias da pura coerência compovitória, através dns quais se cEcxdobrn 11 idéia da
composição integral, exprimem por sen curso as tendências integrador.i.x da xo
cíedadc bursuesa. c isto porque as sues categorias latentes são idênticas ás do es
pírilo burguês, sem que seja necessário postular influências sodats externas. Por
outro lado c aqui sociologia da música e história do espirito emmm cm oon
tradição — o nexo imaneme da motivação musical, cuja-, implicações, sociais

sc desdobra segundo a sua própria lei, que secrciamente é social, mas náo só sc
nndo- ia m lei pois é movimentada e desviada nu interior do campo das torças
sociais. Nesta medidn cta não forma uma unidade significativa sem rupturas,
rtâó forma um continuo. U estilo galuntc. que rm prim eira metade do século de
?o ilo tomou o lugar a Bach c ao seu nivel de dom ínio da matéria m usical, nüu
pude ser compreendido através da lógica m usical. m;ts somente pefo conxumn,
pelas preferências Jc uma cam ada ca freguesia burguesa. Tam pouco :ts n im a
çoes de Hcetor Lierlto/ são consequências dos problemas com posiionos dc ÍJçct
lioven: antes sfto determinadas pelo aparecimento <le procedimentos industriais,
externos ã m úsica, por uma concepção da técnica radica!mente diversa da que
ILítilAS PA RA A S O C IO L O G IA DA MCSJt A 2 t:

éóVCfnaya a fcíte da com posição elas.\idK.ta. Nele e nos onmpositnres. q u f depen


Jem o.specificamente dele. iMitiis Lis/.i e m ais tarde Richard Struuvs. a*. conquis
lus do clasHicismu vienense esiáo esquecidas, assim como no classicism u viu
ntónsc estava esquecido Baeh. t ai- rupturas sito objcio 0 ut sociologia da m usica.
UinLn qukifttv as icndêncins imconomas. e a relação entre ok dois momsírlEtè mi"
seria mn tema secundário. Genericam ente. e plausível que a tendência global da
m usica nu<} se impouhu imediata. mas airavês destas rupturas. pela descontinui
dado portanto. Assim , perde se a concepção linear do progresso nuisicnl. Ainda
que não fosse assim , esta mi podería referir se ao erau de dom ínio racional dos
m ateriais. c n;m a qualidade musical dns obras, que está ligada aquele grau. mas
dc modo algum pode ser identificada como cie. Hmretanto. mesmo o dominio
jniLieri.il sobe cni movimento uspiralado. bem apreendido somente por quem
pense lambem no qtte se jicrde ou nu que ficou pelo cnrntnho. Para ,irn n i.il coti
cepçáo. os Cciaucntos do conneeiíneritu social estão nas antinomias, nus conlradi
coes necessárias. A s incoerências m> procedimento técnico dc uni eómpo-riinr de
nívcÊ l'nrmml máximo, como K id iu rd W agner, testemunham u impossibilidade,
itiseríia no social.. daquilo que ele visava. íi im possibilidade dii obra tirlisliea em
que sc resemia* como num culto. U sociedade hiirp.ucs-.o Icstemirnhnm :o--im :i in
verdade da subsi;inci;j objetiva do empreendimento, A redução d;i urandc musica
bem sucedida (gefitngeiA n -.1 ieicdu.de é tão duvidosa quanto a redução dc qual
quer verdade: lodo Ir-acusso. cnireirinio q«:e não resulte dà contingência do ia
Sen 10 e que sc torne transparente cm sua necessidade, aponta pura o social.
Mesmo 0 conceito dc inicniP não deve ser um dado naiural para a sociologia da
m úsica. A ■épocas c esLruturas snciru tcildenctulmcnic produzem lis miamos que
mesmo em linha unsicii estão nu -im medida. I loje. 10. tentativas cstfcm us dc in
tegrução m usical. acom panhadas pela sombra da rdfieaÇãn. não resulinm apenas
do estágio dus m ulcriaís mi dos procedimentos elaborados pela eveoia vienense
dc Sclumberj:. mas harm onizam também com o mundo adm inistrado. que elas
incnn-seitímeineniir retratam, c transcendem ao n iraiai km nossos dias, a medlida
d: 1 verdade social da m usica e dada pela contradição crure a sua substância. li
Unda ,1 sua ciirw nuiçito irnanenlc. c a sociedade. de que nasceu ç cm que está e
prccisu que ela seu “‘critica . |>L-r m;n* mediulc que u -,eiilido •I>1 pah n r.i seja
aqm. Houve tempo, mi época da assim chamuidii burguesia ascendente ptw vw m
pLf». cm que esta relação era possível sçm que se eorm^se a com unicação socifil,
A nona sintonia provavèlmenie unificava o que a moda separava com vigor, e
não obstante eneom ravu o seu público. De qualquer modo, é curió que w isie
unin relaçiio imcdluiu enirc o istilamento da música l- 4 seriedade de seu coiucúdo
social objetivo, sem que nai unilmemc o isolimumio como ia!, qui- pode sempre
levar 1 bobageni oura. garanta aquela substância ••ncial.
A iutcrprciação sociológica da m úsica é possível com tanto m aior adequa
çíío . quam p mais a lu for a categoria da música, A interpretação lor»a se viu vi
dosa quando a música c sim plória, regressiva. iiuU, É m ais dificil Jetci rtiiuur a>
rii/ne.> do sucesso dc um "liu com parado :i outro, do que diferenciar, digamos, o
apelo soeíal das várias obras dc Becthoven. KpquanUi que as técnicas dc pesquisa
26P ADORNO

para fins adm inistrativos. espçcialm cnie as elaboradas na A m érica pela Radio
R c seurcK, acertam em cheio :i sua análise do mercado da m usica leve. monopo
listicamente adm inistrado. a banalidade ela mesma, em sua existência e eficácia
social, continua sendo até hoje o m aior mistério. O teórico vienen.se itrwin R e i*
levantou a questão de saber por q u í é que a m úsica pode ser com um , isio é. Je
saber o que seja a banalidade, estética e social mente. A resposta exige também a
resposta a pergunta contrária: como pode a musica transcender a circu lação do
meramente vigente, a qual. por outro lado. ela deve a possibilidade da própria
existência? A hipar lição rígido da m úsica, em séria e leve. hoje insmuciunali
zadri e admimstrativamente utilizada, precisa, ser socialmente interpretada cm
sa ia vário s nivets. Corresponde a ruptura entre arte alia e baixa, cslnhctcdda
desde .1 A nligíiidade, que testemunha nada menos do que o insucesso de ioda a
cultura até nossos dias, Nlo tm sl, íi indúslria da cultura de m assas se aprecia i
adm inistrar a música global menu:. Mesmo a m úsica divergente .só subsiste eco-
nomic ei mente e assim soei a Imcnte através da proteção da tnd{asLria cultum l à
qual sc opõe - uma d as conlr adições m ais llagranics da situação social da mú
sica. f verdade que a direção centralizada irá pôr a. m úsica baixa em dia com a
técnica — come nos procedimentos m ais refinados d o ja z / á maneira dõ que
se passa, aliás, cum os aspectos mais bárbaros do cinem a. A n mesmo tempo, cri
tnstanto. a música c adm inistrai ivamenie nivelada ao i.ipo de produção de merca
derta:? que se justifica com a vontade dos consum idores, vontade natural mente já
m anipulada e reproduzida, que converge com a tendência da adm inistração A
m úsica, como selor tio lazer organizado. iguala se aquilo de que. por seu sentido,
deveria divergir: eMe é o seu prognóstico sociológico. A contradição consigo
mesm a, em que se emnríinlifi, mostra que é ilusória a integração Jc produção, re
produção e consumo que sc esta esboçando. \ unidade da cultura musical con
temporàncu. como parte da indústria cultural, e a auto alienação completa. To
lera somente t> qtie traga a sua chancela, a tal ponto que os consum idores nem o
percebem mais. A lcan ço u se a falsa conciliação. O que estaria perto, a "co n s­
ciência das necessidades", torna *é insuportavelmente estranho. I' o m ais alheio,
entretanto, que nau contém m ais nada dos homens, c metido neles a força de rc
petição pela rnaqum ím u. achegandò se wo m: u corpo e ao seu esp irito : c o que
esta indiscutivelmente mais próximo.
P O S IÇ Ã O D O N A R R A D O R N O R O M A N C E C O N T E M P O R Â N E O *

A Lard"a de resumir cm poucos minutos alguma COisú sobre a situação pre­


sente dó romance contemporânea enquanto forma obriga a destacar, mesmo que
seja de modo violento, um dos seus momentos. PslA deve ser a posição d o narra
dor. l ia se caracteriza* hoje. por um paradoxo; não s c pode mais narrar, ao
passo que u forma do romance exige a narração. O romance foi o formo lucraria
especifica da cra burguesa. No seu inicio está a experiência do mundo dcsencan
tadí» no £ } f f m Q u i x a t c , e o domínio anistie*» da mera existência continuou xendo
seu demento. O realismo era lhe imnnerue: mesmo os romances que pelo assunto
eram famãstieos iraiavam de apresentar seu conteúdo de La! murteira que disso
resultasse íi sugúsbici do real. Lsic procedimento tornou-se problemático no curso
dc uma evolução que remonta ao século X IX e hoje sc vê ncclèrady ao máximo.
ViMn do ponto dc \ islã do narrador, o féíiõmcii*> xc deu por causa do subjcii
visritu. que não admite mais a matéria mtiansformada e com tsso solapa o man
d&mcnto épico da objtwLualídudc. Quem hoje mergulliava.- como Stiftcr. por
exemplo na objetividade das coisas e tirasse efeito da plenitude l plasticidade
do que c comem piado e acolhido com humildade, sena forçado ?u» gesto da imi
taçLH> artesanal. bicaria culpado pela memiru de xe cm «fiar ito mundo com um
amor que pressupõe que o mundo tem sentido, i acabaria no k i t x e k intragável dn
orle loealixta Do pomo de vista da coisa as dificuldade» não são menores. l)o
mesmo modo que â fotografia tirou da pintura muitas de .suas tareias irudicio
n ;i;c a reportagem e os meios da indúsirifl cultural sobretudo o cinema
.ubtrairam muito ao romance. O romance precisou concentrar se naquilo de que
o relato não dá eomti. So q*ie. em contraste com a pintura, a linguagem lhe rõe
limites na emancipação do objeto, pois cxm ainda o constrange a ficção do re
lato: Joyec* foi consequente quando vinculou u rebelião do romance contra o rca
lismo a uma rebelião conini a linguagem discursiva.
Seria indigente recusar sua tentativa como arbitrariedade e desvio indan
dualisui. Desintegrou se n identidade d;; experiência .1 vida articulada c com í
nua em si mesma que só a postura do narrador permite, È preciso apenas ter
presente a impossibilidade dc quem quer que seja. que tenha participado da
guerra, a narrasse como ante* uma pessoa contava suas aventuras. C o m justiça,
a im paciência e o ceticism o vãc ao encontro dn narrução que surge com o se 0
narrador dominasse tal experiência. Noçõe-s eoim> a de que uma pessoa se senta e

* Yraituvi&Üi* Cti l»rvpinsiJ nC-rrírj.i v Vjí. j ] zur ítl&tàtki1f. SsJhrkamp Wi L il , I tíliikfuri am Miiirí. IW S ,
270 \ IK JR N O

■”lé um bom livro” sfni arcaicas. Is Lu se deve nào simplesmente õ dcseuniraçào


dos, leitores mas a própria coisa com unicada c ú sua forma, N arrar aipo signi
fica. na verdade, icr ufg<> iwpechit u di/er, e justaoicnie isso é impedido pclu
mundo adm inistrado, pcl-i cxumditriivação e pela m cxm idaJc. Antes dc qualquer
mensagem de conteúdo id tailóciai já ê ideológica a própria pretensão do narra
dor como se o curso da vida ainda fosse cm essência o da m dm diiyçõo. cctmo
se o indivíduo alcangasse o destino com suas emoções c seutõmertuis. com o se o
intimo do indivíduo ainda pudesse alguma coisa sem m ediação: a disseminada
subliteratura biográfica i um produto de desagregação d;i própria forma do ro
manee.
Nào está exeluida da crise da objcetualidade literária a esfera da psicologia,
rta qunl Justtimente aqueles produtos ^ instalam como se fosse cm casa. embora
com pouca sorte. Também ao romance psicológico puxaram o tapete no que dt?
respeito aos soue objeim: com ruzào observou se que. numa époeu cm que jtwna
listas se extasiavam sem parar cum os leitos psicológicos de Dosroievski. a ctén
cia. sobretudo a Psicanálise de Frcud. hu muitojá tinlui deixado puni trás aque
!cs achados do romancista. Aliás, com esse louvor retórico, errou se o uivo de
DusUiicvskj: na medida cm que nele real mente existe psicologia, ela é uma psico
logta do earâler inteligivcl. da csscncia* e nào do ser empírico, dos homens, como
eles circulam por aí I cxatamentc nisso Dostoiêvxki é avançado, Nào ê só o llno
Jc informação e ciência terem confiscado tudo o que ê positivo, apfecnxivd
incluindo o fuciicidadc do mundo que força o romance a romper com isso e a
cmregar se á representação de essência e dhUirçito mas também a circunstância
dc que. quunio mais fechada o sem lacunas sc eompóv ,i nupcrííctç do processo
social dti vida. tanto num hcrmencameníe esta esconde, como véu. o ser .Ve o
rnmtjffcc f/wtr permanecer Jud ã .sua iwrmiçu walista v disvr como reatmcniv suo
os coisas, ontâo c i e létti dc renunciar a um rí1afinam* pi.< , na medida cm qiu t\
produz u/achutia, só serre paru ajuda tu rí d \ua tan ja tic enganar. A coistfiea.ção
de iodas as relações entre os indivíduos, que transforma suas euraeteristu is hu
manas em lubrificante pnn o andamento macio du nmiutrttirím a alienação c n
auto alienação universais reclamam ei chamadas pelo nome. e para isso o ru
manee esiã qualificado como poucas fònnas anisnoas IV".de sempre, segura
mente desde o século X VIII. desde o t o m J m u ‘ s dc Heklmg, ele leve eomn ver
(Judeiro objeto o conflito entre os homens, vivos e a%relações petrillcjulas. A pró
pria nliciiíiçiui st’ loma para de. nesse lance, um meio estético. Pois quanto mais
os. Iiomens indivíduos e coletividades ficaram estranhos uns aos outros,
(amo rnas.s enigmáticos eks se tornaram, no mesmo tempo, nas suas relações mú
tuas. e a ivmaLiva Je deeiíVar o enigma du vida exterior, p impulso propriamente
dito do romance, passa a ser o eslorço dc captar a essência que.jusinmeme na çs
iranhcza familiar posta peln.s convenções, aparece, por seu turno, «ssustadora.
cluplamente estranha. O momento anii-rixalisui do novo romance, sua dimensão
metafísica. c dc proprio produzido pelo seu objeto real por uma sociedade em
que u.s licjimeris estfio .separados uns dos outro -, e de si mesmos. Nu transeendên
çua estética reflete ve o deseneuníamemo do mundo.
PO SIÇ A 0 C) O N A R R A D O R 2~! I

Tudo ís .so cíüI l i 1mente uím lugar nas cogitações eonsdernes do romurtctsta.
c há base para Crer que. onde tal acontece. cnmo nos; romances extremamente
am biciosas de Hermarm llro d i- << resultado não ê dos melhores para 2 coisa re
prescniada. Antes, as m udanças histórica-. da lorm a se metamorfosciam cm sen
sibilidado idiossincrática dos autores. e sua categoria e determinada essencial
monte peto alcance dc sua atuação como instrumentos Je medição daquilo que c
invocado e repelido, Lm m a te m de sensibilidade 1 o n r . :i forma do rélaso nin
guõjü superou Mareei Proust. Sua obra pertence à tradição do romance subjetivo
c pdeedõgiço. no linha de estrem a dissolução subjetiva deste. du maneira como
eia. evolui, sem qualquer continuidade histórica em relação ao autor francês, para
produções como YfW.v L y h m dc JueoHhen c \tüfU'r l.aurids Brigge di R ilkc.
Q uanto mais estrito o apego no realism o da exterioridade. ao “ foi de frito assim ",
lunlo iiiaiyuítda palavra sr torna uni meio lu/ Jc conta, inmo m ais cresce ;t cori
tradição entre -.ua pretensão e a de que nao foi assim . Mesmo aquela exigência
imanentt ã liçção. que o autor invariavelmente Icvamu a de que sabe exala
mente com o as coisas aconteceram . quer ser legitimada, c j precisão de Protist.
impelido itü quim enco, a técnica micmJógicít. sob 1 quy| a unidade do ser vivo
no final se cinde cm âtomtis. ú um esforço único do sensório estético para produ
/.ir essa prova, sem ultrapassar o circulo mágico da forma. Com eçar com o rclniu
dc uma cois.i irreal com a $$ clu tivesse rcalm cnic existido - essa resolução 0 le­
nho teria tomado, fo r ivsp sua obra cíclica sç in icia cmn a lembrança de corno
lutiíí criança adormece, c todo o primeiro livro não é senão um desdobramento
das dificuldades para conciliar o sono quando a hela mãe não deu rio menino o
beijo dc boa noite. O narrador parece fundar um ospnçu interior que lhe poupa 0
pílSMi cri ado no mundo estranho, da forma como çlc se manifestaria na falsidade
do tom que torna uqude mundo familiar Im p cíccp livclm cn ic. t» mundo é puxado
para este espaço interior • atribuiu se ã técnica o titulo dc mtitwtogue tntcrieur
c o que quer que hc Uesiinruk’ nu íx iü rjo r ocorre tkt mudo com a na primeira
pagina st* diz do instante de adorm ecer: gomo um retalho interior, um momento
da enrrerue de consciência. p m tefjéa da refutação pola ordem espácto temporal
objetiva, para cuja suspensão csui rnobíli/.ida ii obra prtuiMiaiUi. Riirtindo dc
pressupostos uudrum em e diferentes. r num espirito uitulrmmu* diverso. o ro
mauce do lAprexsioiJismo alemão o l studwue Desregrado dc <it*vt;iv Sack.
por exemplo visou algo .semelhante. O empenho épico cm nao represem ar nt:
nhüm objeto, u não ser que este poss;i \er preenchido dc com eço n fim. suspende
final mente u categoria épica Urndímienutl da objeetualidude.
O romance tradicional, unja idéia lalve? se encarne mais autemieameiue em
1 lauben. deve sei com parado ao palco italiano do teatro burguês, I 'Ma lêcrtica
era uma teentea dc ilusão. O narrador ergue uma cortina; o le it o r deve participar
Je coisas acontecidas, como se estivesse de corpo presente. A subjetividade du
narrador com prova xc na força pura produzir esta ilusão c em Hriubçri dii
pureza da linguagem, que. no mesmo tempo, através da espirilurili/iiÇao. dc faro
n dispensa do campo empirieu enm n qual d a se compromete. Um pesado tabu
pesa sobre a rçflexão; ela se torna o pecado capitiu contra a purc/.a objetiva.
272 ADORNO

Com ii caril ler ilusório da coisa representada Lambem este tabu perde hoje sua
força, Mui Ias vezes rexxattuu-se que no novo romance, não so em ProusL. mas
igual mente no Gídi* dos M netiviws Fgfsos, no último I honras Mann. no Homem
sem Qualidades de M astl. ,i redes ão rompe a pura im anència da forma M as essa
reflexão cem, quando m uno. o nome cm comum com a de n .iu b e ri l-sta era dc
ordem m oral; cornada J c pari ido -i favor ou contra figuras do romance, A nova é
tomada de p;ari ii.ii t contra li mentira da representação. na verdade contra o pró
prio narrador, que. como comentador vijiLianUr dos acontecimentos, tenta co rrí
sua arrancada inevitável. A infração d a lurina reside no próprio sentido dela.
llii
Só hoje o recurso de T lio m as Mann a ironia enigm ática, '.rredutivel .1 qual
quer zom buna cum eudisiieo faz se compreender de Lodo ,1 par 1jr dc sua Fim
çào form adora: n autor despacha com o gesto irônico. que revoga seu próprio
discurso. ;s exigência dc criar algo real. no qual. porem. nen3mtn:i de huhs pala
vras pode escapar: mais manifestada mente Uilve/ na fase 1 urdiu. no Êfciitm no
i-.nxuticido. onde o escritor, hrincando com um motivo rom ântico, reconhece,
pelo ajmpurLam ento da linjiutigem. st caráter ilusório da narrativa, íi irrealidade
da ilusão, e com isso devolve à obra de afie n«s seus termos aquele sentido
da mais alta brincadeira que tiln linha antes de haver representado, na ingenui
dade da não ingenuidade, e de maneira exw-ssivamenit! ín teem .a aparência com o
nlgn verdadeiro.
Quando em Prousi o cornemáriu eslá de ral modo entrelaçado na ação que u
distinção entre ambos desaparece, então isso quer di/er que o narrado1 ataca um
demento úinda.rttcni.il na miu relação com o leiior: a distancia CRíctica b ia em
inamovível no romnnee tradicional, Agora viu varia como as posições da càmarn
no cinema; ora o leiior é deixado fora. ora guiai Io. através de- comemário. até o
palco, para irás dos haslidores. paru a casa das máquinas. O procedimento de
Kallm. de encurtar eortiplciamcme t\ distância, inclui se entre os eMiertms mis
quais e possível fiprcndci mais sobre o romance atual do que em qualquer assim
clutrnadu futo médio "tipico". Por meio dc choques cie rebenta a iríinqüiluJadc
tronlemplativa do leitor diame da coisa lidu Seu . romances sc ê que ele - de
falo ainda cahem nesse conceito são a resposta nmccipudoru a uma eondíçào
di» mundo èui que u atitude eomcinplaiivu virou escárnio touil. porque ,1 ameaça
perm&neruc de catástrofe não permite a mais ninguém a observação dcsinlerex
sida, nem mesmo >uu reprodução cMélicn A distância è encurtada também pelos
narradores mciioro quí j;i não ousam escrever mais nenhuma palavra que cn
quanto reluto de fatos, náo peça desculpas por ter nascido. Se netes sc anuncia a
fraque / .1 de mu tsi;n!u Oe consciência de EoJcgo de mas iüd um erue curto para ai
portar sua representação esnuma 0 que quase não produz m ais seres capazes
dessa representação, então isso sig n ilk a que, na produção m ais avançada, á qual
essa fraqueza não permanece estranha, o encurtamento J íi distância ê manda
menta da própria forma, um dos meios m ais eficazes para furar o com es 10 dc
prim eiro plano e expressar o que |be è subjacente. a n c j atividade do positivo.
N iis que. necessariamente, como em Knfkn. a 11tuiração do im n pn árin snbciiiun
a do real. Kafk:! se presta mal ;i um modelo. M as a diferença entre real e imago é
POS ]ÇÃQ DO MAR R AI )0M 273

anulada pela haw:. H comum aos grandes rnmanci.stns du época que a velha exi
géitcia romanesca do “c assim ". pensada até o limite, desencadeia urna Ioga dc
imagens históricas arcaicas, tanto ria memória involuntária de Proust. i^uanu»
nu.s parábola:-, de Kit Hui c rios uri programas épicos de .foxec O sujeito da criação
literária, que renega as convenções da represei lUiçfio do objeto. reconhece, ao
mesmo tempo, a própria impotência, o superptK.it1r do mundo coisa que no meio
do monólogo retorna. Prepara vc assim uma segunda linguagem. destilada dc va
rias m aneiras do rdugo da primeira uma linguagem coisa associativa e des
in.m udada, como a que entremeia o Tnnnõlngn rtão apenas do rom ancista, mas
também dos inúmeros alienados Ja linguagem primeira e|ue constituem a massa.
Quando L ,t;its . cm sua teoria do romance, há quarenta anos atrás, perguntou -.0
os romances de E)ostoícvski eram ;ls pedras basilares.díi- narrativas I.duras, caso
já rrftt.i losscm eles mesmos essas narrativas* eruão cieiocimente os romances dc
hoje que contam a ju d e s em que 1 o b jetivid ad e liberada passa da lo u ;. tle
griuidude que lhe e própria para •. seu eoriuório se assemelham a epopéias
negativas. S;io lesl mim lias de um es tudo dc coisas cm que o indivíduo liquida a
si mesmo e sc encontra com v pre individual, tia maneira como csLe um dia pare
eeu endossar o frtando pleno dc sentido. Rsitts epopéias partilham com ioda a
arte presente a ambiguidade de que nào tnmpove a d a - decidir se 1 tendência hi%
tòrie.i -jue registram é rccüidii rui barbárie ou. pelo contrário. \ sa ,.i reuh/ jçílo da
lutmanidííde c algumas sentem se demasiado ã vontade 110 barbarisino. Não
hti obi.i moderna que sirv.i para alguma coisa e que não encontre 1.inibem sim su
iisójçào n li dissnnáncia e no desJigamemo. M as 11a medula em que essas obras dc
arte encarnam sem oom prom keo jnstamente o horror. . remetem todn a M io
duJe da com em pliição n puíeva dc ml expressão, cias servem 3 liberdade, que è
apenas indiciada pela produção médin porque ela rum mostra aquilo que acon
icecti de nutu ao indivíduo da era lihcraL Sons produtos estão
acim a dtt conirovcrsiti emre arte enuajadu c URÈ-péla. arte. gcinui dii iiltcrna
uva entre a sen sabor ia d:i arte tendenciosa c 11 scnstiboria da aru* du desfrute
K a r K rau s formulou evrtii \vz 0 pensitmemu dc que tudo aquilo que rala mn
ralm cntc de suas nbrits. enquanto realidade do corpo, não esicLie:i. Ihc loi cones
d ido s .sdusó amenie sob ;i lei da linguagem, ou seja. em nome d:i ;irie pela arte.
Q emautamente da Jisum eia estética no nsniarce. hoje - c com isso o. capUulii
çao deic diante du realidade SüpCTpOderóVa que só deve ser miwlnda no real e não
traiisllgurudii nu imugem . c reçii-uiiudopor aquilo pura onde a forma, par mi
CLutivii própria, gostaria de ir
T E X T O S DE
JÜRGEN HABERMASI

I ruJ lições fie Míiuricáo 'I ragTffnberg


í S\-t>riv Anuiktm tia Cii‘*K'ki l íhalèitca: Cunftcctm ivaw ftttwwcf,
/.eljki* I ,up:ific i■Artdfcj M:irí:i Altinmk- Campas l.Oprariê
{T iT nu tf p C k nHtí F.ncjuatifti "ideologia ’’
T E O R IA ANAL ÍT IC A D A C IÊ N C IA E D IA L É T IC A *

Contribuição ã polêmica entre Popper c Adorno

*’A totalidade do socíiiÊ nao possui vida autônoma acima dos dementos que
a compõe e daqueles que. na realidade, sâo constitutivos. Ela é produzida e repro
duiidu pela determinação de seus momentos específicos Essa totalidade da
existência não deve ser isolada, da cooperação e do antagonismo Je seus demen
tos. como também nenhum demento pode ser entendido até mesmo no sen funeio-
nametup sem consideração da totalidade, que tem sua essência própria no moví
mento do específico. Sistema e especificidade se dao reciprocamente c somente
desta iórata são pas.-.ivei> de cimliccimcnto’ Adorno entende a sociedade como
categoria* reafirmando sua dívida com » lógica hcgcliana. Concebe a sociedade
como lotai idade, iillçgroda no espirito dialético, em virtüdc da afirmação axioma
uca que postula que u todo nlo é igual a soma de Mias parles, não sendo t>mesmo
passível de uma interpretação orgânica; por sua vez, a totalidade não se constitui
uma extensão lógica deierrnmávd mediante a agregação de seus componentes.
Nessa medida, pois. o conceito dialético de totalidade nào sc preocupa com a
justificação crítica dos fundamentos. lógicos destas teorias da Gestalt,* em cujo
âmbito c impossível pesquisar as regras formais da técnica analítica; c, apesar
disso, ultrapassa os limites du lógica formai, em cujo âmbito a própria dialética é
considerada uma ilusão.
A fim de que os lógicos possam manter sc cm sun tradicional postura. os
SOCÍõlOgos denominam estas ilusões - não inteira mente destituídas de sentido
eom um termo abrungcrtie; as expressões que englobam a totalidade do social
somente têm validade na época utunl enquanto ideológicas. Na medida em que .1
evidência 11 as ciências sociais é determinada peta teoria analítica da ciência, o
racionalismó aparentemente radical vê em qualquer traço dialético um elemento
mitológico — isso não sem certa razão, porque a racionalidade dialética.3 dife
rente da merameme linear, apropria sc dc urna crença abandonada pelo posili
vismo, herdada do mito. segundo a qual o processo de pesquisa orientado pck>
sujeito é, cm virtude do |wou«sso du conhecimento, do âmbito da realidade objcit
va. cujõ conhecimento se procura. Isso pressupõe a existência da sociedade como
totalidade e, também, de sociólogos que a reflitam a partir de seu encadea mento

* rradiuado Oú íHigjíliU alcmito “AflaiyliKÍK Wi5.«rischallslchnf urre Dinl^kitk em Der PoíUivii-


jjjín:írriV iti der th fu ttrh m .Gosiofoivú', Durm^iaijt -.md Nmwied. I^'i. H. I.uchieehand Verluy ?■« eit . pp
155 IVI.
Ttl W Atíopno. SíitrLoxH. der S&zftrtwtiscn&clrnfíen, p, 127
a L 1 H. NaeeS, l'he Sinictitre ofSrituty, bnndrtf, l % 1. p 180
3 Cf. HoíJkhcímcr t Adorne. D iu le k iih tiw A n flilâ n tn g . ÀnmenJum. IM 7 , p. 13.
HABERMAS

A s ciências sociais fundadas na observação analítica também possuem seu con


ccito cie totalidade; suas teu rias sào sistem áticas e uma teoria geral teria que refe­
rir se ao sistema em seu conjunto. E m virtude disso, o processo social é concebido
cosno uma conexão funcional de regularidades em píricas; nas mo-Jcinv sócio eien
tífioos. as relações entre magnitude* vovari antes derivadas valem , no seu coRjuil
to. corno elementos de ama conexão interdependente. O que logicamente não im
pede que u relação entre o sistem a e seus elementos, hipoteticamente reproduzida
no contexto dedutivo, de funções m atem áticas, deva diferenciar se cs t r iu menti-
dessa outra relação entre a totalidade e seus momentos, cujo desenvolvimento só
pode realizar se pck> cam inho dialético. A diferença existente entre totalidade e
sistem a, nn sentido relendo por nós anteriormente. nãcr poJc ver definida por via
direta; isto porque, no âmbito da lógica formai, ela seria dissolvida c. no âmbito
dialético, seria superada. No lugar disso, Lenta remo* — nos dois casos externa
iti ou te urna aproxim ação a essas duas formas típicas dc sociologia: uma das
quais lim ita se ao conceito funeionalistu de sistem a e u outra permanece vinculada
ao concdto dialético dc totalidade. Inicial mente estudaremos os dois tipos, alter
nativurncmL1. conforme quatro características diferenciais:
I. No âmbito dc uma visa o científico experimental. n conceito de sistema
somente define a relação interdependente de iunções tio plano formal, enquanto
estas são vistas, por exemple, como relações de variáveis dc comportamento
social O conceito dc sNicrma com referência à esfera experimental sujeita à anú
lísc permanece nu superfície, como seus enunciados teóricos explicativos. No âm
bilo do que é prescrito na metodologia analítica empírica, paraldamcnic tb rc
eras lóg.ico-íbrmaís necessárias â construção de um sistema dedutivo dc
enunciados hipotéticos, isto è. um calculo com aplicação empírico científica
surge n necessidade da escolha dos fundamentos prévios dc tal muneire, simplill
cuios que permitam deduzir a formulação dos fundamento* legais significativos
no plano empírico. Daí díxcr se cvcnlualmcmc que, no que tange .1 seu âmbito dc
aplicação, a teoria icnhu que apresentar sê como "isomôrfica". porém isso não
nw deve induzir n enganos. Porque, verdadeira mente fulaudo, não é de nosso
conhecimento n existência em qualquer nível dc umu correspondência no plano
ontológico entre as categorias ciennficui. e as estruturas da realidade. As teorias
nada mais »ào do que esquemas ordenados, construídas em marcos sintáticos defi
nidôs» islo c. dc conformidade cum suas prescrições. \s teorias revelam se yplicã
veis a objetos de umu árcti especifica na medida em que a multiplicidade c diverst
Reação do real a elos estejam submetidas. Essa ê a razão p d a qual zi filosofia
analítica apresenta como seu 0 programa da uniciíid-e da ciência: a coincidência
fatual entre as hipóteses legais derivados e as rcgularidíidcs empíricas se dá Tio
âmbito do causai e* nessa medida, é exterior à teoria. É inadmissível qualquer
reflexão qtie não aceite esia formulação. O método dialético tem culpa na rejeição
dessa formulação. Coloca em cheque u idéia de que os homens pcbsam, cm rela
ção ao mundo que construiram, proceder com indiferença igual ã observada no
trato dos fenômenos da natureza. As. ciências sociais precisam antes de mais nada
garantir a adequação Jc suas categorias ao objeto, pois os esquemas definidos,
aos quais as ma&nitudes covarianies. somente se coadunam em nível causai, não
T E O R IA A N A L ÍT IC A DA C IÊ N C IA E D IA L É T IC A

justificam o nosso inLertrsse pela sociedade. Dando por assente que as relações
ínstitucioitalinenLe co isííicad as sào apreendidas nos meandros dos m oddos cientí
íico -so ciais. tal com o as demais rcgularidades em píricas, de igual forma é duvi
doso que um conlieeimento empírico-analítico deste tipo possa Jevnr nos a conhe­
cer esferas isoladas do social ou levar nos ao domínio técnico de determinadas
magnitudes sociais no mesmo nível alcançado pelas ciências naturais. Pois bem.
tào logo o interesse cognosciúvo ultrapassa o domínio da natureza, o qué no caso
significa: alem da m anipulação da esfera naturalista, a indiferença do sistema
com referência ao seu universo de aplicação transform a-sc num a falsificação do
objeto. Sacrificad a no* afiares de uma metodologia geral, a estrutura do objeto
condena a teoria a insignificância. N a esfera da natureza, a trivial idade dos
conhecimentos aceitos não possui peso m aior: no âmbito das ciências so ciais,
entretanto, deve se contar com essa vingança do objeto onde o sujeito no processo
do conhecer se ve lim itado por forças da esfera do social sujeito a análise.
O sujeito investigador somenlL: se liberta dessa coação na medida em que
concebe a existência social como uma totalidade quç determina inclusive a pfó
pría pesquisa. A tào falada liberdade de escolha de categorias e modelos está
morta para a ciência so cial, e cada vez mais aparece no plano da consciência a
noção dc que "os dados de que dispdú não são dados que se esgotam no quantitn
liv o . mas sim c exclusi varriam*, dados estruturados no contexto geral da totais
dade do so cial,” *
A exigência dc adequação Lia teoria na sua constituição c do conceito em
sua estrutura ao objeto e do objeto no método por si mesmo T> pode tornar se rea
lídade efetiva dialcticam cnic e nãu no âmbito dc uma teoria dc modelos. O apara
to conceituai metodológico referente ã ciência natural somente esclarece os dados
referentes íl um objeto determinado, cuja estrutura lhe h dada previamente, por
outro lado, na suposição de que as categorias escolhidas estejam integradas em
seu âmbito. Nso ruk» pode se dar pela inianência aprioristica ou em pírica com o
viu de acesso; só « possível uma revisão e nova reflexão sobre o objeto no âmbito
da dialética, partindo dc uma hermenêutica natural dc mundo da existência social.
A illlCr relação hipoléiicc-dediltivü dos enunciados eede lugar à explicação
hermenêutica do sentido: emergem categorias previamente com preendidas que
sucessiva e inequivocamente obtem sua própria determinação pelo valor dc sua
postura na totalidade desenvolvida, no lugar de Lim:i correspondência biunívoea.
entre sím bolos e significados; aí os conceitos de forma relacionai são substituídos
por outros que possam expressar ao mesmo icm po a s conceitos dc função c su b s­
tância, Tu is teorias, mais d inâm icas, pudem apreender reflexivamente nxi organi
ração subjetiva do universo o discurso científico, dc tal maneira que elas próprias
são consideradas como momentos do conjunto objetivo submetido por elas h
análise.
2. C ú ra a rd açn o entre a teoria e seu objetivo v a ria iguídmeme a relação
existente entre a teoria e experiência. O.S métodos empírico analítico aceilâm
somente um tipo de experiência, aquele definido por d e s. Só a observação coniro

* llt. W AiJcrmx ttp. rii ji ] 2fc


280 HA BI-'R MAS

lada de u m comportamento físico determinado. organizado dü tal forma que a


mesma possa ser reproduzida por qualquer sujei lo. pode levar à elaboração de jui -
zos pcrcepíivos iniersubjeti v a m u iic válidos. Cun-üliluém o fundamento empírico
das teorias, na medida em que se estatui a pretensão de que as hipóteses obtidas
dcdulivam cnlc sejam não só corretas no plano lógico., m as rigorosa.:? nu plíLliü
empírico. No sentido estrito, ciências em píricas são aquelas cujos enunciados
sujeitos h debate são controlados — pelo menos indireta mente — pelo conduto cie
uma experiência estrita mente controlada com o a referida acim a, Unia tw riü dialé
tiea do social opõe-se a (ais procedimentos. Na medida em que a construção for
mal da leoriu. a estrutura conceituai e a escolha de modelos e categorias tenham
que adequar ae preeiamente a um objeto predeterminado, nào podendo enqua
tírar-Sc na> regras abstratas de uma metodologia, não c possível identificar sc
píisieriormente a teoria com uma ex pertencia que. cm virtude dos condiciona
mentos restritivos acim a definidos. sofrerá restrição inevitável A postulada coe
rência da orientação Lcúnca relacionada ao processo social em geral, ma qual se
insere a própria pesquisa sociológica, coloca o problema da experiência.. Entcn
didu como uma experiência acumulada pré cicnttikamente. ainda sujeita as deter
min ações de urn contexto social fixado cm sua historicidade existencial, em outros
lermos, influenciada pela formação e cultura integradas pelo sujeito na sua totali­
dade. na forma de um elemento simplesmente subjetivo,3 A experiência pri­
meira Ja sociedade enquanto totalidade c 0 demento constituinte da teoria qne.
partindo de suas próprias construções, submete se ao controle experimental. Por
que. no estágio em que « empírico, enquanto observação organizada, separou st
de um tipo de pensamento reduzido a enunciados necessários hipoteticamente,
eurremando ú enquanto poder estranho, contti se com a adequação; nem mcümo
uma experiência lãü limitada será objetn de discussão no âmbito da teoria dialé
lica. Ela niw se vê obrigada a renunciar a formulações que sejam impossíveis de
comwlstr. Seus teoremas, na sua maioria, nào são passíveis de tradução u lírigun
gem formalizada no hipotético dedutivo, nr* sus maioria não podem legitimar se
mediante comprovações empíricas, muito menos aqueles de maior significação
’bí- indiscutível o falo dc que não existe experimento capaz de comprovar n depen
dêncjii de um fenômeno singular du totalidade, na medida cm que a totalidade,
constituinte dos fenômenos passíveis dc apreensão, não c nem poderá ser aprecn
didfx pelos métodos partiçularizíuiorcs implícitos nos experimentos, No entanto, n
dependência do específico observável em relação a lutul idade possui uimt validade
m uno mais real cio que dados isolados verificados irrefutavelmente como frutos dc
uma alucinada etucubraçio In telectu al."D
O conceito funeionalisü» de sistema- im plícito nas ciências sociais com
iVundanieiiiaçãu ana lírica. conforme o princípio úpe racional que Lhe ü in creme, não
pode ser desmentido ou confirmado empiricíimcrtrc: nem as inúmeras com prova
çòcs cõnfinmitóriüà poderíam provar que a estrutura da sociedade confirm a o

• Alfrcd Scisax, tCrtllmed Paper*. l%ts» Hâiji, 1962. l.J Paitr. pp-. 4 ss, revaluri?.:) o cunedu* [■/tfwaswe,U
f mundo vitalK-JatKirftdB por Dihhry e 1 luswrí niih/undri « na «itfodfllo&ia dstCiêacim sociais.
* th W Ai-tvi Fl!>, IIIr. |1 I:i í
T E O R IA A N A L ÍT IC A D A C IÊ N C I A E D IA L É T IC A 2BI

conceito ftwcional que. conformo o método analítico. constitui o marco neces­


sário das covariàncias possíveis. Contrariam ente, o conceito dialético de sacie
da de traz implícita a exigência dos recursos analíticas c as estruturas sociais se
m tercruram como os dentes numa esfera- A incidência hermenêutica na totalidade
lem que revelar sc como um conceito adequado à CGtsa. justo e com nível dc ccrte
za no transcurso da explicação, acim a do meramente íustrumental. Evid en cia se a
mudança do centro da gravidade nu relação teoria c prática: no âmbito da teoria
dialética justificar-sc ão pela experiência. os meios categoriais que. vistos sob
outro ângulo, possuem valor meramente an alítico; por outro lado. tal experiência
não aparece identificada n observação controlada, dc maneira que. embora não
seja nem indiretamente passível da fatscabi]idade estrita, determinado pensamento
conserv a .sua legitimidade cicntiflem
ã. A relação mire a teoria c a experiência é determinante da relação entre u
teoria c a história. Os métodos empírico-analíticos enfatizam n contrastabílidade
das hipóteses legais, seja o objeto. determinado material histórico. ou fenômeno
pamciítnr no âmbito da natureza. Uma ciência que mereça scr designada coma tal
deve proceder rins duns situações utilizando .1 generalização, e os níveis dc lega]i
Jade dependentes que da elabora, nu referente á sua forma lógica, si o fundamen
talmcnte idênticos, Tonando como ponto de partida tais procodimcnios controla
dores par via experimenta da validade das hipóteses legais, funda se o vator
explicativo especifico das teorias çienlíüco-empíncas; e estas possibilitam pri^.'
nos ticos definidos de processos objetivos ou objetivadas. Como realizarmos a
eonrrastaçãí) de uma teoria, comparando os acontecimentos previstos como os
que ocorreram riu realidade, uma teoria com nivcl de contrasiabilidade suficiente
no plano elo empírico, na base de seu-, enunciados gerais das leis com auxilio
de condições aleatórias que determinam um caso especifico nos possibilita
subordinar o caso a urna lei c elaborar uni prognóstico para a situação específica
A situação descrita pdas condições aleatórias é denominada causa co fato previ»
ui. evento, Se utili/unnos uma teoria pura prever um fato conforme o método a
que nos referimos, <Ji/ se que podemos “explicar" 0 fato em tolfu Assim. pois. a
explicação causai e a previsão condicionada aparecem como expressões diferentes
paru idêntica postura no âmbito das ciências teóricas. ígualmcntc. as ciências
históricas, á luz dn teoria analítica da ciência, medem se pelos mesmos critérios,
ubviantçntc mediante a adequação dos recursos lógicos a outro objeto de conhecí
mento, A finalidade é explicar fenômenos individualizados e não mais a procura
« OOntrestabiliüade de leis universais,. Com tal finalidade os historiadores utilizam
regras empíricas do lipo sociológico ou psicológico, para efetuar a iransiçãa de
uin fenômeno dado a uma causa hipotético. A forma lógica da explicação causai
c idêntica cm todos os casos; porém, as hipóteses. cuja cnnrrnsinbilidadc empírica
c abjeto de constante pesquisa, referem-se nas ciências generalizaikmLS .1 Eeis
dedutivas elaboradas em condições especificam eme definidas, u»s ciências histó
ricas oiijiiizam -sc algumas regras derivadas Ju quotidiano, iidm íilas progrumati-
camente, corno elemento causai de um fenômeno que sofreu o processo de verifi
m H À BER M A S

cabi.1 idade, 7 Podem apresentar se como problemáticas íls leis que fundamentam
lacita mente o trabalho na analise de determinadas causas de certos aconleei
mcnLcis específicos; o historiador converte-se cm sociólogo na medida em que a
pesquisa se desvia dos enunciados hipotéticos tndividuaiizadores. dirigindo-se ao
estudo das leis que regem o comportamento .social, aceito até então como trivial.
A s uniformidade» em píricas expressas por enunciados guiais u respeito da depen­
dência funcional de rmignitudes covariant.es não pertencem n mesma dimensão
das condições marginais concretas passíveis dc serem consideradas corno otemen
tos causais de determinados sucessos históricos. D aí a im possibilidade da aceita
ção de leis históricas peculiares. A s leis do âmbito das ciên cias históricas ocupam
status igual ao das leis do mundo natural. A teoria dialética, por sua vez, rejeita
o conceito restritivo da lei c estipula a dependência dos fenômenos particulares em
relação ã totalidade do social. A análise dialética define a existência de nexos
objetivos determinantes da evolução, além das relações particulares de depen
dência de magnitudes historicamente ntetras. Sem inferir-se com isso a validade
das assim definidas regular idades dinâmicas do âmbito das ciências empíricas
inseridas em modelos operacionais; As leis do processo histórico procuram uma
validade específica e, ao mesmo tempo, global. Só têm validade geral a partir do
momento cm que se abstraem do contexto especifico de uma época ou dc uma
situação individualizada. Filas têm com o referência campos de aplicação sucessi
vamcnLc concretos, definidos na evolução dc um processo Irreversível t único, isto
c. são definidos no processo da coisa c não pela via analítica ou estrutura» de um
cvntinuunt antropológico ou de uma constante histórica. O nível dc validade das
leis dialéticas é mais amplo na medida cm que clus não englobam relações parti­
culares de funções específicas c contextos isolados, porém, relações fundamentais
dc dependência, por cuja mediação o mundo social aparece determinado como
totalidade, presente em todos os seus momentos: "A generalidade das tei>. eientíll
co sociats aparece sempre cotnü referência de maneira essencial ã relação
entre o particular c o geral em sua conereçãn histórica. nunca no marco eoncci
tual cm que as particularidades se integrariam sem solução de continuidade.1*HAs
fegalidadcs históricas, medidas diafeticamentc caracterizam fénóittencs
mediados pela consciência da snjeuo. impõem se como tendência. Ao mesmo
tempo, procuram apreender o semido de um nexo vital histórico. Deste pomo dc
vista, uma teoria dialética da sociedade deli nu se hermeneutiçamente. Enquanto
as teorias empírico-analíticas concedem somente um valor heurístico à compreen­
são do sumido, aquela t básica ms método dialético.® Produz .suas categorias par­
tindo da própria consciência vital cu iuuda da atuação do Indivíduo; a interpre­
tação sociológica ídcruificadora e critica se articula no espirito objetivo onde se
dá a existência social. A form alização não se constitui para a dialética num recur
so para a eliminação cksgmáiiea das Mtuaçóe* existenciais. ao cornrârk). c no pro-

K . P u jjp ia ./ Já 1O JJw c GwvHsphQjt itmí ilin- i- iv u ir. wnl I) Jicrn.i p 232.


Th ft. VdismiX SiKiottiftrr umf üatpiriac/fr f nrxrfnmx, p. D| £ P* „|iií.sji HnipiricaJ.
V\ . ÍStcfimutlcr. ffavfittrfitmngen dtv ( tegnwertsphilosnphie, 5tuttpan, 1960. p. 450 fC w n v u tv Í'm cl 3
tiij-yitíttá t!.à Fílaxtijm Aíuaír c IT. G<iinperí. Vt>vi $iim urni SiRfíçubtltte, £rblítiri‘n um! Vt/stskm, Tiibingen.
{Sabre a Sentida r a {-‘a tuiu «JloSniiído. F.xpfícnr v Cotnpra&tiierJ.
T EO R JA A N A L ÍT IC A D A CIÊNCIA E DIALÉTICA 2-3.1

cesso çlgs mornas que encontra o significado subjetivo mui «ri alijado através das
instituições existentes, e por assam dizer mantêm-no em suspenso. Isso pelo lato
de que a dependência das idéias e interpretações de um conjunto de interesses
situado no contexto objetivo da reprodução social invalida sua permanência no
âmbito de uma hermenêutica subjetiva compreensiva do sentido; es.se momento tia
coisíficaçáo privilegiado pelos métodos objettvames deve ser aplicado por uma
teoria que procure uma explicação objetiva do processo.
Na medida cm que o objetívismo vê as relações sociais entre seres bí&lOfiea
menl.e atuantes como relações legais entre coisas. ó rejeitado pelo método dialético
que se livra tio perigo da ideOlogizaçàü. perigo esse que permanece enquanto y
hermenêutica mede e considera tais relações da mesma forma que das são consi­
deradas por si mesmas no nivçl do subjetivo. A teoria procurara este sentido uni
cameme para medi-lo além do sujeito e das Instituições, de acordo com sua espç
cílica conformidade. Assim, a teoria abrange a totalidade histórica do social, cujo
conceito pertence ã natureza fragmentária de um cotuuxlo mais amplo e significa­
tivo no plano objetivo, o caráter eoativo e obrigatório, sem sentido no plano sub
jetívo das relações que incidem como sendo "naturais" $t>hrç o indivíduo, reali
/ando assim seu ituhaihu cruito: cube á teoria “transformar os conceitos externos
naqueles em que n coisa tem por si própria, naquilo quç a coisa queria scr por si
própria, naquilo eni que queria transformar se por si. confrontando -a cnm o que
real mente é. Deve dissolver o objeto rígido, h i c e i num* (aqui e agora) num campo
tertxírmal enrre o real e 0 idetil. , Por isso as hjp6t«« c previsões não satísfa/em
a expectativa de uma adequação total com a teoria.” 10 A história deve abrir se no
futuro para que seja possível u formulação de um sentido objetivo do próprio na
halho histórico e para evitar uma liiposLUi/ação histérico filosófica do próprio
semido objetivo enunciado.
A sociedade somente sc renhiu nus leis de seu ctutomuvjmento ít partir du
que não é. nas tendências de sua evolução histórica: “Qualquer conceito estrutu
rui da ordenação social vigente parte da üxmència de uma vontade determinada
orientada para vias alternativas no que respeita 4 sua evolução, vontade dc redefi
nir no plano do futuro tuj estrutura, imposta ou considerada como historicamente
válida (isso é, efetiva). Entretanto, há muita diferença na visão de um futuro como
demento constituinte de uma hipótese ou teoria, nu que o mesmo seja desejado,
elaborado e efetivamente trabalhado ou politicamente impulsionado/'’ 1 Nu medi
da em que possuem essa intenção ruiva c prática* podem IS ciências sociais enfo-
csir (». renómenos no plano liAcótlco c sivicrmuiçe ao mesmo tempo. Tal intenção
deve Ler conto demento Tlmdante"' o contexto social que permite sua emergência
e torna o passível de análise: essa legitimidade é o que a diferencia das "relê
rendas axiológieas" subjetivamüUe arbitrarias, de Max Wcber.
4. A relação entre ciência e p r á x i s transforma-se ao mesmo tempo que a
relação entre a teoria e a história Conhecimentos sem nenhum valor vital nem

10 ili. w Adorao. o/t. d t .. p. 30fi.


1 H F-ivysf. »fr 11Vrfr!>rhi-é-itxi c. «>v>•hi^i /-! S a r M o g ia ctnm i C'i-<tdü Uu R eu iitlaU fJ. Ucrlin,
JflíO, p, ?CM,
2U HABERM AS

possibilidade de aplicação prática, situando-sc no plano mcramcnic retrospcciivo-


são decorrência dc uma explicação causai no nível cstritámentc empífico-cien­
tifico como modelo dc explicação causai. Diferentes desies são as possíveis previ­
sões condicionadas, traduzidas em recomendações técnicas, quamio da escolha
racional dc caráter teológico* mediante hipóteses legais cmpiricamcntc sujeitas a
confirmação* desde que os objetivos apareçam dc maneira prática. A aplicação
técnica das previsões científico-naturais fundamenta-se nessas relações lógicas,
Igualmente é possível lormular técnicas para o domínio da prática social partindo
de leis científico sociais, graças às quais podemos definir um nível dc intervenção
nos fenômenos sociais similar aos naturais. Daí resultar que uma sociologia
empi riço-analítica pode ser mobilizada como ciência auxiliar de uma adminis
tração racional Só é possível obtermos previsões condicionadas e tecnicamente
utilizáveis a partir de teorias anuentes a áreas especificas onde ocorrem íteonteei
mentos recorrentes. O fenômeno social nào se dá cm contextos recorrentes, âmbi­
to dos enunciados empírico científicos, mas ocorre em contextos históricos. As
conexões complexas que possuam um tlivçl superior dc interdependência situam-
sc além do âmbito dos dados cicntificamenie controlados c logicamente além dos
sistemas sociais considerados global mente.
Torna se necessária uma análise global, mesmo no interior dos padrões posi
livásias. isto é. tanto mais necessária, se pretendemos contar com o auxílio de lóc
nicas especificas para realizar uma p r ú x i s política planificada, tendo em vista uma
reorganização social como postula Mannheim. ou a realização dc um sentido na
história, conforme o quer Poppcr.1; Trata se de uma análise que parte dc inter re
!ações históricas c desenvolve uma perspectiva na qual n sociedade na sua totali­
dade aparece na qualidade de sujeito em cujo âmbito só nos e possível a percep
çáo das relações entre os meios e fins, das técnicas sociais, do ponto de vista
prático. Para Poppcr. no âmbito deste objetivo heurístico è cabível a interpretação
dos grandes quadros da evolução histórica. Na medida cm que idêntico ponto dc
vista orienta a interpretação dos grandes problemas atuais, determinando a csco
lha dos fatos sujeitos a confirmação, não se dá a emergência de teorias empirica
mente sujeitas a contraste. Isso não impede que submetamos o passado a tais
interpretações com a esperança dc que o passado ilumine aspectos significativos
do presente, de tal fôrma que seja possível admitir, do ponto de vista prático,
determinadas relações parciais. Da mesma maneira que nossa interpretação e o
projeto da. p r á x t s muntèin se no nível de um dever ser separado do ser, o contexto
social no qual aplicamos as técnicas sociais mantém-se cstritámentc no âmbito de
um ser separado do dever ser. A relação entre teoria c história, entre p r ú x i s e cíên
cia funda sc numa estrita diferenciação entre decisões e fatôS: podemos atribuir
um sentido à história mediante um& decísào adequada cõm o auxílio dc técnicas
sociais científicas, eis que a história no plano imanente tem um sentido tão precá­
rio quanto a natureza.
Ante este panorama, uma teoria dialética da sociedade deve mostrar a exis
tència da realização de um sentido, além do mundo da natureza por mediação dc
I 2 K. poppcr. op. Cl!, V,H II. pp Uíi
TEORIA ANALÍTICA DA CIÊNCIA E DIALÉTICA 285

uma manipulação, da existência de relação coisificada, afetando a estrutura do


contexto social na sua unidade, criando condições á sua emancipação, referindo
se também no desnível existente e perceptível, entre as questões práticas e a reali­
zação dos projetos técnicos. L a totalidade do social que constitui o fundamento
das contradições do real que. no seu movimento histórico, permite a emergência
reativa de interpretações que constituem núcleos de orientação das técnicas
sociais ante objetivos escolhidos, tk íbrma presumivelmente livre Só na medida
em que os pontos de vista estruturais dessa "interpretação geral", libcralmente
admitida por Popper. se libertem do arbítrio e possam legitimar se no plano dialé­
tico n partir do contexto real. alcançando assim unicamente os fins práticos da
análise da totalidade, podemos contar com uma orientação científica para nossa
ação prática. Só é possível fazermos história na medida em que ela se nos apre­
senta como Tática. Nesse sentido, cnlrc as vantagens, mas também entre os deve
res de uma Ciência social crítica, coloca-se a necessidade de enfrentar ela seus pro­
blemas a partir dc seu objeto: “separando radicnlfnente os problemas imanentes
de uma ciência dos problemas concretos, cujn representação formal não passa de
um reflexo pálido onde a ctència aparece fetichiscada" . 13
A dorno fornece ai a resposta dialética à teoria analítica da ciência: Vcriíi
cartdü com o maior rigor possível o peso das determinações so cia is que condi
cionam a atividade do conhecer motivada vital e praiíoamente. ou examinando se
tais determinações são imanentcmente científicas 14
A cisào entre a ciência social concebida por vin analítica c t concebida por
via dialética surgida nu análise das relações entre a teoria e u p r á x i s leva á quinta
u última questão: o problema da chamada “neumilidade axiotógicu' ( W c r t f r e i -
k e it ) da pesquisa teórica c histórica,
Não pretendo, com o tratei os problemas anteriores, tratar esla questão dè
forma puramerne descritiva, ( ma determinação ropológiea do> pontos de vista
taãricç científicos c msttficicnie para satisfazer us íiriseios de uma análise sistema
isca. C om o as duas panes estão fundadas numa pretensão racional no que se rele
rc- ã crítica e autocrítica de sua maneira de conhecer, e necessário decidir se n dia
Iclicu real mente ulrapíissa os limites da reflexão fundada na eorUrustabilidade,
limitando xe dessa forma a fundar as bases de um novo obscurantism o1 f' em
nome tia razão, como afirmam os positivistas, ou contraria mente, o que se dá è a
existência dc uma codificação das ciências naturais estrita mente consideradas,
paralisando por seu arbítrio um processo de racionalização, transtbrm ando, cm
nome do empirismo. a capacidade reflexiva numa sanção contra o próprio pro
cesso iie penca r No referente a este aspecto, u óntix da prova cabe ao m CIOdo
dialético, na medida em que esle não está fixado, com o o positivism o, na simples
negativiuladc. ao contrário, articula se de forma positiva com a intcílccçào institu­
cio nalizad a nn p r â x i s cientifica: cabendo a este critica r imanentisticamentc o mé
todo empírico analítico, isto è, nos fundamentos básicos de suas propostas. 0 1

1“ Th. W Ac.kJrrn .f it t Lt.‘£tK (JirS iu ftlhvfwcmv/írt,'íOl, | . 11‘*,


1 * k . Pupptr. y.i/t ifaSiKiaftribsettsdwffuw, pp. r i i s%
'* K. Pup-pcr,“ W5ial a DiakrtieE Stttiã. -SM. 1M4U. pp. 403 ss.
ZÍSt5 HABE-R.MAS

reducioaism o ntcLodolóstco. a elim inação metódica do conteúdo, fundai;te de


qualquer nbsoluüsmü lógico. co lo ca vários níveis de ap o rias: a dialética nào pode
fundar se na unidim ensionalidade. pois seu demento probatório consiste na pró­
pria teoria desenvolvida. Isso nào desobriga o pensamento dialético da aceitação
da discussão nos termos propostos pelo adversário: partindo de suas proposições,
o método dialético certa condições de obrigar ao racional is mo empírico-científico
a assum ir uma conformidade com os ditames da razão parcial, freto de um a refle­
xão vinculada sobre si mesma, não ultrapassando os limites de uma racional;
ração parcial.
a

O dualismo existente entre fatos C decisões funda o postulado da çliamada


■‘neutralidade axiolófica" para Popper. Para fundamentar essa tese podemos
recorrer ac estudo das diferenças existentes entre tipos dc legalidade. De um lado.
temos as Seis naturais como reyularidadc& empíricas no âmbito dos fenômenos da
natureza c da historia: deoutrn lado. temos as normas sociais, isso ê, um conjunto
de regras nj preceitos que regulam o comportamento humano. Enquanto as normas
sociais tem caráter impositivo eis que o seu não cumprimento origina a sanção, os
fenômenos definidos mediante leis naturais atuam sem qualquer influencia do
sujeito. Acresce o fato de as normas sociais possuírem validade médiatu uniCa
mente cm virtude do reconhecimento do sujeito que alua de conformidade com
rias. A puriçào po.ssrtví&ia defende a tese da autonomia absoluta para cada tipo de
leis; os critérios de aceitação destes dois tipos ile leis lumlam se em bases indepen
dentes í : diferenciadas. Os enunciados mediante os quais aceitamos ou rejeitamos
normas sociais atuam Cõmo determinações que. no âmbito do empírico, podem
sOr falsas ou verdadeiras, enquanto as hipóteses referentes a determinações natu
rais sãs; válidas ou tum válidas, Os juízos do mundo sócia] fundam-se ria decisão,
os referentes ao mundo natural estruturam se no conhecimento. Consequente
mente, a semido das. nm mus sociais independe dnx leis da natureza, puisj è unpos
sívd fundamentar juízos valonttivos a partir de conteúdos descritivos de determi
nação fáticas. ou 0 descritivo ;t partir do normativo. H& urna sepnniçrin definida
paru ;is « feras tio ser c do dever scr: enunciados linguísticos descritivo* são intra-
du/ivçis numa linguagem p rexcritiva. 1* No plano metodológico, a exigência da
lim itação da área dus ciências experimentais as regularidade* empíricas nos pro
cessas sociais e naturais corresponde, no plano lógico científico, à separação
entre valor e conhecer, fundados nu premissa fundamental que estabelece um dua
lixmo entre (fecísões e fatos. O qucsiionaimtnu? acerca do sentido das normas reve­
la sc com o impossível no plano cientifico: os ju ízo s valorm ivos jam ais podem
assum ir a lorma de enunciados teóricos, nem mantêm eom esses, nenhuma relação
lógica. N o âmbito das, ciências Ju náturexu. previsões acerca <U uma covarianu-
de magniludes em píricas determinadas possibilitam um processo de racionali
z a ç à ü nu escolha doa; m eios. C on trariam eme. íl definição dos fins nào só escapa

i r R, M, 77ít «/ Morais. 0x!ó* J. I\*32


T E O R IA A N A L ÍT IC A D A C IÊ N C IA E DI A L É T IC A Z8.7

ao controle cientifico como depende da aceitação de algumas norm as n iü caniro


laveis do ponto de vista cientifico. Deve evitar se qualquer confusão entre os pro­
blemas técníco-tcõrieos e os práticos, ou sei a. aqueles problemas e questões que
têm q real como referente. e a validade e adequaçàu das hipóteses legais as rela­
ções determinadas entre meios e hrts. W ittgenstcin. num a frase lapidar, revela sua
dedução a respeito do postulado da neutralidade axio lógica: “ Sentimos inclusive
que, se houvesse resposta n totalidade das questões científicas im agináveis, os pro
blemas vitais sequer estariam equacionados \ 1 7
A dualidade entre latos c decisões leva à validação do conhecimento funda
do nas ciências da naiureza e desta forma elimina-se a práxis vital do âmbito des
tas ciências. A divisão positivista entre valores e fatos, longe de indicar uma solu
çâo. deliue um problema. À s várias interpretações filosófica» numa divisão dc
trabalho com a ciência redurida irão apoderar-sc da área das decisões, normas c
valores. I jso resulta na produção da ética ttbjcíiva dos valores c na elaboração de
um reino do ser ideal transcendente ã experiência sensível (M âx Schcler e N . Kart
mau). A apreensão destas qualidades axiológicas irá depender de um dado tipo de
conhecimento fundado na intuição, eis que esses valores foram auionomfaados
recebendo um stalus ontologia» peculiar Por sua vez. a filosofia subjetiva dos
rafares nuo possui a mesma segurança sobre relações scnselhanitís com um senti
do deslocado do contexto real da existência que aparece hiposta*iado, ê verdade
que postula :t existência de esferas de valores ( Max Weber) t áreas da fé (K a rl Jás
pers) num âmbito ad iria da historia, a histórico. Porém, o conhecimento do sujei
lo a um controle cientifico não lem seu complemento imediato num conhecimento
intuitivo. Mediando entre u com preensão racional e o dedsionism o puro, a fé filo ■
só fica privilegia alguma das esferas em conflito, mantendo seu pluralism o, o nú
duo dogmático, condição de sua existência. Por sua vez, o dvcisiimhmo im plica
nu redução das normas a decisões. F ie aparece concebido posilivisiicam cm e nos
termos de uma ciência positiva restrita (R M. Hare). na forma linguístico-
analítica da clica não cognoxc Uiva. Definidos uxiormuicumente determinados jui
/os valorativos, torna-se necessário analisar o contexto dedutivo dos enunciados;
resultando aqueles princípios incom preensíveis â análise fáCÍOltal com o as normas
contrapostas ás leis dn nnture/a: a decisão écondição fundamental de sua íteeilú
çuo. Podem ser interpretadas no sentido existencial pessoal [Sartre). no sentido
poli tico fC uri S d im ilt). num sentido antropológico institucional (C ch len ). N ào
sendu passíveis Uc racioniilizaçào nem sujeitas a cálculo científico, as decisões
significativas na vida prática consistem na escolha de uni inimigo, num projeto
liistúrico-víus! ou na aceitação de princípios. A procura de uma proteção insutu
cional a uma decisão mediante a regressão áç> estreito mundo das potências mili
cas c das imagens (W . Brocker) c a consequência da elim inação dos problemas
práticos da área dos debates racionais, onde ms decisões referentes à prâxix vital
não estão sujeitas a nível algum de racionalidade. Adorno e H orkheim er1ft afir 1

11 I , Wicr.nt-n-.iL‘in Trtieíçtj&r ÍQgfçq PhihXMrpíítcm (•. >2


'* Horkltcimcr t Adorno, Diul<k{& tfrr . \ufk/úTunit, np. çíi., p 22: a respeita de Bmcker. mui ha resenha.
'"Dér befremdbche khihító RgUuKliOri líJ lt l-.mkuiKin*' rn Philitttipfuw llt' R ü m lsctíú u li IVÍS. pK. 1 15 v,.
288 HABERN1AS

mam que a cOmplementação do positivismo pela miiobgia responde a certa


necessidade lógica.
Honrados positivistas engajados auxiliam se mutuamente com u programa
de uma ‘"sociedade aberta” . Isso não im plica na renúncia por parte deles à diferen
ciaçào ri goros amente definida no piano científico-lógico entre conhecimento e
valores, vinculando o conhecimento em pírico científico sujeito às regras de uma
metodologia universalmente vineulaiiva com a própria ciência: por outro lado e
em consequência, aceitam a determinação residual de quaiqncr produção intelec­
tual que extrapole os lim ites fixados, sem problcm atixar tal processo, sem interro­
gar -xc se uma forma especifica do conhecimento, m onopolizando-o. na realidade
cria a norma que. medindo qualquer fenômeno que não se adapte à mesma, trans
forma o ato de criação e decisão de tal Ibrma que este adota uma figura íetichi
/ada. Só resta a saída escolhida por Popper, salvar o raciunatismo com o profissão
de fé. na medida em que c rejeitada a mctnftsica da ética objetiva dos valores, a
rem itificaçâo, n irracionalidade do decisionism o e a ti toso fia axiológica subjetiva.
O positivismo somente pode valo rizar a “ fe na razão" quando desvinculada,
enquanto conhecimento, de um envolvimento com u p r á x i s nu medida em que a
razão limitada aceita a manipulação correta das regras lógico formais c método
lógicas, pois ” a escolha não se dá entre fé e ru/ão. mas prure dois tipos de fe ."11
Na medida em que o conhecimento não possui relação significativa com a prâxis
c seu conteúdo norm ativo se toma autônomo ante a existência, somos obrigados
a aceitar um dilem a: ninguém pode estar obrigado a fundamentar suas crenças bà
stcíts em experiências e argumentos, não podendo com provar ante outros, com
auxilio destes argumentos e experiências, seu próprio comportamento pois “ ini-
cialm cntc huque assum ir uma posição ra cio n a liza {fundamentada numa decisão)
e somente :i partir dai os argumentos c experiências devem ser enfrentados; dedu
/.indo-sc dai que a posição básica não pode ser fundamentada, enquanto tal. em
experiências c argumentos lista posição nacionalista vincula se ii práxti na
m edida em que determina o- ato» morais e a conduta das pessoas ç da sociedade
na sua totalidade. Obrigando-nos, acim a dc qualquer coisa, a um comportamento
sócio técnico adequado. Regularidade» em píricas existem 11a sociedade como ua
natureza, passíveis dc form ulação científica. A atuação racional na sociedade se
dá mediante o estabelecimento dc normas c instituições sociais dc conformidade
com o conhecimento destas leis naturais, c pela adoção de atitudes concordes com
as sugestões técnicas, derivada das leis acim a enunciadas. A idéia deq u e a histó
ri» tem lào pouco sentido quanto u natureza possa tc-lo, a dualidade entre fatos e
valores e a separação entre leis naturais e normas constituem se no fundamento
básico para um raeionnlisitio efetivo, ou seja. fundamenta a idéia dc que, devido
no conhecimento teórico du.s leis naturais e à nossa decisno. podemos sócio teeni
camente atribuir um sentido n história, do qual d a carece cm si mesma.

' 1 Pkf|»|X‘ l . 1 y j, cit , VISl I I . p, 3()J


ln Of• TO.. p:
T E O R IA A N A L ÍT IC A D A C IÊ N C I A F D IA L É T IC A 2S9

Os tunda.men.tos dã argumentação poppériana encontram se em Dewey no


seu Q u e s i f o r C c t t a i r t l y . de que os homens têm capacidade de organizar seu desti­
no mediante o ítmeíliõ de técnicas sociais Com esta base procura Popper defender
o racionalismo cieniifico das consequências irracionalistas de sua fundamentação
dccmonisla. sua profissão de lc racionalism. Analisando os fundamentos de sua
argumentação, cabe a pergunta: há um c o n i h t u n m racionjil entre a capacidade de
utilização das técnicas sociais cm processos sociais objetivados, e o controle prá­
tico de processos históricos, da história que c Afeita" ate então incongcientemente?
Trata se de saber se n administração racional du mundo coincide mm a solução
de questões praticas, historicamente situadas? Porém, cabe colocar de inicio a
premissa básica: a da separação rigorosa entre normas e ieis naturais, fundamento
do dualismo entre decisões c fatos. L fora de dúvida, c a critica do direito natural
0 prova, que as normas sociais não se lundam nem podem ser fundadas naquilo
que é.? ' N o entanto, por acaso, é eliminado o caráter normativo de uma pesquisa
racional do contexto concreto existencial, ern que este tem suas raízes e sobre o
qual sc dá a incidência ideológica que volta u atuar por via critica? Cabe aqui
outra pergunta: não ha outro conhecimento além do referido ;u> conceito de uma
coisa cm vez de sê-lo em relação u sua existência? O conhecimento fundado no
positivismo e realizado pela ciência em pírica estará inteiramonu* divorciado de
qualquer vineulação referida a valores"

l-.suida remos este problema vinculando t> ás propostas de Pop per .1 solução
do cham ado problema de Iwise.? 2 Trata se Je uma questão que se coloca nu àmbí
to da análise lógico científica, tendo em vista a possibilidade de contraste em pi
rico das teoria?.. Confrontada* com a experiência, as hipóteses corretas no plano
lógico não d d l nem Sua validação empírica, Somente recorrendo a enunciados
diversos é que os enunciados teorêiicos podem sofrer a eonírastnção imediata
mente, não recorrendo ü experiência objetivada de uma ou outra fórum. Mediante
ClHiilciJulus Observáveis, as vivências e percepções podem scr expressas; cm si.
nàn constituem anunciados, L i* que os enunciados protocolares constituiram se
com o a base dedsória sobre a validação efetiva das hipóteses. Pupper, objetando
contra C u ra a p e Nuurath. argumenta que deste ponlo de vista a aporia referente
às relações entre a teoria e a experiência não é resolvida, representando sen # rela
ção problemática entre vivências protocolizadas e enunciados protocolares. I)e
um lado. u segurança sensórla protocolizada não permite base suficiente, do angu
Io lógico, para a validação eletiva das teorias do âmbito das ciências em píricas;
de outro, a aporia mantêm-se. mesmo recorrendo ao sensualismo superado, con
forme o qual os Judos sen só rios mentóis ruiu aparecem ile forma evidente e intisití
va. na sua imedialez.I-

I- Ti.ri»wfc fo r » 1 -rvprHHSi t>»<f LutÀ- i .-i i .ifa a p H v b ii, Viena. IV5X.


?' C 1. k . Puffpti. Tin L m ;H 'u (S tio u ijk U m v ic ry . 1 fgigrcv |V5*J. pji ê>
190 HABERMAS

Partindo de sua teoria geral da FaLseabilidade, é necessário procurar em Pop


per solução alternativa.1* É impossível para Popper n comprovação das hipóteses
Legais. E is que. enquanto a serie de observações. fundamento da contrastabilldaüe
de ui/t caso por vez, ê finita, as hipóteses legais caracterizam se por enunciados
universais amplificados, aplicáveis a uma multiplicidade de casos possíveis. Essa
6 a railó pata desistir üa prova fundamentada na indução, A confirmação das
hipóteses lesais sc dá na medida em que rcsisicm à prova da Falseabilidade, Uma
teoria transformo se cm lalãcia na medida em que permanece no nível da afirma­
ção singular contraditória, no plano existencial, a respeito de uma hipótese legal,
tran^tbrniadii em previsão negativa, for issn. ns enunciados que definem um
resultado fundado na observação nau são passíveis de uma aceitação iittersubje
tiva. Os enunciados básicos são tão impossíveis de verificação, da mesma forma
que as hipóteses legais u que servem, pelos mesmos motivos. Qualquer enunciado
básico contém expressões universais com idêntico s t a t u s da hipótese. em relação
ao problema da verificação. Nem mesmo n afirmação “aqui há um vaso de águsi"
pode ser provada mediante uma série limitada de observações, pois as expressões
“vaso" c “ãgiiá'" fundam-se numa série de elementos sobre o comportamento legal
de alguns corpos. Na medida em que suas expressões estão irubricadas em hipóte
sos legais., não passíveis de verificação devido uo número ilimitado de casos a que
st- aplicam, situam se acima da experiência Na explicação deste ponto dc vista.
Popper assinala que as expressões universais são conceitos de disposição, ou. em
qualquer caso. podem rctrougir a esse nível. No nível dos mais simples enunciados
protocolares; descobrimos 0& fundamentos referemcs ao com portamento legal dos
objetos sujeitos à observação, na medida em que pensamos n.ü cuntrastabilidade,
isto c, situações experimentais. que podem esclarecer, num caso de dúvida, o
significado dus expressões usada* com caráter universal.' *
Não c pnr acaso que Popper eríltea no plano lógico cal interpretação sim
plixia dos eu and a dos básicos, fundada na idcia de que .sua validação c garantida
» partir dc uma cerlc/.a séfivoriul intuitiva e sc aproxim a, rui sua crítica, ãs ohje
çóc.s anteriores em nível pragm ático, formulada* por um P c ir c e .* 5 Ele repete a seu
modo a critica dc 1legei uo conhecimento sçnsorual U^picamente, min supera
diuleticam em e ít ilusão dos fatos puros u das sensações prim eiras no processo da
experiência de uma fcnomenobgtit do espírito, nem sc sai is Ia/. diferente dc
outra fcnomenologia e[ttc apareceu posteriormente nu reiruaçàn dos juízos
perceptivo? ao n ivd das experiências pré predicai iv a s.a s Pcirce relaciona o
conhecimento empírico pré-si&lèrnúiico sedimentado, seja nas formas pCfCeptivaS,
onde .i percepção útuyl ú integrada, seja r> encadeam cato Jc> hipotético parcial
mente entendido e pre imaginado onde as sensações dementares são apreendidas.

1J cr. u p M t „pri %
L'
14 r r nn. rí!-, pp t’() v
cr. Ch. -S. Ptuc-c. Cviiravtl Popeis. cC llíinshonv Jx Wcife. CiabrulüL1 lYfiO. xi*J. v .|-i.■wu.-
“ QucMÍ«fi!> Ccmi-vniinc CctU M Kãvwllívfc CU u iik J l:ir Vt.ni "Kixatiun n f R e liirf c "H>>h T o M&kv üut
kteas Ctfcar".
* 6 E HnSücrl. Efjitftrltny unJ UrirüíKxprrimeia eJuim}, Hnmiariai, UMX
T E O R IA A N A L ÍT IC A D A C IÊ N C I A í D IA L É T IC A 291

com a estabilidade com portam em al com rolada. O excedente hipotético a respeito


do conteúdo partseuEar do percebido aqui c agora. justificado nas expressões u n i­
versais dos protocolos experimentais, c referido quase sempre a um comporta
mento de expectativa. Ma medida em que o que é percebido lenha um sentido
detvrníbiado, ele e visto como um ponto de chegada e síntese de hábitos compor
lam entais agregados; j o r what a thittg meatis tx simpf] wkal hahiis it involves. O
nível generalizador do conteúdo descritivo dos juízos perceptíveis transcende o
nivet particular do que ê percebido hipoteticamente em cada caso . na medida em
que <c reconhece que no movimento cm direção a estabilidade ocorrem experien
c ia s positivas de ações t* a articulação de significados.
O s enunciados fundados na observação e apropriados à íalseabilidadc das
hipóteseg legais não têm justificação empírica absoluta, forçosa mente vinculada,
argumenta Foppcr na critica a uma solução positivista do problema tlc base: para
ele. pelo contrário, e necessário decidir em cada caso específico se a hipótese de
um enunciado básico tem sufieieíilc m otivação na experiência. F necessário che­
gar a um consenso prov isório, revogávd a qualquer tempo sobre enunciados rele
vaulcs fundados na observação, toda ve?, que no processo de pesquisas os pesqui
«adores livercm a intenção di submeter determinadas teorias aos critérios da
falseabilidade. Tal consenso não pode partir dc fundamentos empíricos ou lógi­
cos, lem que fundameniar-.se numa decisão. Isso inclui situações limites, ou seja,
da impossibilidade de um SMtscnso entre os que participam do procéssú fica claro
que a linguagem corno meio universal de ihleiecção estaria falida. \ "■sqluçào”
popperiana implica cm consequências imprevistas. Leva á confirmação involim
tária dc que a validação empírica tios enunciados básicos e. iníplicitamemc. qual
quer leorin. não podem sc dar num contexto cietui ficamente explicito, isto é. tnr
nnm se impossíveis, partindo de -mi rdaçím com umíi ação determinada, ou de
uma relação explicada no plano teórico, ou simplesmente explicável. Os cientistas
discutem sobre a aceitação ou rejeição de um enunciado básico; etn outros ter
mos, pergunta se a respeito da possibilidade ou não Ja aplicação de uma hipótese
legal oriunda de um estado que fora sujeito a constatação experimental, A justiça
anglo saxã fornece a Popper uma comparação com este processo. Consensual
mente os juizes aceitam determinada exposição dc acontecimentos que consíde
rítm válida. Corresponde à aceitação tlc um enunciado básico, isso permite, como
nas normas do direito penal (que correspondem comparativamciUc ás hipóteses
no nível da ciência empírica) e anunciação de cenas deduções necessárias, como
por a emPlo. a elaboração da sentença Lite paralelismo tem senLÍdo para nós
unicamente no âmbito onde parece inevitável a aplicação das hipóteses legais
ciemifiçjis a fatos c cot sus nhs:erva.da*. como nau norma» legais aplicadas a fatos
constatados. Nos dois casos, não havería possibilidade da aplicação do sistema
legal, sem antes haver um consenso sobre a determinação especifica dos acontecí
meiUOs; de qualquer forma, tal determinação deve resultar do consenso em rela
çio » uma forma de proceder vinculada a um sistema legal e, consequentemente.
aplicável,3 7 É impossível ti aplicação dc regras gerais sem uma concordância

1 7 K . Popper. W#,, |T 110 .


7M2 H A BER M A S

anterior sobre os fatos a elas; sujeitos; por outro lado. tais fatos não podem ter
nível de relevância antes da aplicação daqueias regras, Hsie processo inevitável na
aplicação de regras.2S constitui um indício da imbricação do processo de pesquisa
num contexto explicável hcrmcnetiticamente e não analíttco-empiricamenu*. Os
postulados de um processo cognoscitivo, num sentido estrito, têm que considerar,
como é conveniente, uma prévia inteligibilidade não explicitada: neste processo se
efetua a vingança oriunda da desvinculação da metodologia do processo real da
pesquisa e sua função social.
A pesquisa c uma instituição social onde os seres humanos interagem: dai
determinar pela comunicação entre os pesquisadores o que pode aspirar no plano
teórico: a validação. A inteligibilidade a p r i o r i iie certas, normas sociais é básica
para decisões referentes a validação de hipóteses legais, fundadas numa observa­
ção sujeita n controle, h total mente insuficiente o conhecimento do alvo específico
a pesquisar e a relevância de determinada observação ante determinadas hipóte­
ses; pura assegurar-se do valor empírico dos enunciados básicos, é indispensável
d plena inteligibilidade do sentido do processo de pesquisa, considerado em sua
totalidade, similarmente ã compreensão prévia que deve possuir o juiz da jüdien-
tura s t r i c w s & is u : os fatos devem ser resolvidos rtum enquadramento jurídico. No
processo judicial qualquer um sabe: o que está em jogo é a contravenção a nor
mas positivas gerais impostas positiva mente com a sanção do Estado. A expecla
tivn de um comportamento socialmenic normativo oferece nível dc validação
empírica ,»enunciados básicos. Somente mt interpretação pragmática do processo
de pesquisa é possível encontrar alguma indicação a respeito da integração do
fato no universo dâ lei. no referem? :to processo de pesquisa e o padrão de medi
ção da validação empírica dos enunciados básicos.
Acreditamos que, futuramente. cm nível dc teste, as hipóteses referentes ao
comportamento legal dos corpos, implícitas rins suas expressões universais, obte
nham confirmação, da mesma maneira que não colocam os ern questão a validade
de um enunciado básico, cspccificamcntc considerado. Como explicar tal fato,
ignorado por Popper? Constitui uma possibilidade logicamente fundamentada a
recorrência dc uma serie infinita dc enunciados básicos, em principio, onde cada
um teria n obrigatoriedade da confirmação dos fundamentos (hipóteses) implícitos
no enunciado anterior. Nu medida em que estas hipóteses sofressem uma problc
malizaçuo sucessiva, tal possibilidade teria condições de viabilidade. Falta lhes a
insegurança das hipóteses: estão cenas enquanto representações pragmaticameme
definidas e convicções destituídas de problematízaçâo. O fundamento teórico da
segurança comportamental indiscutível funda se nexius convicções latentes (esses
helie ves c o que ns pragmáticos tomam como ponto de partida). Fundadas nestas
crenças universais, problematizam-se cm cada época algumas destas crenças
estruturadas pré cientiticamente. só perceptíveis na sun validação hipotética,
quando esíe sistema de crenças è insuficiente para garantir o sucesso procurado.
A instabilidade do comportamento sujeito à apreensão pragmática determina1

11 Kffivi GeiVf. Gadnmer. Wohrhrü uná StetfmtUtl Verdade ir MéitHto), Tubíngen, I^WJ. pp. 2V2 s.s
T E O R IA A N A L ÍT IC A DA C IÊ N C IA E D IA L É T IC A 293

uma mudança na “cren ça” básica, formulada enquanto hipótese c testada. Suas
condições reproduzem as das crenças cu ja credibilidade nâü soíreu processo de
problem atizaçãú; condições da performance de indivíduos que criam c recriam
sua existência mediante determinado tipo de trabalho. Ris que a validade empiriea
dos enunciados básicos u exinnsccam ente a adequação das hipóteses legais, in clu­
sive no plano teórico, tem como ponto de referencia determinado sucesso no
comportamento reaii/ado. Jundado na interação soeíril. no conLexto intersubjetivo
de grupos trabalhadores capazes dc atuar Este c o momento cm que se dá a mLdi
gibiiidade previa hermenrutica obscurccida pela teoria anulitica da ciência
que* possibilita a aplicação dc determinadas regras aos enunciados básicos. Na
medida em que concebem os o proces.su da pesquisa como parte de um processo
plotial de atos insüluctpnáliíudlob; soeirtlmente através dos quais os grupos sociais
produzem c reproduzem sua existência, u questão dos enunciados básicos nâo sc
coloca. E is que o mesmo não obtém validação empírica fundamentando-^- numa
observação solitária, mas ssm. de uma imegraçào anterior de percepções isoladas
no contexto das convicções nâo pfobkm atizadas com amplo nível de crcdibiii
dade; isso sc dá sob condições experimentais que imitam o controle dos atos
imbrÈcados original mente, num sistema de trabalho socializado. O conhecimento
piram entc científico-empírico só pode ser interpretado a partir de um referencial
vital do domínio eonciekt dü milLtre/.a da estrutura do trabalho social, eis que ,-i
validação empírica das hipóteses contrastadas expeli mentalmente está prnlunda
mente vinculada à estrutura do processo vital acim a descrito.
As posturas técnicas que pressupõem uma alocação racional do recursos
tendo em vista determinados fins. informam nus a respeito dax regras da área téc­
n ica, dã maneira pc!ã qual a técnica dom ina o natureza pelo processa do trabalho,
Tu is posturas têcnicus mio surgem vinculadas a icorias científicas posteriores, ou
pCr aenso.
A tntdigibilidãdü anterior do caráter hermenêutico que rege o equilíbrio
homoes tático do trabalho social fundamenta a "d ecisão” popperinna sobre a ac ei
tação ou rejeição dos enunciados mínimos, O h que participam de um processo de
trabalho tem que possuir 0 mínimo de consenso a respeito dos critérios de
eficiência ou deficiência de umu determinada regra técnica. E m caso s específicos,
a mesma pode estar destituída de validade; aqueles ncos ou de sua validade c defi
nida no plano empírico estão marcados pela Còerçio social. O controle <la perfor
mance das regras técnicas ê medido conforme as i urdas cum pridas, im bneadas
no sistema cie trabalho social menti! estruturado, consequentemente convertidas
cgii social mente vm eutaniev Ue conformidade com as norm as sobre as quais deva
existir certo consenso, na medida cm que a.', opiniões sopre o fracassa ou êxiiu
pretendam possuir validação inicrsubjetiva. E s tu referente vital constitui o funda
mento hermenêutico do processo de pesquisa vinculado ao modelo anahiãero-çm-
pírico.
No processo de pesquisa a validação em pírica des enunciados básicos ê me
dida pela performance socialmente definida, no processo ju d ic ia l, conforme deter
294 i IA BE R M A S

minadas expectativas de comporia mento definidas social mente. Normas impostas


socialmente definem ambos os casos, porém com uma diferença que é furidíimcn
tal, enquanto os sistemas jurídicos, modos de produção e o sentido do direito va
Ti;tm cm conexão com as normas sociais restantes, o sentido do trabalho num âm
bito amplo de variação histórica tens-se mantido constante. A conservação da
existencial mediante- o trahalhn social sujeito ãs determinações COíttivas da natu
re/.a manteve-se constante através da evolução da espécie humana. Toma-se
necessário encontrar um consenso sobre o sentido do domínio tecnológico: basca
da nos critérios desta compreensão a p r i o r i , está garantida a validade intersub-
jctiva dos enunciados empírico científicos. O caráter intersubjetivo desie tipo de
enunciados permite que o interesse em relação uo.s conceitos básicos seja relegado
a segundo plano, Q interesse evidenciado, despido de tcrr.mizução, passa u segun
do plano. de Lal forma que. sofrendo uma inversão metódica n? própria origem do
conhecimento, decaiu no nível da consciência dos participantes no processo da
pesquisa.
inclusive na autue or.scicncia das modernas Cfcitoias empíricas pode conser
var a aparência de uma teoria pura. Uma contemplação fundamentada na exiger,
cia de uma total Iblta de exigências constitui o enfoque teórico dn filosofia clàssi
ca. dc Platão a I legei. Nesta linha tradicional encontra sc a teoria analítica.
Conform e postularum os gregos, a condição de existência de uma teoria verdu
deira ê sua desvinculação rfas estruturas sociais, fundanles do processo de pesqui
sou u validação dos teorias cmpi ricas apresentam se despidas de quaisquer referén
cius ao contexto social e ao processo da prtíxis, C o m estes pressupostos, funda sc
um postulado que teria causado estranheza aos clássicos o postulado de
neutralidade perante os valores, liste postulado estaria posLo cru questão, .se as
ciências modernas mediante uma critica imunençe conduzissem a consciência de
sua vm cqlação com " xtstcmti social dc trabalho, que permeia as estrutur as bási
cus da teoria e determina seu grau de validação em pírica.
Corresponde a esiruuim da ciên cia experimental, o condicionam ento histó
rico que permite nu século XVU ü emergência da nova físicu, st rie m s t m u , ã ciê n ­
cia empírica T a l situação bi-ioric/i exige que o projeto teórico c o sentido da valt
daçáu em pírica se fundem numa perspectiva técnica: posteriurmente a direção da
pesquisa cientifica estória vinculada nos interesses do agente da produção, Até
então havia nina rigorosa separação entre a teoria c a reprodução da vida mate­
ria l; as classes dominantes detinham o monopólio do conhecimento. Somente no
quadro da sociedade moderna burguesa, legitimando a aquisição da propriedade
pelo Lrubiilho, podería a ciência na área experimental receber um estímulo do ira
balho manual c a pesquisa integrar se progressivamente no irabalho social. A
m ecânica dc G a lík u vê a natureza tendo como referencial o dominio técnico que
plantam suas raízes nas novas manufaturas e por sua u :; sujeito ã análise e
decomposição do processo do trabalha manual env funções simples. Ü intenta dc
ajuste do conhecimento às exigências, de determinados padrões técnicos levou a
visão m ccanicists do processo da natureza analogamente ao processo de trabalho
T E O R [A a n a l í t i c a d a c i ê n c i a e d i a l é t i c a

estruturado nas empresai manufaturei rass,i!í A determinação prática do conhcCi


mento no trabalho formara-se no contexto de urrta visão meeankista do universo,
nt) período manufaturei ro, o desde então esta forma específica de conhecimento
converteu-se na forma universalincnte aceita, mediante a inteligibilidade posrti
vista da ciência. Tais fatos estão vinculados historicamente ã tendência evolutiva
da sociedade burguesa.
As relações concretas entre os homens c dos homens com as coisas são
violentam ente separadas na medida cm que as relações de troca dominam o pro
cesso de i rabcillio, tornando o modo de reprodução dependente do mercado 1'id
processo de coisificação, o que as coisas e homens significam para nós cm deter­
minada situação concreta, sofre um nível de hiposlasia. uma conversão num em
si, que è passível dc uma vineulação a objetos aparentemente neutros, na forme de
Urtia agregação qualitativa cm outros termos, de um “■valor". Produtos deste pro
cesso dc coisiRcaçSo são os valores abstraídos de seu contexto vital, como iam
bem a neutralidade atxíologicn do científica e empiricamente objetivado. Da
mesma Ibrma como nos valores de troca desaparecem de um lado a força de tra
baihô materiali í ada e o possível prazer dos consumidores, os objetos restantes
despidos de qualidades axiológieas subjetivadas, desaparece dc outro lado a diver
sidade das referências vitais dc caráter social, c^rm? dos interesses determinantes
do conhecimento. Í kko facilita seu imbríeamentt» inconsciente no área do i n t e r e s s e
complementar ao processo dc exploração, abrangendo o mundo nauiral e social
no proóesso de trabalho c transforma o um forças produtivas.
Este interesse de caráter prático do conhecimento no domínio dos processos
objetivos pode sofrer um processo dc formalização de ml forma que, no impulso
que leva ao conhecimento nas ciências empíricas, ele desaparece enquanto tal. A
relação ClUrc ás Influências abstratas e o comportamento isolado, psssível de
expectativa*, resolve se a partir das condições sociais da produção; inclusive a
exigência de regras técnicas è desfigurada, transformada em cânones presvrirívos
que refletem em última análise, em termos absolutos, a relação instrumental entre
as inlluências sociais e a reação de caráter técnico, com vista a uma aplicação
imediata, O processo dc pesquisa aparece vinculado a ínier ralações funcionais de
dimensões covariantes, sujeito a leis naturais e u nós ç dada a faculdade dc "reco
nhtícé-lo" à lux dc um enfoque teórico desinteressado c alienado do p r á x i s . Tal
inspiração ao exclusivismo do conhecimento estrito mediariza Os demais imeres-
ses jundantes do conhecimento a Favor dc um só, e isso cm nível inconsciente.
O postulado da neutralidade axíotógíea confirma que os processos empiri
cc-analíticos sào inuipszes dc referir se è vida, na qual des estão ímbrícados
objetivamente. No quadro de uma referência vital definida na linguagem diária e
codificada cm normas sociais, nós Sa/emos a experiência e emitimos juízos sobre
coísa.s <: pessoas tendo em vista algo especifico; o conteúdo descritivo e o norma
üvu devem dizer algo sobre os sujdios existentes enmo ídgu a respeito das obje

? * F tsht Risrí. jnjm Drr Übtrrgfffíg vorq F tttiínlüu .iu /: ilü rffiríicxçrt l l t f t b i l i í [ A Iü iis iç à n da Imugem PéU
dal ã Imagem Burgüeut >m Ú niítné), Paris. 1üM. pp. i Is,
296 H A BERM AS

Los: os "valores” constituem-se dialcliçam ente na relação entre uns e outros;. A s


c a te g o ria do universo, embora nâo elim inadas, são elididas quando os homens e
co isas aparecem auLonomizados. as. coisas neutralizadas aparentemente s o b jeti­
vadas enquanto objetos ideais, ou subjetivadas dc forma reativa. Desta forma, as
categorias adquirem poder por mediação de uma teoria que tem incidências práii
teu», porque na ilusão da autonomia uma relação indissolúvel ê burlada. Não exis
te teoria nenhuma que possa compreender seu objeto sem refletir o puniu dc vista
conforme a d e e sem ter em vista sua aspiração im inente, existindo algo que
possa Ler validade; “ O que poslciiorm cnie é admitido conto valor não se da exter
rtam etueà coisa, mas lhe é im enente ' 3fl

A neutralidade axiológica es lú inteiram ente desvinculada do enfoque c lá s s i­


co: corresponde, contrariam ente. a uma objetividade dn validade dos enunciados
possibilitada por uma Um itação a um nível técnico dc conhecimento, 1-sto lim ita­
ção nào elide a vm culaçàu norma lí va do processo dc pesquisa á práxís existeu
c ia i: pelo contrario, esta predomina sobre ele. I mbora a motivação social subja
cente possa ser m inim izada iíó processo de uuló intelecçfio teórico-científico. na
vinculiiÇ.âo à prâxis dos resultados ocorrem algum as aporias, cujas, origens se dão
aí, única e cxclusivam em c. M yrdal ja havia feito referência a tais dificuldades.311
0 Fato das proposições d a n ific a s serem passíveis dc tradução êm rceomen
ilações técnicas existe fs partir dos enunciados dc Max Web cr a respeito da relação
entre a técnica c as ciências naturais. Tai s recomendações técnicas diferenciam :
um p in to dc partida, meios a It em ruivos e fins hipotélicos. onde os juízos valora
eivos aparecem ligados nos fins hipotéticas. enquanto os meios alternativos podem
sér vistos sob t> ângulo d;t neutralidade valorativa. Rssa visão pressupõe a possibi
Iidade. tanto no âmbito du pnáliea social como na âreu do domínio técnico anhfc
a natureza, de relações entre meios e fins onde a neutralidade vulorntiva dos meios
c a indiferença axiológica das consequências secundárias tom siaius garantido,
onde um “ valor" xó está relacionado a fins. de tal forma que estes não possam ser
vistos como meios neutros relativos a outras finalidades, Nenhumn da-ssas três
condições è preenchida para aqueles que postulam a noção Ja p r â m vital como
fundamento da análise científica da sociedade. Se num caso concreto tiverem de
ser definidas decisões práticas, è necessário, prim eiram enic. efotuar ei imerpfe
Cação das recomendações técnicas imhricndas :i com plexos quadros existenciais
de referência; u interpretação científica da sociedade tem de considerar o que as
recomendações técnicas desvalorizam ; ou seja» que os fins específicos e :tx neces
sárias consequências sejam na medida do possível considerados na sua relação
com outros fins. Egualrnente como m eios, da mesma forma que os meios neutros
na fase inicial podem converter se cm fins.

J0 TU V\ Adumn. Zur t tttfk 'fàr Sti-iaiu h<msvhajh-n (S-tbre a búg/teti í,'üv C ii'kca \ S-K W hí,
1! Gunnit Vlyr&iJ. •Eads and Means m Pnliucol EiMinortij", m Vaíut m Thiij/y UrotN*. JV?Í, Ainda. M
Ifeirhhiíirne.r. hettpue tíf Kímon. M sii 1 e-rí. pJ47. cap, I: ed. itkiv.-i Inv Kv\ÚK derüw rum i^uiki i trmmjt
h isd iLi. FrurViiLin 1%7. p.p- l s
T E O R IA A N A L ÍT IC A D A C IÊ N C IA E D IA L É T IC A ?.07

F indubitável que qualquer recom endação téenioá vinculada à regulação


sóno-Lécm ca, com o também qualquer prognóstico científico subjacente devem
definir de forma neutra nu plano va Io rali vo determinados meios com referencia a
Uns específicos, com consequências secundárias passíveis de an álise; o isolamento
e a neutralidade se dão inevitavelmente ioda vez que estamos ante finalidades
analíticas. Os problemas práticos não podem ser resolvidos simplesmente
mediante regras técnicas, muito pck» contrário, necessitam de uma interpretação
que anule aquela abstração, partindo das im plicações vitais e práticas, isto è.
decorrentes de umn im posição, não somente da estrutura do objeto, mas também
do mundo social que condiciona a existência. Estas interpretações desxam claro
q u e .n o nível técnico, a relação entre meios e iinx aparece no nível social, envol­
vendo uma problemática A s condições q u t definem us situações práticas nada
m ais são do que momentos de uma tOLalidadc im possíveis de uma bifurcação,
entre uma parte viva e outra parte morta, íu lu s ou valores, meios despido® de
carga valorativa c fins isio b g ie a mente definidos. T a l divisão im plicaria no maio
gro dás condições ds ação. T a l problcitial ízíiçho coloca em primeiro plano a
vigência da dialética de MegcL rderente a meios e fins: nu medida cm que o meio
social c ao mesmo tempo um contexto v i t a l onde a parte imperceptível c tão
viva e consequentemente tão vulnerável como o todo u c. os meios no plano da
im in ên cia ligam-se a determinados fins como estes tèrrt nível de conformidade a
determinados meios. R a z ã o pela qual os problemas práticos não podem ^cr inle
gralmcmc abrangidos por uma escolha racional dc meios neutros no plano valora-
livo . A s questões práticas exigem uni enfoque teórico: o inverso também e verda
deiro; exigem (conforme proposição dç Paul Strcetcn) programas. não somente
prognósticos. Os programas definem estratégias pnrq a criação dc situações despi
das de problémuticidadv: cm cada caso específico o conjunto ê decomposto com
finalidades analíticas, porem indissolúvel na ordem prática. T a l decomposição sc
processa no nível dc uma constelação específica dc meios, fias e consequências
irre levantes
A critica de (iu n n ar Myrditl ao esquema de meios c fins definido por Mus.
Wcber demonstra que com os enfoques axiologicumcnte neutros no âmbito das
ciência» sociais sc da a eclosão dc um interesse gnoseológico técnico inadaptado
ás realidades da existência real que exige, por sua ve/., uma interpretação dc cada
um dos prognósticos cm nível programátieo, Evid en cia sc iáiualm cm c que a
vin culaçàü a prática dos enunciados técnicos dispensa umn interpretação adiciu
nal. Isso sc dá apesar do desnível entre recomendações práticas, pelo fato dns teo
rias sociocenlricns. míiirize> dos prognóstico:*. não satisfazerem as exigências da
neutralidade valo rali va. Pelo contrário, partem de uma intcligihilidadc anterior,
que permite enfocar determinado âmbito de prohleniits práticos, T a l iiilcligíbi
Iidade prévia determina a escolha dos princípios teóricos e das hipóteses básicas
para os modelos. Num uivei maior de iibsLraçào, a maioria das ínier relações lun
dorm is que possuem amplo cam po de possibilidades com o aquelas im plícitas nos
diversos program ai, aparecem excluídas metodicamente, com certa razão, como
irrelevantes no âmbito da ótica do já programado, com vigência atuai, não passí-
29S HABERMAS

vcis dc desdobramento. No nível form al a análise permanece no âmbito do válido


uni versai nteme determinando prognósticos neutros no plano valoraüvo. Há algo a
considerar aqui: tais prognósticos representain um produto de um esforço analí­
tico num âmbito de referencia específico, que. nesta qualidade, é determinado por
uma intdigihilidade programática anterior, vinculado exíritamente às estratégias
perseguidas,
Pode suceder que ta! inteligibilidade anterior possa revelar-se ínaprovcitávc!
ou parcial, incompleta: o conhecimento específico das inter relações funcionais
pode determinar mudanças nas técnicas l- lambem uma correção i!o.\ objetivos,
um ajustamento da estratégia global, provando que a antecipação da situação
problemática nào se da adequa dam ente. É mister esclarecer que a própria análise
é guiada p-ur pontos dc vista programa ticos tácita ou díssimuEadâmcntc aceitos e
pt.^ isso transformam se as relações entre meios e fins analiticamente convertidos
cm soluções prniicas-
F íx Io o universo dc meifts, hns c ecwisectúêneisis imprevistos razem pune dc
uma totalidade vital uma constelação específica dc meios, fins e alternativas,
que. no momento da escolha dc medidas práticas, terá que sofrer o contraste com
as outras, num quadro comparativo global onde das sào consideradas totalidade.s
é de absoluta necessidade que o pnmde número de constelações passíveis de
serem imaginadas desapareça nnles que a pesquisa valorai iva mente neutra possa
iniciar-se em coincidência formal com o esquema dos meios, e fins. Mis a razão
pela q u a l paru a compreensão da serie típica ideal dc Weber, ê necessária uma
visão anterior da evolução da Kuropa no plano histórico filosófico, isto ó. é neces
sária a adoção de um pomo de vista programâtico: qual seja, o da progressiva
racionalização das esferas Culturais 35 O mesmo se dá com as teorias rigorosa
meriLc formalizadas. Á área de conhecimento técnico encobre uma inversão doi:
mniioa da compreensão geral dc um si situação, com a qual o sociólogo no nível
cientifico empírico e&tríto está taciíanienlc idcntillcado. isso bem antes da esc ruiu
ração dc uma teoria lormalizadu, fundada na exigência dc hipotética validação
geml Ptns bem. sc nas cicncias sociais que rcccbem tratamento matemático nào
estão eliilitlns vinc tf ações existenciais :« situações determina dns ç se os ini..ressev
m oiivodoro do processo do eonlíçcimenio são passíveis dc formalização. não dc
anulação, eles terão que estar sujeitos a controles, receber u crítica c a Icçitinia
çhu . como interesses objetivos no quadro de um contexto social mais amplo. Tal

cr. II. 1'TOyíl. Jí!£Mítef» (tj\ ii'tl'liilVtíKí‘ÍiS\ViSS'iVSC~f!í\,!l (A StMVilfOUi# I C irllfh Jii H-.'otidiuly'), pj»,
'0 O iHHIta üc vunidn ■
>.> npilorKi U i-. |Wriu . <Je dnosiaaçáo '■3 fi>rmu csfit. UF'Hrn-nJi m^oernu Jc
. la m n i if.np.vi v tim ■' .iSj^íivt. ,.u- (.Mmp--irn L;i o im u ■■. . !m S V in l-li;jir un.l ii.-m-Vlni-Ti“ j Por
p « (0 tanta au tw ip it o sol* h ^.Hítatajãu lI.l esdatte, ü ptw tu iíl- b b í :i.la .■ » co m p té M k à u á i pcuiliuriü.itii? da
tfiüadc rw Ocidenu-. >ii‘* .tcl.-i. residem ;v. rnú«, tio irudumu m .;u , ih;i vai «i: u Ií.slp; a diiilile no ÜCÍ4CW# s í i Vc
dt?.elem en to is. cufeules |lc H iiu.is civilizações.. N tstJl idLiiüe, fim d jir:im i 3ilL* e v iik m ^ id íf ti üucb
pftpí h:if:s('Ji díl ^üo Ío-Iorííi (Ic hlaK Wubfflr, A pr^b líraiU iea w cbçrinim pirn ajn Lomo J á respofits a. pcffpinftu:
ií q u ? cardCtiMÍita i pccuh& ndniii’ L.vnl ,pevi !■;:» Ju itiodefíui Ijípn.i-ç.iíi ru n u v -ia c ern i h iii -.k Ul- l[lhJ « m l:
g jr a ^ â iy lí: ir,L4t;v :|r v '• A n Jc |o .|- ■ UI 1115. i O i í l K ‘ L;i S I^ 6l-|I i :sI ] l i U o 'C .llíl U ld C S ilJC JÍll:.
du- vinus U|Kâ.eonsÜtiu o caminho pçta qual a realiiliulc utu-al lüniará aulnennscicocia da sua especillcidlde
hifitodcít"
T E O R IA A N A L ÍT IC A D A C IÊ N C I A E D IA L É T IC A

postura não sc coloca para aqueles que suspendem o processo racionalizador nos
umbrais do método empírico analítico.
Qualquer reflexão sobre estes interesses leva a uma análise dialética, enten
dcncío-se como dialética a concepção da análise como parte inLegranie do pro
cesso social analisado, como sua consciência critica possível. Tat postura permite
a consideração d j inexistência desta relação casual e superficial havida entre ov
instrumentos e dados analíticos. que pode ser admitida em se tratando do poder
técnico sobre processos objetivos e objetivados. E a única for ma pela qual as ciên
cias sociais podem renunciar á ilusão de amplas consequências sociais - de
que nas mais diversas áreas da sociedade cabe um nsvel de controle cientifica
idêntico ao mundo da natureza, isto um controle obtido w m idênticos meios ao
mundo natural, e, por esta via de poder técnico cristalizada pula ciência, considc
rado uno sri possível comu desejável.
C O N H E C IM E N T O V IN T E R E S S E *

DuranLe semestre, no «utvuo de 1802. SdielJine ensinava em lena a res


um

peito dn metodologia do estudo acadêmico, Renova enfaticamente o conceito de


Lcoria, que caracterizou a tradição do idealismo germânico: "o remonta especula
ção, a dificuldade na transição do teórico &o prático deforma igualmente n cóiihc
cimento e :i ação. O estudo de uma filosofia rigorosamente teórica é meditado
peía idéia C somente çsta confere um sen lido ético ã nçâo".1 Somente aquele
conhecimento que está desvinculado dc interesses específicos e voltado para a
Klêín encontra ai seu fundamento teórico.
A palavra teoria tem origem religiosa: lheorós era o nome Jo representante
que a cidade grega enviava nós jogos públicos,9 Nu thc<iriat mediante a contem
pi ação. de se realizava no processo do evento sacro. Na linguagem filosófica, o
conceito theoría está vinculado à contemplação do kósmas, Com o consciência
contemplativa do kósmos. a iheoria pressupõe o limite entre o- Ser c o Tempo
como diz Parmênidcs que funda & ontologia e é representada no Ti meu plaió
nico: essa ontologia garante um lógas depurado do instável e dá incerteza, rcstriri
gin do a área do mutável ao reino dn rfóxa Na medí da em que o filósofo comem
pia a ordem imutável, realiza uns processo de adequação ü st próprio dü processo
cósmico, recriando o cm si. A teoria penetra na práxis da CKistcúciu através da
adequação dc espírito no movimento cósmico: ela imprirnc sua forma ;i esistên
eia. disciplinando a no seu éthox.
A filosofia desde seus inícios esposara tal conceito de teoria e do enquadra
mento, existencial subjacente a qualquer elaboração teórica. Horkheirnêr preceu
pou se cm pesquisar enFatícameiUe u processo dc separação entre o conceito de
teoria no quadro tradicional do pensamento filosófico e teoria concebida como
teoria critica.' Agora é Husserl que retoma o conceito tradicional de teoria ao
qual Horkhcimer contrapunha um conceito critico . 4 Husserj não cuida da crise da
ciência, porém, da sua crise enquanto ciência, d.s que "a ciência não tom nada a

* Trad uzid o cfo nrigjtnnl a lcriâ o ; ‘"F^tívomniü und liUfitów. ’, rm Technii. u m l W iu w t c h a f t a is " It t e ik t & e í
Friin kfiu i ram M ílio , IflfiíiiSutMkump Vcrlnp;, pp. 148 IfiS
1 J . Sciwlllijjj, II l-iAt-, cii-at-bmer. m lU.p.iVV.
~ tí Snell ” flieu n e aicul Prnssih’ fu £)*<•• H ju d íC k u ftft if t s C ié m v t, H am bunw . I9 S S , pp. 401 >•-.:*-• P ic h i.
“ tJer Snin J c r 1 raLTsehdíhiají vou Tlit^ riv luiC P f » * K m a .-: firiiwhtKishvvj P h ib so p tiK " . iti K v u a g e iiic lír
t-sm, viu toAr pr i: i V-
1 W. lti.’iii.lvüinte>r. ■
■Cmiti Lk»L'th? »»nj tcblUeha Th cárie" m ZeUiçHrijt Jítf Xnztatfftrtifrting. VI IW7. jvp
243 .s>.
’ I f u ti i UiiíiLUMíaLrnto em minliis .miIa tK.iu|! ur.il n a 1.■niverifçCaçle de Frsftfc fm i i-m -S d t oinhi» d# I 465,
31)2 HABLRM A3

dizer a respeito de nossa miséria"*.? Sem nenhuma hesitação. Ilusserl retoma um


conceito de conhecí meu lo no âmbito da postura platônica referente ãs relações
entre n teoria pura e a vida prãuca Mão é o conteúdo informativo da teoria, mas
é a formação de uma atitude reflexiva entre o:-: teóricos, a responsável pela produ­
ção de uma cultura científica, O espirito europeu, em sua evolução, parecia cnca
minhar sc numa produção deste tipo. Segundo l-tusserl, Lnl encaminhamento so­
freu sérias restrições a partir de 1933 Mantem cie a firme convicção tie que o
perigo ameaçador parte do interior c não do exLeríor, ressaltando que a disciplina
cujo progresso salta aos olhos, a lísi ca, renegou qualquer preocupação com o que
possa chamar-se teoria.

n
Com o estão as coisas, verdadeiramente? EiUrc a autocotnprecnsâo positi­
vista da ciência c a antiga ontologia cercamente encontram *c relações. A ciência
empírico anufítivtí no suu desenvolvimento histórico, no plano tcorélicu. apresenta
uma autocompreensfio próxima às origens da pensamento filosófico; um nível de
abstração liberte dos interesses naturais da vida prática. Porém, cai nctdentemente
com o modelo que cíiicrgc com o surgimento do pensamento filosófico, ha uma
concordância tácita na intenção cosmo lógica que consiste na descrição teórica do
universo ordenado, sujei to a leis. Contrariam ente, ;i t' i à i d a h v rm w iâ u iic ii, preoci
pada com o reino do perecí vd e do opín ativo, situa se fora deste Âmbito dc ubor
dagem, tnteirameme desligada lSos problemas cosmológicos. Da se. nu realidade,
o desenvolvimento de umn consciência cim/t/idfíia, Íuiídadu no modelo da ciência
natural. A preocupação sincrànicâ. que aparece na articulação dos dados num
universo Je faios estruturados, transparece nji.s ciências do espírito no processo dc
seleção fòtual pela compreun ■«àci. embora sem a preocupação com a elaboração dc
leis gerais do sucedei histórico, integra sc no âmbito de preocupação da ciência
empírico analítica: na procura de uma descrição de uma realidade estruturada,
assumindo ante a mesma uma postura teórica. O historicrimo tornou se o posili
vU m o mi cicn cia do espirito.
O positivismo aparecem imdalm entc nas c i ê n c i a s a o e i a i s , nu medida em que
propunha â adoção de um método inerente a umn cicncia em píriconm ilíiiça do
comportamento, orientado conforme o modelo da cicncia analítica normativa,
fundada na pressuposição da ação. * A pretexta de uma autonomia ante os juízos
dc valor eonlírmu se nessa área de pesquisa próxima a pràxifi a recepção pela
ciência rnotiírníi dít herança legada pelo surgimento do pensamento teórico na
filosofia grega: psicologicamente, o cultivo de umn atuo■ suficiência teórica e.
epistemoloaiecimcruc, a separação entre conhecimento c inLcreases. No nível lópi
co, isso corresponde a uma distinção entre asserções descritivas e normativas;

' J- J lu s s e rl, J i t c K m i s J t r «i . fV iu e n se fia fíi‘i i iiti‘ T ra n sz à u ie n ia le Phôn am & tt*Íogk‘,


G aam m flw iVêrki\ vai, V l. jjç ii IJ tia.u. lid ,, 1954.
" C f . G G a ig a n . T / x u r ir if a ÍJ 'uvrxcfut/ifíeA&i JZ u u ríte h im K , M u h r.T íih in p c n , 3*ífO
C O N H E C IM E N T O E IN T E R E SSE 303

vinculando no plano gramatical a separação entre conteúdos meramente emotivo*


e cognitivos.
Entretanto, o termo "neutralidade perante valores" c seu postulado implícito
extrapolam o âmbito dássico dn universo da construção teórica. A separação
entre valor c fato pressupõe a afirmação de um dever-ser-abstrato ante o puro ser.
Isso se deve a uma ruptura nominalísta pnr intermédio da critica secular ao con-
ceiio dc exisLómcia. O termo "valor" vulgarizado pelo neokantismo, postulando a
exigência dc neutralidade da ciência, nega o conceito clássico de teoria.
Embora a ciência positiva tenha em comum com a tradição da filosofia d á s
siea i> conceito dc teoria, não invalida u pretensão clássica. E la recolhe a tradição
clássica em dois momentos: no primeiro momento, o sentido metódico da postura
teórica; posteriormente, a exigência OfliOlÓgica fundamental de uma estrutura de
mundo independente do sujeito cognosccntc. De outro lado. verifica sé a perma­
nência, de Platão a HusserL da conexão theoría e kósmos, mmesis c b b s theurcii-
kós. O s elementos que deveríam fundamentar a eficiência prática da teoria consti
tuem-SC Cm obstáculos metodológicos. A concepção dn teoria como urn processo
Ibrmativo revelo u-sc despida dc autenticidade, A adequação do espírito n um uní
verso mimclicamentc intuído privilegiou a interiurizaçâo da norma a que o conhe­
cimento teóriH) deverá servil . K n que ocorre nos dias atuais.

UI

Efetiva mente as ciências devem perder sita relevância específica para a vida.
relevância que Hussúrl pretendera restabelecer mediante a renovação da teoria
pura. Farei o reconstrução de sua critica, nos seus três momentos básicos. No pri
meiro momento, sua critica se dirige contra o objetivismo da ciência. Para esut, o
mundo aparece ohjeiivumcnle como um universo de fatos, passível de descrição,
revelado pcia conexão interior faiuul sujeita a leis, Na realidade, o processo de
apreensão de um mundo aparentemente objetivo pelo conhecimento funda sç
transcendenlalmcntc cm posturas pré-cientificas. O possível objeto da análise
científica c concebido «iprioristicamcntc no âmbito de nosso universo existencial,
cm nível primário. A fenomenoiogia capta ílèstc momento a existência dc urna
subjetividade fundante do sentido, No segundo momento. Husscrl pretende
demonstrar que esta subjetividade constitutiva c inerente ao âmbito da auioeom
preensào objetiva, cis que u ciência nào esta râdicalmcnte desvinculada das situa
ções reais que definem o universo primário da existência. Inicial mente, a fenome
uolugiít rompe com a vineuJaçáo ingênua, desvinculando radicai mente
conhecimento e mtere.s.se. Fin al mente. Husscrl equipara a auto-reflexão transcen
dental, que ele denomina descrição IcnomenolAgícn. à teoria pura, teoria eonce
bida tradicional mente. O filósofo na sua postura teórica opera uma mudança de
atitude, livre dos interesses condición antes da vida prática. Neste aspecto a teoria
é “ nào prática", Porém, itâu se dn uma desvinculação completa da vida prática,
pois u teoria, como é- )radieionalmente concebida, orienta a ação. Â postura teó­
rica assimilada c mediada com a práxis. Define se sob uma forma de pró xis dc um
304 HABERM AS

Lipo novo que procura elevar 3 humanidade y razão cientifica universal, de


eónfbrrnidadde com normas de verdade, transformando-a numa humanidade
renovada a partir de seus fundamentos, capaz de uma auio responsabilidade abso
luUí. fundada na cognição leóriea absoluta
Repcnsapdo a situação existente há 30 unos, é lícito respeitar a força lera
pèutica de uma descrição icnomenológica: todavia, tal descrição não pode ser
fundamentada, A fenomcnoiogia reduz o existente a normas, onde a consciência
opera transcendentalmente; utilizando uma Linguagem kantiana. ela descreve leis
da razão pura. não descreve normas de uma legislação universal, onde opera a
razão prática, base para orientação de uma vontade livre. Por que Husserl pre
tende atribuir à fenomenolorja como teoria pura, uma eficiência prática? I-lle 1«
bora cm erro, porque mio trabalha as conexões estabelecidas pelo positivismo, crt
tiçadas com inteira justiça. com uma ontologia vinculada ao conceito tradicional
de teoria.
ilusserl critica o objetivism» que apresente a ciência como um em si Jàituzl
estruturado conforme leis: no entanto, mascara u constituição destes fatos, não
elevando ao nível da consciência as conexões entre o conhecimento com o um
verso da vida prática. Na medida em que a lenomenologia não conscientiza, ela se
torna serva destes interesses; o título dc teoria pura, reivindicado pela ciência, jus
Lamente pertence à análise fenornenológiea. No especifico momento em que Hus
scrl desvincula o conhecimento dos interesses, alimenta uma expectativa de um
uivei de eficiência prática. O erro é palmar: a teoria, inserta na tradição clássica,
situava sv itclntíi Já vida. na medida em que procurava descobrir na ordem cós
mica uma conexão ideal do universo, c antes de mais nada, um protótipo dc
ordem no mundo humano. A rhcüria, restrita a cosmologia. era capa/ dc orientar
a ação humamu Kwsscrl. na medida cm que na sua lênomenologiu orienta num
sentido transcendental a antiga teoria privada dc seu conteúdo cosmolórjeo. eon
serva somente cm nível abstrato qualquer coisa próxima a um conhecimento teóri
co. A teoria 11a fenomcnologia husscrliuna, tem sentido na medida cm que apare
ce como uma força pseudononuativa que mistijtca r> interesse verdadeiro, Apesar
dc criticar a áutofeompreensão objctivisin da ciência. Ilusserl c vítima de um obje
livisnui de tipo diferente, inserido no cnncciui tradicional dc teoria.

IV

A tradição grega domesticou «> que aparecia inicial mente como obra da
divindade ou dc poderes supra-humanos. A filosofia grega interiorizou e sto
demônios. O processo dc purificação dos elementos uletivos t* emocionais presen
tes na pràxis humana sempre instável e movida por interesses, ê reduzido a uma
contemplação desinteressada, significando evidenteirjuiie emancipação. Pcsvin
cular o conhecimento do interesse não depura a leoríu do subjcítvisma, reduz o
sujeito a um processo de purificação estática das paixões. 0 falo de a catarse nâo
se efetuar no âmbito do culto aos mistérios, mas situ. de ter como centro de fixa
çào a vontade individual. indica o novo nível da emancipação. Nu contexto eomu-
C O N H E C IM E N T O E IN T E R E S S E 305

n]cativo da pó lis a indtviduação Uo singular progrediu de tal forma que ít iücnti


dade do Eií isolado como invarianle pode ser concebida cm conexão com o pro
cesso formativo das leis abstratas da ardem cósmica. A consciência emancipada
das potências formai ívíis encontra sei; ponto dc fixação na unidade de um k ó s tn o s
fedia do cm si mesmo c rua identidade do Ser imutável. Ao mesmo tempo. a teoria
confirmava a existência de um mundo liberto dos demônios, graças ã disttliçuu
antológica, Contempornneamen te, .1 aparência de uma teoria pura impedia 0
rutraccpso a um nível já superado. Sé fosse admitido o ponto de vista segundo n
qual a identidade do puro Ser nada mais c do que uma aparência objetivizada, ã
identidade do í: u n.ão podería definir-se naquela base.
Porem, os dois momentos centrais do pensamento grego, n fios:ura icõrica e
oncnlógica fundamental dc um universo estruturado cm si tnesmo. ressurgem
numa rchiçâu não admitida por muitos: a conexão conhecimento c interesse. Vol
temos :i crítica husserlhma n respeito do ubjetivigmo da ciência; porém.o motivo
básico volta-se contra Htisserl. Não admitimos que entre conhecimento e interesse
exista uma relação não admitida como La). porque a ciência se afastara do Cürl
cdtü clássico de teoria, mas sim. porque d a não se libertara total mente do
mesmo, A süspeiçâo do objetivísmo permanece justameme devido ri aparênçiü
onlúiópca d& utm tivria para. que as ciências enganosamente Lcm sempre em
comum com a Lradição apôs ter etiminado gs dementeis jbrrmtivòs.
Junto com Husserl definíinos como objeiivismo o estabelecimento dc uma
conexão ingênua entre enunciados teóricos e dados futuais. Isso supõe como algo
cru si. essencial, n relação entre grandezas empíriess representadas na forma dc
proposições teóricas; ao mesmo u-tnpo, perde de vista t> âmbito iramcetulental
responsável pdji formação do sentido destas proposições. Elas sào compreendidas
na medida cm que são rcUidónadas a um sistema dc referência situado apriorísti
ca mente onde a aparência ubjetivísia c diluída, mediante a emergência visível dc
um interesse condutor tio processo dc conhecimento.
í- possível definirmos uma conexão especifica entre regras, lógico-mate­
máticas c o interesse como guia do conhecimento. no âmbito dc ires. categorias du
processo dc pesquisa. G>ns.liuti tarefa dc uma teoria critica da ciência desvineu
iada diis uporia.s Jo positivismo , { Np âmbito da visão empírica analítica da 01 cn
cia. introduz a teoria critica um interesse cognpscitivo tmnco; no âmbito da ciên
cia hisiú rico-hermenêutica, um interesse voltado á prática, e. nev âmbito da ciência
orientada criticamente. um interesse cognoseittvo libertador, 0 que como já
havíamos visto jazia nos embriões da teoria tradicional. Explanarei mais
ampla mente este pomo de vism, caiando alguns exemplos.

Na c ie n c ia empírico d ttu íitica , o referencial que define o sentido de possível*,


proposições da ciência experimunutt define regras, seja pela construção dc teorias,
orientada criiicameiUC. um interesse cognoscitívo libertador, rt que como já

7 EriíÉ -.'aitüirttiu apunecé cnUncíntln jwr K O. \pvJ. "Uir hJTTfòUuug ürr sfreclituutlyvUsuhttn Philosopttil
unJ das fccbletn iki í icistwisy.nvebaftín" Ia M iÀ^ophíicim JaHrhitch, l X X II. Munique. pp JJy $s.
HAB ERM A S

seja por sua vcrifícabilidade critica.3 Enquanto teoria, è possível a submissão a


conexões hipoiú!ico-dedutivas tie proposições que, por sua vez. permitam derivar
leis hipotéticas com conteúdo empírico. Podem interpretar-se como enunciados a
respeito da covariância dc grandezas observáveis permitindo a formulação de
prognósticos. desde que existam condições iniciais básicas. Um possível conheci­
mento empírico analítico implica um conhecimento capaz dc previsão. Mas, o
sentido destas previsões, seu valor técnico, é resultante unicamente da regra, d e ­
mento de mediação entre a teoria e a realidade.
N a observação sujeita a controle que luma a forma de uni experimento, cria­
mos condições iniciais e efetuamos a medição do efeito da operação sujeita a tais
regras. 0 empirismo pretende ligar a aparência objeLivista às observações üxpres
sas nas proposições protocolares: tal processo pressupõe a existência dc um dado
evidcmtmurUe imediato, despido de conotações subjetivas. Na realidade, as
proposições protocolares não se constituem cm reproduções dos fatos em si. mas
aparecem curno expressão de sucesso ou não dc nossas operações. Poderemos
dizer que emergem descritiva mente dos fatos e de soas relações, nruiis tuL forma de
expressão não deve constituir w cm obstáculo a uma visualização, onde os latos
relevantes para a ciência experimental como La! consttutcm-se na base de uma
organização primeira de nossa experiência no âmbito funcional da açio
instrumental.
i ornados conjuníamcnle. os dois momentos, isto ê, n construção lógica do
sistema de proposições admitidas e õ tipo de condições dc verificabilidade. ííugc
rem a interpretação: a teoria da ciência experimental dissocia a relação existente
entre u realidade ç o interesse mediante uma ítçãõ racional que tem em vista as
consequências previsíveis. Nada mais c do que a determinação do interesse iiuc
lectual pelos recursos técnicos atuando sobre processos objetivados.
A ciência hhtórico hermenêutica produz ê conhecimento em outro quadro
metodológico. O sentido da validação das proposições não constitui o quadro de
referência dn atitude técnica. O plano da linguagem formalizada t o da expe­
riência objetivada ainda não são distintos, Nem a teoria é construída dedutiva
mente nem a experiência ê organizada tendo em vista o resultado da operação. 0
acessei aos fatos é dado através lia compreensão do Scniido. em lugar da observa
ção À vcrificabilidade sistemática das leis no quadro da ciência anaJmco em-
pírica contrapõe se a exegese dos textos. A regra da hermenêutica determina o
passível sentido do enunciado nas ciências do espirito.*
O historicismo operou a junção da aparência objetivadn da teoria pura à
compreensão do sentido, onde o fato espiritual deveria aparecer como um dado
evidente. Consiste numa operação onde u intérprete assume o sentido do universo
ou da linguagem de um texto qualquer que dc vez cm ve? deriva seu sentido pró
prio. Mesmo assim, neste caso, os íitLos constiiuem-sç em relação aos. critérios
existentes para sua constatação. Com o a autocomprecnsco positivístiea nãu assit-8

8 e t K, Popiw, <7fe Lttfnr o: ScJvmffiC Ittw u v m '. HuíChiitsna. I.isndres, 1059. f itiíu cr :s:im “ A iih Ijiüw Iu '
Wtssenscfaallsjiistrie ijnij DralebiiX."
6 Nesta parte, acompanho a pesquisa c&nutda, por U .G Dagm^r. W w kiit usui MeikuiW Muhi, Tèhíitjsen,
lítii- 2.* parte,
C O N H E C IM E N T O E IN T E R E S S E 307

me em si explicitgmente a relação existente entre a medição e o controle do resul


lado, suprimindo ainda a compreensão inicial do intêrpiete, onde o saber herme­
nêutico aparece coma mediação. O mundo cio sentido é abe nu ao interprete
somente na medida em que. ao mesmo tempo, p roble matiza seu próprio universo.
Q hermeneula estabelece uma comunicação emre dois universos: recolhe o eon
l.eúdo objetivo do objeto. aplicando a tradição a si c ã sua própria situação.
Porém, se a regra metodológica une esc lai forma a exegese e a aplicação,
cabe esla interpretação: a pesquisa hermenêutica analisa os dados tle realidade,
tendo como ponto dc partida a manutenção e extensão da iíltersübjetividade de
uma intenção possível como núcleo orientador da ação. Por sua estrutura, a
compreensão do Sentido orienta-se para um consenso possível do Sü pciLO agente nu
quadro ittltOcnntprccnsívo. Enquanto o técnico postulo o interesse prático. Lendo
em vista o conhecimento.
A ciência sistemática da ação social, seja econômica, sociológica ou política,
tem como finalidade a produção de um saber nomalógiCO* próximo ã ciência siaiu
ral empmco-anaJitiea, 0 Mas. a ciência soei iaI critica nàú pode conlcntar-sc com
ifoo. Eia procura um nível dccontrole quando a proposição teórica formula regu
Earidadcs invariáveis da ação social em geral, com a existência dc relações de
dependência ideologicamente rígidas, porém mutáveis. Na medida cm que i$»<? w
dà, a critica da ideologia como a psicanálise partem de informações a respeito de
relações normativas que desencadeiam um processo reflexivo na consciência, do
Sujeito, de tal forma que o uivei dc consciência não submetido á reflexão,que p ar­
ticipa das condições iniciais dessas lei?, possa sofrer modificação. Um saber
ndmológico criticam ente medí ato pode ser portador dc urna reflexão que. se nào
ocasiona a perda dc vigor d;a lei, pelo menos Püde suspender sua aplicação,
O quadro metodológico que define o sentido du validade desia categoria Jç
prupu.siçücs criticas tem cumu critério o concdio de auto reflexão. A autivrc-
fiçxíto liberta o sujeito tíe poderes hipostm iados c por sua vez define um conhçej
mento libertador, A ciência orientada criiicumentc tem este demento em comum
com b filosofia.
EiU rcU nlo, n;t medida cm que a filosofia permaneça prisioneira da ontologia,
ela própria é vitima de um objoiivismo que deforma a relaçãu existente enite o
conhecimento e o interesse vinculado â libertação. Somenie quando investe Contra
a aparência de pura teoria em si. a crítica dirigida contra o ubjetivismo da ciência
tem condições dc lib e r t a r a da dependência admitida até então, atingindo o jtiaius
que cm vão pretende para si como unrta filosofia aparentemente despida dc
pressupostos.11

VI

Ü conceito do interesso como guia do conhecimento implica os. doís tnomen


cos formxttivos: conhecimento e interesse. Trata-se agora de esclarecer suas cone-

EL. Tupiisdi fure4inuBtk»r'l, Lüjiik <ks>S 0 ila M m w e 6 a ftfn , Kiqienhruvr & Wksch. Colàitw. [965.
1 Th, W. AJíi rno. Zur Sfatakriük áur Erkm nitm lkw fh', Sanrp.nri. I 95í
30K HÀBERM AS

xòcs mútuas. Conforme nossa experiência cotidiana o demonstra. as idéias servem


muitas vezes comó esquemas justificativos de açòes. sem ccr em conta os dados de
realidade, seus móveis reais. No nívei individual, este processo chama-se raciona­
lização; no nível dn ação coletiva, denomina sc ideologia. Nos dois casos, 0 con­
teúdo manifesto das proposições ê falsificado por outro conteúdo latente refle
lindo os interesses de uma consciência aparentemente autônoma. A disciplina do
pensamento sistematicamente elaborado ate agora tentou eliminar tais interesses
subjacentes ao processo cognoscilivo. Nas ciências, cm geral, formularam-se roti
rtas preventivas com a finalidade dc controlar a opinião subjetiva. Reagindo ao
influxo incon trotado dos interesses radicalmente definidos, que dependem menos
do indivíduo e mais umplamuntc da situação objetiva dos grupos sociais, emergiu
uma nova disciplina, a sociologia do cotlbedmento. Porém, este é apenas um
aspecto da questão. Enquanto a ciência* cm primeiro lugar, deve defender o tiível
de objetividade dc stias formulações contra a pressão dos interesses particulares,
cngana-sc quanto ao interesse fundamental, que se constitui não somente na razão
do impulso, mas também na condição de uma objetividade possível.
A orientação em direção à manipulação tecnológica extensivamente utilr
zada na vida prática como um demento emaneipâlório da COirção naturalista, de
fine uma postura específica, segundo a qual somente podemos apreender a rcali
dade como urn dado. Na medida em que tornamos consciente a impossibilidade
de superação deste limite, graças a nós temos um fragmento da natureza conquis
lado. lendo cm vista a autonomia da natureza, Se a consciência pudesse ver erili
eamente seu interesse inato, fa Io iu mediante a compreensão de que a mediação
entre sujeito e objeto, que a consciência filosófica atribui ã própria síntese, consti­
tui sc iniciulmente por ação e obra do interesse. Na reflexão pode o espírito tomar
consciência desta hnse natural, porém, a furçtt do interesse penetra no núcleo lógi
üü da pesquisa.
A descrição ou a reprodução estão ligadas a critérios. Á escolha destes crité
rios exige um nível crítico, uma superação crítica por mediação dc argumentos,
dados que não podem ser deduz.idos logicamente nem demonstrados empírica
mente. Decisões metodológicas no nível dos princípios, como distinções básicas,
quais sejam, entre o ser catcgorial e n não calego ria I. entre proposições analíticos
e sintéticas, entre conteúdo descritivo c emotivo. possuem a peculiar caracte­
rística de não serem arbitrárias ou cogentes.12 Cias demonstram uivei de adequa
ção ou inadequação. Entretanto, especulamos a respeito da necessidade mcUiió
gica do interesse, difícil de scr estabelecida ou reproduz ida. porém passível dc
realização. Daí. minha primeira tese define: O sujem* transcendental tem seu fun­
damento na história natural do gênero humano.
Tomada cm si mesma, esta tese poderá levar a crer que a razão humarta seja
um órgão adaptaLívo. como o é 0 dente do animal. Riu o ê certa mente. Porém, í>
ulteresse específico da história natural, problematízado por aqueles interessados
no processo do conhecimento, origina se ao mesmo tempo du natureza e da ruptu-

'■* M. W.Hir,-. T t f w a r .L t ir r m w f t iu F h U o w p h y , Hüfvaril Univtrsuy Press. Cainbhdjfr. IVSn.


C O N H E C IM E N T O E IN T E R E S S E

ra mUuta! com ;e mesma. Ao mesmo tempo em que ocorre a recepção u afirmação


do impulso natural, se dá u processo de libertação cia coação da natureza. No
inLeresse da autoc o nservação, na medida em que conserva a aparência de natural,
corresponde um sistema social que compensa as deficiências da capacidade orgâ­
nica do homem, garantindo lhe uma existência histórica ante as ameaças externas
da natureza. Porém, a sociedade nào xe esgota num mero sistema destinado à
autoconservaçâo, A natureza presente nu indivíduo, na forma de libido. desvincu­
la-se do âmbito Funcionai da aütoconacrvnçào orientando sc para fins sociais. O
sistema social é o agente desta mudança fundada em interesses individuais que,
cm nível íiprjnrístico. nao se situam harmonicamcnte com os requisitos da auto-
conservaçao coletiva. O s processos cognoscitivos ligados visceralmncte ao pro
cesso de socialização não se esgotam na mera reprodução da vida, pelo contrário,
contribuem para determina 1a pnr sua vez.. A sobrevivência pura c simples carrega
em si uma grandeza histórica: seu critério é determinado pela valorização de vida
hoa , operada poi mediação da consciènety social. Minha segunda te.se rimcíica-
metltc define o conhecimento eonu? instrumento da autoconscrvação, porém
transcendendo a mera auiocomervação.
O s pontos de vista específicos. mediante os quais concebo Rios a realidade dc
forma transcondoma]mente necessária, definem três possíveis categorias de saber:
a informação, que amplia nosso poder dc manipulação técnica; a interpretação,
que possibilita urna lorma de orientação da açào: e ti análise, que liberta a cons
ciência da dependência de poderes hipusinsiados. Tais pontos dc vista emergem
ligados a determinados meios do processo cie xoeiaii/açào: trabalho, linguagem e
poder. A espécie luimana assegura sua própria existência num sistema dc trabalho
social y dc auto afirmação violentai a espécie humana herda por mediação da Ira
díção fttrmns de vida, comunica-sc por intermédio da linguagem coloquial; asse
cura u Identificação do indivíduo üm reluçSo às normas grupais, mediante a iden
cidudc do Ego Desta maneira, o interesse, guia do conhecimento, determina a
função du ligo no seu processo adapialivo às condições externas de existência que
permeia sua formação no contexto comunicativo da vida social, construindo uma
identidade oriunda do conflito entre as pretensões impulsivas e a coerçàc» do
social. I ais pretensões são sublimadas na força, produtiva acumulada de uma
sociedade, na tradição cultural com que uma sociedade se autodkTine e nas formas
de legitimidade aceitas ou rejeitadas pela própria sociedade. Minha terceira tese
reza assim : Os interesses orientadores do conhecimento formam-se por mediação
do trabalho, tío tingttãgem e do domínio.
Por outro lado, a constelação dc conhecimento e miercsse nao opera da
mesma forma em todas as categorias. L certo que a autonomia sem pressupostos,
na qual o conhecimento apreende ts real idade somente no nível teórico, pode
vincular se a interesses alheios ao conhecimento, c neste nível, surge como
aparência. Porém, o espírito pode abordar as conexões fundadas em interesses que
no seu nascedouro anulam o sujeito e o objeto, reduzidos a mera reflexão. Esta
pode compreender us situasses de interesse, embora não possa aboli-las.
O interesse voltado à cmancipaçà-o não é uma intuição vaga. pode ser reco-
3tO H à BERM A S

rtheddo a priori. Distingue se este interesse tia natureza mediante um dado fatuaL
0 único possível de conhecimento por sua própria natureza: a linguagem. A eman­
cipação c colocada por nós com sua estrutura. A primeira proposição expressa
inequivocamente a intenção de um consenso universal e não a simples imposição.
No plario da tradição filosófica, a idéia da emancipação k a única passível de
realização Daí compreendermos u razão mediante a qual o idealismo alemão uti­
liza o conceito "razão compreendendo o momento, a vontade e o conhecimento,
recurso este não obsolctizatfo total mente. A razão significava, antes de
mais nada. querer a razão. Na auto reflexão, o conhecimento por amor ao confie
cimento aparece coincidentemente com o interesse na emancipação. O interesse
cognitivo na emancipação aparece corno a realização do processo reflexivo. Dai
minha quarta tese: Conhecimento e interesse identificam ve na força reflexiva.
É lógico que o processo de comunicação só pode realizar se plenamente
numa sociedade emancipada, que propicie as condições para que seus membros
atinjam a maturidade. criando possibilidades para a existência de um modelo dc
identidade do Ego formado na reciprocidade c na idéia de um verdadeiro consen
so. Neste aspecto, o nível de veracidade das proposições lunda-sc numa antecipa­
ção rdauvamente ao existencial. A aparência ontofógien de uma leoria pura, na
qual aparecem mistificados os interesses orientadores do conhecimento, reforça a
noção dc que o diálogo socrático sçj;i possível uni versa Irrcnic c a qualquer
momento. A filosofia supôs que o processo emttncipatório desencadeado pela
estrutura da linguagem fosse não somente antecipado, mas sim. um dado de renll
dade. Isso é característico da teoria puni. que procura derivar w real dc si mesma,
porém, na realidade, vinculada ao exterior c transformada cm ideologia, Somente
quando a filosofia descobre nn curso dialético dn história os traços da violência
deformam es de um dialogo continuam ente tentado, leva avante o progresso ck> gé
nero humano rumo n emancipação. Com o quinta tese proporei esta afirmação: A
unidade do conhecimento com o interesse verifica -se numa dialética que recons
trua o elemento reprimida a partir dos traços históricos do diálogo proibido.
A aparência dc uma teoria pur:i foi o legado que as ciências humanas herda
ram da filosofia. Ela não determina sua técnica de pesquisa, mas sim. sua
auEOComprccnsào. Na medida cm que retro age sobre a prática científica cia
encontra um sentido.
Constitui ponto de partida fundamental para a ciência a aplicação de seus.
métodos sem hesitação, sem reflexão acerca dos interesses que determinam o
conhecimento. Cultivando a ignorância metodológica, a ciência cultiva utn alto
nível de certeza referente ao progresso metodológico operado num quadro não
pro b1cm at azado, A falsa consciência tem uma função dc proteção. No plano dc
auto-reflexâo. falecem á ciência recursos para enfrentar os riscos de uma aborda­
gem que vincule conhecimento a interesse. O fascismo podaria produzir o aborto
dc umn física nacional, o stalinismo. de urna genética sóvjêtico-marxisia, eis que
faltava o elemento objetivo na aparência, que tivesse um efeito imunlzador ame os
encantas perigosos de uma reflexão desviada.
Porém, o elogio do objetivismo tem suas limitações; Husscrí, com muita
C O N H E C I M E N T O E IN T E R E SSE ill

razão o criticou. embora nào utilizasse tnôios adequados. A aparência objciivi


zada sofre urna transmutação no nível ideológico-afirmatívo, á necessidade do
que c ineiodaiogicameme incognoseívcl Lmnsparece na Jubin virtude Je uma
declaração de fc dem ificísantc, O Objeiivismo não impede a ciência de penetrar
na práxis da vida. to m o achava Ilusserl. O processo se dá irUegradamente. I oda
via. não $c realiza um nível de eficiência prática no sentido de uma crescente
racionalidade da ação.
Por outro Indo, uma autodompreensaa positivista da ciência no mo lógica
desenvolve a tendência á subSLiUrição da ação racional pela técnica. À técnica
atua como guia central da valorização da informação produzida pela ciência
empírica, partindo do pomo de vista ilusório de qué a área da ação prática, onde
se dã □ processo histórico, possa ser reconduzida a mampuiação técnica sobre
processos objetivados. Igual mente, a autocompreensão objctiviSta da ciência
hermenêutica implica consequências, O conhecimento produzido por urna tradi
cão operatõria ê transformado num saber esterilizado que transforma a história
ruim museu. No aspecto prático, a cicrteia hermenêutica c a ciência nomológica
coincidem num ponto básico: numa orientação objeti vista, onde a teoria ç mera
reprodutor a dos fatos. Enquanto estes tornam arbitrário o contexto da tradição,
elas eliminam a práxis dã vida social, redefinindo a história exdusivamcnte no
ãnibilo funcional de u m ação instrumental. Os íins racionalcnenie perseguidos
pelo sujeito agente subordinam-se neste contexto á obscuro dveisionismo que
opera no âmbito de valores rcifieados e potencial idades de fé inescrtiiâveis,13
Enquanto a antiga filosofia possui uma postura objetivista ante a história, emerge
a positivismo reclamando uma volta a Augusto Comtc. Isso se dá quando a cri
tica renega acrítícamcmç a vinculação de conhecimento com ô interesse cognitivo
orientado á emancipação, postulando :i çxístcncia de uma teoria pura, Tal crítica
eufórica projeta o processo incerto <j flutuante do desenvolvimento do gênero hu
mano no âmbito de uma filosofia cin história dogmaticamente concebida, que prç
tefide dirigir a ação. t luta fth m jia que renega a história c a outra face da áeemo
nismo estcrflizador! a divisão imposta burocraticu mente caminha junto ò nvutntfi*
dade axtpló0cc eniénilida erroneamente como um processo contempietiro,
Uma crítica que pretenda destruir a aparência objeitvista deve reagir contra
esta consequência prática de uma consciência tiirmuda, deniificizada do processo
científico.14 O objetivismo não sçrá vencido pela força dc uma ihcoría renovada

14 Ç I. meu «lüftso "D opialisiM M , Vçtnuuft und Fncsçliéitliant'" in J'fm.irê atui frarh. p. 241. Ncnwicd, Brr-
lim, 1963,
11 tl. .Vfílccusé an 4 í» 55rn ertt -.aa ohm One Dimensionai Afan jwrrpiv. implíciu*. num» redução da n ? .jo
.‘i radm utidíulr tccalcn e num» reduçtlo Ju social a wnftipBiaçikj (« a d ip ic u iini outro « n u m a H dm n
Sefokkv formula kkuJiCu dupntraieo. U Interiirm cntui Vlffcl c ã di/Jiçiio científica pm tüw.iida, xtf fiSlh
luiii siifflâ « em upiwçn: a .■ ■ ífs.iw dn CTVolvirtiwUá tmnuno somou u nn ambíCi." ifc cupe* cm urna?, qut
mudam o amhierm» nivclaruln COIS&S ü linmens no âmbuo inbjcuvado da ação con^.iiiutivu. livU nova amo
ftllfifiaçàii do homem. (Wí pude Icvú lo á ivnbi õn noto idçfltnlmlr e iM rcconlieciimjino dt> "a u iftj". eomlllu*
c« l>i-i ii*ii onda v criudoc *.r seni* na ?.tin |wr>(iri,-| obra. o cotutiultir. c a .o j jo n .iruçjo. O *cril?4tldrp homem
um him pí n i runacendcr-sc na objclivação que ele proprlo ruBdiiiia, úum >.ur «msiruídeu eniTetwitn, i>te ira
bulha incessíintcflictiic no Ucsoiw lvinicuiu deste processa de autonhjdtvação ciau ífiea". EimamÁvis um!
pri/ffrelt. Ro^óíiU. Hamburgn, KJftl. p 7^)
M2 H A BER M A S

como pensava ilusoriamentc Husserl. porém, pela demonstração da conexão entre


conhecimento e interesse. A intuição segundo a qual o nível de veracidade das
proposições, em última instância, se ligam às intencional idades da vida real pode
ser verificada mediante a decadência da ontologia. Esta filosofia mantem se como
uma área específica em rdaçào à ciência, longe do alcance da consciência colctí
va. e sobrevive na antocompreensão positivista da ciência como herdeira de uma
tradição da qual separou-se criticam cri te.
T É C N IC A E C IÊ N C IA E N Q U A N T O " ID E O L O G IA "

Para os, 7(t anns de Hcrberi More use. rin dia 10 V II !96S

Max Wcber introduziu o conceito de "racionalidade" a fim de determ inar


a forma da atividade econômica capitalista, das relações dc direito privado bür
guesas e da dominação burocrática. Racionalização quer dizer, antes de mais
naiLa. ampliação dos seUires sociais submetido* a padrões dc decisão racional.
A isso corresponde a industrialização do trabalho social, com a conseqiiència
de que os padrões de ação instrumental penetram também em outros domínios
da vida (urbani/açào dos modos de viver, teenicizaçuo dos transportes e da comu
nicação). Trata-se. cm ambos os casos, da propagação do tipo do agir racional

entre alternativas, À plamficaçáo pode final mciHe ser concebida como um agir
racional com-respcito-aTins. de segundo grini: ela se dirige pam u instalação,
para o aperfeiçoamento ou para a amplicaçâo do próprio sistema do agir racto
nal com-respeito-a-fim. A “ ractonali/.açào" progressiva da sociedade eslá ligada
à institucionalização do progresso cientifico e técnico. Na medida em que a lêc
nica c a ciência penetram os setores institucionais üu sociedade, transformando
por esse meio as própria* instituições, as amigas legitimaçâes sc desmontam. Sc
cuLirização c “ dcsenfieitiçniiicnto" das imagens do mundo que orientam o agir.
e de toda a tradição cultural, sào a contrapartida de uma “ racionalidade' cres
CérUe do agir social.

Merbéri More use partiu dessa análise para mosimr que o conceito Ibrmal de
racionalidade — que Max Wcber tirou do agir racional com respeito a fins do
empresário capitalista e do trabalhador industrial assalariado, do agir racional
com-respeito-a-fins da pessoa jurídica abstrata e do funcionário administrativo
moderno c que ligou aos critérios u m o da ciência como da técnica — tem implí
cações materiais determinadas. Mareuse está convencido de que, no processo que
Max Weber chamou de "racionalização". dissemina-se não n racionalidade como
tal, mas, etn seu nome, uma determinada forma inconfessada de dominação poli
tica. Visto que se estende ã escolha correta írslre estratégias, ao emprego ade
quatlo de tecnologias v ú organização de sisLemas de acordo com fins (no caso,
com objetivos estabelecidos em situações dadas), essa espécie de racionalidade

* rraáitfijo ütj original alemão: Taiimi; und Wi^sensclisJt ais 'idtxilogjc"', na otira homónime. Frwit
furi :irri XíhIn. fífilf, Suhrkaii!|i Vcrlag, pf1 4BHX5.
M4 HAB ERM AS

subtrai ã reflexão a contextura de interesses globais da sociedade ao serem


escolhidas as estratégias, empregadas as tecnologias c organizados os sistemas
— , furtando a a uma reconstrução racional. Além disso, aquela racionalidade
se estende apenas às relações que podem ser manipuladas tecnicamente e, por
isso. exige um tipo de agir que implica na dominação, quer sobre i\ natureza,
quer sobre a sociedade. O agir racional com-respeiio-a-fins è, segundo sua estru­
tura, o exercício do controle Por isso. a Mracionalização" dc relações da vida
segundo padrões dessa racionalidade significa o mesmo que a institucionalização
de uma dominação que se torna irreconhecível enquanto política: a razão técnica
dc um sistema social de agir racional-com respeito a fins não perde seu conteúdo
político. A crítica de Marcuse a Max Wehcr chega à seguinte conclusão: "'Talvez
0 próprio concetlo dc razão técnica seja uma ideologia. Não apenas a sua aplica
çâo. mas já a própria técnica ê dominação (sobre n natureza e sobre o homem),
dominação metódica, científica, calculada e calculadora. Não é apenas dc ma
neira acessória, a partir do exterior, que são impOKtos à técnica fins e interesses
determinados — d o já intervém na própria construção do aparato técnico: a
técnica c sempre um projeto (Projoki) histórico social; nda é projetado (Projck
tierí) aquilo que a sociedade c os interesses que u dominam tencionam fazer com
o homem e com as coisas. Tal objetivo da dominação é ‘ material' c. nessa medida,
pertence à própria forma da razão técn ica.1
Já cm 1950. Marcuse, num contexto loiatmcntc diferente, apontou para um
fenômeno peculiar, o de que a dominação nas sociedades capitalistas industria)
mente desenvolvidas tende a perder u seu caráter explorador e opressivo e a for
nar-$C “ racional", sem que com isto a dominação política desapareça: "'a domina
çito só continuíi ti depender d» capacidade e do interesse dc manter e ampliar
o aparato como um iodo'1 •' À racionalidade da dominação sc mede peln má nu
letiçãu de um sistema que pode se dar á liberdade dc fazer do crescimento das
forças produtivas ligadas ao progresso técnico científico o fundamento da sua
legitimação, embora, por out ro lado. o nível das Forças produtivas designe justa
mente também o potencial que. tomado como medida, faz com que as privações
c ônus impostos aos indivíduos pareçam cada vez mais desnecessários c irracio
naiü.3 Marcuse pretende reconhecer a repressão objetivamerite supérflua na “ sub
missão cada vez mais intensa dos indivíduos ao monstruoso aparato de produção
c de distribuição, na d es privatização do tempo livre, na quase mdíferenciavel fu­
são do trabalho social construtivo e destrutivo". Mas, parado xalmenie. essa
repressão pode desaparecer ria consciência do povo, pois a legitimação du domi
nação assumiu um novo caráter: qual seja, o da referência ã ‘"sempre crescente
produtividade c domínio da natureza, que no mesmo icnipo provê o sustento dos
indivíduos, dando lhes urna vida cada vez num confortãver.

1 pFuitmrKiJiaicruiiE unü ívapiiítliSriíu£ im West Max Wi4vi-", !it K l s l t u r mui Üesettschiffi lí. FráttJtfurPM.


' Triabieliri' m*lirsiiisU. «i Frêmito i/wG ^ tw a n , Franti*. Bckr l . Sík .. KiI. 6, 1457.
1 ü f eu.. ji 403 ,
T É C N IC A E C IÊ N C IA EN Q U A N T O “ID E O L O G IA ” 315

O crescimento das forças produtivas institucionalizado com o progresso téc­


nico-científico rompe com iodas as proporções históricas. F isso que dá ao qua­
dro institucional sua chance de legitimação. A idéia de qui* as relações dc produ
ção possam sçr medidas pelo potencial das forças produtivas desenvolvidas c
descartada pelo fato de que as relações de produção existentes se apresentam
como a forma deorganização tecnicamente necessária de uma sociedade raciona
lizada. A "racionalidade" no sentido dc Max Weber rcvcEa ás suas duas faces:
ela não é mais somente um padrão dc criticn para n nível das forças produtivas,
diante do qual a repressão objetivamente supérflua das relações de produção his.
to ricamente caducas pode ser desmascarada, mas d a é no mesmo tempo um pa­
drão apologético pelo qual essas mesmas relações dc produção podem ser ainda
justificadas como um quadro institucional funcional mente adequado, Na verdade,
com respeito à sua utilidade apologética, a "racionalidade" enquanto padrão dc
crítica perde a sua força incisiva e é rebaixada a corretivo dentro do sistema:
o que então se pode dizer ainda è. cm iodo caso. que a sociedade está "mal pro­
gramada” . Ao nível do seu desenvolvimento técnico científico, as forças produli
vas parecem portanto entrar numa nova constelação com as relações de produ
çào: cias agora não mais funcionam como fundamento da critica das legitimações
em vigor para os fins de um Humanismo político, mas. cm vcv, disso, convertem se
elas próprias no fundamento dc legitimação. Isso c concebido por Mhrcuse como
uma no' idade na história mundial.
Mas, se è assim que as coisas sc comportam, será que a racionalidade, que
se encontra incorporada nus sistemas do agir racional-com-respeito ti fins. não
deve cnião *er compreendida como uma racionalidade que sofreu uma especifica
restrição? Em vez de reduzir n racionalidade da ciência c du lécnica u regras
ín variantes dã lógica c do agir controlado pelo sucesso, nâo seria preferível pensar
que ela absorveu em si um a priorí material, surgido historicamente c portanto
perecível? Mnrcu.sc responde afirmaiivamcmc a essa questão: "O s princípios da
ciência moderna foram estruturados a priori de modo a poderem servir dc irtstru
mentos conceituai:* para um universo de com role produtivo qtu- *e perfaz automa
ticamente; o operacionalisrno teórico passou a corresponder ao operacionalismo
prático. O método científico que levou ã dominação cada vez mais eficaz Ju natu
reza, passou assim a fornecer tanto os conceitos puros, como os instrumentos
para st dominação cada vez mal** eficaz tio homem pelo homem «rruvó da domi­
nação da natureza . . . . I Hoje a dominação se perpetua e se estende não apenas
iiirnvês. da tecnologia, mas enquanto tecnologia, e esut garante a formidável legui
maçuo do poder poliLico em expansão que absorve todas as esferas da c u lu ra .
— Nesse universo a tecnologia prove também a formidável racionalização da
não liberdade do homem e demonstra a impossibilidade "técnica" dc ser cie auto
nomo c de determinar a sua própria vida Isso porque essa não-liberdade aparece,
nào como irracional ou política, mas antes corno uma submissão ao aparato téc­
nico que amplia as comodidades da vida e aumenta a produtividade du trabalho.
Assim y racionalidade tecnológica protege, cm vez de suprimir, a legitimidade
3 u> H A BER M A S

da dominação e o horizonte instrumentalista da razão se abre sobre uma socie­


dade racionai mente totalitária** 4
A “ racionalização*" de Max. W cbcr não é apenas um processo a longo prazo
de modificação das estruturai sociais, mas é at> mesmo tempo "racionalização*'
no scniido líc 1-reud: o verdadeiro motivo. ;i manuLençuo de uma dominação obje
tivamente caduca, è encoberto pela invocação dos imperativos técnicos. Essa in­
vocação só é possívd porque a racionalidade da ciência e da técnica jã é. de
modo imanaUe. uma racionalidade dc m anipulação. uma racionalidade dc do mi
nação.
Marcuse deve essa concepção de que u racionalidade da ciência moderna
ê uma íòrm.ição histórica tanlo ao ensaio de Husscrl sobre a crise da ciência
européia, como á destruição hrideggcrjana d® metafísica ocidental. No contexto
materialista, foi Blocb que desenvolveu o ponto de vista segundo o qual a raciona
lídaüc da ciência desfigurada no capitalismo rüuha também, à técnica moderna,
u inocência dc uma pura lorça produtiva, Mas só Marcu.se faz do "conteúdo poli
liCO tia razão lèCnigíT o ponto de partida analítico para uma teoria da sociedade
capitalista em fase tardia. Desde que a sua pretensão era não só a de desenvolver
filosoficamente esse pomo de vista, mas também a de confirma lo pela análise
sociológica, as dificuldades da concepção podem ser evidenciadas. Gostaria de
indicar aqui apenas uma insegurança que .vurge na obra dc Marcusc.

II

Se o fenômeno ao qual Marcuse liga a sua analise da sociedade a saber,


a fusãn peculiar da técnica e da dominação, da racionalidade c da opressão -
não pudesse ser interprciado dc outro maneira :i não ser dizendo que no a p r i o r i
material da ciência c da técnica esconde se um projeto do mundo (HafíeniwtvyitrJ)
determinado pelo interesse dc classe e pela situação histórica — M are use Fala
cm projeto (Projvkt), filíando-se ao Sarfrc fenomenológico . eniào uma emanei
paçao não seria concebívet sem uma revolução na dêtICru e n:i técnica. E\m alguns
textos. Marcusc lem a tentação de seguir esai idéia de uma nova ciência ligada
à promissão, familiar à mística judaica c protexlame, dc urna ressurreição da
natureza decaída: um tópico que, como c sabido, entrou na filosofia dc Sehelling
(e de Baader) através do pictismo bávaro, que reaparece em Marx. nos Mamtacri
t o s dc Paus, determinando hoje as idéias eeu trais da filosofia de Bloch e, cm

sua lorma refletida* serve ainda de guia para as esperanças secretas dc Benjamim
H orkhdm cr c Adorno. Assim também Mrrreuse escreve: "'O ponto que estou ten
tandn mostrar é que a ciência, em virtude deseu própria mêwdv, e de seus concei­
tos, projetou e promoveu um universo no qual a dominação da natureza permane
Cvu vinculada à dominação do homem — um vinculo que tende a ter efeitos
Fatais para esse universo como um todo. \ natureza, cientificam taite

1 Dif *outitnemHMtak Mcnsch. N uiw jcA l lJ ü 7 , pp. | 7 2 mí. {IS do A l lCsiMc u n a UtLdUção bfôsilcjira de
Giaüoiic Kebuá. nitHiuada pela Zahar. I % 7 . sob o titulo dç Ideologia de Stid&lade I n d u s t r i a i
T É C N IC A E C IÊ N C IA EN Q U A N T O ‘ID E O L O G IA ’' 317

compreendida e dominada, reaparece no aparato lécrncn de produção e destruição


que mantém e aprimora a vida dos indivíduos, ao mesmo tempo que os subordina
aos senhores do aparato. Assim , a hierarquia racional se funde com a social.
Se esse for o caso. união uma mudança na direção do progresso, que pudesse
romper esse vínculo fatal, também afetaria a própria estrutura da ciência - - o
projeto cientifico. Sem perder o seu caráter racionai, suas hipóteses sc desenvolve­
ríam num contexto experimental essencial mente diferente (o de um mundo pacifi­
cado):, consequcnicmen ic . os conceitos de nalureza aos quais a ciência chegaria,
bem como os faias que viría a estabelecer, seriam essvnciatmçtítç diferentes ".5
De maneira consequente. Marcuse tem em vista não somente uma outra
construção de teorias, mas também uma metodologia da ciência que difere em
seus princípios. 0 quadro transcendental, no qual a natureza se tornaria objeto
de uma nova experiência, não seria mais a esfem dc funções do agir instrumental,
mas o ponto dc vista de uma possívd manipulação técnica cedería o seu lugar
a um tratamento que. com zelo e carinho, liberasse os potenciais da natureza:
“ h i duas espécies de dominação: uma repressiva c outra libertadora” . 6 Contra
isso c posstvd objetar que a ciência moderna sò podería ser concebida como
um projeto historicamente particular sc pelo menos u m projeto alternativo fosse
uonochíveh Além disso, uma nova ciência alternativa deveria irtduir a definição
dc li mu nova técnica, Por assa reflexão, a ilusão se desfaz., pois, mesmo que a
técnica remonte a um projeto, obvia mento d a só poderá ser remetida a um projeto
da espécie humana iro seu todo c não a algo que pode ser ultrapassado histórica
mente.
Arrutld C eh ler mostrou, du mun maneira que mg parccc conclusiva, que
«miele uma conexão ímanerite entre: a técnica que rtns ê conhecida e a estrutura
do agir racional*corrt respeito a fins, Sc compreendermos. ,i esfern de Itmçòcs do
agir controlado pelo sucesso como a unificação dn decisão racional c do agir
insirumental, poderemos então reconstruir a história da técnica, do pomo de vista
da objetivaçâo progressiva do agir racional com-respeito a fins. Km todo caso.
o desenvolvimento técnico xc ajusta ao modelo dc interpretação, dc acordo com
õ qual a espécie humana terio prnjer sido sobre o [-■Irínrs cJoxí meios técnicos. um
depois do outro, os eümjxmcntcs elementares da esfera dc funções do agir meio
nal com respeito a fins que. de início, sc lixara tio organismo humano . li
vrando-se ao mesmo tcntjio iE ís funções correspondentes,7 fim primeiro lugar,
são reforçadas e substituídas as funções do aparato de movimentoímãtf e pernas),
cm seguida a produção üc energia (do corpo humano), depois as funções lÍo apa

■“ f , 1/ ;ü . jip | 6Ú >,
1 üfi, vil„ p, 24V.
"fcU ;;i Ui :‘HuH. :i ... .lamUvi-i inlcrm- :•. ic.nic.i. ^r.r nruteSM: ^nc Curtir» Mm mdo. iifm Im hjliic-i. - da
vrvuüklc i Ui pin-. é iim s tíi q«e m rsvejsti, ( > - nd* ‘ pclw. cvi‘i|» i. pur a ^ i r' Jí" r. ou inruQUvuâiciiiv.
mio 1 --«ó'U stihüfkil On |mFrimíidju.t. •sUíii uir,n». nul;t ^ i's mijil.iciunjuL nãu pruk fciwi ncnl 1 . 1 1 1 1 Ui»uuvul
umençu i1lí itcnic.i que vã alcit tin r«nv íls msb completa .iLiiiHiiau/ac.i:', pois, min ê poMivcr inuie.11 iieiih...m
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rbr 1 odlmiL' m Twtmít; U» 7. liuStflr. I dfdt
31» HABERM AS

riito sensoria! (olho*. ouvidos, pele) e Imalmente as funções do centro de controle


(do cérebro)- Se nos dermos conta de que o desenvolvimento técnico obedece
a uma lógica que corresponde a estrutura do agir-racional-corn respeito-a -fins
e controlado pdo sucesso — e todavia isso quer dizer: a estrutura do irabalfío
— . então c difícil ver como poderiamos vir a renunciar á lècnieu. c precisamente
à nossa Léeniea em favor de uma técnica qualitativa mente outra, enquanto .1 orga
nizaçàd da natureza humana permanecer inalterada, enquanto, pois. tivermos que
sustentar a nossa vida polo trabalho social c com o auxílio dos meios que substi
tliem o trabalho.
Marcusc Lcm em mente uma atitude alternativa para com a natureza, mas
não è possível derivar dessa atitude a idéia de uma nova técnica. Em ver de
tratar a natureza como objeto passivo de uma possível manipulação técnica. po
demos dirigir no^ a cia como a um parceiro numa possível interação Ein vez.
da natureza explorada podemos ir em busca da natureza fraterna. At) nivel de
uma intcrsubjctividade ainda incompleta, podemos atribuir a subjetividade uos
animais, às plantas e até mesmo às pedras c comur, tear n o s com a ruiu reza. em
vez dé nos limitarmos, n trabalha ia. quebrando a comunicação. E a idéia de que
uma subjetividade tia natureza ainda a&i ilhoadü nào possa emergir antes de que
a comunicação entre os homens se torne livre, casa idéia - e isso é o mínimo
que dela se pode dizer continua a ter uma força de atração toda especial.
Só se os homens pudessem se comunicar sem coação c se cada homem pudesse
reconhecer se no ouiro. só então a espécie humana podería cvaiiualm ctue reco­
nhecer a natureza como um outro sujeito não u natureza como o seu Dutro.
como pretendia 0 idealismo, mas a si mesma como yen do o outro desse sujeito.
Com o quer que veja. as realizações da técnica, que como tais n©> são impres
cindíveis, decerto nào poderíam sei substituídas por uma natureza que começa
a abrir os olhos, A alternativa para u técnica existente, o projeto da natureza
enquanto parceira de jugo. aos invés de objeto, refere-se a uma estrutura alterna
ti Va do agir: .1 Imeraçâo simbolicamente mcdisituada. em oposição ao agir meio
nal-com respeito a-fins, Mas isso significa que os doi> projetos são projeções do
trabalho e do linguagem, projetos da espécie humana n o s e u t o d o e não de uma
época isolada, dc uma classe determinada, de uma situação que pode ser u(trapas
sada. (i làu precária a idéia de uma nova técnica quanto é precário pensar conse
qüentcmcnrç em uma nova ciência, caso a ciência deva significar, no nosso con­
texto. a ciência moderna comprometida com a atitude da possível manipulação
técnica: tanto para a sua função, como de resto para o progresso técnico eiemi
fico, não hà substituto que seja ' mais humano” .
O próprio Marcusc parece ter dúvidas sobre se tem semidn rdahvizar u ra
cionulidade da ciência c «Ia técnica a um "projeto'". Em muitos lugares do One D i
menxionaf Man. revolução significa de fato apenas uma modificação do quadro
institucional que não afeta as forças produtivas como tais. A estrutura do pro­
gresso técnico-cientifico seria eniào mantida, sendo alLcrados apenas os valores
que o dirigem, Valores novos se traduziríam em tarefas tecnicamente solúveis;
a novidade seria a direção desse progresso, mas 0 próprio padrão de racíonali ■
dade permanecería inalterado: “ A Lécniea. como universo de instrumentos, pode
T É C N IC A e c iê n c ia e n q u a n t o -id e o l o g ia " 319

auraentar tanto a Fraqueza corno ü poder do homem. No estágio aluai, este se


apresenta talvez como mais impotente com relação ao seu aparato do que jam ais
0 fora antes.a
Essa proposição restabelece a inocência política das forças produtivas. Mar
ouse renova aqui apenas a determinação classiça da relação entre as Torças produ­
tivas e as rdaçòcs de produção. Mas ít nova constelação, a que ele gostaria de
caracterizar, nào fica com isso melhor caracterizada tio que com a afirmação
de que, quanto ao aspecto político, as lorças produtivas estão totalmeníe corrom ­
pidas. A racionalidade peculiar da ciência e da técnica que por um lado caracte­
riza um potencial crescente de forças produtivas em rfemãsia. ameaçando tanto
agora como antes o quadro institucional, e por outro lado fornece também o
padrão de legitimação das próprias rdaçòcs dc produção restritivas — a duplici­
dade dessa racionalidade nean é suficientemanc representada por uma historietza-
çào do conceito, nem pela volta ú concepção Ortodoxa, nem pelo modelo do pe­
cado originai, nem pela inocência do progresso técn ico científico, A mais sã hui
formulação do estado de coisas a ser compreendido parece me estar no seguinte;
"O tf priari tecnológico c um a priori política nu medida em que a transformação
da natureza envolve a do homem e na medida em que as ‘criações feitas pelo
ho menn' surgem dc um cnsctnble societal e nele reingressíinrt, É possível insistir
ainda qtte n maquinaria do universo tecnológico, 'como tal,* ê indiferente a fins
políticos pode revolucionar ou retardar uma sociedade. Um computador ele
irônico pode servir igualmCnle a uma administração capitalista ou a urun soe ia
lista; um cíclotron pode ser um irisrrumento tão eficiente pnra um partido b-elicistu
conip para um partido pacifista I I Contudo, tomando-se a formíi universal
de produção material, a técnica circunscreve toda uma cultura: ela projeta uma
totalidade histórica - um "mundo'".13
A dificuldade apenas abafada par YUrcuse, quando laia do teor politico da
razão técnica, 0 a ílc determinar categorial monte de maneira exata o que significa
o fíuo de que a forma racional da ciência c da técnica, ou soja. a racionalidade
incorporada nos sistemas d«> agir rucéonal com respeito aTIns venha a se expan
der, chegando a tornar se a forma de vida. "totalidade histórica” de um mundo
do,viver. Com a racionalização da sociedade. Max Wcbcr quis designar e oxplici
tar esse mesmo processa. Acho que nem Max Wcbcr nem Mârcusc conseguiu
fa/C Iu -satisfatoriamente. Por isso, gastaria de tentar reformular o conceito webe
rjano de racionalização dentro de um outro sistema dc referenda para. a partir
desse fundamento, examinar u ertiiúa de Mjirçusc n Mas Wcbcr, bem como u
íua tese J ü dupla função do progresso técnico-científico (enquanto força pradu
tiva e enquanto ideologia). Proponho um esquema dc interpretação que pode ser
apresentado no quadro Jc um ensaio sem que entretanto riclc possa ser seriamente
testado quanto à sua utilidade. Por isso, :is generalizações históricas servirão ape­
nas para clarificar a esquema; elas não podem substituir a interpretação d et a
Uiada.

r Her cíffiüfnensivnait! Moiscft, tJ „ p. 12+ti


b Úp di. pp. ISÃ*
m fctÀBERMAS

III

Com o conceito de racionalização. Max Weber tentou interpretar os reflexos


do progresso técnico-científico sobre o quadro institucional das sociedades envoE
vidas na “ modernização". Ele compartilha esse interesse com ioda a sociologia
mais antiga. S e js pares de conceitos giram iodos em tomo do mesmo problema,
a saber, o de reconstituir conceituai mente a mudança institucional forçada pela
extensão dos subsistem as do agir rácrcmJ-cdm-respeito a-fins, Status e conimro,
comunidade e sociedade, solidariedade mecânica u orgânica, grupos informais
c formais, relações primárias e secundárias, cultura c civilização, dbminaçao ira
dicional e burocrática, associação sacral e secular, sociedade militar c industrial,
estamento e classe, etc., sào tantos pares de conceitos quantas tentativas de Câfac
teridar a mudança dc estrutura do quadro institucional de uma sociedade rradido
nal em transição para uma sociedade modem a. Até mesmo o catálogo dc Parsons
das possíveis alternativas dc orientações valorativas pertence â serie dessas tenta­
tivas. embora isso não seja reconhecido por cie. Parsons pretende que a sua lista
expõe sistematicamente decisões entre orientações valorai ivas alternativas que do
vem. em qualquer ação ser tomadas pdo sujeito, sem que isso dependa do cem
texto particular cultural ou histórico. Contudo, se observarmos essa lista, difícil
menti.' deixaremos dc perceber a posição histórica da formulação dc questão
subjacente h sua lista. Os quatro pares alternativos dc orientação valorttltva.
afeiividade re rm v neutralidade afetivo
pttrticulnrísmo versus universalismo
atribuição versus desempenho
difusidade versus especificidade,

que pretendem esgotar todas a> possíveis decisões fundainemuLs. foram recorta

desempenho individual c o domínio ativo, e finalmentc para as relações espccífí

a fin s . cm lugar das orientações opostas


Para dar uma nova formulação áqutlo que Max Weber chamou de "raciona
lizaçâo” . gostaria de não me ater ao ponto de partida subjetiva que Parsotis com ­
partilha cum Weber. c de propor um Outro quadro categoria!. Partirei Ja distinção
fundamental entre trubalhu c interação. 10
Entendo por "trabalho” , ou agir radonal com respeito afins, seja o agir ins
trumental, seja a escolha racional, soja a combinação dos dais. O agir instrumen

'• Para o cuntexto tiBiíXicn-filosôBcn desses conceitos, veja a minha contribuiçâa |ww m coletânea em
hunicnn^cin a'Lgw llh.‘*Arbcit und fatm ktion, Bím trki^gajj zu Hepcis Jenenier Pl>ilosvphiu día C fflW ’.
T É C N IC A L- C iÊ N C IÁ EN Q U A N TO “ ID E O L O G IA ” 321

tal rege se por rcg ru i, técnicas baseadas no saber empírico. E las implicam, em
coda caso. prognósticos condicionais sobre acontecimentos observáveis, físicos
ou sociais: esses prognósticos podem se evidenciar cumu ecirreios c»u como falsos,
O comportamento de escolha racional é regulo por estratégias baseadas no saber
analítico, Elas implicam derivações a partir de regras de preferência (sistemas
de valores} e de máximas universais: essas proposições são derivadas correta ou
incorreiamentç. Q íiair racional eom-respeito^a-fins realiza objetivos definidos em
condições dadas: mas. ao passo que o n.g.ir instrumental organiza os meios ade
quados ou inadequados segundo os critérios de uni controle eficaz díi realidade,
o agir estratégico só depende dc uma avaliação correta das possíveis alternativas
dü comportamento, que resulta exclusivameruc de uma dedução feita com o a u x í­
lio dc valores c dc mã.\sma.s.
Por outro lado. entendo por agir comunicativo uma interação mediatizada
simbolicamente. Ela sc rege por normas que valem obrigatoriamente, que definem
as expectativas de comporia mento reciprocas c que precisam ser compreendidas
e reconhecidas por, pelo menos, dois sujeitos agentes. Normas sociais sSn fortale
eidas por sanções. Seu sentido se objetava na comunicação mediaLizada pela Itn•
guagem corrente, Enquanto a vigência das regras técnicas e das estratégias dc
pende da validade da» proposições empirieamente verdadeiras ou analítica mente
corretas, ji vigência das normas gocini:- é fundamentada exclusiv&mctuc na iruer-
subjciividadc dc um entendi mento acerca das intenções e é assegurada pelo reco
nhecimenta universal tias obrigações. A violação da regra tem, cm cada um dos
dois casos.consequências diferentes. Um comportamento fncQtnpeienic, que viole
regras técnicas confirmadas ou estratégias corretas, é por s: só condenado ao
abandono, cm virtude do insucesso: a -punição’* está. por assim dizer, irteorpo
rada ao fracasso diante da realidade. Um comportamento anômab, que violente
as normas vigente;., desencadeia sanções que só são ligada» ãs regras exterior
mente, ou seja. por convenções. Regra» aprendidas do agir radunal -com respeito
u fins nos equipam com a disciplina das habilidades, normas ititeriorr/Arfiis, com
rt disciplina das estruturas ttepvrsünalitiãdè. Habilidade» nos dão condições para
resolver problemas, motivações no» permitem praticar :i conformidade com as
normas. Lssus determinações se encontram reunidas nu diagrama, abaixo; elas
precisariam de uma explicação mais detalhada que. contudo, não pode ser dada
aqui. Sua última horizontal, por enquanto, não estará sendo considerada: cia
serve como lembrete da tarefa cm vista da qual ituioduzi u distinção entre triitw
Iho c interação.
Dispondo desses dois upus ele ação. podemos classificar os sistemas sociais
conforme neles predomine o agir racional com respeito a fins ou a inLeração. O
quadro inutíucioticil de uma sociedade consiste de norm as que guiam as i nutra
ções. verbalmente m ediai ízndas. Mas existem su b sistem as. tais como o sistema
econômico e o aparato de Estado, para ficarmos com os exemplos de Ma\ Weber.
nos quais são institucionalizadas pnrccipalmente proposições sobre ações racio
nais-com-respeito-it-fins. Do lado oposto, encontrara se subsisEem ns, tais com o
família c parentesco, que decerlu são conectados a um grande número de tarefas
322 HABER MAS

Quadro inxtitiieionat: Sistemas dn ajfir raçiajml-coíff-


inLcrtição íiiubo 1»êaittcme respriio-a fins finsi.rumental
mediai ürada e estratégico)

regras que norm.is spetais redras técnicas


orientam
a ação

plano da linguagem corrente linguagem nao


definição pãrticjpáíia inicrsubjeíivLimcnte dependente »ln contexto
CSpéeíe dc expectativas recíprocas proaniHtieoK condicionais
delir iç.io de comportamento impei ativos eondidormÉs
mecanismas irsl,rturàíaçuí.' aprendiz agent dc ImbiJtdr.éos
dc aquisição itvs papéis e de qualificações
fuiiçíu, ijíi manuiençâo dns solução de problemas
tipo J c ação irsl ituiçóes (corfonnídadc (conquista do objetivo definido
a normas, liindada ias relações melo Um)
nu relórça recíproco)

sanções cm casos dc punição rondíimnUada nns mtscociã de suçesso:


violação dn regra sançfiçs convencionais: frticasso diurno da realidade
frncíisvo Jianic da autoridade

“ nidorialbiiçiin'4 c-mnrteipftçào. iadividuaçâct; crescimento das torças


arnpü.jçãü dn cümunicaçrui produtivas: ampliação tk) poder
livre de domiflãçârt de manipulação tccníeii

c habilidades. mas que repousam principal mente sobre :is regras morais da intura
ção Assim , no plano analítico, convém dísiirtguir. de modo geral: ( I >o quadro
insdtuaofíai de uimi sOciedruie nu do inundo da viver sócia cultural c 12) os sub
sísivnum do agir <acionai com rvspdio aJtns "encaixados" nesse quadra institu
cionnt. As ações, rui medida cm que são determinadas por esse último. são ao
mesmo tempo dirigidas e* impostas par expectaiivas de comportamento sanciona
das e que sc restringem rcciproesimcnte; c. na medida cm que são determinadas
por vubsjsicmas do agir rncionnUcom respeito a fins, elas se moldam no* esque
mas do agir inslrumcm.il ç estratégico. ÍAmiudo. é só pela institucionalização
que sc pode obter uma garantia, de que cias dc fato sigam regras técnicas dei cr mi
nadas com uma probabilidade satisfatória ou estratégias esperadas,
Com o auxilio dessas distinções (iodemos Uar uma nova Formulação ao con­
ceito weberiano de " raciona liznção‘\

IV

O título “ sociedade tradicional" passou a ser usado academicamente para


designar todos os sistemas sociais que, de modo geral, correspondem a critérios
de culturas avançadas (civiiisatiotts}, Essas culturas representam ama determi
nada etapa, na história do desenvolvimento da espécie humana. E las diferem das
T É C N IC A E C IÊ N C IA EN Q U A N TO " ID E O L O G IA ' 323

formas sociais mais primitivas nos seguintes pontos: (1) pola existência de fato
de urn poder centrai de dominação (organização estatal do poder, em oposição
a orgüiiizHçào tribal): (2) pela separação da sociedade em classes sôcío-econõmi
eas (distribuição dos ônus c das compensações sociais pelos indivíduos, de acordo
com as classes a que pertencem. c não segundo os critérios das relações de paren
tesco); (3) pelo fato de estar em vigor uma imagem central do mundo (mito. relí
giào avançada), para fins de uma legitimação etlca/. do poder. As culturas avan
çadas se estabelecem sobre o fundamento de uma técnica relativamente desenvol­
vida e de uma organização da divisão de trabalho no proccssu social de produção
que possibilitam a superprodução, ou seja. uma supcrabundância
de bens que excede a satisfação das necessidades imediatas e dementares. Elas
devem a sua existência à solução do problema que só é posto pela superprodução
gerada, ou seja. do problema de como dividir designa imeme, c contudo, legitima
mente, a riqueza e o trabalho, por critérios diferentes dos que são postos a disposi
ção pelo sistema de parentesco.1:
O ra, no contexto da nossa discussão, é uma circunstância relevante a de
que culturas avançadas baseadas numa economia dependente du agricultura c
do artesanato, apesar de sensíveis diferenças de nível, só tenham tolerado inova
çóes técnicas e melhorias urgítnizatprias dentro de determinados limites. Como
indico dos limites tradicionais dn desenvolvimento das forças produtivas, men
ciono o fato dc que. até aproximadamente trezentos anos atrás, nenhum grande
sistema social produziu mais do que o equivalente a, no máximo. 200 dólares
per capita num ano O esquema estável de uni modo de produção pré-capilalista,
de uma técnica pré industrial e de uma ciência pré moderna possibilita uma rela
çào típica entre o quadro institucional c os subsistemas do agir racional com res
peito a fins: esses sub.su temas, que se desenvolvem partindo do sistema do traha
Iho social e do estoque de saber tecnicamente aplicável acumulado nesse sistema,
apesar dc progressos consideráveis, nunca atingiram aquele grau dc propagação
a partir do qual sua ‘'racionalidade" se toma uma ameaça aberta ã autoridade
das tradições culturais que legitimam a dominação. A expressão “sociedade tradi
eiorud" refere-se ã circunstância de que o quadro institucional repousa sobre um
fundamento de legitimação inquestionudo que consiste nas interpretações míticas,
religiosas ou rnCtafisicas Ja realidade no seu todo tanto do cosmo cmno da
sociedade. As sociedades "tradicionais" só existem enquanto o desenvolvimento
dos subsistem as do agir racional com respeito a fins é contido dentro tios limites
da eficácia legUituadora das iradições cu ltu rais.1 ’ I sse fato fundamenta uma “$u
premacia" do quadro institucional, que nào exclui, por exemplo, re-estru tu rações
feitas cm consequência dr> surgimento dc um potencial excessivo de forças produ
tivas, mas que exclui, todavia, a dissolução critica da forma tradicional ite legili

A i!r.-.-.v‘ rospeilf», - <j, •- I. l HvXi . P tm ir and Prtritefie. .1 iJ w u y o i Sneiai Straiificattan. Nova Ycir-L
lynci.
13 CT. P. J Strftr Tkc Suçratl Cnwrtfly, Nova York.
32-; HAB ERMAS

mação. Esse seu caráter de ser inatacável é um critério sensato para distinguir
as sociedades tradicionais das que ultrapassaram u limiar da modernização.
O “critério de supremacia" é aplicável, ao mesmo tempo, a iodas na situa­
ções de uma sociedade de classes estatal mente organizadas que se distingarn pelo
fato de que a vigência cultural das tradições participadas ituersubjetivamentefique
legitimam uma ordem dc dominação existente) nào seja posta em questão. de
m aneira explícita e com uxtas as suas consequências, de acordo com os padrões
da racionalidade, universal mente vigente, de relações meio fim instrumentais ou
estratégicas. SÓ a partir do momento em que o modo de produção capitalista
dotou o sistema econômico de um mecanismo de regras para o crescimento da
produtividade do trabalho. crescimento que. emborn sujeito a crises, revela se
continuo a longo prazo, é que a introdução de novas lecnoiOgias c de novas eslra
tégias. a inovação como tal. foi inst it uc iona //- ada. Com o já haviam sugerido
Marx c Sehumpeter. cada um à sua maneira. o modo de produção capitalista
pode ser concebido como um mecanismo que garante uma propagação pgrma
nenio dos subsrqcmas do agir raeional-eom respeito a fins e. com isso. abala u
'■supremacia ’ tradicionalista do quadro institucional, diante das forças produti
vas. Do ponLo de vista da história mundial, o capitalismo c o primeiro modo
de produção que institucionalizou o crescimento econômico auto regulado; de
produziu, em primeiro lugar* um certo tndust ri nJis.mo que. uni se puída, pode des
vincular se do quadro institucional Jo capitalismo e fixar se a outros mccanimcs
dilcrcntcs da valorização do capital em forma privada.
Õ que caracteriza o limiar cmre a sociedade tradicional e a sociedade que
eittru no processo dc modernização não c o fitlo de que uma mudança estrutural
do quadro institucional sçjy forçada pela pressão das forças produlivys relativa
mente desenvolvidas — pois is&o c um mecanismo da história do desenvolvimento
dí! espécie, desde o início. A novidade está mie» no nível de desenvolvimento
■cias» forças produtivas, respómàvd por uma ampliação permanente dos subsiste-
mas do agir i acionai oom respeito ;t tins que. por esse meio. pue em questão a
forma, própria às culturas avançadas,de legitimar a dominação por inierpreüiçòcs
cosmológieas do mundo. fcissas imagens míticas, rdigiosuu c mctalísicas do
mundo obedecem à lógica da contextura du btteraçío, têlas dão respostas aos
problemas centrais Ja humanidade, rdahvpx ã vida cm comum e á historia da
vida individual, Setts lemas são justiça c liberdade, violência e opressão, felicidade
<1 >aiisfação, miséria c morte. S«a> categorias .são vitória e derrota, amor e ódio,
salvação í danaçáo. Sun lógica se mede p e la gramática Je uma com unicação
desfigurada e peta causalidade do destino, determinada por símbolos cindidos
£ motivos recalcados.1 ' A racionalidade dos jogos dc linguagem, ügaju au agjj
comunicativo, é eonfromada agora no- limiar dos tempos modernos, com uma

5 A cate rfespálB. cf ;i mirth.i iiurestigpçnn Frlteu/unir pitd íflWtlKí', Fraj-ikfatL, do V I N io ubn


fundi r ci»m o anipn de nit-.mii litulu. publicado i i b k vplM;nC. (N . ilu 1 •
T B C N í C A E C IÊ N C IA EN Q U A N TO " ID E O L O G IA ’ 325

racionalidade de relações rticio-fiin vinculada ao agir instrumental -estratégico.


Desde o momenLO em que se pude eh ceai a essa confrontação. começa o fim
da sociedade tradicional: falha a forma cie legitimação da dominação.
O capitalismo o definido por um modo de produção que não apenas põe
esse problema, mas também o soluciona. Ele oferece uma legitimação da domina­
ção que não pode mais descer do céü da tradição cultural, mas que pode ser
sbérguida a panir cia base do trabalho social. A insiiluiçào do mercado no qual
os proprietários privados trocam m ercadorias assim como a do mercado no qual
piíssotus privadas sem senhuma propriedade trocam a sua força de trabalho como
única mercadoria que têm. prometem a justiça da equivalência das relações de
Lroca. Com a categoria da reciprocidade, essa ideologia burguesa faz com que
mais uma relação do u^ür çouiuiticativo se torne fundamento da legitimação. Mas
o princípio dc reciprocidade è agora principio de organização dos próprios pro
e w w s sociais de produção e reprodução. Por isso. a dominação política pode.
de agora por diante, ser legitimada “dc baixo pura eima*\ cm vez de “ de ui ma
para baixo" (pela invocação c apelo â tradição cultural).
Se partirmos do fato de que a divisão dc uma sociedade em classes sócio eco
rtõmicas repousa sobrí uma distribuição especifica, para cada grupo sociuí. dos
meios de- produção relevantes a cada momento podendo essa distribuição ser
remetida, por sua ver, á institucionalização das relações tk violência social
então c possível admitir que ern todas as culturas avançadas esse quadro insíttu
çjonal tenha sido idêntico ao sistema ppíítico dc dominação; a dominação tradi­
cional era uma dominação política. Só com o surgimento do modo de produção
eupiuihstu i que u legitimação do quadro institucional pode ser imediatamenic
vineulmln an sistema do trabalho social. Só agora é que a Ordem da propriedade
pode. de r esação política que cm. transformar se munn relação dc produção, pois
clu sc legitima pela racionalidade do mercado, pela ideologia da sociedade dc
Lroca c rtào mais por uma ordem legítima de dominação. Pór seu lado, o sistema
de dominação pode. em ve/ disso, ser justificado pelas relações legítima* de pro
dução: esse c o verdadeiro çpnieúdo do direito natural racional, desde Locke uté
K a.111.' 4 O quadro institucional da sociedade ê imediai a mente econômico; . .só
de uma maneira mediutu que d e c político tu Estado de direito hm guês. enquanto
'Nupercsiruturtt").
A superioridade do modo de produção capitalista sobre os modos de prodtt
çào do passado tem um duplo fundamento: a instalação de um mecanismo ccünó
mico que assegure e. longo prazo a propugtLçâo dos subsiütcmas do agir racional
com respeito a fins e a criação dc um.i legitimação CCORÒmiuU. ClTi flOmç da qual
D sKlema de tiominação pode sçr adaptado a novas exigências dc r.ieconulizaçào
desses subsisrenas em progyvsíMv £ esse processo de auuptuçfio que M a x Weber

*1 Cf. Leu Sirauxs. V m m dii mui ííajpW fft 1953; r B. xiacMawstai, Dia ptrtisv.eh*- 7V,>.>We, do
Bt:süzindi' sihiaiiituua CHS?- j Habatras. “ Die K la-^^eK' l.ptirç w n ,lí- IV lilii f» itircam
Vtjrholinkí .•.n* Si^iiPpíiUu-si ’phic". ht JTmwíV ttndPruxia* SícliwicU, !*,?(>
326 HABERMAS

concebe como "racionalização"*, Ncasc processo podemos distinguir duas tenden


cias. uma racionalização “ de baixo para cima" e uma outra “ de cirna para baixo".
D e baixo para cirna, surge uma pressão adapta tiva permanente, uto logo
se i npoe o novo modo de produção, ao se InstitucionaEi/ar. por um lado. a circu ­
lação c troca territorial de bens e de forças, de trabalho, e. por outro lado. a
empresa capitalista. Ne sistema do trabalho social o progresso Cumulativo das
forças produtivas é garantido e. partindo daí. Lambem é garantida umu propaga
çSu horizontal dos subsistemas do agir raciortal-com-respeito-a fins — contudo,
a preço de crises econômicas. Dessa maneira, as contexturas Lradicionais ficam
cada vez mais submetidas ás condições da racionalidade instrumental ou esinitc
gica: a organização do trabalho e du circulação econômica, a rede de transportes,
de informação c da comunicação, as instituições de direita privado y, começando
pela administração das finanças, a burocracia estatal. Assim , coagida pela moder
nização. surge a infra-estrutura de uma sociedade. Ela toma conta de todos os
setores da vida. um depois do outro: do sistema militar e escolar, da saúde pública
e mesmo da Família, impondo, tanto na cidade como no campo, uma urbanização
da.Jòrma de vida. isto c, impondo subculturas que exercitem u indivíduo na habili
dade de poder, a qualquer momento, passar de uma contextura de interação para
o agir racional-com respeito ti fins,
A pressão racionahzanle vinda de baixo para cima, corresponde uma outra.
üe ç b w para baixo, pois as tradições que legitimam n dominação c orientam
o agir. cm particular as interpreuçõwi uosmológícàs dó mundo, perdem sua obri
gatoriedade segundo os novos padrões da racionalidade com respeito a fins, O
que Max Weber chamava de secularixação possui, nesse nível de generalidade,
três aspecto-., As imagens do mundo e objeiivações tradicionais, perdem: ( I ) seu
poder e sua vigência, enquanto mito. enquanto religião pública enquanto rito
costum ara, enquanto metafísica justilitadora, enquanto tradição n io questio
nada. Fm vez disso, das são: (2) transformadas em credos e éticas subjetivas
que garantem a obrigatoriedade privada das orientações vâlorniivas modemns
(“ ética protestante"); e. (3) uma vez retrabalhadas. convertem se em construções
que atuam a<> mesmo lempn cmnn critica da tradição c como reorganização do
material desligado dji tradição segundo os principies do direito formal c da troca
de equivalentes {direito natural racional). As Eejjitím ações debilitadas são substi­
tuídas pnr novas que, por um lado. surgem Ua critica y dogmática das interpreta
ções tradicionais do mundo e pretendem ao caráter cientifico, c que. pnr outro
lado. conservam a função de legitimação e subtraem assim as relações Intuais
<Jc violência tanto da análise como da consciência pública F só por esse meio
que surgem ideologias, no sentido mais restrito da palavra E las substituem as
legitimaçòcs tradicionais de dominação, ao $ç apresentarem com as pretensões
da ciência moderna e ao se justificarem a panir da critica da ideologia. As ideolo­
gias e a critica da ideologia são co originária* Nesse sentido não pode haver ideo
logias pré burguesas.
J ÉCN1C A L C IÊ N C IA EN Q U AN TO "IDF.OL.OGIA’ 327

Nesse contexto, a ciência moderna assume um papel peculiar. À diiêrença


das ciências filosóficas do tipo mais antigo, as ciências empíricas modernas de
sen volvem sc, desde os tempos de Galileu. num sistema de referencia metodoló-
üpeo que espelha o ponto de vista transcendental de ame possível manipulação
técnica. As ciências modernas geram, em consequência, um saber que é. segundo
sua forma (e não segundo a imençàü subjetiva), um saber tecnicamente aproveita
v d . embora de modo cera] as chances tlc aplicação só se mostrem poslcrionnentc.
Ate o fim do século X I X . nào havia interdependência entre ciências c técnica,
A ciénciü moderna não contribuira, :uõ então, para a aceleração do desenvolví-
muniu técnico nem para a pressão rncionsh/ante que vem de baixo para cima.
Sua contribuição ao processo de modernização era rrutis- indireta. A nova física
tem uma exegese filosófica que interpreta a natureza e □ sociedade correkuiva
mente às cícneias da natureza* pode-se diicier que ela induziu a imagem mecarti
cista do mundo dti século X V ll. \ reconstrução do direito natural clássico foi
empreendida dentro desse quadro. O direito natural moderno se constituira em
base díis revoluções burguesas dos séculos X V II, X V I II e X I X . pelas quais as
antigas legitimuçòes de dominação loratn definiLi va mente destruídas. 5,5

Até u metade do sôüülo X I X . o modo de produção capitalista se impôs a


tal ponio, na In c! a terra c na França, que Mar* pôde reconhecer o quadro institu­
cional da sociedade nas relações dc produção c. ao mesmo tempo, criticar o fim
da mento de legitimação da troca dos equivalentes. E le elaborou, a crítica da ideo
logra burguesa cm forma de economia política: stm teoria <jú valor do trabalho
destruiu a aparência de liberdade, na qual a relação de violência social, subjacente
ã relação do trabalho assalariado, tomara su irreconhecível p çk instituição juri
dica do livre contrato de trabalho. O ra. o que Vtarcusc critica cm Mas Wcber
é « fato de que. sem tcr levado cm coma n visão penetrante de Marx. d e sc
lixti :i um conceito abstrato de racionalização que nào enuncia o conteúdo de
adaptação do quadro institucional específico a cada classe, adaptação aos subsis­
tem ás progressivo* do agir racional com respeito u fln.s, mus que mais uma vez
ms esconde. Marcuse sabe muito bem que a análise marxista não pode mats ser
aplicada sem restrições às sociedades do capitalismo cm fase tardia que Max
Webcr j;i tem em vista. Mas d e queria mostrar, tomando Max Wdber como exem
pio. qu-,- u desenvolvimento da sociedade moderna nu quadro de um capitalismo
fPSulndo pdo Estado escapa nos conceitos, sc o capitalismo lib a al ttàu Jut previa
mente con c c Uua li ?:ado,
Desde a ultima quarta pane do século X I X . nos países capmilíSEas mais
avançados, duas twidMtüias Je destmvolvimento podem ser notadas: (1) um acrés­
cimo Ua atividade íntervcncíQnisUi do Estado, que deve garantir a estabilidade

5 fi ) 11-it'5,-1 ii i V . L t u n - i v h í und Rfv.Uiniijn’ ' íjj Thtvrie untl Pcy.vii j , Nllía u i J. I Vts 7 lN. lios I I
324 HÀBERM AS

do sistema. 5 (2) uma crescente interdependência entre 2 pesquisa e a técnica,


que transformou a ciência na pnr.cipal força produtiva. Am bas as tendências per­
turbam aquela constelação do quadro institucional e dos subsistesnas do agir ra
eional^omrcspeito-a-fins. pela qual se caracterizava ü capitalismo desenvolvido
dentro do liberalismo. Com isso, caem por terra relevantes condições de aplicação
da economia política, na formulação que. tendo em vista o capitalismo liberal,
Marx lhe deu a justo título. Creio que a chave para a análise da constelação
múdiftcáda se encontra na Lese básica dc Mnrcuse. segundo a qual técnica ç cicn
cia hoje assumem também o papel de legitimar a dominação.

A regulação a longo prazo do pnn.wnso econômico pela intervenção do E s ­


tado originou se da defesa contra as dislunçõês que ameaçavam o sistema de
um capitalismo abandonado a ss mesmo, cujo desenvolvimento eletivo contra
ria va tão obviam ente a sua própria idéiu de uma sociedade burguesa que sc cman
cipasse da dominação c neutralizasse o poder. A ideologia básica da troca justa,
que Marx conseguiu desmascarar teoricamente. Fracassou na prática. A forma
de valorização do capital na economia privada só podia ser mantida pelos corrati
vos estatais dc uma poliíku sódu-económica que estabilizava a circulação. O
quadro institucional da sociedade Foi rc politizado. Ele hoje não mais coincide
imediatameme com as relações de produção, ou xcjit, com Lima ordem de direito
privado que garanta a circulação da economia capilaltsiu. e com as corresponda
les garantias gerais dc ordem tio listado burguês. Com isso, alterou-sc a relação
entre o sistema econômico c* 1» sistema de dominação: política não c mais apenas
nm lano muno <le supcfcslrutura. Se a sociedade não continua mais d s« auto rcyu
lar "de maneira autònomn" como uma esfera subjacente ao Estado c por ele pres
suposta - e essa era a verdadeira novidade do modo capitalista de produção
—■, a sociedade c o Estado não estão mais numa relação que a teoria marxista
determinou w n iv relação entre a base e n superes! íului a, Mas. eriláo. uma teoria
critica da sociedade também não pode mais scr formulada cxclusivamcntc ern
ler 1nus de uma critica da eCOnomtn política. Uni modo de leoriznçao que isole
metodicamente lis leis econômicas; de movimento da sociedade só pode ter a pre
tensão de compreender a contextura da vida tia sociedade nas suas categorias
üâscrtüútis. cnqiiantu a publica Ibr dependente dn base econômica e essa ultima,
inversa monte, não liver que ser compreendida também como uma função da ativi
dade do Estado c dos conditos que se resolvem politicamente. Segundo Marx.
o critica da economia política só sc constitui a cm teoria da sociedade burguesu
enquanto era uma critica da id colo gin sc a ideologia du troca justa desmo­
rona, o sistema de dominação também nào pode mais ser Criticado inuttUawntertiL'
a partir das relações dc produção.

DepoEí; do desmoronamento dessa ideologia, a dominação política requer


uma nova legitimação Ora. cômo o poder exercido indireiamenu* sobre o pro
cesso dc troca c por sua vez controlado petn dominação organizada pré estatal
mente e institucionalizada ao modo dc um Estudo, a legitimação nào pode mais
sei' derivada dc unia ordem nào política, das relações de produção. Nessa medida.
T É C N IC A E C IÊ N C IA ENQUANTO ‘ IDEOLOGIA" 329

rerlôva-se a pressão, existente nas sociedades prc-capi[alistas, no sentido da legiti


maçâo direta. Por outro [ado. o restabelecimento da dominação política imediata
(numa forma tradicional da legitimação buscada sobre a tradição cultural) tor
stou-se impossível Par um lado. as tradições já ÈStão de qualquer maneira enfra
queeidus; por outro, nas sociedades indusirialmcnie desenvolvidas, os resultados
da emancipação burguesa com respeito à dominação política imediata (os direitos
fundamentais c n mecanismo das eleições gerais) só podem ser píénarncfUe Ignora­
dos nos períodos de ação. A dominação fõmialmeníe democrática nos sistemas
do capitalismo regulado pelo Estado está sujeita a uma exigência de legitimação
que nao pode mais ser satisfeita pelas retomadas da forma de legitimação pré-bur-
guesa. Por isso surge, no lugar da ideologia da troca livre, um programa dc substi­
tutivos, que não ê mais orientado pelas consequências sociais da instituição do
mercado, mas polas consequências sociais de uma atividade de Estado que com
pensa as dis funções da troca livre. E la conjuga o momento da ideologia burguesa
do rendimento (que desloca, entretanto, do mercado para o sistema escolar, a
atribuição de síatus conforme a medida do rendimento individual) com íi garantia
do mínimo do bem-estar social, a perspectiva de segurança do lugar de trabalho,
bem como a estabilidade dos vencimentos, Esse programa dc substiLutivr». obriga
o sistema dc dominação a preservar as. condições de estabilidade de um sistema
global que garanta a segurança social c as chances de ascensão pessoal e a preve­
nir os riscos da crescimento. Uso exige um espaço de manipulação para as iiilcr
vençôes. do Estado que, ;u> preço de uma restrição das Instituições dc direito pri
vado, asseguram a forma privada da valorização do capital c vinculam a
fidelidade das massas a essa forma,
Nu medida cm que a atividade do Estudo ê dirigida para a estabilidade e
o crescimento do sistema econômico, a política assume um caráter negativa pecu
liar; ela visa a eliminar as £ 5funções c evitar os riscos que ameacem o sistema,
portanto, não para a realização deotyetivospráticos mus pura :t solução dt*puna
ích-.s ivçmças* Isso foi mostrado d a rum ente por Claus Offc, na sua contribuição
para o Dia dos Sociólogos de Frankfurt (Frankfurter Sazioíagentag) deste ano;
“ Nessa estrutura da relação cmre li economia e 0 Estado, a 'política' degenera
num ugir qnc segue nurnerOísOs e sempre novos ‘imperativos que dizem respeito
ao que deve ser evitado", ao mesmo tempo que ;«quantidade de informações soçio
lógicas diferenciadas, injetadas no sistema s o c ia l possibilita o rápido reconhecí
mento lias zonas de risco hem como 0 traia.mento das ameaças efetivas. O que
c novo nessa estrutura é I . . I o fato dc que os riscos da estuhitídnde incorpora
dos no mecanismo dc valorização do capital nos mercados ; l lamente organizados
da economia privada, riscos que. todavia, são manipuláveis, prescrevem aquelas
ações c medidas preventivas que dttvttm ser aceitas na medida cm que se quer
que daS sejam harmonizadas com a oferta dc legitimação existente (com pro
grama dc substitutivos)".tb18

18 C OITc. "íüui K :i‘ ■-ntfwoiit wtil HrrrsdiftftüitriitiMr nu sca^lu-h re^wlíwtai FCrpiuilimuli-" ísrumis-
Cliuó.
330 HABERMAS

OfTs vc muiw bem que a atividade do Estado O restringida por essas orienta­
ções de ação preventiva a tareias técnicas admmtsT rali vam ente solúveis, de modo
que as questões práticas sào deixadas de lado. O s conteúdos práticas, são elimina
d os,
A política de estilo amigo, já pela própria forma de legitimar a dom inação,
cra levada a se determinar em relação aos fins práticos; as interpretações do
” bèm-vivcr eram dirigidas para as contexturas dc interação. Isso vale também
para a ideoíogia da sociedade burguesa. Por outro lado. o programa de substitui!
vas hoje dominante é voltado tão-somente para. o funcionamento de um sistema
dirigido. E le exclui as questões práticas c. com isso. a discussão sobre aceitação
de padrões que só seriam acessíveis a tuna form ação dem ocrática da vontade.
A solução de tarefas técnicas não depende de discussão pública. D iscussões públi
cas poderíam, antes, problematlzar as condições de contorno do sistema, dentro
das quais as tarefas da atividade do Estado se apresentam com o técnicas. A nova
política de intervencionismo do Estado exige, por isso, uma despoEiiização da
m assa da população. Na medida em que tis questões políticas são excluídas, a
opinião pública política perde u sua função. Por outro lado, o quadro institucional
da sociedade continua ainda a ser distinto do agir racional Com-respeito-a fins.
T al como artes, sua organização c uma questão da p râ x is ligada ;i com um cação
c não apenas da técnica, com o quer que ela seja dirigida ctentiftcamcmc. Por
tanto, a tendência dc pór a p r á x is entre parênteses, ligada à nova lòrma de dòmi
nação pülíLiea, nào üe compreende por .si só, O programa de substitutivos que
legítima a dom inação deixa sem legitimação um ponto importante: como fazer
com que a dcspolíligação das massas sc tome plausível para d a s próprias? Mar
cu*e poderia responder a isso: fazendo eom que técnica e ciência assumam tam
hêm o papel de uma ideologia.

VI

Desde o fim do século XIX. uma outra tendência de desenvolví mento que
caracteriza o capitalismo cm fase tardia vem se impondo cada vez mais: a r i e n t t f !
citação da têeniaa. No capitalismo. u pressão insti.iucíonul para aumentar a pro
duiívidadc do trabalho pela introdução de novas técnicas sempre existiu. Toda
via. as inovações dependiam dc invenções esporádicas que. por sua vez. podiam
ter sido induzidas economicamente. tendo entretanto ainda o caráter de um cresci­
mento natural. Isso rautlou, na medida, cm que o progresso técnico entrou em
circuito retroativo ccni o progresso da ciência moderna. Corn n. pesquisa indus
trial em grande escala, ciência, técnica e valorização foram inseridas no mesmo
sistema. Ao mesmo tempo, a industrialização liga se a urna pesquisa entornai
dada pelo Estado que favorece, em primeira linha, o progresso científico l- técnico
no setor militar, De lá as informações voltam para os setores da produção de
bens civis. A ssim , técnica e ciência tomam se u principal força produtiva, com
o que caem por terra as condições dc aplicação da te o ria d o v a lo r do tra b a lh o
de Mane, Não é mais sensato querer calcufar as verbas de capital, para investi
T É C N IC A E C IÊ N C IA EN Q U A N TO ^ ID EO LO G IA 331

manias era pesquisa e desenvolvimento* ã base do valor da Força de trabalho


não qualificado (sim ples), se o progresso técnico-científico tornou se uma Fonte
independente de. m ais valia, face à qual. a única fonte de niáis valia considerada
por Marjc. a forga de trabalho do*; produtores imediatos, perde cada, vez mais
SCU P C 5 0 .1 7
Enquanto estavam visivelmente ligadas às decisões racionais e ao a g írin s-
tru mental dos homens que produziam social mente, as forças produtivas podiam
ser compreendidas com o potencial para um crescente poder técnico de m anipula­
ção. porém não podiam ser confundidas com o quadro institucional em que foram
encaixadas* C o m a institucionalização do progresso técnico-ctentífico, o potencial
das forças produtivas assumiu entretanto uma figura que faz re g re d ir, na cons­
ciência dos llõmens, o dualismo enrre irabaih o e interação.
Sem duvida, tanto agora como antes, os interesses sociais determinam a dire­
ção. as funções e a rapidez do progresso técnico. M as esses interesses definem
tí sistema social cómo um todo, a laí püntü quâ eles se recobrem com o interesse
pda manutenção do sistema. A forma privada da valorização do capital e a exis­
tência de uma Chave de distribuição das com pensações sociais, que sirva como
garantia da fidelidade, permanecem, cwtffo {ais. fura de discussão. O que aparece
então com o variavd independente c um progresso quase autônomo da ciência
c da técnica, do qual depende, de foto. a mais importante variável singular do
sistema, a saber, o crescimento econôm ico. Resulta daí uma perspectiva na qual
o desenvolvimento do sistema social p a re c e sei determinado pela lógica do pro
gresso técnico ■científico, A regularidade imanente desse progresso parece produ
/ir pressões materiais que devem ser obedecidas por uma política atenta às neees
skladcs funcionais. M as. quando essa aparência sc lixa eficaz mente. o apelo feito
pela propaganda ao papel da técnica l- da ciência pode legitimar c explicar por
que* nas sociedades modernas, um processo democrático de form ação da vontade
•"deve" perder sua Junção nus questões práticas e ser substituído por decisões
plebiscitarias, sobre eis alternativas equipes de direção do p e s s o a l adm inistrativo.
E ssa tese da tecnocrada foi desenvolvida no plano científico cm diferentes ver
ad es.10 O que mv parece m ais importante é o seu poder dc penetrar, enquanto
ideologia dc fundo, na consciência da massa despolitizada da população, e de
gerar lorça fogitirmulora , 19 A atuação específica dessa ideologia ê a de subtrair
a autoconiprecnsão da sociedade tanto do sistema de referencia do agir com unica
como dos conceito* Ue Interação sim bolicam ente m ctliati/ados. subsLituin
iív ü
do a por um modelo cicntificó. Nessa mesma medida, entra, no lugar de uma
auLocomprccnsâo cultural mente dcterminadíL de um mundo do viver so cial, a au-

’ * Rívvnit «iín r.' I I u Lh1!. í . r . " M I w i / , fii‘ n*thrc QuelL- «O, Reteitiinm, I *'ia S
" e , H, SchclíA , OiJr lfí'fH;'J| j'.u ti.- h < f)n fiich im 2 ir í l i s t u i f i n . I''61; J tllul. i'ha l i e h r u fk ig H tít SnçU'! \ ,
No»« Ytwfc, iHfc4. c A. Gdilen, Ühct KutivrclUe Khsiüliií.aiiíincn . isi S tm if e f f r«r i n t h r a f i a f o t i i r . IV63:
.a.. ‘ Ülm i. Lilmrclic l v. iIuuuhi . i i i t n t P f i t h S ü j p h t c u n J < i ie F it i g t iitjcl] ü vtii F i n l s c h r t / í . |%4
Peto tfuí K0 mV> dispíttncv; Ul- im-.‘mlji^vckíí ci*prita- que ínstum. LssivrUlçriiníUiL- dta pnip.ij;a(ão dmtóu
idootogia dc línujo. ApctiiimâftifMi cm ãqrapoJaçtVe? Hdtfis á partir Hi* rmuiítaiJi*. . x uniras pptq«it$s$ díopl
niifi.
- ij. HABERMAS

Locoisíficaçao do hoincm sob as categonas do agir racional-com respeito a fins


e do comportamento adapiativo.
O modelo, conforme o qual uma reconstrução planejada da sociedade deve
ser Peita, ê tirado da análise do sistem a. F possível, em princípio, conceber e
analisar empresas e organizações singulares, mas. sambem sistem as parciais políli
cos ou econôm icos e sistemas sociais no seu todo. segundo o esquema dos sitemas
auto-reguíados. Sem dúvida faz diferença usar um quadro dc referência ciberné­
tico para fins analíticos ou instalar um sistem a social dado segundo esse esquema,
enquanto sislema-homem-máquina, M as a transposição do modelo analítico para
o plano da organização social está contido no próprio ponto dc parLida da análise
de sistem as. Quando seguimos essa intenção dc auto estabilização dc sistemas
so ciais, análoga â üus instintos, surge uma perspectiva peculiar, segundo a qual
a estrutura dc um dos dois tipos dc ação. a saber, a esfera de funções du agir
racional com-respcito-a-íins não só se torna preponderante face à contextura in»
titucional, como também absorve pouco a pouco o agir com unicativo como tal,
Se considerarm os, como faz A rnold G ehlen . que a lógica interna do desenvolví
mento lêcnico manifesta se no fato de que a esfera dos funções do agir racional
eom-respeito a fins desvincula se passo a passo do substrato do organismo lut-
mano e é transposta para o plano das máquinas, entàõ aquela intenção orientada
lecnocraiicamertte pode riu ser compreendida como ti última fase desse desenvolví
mento. O homem pode não somente, enquanto h a m o J a h e r , auto objetivai -sc com
plcututcnie pda primeira vez e d clronlar.se com suas realizações que. nos seus
produtos deie $e tornaram independentes: d c pode além disso. enquanto hõmo
fabricaru$> ser por sua vez integrado :» seus dispositivos técnicos, caso se consiga
projetar a estrutura do agir r a c io n a lc o m í cspdlo-a fins sobre o plano dos siste
mas sociais. O quadro institucional da sociedade, que até agora erit sustentado
por um outro tipo de ação, seria agora então absorvido, por sua ve/, cm conse

nele estavam encaixados.


Decerto, essa intenção tecnocráliea não é realizada em nenhum Jugar nem
mesmo cm esboço. M as ela serve, por um lado, eximo ideologia para uma nova
política orientada pura tarefas técnica* que põem entre parênteses :is questões
práticas; e. por outro lado. ainda assim d a caracteriza certas tendências dc Jç&en
volvim ênto que |X>dcm levar a uma erosão furtiva daquilo que cham am os dc qua
dro institucional. A dominação manifesta do 1.suttlo autoritário cede às coações
m anipulai ivas da adm inistração técnico operativa- A im posição moral dc uma
ordem sancionada e. ao mesmo tempo. Je um agir com unicativo, oriemado paru
o sentido vcrbalm cntc a rticu lad o c que pressupõe a interiorização dc norm as, c
Substituída, numa extensão cada vez maior, pelos modos dc com porta mento con
dicionados. enquanto as grandes organizações como tais se submetem cada vez
mais á estrutura do agir racional com respeito a fins. A s sociedades industriai
mente desenvolvidas parecem aproxim ar-se do modelo dc um controle de compor­
tamento que, cm vez de ser guiado por normas, é antes dirigido por excitantes
externos. A direção indireta por estímulos estabelecidos aumentou, principal
T É C N IC A fc C IÊ N C IA EN Q U A N T O " ID E O L O G IA " 333

mente nos setores: da liberdade aparentemente subjetiva | com porta mento nas elei­
ções. no consum o, no tempo livre). A rubrica soctal psicológica da nossa época
ê caracterizada menos pela personalidade autoritária do que pela desestruturaçao
da superego. Lím aumento de compartútnenM adnpíarivo é apenas o reverso da
medalha de um processo de dissolução da esfera de interação verbalmente media
tizada. dentro da estrutura do agir racional com respeito-a fins. A isso corres
ponde, do lado do sujeito, o fato de que n diferença entre agir racional -com respei
lo a fins e interação desaparece da consciência, ruão apenas da ciência do homem,
mas também da consciência do próprio homem. A força ideológica da consciên­
cia íecnocrálioa confirm a se no encobrimento dessa diferença

vn

D evido tis duas tendências de desenvolvimento acim a m encionadas. a socie


dade capitalista modificoti-se a cai ponm que as duas categorias chaves da teoria
de Murx. a saber, luta de classes e ideologia. nSo podem mais ser aplicadas Sem
resiriçõ es
Sobre o fundamento do menin de produção capitalista a hita de ciasses w
ciais constitui-se corno i;.tI pela prim dra vez, erianíto assim uma srtuiíçâo Objcliva
s partir da qual foi possível reconhecer retrospectiva mente a estrutura dc classe
das sociedades tradicionais, cuja con-shtuiçâu cru imediata mente política, O capi
talism o regulado pelo listado, surgido a título dc* reação contra as am eaças ao
sistema, icrad as pelo antagonismo aberto cnlrc ris classes, vem apu/íguar t> con
•lito de classes. O sistema do capitalism o cm fase tardia é definido por uma poli
rica dc indenizações que garante a Fidelidade das m assas assalariad as, isto è. por
uma política de evitar conflitos, de tal modo que o conflito que. tanto agora
com o antes, c incorporado na estrutura da sociedade, com a valorização do enps
tal à maneira da economia privada, c aquele conflito que permanece latente com
uma pnnbnhiliclnde rd ativa mütfe maior. Ide recua facc a outros eo n íliu » qut de
Cérto lambem dependem do modo dc produção, porém, que não podem mais to­
mar a forma Uc um conflito dc classes. N o seu artigo já eiludo. C lu u s GfFe anali
sou o seguinte estado dc coisas paradoxal: a probabilidade de que os confli
tos abertos se inflamem eni ru/.ào dos interesses sociais c umto maior quanto
menos perigosas para o sistema forem as consequências da violação desses mu­
rei s » . Prenhes <le condito são as necessidades que sc encontram na periferia do
domínio de nçào do listado, pois elas estão ilisninEcs do conflito central mantido
•atente e. por isso. não têm prioridade na defesa contra os perigos., Fssa s neçesri
da ti es sc constituem cm ocas ides dc inflam ação dos conflitos, na medida em que
as intervenções do FsUuio. distribuídas dc maneira desproporcional, geram seto­
res dç desenvolvimento atrasados e tensões correspondentes, causadas pelas dís
parídades: “ A disparidade dos setores da vida cresce, antes dc tudo. com respeito
:• diferença quanto ao nível dc desenvolvimento entre o nível ciei iva mente uinlíi-j
cinnalÍ7Jido l* o rtívd possível de desenvolvímento técnico e so cial: n desproporção
entre os moderno* aparatos industrial c militar e a organização estagnante do
334 HABERM AS

íisLema de transporte, de saúde pública e de educação é um exemplo tão eonhe


ei do uessa disparidade do-S setores da vida quanto a contradição entre o planeja
mento e a regulação racional da política tributária c financeira, e o desenvolvi­
mento, por crescimento natural, de cidades e regiões. T a is contradições não
podem mais ser adequa dam ente interpretadas como antagonismo enire classes,
e sim com o resultados do processo dc valo rização do capital ao modo da econo­
mia privada, dominante tanto boie como outrnra, e de uma relação de dom inação
especificamentc capitalista: nessa relação são dominantes aqueles interesses que.
sem serem localizãveis de uma maneira inequívoca, estão cm condições de. ba­
seados nu m ecânica estabelecida da economia capitalista, reagir â violação das
condições de estabilidade, gerando riscos relevantes"'.
O s interesses que se prendem à manutenção do modo de produção não são
mais. “ Mnivocamcnte tocalizáv.eis” dentro do sistema com o interesses dc ciasse
Pois o sistema de dom inação orientado para evitar as am eaças ao sistema exclui
justam ente uma "dom inação" tno sentido dc uma dom inação social imediata
mente política ou economicamente mediatizadu), cujo exercício dè lugar a que
um su jeito classe se defronte com outro, enquanto grupo identificável.
isto não significa superação, mas ialência da oposição entre classes. Ainda
assim, continuam a existir diferenças específicas a cada classe,ern forma de tradi­
ções subcultufjiis c de diferenças correspondentes não só no nível e nos hábitos
da vida mas também nas atitudes políticas, Além disso, há uma probabilidade,
condicionada pela estrutura social, de que a classe assalariada seja atingida, nuns
durameme do que os outros grupos, pelas disparidades sociais. I , iinalmente.
o interesse generalizado petn manutenção do sistema, no plano das chances ime
diaiuü da vida, permanece ainda hoje ancorado numa estrutura de privilégios:
o conceito dc um interesse que ac torne compíelamente independente lace aos
Sujeitos vi voa deveria superar se a á mesmo. Mas. nu capitalismo regulado pclç
Estado, a dominação política assimilou, com a defesa contra as ameaças do sis
tema. o interesse pela manutenção da inchada dc distribuição compensatória que
transcende os limites de classes latentes.
Por outro lado, o deslocamento dn /óru» de coníltto, dos limites entre as
classes, para os setores subprivilcgiadost da vida, não im plica de modo algum
a elim inação do importante potencial de conflito. T a l como nos mostra o exemplo
extremo do conflito racial nos lí L A . em determinados setores c grupos podem
acum ular sc tantas consequências da disparidade que se chega a explosões semç
Ihantes h guerra civil, M as, sem conexão com potenciais de protesto de ouir.n
origem, iodos os conflitos que surgem »le tais situações de subprivi/êgüi são carne
terizados pelo fato dc provocarem event utilmente duras reações por parte do sis
lema reações que não são mais co n ciliáreis com a dem ocracia forma! xcm
que propriamente sejam capazes de revoluciona Io. Pois os grupos subprivilegia
dos não sâo de modo algum ctaascs so cia is; cies nunca representam, nem
mesmo poiencíalmenle. a massa da população. O processo de privação dos seus
direitos c sua pauperização não coincidem m ais com a exploração, pois ú sistçma
não vive mais de seu trabalho. Kles podem decerto representar uma lusc papuda
T É C N IC A E C IÊ N C IA E N Q U A N T O ID E O L O G IA * 335

da exploração. Mas as pretensões que des legitimamcntc defendem não podem


ser impostas por uma recusa de cooperação; é por isso que d as conservam o
caráter de um apelo. No caso de uma desconsideração a Longo prazo de suas
legitimas pretensões, os grupos subprivilegíados podem, i n e x t r e m i s , reagir com
uma destruição e uma autodestruição disparatada: todavia, uma tal guerra civil
carecerá das chances de sucesso revolucionário próprias ã luta de classes, en
quanto não houver coalizões com grupos privilegiados.
Com uma serie de restrições, esse modelo parece ser aplicável alê mesmo
às relações entre as sociedades industrialmcntc desenvolvidas c as suas antigas
colônias do Terceiro Mundo. Aqui também uma forma cie subprívilégio é consc
quênda de uma disparidade crescente que. sem dúvida, cada vez menos poderá
ser compreendida, no luiuro. dentro das categorias da exploração. Decerto, nesse
nível, os interesses imediatamcnle militares ocupam o lugar dos interesses eeonõ
míeo$.
Scjà como for. caso os limites de subprivilégio continuem a ser específicos
aos grupos, sem percorrerem diagonalmeme difcrcnics categorias da população,
na sociedade capitalista em fase tardia, os grupos espoliados e os privilegiados
não mais se defrontarão c o m o classes sócio econômicas. Pica assim mediatizada
a relação fundamental que existiu em todas a.s sociedades tradicionais c que.
como tal. manifestou se no capitalismo liberal: a oposição de classe entre os par
cciros que se encontram numa relação institucionalizada dc violência, de explora
çào econômica c de opressão política, onde a comunicação c deformada e resrrin
gida a tal ponto que :is legítimaçòcs que servem como cobertura ideológica não
podem ser postas em questão. A totalidade moral ( s i n t íc h e ) hegcliarta de umã
contextura da vida. rompida quando u m sujeito nào saiisiViz reciproca mente as
necessidades d o o u t r o , nào ê mais o modelo adequado para a relação mediaiizada
entre as classes na fase tardia do capitalismo organizado, A dialética imobilizada
do moral ( d e s S i t l l i c h v n ) gera uma aparência peculiar dc pós história. A razão
disso c que o crescimento relativo das forças produtivas nan representa mnis e o
i p s o um potencial transbordônte c rico cm consequências emancípaiórias. que

pttdcsMc romper as Icgitiinações de uma ordem dc dominação existente. Pois.


desde agora, a principal força produtiva, o próprio progresso técnico cientifico
assimilado á administração, tornou-se fundamento da legitimação, hssa nova
lôrma de legitimação perdeu contudo a antiga figura de i d e o l o g i a .
A consciência tccnocrática é. por um lado, "menos ideológica" que todas
as ideologias anteriores; pois ela nào possui a violência opaca dc um ofuscamento
que joga apenas com a ilusão dc satisfação dos interesses. For outro lado. u vítrea
ideotogia de fundo hoje dominante, que transforma a ciência em fetiche, é mais
irresistível e mais abrangente do que as ideologias do tipo antigo, pois com o
vclamento das questões, práticas, ela não someme justifica um interesse de domí
naçào parcial de uma classe d e t e r m i n a d a e oprime a necessidade parcial de eman
cipução por parte de outra classe, como lambem atinge o interesse emancipatório
da espécie humana, como tal.
?3í> H A BER M A S

A consciência tecnutwática não consiste nu racionalização de nenhum desejo


imaginário, nenhuma ilusão, no sentido de FrcudL nn qual uma contextura de
interações fosse, quer represemadà, quer construída e fundamentada, As ideolo
atas burguesas ainda podem ser remetidas a figura fundamental da interação jusLa
e livre de dominação, satisfatória para os dois lados. São exatamente das quer
preenchem os critérios de realização dos desejos ç de satisfação compensatória,
fundamentadas numa comunicação tão restringida pela repressão, que a relação
de violência, antes institucionalizada juntamente com a relação de capital, não
pode mais ser chamada pelo seu nome. Entretanto, a causalidade dos símbolos
cindidos c dos motivos inconscientes - que. tanto quanto a força da reflexão,
à qunl se deve a critica de ideologia, produz falsa consciência — não mais lunda
menta da mesma maneira a consciência teenocràtiea. Fssa consciência é menos
vulnerável à reflexão, visto que não c mais a p e r t a s ideologia. Pois ela não mais
exprime uma projeção do ‘■ “hem viver" que. se não puder ser identificada
com a vil realidade, pode, pelo menos, ser ligada a da numa conexão virtualmentc
satisfatória. Decerto, nssim como a antiga, a nova ideologia lambem serve para
impedir a lematização dos fundamentos da sociedade. Outro ru, cru a violência
social que era subjacente u relação entre os capitalistas eos trabalhadores assala­
riados : hoje são as condições estruturais que definem por antecipação as tarefas
de manutenção do sistema, a saber, a forma de economia privada de valorização
do capital e uma forma política de distribuição das compensações sociais que
garante a fidelidade das massas Contudo, a nova ideologia difere dã antiga em
dois aspectos.
Em primeiro lugar, a relação de capital, por esmr vinculada ao modo político
de distribuição que garante u fidelidade, hoje não fundamenta mais uma explora
çâo v. uma opressão s e m c o r r e i fa o $ < O fino fiu que a permanente oposição entre
na cliiíises \e tenhn lumado virtual tem como pressuposto o de que .i repressão
que u fundamema tenha Ifivi orica mente chegado á consciência, para s ó e n t ã o .
em forma modificada, vir a ser estabilizada como propriedade do sistema, Em
conseqísêncãu, a consciência lecnocnítica não poderá repousar sobre um recalque
coletivo, da mesmo. maneira que as ideologia^ antigas. Em segundo lugar, a 11deli
dade das massas só pode ser conseguida com o auxilio das compensações das
r t e c e s s h f a t i e s p r i v a t i z a d a s . A interpretação das realizações, pelas quais o sistema

se justifica, cm princípio não deve ser política; ela se refere imediatamente à parti
lha, neutra quanto ã sua aplicação, do dinheiro c do tempo livre de trnbaUto.
e. mediaisiTíientc. à justificação tecnoerútiea da exclusão das questões práticas.
Ponamo. a nova ideologia difere das mais antigas por separar os critérios de
justificação da organização da vida em comum e. portanto, das regulamentações
normativas da interação: nesse sentido ela cs despoliriza, fixando se, ao contrário,
nas. funções de um sistema subordinado ao agir racional com respeito-a fins.
Ma consciência tecnocrátíca o que se espelha mio é o rompimento ( D i r e m p
t i o n ) de uma contextura moral, c sim o recalque da - moralidade’' enquanto cate

geria das relações da vida cm geral. O senso comum positivista pile fora de ação
o sistema de referência da interação em linguagem.corrente, na qual dominação
T É C N IC A lí C IÊ N C IA EN Q U A N T O “ ID E O L O G IA " 337

e ideologia surgem sob condições de comunicação deformada, mas onde elas lam­
bem podem ser reflexivamente evidenciadas, A dcspoiitizaçào da massa da popu
laçào. legitimada pela consciência tecnocrádca. é ao mesmo tempo uma auto ob
jclivayão do homem tanio nas categorias do agir racional-eam-respeito-a-fins
cOmo nas do comportamento adaptati vo: os modelos coisiílcados das ciências
se imiscuem no mundo do viver sócio-cultural e adquirem poder objetivo sobre
a autocam pretensão. O núcleo ideológico dessa consciência c a eliminação da difc
rença entre p r á x i s e t é c n i c a — um espelharaento. mas não o conceito de uma
nova constelação que envolve, por uni lado. o quadro institucional que perdeu
sua força, e. por o u tro tudo, u> sistemas do agir racio n al com respeito a fins. que
se tomaram independentes,
A nova ideologia fere, portanto* um interesse que se prende 4 umu Uus duus
condições fundamentais da nossa existência cultural: a linguagem, ou. muis preci-
samentt*. u forma de socialização e de individuação determinada pela comunica
ç:«> na linguagem corrente, Esse interesse se estende tanto à manutenção de uma
ilttersubjetivtdade dc compreensão mútua como à produção dc uma comunicação
livre de dominação. À consciência tecnocràtica faz desaparecer esse interesse pru
tico. por iras do interesse pela ampliação do nosso poder de manipulação técnica,
A reflexão provocada pela nova ideologia deve ir além de qualquer interesse dc
classe historicamente determinado e pòr u descoberto a contextura dc interesses
dc uma espécie, como tal. que se constitui a si mesma. 1 9

VI! I

Caso se confirme a relaiivização do domínio de aplicação do conceito de


ideologia t a da teoria dc classes, o quadro categoria!, no qual Marx desenvolveu
as t e s e s f u n d a n u n t a i t i d o o m t c n a l h m u h i s t ó r i c o , precisará também tic uma refor­
mulação. \ conexão entre ns forças produtivas e as relações de produção deveria
set substituída por uina outra mais abstrata, entre trabalho c interação, As rela
ções de produçã" caracterizam um plano, ao qual o quadro institucional só se
amarrou durante :t fase de desenvolvimento do capitalismo liberal antes e de
pois dela isso ocorreu. Por ouiro lado, as forças produtivas, nas quais sc acumu­
lam os processos de aprendizagem organizados nos subsistemas do agir racional
com-respeitu-a fim. erum decerto, desde u inicio, o nioíot do desenvolvimento
social, nas não parecem ser. <tti t o d a s as circunstâncias* como Marx havia su­
posto. um potencial dc liberação ou algo que desencandeie movimentos emancipa
loriox — cm todo caso. elas não mais parecem sa assim, desde que o crescimento
continuo dil-s forças produtivas tornou-se dependente de um progresso técnico
danifico que desempenha a o i m s m a t e m p o a f u n ç ã o d e l e g i t i m a r a d e m i n a c ã o .
Minha hipótese é u dc que o sistema dc referência, desenvolvido a partir dc uma
relação análoga, e contudo mais geral, entre o quadro institucional tinteração)
e o* subsistemas do agir racional-com-respeito a tins (■“trabalho"’, no semido mura

■8 cT. t r k m m ls * tutJ internam, w - 146 r>. i N. Jo V Ncsic volume, pp. 2SÍ v,. i N. Ui <T.i
335 HAB ERM A S

am plo do agir instrumental c estratégico) c mais apropriado parti reconstituir as


étapas sócio-cult urais da história da espécie.
Certos fatos vem dar apoio à supo&içào de que. durante o longo período
in ic ia i até o fim do m esolítico. uma açào* racional com-respeito a fins só podia
.ser motivada por uma ligação ritual à s interações. U m a esfera profana dos subsis
temas do agir racional cora respeito a Im s parece ter 5 c separado das interpreta
çòes e das tormas de ação da convivência com unicativa emre sujeitos, nas prime;
ras ç a ífm rs sedentárias que se baseiam no pastorciro ç na plantio. Contudo. kó
dentro das coruJíçòes dc cultura avançada de uma sociedade cstat.ilmente organi
zada c que foi possível haver uma diferenciação suíkienlem ente profunda, entre
trabalho c interação a ponto de permitir que ot» subsistem as produzissem um .sa­
ber tecnicamente utilizável que pudesse ser estocado e ampliado de m aneira rd ab
vátncnie independente das interpretações sociais do mundo; au passo que as nor
mas soer ais separaram sc das tradições legitimado ras de dom inação, de modo
que a “ cultura” adquiriu uma certa independência face às instituições. A etapa
dos tempos modernos seria então caracleriaada por aquele processo de raciona li
zaçãú que começa quando o quadro institucional deixa de ser "‘invulnerável" aos
subsislénláS do agir racional com respeito a-lins, A s Icgilim nçõcs tradicionais tor
nam se criticsiveis. à luz dos padrões de racionalidade das. relações meio lin i; in ­
form ações do setor do saber tecnicamente utilizável entraram competitivamente
na tradição e Forçaram u reconstrução de interpretações tradicionais do mundo.
Aconrtpanhirmos o processo da "racio n alização de cim a para baixo" até o
ponto cm que a própria lécnica e a própria ciência com eçaram a assum ir, na
forma de uma consciência com um positivista e articulada com o consciência
tcÊfiocrática , o valor histórico de uma ideologia sucedâneo das ideologias bur
guesus desmontadas. A esse ponto sc chega pela critica das ideologias burguesas:
é ttxsa a origem cia ambiguidade no conceito de racionalização . H orkhcim er e
A dorno decifraram nessa ambiguidade a dialética do ilurmnismCK t1 a dialética
do ilum inism o se lo m a ainda mais aguçada na tese de M arcusc* segundo a qual
a própria técnica c a própria ciência tomam-se ideológicas,
O modeio do desenvolvimento sócio-cultural da espécie foi determinado
desdC o inicio, dc urn lado. por um crescente poder de m anipulação técnica nfore
as condições externas da existência c. de outro lado. por uma adaptação mais
ou menos passiva do quadro institucional uõs subsis temas. am pliados do agir r a ­
cional uonv respeito-a-fins, O agir racional-com respeito a -fins representa a lórma
de adaptação ativa que caracteriza a tíníoconsei'vação coletiva dos sujeitos so c ia ­
lizados. face à conservação da espécie nç> reino animal. Sabemos como submeter
a controle as condições relevantes da vida. isto é: com o podemos adaptar ctillu
ra:mente as circunstâncias às nossas necessidades, em vez de nos adaptarmos
apenas à natureza externa. E m oposição a isso, as m odificações do quadro institu
cionni. na medida cm que são imediata ou medi atam ente rédulíveis a novas tecno
logias ou estratégias aperfeiçoadas (nos setores da produção, do transporte, do
exército), nao receberam um» Ibrma semelhante dc adaptação ativa. D e modo
tücrah iiit-s modificações obedecem ao modelo de adaptação passiva. E la s rtãu são
T É C N IC A I- C IÊ N C IA EN Q U A N T O " ID E O L O G IA 339

o resultado de um agir planejado racional-com-respeito a-fins e controlado pelo


sucesso. e sim o produto de um desenvolvimento por crescim ento natural. Entre
canto, não era poss-ivd tomar consciência dessa incongruência entre adaptação
ativa, por um lado. e adaptação passiva, por outro, enquanto a dinâm ica do de
senvolvi mento capitalista permanecia encoberta pelas ideologias burguesas. Só
com a crítica dessas ideologias burguesas c que aquela desproporção entra no
domínio da consciência pública.
Ü documento mais impressionante dessa experiência continua sendo o Ma
uifesio Comunista. M arx celebra com rasgados elogios o papel revoluciona rio
da burguesia: **A burguesia não pode existir sem revolucionar continua mente os
instrumentos de produção, portanto, as relações de produção j . por conseguinte,
o conjunto dias relações sociais'''. E adiante: “ A b ureacd a, na $llâ dom inação
de classe que mal teve a duração de um século, criou forças produtivas nlpis
num erosas e colossais que todas a.s gerações passadas em conjunto. Á subjuga
çào das forças da natureza, a m aquinaria, a aplicação da quím ica ã indústria
e à agricultura, a navegação a vapor, a estrada de ferro, os telégrafos a fio, o
dcsbravaitlicmo de continentes inteiros, o melhoramento dos rios. tornando os
naveguvífis, populações inteiras brotando da Letra com o por encanto 1. . . I !”
M arx também percebe o reflexo sóbre o quadro institucional: £‘ D issolvem se to
das as relações rígidas e enferrujadas, entn o seu sé quilo de representações ç de
concepções sccularm ente veneradas e iodas as relações recém produzidas Lor
nam-se antiquadas aníus de poderem ossiliuar se. Tudo õ que é cs lamentai e esíug
nado se evapora, tudo o que é sagrado é profanado, c os homens são ímulmerue
obrigados a encarar com sobriedade sueis relações reciprocas” ,
É a partir da incongruência entre adaptação passiva do quadro instituciOflííl
e "subjugaçáo ativa da natureza" que se cunhou a célebre proposição segundo
a qual os hpmens fiucin a sua história porém não com consciência e vontade.
O objetivo da crítica «dc Marx ura o de transformar aquela adaptação secuudáriu
do quadro institucional tam lxm mima adaptação ativa, c de submeter n controle
a mudança esLrulural da própria sociedade. A ssim , uma relação fundam ema 1 de
toda n história anterior devia scr superado ç a auLOConstiiuíçào du cupédc ser
com pletada: o fim cia. pré historia. Porém essa idéia era ambígua
D ecerto, Marx encarou o problema de fa/.ef história, com consciência c von
mdc, com o tarefa de um domínio pratica dos processos, de desenvolvimento social
üté cnUtu nào eoiuroludos. Mas os outros compreenderam esse problema como
uma tareia té e n ic v : ao reconstruir a s&ciedbcle segundo o modelo dos sistemas
auto regulados do agir racional cnm respeiloei-fm s e do comportamento adapta
ti vo, des pretendem controlar a sociedade do mesmo modo que controlam a natu­
reza, E ss a intenção se encontra não somente entre os tccnocratiis do planejamento
capitalista, mas lambérq entre os do socialism o burocrático. Contudo, a consciên­
c ia tecuocríitiea obnubila o fato de que e n q iu m r<? contextura de interação inedíau
zada pela linguagem corrente, o quadro institucional só1! puderia ser dissolvido
pelo modelu dos sistemas do agir raeiüiiaJ-eom-respeíío a Uns, ao preço dü fecha­
mento da única dimensão que c essencial, por sei' susceptível de hum anização.
34li H A BERM AS

No futuro, o repertório das técnicas de controle será consideravelmente am­


pliado. Na lista, feita por Hermann Kahn. das invenções técnicas prováveis den
Lro dos próximos 33 anos.21 descubro, entre os primeiros cinquenta itens, um
grande núm ero de técn icas de conirole do comportamento c de modificação da
personalidade: 30. outras tàcmeas novas e possivelmente universais de vigilância,
monitoragem c controle de indivíduos e organizações; 33. técnicas novas e mais
seguras 4idc educação” c de propaganda que afetam o comportamento humano
— público e privado: 34. uso prático da comunicação eletrônica direta com o
cérebro e de estimulação cerebral: 37. técnicas novas e relativa mente eficientes
tíe contra-revolta; 39. drogas novas e mais variadas para controlar a fadiga, para
o relaxamento, prontidão mental, humor, personalidade, percepções e fantasias:
41. capacidade aperfeiçoada de “mudar" o sexo: 42. outro controle genético ou
influência sobre a constituição básica dc um indivíduo. — l >mprognóstico dessa
espécie é exírcm&mente discutível. Ainda a ssim , de aponta para um setor de ehun
ccs fururas de desatrehir o comportamento humano de um sistema de normas
vinculado à gramática dos jogos de linguagem u de, em vez disso. iiUcgrá Io por
urna influência direta, física ou psicológica, nos sistemas uuto-rcgulados do tipo
homem máquina. As manipulações psicotécnicas do comportamento já hoje po
dem excluir os rodeios fora de moda que passam por normas interiorizadas, po
fém . acessíveis â reflexão. A s intervenções bíoiècnicas no sustenta endócrtnò dc
controle e sobretudo :.is intervenções na transmissão genética das inloimuçõcs
herdadas podem amanhã tomar ainda mais profundo o controle do comporta
mento. Então, as zonas dc co n sciên cia mais antigas, desenvolvidas na comunica
ção em linguagem corrente, deveríam secar por completo. Nesse nível de técnicas
dti manipulação dc» homem cas*» fosse possível falar do fim dita manipulações
psicológicas, num sentido análogo àquele Cm que sc lalajioje do fim das ideolo
gins políticas a alienação crescida nuturalmente. o atraso não controlado do
quatro institucional, seria superada, Mas então a auto abjetivação do homem sc
teria completado numa alienação planejada oi homens fariarn sua história
com vontade mas não com consciência,
Não estou afirmando que este sonho cibernético de um:i amo estabilização
ao modo instintivo da sociedade esteja sendo realizado ou mesmo que de seja
realizável. Acredito, contudo, que dc leve às ultimas consequências, n maneira
das utopias negativas, as vagas hipóteses básicas J:i consciência tecnocráticn.
ç que caracterize assina uma linha de desenvolvimento que se anuncia como ideo
logia sob u dominação suave tia ciência e cia técnica, Ames de mais nada, <festn
ca sc nesse pano dc fundo, com toda clareza, a necessidade dc distinguir d o i s
c o n c e i t o s d c r a c i o n a l i z a ç ã o . No nível dos subsistemás do agir racional com res

peito a fins. o progresso técnico científico que já forçou a reorganização de insti-


LuiçCcs c Setores parciais da sociedade, exige se ainda cm maior medida. Mas
esse processo de desenvolví mento de forças produtivas pode tornar-se am poten­
cial de liberação quando e só quando nao subsLÍtui a racionalização num outro

' 1 "Towíird Uic Vcir 3QtKy\ m O eedaktit, i sN. tfc* A.) Traãuçâe brasileira.O uno íü f/ü , Mdhoranitín
tós. S- 1 fi9, íNi ò»;. T.)
T É C N IC A E CIF-N CIA EN Q U A N TO “ ID E O L O G IA " 34!

plano. .4 racionalização no piano do quadro institucional só se pode perfazer


num in d o de interação verbal mente m ediatizada, a saber, por uma decompressão
no domínio comunicativo. A discussão pública, que não sofre restrições e que
é isenta de dom inação, sobre a adequação e □ conveniência de princípios e normas
que orientem o agir d luz dos reflexos sócio-culturais dos subsistemas pm grcssí
vos do agir racionai com respeito-a rins uma com unicação dessa espécie, em
todos os níveis dos processos políticos c repolicizados de formação da vontade,
è 0 úniéõ meio no qual algo ç&m.o uma u racionalizaçâo" é possível. Num tal
processe? de reflexão generalizada, as instituições, seriam m odificadas na sua com
posição específica para aJctn d-os limites dc uma mera mudunçu de legitimação,
Um a racionalização das norm as sociais seria caracterizad a precisa mente por um
grau reduzido de tcgrcssívidade Io que, no plano da estrutura da personalidade,
deveria lazer crescer a média de tolerância, face ao conflito entre os papéis). Além
disso, por uma dim inuição do grau de rigidez (o que deveria m ultiplicar as d ian
ces de uma autoprasentação na interação diãrin adequada do ponto de vista indi
vidual) e finalmente pela aproxim ação a um tipo de controle do comportamento
que autorizasse a distância entre os papéis c uma aplicação flexível de normas
firmemente interiorizadas e contudo acessíveis ã reflexão. A racionalização mc
didíL pelas modificações nessas ires dimensões não conduz, com o a racionalização
dos sistem as raciona is-com respdto-aTm s, a um crescim ento do poder J c mnni
puiação técnica sobre processos objdualt/.ndos da natureza c da sociedade; ela
nào conduz por si só a um melhor funcionamento dos sistemas saciais, mas ela
oferecería aos membros da sociedade aç chances de uma em ancipação m ais atn
pia e de uma individuaçüo progressiva, O crescimento da» forças produtivas
fliâo c o in c id í com a intenção do "bem -viver" mas pode, em todo cuso. ser útil a
essa intenção.
Não creio que ainda seja adequada ao capitalism o u concepção de que há
potencial tecnológica menu* transborda me que não se eugüte dentro de um quadro
institucional mantido por repressão {M arx feslu cm forças produtivas "acorrenta
das."í. A melhor utilização de um potencial não realizado conduz a uma melhora
do aparato sócio econômico, mas hoje não conduz mais eo ip s o a uma modifica
ção do quadro institucional, com consequências erruincipatórias. A questão não
c a dc saber se conseguímos e s g o ta r um potencial disponível ou a ser ainda d&scn
volvido, mas a dc saber se e sc o lh e m o s aquilo que podemos querer para os fins
de uma pacificação e satisfação da existência. Mas logo se deve acrescentar que
essa é uma questão que pode apenas ser posta sem que possa ser respondida
por antecipação: eln requer, muito mais. aquela comunicação descomprimida so
bre os objetivos tia p rú x is da vida a cujn íemátizaçao o capitalismo em rase tardia,
dependente esLruUmdmentc dc uma opinião pública despolitiziuia, decerto opõe
resistência.

IX

Sem levar em canta os conflitos à mangem do sistem a, que se devem a dispa


-fídades, uma nova zona de confino só pode surgir, no lugar da v in u a liz a d a oposi
343 IIA B ER M A S

çao de ctasscs. quando a sociedade capitalista cm fase tardia precisar tornar-se


imune contra o questionamento de sua lecnoerática ideologia de fundo, por meio
de uma despo! itizaçàü da m assa aa população; juslam erue no sistem a do domínio
publico, governado pelos meios de com unicação de m assa. Pois só aqui pode
ser fortalecido o encobrimento, indispensável ao sistem a, da diferença entre pro­
gressos cm sistemas do agir racional com-respeito-a-fins c m odificações emanei
paLorias do quadro institucional •— entre questões técnicas e práticas. A s defini
ções admitidas no domínio pubüco se aplicam àquilo que queremos para a nossa
vida, mas nâo ao como gosta ri amos de viver, se pudéssemos, tendo em vista os
potenciais que podem ser atingidos, descobrir com o poderiamos viver.
É difícil fazer um prognóstico sobre quem inflam ará essa zona dc conflito.
Nem u antiga oposição de classes nem os subprivilégios do novo tipo contêm
potencial< de protesto que. segundo sua origem, tendam para uma repolilizaçso
do ressequido domínio público Por enquanto, o único potencial dc protesto que.
através dc interesses reconhecíveis, dirige-se paru a nova zona de conflito, surge
entre certos grupos de estudantes universitários c secunduristas. A o ili/.cr isso.
três eonslutaçõcS podem servir nos de pontos dc apoio:
1. O grupo de protesto dos estudantes universitários e secundaristas e privi
legíado. Ele náo representa interesses que decorram imediata mente da sua posição
social a que possam ser satisfeitos, em conformidade com o sistema. por um au
mento de compensações sociais. A s prim eiras pesquisas am erican as** sobre os
ativistas estudantis confirm am a t£Sv de que, na maioria dos casos, nâo se trata
das partes do corpo estudantil cm ascensão in icia l, mas das partes de siatUS favo
recido. recrutadas em cam adas sociais economicamente remediadas.
2. A s propostas dc legitimação do sistema dc dominação não parecem con
vincentes para esse grupo por razões defensáveis. Ü programa vócio-cstatal dc
substutivos para as ideologias burguesas em decomposição pressupõe uma cena
orientação de matais e do desempenho. Porém , segundo as pesquisas mencionadas,
os estudantes ativistas dingem se às carreiras profissionais e á futura família dc
maneira menos privaii&ta do que os outros estudantes, Seu desempenho acadê
mico. que esiá. na m aioria das vezes, acim a da media, e sua origem social não
privileg iam um horizonte de expectativas determinado p d a s coações antecipadas
do mercado de trabalho. O s estudantes ativos, que provêm, com relativa freqücn
cia. do ramo das ciências sociais e das c im ç ia s filoiógiço históricas,, são relativa
mente imunes â consciência tccn o çráiica, pois. embora por diferentes motivos,
nos dois casos, as experiências originárias do próprio trabalho cientifico nuo se
harm onizam com ?is suposições lecnocraiieas fundam entais.
3. Nesse grupo, um conflito pode scr inllum ado nâo peta quantidade de dis­
ciplinas e encargos exigidos, mas pela espécie dc privação imposta O s estudantes
universitários c sccundarisias náo lutám por uma m aior participação nas eompen

ü. M. Lipwu V <i Alt&iurh. "Siudeni HoUttes and Higbor Iiduamon in tbe USA . ia S. Vt Llpw»,
ur£.. StUCÍerU Política. Nova York, iShT- R,_ Ft*cltít,"*THe I ibcrnusl Cencrmion An Kxjiíisr.nkw t>rtiic Roo»
uf Sttidtiil Hrntesi ". «} Jnnrn Soç, h itic i. Julí Ev67; K Kcaisiun, The Stmfces c f SlndctH D hsm t, op.
T É C N IC A F.C IK N C JA H N Q l A N T O " ID E O L O G IA ' 343

■vações sociais correspondem ^ às categorias já disponíveis: renda c tempo livre


ilc trabalho. Seu protesto se dirige, antes, contra a própria categoria de "cOnapen
saçao ". O s poucos dados que temos â jr.ào confirm am a suposição dc que o pro­
testo dos jovens que provêm dos. lares burgueses rtâo coincide mais com o modelo
do conflito de autoridade já costum eiro há muitas gerações. O s estudantes ativos
têm com frequência país que com partilham de suas atitudes c ritic a i. Ele s foram
criados, na íu u m aioria, com méis compreensão psicológica e segundo princípios
educacionais num liberais dt> que os grupos de com paração não ativ o s,23 Sua
so cialização parece ter se processado. anté>. em jmbcultunut Iívtcs de pressão ime
dia ca. nas quais as tradições da moral burguesa e suas derivações pequeno b u r­
guesas haviam perdido a função, de modo que o treinamento para a virada em
direção de orientações valoratívas do agir racional eom-respeito a lins não inclui
mais a fetichização desse agir. F.issas. técnicas educativas são capazes de po ssibili­
tar experiências c favorecer orientações que *e chocam com a form a dv vida con
servativa de umii economia de pobreza. Sobre essa base podería configurar cr
uma incompreensão ay nivd dos princípios, relativa ú insensata reprodução de
virtude*, e sacrifícios que se tornaram supérfluos uma incompreensão da razão
pela qual. apesar do avançado estágio de desenvolvimento tecnológico. .1 vida
individual é determinada, agora como antes, pelos ditames do trabalho profíssio
nal. peía ética da eim corréudh no desempenho, pd a pressão du concorrência de
Matus, pelos valores da coisíH caçào possessiva tf das satisfações pelos sucedâneos
oferecidos no mercado, uma incompreensão da razão pela qual é mantida a luta
instinacionalizada pela existência, y disciplina do trabalho alienado, anulação da
sensibilidade e da satisfação estética,
T o m o u .se insuportável m essa sensibilidade a exclusão das questões práticas
dó dom ínio público despoliiiy.udo. Só será possível surgir dai urna torça política,
sc aquela sensibilização for afetada por uma questão relativa ao sistema, que
seja insolúvel, Prevejo para o futuro um problema dessa espécie, A escala de
riqueza social, produzida por um capitalism o indusmuitmeme desenvolvido, e aa
condições tanto técnicas como organizatórias, nas quais essa riqueza c gerada,
focem com que s e ja cada v-çz mais ditTeiJ lig ar a atribuição de s t a i u s aos mecânis
ntos de avaliação do desempenho individual de uma maneira pulo m uuw subjeti
vumeniu Convincente,*4 Por conseguinte, o protesto dos estudantes universitário-»
e secunda ristas podería, n lon^o prazo, destruir dcfim liv amente essa enfraquecida
idegJogu» de legitim ação e. çam isso, fazer desmoronar a base, aliás frágil, Je
legitim ação do capitalism o cm fase tardia, protegida apenas pclu d espo litizaçio .

' 1 Cl. r-’)ac.k«<. "üü advii.nr. jmíijíi rudictiv., r)Lir um » puiSi ni-as «is p*is iV?1
. „mvisi;j* Káo ilüí tdid&jiierllc
imni> IUk -juhí do q u n i r a s Jc mcsnui swixíís "ç "O auvismn c rd acionada fl um compírxn t|c veÚwei
nãif usen.Nivtiinzmi putiiico*.cünqwUlhitdn1 tanls» pelos c£nuJ:ini<i-. ctun^ par 5CH?- psR”: "Os pmdí-aiivf-.
i;js s4o rniíh "permissivo* lIc.i qu?m jms de nüu HlívistaC'.
■' 1 Cf. R. L. l lúuiHOftr-.tv.. The Luniss ,y.-I nuviçan Capitaílíai, jMyva York, ISfrti.
ÍN D IC E

BENJAMIN, HORKHEIM ER. ADORNO. HABERMAS - Vida e


obra ................................................... ................... .................. v
Cronologia .............................. ............................................................. X V I It
Bibliografia ......................... ............................................ .............. XIX

W ALTER BENJAMIN
A Obra de Arle na Época de suas Técnicas de Reprodução ............. 3
Sobre alguns Temas cm Baudclairc ...................... ............................ 29
O Narrador - O b s e r v a ç õ e s u c e r c a d a O b r a d e . W i c o i a u L c s k o w . . . . 57
O Surrealismo O m a ts r e c e n te in s ta n tâ n e o d a in te lig ê n c ia e u ro p é ia 75

MAX HORKHEIMER
Conceito de Jiuminismo ........................................................... . . 89
Teoria Tradicional c Teoria Crítica ....................... ............................. 117
Filosofia e Teoria Crítica ..................... .................................... 135

THEODOR W. ADORNO
O Fetichismo na Música c a Regressão da Audição ..................... 165
Lirica c Sociedade ................. ........................... .................................... 193
Introdução à Controvérsia Sobre o Positivismo naSociologia Alemã .. 209
Idéias pjtra a Sociologia, da Música ............................................... . . 259
Posição do Narrador no Romance Corílemporânco . . . . ............... 269

JÜRGEN HABERMAS
Teoria Analítica dá Ciência e Dialética — C o n t r i b u i ç ã o a p o l ê m i c a c n
tre P o p p c r c A d to rn o . 1 ? ........... . 277
Conhecimento e Imeresse ............................... ................................... . 301
Técnica e Ciência Enquanto 'Tdcòlogia" ........ .. ............................ 313
Composto e impresso nas oficinas da
Abrí! S.A. Cultural e Industrial,
Acabamento: Circulo do Livro S.A
São Paulo — Capital
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DESTA SÉRIE:

VOLTAIRE
MARX
A R IST Ó T ELES
SARTRE
ROU5SE.AU
NIFTZSCHE
KEYNES
ADORNO
S A LSS U R E
PRÉ-SOCRÁT1COS
CALILEU
PIAGET
KANT
B A C H ELA R D
ÜURKHEIM
LOCKE
PLA TÃ O
D ESC A R TES
MERLE AU-PONTY
WITTCENSTEIN
H E ID E C C E R
B ER C SO N
STQ TO M Á S DE A Q U I NO
H O BBES
ESPIN OSA
ADAM SMITH
SCH O PEN H A U ER
V IC O
K1ERKEGÀARD
PASCAL
MAQUIAVEL
HÉCF1

E OUTROS
M eiohune
W ALTíR BENlAMilN
A OBRA DE ARTE NA ÉPOCA DE SUAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO 1936
SOBRE ALGUNS TEMAS EM 9AUDELAIRE publ 1962)
O NARRADOR (publ. 1969)
O SURREALISMO publ 1969)
Vários temas relacionados &ane são agudamenio anaíisados nesse* ensaios
o desaparecimento ou a decaríçncia da aura dos objetos artísticos; a atividade
narrativa vista como forma artesanal de comunicação; a tentativa, realçada
pelo movimento surrealista, de conquistar as forças do êxtas-e para a revolução

MÀX HORKHEIMER
CONCEITO DF ILUMINISMO i1947)
TEORIA TRADICIONAL E TEORIA CRITICA (193?)
FILOSOFIA E TEORIA CRÍTICA (1937)
Escrevendo em parceria com Adorno, Horkbeimçr mostra coma as
promessas de libertação, contidas no lluminismo, puderam ser
transformadas em instrumentos de dominação. Nos outros ensaios
apresento a teoria crítica praticada pelos frankfyctianos e
oposta ao pensamento baseado na çièru a sistemática e dedutiva.

THEGD OR W, ADORNO
O FETICHISMO NA MÚSICA E A REGRESSÃO DA AUD IÇÃ O I91S
CONFERÊNCIA SOBRE LÍRICA F SOCIEDADE M965)
INTRODUÇÃO A CONTROVÉRSIA SOBRE O POSITIVISMO NA
SO CIO LO GIA ALE MA 1972)
IDÉIAS PARA A SO CIO LO G IA DA MÚSICA ( 1959)
POSIÇÃO DO NAKRAPQR NO ROMANCE CONTEMPORÂNEO 195Br
A música, transformada pela Indústria cultural em obieiode consumo,
degrada-so c acarreta a regressão da própria percepção auditiva. A Ifrita
Interpretada n5o apenas como expressão dn subjetividade individual,
surge coma manifestação da subterrânea corrente coletiva. A crítica
a nóçào positivista de objetividade revela como "a lógica absolufizada c
ideologia' A música se torna ideologia quando w torna objciivamentc u so.
No romance atual, a "distância estética" modificada e encurtada,
altera battii anuente j relação entre narrador e leitor.

IÜRGEN H AR ERMAS
TEORIA ANALÍTICA DA CIÊNCIA DIALÉTICA 11974!
CONHECIM ENTO E INTERESSE (1963)
TÉCNICA E CIÊNCIA ENQUANTO ID EO LO GIA (1963)
Em combate à neutralidade pretendida pelo objetivísmo, H abe rimas
desvela o caráter ideológico da ciência e da técnica.

Traduçóes de; Josb Lmo ÇrünncwakL Edson A Cabra/, fosé Benedito


d e O. D a m i . í o Modesto Carone, £rw/rr T Rosenfàl.
Zeljko Loparic, A ndtfa Maria Loparid, Edgard Afonso
M a tig o d t Ronaldo Pereira Cunha, Luiz João Baratina.
Rubens Rodrigues Torres Filho, W a i f g a n g Leo Ma ar.
Roberto Sçhwarz, Maurício Tmgtvnber#
Consultor da Introdução: Paulo Eduardo Arantes

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