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CONSELHO EDITORIAL: José Augusto Delgado Adel El Tasse Ana Paula Gularte Liberato José Renato Gaziero Cella Antonio Carlos Efing Luis Alexandre Carta Winter Carlyle Popp Luiz Antonio Camara Claudia Maria Barbosa Marcos Wachowicz Eduardo Biacchi Gomes Melissa Folmann Elizabeth Accioly Néfi Cordeiro Francisco Carlos Duarte Paulo Gomes Pimentel Junior Helena de Toledo Coelho Goncalves Paulo Nalin Ivo Dantas Rainer Czajkowski James Marins Roberto Catalano Botelho Ferraz Jane Lucia Wilhelm Berwanger Roland Hasson Joao Bosco Lee Vladimir Passos de Freitas José Antonio Savaris ISBN: 978-85-362-2916-4 Editor: José Emani de Carvalho Pacheco Ay, Mutthoz da Rocha, 143 - Juveyé - Fone: (41) 3352-3900 Fax: (41) 3252-1311 - CEP: 80.030-475 - Curitiba Parana - Brasil e-mails: editora@jurua.com.br marketing @jurua.com.br Minahim, Maria Auxiliadora (coord.). M663 Meio ambiente, direito e biotecnologia: estudos em home- nagem ao Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Machado./ Maria Auxiliadora Minahim, Tiago Batista Freitas, Thiago Pires Oliveira (coords.)./ Curitiba: Jurua, 2010. 624p. 1, Direito ambiental. 2. Biotecnologia. I. Freitas, Tiago Batista (coord.). II. Oliveira, Thiago Pires (coord.). Ill. Titulo. 90139 CDD 342 (22.ed) CDU 342.951 Visite nossos sites na internet: www.jurua.com.br e www.editorialjurua.com Capitulo 20 MEDICOS, MONSTROS E HEROIS: ENSAIO ANTROPOLOGICO SOBRE FICCAO CIENTIFICA E BIOTECNOLOGIA Mibia Bento Rodrigues! Sumério: 20.1 Além de Frankenstein, a caminho de Spider Man e X-Men; 20.2 Referéncias. : “E a monstruosidade e ndo a morte que é 0 contravalor vital”. (Georges Canguilhem, em La connaissance de la vie. p. 221) Desde a publicagao de Frankenstein, em 1818, e de “The strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde”, em 1886, a literatura de ficgao cientifi- ca produziu metéforas poderosas sobre ciéncia ¢ cientista como poten- cialmente perigosos. O livro de Shelley conta a historia de um jovem estu- dante de quimica obcecado por descobrir os principios de geragao da vida para, enfim, reproduzi-la artificialmente, livrando a humanidade de seu imponderavel radical. Stevenson, por sua vez, descreve a obsessio de um médico por depurar as piores caracteristicas do “espirito humano”, sepa- rando as consideradas boas daquelas ruins. Destes dois experimentos infelizes, nasceram uma criatura grotesca, monstruosa e, nao menos, hu- mana, e um cientista de espirito monstruoso. Ao longo do tempo, as duas obras foram diversamente adaptadas para teatro, cinema ¢ TV, ultrapas- Professora Adjunta I, Departamento de Antropologia, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tradugio livre de: “C'est la monstrosité et non pas la mort qui est la contre-valeur vitale”. Nubia Bento Rodrigues 388 . . a de versdes. Igualmente renderam iniimeras anil, 1 popularidade pode ser en POTHO a fa? jes sociais em relagdo a0 potencial per; ag truosidades. Entretanto, seria simplista imag ty poderiam abalar a confianga social eM rela el | 4rio, ao mesclar fascinio e espanto im oa xpande os limites da compreensag soci sando uma centen tedricas. Esta notave! de expressar preocupa¢! ciéncia para criar mons que estas representagdes “vida no laboratério”. Ao contr discurso, este género literario ©: sobre a atividade cientifica. Bie. . lois classicos da li No entanto, se por um lado, estes d eratura gig, centista podem ser considerados metdforas EGO! versonen 08 peri, gos da ciéncia (SEALE ef al. 2006), nos ee ‘ see ni ens ue des, pontaram nos quadrinhos da Marvel oe ee Tae} a lume Novas interpretagdes. Com Spider Man (1962) ¢ X- ce », VeMOs nasce, um novo tipo de discurso. Produzidos, de certo modo, acidentalmente cn laboratério, eles usam seus poderes mutantes para proteger a humanidade de ameagas diversas; ajudam a combater a injusti¢a e se envolvem en questdes de natureza politica. Seguindo ° argumento de Said (1979) 80. bre a literatura (ou a arte) como meio atraves do qual € possivel se ler dinamicas politicas e mentalidades sociais, entendo a popularidade deste género literario, a ficgdo cientifica, como parte de um discurso social (BAINBRIDGE, 2007; KEEN & KEEN, 2004; BREEN, 2004), relacio. nado as dimensdes sociopoliticas da ficgdo cientifica (HELMREICH, 2001; MILNER, 2004; SLAYTON, 2007). Ideias e imagens sobre monstros podem ser facilmente encontra- das por toda parte, nao seria excessivo afirmar. Nao raro, atemorizam e dao colorido a distintas formas de arte, seja pintura, literatura, cinema; além do universo fantastico e das brincadeiras infantis. Contudo, é preci- so esclarecer que estas imagens, ideias e definigdes sobre o monstruoso - e a monstruosidade — variam segundo os tempos, lugares e formas de discurso. Essas figuras privilegiadas aqui, agora; acold e no passado; muitas vezes se apresentam sobrepostas, 0 que torna dificil demarcat, com precisdo, os momentos histéricos da decadéncia de uma ¢ ascensio de outra. De qualquer modo, é possivel ler e reconhecer, através de mate- rial diversamente produzido por uma sociedade, quais sio os modelos de monstro e monstruosidade prevalecentes, bem como os modos particula- res de entendé-los, Este € 0 argumento central de Michel Foucault (1999), numa aula ministrada no College de France, em 15.01.1975, cujo objetivo princi! era discutir 0 estatuto juridico-moral da anomalia, A compilagdo dos cur sos proferidos naquele ano escolar foi denominada, acertadamente, a Meio Ambiente, Direito e Biotecnologia 389 anormais”. Para entender © monstruoso, diz ele, ¢ preciso saber 0 que é a anomalia. O andmalo é, portanto, uma diferenga produzida a partir 4: condigdes histéricas © oferece uma previsio sobre o devir das forbs da natureza € sua aceita¢ao social. Como derivagao desta nogao, o monstruo- so é a clara demonstraco deste limite expandido. A propria etimologia do vocabulo permite vislumbrar seu carater sinalizador: impée, pela = posigao a olho nu, a necessidade de compreensio destas pequenas ruptu- ras, ¢ exige um conhecimento antecipador, espécie de predigao de futuro em relagéo ao esforgo sociocognitivo necessario para qualquer sorte de classificagao. Essas diferengas, essas demonstragdes de possibilidades, essas transgressées aos limites do que é socialmente aceitavel, no que se refere 4 natureza, devem, portanto, ser reconhecidas, corrigidas, submeti- das ao controle ec, enfim, incorporadas 4 mentalidade social vigente. A partir desta linha de pensamento oferecida por Foucault, através da qual o monstro é entendido como uma transgressaio (ou expansao) do limite da natureza, a biotecnologia pode ser considerada como o meio através do qual este limite rompido pode ser socialmente ajustado. Contudo, convém esclarecer, nao estou me referindo a ajuste apenas no sentido de controle, punicdo ou repressio, mas fundamentalmente como uma estranheza pas- sivel de ser naturalizada, trazida para a ordem do dia, fazendo com que estas irregularidades possam ser socialmente aceitas — melhor dizendo, culturalmente naturalizadas. Foucault estava interessado na definigao juridica do comporta- mento monstruoso no periodo classico, a partir da qual se configurava o tipo de individuo socialmente indesejavel que deveria ser “corrigido”. Para tanto, ele analisou documentos produzidos a partir do século XVIII, com objetivo de iluminar a mentalidade que associava 0 monstruoso ao delituoso, cujo apogeu se deu no século XIX. Ele buscava identificar igualmente as tecnologias sociais voltadas para corrigit ou coibir as transgressdes comportamentais, que tornavam os sujeitos passiveis de serem proscritos da sociedade. Os dois exemplos mais claros sao os lou- cos € os criminosos, talvez os mais perigosos dos andtemas reconhecidos naquele periodo. De minha parte, chama-me a atengao a definig’o “morfolégica” do monstro, isto é, sua “de-monstragdo” propriamente dita. Se os conceitos e as tecnologias referentes a0 monstruoso sao produzidos conforme as épocas, estou interessada em entendé-los 4 luz do nosso tempo para, quem sabe, vislumbrar 0 seu devir. A historia da produg&io em biotecnologia pode ofere- cer numerosos exemplos de excegées monstruosas, mas inteligiveis, que foram, pouco a pouco, sendo transmutadas em fendmenos corriqueiros, por- tibia Bento Rodrigues ; gidas”. Se, i periodo fr ey é todo o seculo ri eat eeotinrennt © fim do sécilo ane ae ene 6 aoe ae tin definido © deveria set COMIEIGO CO oe nnte artigo proponho um pequeno Sei tada pela rat G40 © de ae ee visualizar a figura do monstro So ee cclusho g médi- eaenited no Ambito da ficgdio. Isto nao sign a i bsiexcouo pa 7 édi ienti juridi as apenas, po -cientificas e juridicas, ™m: r a Sonam iis futuramente melhor entender os caminhos de convergéncia entre elas. 390 opiciadas ou “corti O monstruoso expde uma divergéncia em ca a concepgies de normalidade, forma, ordem ou taxonomia. Em outras Be ee a monstruo- sidade esta ligada aquilo que pode mudar as coisas de ie Por isto re- presenta uma ameaca 4 pretensa estabilidade do mundo. E assim, através de io humana. Se estamos habituados a uma distopia, o monstro desarranja a raz ver “o semelhante engendrar 0 semethante” (CANGUILHEM, 1965, p. 219), a emergéncia do monstro abala nossa confianga numa ordem previamente conhecida e classificada, normalizada a partir de juizos, regulamentos e ex- periéncias. Por isso, os seres que escapam ao “natural” ou “razoavel” sao sinalizados por um valor negativo; sao considerados aberragées. Por este ponto de vista, o monstro é um ser abominavel. Entretanto, se, por um lado, esta associado ao que deve ser abomi- nado, também ¢ digno de admiragao. Lembremos, pois, dos “circos de aberracao” popularizados por P. T. Barnum, a partir do século XIX (FIE- DLER, 1978); bem como dos museus criminais brasileiros, dentre os quais, o Museu Estacio de Lima, instalado até o ano de 2006 nas dependéncias do Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues, em Salvador, Bahia (SERRA, 2006; SANSI-ROCA, 2005). Num certo sentido, a monstruosidade ¢ fasci- nante e transforma a “normalidade” num fenémeno igualmente acidental. Se o monstro representa uma quebra, uma falha, um acidente, toda a imper- feigdo que ele “de-monstra” permite interpretar 0 ser néo monstruoso como quase miraculoso, como um acidente positivo da natureza. O ser monstruo- so revela uma ordem descontinua e instavel, que deve ser conceitualmente normalizada através da linguagem, tornando-se “excegao”. Assim, a aber- ragdo contraria as formas de pensar a continuidade e gera inseguranga, mas fornece um pardmetro para pensar o “normal” como fendmeno nulo em monstruosidade. Deste modo, 0 monstruoso e 0 néo monstruoso se espe- ham mutuamente. 2 Nubia Bento Rodrigues igidas”. Se, no perfodo analisadg io XVIII € todo o século XIX, 4 ‘ wi “corti que foram devidamente propiciadas ou ido conforme a ordem juridica, écul por Foucault, que compreende o fim do ie monstruoso era definido e sean eerie Hislocemento de definigdo « 4 ente artigo proponho wi ei = a > de Faenoniats Secale a figura do monstro privilegiada pola pratica medi sovcientifica, no ambito da ficgao. Isto ndo significa umn HX MN Snir as ordens médico-cientificas e juridicas, mas pens) PAhon de.coriver awe mais amplo, para futuramente melhor entender 0s cal géncia entre elas. O monstruoso expde uma diverge! : normalidade, forma, ordem ou taxonomia. Em outras palavras: a monstruo- sidade esta ligada aquilo que pode mudar as coisas de lugar; € por isto re- presenta uma ameaga 4 pretensa estabilidade do mundo. E assim, através de a razéio humana. Se estamos habituados a uma distopia, o monstro desarranja ver “o elit engendrar 0 semelhante”> (CANGUILHEM, 1965, p. 219), a emergéncia do monstro abala nossa confianca numa ordem previamente conhecida e classificada, normalizada a partir de juizos, regulamentos © ex- periéncias. Por isso, os seres que escapam a0 “natural” ou “razoavel” sio sinalizados por um valor negativo; sio considerados aberragGes. Por este ponto de vista, o monstro é um ser abominavel. Entretanto, se, por um lado, est4 associado ao que deve ser abomi- nado, também é digno de admiragio. Lembremos, pois, dos “circos de aberraco” popularizados por P. T. Barnum, a partir do século XIX (FIE- DLER, 1978); bem como dos museus criminais brasileiros, dentre os quais, o Museu Estacio de Lima, instalado até o ano de 2006 nas dependéncias do Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues, em Salvador, Bahia (SERRA, 2006; SANSI-ROCA, 2005). Num certo sentido, a monstruosidade é fasci- nante e transforma a “normalidade” num fenémeno igualmente acidental. Se o monstro representa uma quebra, uma falha, um acidente, toda a imper- feig&o que ele “de-monstra” permite interpretar o ser nado monstruoso como quase miraculoso, como um acidente positivo da natureza. O ser monstruo- so revela uma ordem descontinua e instavel, que deve ser conceitualmente normalizada através da linguagem, tomando-se “excegao”. Assim, a aber- ragdo contraria as formas de pensar a continuidade e gera inseguranga, mas fornece um pardmetro para pensar o “normal” como fendmeno nulo em monstruosidade. Deste modo, 0 monstruoso e 0 no monstruoso se espe- ham mutuamente. cia em relagdo a concepgées de > Tradugdo livre de: “e méme engendrer le méme”, > Meio Ambiente, Direito e Biotecnologia 391 Quando associado ao defeitu © Monstruoso eng’ ' «act ata enti mes Deane ete cto UM jproximam através da nogao de impureza c, pot conseguinte, evocam 0 serigo (DOUGLAS, 1976). Enquanto 0 monstro delituoso é sortateito, pois seu defeito nao pode ser facilmente capturado “a olho nu” — 0 que exis ee Sbservador maior esforgo imaginativo para compreendé-lo — 0 ernst agride de imediato a visdo, como se a aparéncia defeituosa fosse um indi- cativo negativo para o carater. Isto fica claro no livro de Shelley. Tao logo veio a mundo, a criatura desenvolvida por Victor Frankenstein era uma espécie de “bom selvagem” rousseauniano, um ser em “estado puro”. Mas go ser abandonado por scu criador, sai a procura de quem possa Ihe ensinar a agir 4 imagem e semelhanga dos seres humanos. Entretanto, adultos criancas, jovens ¢ idosos, rejeitavam-no ¢ o humilhavam, unicamente pelo desprezo ou pelo terror causado por sua aparéncia horrenda. Quanto mais procurava aprender a ser bom e generoso, apenas despertava ainda mais medo nas pessoas. Por niio conseguir encontrar um lugar no mundo, a criatu- 1a foi sendo tomada por sentimentos de vinganga. Movida pelo ddio contra todos que 0 rechacaram, especialmente seu criador, a criatura cometeu crimes através dos quais, finalmente, se estabeleceu um elo entre sua apa- réncia e seu comportamento, ambos adjetivados monstruosos. Assim, 0 monstruoso se relaciona ao delituoso, ao ilicito, a partir de uma espécie de Iei do contagio, ou, nas palavras de Canguilhem, pelo “poder de determi- nar através da imaginagdo uma monstruosidade notdvel”™ (2003, p. 225). Por estas vias, a monstruosidade passa a ser incorporada ao universo do humano como uma metafora para ages consideradas humanamente repro- vaveis, em grau mais extremo, ou como tudo aquilo que escapa a taxono- mia (FOUCAULT, 2005 [1966}). Se o monstro € 0 ser defeituoso, anémalo, aberrante, torna-se in- classificavel porque temporariamente nao dispoe de um lugar na natureza. Por isso, a distopia é 0 termo na critica literdria ¢ de cinema para designar © género de ficgiio dedicado a estas figuras fora de lugar. Sdo seres absur- dos e fantasticos, no sentido de fantasiosos. O monstruoso do passado era 0 hibrido entre espécies diferentes; era impuro porque contaminado, era aberrante porque ilicito e associado 4 quebra de tabus — causa ou conse- quéncia de uma faléncia moral. Aqui valeria lembrar de narrativas popula- tes sobre criancas defeituosas porque nascidas de relacionamentos endo- gimicos. Por analogia, a monstruosidade comportamental expde os defei- tos de carater dos seres humanos, aproximando-os das bestas e de outros €ntes sem discernimento. a Tradugéo live de: “le pouvoir de déterminer par limagination une monstruosite notable”. Nubia Bento Rodrigues tistas tem dado vida a diversos 2008; NAYAR, 2007; LE- 392 tos, cien' Mas em recentes experimen! animais transgénicos CANSEY BURG 1998), gue carregam DNA ZAUN, 2006; FRANKLIN, 2003; 5 + exemplo, na Inglater- jeti zi icamentos. Por exer , humano, com objetivo de produzir medic -valmente entiqueci dolcoamiprn: Tessin, conn proms de cima omen poo res de diabetes dependentes das didrias injegdes. B enti, HoTin © re ase estes seres hibridos, expulsos do paraiso, mas aco NN | desenvolvidos sob 0 argumento de beneficiar os seres ht ‘ ode estar ligado a um pensa- i i i tos pt manifestado em relagdo a tais experimen : mento discricionario, ainda pouco 4 vontade para com cruzamentos que des. troem, de uma vez e para sempre, qualquer pretensio humana es ee singula- ridade bioldgica suprema. Portanto, urge encontrar uma forma de t ae estes seres absurdos para o mundo das criaturas normals. Neste sentido, formar uma nova mentalidade social ¢ fundamental neste processo de naturalizacao. Justamente af as obras de ficgdo cientifica atuam como coadjuvantes, verda- deiramente dignas de nota. Este esforgo em normalizar as rupturas, através da domesticacao do monstro, nao é algo exclusivo de nossa era. Jé no século XIX 0 racio- nalismo cientifico permitiu a emergéncia da tetarologia positiva: “quando a monstruosidade se torna um conceito bioldgico, quando as monstruosi- dades sao divididas em classes, segundo a regularidade, quando é possi- vel as provocar experimentalmente, entdo o monstro é naturalizado, o irregular se torna a regra e o prodigioso previsivel® (CANGUILHEM, 2003 [1965], p. 227). Para os cientistas, o monstruoso é apenas o fendmeno ou ordem interna da natureza ainda desconhecido pela ciéncia. Deste modo, a teratologia foi se firmando como 0 estudo do monstruoso na perspectiva cientifico-racional. Ao longo do século XX, as deformagées genéticas nos seres hu- manos foram deixando de ser classificadas como aberragdes e paulatina- mente passaram a ser entendidas como processos experimentais da natu- reza, que resultaram em alteragdes nas €spécies, quando analisadas ao longo de geragdes sucessivas. Por exemplo, a Sindrome de Down antes era considerada uma aberragao da natureza ou castigo divino. Apés ser descrita como um “acidente” genético no momento da divisto celular. foi, aos poucos, sendo normalizada, através das agdes conjuntas de cien- Meio Ambiente, Direito Biotecnologia - tistas, juristas © ativistas social envolvidos essoa com Sindrome de Down nao é renciada. De modo semelhante, até recentemente, o sur; considerado conseaun de Un Teproducdo anormal das células, Contudo, apos 0 a ento das células: tronco, este fendmeno Passa a ser entendi 5 como uma capacidade de renovagao celular inerente aos ceeanris ps tanto, a ciéncia contemporanea ainda nao dispde de tecnologia fica nia obter, através do controle desta potencialidade, os sonhados Reaetsice ts 7 nerativos ou terapéuticos. Assim, é provavel que, apés muitos anos, waits pessoas sobrevivam aos tipos de cancer mais devastadores num proceso de assimilagao © normalizagao das células alteradas. Contudo, nao existem mo- delos experimentais capazes de prever os resultados dessas alteragées a lon- go prazo, para avaliar 0 potencial recriador da natureza através da experi- mentagaio e consequente destruicao. Entre os séculos XVIII e XIX, a biologia se pautava por um prin- cipio mecanicista ¢ consistia em separar, ordenar e discriminar as espécies, segundo sua aparéncia. A biotecnologia contemporanea, ao invés, con- siste em misturar, mesclar, criar seres hibridos; contudo, procura preser- var as formas externas. Assim, uma vaca geneticamente modificada para se tornar capaz de produzir leite com DNA humano, que mantém a apa- réncia comum 4 sua propria espécie, nao pode ser vista como um mons- tro, pois nao seriamos capazes de discerni-la num rebanho, caso desco- nhegamos a histéria de sua criagdo. Assim, diferentemente dos hibridos do periodo classico, considerados monstros porque nascidos de cruza- mentos ilicitos, os hibridos do nosso tempo sao produzidos intencional e licitamente para tratar doengas, através de alteragdes genéticas incapazes de alterar a aparéncia/forma. Nesse sentido, o hibrido deixa de ser poten- cialmente perigoso e passa a ser potencialmente produtivo. A teratologia deixa de estar associada 4 demonologia ¢ ¢ incorporada definitivamente ao mundo da ciéncia positiva, aquela que corrige os defeitos ¢ as imper- feigdes da natureza (VARGA, 2005). Como pode ser lido no titulo deste trabalho, o argumento principal se desenrola a partir da relagdo entre o cientista ¢ 0 herdi, através de perso- hagens de ficgdo que ajudam a entender de que modo as praticas cientificas, anteriormente consideradas ameagadoras, vao se tornando familiares. O co- roldrio da ambivaléncia da ciéncia, capaz de produzir tecnologias rae 4 beneficio da humanidade a partir da transgressio dos limites da natureza, een Fran) renee Sobre 0 ativismo social em favor da Sindrome de Down em Sal em: . COs com a questio®. Assim, uma anormal, mas normalmente dife- 'gimento de tumores era vador/Bahia, of. Disponivel el 304 Nubia Bento Rodrigues: i articularmente interes- aste sentido, estou particu Led sentid torno da intimidade entre os iforas produzidas no universo da tagdes sobre a atividade cienti- ganhando novas configuragdes. sen sada sobre a mentalidade contemporanea | cientistas e os monstros, através das met ficgo, que permitem produzir novas interpre fica (CANGUILHEM, 2003). 20.1 ALEM DE FRANKENSTEIN, A CAMINHO DE SPIDER MAN E X-MEN Alguns autores consideram 0 jornalismo cientifico (LEITE, 2007; BROWN, 1998; HIIMANS e¢ al., 2003; MICHELLE, ep ea cee cien- tifica como parte dos discursos sociais que ajudam na "forma¢ao da opiniao piblica” a relagao aos avancos das (bio)ciéncias (MICHAELS, 2000). Entretanto, ao analisarem a ficedo cientifica como uma forma de entender a biotecnologia, privilegiam as obras do cénone do “terror”; deixando de lado o campo do “fantastico”, que agrega os super-herdis tais como Spider Man, Incrivel Hulk e os mutantes X-Men. Ao preferirem as metaforas produzidas pela ficgdo cientifica “do medo” ou “do mal” (HITCHCOCK, 2007; TURNEY, 1998), tais como Frankenstein e Dr. Jekyll e Mr. Hyde, os analistas negligenciam outro tipo de discurso igualmente forte, o da fantasia. Neste texto pretendo mostrar o modo pelo qual personagens como Spider Man e X-Men apontam para outra vertente, para a assimilagao de um saber social sobre a biotecnologia: mos- tram que nem todos os acidentes de laboratério ou experimentos intencionais produzem monstros. Ao contrario, nos casos em questao, sao desenvolvidos super-herdis dedicados a debelar 0 mal. Na historia de Stevenson, o Dr. Jekyll pretendia, através de sua formula quimica, extirpar o “mal” da “alma humana” através da selegio de caracteristicas nobres (espécie de designer baby psiquico, cujas mutagdes comportamentais foram quimicamente esti- muladas). Ao contrario, Dr. Jekyll criou ou despertou seu proprio carater monstruoso, 0 que o levou a cometer varios crimes e, posteriormente, ao suicidio. Em outra perspectiva, estes super-herdis, nascidos nas HQs fans anos ones preocupados em combater 0 mal cotidiano, ordinario, corri- quetro, tal como o crime, o preconceito, a tirania, Querem alterar o destino da humanidade através da Promogao da justi portamento exemplar. meso 2 Justia © da demonstragio de com- Assim, 0 laboratério deixa de ser 0 @ encubadora de monstro ¢ passa a fornecer novos parceiros para combater todo tipo de inimigo. Como aaa. Ponto, sena inferessanle mencionar a trilogia Hannibal Lecter, escrita por > Meio Ambiente, Direito e Biotecnologia 395 thomas Harris (2005), a partir do inicio dos anos 80. Numa segundo livro, apos todos os fracassos de psiquiatras ¢ psicdlogos e estabelecer uM di ugndstico para o personagem, em uma conversa em Cate exerting (policial designada para obter de’ Lecter algumas informagdes Cépre outro criminoso, € que mais tarde vai ser seduzida por ele) Lecter se define como “o mal” apenas. Alguns psiquiatras o classificam, scairetante como “monstro”, embora reconhegam suas qualidades humanas mais deseja- das ¢ até muito mats acentuadas que em “humanos comuns”. Hannibal ee ter ¢ 0 monstro em sua mais humana expresso, enquanto Frankenstein ¢ Hyde sao criaturas desenvolvidas por seres humanos, para que o mal pudesse ser climinado da “natureza humana”. Passagem do Na literatura de horror é importante perceber que este personagem figura entre os mais monstruosos; talvez seja o mais aterrador, justamente porque é 0 mais humano. E monstruoso porque € capaz de praticar todo tipo de crime socialmente accito como passivel de puni¢ao ou correcao. E mons- truoso porque nem mesmo os psiquiatras foram capazes de o classificar como sociopata. Ele mesmo era um psiquiatra e dizia conhecer as peculiari- dades da mente humana. Dentre as lendas criadas em torno da trilogia de Lecter para o cinema, alguns afirmam que Robert de Niro foi convidado para dirigit o primeiro filme da série, Silence of Lambs, devendo ainda desem- penhar o papel do prdprio Lecter. Mas teria se recusado por considerar 0 personagem demasiadamente perturbador. O ator que fez a versio de 1986 (Brian Cox) nao quis retomar 0 personagem por causa de suas caracteristicas monstruosas. Robert Duvall também teria alegado razdes semelhantes para participar da segunda adaptagéo, em 1991, finalmente vivida por Anthony Hopkins. Jodie Foster também teria se afastado do projeto por motivos ana- logos, deixando o papel para J lulienne Moore. Mas, meu interesse nao € falar, nesse momento, sobre biotecnolo- gia e o monstro na literatura/cinema de horror, a partir de Hannibal Lecter, pois ele promove um tipo muito particular de “displacement” moral, ja que é um monstro em sua plena manifestagao humana, pois congrega todas as caracteristicas que, segundo a antropologia classica do século XIX, definem o humano: como um ser que se separa da natureza através das qualidades intelectuais, tais como requinte, erudi¢ao, educagaio refi- nada, Interessa-me pensar num outro deslocamento, aquele, promovido pelo super-herdi das séries de quadrinhos dirigidas a criangas & adoles- Centes. Pode-se dizer que personagens como Spider Man e X-Men sio uma forma de “educar” os individuos, fornecendo nova chave de ane tees para a biotecnologia, a partir de imagens basta = eee , no medo. Como argumento geral, proponho estabelecer ea s40 entre o universo da literatura/cinema fantisticos ¢ @ piotecnologia, PO = Niibia Bento Rodrigues ic é a biotecnologia a para tentar mostrar que a fantasia (dos comic books) & 2 tir de um paradigma “positivo”. - : eat sia dos anos 60, pode ser en- Assim, esse ponto de virada na fanta ‘otec- tendido como uma farma de assimilar as novidades PT ONG nologia depois dos anos 50. Apds a descoberta da dup! ae nas Glaitistag superacao do estigma do nazismo, a ciéncia genética permitiu a0s clen in Eaniee a blemas humanos, por exemplo, oferecerem solugées concretas para os CO NDECKER, 2007. uma vacina eficaz para 0 controle da poliomielite (LA! ae ae RODRIGUES et al, 2008). Paralelamente, a partir dos anos 60, ato igualmente intensificados os experimentos para reprodugao humana as- sistida que teriam sucesso nos anos 70 (LUNA, 2007). Na primeira meta- de dos anos 60, no universo da ficgdo nasciam os personagens Spider Man © X-Man (Marvel Comics, 1963, 1964). Até esta época, a maior parte da produgio em fic¢ao cientifica explorava as manipulagdes malig- nas. Com o surgimento desses novos herdis dos quadrinhos, as imagens da ciéncia na ficg’o ganham contornos benfazejos. Peter Parker é apenas um garoto érfio, criado pelos tios, miope, timido e nada ambicioso. Na verso original dos quadrinhos, uma aranha radioativa foi a responsavel pela mutagdo genética acidental a partir da qual foi algado 4 condicao de heréi; na verso para o cinema, 0 garoto recebeu uma picada de uma ara- nha geneticamente modificada, Em ambas versdes, Peter Parker incorpo- rou algumas peculiaridades biolégicas da aranha, transformando-se em herdi. Os X-Men, por sua vez, so mutantes politicamente corretos, edu- cados a partir do esforgo do professor Charles Xavier, cujo pai, Brian Xavier, era um pesquisador de energia nuclear’, Ao longo do tempo, ou- tros mutantes foram sendo “recrutados™ pelo Dr. Xavier, originarios de paises distintos, para atender aos reclames das minorias’. O nome da série é interessante porque X-Men pode ser lido como EX-Men, ex-humano, fora do humano ou incégnito do humano. Os ¥-Men sdo mutantes etica- mente orientados por um educador © se aproximam daquilo que se chama em medicina reprodutiva de designer babies”. Estes mutantes dos anos bedi : ‘Spider Man ¢ X-Men foram criados no contexto da “guerra fria” é \ com energia nuclear se faz notar nos dois casos, it” © & teferéncia a experimentos ‘ ae s Os X-Men sio definidos, pe ‘ mente eveluidod, ee ere 8 rié HOS como uma cepécte de humanos alta- Um dos mutantes mais famosos, Wolverine, “possesses th abiliy to regenerate damaged or destroyed areas of his cellular structure at a rate far greater than that of an ordinary human”. Disponivel em: . Esta descr ao faz, lembrar as noticias publi j ito do fie Be lent is publics em jomal a respeta do poder autorepaador das celi- Meio Ambiente, Direito ¢ Biotecnologia 397 representam © sucesso nos experimentos se .! realizad frankenstein e Dr. Jekyll. Os de signer babies sig embride Fert iaadog jn vitro, para que, uma He nascidos possam fornecer m: is il padion ara tratar doengas genéticas de seus irmaos. Através ett oe a esta técnica, os ‘entistas buscam selecionar caracteristica éticas ai ampliar) as chances de sucesso mut Sonmaeal A BpASRIn garam: ‘minuit a probabilidade d 2 nam iratamento desejado, além de diminui un vr a ” que o embrido a ser implantado venha a deen enga genética semelhante a do irmao a quem esta destina- Muitos autores consideram a literatura do século XIX como um marco para a concep¢ao moderna do mito da ciéncia como atividade po- tencialmente perigosa ou salvadora e elegeram o Frankenstein, de Ma Shelley, como 0 icone primordial desta concepgao (HITCHCOCK, 2007) A criatura de Victor Frankenstein ¢ usada como sintese do receio social em relagaio a varios desenvolvimentos biotecnolégicos de nossa era, tais como alimentos geneticamente modificados ¢ estes seres hibridos entre humanos ¢ outros animais. No presente texto, nado vou explorar a metafo- 1a do Frankenstein, mas o avatar de seu declinio. Explico. Minha ateng’io esta voltada para obras de ficgdo que tém permitido novas interpretagdes sobre a biotecnologia, sob a rubrica do beneficio, para vislumbrar um futuro no qual estes seres geneticamente alterados pela ciéncia poderao constituir a norma e, nao, a anomalia. Argumento que este novo imagina rio tem redefinido nossa concepgio de natureza, que deixa de ser intoca- yel, auténoma e autorregulada, para aquela que deve ser controlada e corrigida pela ciéncia, quando se dispde dos meios éticos ¢ instrumentos para tal. Por exemplo, as intervengdes intrauterinas para corrigit anomalias em fetos tem se tornado um procedimento relativamente corriqueiro (SQUIER, 2004). No ramo conhecido como medicina genética, a selecio de embrides sem mutagées é parte do protocolo atualmente aceito para as tecnologias reprodutivas. No campo da chamada medicina gendmica, os exames de DNA prometem rastrear “predisposi¢ao” genética para doen- (as ou outros agravos a satide, como forma de auxiliar (ou influenciar) na avaliagdo de riscos. Assim, pressupde-se que 0S individuos poderao me- lhor administrar seu comportamento ou terapias (pré)reparadoras, ape do por um estilo de vida adequado para ter uma vida mais longa e sauda- ‘ It Yel. Este, sem davida, constitui um exemplo perfeito do que Foucaul Re eas ss pean Jo a este Na Inglaterra e EUA do fim dos anos 90 ¢ inicio de 2000, hows pole ope 8S Drocedimento, A imprensa por um lado divulge historias Gesses Pot oat david. Cem salvando vidas, mas ao mesmo tempo, critica ess administragao = Nubia Bento Roeigues 10 é, quando os individuos se tornam -agao racional da vida, por terem fi- desta regulagao. Recentemente, uma s'! apresentou a historia de uma a cirurgia de mastectomia, apos enéticos, sobre as probabilidades sideragdio a alta incidén- (2004) definiu como 0 biopoder, ist os proprios agentes desta administr: nalmente internalizado os princip1os matéria publicada no New York Times mulher que decidiu se submeter a um tomar conhecimento, através de testes g' de desenvolver cancer de mama, levando em con: cia da doenga em sua familia materna. é ; Os exemplos de procedimentos médicos corretivos/preventivos so abundantes na imprensa comum (e seria dificilimo enumera-los neste texto) ¢ ajudam a vislumbrar que 0 monstruoso do futuro seré aquele cujo defeito natural nao tenha sido ou nao possa (ainda) ser corrigido cientifi- camente. Assim, o Frankenstein deixaré de ser 0 icone de um monstro criado pela transgressio humana aos limites da natureza, ¢ passara a de- marcar a emergéncia de uma nova concepgdo de humano, menos vulnera- vel aos caprichos e incertezas desta mesma natureza, “mae” e “madrasta”. Através deste raciocinio, é possivel dizer que 0 monstruoso do futuro sera o humano atual, cujas imperfeigdes nao tenham sido corrigidas. O cien- tista como transgressor dara lugar 4 imagem do cientista como aquele que ousa expandir os horizontes do humano em sua relacdo com a natureza. Nas palavras de Gonzalez (2004: 357): “A historia de Addo e Eva ndo é diferente da de Prometeu, Fausto ou Victor Frankenstein; é a histéria da relacdo humana para com o progresso, quando nao queremos aceitar limitagées”'”. (grifos nossos) O monstruoso do futuro seré provavelmente o homem “puro” de hoje, pleno em seus defeitos e sujeito a doengas genéticas, ou por contagio por virus, bactérias. O absurdo do futuro sera pensar num corpo humano incapaz de assimilar 0 codigo genético dos invasores e os modificar em seu proprio beneficio. Assim, a picada de aranha que transmutou Peter Parker em Spider Man podera ser 0 novo modelo de mutagao ou hibridismo genéti- co. Assim, a imagem horripilante, antissocial ¢ Monstruosa da criatura de- senvolvida por Victor Frankenstein, vai sendo Substituida por aquela, de um rapaz inteligente, belo e dedicado a familia; a despeito Ae anata ‘ i the a es Pes a perv todas as qualidades humanas, rieatides . a z sendo usadas para conte ° nee age 200 contole, ice ; = n Denia a Seay aon 2007/08 Ghat eae nie: TL the story of hag ere om that of Promethes, Fa tus or Victor Frankenstein; it is the. n ‘not want to hear of limitatic St0rY of humanity's relationship Ses, Meio Ambiente, Direito © Biotecnologia 399 Nesse sentido, cientistas podem afi ossibilidades oferecidas pela panies eae fone soliinents de is que aceleram € controlam as modificagdes natehtisimecie rob is eum ser vivo ao longo de sua historia biolégica. Assim. cl aper cain mehos num longo caminho percorrido por um organismo, ona chia oa ds en 9 a alcancar os objetivos desejados. O desafio seria a ea ae jar os riscOS € os erros geralmente associados aos experinientoa Te Oa ram no Laboratorio, quer na natureza. “_ técnl obr: 0 cientifica i : anise ie fiegao ed que alata sobre mutagdes posi- tivam p , X-Men e Incredible Hulk) todos os herdis cram pessoas boas que desenvolveram qualidades supra-humanas. Nas versOes de Spider Man para o cinema, ele nunca se questiona sobre ° que aconteceu, aceitando facilmente sua nova condigao de pessoa altruista, destinada a fazer o bem. Entretanto, no filme da série langado em 2007. i herdi foi contaminado por um organismo desconhecido, que se agarrava a pele do hospedeiro. A criatura assimilava ¢ ampliava exponencialmente as piores caracteristicas morais de Peter Parker, a exemplo da inveja, da vaidade, da arrogancia, revelando justamente 0 que 0 herdi gostaria de esconder”. Numa releitura da classica dicotomia Natureza X Cultura, através da piotecnologia, é possivel pensar em mais um deslocamento: no conceito de natureza sempre em movimento. Se a criatura de Frankenstein é metaforica- mente associada ao monstruoso porque foi produzida artificialmente a partir de coisas vivas e mortas, 0 monstro do futuro tera a face e a ima- gem do humano atual, ou seja, 0 monstro sera o humano in natura. 0 humano do futuro seria a metamorfose intencional ¢ geneticamente alte- rada pela ciéncia, que “fard triunfar a vida ao jogar com os seres, Ou despistar a morte ao fazer os seres passarem de uma figura a outra”™. (FOUCAULT, 1992 [1963], p- 111-112) 20.2. REFERENCIAS GARERIDGR. Jean, This i the Authority This Ranet ia Undies Our Protection — Hi Exegesis of Superheroes” Interrogations of Law. “in: Law, Culture and the lumanities, 2007; 3: p. 455-476. : acteristi- (Os bandos, os viles de todos ests filmes, so também PPSSIHS que tem alguma car «oar ampiada pela mutago. 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