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2008

ME-100
Fundamentos de Matemática

Mauro S. de F. Marques
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CAPÍTULO 3
Indução matemática

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3.1 Introdução
O Princípio da Indução matemática é uma importante ferramenta
para demonstarção da validade de argumentos envolvendo
“números naturais”.
O entendimento do Princípio da Indução matemática é
equivalente ao entedimento da definição do conjunto dos
“números naturais”.
Os números naturais fornecem uma estrutura matemática, uma
escala, que nos permite contar , ato natural ao raciocínio humano.
Essa estrutura também torna precisa a noção de quantidade.
Formalmente, define-se os números naturais de forma simples e
elegante através dos Axiomas de Peano.
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Axioma: “Premissa considerada necessariamente
evidente e verdadeira, fundamento de uma
demonstração, porém ela mesma indemonstrável,
originada, segundo a tradição racionalista, de
princípios inatos da consciência ou, segundo os
empiristas, de generalizações da observação empírica
[O princípio aristotélico da contradição ("nada pode
ser e não ser simultaneamente") foi considerado desde
a Antiguidade um axioma fundamental da filosofia.]”

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Um axioma é considerado algo óbvio ou um consenso inicial
necessário para a construção de uma teoria.
Na matemática, um axioma é uma hipótese inicial de qual outros
enunciados são logicamente derivados.
Em contraste aos teoremas, axiomas não podem ser derivados
por princípios de dedução e demonstráveis por derivações
formais, eles são hipóteses iniciais.
Em muitos contextos, "axioma", "postulado"e "hipótese"são
usados como sinônimos.
Um axioma não é necessariamente uma verdade, mas apenas
uma premissa usada em uma dedução, visando obter resultados.”
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3.2 Números naturais: Axioma de Peano
No livro, "Arithmetices Principia Nova Methodo Exposita”,
Giussepe Peano (1858-1932) elabora a teoria completa dos
números naturais a partir de quatro premissas básicas,
conhecidas como Axiomas de Peano.
Em palavras, os Axiomas de Peano se resumem a:

A1. Todo natural possui um único relativo, que também é um natural.


A2. Naturais que têm o mesmo relativo são iguais, ou equivalentemente, naturais diferentes
possuem relativos diferentes
A3. Existe um único natural ♠ que não é relativo de nenhum outro.
A4. Se um conjunto X tem como elementos ♠ e o relativo de cada um de seus elementos, então
esse conjunto contém todos os naturais.

O natural ♠ é usualmente denotado por 1!

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Matemáticamente os Axiomas de Peano se resumem a:
Considere um conjunto N tal que,

A1. ∃ s : N 7→ N, 3 ∀n ∈ N ∃s(n) ∈ N.
A2. A função s : N 7→ N é injetiva.
A3. ∃ 1 ∈ N, 3 1 6= s(n)∀n ∈ N.
³ ´
A4. ∀X ⊂ N 3 (1 ∈ N) ∧ (n ∈ X ⇒ s(n) ∈ X ⇒ X = N .
¡ ¢

O conjunto N é chamado conjunto dos números naturais, e um


elemento n de N de número natural. s(n) chamado o relativo
de n.
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Podemos então denotar

s(1) = 2, s(2) = s(s(1)) = 3, s(3) = s(s(2)) = s(s(s(1))) = 4, . . .

Outros podem preferir a notacão,

1 = I, s(I) = II, s(II) = s(s(I)) = III, s(III) = s(s(II)) = s(s(s(I))) = IV, . . .

ou

1 = { }, s(1) = s({ }) = {{ }}, s(s(1)) = s({{ }}) = s(s({ })) = {{{ }}}, . . .

ou
1, s(1) = s, s(s(1)) = s ◦ s, s(s(s(1))) = s ◦ s ◦ s, . . .

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Adição de números naturais
Considere a função
S : N × N 7→ N,

chamada somar, definida da forma: Para todo m ∈ N,


F1. S(m, 1) = s(m)
F2. S(m, s(n)) = s(S(m, n))
Portanto,S(m, 1) é, por definição, o relativo de m.
Se conhecermos S(m, n), saberemos o valor de S(m, s(n)). Isto
nos permite conhecer S(m, n) para todo n em N e todo m em N.
S(m, 2) = S(m, s(1)) = s(S(m, 1)) = s(s(m)),

S(m, 3) = S(m, s(2)) = s(S(m, 2)) = s(s(s(m))), . . .

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A partir deste ponto podemos usar a notação usual para S(m, n)

“S(m, n) ≡ m + n”.
Assim, m + 1 = S(m, 1) = s(m), m + 2 = S(m, 2) = S(m, s(1)) = s(m + 1), . . .
. . . , (m + n) + 1 = S(m + n, 1) = s(m + n) . . .
Portanto,
s(m) = m + 1, ∀k ∈ N.

Por F2 sabemos que


m + (n + 1) = (m + n) + 1.

Assim, (F1) e (F2) definem, por recorrência, a “soma” m + n de dois números naturais

quaisquer, m e n em N.

Claramente + é uma relação binária em N.

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Multiplicação de números naturais

A multiplicação de números naturais se define de


modo análogo à adição.
Considere a função
M : N × N 7→ N,
chamada multiplicar, definida da forma: Para todo
m ∈ N,
F1. M (m, 1) = m
F2. M (m, (n + 1)) = M (m, n) + m.

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O produto (multiplicação) M (m, n) é usualmente escrito nas
formas:
M (m, n) ≡ m n ≡ m · n ≡ m × n
e lê-se “m vezes n”.
A definição acima diz que:
(i) 1 vez m é igual m.
(ii) (m vezes n + 1,) é igual a m vezes n mais (uma vez) m,
isto é,
m · (n + 1) = (m · n) + m.
Assim,
m · 2 = m + m, m · 3 = m + m + m, . . . .
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Exercicios: Usando a definição:

3.1 Demonstre que a função “somar” é associativa e comutativa.

3.2 Demonstre que a função “somar” satisfaz a Lei do Corte, isto é,

m + n = m + k ⇒ n = k, ∀m, n, k ∈ N.

3.3 Demonstre que a função “multiplicar” é associativa e comutativa.

3.4 Demonstre que a função “somar” satisfaz a Lei do Corte, isto é,

n · m = n · k ⇒ m = k, ∀n, m, k ∈ N.

3.5 Demonstre que a função “multiplicar” é distributiva com relação a função “somar” isto é,

n · (m + k) = (n · m) + (n · k), ∀n, m, k ∈ N.

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Ordem
A soma (adição) de números naturais induz uma relação de ordem em N. Ou seja: Dados dois
números naturais m e n dizemos que m é menor do que n , escreve-se m < n,

∃k ∈ N, 3 n = m + k.

Neste caso diz-se também que n é maior do que m e escreve-se n > m. Dizemos que n maior
ou igual a m ou m nemor ou igual a n se

(m ≤ n) ⇔ (m < n) ∨ (m = n).

Analogamente podemos escrever (m ≥ n) Note que, pela definição

m < m + k, ∀ n, m, k ∈ N.

Em particular,
∀n ∈ N, 1 ≤ n ∧ n < s(n) = n + 1.

s(n) o relativo de um número natural n pode agora ser chamado, sem risco de confusão, de
sucessor de n
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Exercicios:

3.6 Mostre que < é uma relação em N que é transitiva.

3.7 A relação < em N é reflexiva? Simétrica?

3.8 A proposição abaixo é falsa ou verdadeira? Explique!

∀n, m ∈ N, (n < m) ∨ (n = m) ∨ (m < n).

As proposições (n < m), (n = m) e (m < n) são exclusivas?

3.9 Mostre que:

∀n, m, k ∈ N, m < n ⇒ (m + k < n + k) ∧ (m · k < n · k).

Use redução ao absurdo e a “Lei do Corte”.

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3.3 Princípio de indução

O último dos Axiomas de Peano possui uma natureza


mais complexas e também é conhecido como o
axioma da indução.

O Axioma da Indução é fundamental para a teoria dos


números naturais e para a matemática em geral. Ele
fornece um método de demonstração, chamado
Método de Indução Matemática, ou Princı́pio da
Indução Finita, ou Princı́pio da Indução.

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O Princípio da Indução diz o seguinte:

“ Seja p(·) uma função proposicional em N. Se p(1) é verdade e


para todo m em N, p(m) implica p(m + 1), então p(n) é verdade
para todo n em N, isto é,
³ ¡ ¢´ ³ ´
p(1) ∧ ∀m ∈ N, p(m) ⇒ p(m + 1) ⇒ ∀n ∈ N, p(n) ,

Note que
³ ´
p(1) ∧ (∀m ∈ N, p(m) ⇒ p(m + 1) ⇒ p(1) ⇒ p(2) ⇒ p(3) ⇒ · · · ⇒ p(n) ⇒ · · ·

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Em outros termos:

“Seja S um subconjunto de N que satisfaz


(i) 1 ∈ S.
(ii) ∀n ∈ S ⇒ (n + 1) ∈ S.
Então
S = N”.

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Exemplos: 1. Para todo n ∈ N,

n(n + 1)
1 + 2 + ··· + n = .
2

De fato:
1(1 + 1) 1·2 2
1= = = = 1,
2 2 2
logo a proposição é válida para n = 1. Vamos assumir que o resultado é válido para m ∈ N
(hipótese de indução), isto é,

m(m + 1)
1 + 2 + ··· + m = .
2

Temos então que

m(m + 1) ³m ´ ³m + 2´
1+2+· · ·+m+(m+1) = +(m+1) = (m+1) +1 = (m+1) =
2 2 2
¡ ¢
(m + 1) (m + 1) + 1
.
2
Logo, o resultado é válido para todo n ∈ N. msdfm
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2. Fixado x > 0, para todo n ∈ N,

(1 + x)n ≥ 1 + xn .

De fato:
(1 + x)1 = 1 + x = 1 + x1 ≤ 1 + x1 .

logo a proposição é válida para n = 1. Vamos assumir que o resultado é válido para m ∈ N
(hipótese de indução), isto é,
(1 + x)m ≥ 1 + xm .

Temos então que

(1 + x)m+1 = (1 + x)m (1 + x) ≥ (1 + xm )(1 + x) = 1 + xm + x + xm+1 ≥ 1 + xm+1 .

Logo, o resultado é válido para todo n ∈ N.

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3. Para todo n ∈ N,n3 − n é divisível por 3. De fato:

13 − 1 = 1 − 1 = 0 = 3 × 0.

logo a proposição é válida para n = 1. Vamos assumir que o resultado é válido para m ∈ N
(hipótese de indução), isto é,
∃k ∈ N 3 m3 − m = 3k.

Temos então que

(m+1)3 −(m+1) = m3 +3m2 +3m+1−m−1 = (m3 −m)+3(m2 +m) = 3k+3(m2 +m) = 3(k+m

Logo, o resultado é válido para todo n ∈ N.

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Exercicios:
Mostre usando a técnica de indução que para todo número
natural n:

3.6. n2 ≥ n.

n(n+1)(2n+1)
3.7. 12 + 22 + 32 + · · · + n2 = 6
.
³ ´2
n(n+1)
3.8. 13 + 23 + 33 + · · · + n3 = 2
.

3.9. 1 + 3 + 5 + 7 + · · · (2n − 1) = n2 .

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³ ´³ ´ ³ ´
3.10. 1 − 12 1 − 13 · · · 1 − 1
n+1
= 1
n+1

3.11. ∀x, y ∈ R,
xn+1 − y n+1 = (x − y)(xn + xn−1 y + · · · + xy n−1 + y).

3.12. 2−1 + 2−2 + 2−3 + · · · + 2−n ≤ 1.


Interprete o resultado!

3.13 ∀M ∈ N, ∃n ∈ N 3 1 + 2−1 + 3−1 + · · · + n−1 > M.


Interprete o resultado!

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3.4 Formas equivalentes de indução
As duas proximas proposições são equivalentes ao Princípio de
Indução e em algumas situações podem ser mais convenientes.
A primeira delas é referida como Princı́pio da Boa Ordenação,
segue do Princípio de Indução.

Proposição 1. Todo subconjunto não vazio de N tem um menor


elemento. Em outras palavras

∀S ⊂ N, S 6= ∅, ∃m ∈ S 3, ∀n ∈ S, m ≤ n.

Demonstração: Se 1 é elemento de S, nada resta a ser provado.


Vamos assumir então que 1 não pertence a S.

msdfm
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Usaremos a técnica de redução ao absurdo. Suponhamos que S não tem um menor elemento, ou
seja,
∀m ∈ S, ∃n ∈ S 3 n < m.

Seja
T = {m ∈ N : (∀n ∈ N, n ≤ m) ⇒ n 6∈ S}.

Claramente,
1∈T

e, pela definição de T ,
∀k ∈ T ⇒ 1, 2, . . . k 6∈ S.

∀k ∈ T ⇒ k + 1 6∈ S

pois pois caso contrário (k + 1) seria o menor elemento de S. Logo Pelo principio de indução,

T =N ∧ S=∅

o que é uma contradição. Logo,S tem um menor elemento.


c.q.d
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A próxima proposição é conhecida como Princı́pio de Indução
Completa, é consequência do Princípio da Boa Ordenação.
Proposição 2. Seja S um subconjunto de N que satisfaz:
(i) 1 ∈ S.
(ii) ∀n ∈ N, {1, 2, . . . , n} ⊂ S → (n + 1) ∈ S.
Então
S=N
Demonstração: Se
Sc = ∅
a proposição está demonstrada.
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Suponhamos então
S c 6= ∅.

Pela Proposição 2, existe um menor elemento de S c , digamos m + 1. De (i)

1 ∈ S → 1 6∈ S c → (m + 1) 6= 1.

Claramente
2, 3, . . . m ∈ S

pois caso contrario m + 1 não seria o menor elemento de S c . Mas (ii)

({1, 2, . . . , m} ⊂ S → (m + 1) ∈ S.

Logo temos uma contradição. Segue que

S c = ∅ → S = N.

c.q.d
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Para completar a equivalência proposta, resta mostar que o Princípio de Indução Completa
implica no Princípio de Indução.
Proposição 3. Seja S um subconjunto de N que satisfaz:
(i) 1 ∈ S.
³ ´
(ii) ∀n ∈ N, n ∈ S → (n + 1) ∈ S.
Então
S = N.
Demonstração: A proposição
∀n ∈ N, {1, 2, . . . , n} ⊂ S → n ∈ S
é trivialmente verdadeira. Logo temos
³ ´
(∀n ∈ N, {1, 2, . . . , n} ⊂ S → n ∈ S) ∧ (∀n ∈ N, n ∈ S → (n + 1) ∈ S) .

Consequentemente ³ ´
∀n ∈ N, {1, 2, . . . , n} ⊂ S → (n + 1) ∈ S.
Ou seja S satisfaz as condições da Proposição 2, mostrando que
S = N.
c.q.d
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As Proposições 1,2 e 3 mostram que

(Princípio de Indução)

(Princípio da Boa Ordenação)

(Princípio de Indução Completa)

(Princípio de Indução).

Em outras palavras, os três principios são equivalentes.


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Exercı́cios:

3.14 Mostre usando o Princípio da Boa Ordenação


n(n + 1)
1 + 2 + ··· + n =
2

3.14 Mostre usando o Princípio da Boa Ordenação os


Exercícios 3.6 a 3.9.

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