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ELONIR JOSÉ SAVIAN

PAULO HENRIQUE BARBOSA LACERDA

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE

HISTÓRIAMILITAR GERAL

RESENDE
2015
S267m LACERDA, Paulo Henrique Barbosa; SAVIAN, Elonir José

Introdução ao Estudo de História Militar Geral/Paulo Henrique


Barbosa Lacerda; Elonir José Savian. Resende: AMAN, 2015.

1. História. 2. História Militar. 3.Guerra. 4. Batalhas. 5. Exércitos.

355.009
SUMÁRIO
(Idades Antiga, Média e Moderna)

Apresentação............................................................................................................................................. 07

PARTE I - IDADE ANTIGA

Capítulo 1 - Mesopotâmia........................................................................................................................ 13

Capítulo 2 - Grécia e Macedônia........................................................................................................... 23

Capítulo 3 - Roma...........................................................................................................................................35

Capítulo 4 - Os Bárbaros...............................................................................................................................51

PARTE II - IDADE MÉDIA

Capítulo 5 - O Império Bizantino......................................................................................................... 61

Capítulo 6 - Os Árabes............................................................................................................................ 69

Capítulo 7 - Os Francos.......................................................................................................................... 75

Capítulo 8 -AEuropa Feudal................................................................................................................ 83

Capítulo 9- Os Mongóis........................................................................................................................... 95

PARTE III - IDADE MODERNA

Capítulo 10 - Guerras na Itália (1494-1525)..................................................................................... 105

Capítulo 11 - O Exército Espanhol no Século XVI e as Tropas Holandesas de Nassau.............. 115

Capítulo 12 -AGuerra dos TrintaAnos e GustavoAdolfo.............................................................. 127

Capítulo 13 - O Exército Francês no Reinado de Luís XIV............................................................ 135

Capítulo 14 - O Exército Prussiano e o Pensamento Militar Francês no Século XVIIII.......... 143


SUMÁRIO
(Idade Contemporânea)

PARTE IV - IDADE CONTEMPORÂNEA

Capítulo 15 -A Revolução Francesa................................................................................................... 155

Capítulo 16 - Napoleão Bonaparte......................................................................................................... 165

Capítulo 17 -AGuerra da Crimeia...................................................................................................... 185

Capítulo 18 -AGuerra CivilAmericana............................................................................................ 195

Capítulo 19 -AUnificaçãoAlemã......................................................................................................... 207

Capítulo 20 -AGuerra dos Bôeres...................................................................................................... 219

Capítulo 21 -AGuerra Russo-Japonesa............................................................................................. 227

Capítulo22 -A Primeira Guerra Mundial......................................................................................... 235

Capítulo 23 - O Período Entreguerras............................................................................................... 261

Capítulo 24 -ASegunda Guerra Mundial.......................................................................................... 269

Capítulo 25 - Guerras da Indochina................................................................................................... 307

Capítulo 26 - O Conflito Árabe-Israelense......................................................................................... 323

Capítulo 27 -AGuerra das Malvinas.................................................................................................. 335

Capítulo 28 - As Guerras no Golfo Pérsico....................................................................................... 345

Capítulo 29 - Reflexões sobre a GuerraAtual e a Futura.............................................................. 357

Crédito das imagens............................................................................................................................... 361

Referências.................................................................................................................................................. 363
APRESENTAÇÃO

Desde o surgimento das primeiras civilizações, o homem sentiu necessidade


de resguardar os interesses comuns e os valores culturais e materiais de sua sociedade.
Para isso, foram criadas forças armadas, cujos feitos são o objeto da História Militar.
A finalidade desta obra é propiciar aos leitores uma base sólida de conheci-
mentos de História Militar, capaz de alicerçar trabalhos mais avançados sobre campos
específicos do conhecimento militar. Em razão disso, esta obra enfatiza o estudo das
forças militares terrestres. Todavia, fatos relativos às forças militares navais e aéreas tam-
bém são abordados, quando relevantes aos temas tratados.
Diversos pensadores identificam o caráter pragmático e pedagógico da His-
tória Militar. O teórico militar suíço Antoine-Henri Jomini afirma que “A arte da guerra
existiu em todos os tempos, e a estratégia sobretudo foi a mesma tanto sob César quanto
sob Napoleão. Mas a arte, contida na mente dos grandes capitães, nunca existiu em
nenhum tratado escrito.” Depreende-se disso, que é necessário se intensificar o estudo
dos grandes líderes e dos conflitos passados, fontes de importantes ensinamentos para
líderes militares ou civis.
Para o estudo da História Militar são necessárias algumas reflexões sobre
História, História Militar e guerra.
A palavra história provém da Grécia Clássica, onde significava “testemunho”,
“relato”. Todavia, o termo passou a ter novas acepções ao ser empregado em outras
épocas, culturas e sociedades, o que torna difícil uma conceituação definitiva. Para o
historiador inglês Edward Hallett Carr, “quando tentamos responder a pergunta ‘O que é
história? ’, nossa resposta, consciente ou inconsciente, reflete nossa própria posição no
tempo e faz parte da nossa resposta a uma pergunta mais ampla: que visão nós temos da
sociedade em que vivemos?”.
Diante dessas incertezas, alguns pensadores procuram dar-lhe uma significa-
ção mais abrangente. Ahistoriadora Vany Pacheco Borges reconhece a ambiguidade fun-
damental do termo, mas afirma que “numa extensão ampla, história seria aquilo que acon-
teceu (com o homem, com a natureza, com o universo, enfim) e o estudo desses aconte-
cimentos”. Outros, acreditam que a história é uma ciência, com uma metodologia peculiar,
que busca conhecer de forma fidedigna o passado, revelando dados significativos, que
nos aproximam desse passado. Este é o conceito que norteia este trabalho.
A História Militar também recebe diferentes conceituações. Muitos historia-
dores defendem que ela é o estudo das batalhas, das guerras ou dos grandes generais.
Optamos pela definição do historiador militar Cláudio Moreira Bento, para o qual “His-
tória Militar é a parte da História da Humanidade que nos permite reconstituir a História
da Doutrina Militar. E Doutrina Militar é o conjunto de princípios pelos quais os exércitos
têm se preparado (organizado, equipado, instruído e desenvolvido as forças morais) para
a eventualidade de conflitos e têm sido empregados em guerras”.
Dessa forma, o estudo de história militar aqui apresentado aborda a evolução
das forças militares terrestres, à luz de um estudo analítico das civilizações que mais con-
tribuíram para a ciência e a arte militar. Para isso, apóia-se nos cinco pilares da doutrina
militar, ou seja, na organização (dos aglomerados de combatentes aos grupos de exérci-
to), nos equipamentos (das lanças aos armamentos de alta tecnologia), na instrução e
preparo para a guerra (dos primeiros treinamentos aos modernos sistemas de ensino mi-
litares), nas forças morais (da luta pela sobrevivência às questões ideológicas) e no em-
prego (dos ataques descoordenados às complexas manobras). Isso não significa descar-
tar as guerras, as batalhas e os grandes líderes, que, sempre que tiverem relevância, apa-
recem com suas contribuições para a história. Ademais, o estudo vai além da esfera
castrense, quando a evolução militar estiver entrelaçada às esferas política, econômica,
cultural e social.
Para a elaboração deste trabalho, foram consultadas várias obras, das clássi-
cas às mais recentes, de renomados historiadores e pensadores, com a finalidade de
reunir os elementos que revelassem a veracidade dos fatos. Em alguns casos, como em
relação a efetivos militares envolvidos em determinadas batalhas, a ausência de fontes
confiáveis nos levou a registrar dados que consideramos os mais fiéis. Estamos cientes,
entretanto, que a História está em constante transformação, e que um conhecimento histó-
rico jamais pode ser dado como pronto e definitivo.
O estudo inicia-se na Antiguidade, na Mesopotâmia, cenário dos primeiros
combates entre forças militares organizadas, e se estende até as recentes guerras no Golfo
Pérsico, nas quais foram empregados os meios e as formas mais avançadas de se comba-
ter. Em cada capítulo, salientar-se-á pelos menos uma batalha ou operação militar que, de
maneira objetiva, retrata a forma usual de combate do período em questão.
O fenômeno das guerras, muito abordadas na obra, é por demais complexo e
controverso.Assim como para história e para história militar, há acepções diversas quanto
ao que seja a guerra. O pensador prussiano Carl von Clauzewitz afirmou que “guerra é
um ato de força destinado a dobrar o inimigo à nossa vontade”. O cientista político norte-
americano Quincy Wright afirma que “no sentido mais amplo a guerra é apenas um
contacto violento de entidades distintas mas semelhantes “ e que “é tão-somente um re-
curso à violência em larga escala”. O historiador militar John Keegan asseverou
que “guerra é cultura”, daí inferindo que a guerra é uma atividade humana e cada
sociedade produz um entendimento de guerra que lhe é peculiar. Sem entrar a fundo na
questão, pode-se afirmar que guerra é uma luta armada entre Estados, entre atores não-
estatais, ou entre Estados e atores não-estatais.
A guerra marca indelevelmente a história da humanidade, embora seja senso
comum considerá-la algo danoso a ser evitado. Diversas linhas de pensamento buscaram
explicar tal paradoxo e lançaram preceitos que levariam ao fim das lutas armadas. Uma
delas enfatiza que a guerra está intrínseca na natureza humana, pois o homem, por natu-
reza, seria mau e egoísta, e, em consequência, propenso à beligerância. Outra professa
que a guerra é um fenômeno natural de Estados autocráticos e autoritários. Por fim,
uma terceira liga a guerra às disputas entre as nações, no concerto das relações interna-
cionais. Para que as guerras tenham fim, a primeira corrente propõe que as pessoas sejam
educadas para a paz; a segunda, que se estabeleçam governos democráticos em todo o
mundo e a terceira, que seja criado um Estado Universal.
Estas linhas de pensamentos não explicam por si só o porquê da existência da
guerra, pois consideramos que uma explicação satisfatória deva passar pela análise con-
junta dos argumentos de todas. Embora possa se considerar que as propostas das três
linhas contribuam para se chegar à paz universal, elas não encerram elementos suficientes
para pôr fim às guerras, pois constata-se que, mesmo em sociedades pacíficas, existem
pessoas que transgridem normas, que os governos democráticos também fazem guerra e
que um governo universal, atualmente, não passa apenas de um ideal.
Na impossibilidade de se evitar as guerras, procurou-se justificá-las. Surgi-
ram, então, os conceitos de “guerra justa”, de “guerra santa” e das “razões de estado”. A
expressão “guerra justa” designa, geralmente, um corpo de ensinamentos cristãos que
atingiu seu desenvolvimento pleno no século XV, embasado na crença universal de que as
guerras se justificam e são necessárias, quando travadas para combater o erro. A“guer-
ra santa” é uma “guerra justa” numa escala cósmica, travada não apenas para debelar
determinados erros, mas também para restaurar a ordem no mundo. Pelas “razões de
estado”, presume-se que as relações entre governos são anárquicas e marcadas pela
competição, o que legitimaria as nações a defenderem seus interesses, utilizando-se do
poder de coerção de suas forças armadas.
Há de se ressaltar que muitas sociedades atribuíram um valor positivo, ético e
social ao processo da guerra, considerando-o como meio e medida de desenvolvimento
cultural. Na Antiguidade, por exemplo, gregos e romanos cultivavam os valores marciais,
não só porque deles necessitavam para defender a cidade-estado, mas também porque
eram altamente apreciados por si mesmos, por constituírem-se em uma fonte de cidadania
e de lealdade, que o historiador Doyne Dawson caracteriza como “militarismo cívico”.
Gregos e romanos também acreditavam que a guerra exercia consideráveis efeitos sobre
a constituição interna do Estado, e grande parte do pensamento deles centrava-se
nesse aspecto.
Ainda se pode dizer que a guerra propiciou, em muitas sociedades, o fortale-
cimento da solidariedade social e foi um agente dinamizador de inúmeros avanços
tecnológicos, que redundaram na melhoria de vida da humanidade.
Findas essas reflexões sobre História, História Militar e guerra, cabe-nos
ressaltar que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, algo por demais
amplo e complexo. Esperamos, não obstante, que esta obra proporcione aos adeptos do
estudo das lides bélicas instrumentos que contribuam para embasar trabalhos de maior
alcance.

Paulo Henrique Barbosa Lacerda


Elonir José Savian
PARTE I

IDADE ANTIGA
CAPÍTULO 1

MESOPOTÂMIA
“Atravessei a montanha e avancei sobre Kinabou, fortaleza de
Hulaí (o chefe rebelde)... Em um choque impetuoso como a tem-
pestade, eu me abati sobre a cidade, conquistei-a; 600 de seus
guerreiros passei a fio de espada, 3.000 prisioneiros entreguei às
chamas, e não deixei um só vivo para servir de refém. Hulaí, apri-
sionei-o vivo por minhas próprias mãos, esfolei-o e estendi sua
pele sobre a muralha... De Kinabou, parti e aproximei-me de Tela...
por batalha e carnificina, assaltei a cidade e conquistei-a. Três mil
de seus guerreiros passei pelas armas..., entreguei muitos às cha-
mas e fiz um grande número de prisioneiros vivos: a uns cortei as
mãos e os dedos, a outros o nariz e as orelhas; a muitos tirei a
vista”. 1 Assurnazirabal, rei da Assíria

A violência organizada nem sempre foi uma característica da humanidade.


Por milhares de anos, grupos de caçadores-coletores se deslocaram de um local para
outro em busca de alimentos de forma predominantemente pacífica. Os atos de violência
ocorriam de modo esporádico e instintivo, normalmente por melhores áreas de caça,
pesca ou coleta. O combate em larga escala surgiu com a sedentarização do homem, que
resultou no aparecimento das primeiras civilizações.
Há cerca de 10 mil anos, grupos de caçadores-coletores se assentaram no
Crescente Fértil, faixa de terra do Oriente Médio, onde havia caça abundante e vastos
campos de cereais silvestres. O Crescente Fértil se prolongava da Jordânia até aAnatólia,
atingindo também os rios Tigre e Eufrates e o golfo Pérsico. Os habitantes dessa região,
aos poucos aprenderam a semear, dando origem à agricultura e à consequente fixação
permanente do homem a terra.
A agricultura apresentou no Crescente Fértil grande produtividade: o mesmo
espaço que sustentava um caçador-coletor era capaz de alimentar por volta de duzentos
agricultores.Aabundância de alimentos deu origem a aldeias, onde muitas pessoas, libe-
radas do trabalho no campo, passaram a se especializar em ofícios, surgindo, em
consequência, artesãos, pedreiros e carpinteiros, entre outros.
A sedentarização não foi um fato generalizado. Muitos grupos nômades per-
maneceram migrando ou se tornaram pastores. Assim, nesse período, podiam ser
visualizados três tipos de coletividade: a dos caçadores-coletores, que tinham um vasto
território não fixo para explorar; a dos pastores, que possuíam locais de água e pasto; e a
dos agricultores, que cultivavam a terra.
1
apud ISSAC; ALBA, 1968, p. 68.

13
Nômades e pastores eram uma ameaça constante aos estoques de alimentos
e riquezas dos agricultores. Estes, para protegerem suas povoações e terras começaram
a se organizar militarmente. Nas ruínas de Jericó, cidade fundada por volta de 8000 a.C.,
que deve ter abrigado uma população de dois a três mil agricultores, foram encontrados
indícios de muralhas, torres e fossos. Essas primeiras fortificações demonstram que os
habitantes de Jericó possuíam inimigos bem armados e organizados. Os conflitos, porém,
ainda eram bastante limitados devido à baixa densidade demográfica. Os atos de violên-
cia se concretizavam em embates travados por pequenos grupos, que não apresentavam
uma classe militar especializada.
As armas estavam mais ligadas à caça do que à guerra. Havia a clava, a
adaga, a funda e o arco. Os três primeiros armamentos eram refinamentos de armas pré-
históricas: a clava derivou do cacete, a adaga da ponta da lança e a funda passou a lançar
bolas de pedra antes arremessadas com as mãos. O arco, no entanto, era uma novidade,
sendo a primeira máquina de partes móveis que transformou energia muscular em mecâ-
nica.
Em torno de 8500 a.C., um povo se deslocou das proximidades do mar
Cáspio para a Mesopotâmia (região do Crescente Fértil, entre os rios Tigre e Eufrates),
onde estabeleceu aldeias de agricultores. Os integrantes desse povo, que ficariam conhe-
cidos como sumérios, edificaram a primeira civilização.
Os sumérios desenvolveram uma próspera agricultura irrigada que lhes pro-
porcionava um excedente de cereais muito superior às suas necessidades. Graças a isso,
por volta de 3500 a.C., as primitivas aldeias já haviam evoluído para cidades-estados,
com diferentes classes sociais e sistemas de governo e religião organizados.
MAR NEGRO

Hattusa
ANATÓLIA
IMPÉRIO RIO
TIG MAR
HITITA RE
CÁSPIO

Nínive
SÍRIA

RI
O
EU Assur MONTES
FR
AT ZAG RO S
ES
Biblos Kadesh
MAR MEDITERRÂNEO Acad
A
IN

Babilônia Susa
ST

Nipur
LE

Uruk ELAN
Lagash
PA

EGITO Mênfis Ur
RIO NILO

ARÁBIA GOLFO
PÉRSICO
MAR
VERMELHO
CIVILIZAÇÃO SUMÉRIA
Tebas

14
As principais cidades sumérias foram Ur, Uruk, Lagash e Nipur. Eram
autônomas e frequentemente entravam em conflitos fronteiriços, que decorriam da busca
por maiores ou melhores reservas de água para irrigação e terras para o plantio. No início,
as cidades eram governadas por um sacerdote (patesi), assessorado por um conselho de
anciãos. O patesi controlava as instituições civis e religiosas, comandava o exército e
coordenava o estabelecimento de redes comerciais. Com o passar do tempo, o patesi
passou a governar de forma despótica, atribuindo-se o direito de nomear seu sucessor,
surgindo, então, as dinastias.
A Suméria nunca desfrutou de paz por muito tempo, tendo os conflitos se
intensificado a partir de 3100 a.C. Além dos embates locais, a falta de barreiras naturais
proporcionava que inimigos de outras regiões constantemente assolassem ou mesmo se
fixassem na região. Um desses povos, o acádio, dominou as cidades sumérias e estabele-
ceu o primeiro império mesopotâmico (2330 – 2180 a.C.).
Os impérios na Mesopotâmia foram efêmeros. Destruído um deles, as cida-
des-estado voltavam a lutar entre si até que uma delas impusesse sua hegemonia. Desse
modo, após o fim do Império Acádio, ocorreu o surgimento de outros, entre os quais o 1º
Império Babilônico (1800-1600 a.C.), o Império Assírio (1875-612 a.C.), e o 2º Impé-
rio Babilônico (612-539 a.C.). Nesse contexto, os sumérios, aos poucos, desaparece-
ram como um povo distinto. Seu legado cultural, base da civilização mesopotâmica, foi
absorvido pelos diversos povos que dominaram, em diferentes momentos, a região
entre-rios.
INFANTARIA DA MESOPOTÂMIA - III MILÊNIO a. C.
Desde o princípio, diante da ins-
tabilidade reinante, as cidades mesopotâmicas
procuraram organizar forças militares. O rei
comandava seus guerreiros durante a bata-
lha, participando ativamente das ações de
combate. De modo geral, soldados profissi-
onais e semitreinados (membros da comuni-
dade, recrutados em situações de emergên-
cia) formavam os exércitos. Existiam diferen-
tes tipos de unidades, que eram armadas e
equipadas de acordo com a hierarquia social
e riqueza de seus integrantes. As classes su-
periores, mais abastadas, combatiam em car-
ros de guerra: um vagão sobre rodas puxado
primitivamente por asnos e mais tarde por ca-
valos. Os carros de guerra dispunham de um
condutor, proporcionando aos soldados que
transportavam (aurigas) grande liberdade para

15
EGÍPCIOS, HITITAS E A BATALHA DE KADESH

7 6
10 LEGENDA
5 10
2
KADESH
EGÍPCIOS
1 11
9
ACAMPAMENTO EGÍPCIO
3 8
HITITAS
ACAMPAMENTO HITITA
4

Os egípcios e hititas destacaram-se paralelamente aos povos mesopotâmicos. A civi-


lização egípcia teve início por volta de III Milênio a.C., ao longo do rio Nilo, no nordeste da
África. O isolamento da região permitiu que os egípcios vivessem pacificamente, desfrutan-
do de grande prosperidade econômica, o que possibilitou a construção de monumentais
obras (pirâmides). A partir do II Milênio a.C., o Egito passou a sofrer invasões de povos
originários da Ásia, superiores na arte militar (empregavam carros de guerra e armas de
ferro). Para expulsá-los, os egípcios se viram obrigados a desenvolver um espírito belicista,
que impulsionou conquistas militares. Ramsés II levou a expansão territorial egípcia até a
atual Síria, onde foi detido, na Batalha de Kadesh, pelos hititas, que haviam estabelecido um
poderoso império na Anatólia.
A Batalha de Kadesh ocorreu em 1294 a.C. Em disputa estava o controle do território
da atual Síria. As tropas egípcias, lideradas pelo faraó Ramsés II, contavam com cerca de 20
mil homens, grupados em 4 divisões (Amon, Ra, Ptah e Seth); as forças hititas, comandadas
pelo rei Muwatalis, somavam por volta de 17 mil soldados. Os hititas dominavam o uso do
ferro e tinham melhores carros de guerra, o que equilibrava o poder de combate dos oponen-
tes, já que os egípcios possuíam maior efetivo. Ramsés II acampou perto de Kadesh (1),
com a divisão Amon (2), tendo em vista aguardar a divisão Ra, que estava em sua esteira
cerca de 5 quilômetros (3); as divisões Ptah e Seth estavam acampadas cerca de 10 quilôme-
tros ao sul da divisão Amon (4); a oeste da divisão Amon encontrava-se a tropa de elite
egípcia de Ne’arin (5). Os hititas estavam acampados a nordeste do acampamento egípcio
(6). Ramsés II obteve informações falsas que Muwatalis se retirava em direção ao norte.
Visando persegui-lo, deixou seu acampamento, seguindo para o norte com a divisão Amon
(7). Muwatalis, na verdade, tomou a direção sul, atacando e dispersando a divisão Ra (8).
Em seguida, os hititas ocuparam o acampamento da divisão Amon, passando a pilhá-lo (9).
Distraídos pela pilhagem, os hititas permitiram que os egípcios se reagrupassem e lançassem
um exitoso contra-ataque (10). Os hititas então se retiraram do acampamento egípcio (11).
A batalha terminou em um impasse. Os soberanos, em seguida, firmaram um acordo de paz.
Pouco tempo depois da Batalha de Kadesh, o Egito entrou em decadência, sendo con-
quistado por outros povos, e o império dos hititas se esfacelou devido a conflitos internos.

16
FORMA USUAL DE COMBATE MESOPOTÂMICA

LEGENDA

1 INFANTARIA LEVE

2 INFANTARIA PESADA
2 AURIGAS
3
INIMIGO

No local do embate, a infantaria pesada formava uma massa estável de soldados


dispostos em quadrados ou retângulos, ao redor da qual manobravam os aurigas. A
batalha normalmente se iniciava com a ação da infantaria leve, que lançava mísseis sobre
as unidades adversárias (1). Os aurigas dirigiam seus carros de guerra em direção ao
inimigo, arremessavam dardos ou flechas, fazendo em seguida meia volta (2); infligiam,
assim, durante todo o combate, pesados danos ao inimigo (não desempenhavam, po-
rém, na maioria das vezes, um papel decisivo). Era normalmente um ataque frontal da
infantaria pesada que decidia o combate (3). Os inimigos capturados eram escravizados
ou mortos, muitas vezes depois de sofrerem terríveis suplícios.

arremessar flechas, dardos ou manejar outro


O BRONZE E O FERRO
tipo de armamento. As classes mais
Os primeiros armamentos
desfavorecidas integravam a infantaria. Nesta, foram confeccionados com madei-
havia unidades pesadas, formadas por solda- ra e lascas de pedra. Por volta de
dos equipados com lanças, maças, espadas, 3500 a.C., metalúrgicos criaram
armaduras e escudos; e unidades leves, com- armas de bronze, mais duras que
postas por arqueiros, dardeiros e fundeiros. A as de pedra e capazes de manter
infantaria pesada possuía grande poder de cho- um fio cortante. Ao longo do II
que, mas pouca mobilidade; a leve, em Milênio a.C., se iniciou a produ-
contrapartida, grande agilidade, mas pouca for- ção de armas de ferro, muito mais
ça de choque. Os soldados combatiam moti- resistentes que as de bronze. Os
vados, normalmente, por promessas de con- povos que inicialmente dominaram
o uso das novas tecnologias obti-
quistas de riquezas e novas terras, ou ainda,
veram expressivas vantagens nos
quando atacados, em defesa de suas cidades
campos de batalhas.
e bens.
17
CARRO DE GUERRA ASSÍRIO

A partir do II Milênio a.C., os assírios, assentados à volta de três cidades-


estado situadas no norte da Mesopotâmia (Assur, Nínive eArbela), iniciaram a formação
de um poderoso império. Para suplantar seus rivais, contra os quais estavam em luta
constante, organizaram um poderoso exército, que chegou a seu auge nos séculos VIII
e VII a.C. Nesse período reinou Tiglar-Pileser III, que reorganizou as forças militares
assírias. Visando aumentar a eficiência militar de seu exército, dividiu suas tropas por
categorias. Em um primeiro plano ficava a guarda real, destinada a proteger o rei, com-
posta por cavaleiros, aurigas e, em menor proporção, infantes (estes denominados “he-
róis”). Em um segundo grau de importância estava uma força uniformizada e perma-
nente, destinada a prover as guarnições das vilas e cidades, também composta por cava-
leiros, aurigas e infantes. Milícias (tropas auxiliares de segunda linha, semitreinadas),
formadas em épocas de emergência pelos demais homens do império, constituíam uma
terceira categoria.
FORMA USUAL DE COMBATEASSÍRIA

LEGENDA

1
INFANTARIA LEVE
2 AURIGAS
3 CAVALARIA
INFANTARIA PESADA
4
INIMIGO

Nas batalhas, os cavaleiros, juntamente com os aurigas, eram os principais elemen-


tos de manobra. Os assírios iniciavam o combate com uma chuva de projéteis lançados
pela infantaria leve (1); seguiam-se ataques frontais desencadeados por carros de guerra
(2) e ataques nos flancos realizados pela cavalaria (3); à infantaria pesada cabia realizar
ataques posteriores, caso o inimigo ainda resistisse (4). Os ataques eram impetuosos, ca-
racterizados por grande carnificina.

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Na época de Tiglar-Pileser III, a cavalaria já havia adquirido grande impor-
tância, sendo constituída por arqueiros e lanceiros. Por ocasião do combate, os arquei-
ros lançavam chuvas de flechas sobre o inimigo, enquanto os lanceiros arremessavam
suas lanças contra o adversário ou desmontavam para lutar. A cavalaria era empregada
também para realizar reconhecimentos e perseguir inimigos.
Além de aprimorar o emprego de seu exército em batalhas, os assírios se
preocuparam com outros aspectos de uma campanha militar. Criaram arranjos logísticos
(depósitos de suprimentos, colunas de transporte) capazes de manter exércitos de até
cem mil homens em operações que chegaram a atingir quinhentos quilômetros de distân-
cia de sua base inicial. Comboios de asnos e camelos transportavam a alimentação e o
material para suprir as tropas. As comunicações eram mantidas por cavaleiros que
podiam se deslocar rapidamente a qualquer parte do império. Para manter a velocidade
nos deslocamentos, corpos de sapadores destacados antecipadamente melhoravam os
caminhos, desbastando matas, lançando pontes ou escavando terrenos.
Os sapadores também eram empregados em sítios a cidades, nos quais os
assírios foram mestres. Normalmente utilizavam dois processos para subjugar uma cida-
de. O primeiro consistia do emprego de engenhos para ultrapassar ou derrubar partes
das muralhas inimigas. Para isso construíam escadas, rampas de terra ou cascalho, tor-
res móveis de madeira, aríetes (grandes toras com ponta de metal, normalmente monta-
das sobre rodas, protegidas com cobertura de madeira) e túneis. Aberta uma brecha na
muralha, realizava-se um vigoroso assalto. Caso não fossem bem sucedidos na tentativa
de passar pelas muralhas, utilizavam o segundo processo, que tratava-se de um cerco
prolongado à cidade, obrigando os sitiados a se render devido à falta de víveres. Qual-
quer que fosse o método, a conquista de uma cidade era seguida por pilhagens, chaci-
nas, mutilações, empalações, deportações e outras crueldades.

POVOS DAS ESTEPES


As estepes, que iam do mar Negro à China, foram o berço de diversos povos
nômades que periodicamente assolaram as civilizações ocidentais e orientais. Esses
povos foram pioneiros no emprego em batalha das armas de bronze e ferro, dos car-
ros de guerra e da cavalaria, o que lhes conferia vantagens sobre os adversários.
Em torno de 2000 a. C., ocorreu a primeira grande onda de invasões, quando
nômades das estepes subjugaram povos da Europa e Oriente Médio. Ao longo dos
séculos, seguiram-se outras invasões, desencadeadas por citas, sármatas, hunos e
mongóis, entre outros.
As invasões só cessaram na Idade Moderna com o advento das armas de fogo,
frente às quais os cavaleiros das estepes se tornaram vulneráveis.

19
Atrocidades eram comuns no Oriente Médio, mas os assírios deliberadamente
as intensificaram para espalhar o terror e incentivar os povos à submissão. Todavia, o
uso do terror acabou por se mostrar uma má estratégia, pois revoltas começaram a
ocorrer em todo o império. Essas revoltas, aliadas a incursões de cavaleiros nômades
sobre a Mesopotâmia, enfraqueceram as forças assírias.
Em 626 a.C., os babilônios se rebelaram contra a dominação assíria, ganhan-
do adesão dos medos (povo que habitava o noroeste do Irã) e de tribos citas, recém-
chegadas das estepes da Ásia Central. Embora ainda fortes, os exércitos assírios não
conseguiram fazer frente à coligação. A razão principal disso foi a incapacidade dos
assírios em lutar contra adversários que faziam largo uso da cavalaria (nas
batalhas campais, as cavalarias medas e citas, superiores em quantidade e qualidade, se
lançavam impetuosamente sobre os flancos e retaguarda dos exércitos assírios, terminan-
do, normalmente, por derrotá-los).
Em 612 a.C., Nínive, a capital assíria, foi destruída, passando a hegemonia
na região a ser exercida pelos medos e babilônios. Tal situação perdurou por pouco
tempo, pois os persas (povo que vivia sob jugo dos medos) logo assumiram um papel
preponderante. Em 526 a.C., o persa Ciro, após vencer uma disputa dinástica, criou um
reino unido de medos e persas. Em seguida, Ciro liderou seus exércitos em campanhas
vitoriosas contra os lídios (povo que tinha um reino na Ásia menor) e babilônios, as quais
deram origem ao Império Persa.
Após a morte de Ciro, seus herdeiros, Cambises II e Dario I, expandiram
ainda mais os domínios persas, que chegaram a se estender do rio Indo à Trácia, forman-
do o maior império que o mundo já vira.
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IMPÉRIO PERSA EM SUA MÁXIMA EXPANSÃO

20
18
Os persas adotaram muitas das práticas militares assírias, mas procuraram
aperfeiçoá-las. Um dos pontos fracos da organização militar assíria era a deficiente cava-
laria; os persas resolveram esse problema recrutando grande número de excelentes cava-
leiros, entre os quais os citas. Ao contrário dos assírios, que tratavam brutalmente os
povos vencidos, os persas respeitaram o modo de vida dos povos submetidos, conse-
guindo, com isso, espontaneamente, numerosas tropas de segunda linha para seus
exércitos, formadas por bactrianos, indianos e jônios, entre outros. No exército persa
também havia uma tropa de elite, denominada “os imortais”, que, entre outras missões,
fazia a guarda do rei.
No século V a.C., os persas se chocaram com os gregos, o que originou um
longo período de lutas entre esses povos: as Guerras Médicas.

21
CAPÍTULO 2

GRÉCIA E MACEDÔNIA

“É belo que o homem bravo, combatendo por sua pátria, tombe na


primeira fila; mas o que deserta de sua cidade e de seus campos fér-
teis e vai mendigar, errando com sua querida mãe, seu velho pai, é o
mais miserável dos homens... Nós, corajosamente, combatemos por
esta terra, morremos por nossos filhos, não poupamos nossa vida. Ó
jovens, combatei, unidos uns aos outros, não temais senão a vergo-
nha da fuga, estimulai no vosso coração uma valente e sólida cora-
gem, e não vos inquieteis com a vida lutando contra o inimigo. Não
abandoneis os velhos guerreiros cujos joelhos já não são mais ágeis.
É vergonhoso que um homem velho, tombado na primeira fila, caído
diante dos moços com sua cabeça branca, a sua barba branca, mor-
ra corajosamente na poeira, com o corpo esfolado... Mas aquele que
conserva a bela flor da juventude, vivendo, é admirado pelos ho-
mens e pelas mulheres, e, também, quando tomba com bravura na
primeira linha. Que cada um marche, pois, para o combate com pé
firme, mordendo os lábios.” 2
Tirteu, poeta grego

A civilização grega resultou da interação cultural (pacífica ou violenta) de


diversos povos que se estabeleceram gradativamente, a partir do V milênio a.C., na re-
gião balcânica, no sudeste da Europa. No II milênio a.C., os Bálcãs foram invadidos por
povos indo-europeus: os aqueus, os dórios, os jônios e os eólios. Estes povos, oriundos
das estepes da Europa oriental, após subjugarem as populações locais, fundaram impor-
tantes cidades-estado, em diferentes regiões da Grécia.
A topografia da Grécia contribuiu muito para delinear o perfil cultural,
econômico e social das cidades gregas. O terreno montanhoso dificultava o contato entre
as cidades, fazendo com que estas, embora tendo uma cultura comum, desenvolvessem
instituições diferentes e rivalidades entre si; esse fato contribuiu para a inexistência de um
estado que unisse todos os gregos. O solo árido e rochoso era um empecilho para a
agricultura; mas o litoral, com bons ancoradouros, possibilitou a existência de um lucrativo
comércio marítimo e a colonização de regiões banhadas pelos mares Negro e Mediterrâ-
neo. No contexto das lutas pela hegemonia comercial no Mediterrâneo Oriental, insere-
se a Guerra de Troia, lendário conflito que teria sido travado por gregos e troianos, pro-
vavelmente entre os anos de 1500 e 1100 a.C. (narrado na Ilíada, poema épico de Homero).
2 apud ISSAC; ALBA, 1968, p. 161.

23
GRÉCIA, SÉCULO V a.C.
MACEDÔNIA

ÉPIRO

Troia
TESSÁLIA MAR EGEU
IMPÉRIO PERSA

Delfos Susa
Tebas JÔNIA
Atenas Éfeso
Olímpia Corinto
Mileto
PELOPONESO
Esparta

JÔNIOS

EÓLIOS
CRETA
DÓRIOS

O florescimento das cidades gregas intensificou-se a partir do século VII


a.C. Destacaram-se Esparta e Atenas, que tinham características opostas. A primeira,
localizada na península do Peloponeso, caracterizava-se por ser aristocrática, militarista e
conservadora; a segunda, edificada na península da Ática, perto do porto de Pireu, era
democrática, mercantilista e aberta a novos conhecimentos. As demais cidades pende-
ram, em geral, a seguir Esparta ou Atenas. Nesse período, despontou a falange (palavra
grega que significa estaca), unidade tática básica adotada pelos exércitos gregos.
Afalange primitiva era uma formação de infantaria pesada, retangular e com-
pacta, constituída por oito ou até dezesseis fileiras de profundidade. Era integrada, inicial-
mente, somente por cidadãos gregos, chamados hoplitas. O que essencialmente diferen-
ciava a falange de outras formações de sua época era o fato de seus integrantes atuarem
de forma conjunta e não individual. Durante o combate, os hoplitas apoiavam-se mutua-
mente; ao mesmo tempo em que procuravam atingir o adversário com uma lança, prote-
giam com seu escudo o companheiro à esquerda. A união era essencial para evitar bre-
chas na formação, pois aberturas poderiam permitir a penetração do inimigo, o que des-
truiria a unidade indispensável à falange. Dispondo-se, lado a lado, com suas lanças, os
hoplitas pareciam, ao inimigo, constituir uma muralha intransponível.
Para tornar-se um hoplita, o cidadão deveria ter capital para adquirir o equi-
pamento necessário a um infante pesado. Também precisava ter meios para prover sua
alimentação e ter condições de manter ordenanças ou carros que transportas-
sem o seu material (bastante pesado, cerca de 30 quilos). O equipamento de proteção
do hoplita consistia de uma couraça de tecido acolchoado ou de metal, para
24
proteção do tronco; um capacete de metal, para cobrir o pescoço e a cabeça; grevas,
para proteção do tornozelo ao joelho; e um escudo oval, confeccionado com peles, ma-
deira e metal. Uma lança ou pique, com ponta de ferro, que media cerca de 2,8 metros,
era a arma básica do hoplita; espadas e punhais eram usados em emergências.
O treinamento militar dos hoplitas consistia de marchas e simulação de ata-
ques, nos quais eram ensinadas as regras e desenvolvidas as habilidades para se combater
em conjunto. Procurava-se, ainda, estimular o espírito de corpo, a abnegação, a obediên-
cia, a coragem, a disciplina e o amor à terra natal; fatores fundamentais para se manter a
coesão da falange e sua eficiência. O serviço militar, símbolo de participação comunitária,
não era remunerado, sendo visto como um privilégio pelos cidadãos.
Esparta foi o maior exemplo de devoção integral do cidadão à sua pátria.
Desde criança, o espartano era moldado para ser um cidadão-soldado, vivendo exclusi-
vamente para defender a sua cidade. Ao nascer, o espartano era submetido a uma
avaliação; tendo problemas de saúde ou defeitos físicos era sacrificado (atirado do alto de
um penhasco). Se passasse no exame, permanecia com sua família até por volta dos sete
anos. A seguir, passava à disposição do Estado, quando, convivendo com outras crian-
ças, escutava relatos sobre heróis gregos e aprendia a escrever e a entoar cânticos milita-
res. Quando atingia cerca de doze anos passava a viver em acampamentos, voltando-se
para o treinamento físico e para a instrução militar. Caso fosse considerado apto, quando
chegava à casa dos vinte anos, ingressava no exército, onde permanecia até a velhice.
Em caso de guerra, os hoplitas cerravam fileiras HOPLITA
e dirigiam-se para o local da batalha, movidos pela honra,
pelo patriotismo, e pelo desejo de fazer valer os interesses
de sua cidade. Os exércitos gregos possuíam, normalmente,
pequenos efetivos (inferiores a dez mil homens). No campo
de batalha, localizado em um terreno plano para não preju-
dicar a maneabilidade, as falanges posicionavam-se parale-
lamente. Os combates seguiam rituais e regras; artimanhas
não eram bem vistas, pois devia-se lutar lealmente e com
honradez. Muitas vezes, a contenda não era decidida pelas
falanges, mas por campeões escolhidos pelas cidades.
Dada a ordem para o início da batalha, as
falanges rivais avançavam uma contra outra. Seguia-se um
choque encarniçado, caracterizado por golpes de lanças,
punhaladas e trancos. A força bruta e a coragem eram fun-
damentais para o rompimento das linhas inimigas. O comba-
te era rápido. Às vezes em menos de uma hora um dos lados
acabava por se render. O exército que obtinha sucesso agra-
decia aos deuses a vitória e prestava aos mortos as

25
FALANGES PRONTAS PARA O COMBATE

derradeiras honras. Os covardes eram desprezados e punidos com a perda da cidadania.


De modo geral, os gregos não davam grande importância à cavalaria e aos
carros de guerra. Com poucos cavalos, pois somente na Tessália e na Beócia existiam
extensas planícies que possibilitavam a criação desses animais, os gregos não se preocu-
param em formar corpos de cavalaria capazes de ter uma atuação relevante em combate.
Desse modo, a cavalaria só se prestava para fazer reconhecimentos e os carros de guerra
para serem utilizados em cerimônias.
As guerras e batalhas simples entre as cidades da Grécia, porém, estavam
com os dias contados. O surgimento de inimigos externos levaria os gregos a mudar seu
modo de guerrear.
Em 499 a.C., colônias jônicas da Ásia Menor que viviam sob domínio persa
se revoltaram. Receberam o apoio de Atenas e de outras cidades. Em resposta, o rei da
Pérsia Dario I (558-486 a.C.), organizou uma expedição para conquistar a Grécia.
Iniciavam-se as Guerras Médicas (os gregos chamavam os persas de “medos”).
A primeira guerra entre gregos e persas foi decidida em 490 a.C., na praia de
Maratona, onde os gregos venceram os persas em uma decisiva batalha.
A segunda guerra ocorreu em 480 a.C., quando Xerxes, sucessor de
Dario I, enviou um grande exército, possivelmente com mais de cem mil homens, para
atacar a Grécia. Paralelamente, destacou uma forte esquadra para atacar o litoral grego e
fornecer apoio logístico às tropas terrestres. Em reação, Atenas, Esparta e outras cidades
gregas formaram uma liga de oposição aos persas (Liga Pan-Helênica).

26
BATALHA DE MARATONA

4 4
3 2
PRAIA DE
5 5 5 MARATONA
7 6 7 LEGENDA

1
8 PERSAS

MAR EGEU GREGOS

Em 490 a.C., na praia de Maratona, a poucos quilômetros de Atenas, gregos,


liderados por Milcíades, lutaram contra persas, comandados por Datis. Em disputa es-
tava a liberdade ou a submissão dos gregos perante os persas. Os gregos contavam
com cerca de 11 mil infantes, enquanto os persas tinham desembarcado na praia de
Maratona um efetivo aproximado de 40 mil infantes e 10 mil cavaleiros (1). Milcíades
observou a disposição que tomavam as forças persas; mesmo tendo um efetivo inferior,
resolveu adotar uma formação de frente igual a do inimigo, para não ser flanqueado (2).
Milcíades, no entanto, deixou seu centro mais fraco (3), optando por reforçar as alas
(4), a fim de bater as alas adversárias e cercar o inimigo. Os gregos tomaram a
iniciativa; atacaram em passo acelerado as forças persas, para surpreendê-las e evitar
ao máximo a exposição às flechas adversárias (5). Os persas atacaram o centro grego,
mais fraco, mas não conseguiram rompê-lo (6). Os gregos, por sua vez, venceram nas
alas, terminando por cercar e destruir boa parte das forças inimigas (7). Apavorados,
muitos persas voltaram para seus navios (8). Os gregos, vitoriosos, perderam cerca de
200 homens; os persas, por volta de 6 mil.

Os gregos, comandados pelo rei espartano Leônidas, numericamente em


inferioridade, resolveram resistir no desfiladeiro de Termópilas, onde as tropas persas
obrigatoriamente teriam de passar. Nesse local, o imenso exército persa foi barrado
pelas forças gregas. Um desertor grego, entretanto, informou a Xerxes sobre a existên-
cia de uma trilha que possibilitaria um desbordamento às forças de Leônidas. Xerxes
enviou sua melhor tropa (os imortais) pela trilha para atacar os gregos, enquanto as
demais se prepararampara um ataque frontal. Em face da gravidade da situação, Leônidas
evacuou grande parte de sua tropa para a retaguarda, enquanto ele e trezentos espartanos
de sua guarda real ficaram na posição para retardar o avanço persa. No embate que se
seguiu, os persas, com pesadas baixas, tomaram a passagem. Todos os espartanos
pereceram, sem se render. Após a Batalha das Termópilas, os persas prosseguiram seu
avanço; invadiram a Ática e incendiaramAtenas, já desocupada por sua população.
27
No mar, no entanto, os gregos, comandados por Temístocles, venceram a
esquadra persa na Batalha de Salamina. Essa batalha se revelaria crucial para o desfecho
da guerra. Em decorrência de seu resultado, os gregos passaram a controlar as águas do
mar Egeu, eliminando o apoio logístico que a esquadra de Xerxes fornecia às tropas
persas que se encontravam em terra. Sem apoio logístico, grande parte das forças persas
que estava na Grécia foi obrigada a se retirar para a Ásia Menor. Os persas que perma-
neceram foram derrotados por tropas gregas, comandadas pelo espartano Pausânias, em
479 a.C., na Batalha de Plateia.
Em seguida, os gregos enviaram uma frota à Micale, na Jônia, que derrotou o
exército e a frota persa que lá se encontravam. A Jônia passou a fazer parte da Liga de
Delos, liderada por Atenas. O conflito entre a Pérsia e a Grécia aos poucos definhou,
embora ambas continuassem a interferir nos assuntos internos da rival.
Nas Guerras Médicas ficou comprovada a superioridade bélica dos gregos
em relação aos persas. Isso deveu-se a diversas razões. Os gregos lutaram com mais
denodo pela preservação do seu modo de vida e pela defesa de suas cidades, enquanto
as forças persas estavam menos motivadas, impulsionadas somente pelo desejo de con-
quistar terras e riquezas. Os exércitos gregos eram compostos por cidadãos imbuídos de
civismo; os persas, ao contrário, contavam em suas fileiras com soldados de diferentes
nacionalidades, muito dos quais mercenários ou forçados a lutar. As fortes armaduras e
as lanças longas dos gregos deram-lhes nítida vantagem sobre os persas, que eram dota-
dos de poucos equipamentos de proteção e lanças curtas. As falanges mostraram-se bem
mais disciplinadas do que as desorganizadas tropas persas. Os gregos também mostra-
ram-se muito superiores aos persas na arte da guerra naval. Finalmente, nas batalhas
decisivas, os comandantes gregos empregaram suas forças com mais eficiência do que os
comandantes persas.
O resultado das Guerras Médicas contribuiu para a decadência do Império
Persa e para o florescimento da civilização grega. Atenas saiu fortalecida do conflito,
passando a ser a cidade hegemônica na Grécia.
O fim das guerras contra os persas não trouxe, todavia, paz à Grécia. Venci-
do o inimigo externo, as cidades gregas voltaram com toda intensidade a rivalizaren-se.
As cidades formaram ligas antagônicas:Atenas passou a liderar a Liga de Delos; Esparta,
a Liga do Peloponeso.
Em 460 a.C., disputas marítimo-comerciais entre Atenas e Corinto (esta in-
tegrava a Liga do Peloponeso) levaram as ligas a um sangrento conflito, que ficou conhe-
cido como a Guerra do Peloponeso.
Aguerra teve algumas interrupções e somente terminou em 404 a.C., com a
vitória da liga liderada pelos espartanos.Abrutalidade do conflito, sua longa duração e as
pestes que assolaram os gregos nesse período, levaram a Grécia a se enfraquecer.

28
Após o conflito, a hegemonia passou a ser exercida por Esparta, mas por
pouco tempo. A cidade de Tebas reagiu ao controle espartano, dando início a uma nova
guerra. Em 371 a.C., o general tebano Epaminondas venceu os espartanos na Batalha de
Leutras. Com a vitória, os tebanos passaram a ter supremacia sobre a Grécia.
Ao longo das guerras contra os persas e entre si, os gregos sentiram necessi-
dade de mudar ou aperfeiçoar seus métodos tradicionais de combate. Diante do recru-
descimento das operações militares, que atingiu seu auge na Guerra do Peloponeso, os
gregos deixaram de lado as suas antigas regras de luta, levando a cabo ações antes tidas
como indignas.
As mudanças começaram na organização da falange. Nas batalhas contra os
persas, os hoplitas sofriam constantes ataques de arqueiros, fundeiros e dardeiros. Para
solucionar esta deficiência, os gregos criaramunidades compostas por infantes leves (psilitos)
para apoiar os infantes pesados. Os psilitos eram recrutados entre os cidadãos que não
tinham condições de adquirir o equipamento dos hoplitas. Com armas de arremesso (ar-
cos, dardos e funda), os psilitos posicionavam-se à frente da falange para realizar esca-
ramuças, em preparação e proteção ao ataque principal a cargo dos hoplitas. Mais tarde,
surgiram os peltastas, que compunham uma infantaria média, armada com dardos, espa-
das e escudos pequenos chamados Peltas. Eles se posicionavam nos flancos ou à reta-
guarda da falange, sendo empregados como infantaria leve ou pesada, de acordo com as
circunstâncias do combate. Unidades de cavalaria também foram criadas ou reforçadas,
passando, gradativamente, a ter maior importância nos embates. Como um todo, as re-
formas proporcionaram à falange maior maleabilidade em combate.

FORMAÇÃO USUAL DAS TROPAS GREGAS APÓS A GUERRA DO PELOPONESO

LEGENDA

HOPLITAS

PELTASTAS

CAVALEIROS

PSILITOS

29
Os gregos também conceberam novas estratégias para chegar à vitória,
como a destruição de campos agrícolas, para levar a fome às populações inimigas, e o
ataque a colônias de cidades inimigas, tendo em vista enfraquecer as suas metrópoles.
Em nível tático, o inimigo derrotado passou a ser perseguido, visando-se sua
total aniquilação; psilitos, peltastas e cavaleiros, por serem mais ágeis, eram os que mais
se prestavam a essas operações. Na Batalha de Leutras, Epaminondas surpreendeu os
espartanos ao empregar a ordem oblíqua em substituição à tradicional ordem paralela.As
fortificações ganharam importância; fortalezas foram construídas em pontos estratégicos e
cidades foram cercadas por muralhas; para conquistá-las, quem as assediava fazia uso de
aríetes, de rampas, de escadas de assalto e de prolongados cercos (no último caso, para
forçá-las a se render por falta de suprimento).
Na Guerra do Peloponeso, os exércitos das cidades gregas perderam seu
caráter estritamente nacional, pois foram contratados mercenários para se completar
efetivos, e o civismo grego arrefeceu, já que muitos cidadãos passaram a se preocupar
em auferir lucros pessoais em detrimento dos objetivos comunitários de sua cidade.
BATALHA DE LEUTRAS
9
7 4

LEGENDA
5
6
6 INFANTARIA ESPARTANA
8
CAVALARIA ESPARTANA
1 INFANTARIA TEBANA
3
3 CAVALARIA TEBANA
2

Em 371a.C., na região de Leutras, perto da cidade de Tebas, tebanos, liderados por


Epaminondas, lutaram contra espartanos, comandados por Cleómbroto. Em disputa estava a
hegemonia sobre a Grécia. Os tebanos contavam com cerca de 7 mil homens enquanto os
espartanos tinham um efetivo aproximado de 14 mil combatentes. Ambos os exércitos con-
tavam com centenas de cavaleiros. Para compensar sua inferioridade, Epaminondas refor-
çou sua ala esquerda (1), ficando, neste setor, com um maior número de soldados; deixou o
“Batalhão Sagrado” (tropa de elite tebana) (2), oculto em uma colina; e dispôs o restante de
sua tropa em ordem oblíqua à tropa espartana (3), que havia adotado a ordem paralela (4).
A seguir, os tebanos avançaram num mesmo ritmo, de modo que a sua ala esquerda, mais
forte, entrasse em combate antes da ala direita e do centro. Dando início ao combate, a ala
esquerda tebana atacou o flanco direito espartano (5); os espartanos, ameaçados em toda
frente ( 6), não puderam socorrer sua ala direita (7). Em seguida, Epaminondas lançou mão
do “Batalhão Sagrado”, que se reuniu aos tebanos da ala esquerda (8), acelerando a desagre-
gação da ala direita espartana. Os tebanos venceram a ala direita espartana, atacando em
seguida a retaguarda inimiga (9). Surpreendidos, os espartanos foram derrotados.

30
Absorvidos e enfraquecidos pelas suas lutas fratricidas, os gregos não pude-
ram fazer frente a um povo que os espreitava, esperando uma oportunidade para submetê-
los: os macedônicos.
Os macedônicos formaram um reino no norte da península grega. Embora
fossem considerados bárbaros pelos gregos, faziam parte da civilização helênica, com a
qual compartilhavam cultura e valores. Em 359 a.C., um rei chamado Filipe II assumiu o
poder. Na adolescência, este monarca estivera em Tebas, onde tomou conhecimento da
organização militar daquela cidade, a melhor da Grécia na época. “O Batalhão Sagrado”,
tropa de elite tebana, muito o impressionou.
Filipe II herdou um bom exército, no qual uma numerosa e combativa cava-
laria, recrutada nas planícies da Tessália, se destacava. Procurou, no entanto, aperfeiçoá-
lo, tendo como exemplo o sistema militar tebano.
A infantaria macedônica formava uma falange com dezesseis fileiras. Seus in-
tegrantes, os pezetairoi (semelhante aos hoplitas), recrutados entre o campesinato, tinham
como armamento a “sarrissa”, um pique de cinco metros, bem mais longo do que o utili-
zado pelos gregos. Para aumentar seu espírito de corpo, eles receberam o título de “com-
panheiros infantes”.
Havia também infantes chamados hipaspistas (escudeiros reais), que forma-
vam uma tropa de elite, equipada com armaduras mais leves e piques mais curtos. Mo-
viam-se rapidamente no campo de batalha para proteger os pontos vulneráveis da falange
(flancos e retaguarda) ou para executar ações que exigissem versatilidade.
Ao contrário dos gregos, Filipe II deu grande importância à cavalaria. Os
cavaleiros eram denominados “companheiros”; parte deles constituía uma tropa de elite
que fazia a guarda do rei. Em sua maioria eram proprietários de terras macedônicos, que
custeavam seu equipamento.
Existia a cavalaria pesada e a leve. A pesada era armada com uma lança
semelhante à sarrissa, denominada “xyston”. A leve era armada com dardos, que eram
arremessados contra os inimigos.
Completavamas tropas macedônicas contingentes de mercenários ou de povos
submetidos, que formavam uma infantaria leve equipada com armas de arremesso (com
função semelhante à dos psilitos), destinada a escaramuças.
Diferentemente dos gregos, a decisão da batalha estava a cargo da cavalaria
e não da infantaria pesada. Esta, auxiliada pelos infantes leves, devia apenas fixar o grosso
das forças inimigas, enquanto a cavalaria realizava potentes ataques a pontos vulneráveis
do exército inimigo.
Com seu exército pronto e diante do declínio das cidades gregas, Filipe II
considerou que podia submeter toda a Grécia. Em 338 a.C., forças macedônicas vence-
ram tebanos e atenienses na Batalha de Queroneia. A batalha foi um grande triunfo para
Filipe II e para o seu filhoAlexandre. Este comandou a cavalaria, que teve papel decisivo
no desfecho do embate.
31
Após Queroneia, Filipe II assumiu a liderança das cidades gregas. Em anda-
mento a seus planos, procurou unir gregos e macedônicos em torno de uma guerra contra
o Império Persa. Todavia, Filipe II foi assassinado em 336 a.C. Seu filho Alexandre, com
dezenove anos, o sucedeu.
Alexandre, educado pelo filósofo grego Aristóteles, tinha planos ainda mais
ambiciosos do que os de Filipe II. Além de invadir a Pérsia, pretendia dominar todos os
povos conhecidos a fim de criar um império universal. Antes de executar seus planos, no
entanto, o novo monarca teve de suprimir revoltas de cidades gregas que, aproveitando-
se
. da morte de Filipe II, passaram a questionar a autoridade macedônica. Com rapidez,
Alexandre atacou a cidade de Tebas, uma das rebeladas; destruiu-a e escravizou todos os
seus habitantes. Vendo o que se sucedera em Tebas, as demais cidades gregas aceitaram
novamente a submissão.
Após consolidar sua posição na Macedônia e na Grécia, Alexandre resolveu
investir contra a Pérsia. Em 334 a.C., com um exército de cerca de quarenta mil homens,
pôs-se em marcha. Nesse mesmo ano, venceu os persas na Batalha de Granico, conquis-
tando a Ásia menor. Em 333 a.C., derrotou novamente os persas na Batalha de Isso.
Capturou, em seguida, os portos persas localizados ao longo da costa do Mediterrâneo,
privando a frota persa das bases necessárias para atacar as linhas de comunicação e
suprimento que ligavam o Exército Macedônico aos seus postos logísticos na Grécia.
Algumas cidades resistiram; Tiro sustentou-se por oito meses, mas foi conquistada; os
sobreviventes do massacre que se seguiu foram vendidos como escravos.
Após conquistar o Egito, onde não encontrou resistência, Alexandre partiu
para a Mesopotâmia. Em 331 a.C, na planície de Gaugamela, próxima à cidade deArbela,
o rei macedônico conseguiu uma vitória decisiva sobre o rei persa Dario III, que fugiu,
sendo, posteriormente, morto por seus próprios soldados. Alexandre apoderou-se, em
seguida, de Susa, Persépolis e Ecbátana, principais capitais persas, proclamando-se her-
deiro de Dario III. Em seguida, marchou para o Oriente, conquistando diversas regiões,
cessando seu avanço somente no vale do rio Indo. Pretendia seguir para a Índia, mas, em
325 a.C., suas tropas, exaustas, recusaram-se a segui-lo.
De volta à Mesopotâmia, Alexandre estabeleceu a cidade da Babilônia como
capital de seu Império. No entanto, logo depois, em 323 a.C, com pouco mais de trinta
anos, morreu após ser acometido por uma febre de origem desconhecida.
Alexandre herdou de seu pai a máquina de guerra macedônica; não obstante
contribuiu muito para a arte da guerra devido à sua liderança e ao emprego que deu a
seus exércitos. Suas intervenções foram decisivas nas batalhas, nas quais agia utilizando-
se da surpresa e da rapidez.
Sempre à testa da cavalaria dos “companheiros”, pondo em risco sua vida,
ele desferiu golpes mortais nos exércitos inimigos, servindo como exemplo a seus subor-
dinados. Nas longas e penosas marchas que empreendeu, ele manteve o exército unido
sob um mesmo objetivo, mantendo seu poder de combate. Tratava os seus soldados
32
BATALHA DE ARBELAS OU GAUGAMELA

20

3 1
4 2 4

18 12
LEGENDA
13 5 13 17
21 19
14 11 INFANTARIA PERSA

15 15 7 CAVALARIA PERSA

INFANTARIA MACEDÔNICA
6
9 8 CAVALARIA MACEDÔNICA
16
AURIGAS E ELEFANTES PERSAS
10

Em 331 a.C., na planície de Gaugamela (Arbelas), perto de Nínive, macedônicos, liderados por Ale-
xandre, lutaram contra persas, comandados pelo rei Dario III. Alexandre contava com 40 mil infantes e 7 mil
cavaleiros; enquanto Dario III possuía 300 mil infantes e 40 mil cavaleiros. Em disputa estava o futuro do
Império Persa. Dario III dispôs seu exército em 2 fileiras em ordem paralela (1); com sua guarda, ocupou o
centro da linha de batalha (2); o centro era formado pela infantaria (3), tendo nas alas forças de cavalaria (4);
à frente do dispositivo foram colocados cerca de 200 carros de guerra, elefantes e cavaleiros (5). Alexandre
dispôs suas tropas em 2 linhas, em ordem oblíqua (6); a primeira linha, com cerca de 30 mil homens, tinha em
sua ala direita infantaria e cavalaria ligeiras (7), comandadas pelo próprio rei macedônico; no centro foi
colocada a infantaria pesada (8); e na ala esquerda tropas de cavalaria (9); a segunda linha era formada por
contingentes menores de cavalaria e infantaria ligeira (10). Dario III iniciou o combate ao ordenar que seus
carros de guerra e elefantes atacassem o centro (13) e a ala direita macedônicos (14). Alexandre reagiu
comandando um avanço da cavalaria de sua ala direita (11). Para fazer frente a esta ameaça, Dario III designou
parte da cavalaria de sua ala esquerda para atacar os cavaleiros de Alexandre (12). No centro, os carros de
guerra e elefantes persas foram detidos pelos infantes macedônicos, que passaram a avançar (15). O setor
esquerdo macedônico encontrou maiores dificuldades para deter os persas, recebendo, para isso, reforços da
segunda linha (16). Na ala direita, Alexandre dispersou a cavalaria persa que veio lhe interceptar (17); em
consequência, Dario III enviou outra força de cavalaria contra Alexandre (18). Esta força, ao se deslocar,
deixou uma brecha nas fileiras persas que deixava exposta a posição onde se encontrava Dario III. Perceben-
do isso, Alexandre, apoiado por parte da reserva e pelos infantes do centro, atacou os persas no setor onde
se encontrava Dario III (19); este, sentindo-se ameaçado, fugiu do campo de batalha, sendo seguido por
grande parte de suas tropas (20). Alexandre iniciou uma perseguição aos persas que se retiravam, mas viu-se
obrigado a retornar para apoiar sua ala esquerda, que ainda lutava com forças remanescentes persas (21).
Derrotando as últimas forças persas, Alexandre consolidou sua vitória.

33
RI
O
DA

BI
O MAR
MACEDÔNIA DE
MAR NEGRO
Pela ARAL
MAR
GRÉCIA CÁSPIO RI
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Babilônia Susa

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EGITO Mênfis
RIO NILO

I
RIO
Persépolis
IMPÉRIO DE ALEXANDRE
GO
LF
ÍNDIA

O
ROTA DE ALEXANDRE ARÁBIA

PRINCIPAIS BATALHAS RS
I
CO

como iguais, promovendo muitos por merecimento e não por sua classe social. Nas vés-
peras dos combates, andava pelo acampamento conversando com os soldados; visitava-
os se estivessem feridos depois da batalha. Atomada dos portos persas no Mediterrâneo,
realizada para garantir o apoio logístico às tropas macedônicas, demonstra também seu
apurado tino estratégico. Por fim, Alexandre, em suas conquistas pelo Oriente, difundiu a
cultura grega. Da fusão das culturas grega e oriental surgiu a cultura helenística, caracte-
rizada por brilhante desenvolvimento das ciências, das artes e da filosofia.
Após a morte deAlexandre, seu império foi dividido entre seus generais, que
formaram três grandes reinos.Antígono reinou na Grécia; Ptolomeu, no Egito; e Seleuco,
na Pérsia e em grande parte da Ásia Menor. Os herdeiros de alguns desses reinos breve-
mente se deparariam com uma nova potência emergente: Roma.

34
CAPÍTULO 3

ROMA

“Os romanos, tendo submetido os tirrenos e os samnitas e


batido os celtas (gauleses) em numerosos recontros, empreenderam...
atacar o resto da península, lutando, não como que se tratasse para
eles de uma terra estrangeira, mas dum solo... que já lhes perten-
cia... Por fim, tendo expulso da Itália as forças de Pirro e o próprio
Pirro (274 a.C.), atacaram e abateram por sua vez os que tinham
feito causa comum com ele. Conseguiram, contra o que era de espe-
rar, o domínio de todos esses povos, e sujeitaram, à exceção dos
celtas (do vale do Pó) a totalidade dos habitantes da Itália” 3
Políbio, historiador romano

De acordo com uma lenda, Roma foi fundada por dois irmãos, Rômulo e
Remo, descendentes do troiano Enéas, que se refugiara na Itália após a destruição de
sua cidade. Efetivamente, Roma foi fundada no século VIII a.C. por pastores latinos.
Sua localização estratégica, na margem esquerda do rio Tibre, a vinte e cinco quilômetros
do mar Tirreno, no Lácio (região situada na planície costeira ocidental da Itália central),
favorecia-lhe, ao mesmo tempo, a defesa e expansão.
A evolução política romana pode ser dividida em três períodos: Monarquia
(753-509 a.C.), República (509-27 a.C.) e Império (27 a.C.- 476). Durante boa parte
de sua história, os romanos expandiram seus domínios, respaldados por um novo tipo de
organização militar: a legião (de legere: escolher). Esta, assim como a própria Roma,
passou por diversas transformações ao longo de sua existência.
Nos primeiros tempos, o futuro de Roma não parecia auspicioso. Esta cida-
de-estado foi obrigada a lutar por sua sobrevivência enfrentando ferozes tribos dos
Apeninos e exércitos de cidades análogas. Por volta de 640 a.C., caiu sob influência
dos etruscos, os quais haviam expandido seus domínios sobre grande parte da península
italiana.
Desde cedo, no entanto, Roma preocupou-se com sua defesa. Segundo a
tradição, a primeira legião teria sido estruturada por Rômulo, contando com três mil
combatentes de infantaria (trezentos cavaleiros integravam também o Exército Romano;
mas não a legião, que era formada somente por combatentes de infantaria).
3
Apud FREITAS, 1977, p. 88.

35
Inicialmente, a legião era formada por um só tipo de infante: os príncipes, os
quais eram cidadãos nobres (patrícios), proprietários de terra ou de fortuna. Os prínci-
pes formavam dispositivos em seis fileiras, semelhantes aos das falanges. Não havia pa-
dronização no armamento (embora a lança fosse a arma mais utilizada), nem recebimento
de soldo, tendo o legionário que prover seu sustento.
O exército tinha um caráter miliciano, pois somente era mobilizado em caso
de guerra, sendo o serviço militar obrigatório. Seus integrantes tinham forte sentimento de
posse, pois com muitas dificuldades haviam conquistado suas terras, estando dispostos a
sacrifícios extremos para defendê-las. Terminada a campanha, normalmente de curta
duração, o nobre retornava à sua vida cotidiana. Em momentos críticos, porém, todos
participavam dos esforços bélicos, não se hesitando em incluir nas fileiras pessoas sem
propriedades ou riquezas e escravos.
Ainda durante a monarquia, os romanos aperfeiçoaram seu exército. Padro-
nizaram seu armamento e equipamento, e criaram a legião tipo falangita, composta por
oito fileiras e dois novos tipos de infantes: os hastários e os triários.

ORGANIZAÇÃO DA LEGIÃO FALANGITA


Os hastários (1), mais jovens e
inexperientes, compunham uma infantaria
leve. Eram dotados de dardos, fundas, espa-
das e poucos equipamentos de proteção.
1
Posicionavam-se nas duas primeiras fileiras,
1 de forma dispersa, cabendo-lhes preparar o
2 combate por meio de escaramuças.
2 Os príncipes (2), elite da legião, com
cerca de 30 anos e vários anos de serviço,
2 faziam parte da infantaria pesada. Armavam-
2 se com piques e espadas e possuíam bons
3 equipamentos de proteção. Ocupavam, de
forma compacta, as fileiras intermediárias,
3 sendo-lhes reservado o esforço principal na
batalha.
HASTÁRIOS Os triários (3), veteranos de várias
batalhas, eram também infantes pesados. Seus
armamentos e equipamentos de proteção as-
PRÍNCIPES
semelhavam-se aos dos príncipes. Comple-
tavam as duas últimas fileiras, tendo como
TRIÁRIOS missão manter o moral da tropa, dar impulsão
ao ataque, cobrir possíveis retraimentos e dar
exemplo aos mais inexperientes.

O efetivo dessa legião variava entre mil e três mil homens, recrutados entre as
tribos romanas, que contribuíam cada uma com cerca de cem homens (centúria).
Apesar das dificuldades e da influência etrusca, Roma expandiu seus domínios
durante a monarquia, passando seu território a abranger cerca de novecentos quilômetros
quadrados.
36
POVOS DA PENÍNSULA ITALIANA POR VOLTA DO ANO 500 a. C.

Veios MAR LEGENDA


ADRIÁTICO
Roma LATINOS
Boviano
Cápua ETRUSCOS
MAR
TIRRENO Tarento

SAMNITAS

GREGOS

Cartago Siracusa CARTAGINESES

No final do século VI a.C., os romanos aliaram-se às colônias gregas do sul da


Itália (Magna Grécia), visando livrar-se da influência dos etruscos. Vitoriosos, os roma-
nos destituíram o rei Tarquínio, de origem etrusca, que governava Roma, e fundaram
uma República. Em lugar do rei passou a haver dois magistrados supremos, os cônsules,
que eleitos em assembleia, alternavam-se no governo por um ano. O poder, na realida-
de, era exercido pelo Senado, que controlava as finanças, a religião, a política exterior e
o território público do Estado.
No princípio da República, os romanos estavam cercados por inimigos hostis.
Em virtude disso, adotaram uma estratégia ofensiva, que vigoraria por vários séculos.Ao
invés de se manterem na defensiva, os romanos optaram por atacar seus inimigos, incor-
porando os territórios conquistados. Essa estratégia, contudo, fazia surgir novos vizi-
nhos, que também precisariam ser subjugados. Desencadeava-se, assim, um processo
de expansão preventiva, que se prolongaria por vários séculos. Os territórios paulatina-
mente anexados tornavam-se terras públicas ou colônias povoadas por romanos.
Ao longo de muitas lutas, os romanos dominaram parte da Etrúria (ao vencer a
principal cidade etrusca,Veios, em 396 a.C.), as tribos latinas adjacentes (338 a.C.), os
Samnitas (povo da região da Campânia, em 303 a.C.), e parte da Magna Grécia (270
a.C.). Dessa forma, com exceção do norte, que continuava sob domínio gaulês (povo
celta), a Itália estava unificada. Roma controlava, então, uma região habitada por cerca
de duzentos e cinquenta mil pessoas.

37
O principal infortúnio dos ro- VITÓRIA DE PIRRO
manos, nesse período, ocorreu em 387 Pirro, rei do Épiro (noroeste da Grécia),
a.C., quando tribos gaulesas, proveni- interveio em prol dos gregos no conflito entre
entes do norte da Itália, saquearam e ocu- Roma e a Magna Grécia. Com um poderoso
param Roma por sete meses. Segundo exército, ele venceu os romanos em várias
uma lenda, para se retirar da cidade, os batalhas sem lucrar com isso, tendo, em
gauleses teriamexigido uma grande quan- contrapartida, grande número de baixas. Após
tidade de ouro, calculada de acordo com um combate, teria mencionado: “mais uma
seus pesos. Em determinado momento, vitória dessas e estaremos liquidados”. Os ro-
ummagistrado romano protestou, alegan- manos, que se recuperavam após cada bata-
lha perdida, acabaram vencendo Pirro, em
do que os pesos estavam incorretos. O
274 a.C. Derrotado, o rei do Epiro voltou
líder gaulês Breno pôs então sua espada para seu reino, dando origem à expressão “vi-
de ferro na balança e exclamou “azar dos
tória de Pirro”.
vencidos”.
Em muitas campanhas, os romanos sofreram reveses. O que os diferenciava
de seus rivais era que eles demonstravam uma grande capacidade de reação, acabando
por vencer a guerra; o que se evidenciou até os últimos tempos do império.
Aprimeira fase da expansão romana demonstrou que a legião precisava ser
reformulada. Era difícil manobrá-la em terrenos acidentados porque suas longas fileiras
(reunidas em um único bloco) possuíampouca mobilidade e flexibilidade. Os seus flancos
também se mostravam muito vulneráveis.
Em razão disso, durante as guerras gaulesas, o chefe militar Camilo criou a
Legião Manipular, ao dividir o bloco único que formava a legião em grupos, os manípulos
(“punhados”).
POSSESSÕES ROMANAS, POR VOLTA DE 270 a. C.

MAR
Roma ADRIÁTICO

Cápua
Boviano LEGENDA
Tarento
MAR
TIRRENO
ROMANOS
GREGOS

Cartago Siracusa CARTAGINESES

38
ORGANIZAÇÃO DA LEGIÃO MANIPULAR
A legião foi dividida em 30
manípulos, que foram dispostos em uma
única linha. Cada um era composto por
cerca de 80 homens (10 de frente por 8 de
profundidade). Hastários, príncipes e
triários mantiveram suas posições, na fren-
te, no meio e na retaguarda, respectiva-
mente.
Os manípulos conferiram à legião
mobilidade e flexibilidade. Mobilidade por
1 2 3 ... 30 ser mais fácil comandar, organizar e des-
locar pequenos grupos antes e durante a
HASTÁRIOS batalha. Flexibilidade em decorrência das
múltiplas possibilidades de se empregar
PRÍNCIPES os manípulos de acordo com o andamen-
to do embate; já que estes podiam formar
TRIÁRIOS uma frente única, apoiar frações em difi-
culdade, explorar acidentes do terreno ou
aproveitar brechas nas fileiras inimigas.
A expansão romana na Itália chamou a atenção de Cartago, cidade localiza-
da no norte da África, fundada por volta do ano 800 a.C., por comerciantes fenícios. Os
cartagineses controlavam a região ocidental do Mediterrâneo (norte da África, a Córse-
ga, a Sicília e a Espanha) onde realizavam um próspero comércio marítimo.
As desconfianças mútuas entre Roma e Cartago redundaram nas Guerras
Púnicas (punicus era o termo latino para referir-se aos fenícios). A Primeira Guerra
Púnica (264 a 241 a.C.) originou-se quando romanos e cartagineses disputaram o con-
trole da ilha da Sicília. Foi um conflito basicamente naval, fator que no início favoreceu os
cartagineses. Os romanos, porém, conseguiram desenvolver uma poderosa marinha
para fazer frente ao inimigo. Após uma longa guerra de atritos, na qual contendores
perderamfrotas inteiras, Roma saiu-se vitoriosa. Cartago teve de pagar pesada indenização
e reconhecer o domínio de Roma sobre a Sicília, Córsega e Sardenha.
Em 218 a.C., teve início a Segunda Guerra Púnica. Cartagineses partiram de
suas possessões na Espanha em direção à Itália, sob o comando do general Aníbal, que
jurara, quando criança, vingar a derrota de sua cidade na Primeira Guerra Púnica. Após
uma longa e desgastante travessia pelos Pirineus e Alpes, já na Itália, os cartagineses
derrotaram os romanos em três batalhas seguidas: Trébia (218 a.C.), Lago Trasimeno
(217 a.C.) e Canas (216 a.C.).
A despeito de suas vitórias, Aníbal, desprovido de suprimentos e reforços,
não conseguiu conquistar Roma. Permaneceu com suas forças no sul na Itália, procuran-
do fortalecê-las.Os romanos, após as derrotas, mudaram de estratégia. Desistiram de
combater Aníbal diretamente, passando a atacar pontos vulneráveis do Império Cartaginês.
Desse modo, ocuparam a Espanha e enviaram tropas para o norte da África com o
objetivo de assediar a própria Cartago.
39
BATALHA DE CANAS

PRIMEIRA FASE SEGUNDA FASE

2 1
2
13

12 14
7

RIO AUFIDUS
MONTE
MONTE 10
CANAS
RIO AUFIDUS

CANAS

3
11 11
4 8 4 5
6

LEGENDA

CARTAGINESES ROMANOS
CAVALARIA
CAVALARIA
INFANTARIA
INFANTARIA

Em 216 a.C., cartagineses, sob comando de Aníbal, defrontaram-se com romanos,


liderados por Varro, na planície da Apúlia, nas proximidades de Canas, no sul da Itália.
Aníbal tinha cerca de 40 mil infantes e por volta de 10 mil cavaleiros. Varro, dispunha de
um número bastante superior de infantes, em torno de 60 mil, mas sua cavalaria possuía
menor efetivo, perto de 6 mil homens. Em disputa estava o controle da Itália. Aníbal dispôs
a infantaria num arco convexo (3), e a cavalaria, superior a dos romanos em número e
qualidade, nas alas (4); o monte Canas e o rio Aufitus protegiam os flancos de Aníbal (5
e 6). Os romanos pretendiam atacar o centro das forças de Aníbal; para isso, em virtude
da pequena dimensão do terreno da batalha, emassaram seus manípulos, perdendo, em
consequência, as legiões, sua flexibilidade (1). A cavalaria romana ficou nas alas (2).
Os romanos iniciaram o combate atacando o centro cartaginês (7), que recuou (8),
conforme determinação de Aníbal, transformando a linha convexa em côncava (9).
Enquanto os romanos penetravam no bolsão que se formava (10), Aníbal ordenou que sua
cavalaria atacasse a cavalaria romana (11). A cavalaria da ala direita romana foi derrota-
da e retirou-se (12). Em seguida, a cavalaria cartaginesa vencedora atacou a cavalaria
romana que estava na ala esquerda (13). Derrotada, a cavalaria romana da ala esquerda
também se retirou (14). A cavalaria cartaginesa, então, completou o cerco. Os romanos,
surpreendidos, foram aniquilados. Ao final, cerca de 50 mil soldados romanos estavam
mortos e outros 10 mil presos. Foi a maior vitória de Aníbal.

40
Diante da derrota de seu irmão Asdrúbal, que vinha lhe trazer reforços
(Batalha de Metauro, 207 a.C.), e da possibilidade de um ataque a Cartago, Aníbal
abandonou a Itália, seguindo para a África, onde foi derrotado pelos romanos na Batalha
de Zama (202 a.C.). Cartago, vencida, foi obrigada a ceder sua frota e seus territórios na
Espanha para Roma, além de pagar pesada indenização.
Os termos de paz impostos pelos romanos foram muito rigorosos, pois visa-
vam enfraquecer definitivamente Cartago. Esta, no entanto, logo recomeçou a prosperar,
sendo novamente vista pelos romanos como um perigo. No senado romano, o censor
Catão terminava seus discursos bradando “Delenda Carthago est” (Cartago deve ser
destruída).
Em 149 a.C., Roma declarou novamente guerra a Cartago. Na Terceira Guer-
ra Púnica, Cartago resistiu por três anos, sendo a cidade finalmente conquistada e destruída
pelos romanos em 146 a.C. Seus territórios foram transformados em províncias romanas
e seu povo escravizado.
Durante as Guerras Púnicas, apesar dos manípulos, os romanos constataram
que a legião ressentia-se de mais flexibilidade. Devido a isso, a reformaram.
ORGANIZAÇÃO DALEGIÃO MANIPULAR APÓSAS GUERRAS PÚNICAS

A legião passou a formar em três


linhas de 10 manípulos, sendo estes, ago-
1 2 3 ... 10 ra, constituídos por um só tipo de infan-
te. Os manípulos de príncipes e hastários
possuíam cerca de 120 homens (12 de
11 12 13 ... 20 frente por 10 de profundidade), enquan-
to os de triários possuíam por volta de
60 homens (06 de frente por 10 de pro-
21 22 23 ... 30 fundidade). Príncipes e hastários (estes
agora também pesadamente armados) fo-
ram equipados com espadas e dardos; os
LEGIÃO triários portavam dardos e piques. Foi
criada também outra categoria de comba-
PRÍNCIPES tentes, os vélites (1.200 homens, de in-
fantaria ligeira), dotados de armamentos
HASTÁRIOS como dardos e fundas. Estes substituí-
ram os hastários na preparação do com-
TRIÁRIOS bate e na realização de escaramuças. Os
vélites, assim como os cavaleiros (300
VÉLITES homens, que se posicionavam normal-
mente nos flancos), eram considerados
CAVALEIROS forças de apoio, não membros da legião.

A nova formação permitia mais facilmente o apoio mútuo entre os manípulos,


pois os da segunda e terceira linhas podiam, com presteza, auxiliar os da primeira ou se
aproveitar, com grande rapidez, de possíveis vulnerabilidades das forças adversárias.

41
Nesse período, a principal arma de combate do legionário era a espada espa-
nhola (“gladius hispaniensis”), que possuía uma lâmina larga, de fio duplo, com cerca de
setenta centímetros de comprimento, destinada, principalmente, a perfurar o inimigo. O
dardo utilizado era chamado de pilo e media de dois a três metros. A ponta dessa arma,
de ferro macio, ao atingir algo mais sólido que o corpo humano entortava, o que impossi-
bilitava que um adversário fizesse uso dela depois de arremessada.
Nessa fase, a batalha se iniciava com a ação dos vélites que, de forma disper-
sa, atacavam o inimigo com armas de arremesso, procurando desgastá-lo. No momento
do choque principal, eles retraíam para os flancos e para a retaguarda da legião, de onde
procuravam infligir danos ao inimigo. Tito Lívio descreveu da seguinte maneira o combate
após a ação dos vélites:
“Desde que a legião estava formada (em três linhas), os hastários engajavam-
se no combate; se não podiam romper a linha inimiga e eram repelidos, os prínci-
pes os faziam passar pela retaguarda pelos intervalos de suas fileiras e se batiam
em seu lugar; os hastários os secundavam então. Enquanto isso os triários fica-
vam sob seus estandartes, ajoelhados, cobertos por escudos, com piques
apoiados no solo e ponta para cima, assemelhando-se às paliçadas plantadas na
frente das linhas. Se a sorte se declarava também contra os príncipes, estes se
retiravam pouco a pouco da linha, até os triários (a situação era crítica nesse
momento). Nessa ocasião, os triários se levantavam de repente; reuniam-se a
eles os príncipes e hastários; formando uma linha cheia e contínua; se atiravam,
então, sobre o inimigo: era a última esperança.” 4

Paralelamente às Guerras Púnicas, os romanos estenderam seus domínios.


Anexaram a Macedônia e a Grécia, após vencerem os macedônicos (146 a.C.); conquis-
taram a península Ibérica, depois de derrotarem os lusitanos e numantinos (133 a.C.); e
herdaram o reino de Pérgamo, deixado para Roma em testamento de seu rei
(133 a.C.).
A expansão romana pelo Mediterrâneo trouxe grandes transformações so-
ciais e econômicas, que ocasionariam o fim da República. Antes das conquistas, a econo-
mia romana estava baseada em um regime de pequena propriedade e trabalho livre. Com
as vitórias romanas, muitos comerciantes e militares enriqueceramnos ramos da manufatura
ou comércio. Os novos ricos compraram as terras dos camponeses criando latifúndios,
onde passou a preponderar o trabalho escravo, alimentado pela grande massa de prisio-
neiros resultantes das guerras.
Anova ordem econômica trouxe importantes consequências. Aconcentração
de terras provocou um grande êxodo de camponeses sem terra, os quais migraram para
as cidades, causando instabilidade social; e os novos ricos (chamados “homens novos” ou
“cavaleiros”), que tinham pouca importância política, passaram a exigir maior participa-
ção no regime republicano, cujos cargos até então eram controlados pela aristocracia.
4
apud SANTOS, 1998, p.46.

42
O poder em Roma passou a ser disputado por dois partidos: o aristocrático,
formado pela antiga nobreza; e o popular, formado pelos “homens novos” e pelos anti-
gos camponeses. As lutas entre os partidos estenderam-se por cerca de um século. As
constantes guerras civis e massacres, orquestrados por ambas as partes, enfraqueceram
paulatinamente a República. Neste contexto, em 107 a.C., foi eleito cônsul o general
Mário, “homem novo”, que instaurou uma ditadura, aumentou o poder dos “cavaleiros”
e realizou reformas no exército.

BATALHA DE CINOSCÉFALOS

7
8
2 5

4 1

6
3

2
LEGENDA
ROMANOS

MACEDÔNICOS

Em 197 a.C., na serra de Cinoscéfalos, legiões romanas, lideradas por Flamínio,


lutaram contra falanges macedônicas, comandadas pelo rei Felipe V. Os dois exércitos
se equivaliam, tendo cada um o efetivo de cerca de 25 mil homens.Antes da batalha, os
contendores se encontravam separados (2) pela serra de Cinoscéfalas (1). Após reco-
nhecimentos, os romanos ocuparam a estratégica serra (3). Felipe V, tendo em vista
também ocupar a serra, atacou os romanos com sua ala direita (4), mesmo estando sua
ala esquerda ainda se organizando, processo muito lento nas falanges (5). Aala direita
macedônica deixou os romanos em situação difícil, mas estes resolveram manobrar.
Tendo organizado suas forças rapidamente, graças à flexibilidade de seus manípulos,
os romanos destacaram sua ala direita para atacar a ala esquerda macedônica que
perceberam estar desorganizada (6). A ala direita romana venceu a desordenada ala
esquerda macedônica, que se retirou do campo de batalha (7). A ala direita romana,
em seguida, atacou pela retaguarda a ala direita de Felipe V (8). O resultado foi uma
esmagadora vitória romana, ficando evidente a superioridade da flexível legião sobre a
morosa falange.

43
Mário, após vencer uma guerra contra os númidas (106 a.C.), reorganizou a
legião. Passaram a integrá-la todos os cidadãos, independentemente de riqueza, pro-
priedade ou classe. Os soldados passaram a ser pagos pelo Estado, que lhes fornecia
também equipamento e armamento. Perdia a legião, emconsequência, seu caráter miliciano,
passando a ser uma força profissional, para a qual acorreram milhares de cidadãos po-
bres de Roma, na perspectiva de conseguirem despojos de guerra, pensões ou um peda-
ço de terra após o serviço militar.

ORGANIZAÇÃO DA COORTE
O general Mário foi responsável
pela implementação, em todas as
legiões, de uma unidade intermediária,
LEGENDA a coorte (criada, provavelmente, no sé-
culo II a.C., por romanos que comba-
tiam na Península Ibérica). Esta visava
atenuar a dificuldade que havia em se
COORTE comandar 30 manípulos ao mesmo tem-
po. A coorte consistia na reunião de 3
MANÍPULO manípulos compostos por 160 homens,
INFANTARIA reforçados por tropas auxiliares (120 in-
AUXILIAR fantes e 60 cavaleiros recrutados entre
CAVALARIA povos aliados). Deixou de haver as dis-
AUXILIAR tinções entre príncipes, hastários,
triários e vélites, quer quanto à idade,
equipamento e armamento (todos pas-
saram a usar espada e pilo).

ORGANIZAÇÃO DA LEGIÃO DE MÁRIO

A legião passou a ser composta por


I II III IV
10 coortes distribuídas em 03 linhas. Seu
efetivo somava cerca de 4800 homens (10
coortes de 480 homens), não computados
os infantes e cavaleiros auxiliares. As
V VI VII
coortes formavam um dispositivo em xa-
drez, o que lhes conferia muita flexibilida-
de. A primeira linha tinha amplos espaços
VIII IX X à retaguarda; por onde as coortes da se-
gunda e terceira linhas podiam realizar ma-
nobras diversas para apoiá-la. A terceira
linha podia tanto reforçar o ataque como
LEGIÃO cobrir um movimento retrógrado. Infantes
e cavaleiros auxiliares realizavam missões
01 COORTE de apoio à legião.

44
As reformas de Mário fizeram do Exército Romano um instrumento capaz de
assegurar a expansão e defesa de Roma, mas logo se revelariam danosas para a Repúbli-
ca. Os soldados profissionais passaram a considerar que deviam mais fidelidade ao seu
comandante do que aos seus governantes. Desse modo, iniciava-se um lento, mas contí-
nuo arrefecimento do civismo do soldado romano, enquanto o exército tornava-se uma
arma política utilizada por seus líderes nas disputas pelo poder.
Júlio César, grande líder militar, foi um dos generais que fez uso das legiões
para atingir suas ambições políticas. Após conquistar a Gália e vencer seus rivais roma-
nos, declarou-se ditador perpétuo de Roma (45 a.C.). LEGIONÁRIO
Na época de César, as legiões esta-
vam no apogeu. O cidadão ingressava voluntaria-
mente na legião, comprometendo-se a prestar o
serviço militar por determinado tempo. Recebia
do Estado seu material de dotação: gládio, pilo,
capacete munido de protetores de face, escudo
oval, cota de malha, túnicas de lã e sandálias
cardadas.
A força, a valentia, a audácia e a dis-
ciplina dos legionários os diferenciava de outros
combatentes. Com a profissionalização, esses atri-
butos começaram a ser de maneira intensa
instilados no soldado durante árduos treinamen-
tos. Normalmente, estes consistiamde longas mar-
chas, corridas, natação e manejo de armas; tudo
sob direção de veteranos ou centuriões, que se-
guiam a orientação geral do comandante em
chefe.
O soldado aprendia também a lutar enquadrado em sua fração, sendo, para
isso, imprescindíveis os exercícios de ordem unida, nos quais o combatente familiariza-
va-se com os comando de “em frente!”, “a passo!”, “marche!”, “direita volver!” ou “es-
querda volver !”. As frações realizavam numerosas manobras conjuntas no terreno, com
armas, bagagens e cavalaria. César finalizava o treinamento dos soldados inexperientes
empregando-os em escaramuças.
A disciplina podia ser mantida por meio de medidas coercitivas individuais ou
coletivas. As punições variavam dependendo da gravidade da infração, podendo ser um
simples trabalho extra de faxina ou até a pena capital. Os oficiais podiam ser desgraduados
ou demitidos, e as legiões, dissolvidas ou apenadas com a dizimação (tirada a sorte, um
legionário em cada dez, era morto).
Os deslocamentos das legiões eram feitos por meio de marchas (de vinte a
cinquenta quilômetros por dia). O maior contingente da tropa (grosso) era precedido por
45
forças de vanguarda (soldados de cavalaria, infantaria e engenharia) às quais cabia abrir
caminho para as legiões e fazer-lhes a segurança. Na retaguarda, seguiam também ele-
mentos destinados à segurança (cavaleiros e infantes).
O legionário transportava seu equipamento pessoal, que pesava cerca de qua-
renta quilos. Os oficiais, dependendo de sua graduação, possuíam determinado número
de animais para o transporte de suas bagagens. As legiões estacionavam em locais pre-
viamente escolhidos, levando-se em conta aspectos táticos e sanitários. Ao redor dos
acampamentos, os legionários construíam fortificações.
Em campanha, a ração típica dos soldados era à base de trigo (pão, biscoito
e papas), complementada com alimentos locais. Bebiam normalmente água avinagrada.
Antes de um combate, o comandante geral consultava os áuspices e lembrava
aos legionários as razões pelas quais combatiam: valores, costumes, tradições e a grande-
za de Roma. Durante a batalha, os generais procuravam fazer uso da flexibilidade, da
capacidade de manobra e da disciplina das coortes para vencer os inimigos, que invaria-
velmente eram menos organizados do que os romanos.
Os adversários vencidos eram libertados sob caução (caso resolvessem se
aliar a Roma), escravizados ou mortos.

ORGANIZAÇÃO E COMANDO DA LEGIÃO


NA ÉPOCA DE CÉSAR
A legião contava com 4.800 homens,
divididos em 10 coortes (I a X) de 480 homens
I cada; uma coorte era formada por 03 manípulos
(1, 2 e 3) de 160 homens cada; um manípulo era
II constituído por 2 centúrias (4 e 5) de 80 ho-
III mens cada; e a centúria tinha 10 contubérnios
(6) de 8 homens (7) .
IV Os oficiais superiores, em sua maio-
ria, provinham da nobreza; não eram militares
V profissionais, já que exerciam o comando de
VI exércitos no âmbito de suas carreiras políticas.
Destacavam-se os cônsules e mais tarde
VII procônsules (comandantes da legião); os le-
gados (generais); os tribunos (oficiais de es-
VIII tado-maior); e os questores (responsáveis pela
intendência e contabilidade).
IX
Os centuriões eram os principais ofi-
1 2 4 ciais subalternos. Eram soldados profissionais,
X 6
promovidos por merecimento. Cada centurião
7 comandava 01 centúria; os mais antigos co-
5
mandavam também os manípulos e coortes nos
3 quais sua centúria estivesse enquadrada.

46
O tratamento dos feridos ficava restrito a uma medicina rudimentar, depen-
dente em muitos casos de superstições e ritos religiosos. Os médicos sabiam tratar de
fraturas e fazer amputações. De acordo com a gravidade de seu ferimento, o soldado
poderia ser tratado em sua própria barraca, evacuado para sumários hospitais de campa-
nha ou, ainda, casas particulares.
A cavalaria e a infantaria auxiliar de César eram compostas por combatentes
provenientes de variados locais, comandados por oficiais romanos. Na cavalaria destaca-
vam-se os hispanos, númidas e trácios. Na infantaria auxiliar, os gauleses e germanos.
Os romanos desenvolveram também a engenharia militar, que era responsá-
vel pela construção e manutenção de estradas, pontes, fortes, acampamentos,
entrincheiramentos e armas pessoais e de cerco. Em 55 a.C., os engenheiros de César
construíram uma ponte sobre o rio Reno que media 500 metros de largura, em um local
onde o rio chegava a ter 8 metros de profundidade. Diversos aparelhos de cerco eram
construídos no local onde seriam utilizados, destacando-se as torres de assalto, que po-
diam chegar a 30 metros de altura; os aríetes (“cabeça de carneiro”, instrumento para
abrir brechas nas muralhas); e as catapultas (engenhos para lançar dardos e pedras). A
legião não tinha um corpo especializado para realizar cercos; cada manípulo era respon-
sável por empregar duas peças de sítio.
Havia também o serviço de transporte, composto por ordenanças e escra-
vos, responsável pela condução das mais de mil bestas que levavam os materiais de
campanha da legião.
Júlio César acabou morto, em 44 a.C., por nobres amedrontados pelo seu
progressivo poder. O assassinato de César desencadeou um novo período de guerras
civis. Desses conflitos emergiu Otávio, sobrinho de César, que se impôs como líder abso-
luto, sendo aclamado, em 27 a.C., imperador Augusto. Iniciava-se, desse modo, o pe-
ríodo da Roma Imperial.
Durante oAlto Império (séculos I ao III) ocorreu o apogeu de Roma, malgrado
as lutas pelo poder. No governo de Trajano (98 a 117), o império estendia-se da Palestina
a Portugal e do Saara à Escócia.
Aos poucos, porém, a antiga estratégia ofensiva, que gerou a expansão
territorial romana, foi trocada por outra defensiva, que buscava, em geral, a estabilidade e
o assentamento de fronteiras defensáveis. Derrotas em conflitos contra os germanos (Eu-
ropa Central) e frente aos partas (Oriente Próximo) contribuíram para que Roma adotasse
essa nova postura. Em consonância com a nova estratégia, os romanos estabeleceram
baluartes de defesa ao longo de suas fronteiras: fortificações (muralha de Adriano, na
Escócia; fortes, no Oriente Próximo), acampamentos e colônias.
No Alto Império, eram comuns incursões violentas ao longo das fronteiras
romanas desencadeadas por pequenos e ágeis bandos de bárbaros (povos que não ti-
nham a cultura romana e não falavam o latim). Para fazer frente a esses ataques,
além das defesas estáticas, os romanos passaram a realizar operações militares
47
ordinárias. Estas passaram a ser realizadas por unidades menores, como as coortes, que
agiam de forma semi-independente. A cavalaria romana, recrutada entre povos bárbaros
aliados, adquiriu progressivamente maior importância e número dentro do exército, por
ter mais capacidade de pronta reação às imprevisíveis incursões inimigas.
Os soldados romanos tiveram seu equipamento aliviado para fazer frente à
rapidez dos bandos de bárbaros. Um escudo mais leve foi adotado e a cota de malha foi
substituída por faixas metálicas sobrepostas, mais cômodas de usar.
O Baixo Império (séculos IV ao V) marcou a decadência e o fim do Império
Romano do Ocidente. Isto decorreu por diversos fatores.
Ocorreu uma profunda crise financeira em virtude do desequilíbrio entre a
arrecadação fiscal de Roma e suas despesas com a manutenção do aparato administrati-
vo e militar. Os governantes passaram a desvalorizar a moeda constantemente, produzin-
do, em consequência, aumentos de preços e inflação, que se refletiram no custo de vida
da população.
O sistema escravista de produção entrou em colapso. Com o fim das guerras
de conquista, cessou dramaticamente o fornecimento de escravos para as lavouras roma-
nas, resultando na queda da produção e na falta de gêneros para o povo. O Estado
obrigou trabalhadores livres a se tornarem colonos, em substituição aos escravos, geran-
do grande descontentamento.

BRITÂNIA
ESLAVOS
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NO FINAL DAS GUERRAS PÚNICAS NA Cirene
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Alexandria
NA ÉPOCA DE CÉSAR ARÁBIA
EGITO
NO GOVERNO DE TRAJANO ÁFRICA
Ni
lo

48 44
A alta de preços, a falta de gêneros, a inflação, e também uma elevada tribu-
tação levaram as populações citadinas para o campo, onde passaram a praticar uma
agricultura de subsistência, fato que conduziu o comércio e a indústria à crise.
A intromissão crescente do exército nas lutas sucessórias provocou o enfra-
quecimento de poder imperial (entre 235 e 285, Roma teve vinte e seis imperadores e só
um não foi assassinado), destruindo a coesão do império, já abalada pelas divisões admi-
nistrativas realizadas pelos imperadores. Teodósio, por exemplo, em 395, dividiu o Impé-
rio entre seus dois filhos.AHonório coube o Império do Ocidente, cuja capital era Roma;
a Arcádio, o do Oriente, do qual era capital Constantinopla.
Houve o enfraquecimento das forças militares romanas devido, em grande
parte, a questões morais. Em face da crise, as classes médias e baixas romanas, sustentá-
culos do exército, passaram a viver em condições paupérrimas. Arruinadas, tiveram seu
fervor patriótico arrefecido; fugiram do serviço militar considerando-se desobrigadas a
lutar por um Estado que não atendia a seus anseios. Em consequência, passaram a com-
por o exército, em maioria, soldados recrutados nas províncias (não italianos,
semicivilizados) e membros de tribos bárbaras.
Os novos integrantes do exército, embora valentes, não possuíam a discipli-
na, a organização e o treinamento do soldado romano tradicional; não tinham, também,
compromisso ou lealdade com a civilização romana. Muitas vezes atacavam cidades e
vilas ou se amotinavam, perturbando o ambiente do império, em vez de defendê-lo.
Aelite urbana, que secularmente liderou as legiões, tornou-se apática. Viven-
do, muitas vezes, em meio a desmedido luxo, desinteressou-se pela vida pública. Não se
moveu para defender o Império do Ocidente, chegando até mesmo, em determinados
momentos, a delegar o comando das forças romanas a chefes bárbaros.
Por fim, os problemas com os bárbaros se agravaram. Muitos destes, desde
o século III, haviam ocupado pacificamente, com o consentimento de Roma, terras den-
tro do Império.
No século V, no entanto, os hunos, povo pastoril, oriundo da Mongólia, ata-
cou a Europa Oriental. Pressionadas, tribos germânicas, que ocupavam o leste europeu,
precipitaram-se violentamente sobre o Império Romano.
Os romanos já haviam repelido diversas invasões semelhantes, mas em
Adrianópolis, nos Bálcãs, em 378, sofreram uma devastadora derrota frente aos godos.
Nesse embate, ficou atestada a incapacidade de Roma em impedir que inimigos se insta-
lassem definitivamente dentro de seu império.
Em 451, na Batalha de Châlons, na França, ocorreu o último grande triunfo
dos romanos. Estes, aliando-se a godos e a outros bárbaros, conseguiram derrotar os
hunos. Nessa batalha, porém, os romanos contavam em suas fileiras com grande efetivo
de cavaleiros e infantes das mais variadas origens, o que evidenciava a desorganização
das legiões. Abatalha foi prelúdio da arte da guerra da Idade Média, devido às importan-
tes ações dos cavaleiros durante o embate.

49
IMPÉRIO ROMANO DIVIDIDO POR TEODÓSIO

EUROPA ESLAVOS
BRITÂNIA

GERMANOS
CO
TI

GÁLIA
LÂN

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A
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Roma
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Constantinopla
GRÉCIA ANATÓLIA

MAURITÂNIA IA SÍRIA
M ÍD MAR MEDITERRÂNEO
NU ÁSIA
PALESTINA
IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE
CIRENAICA
IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE ÁFRICA EGITO

A vitória romana em Châlons não garantiu a sobrevivência do Império Oci-


dental, já ocupado por diversos povos bárbaros. Os romanos, na verdade, encontravam-
se incapazes até mesmo de defender a sua própria capital ocidental. Roma foi saqueada,
em 410, pelos visigodos, e, em 455, pelos vândalos.
Em 476, os hérulos destronaram o último imperador, RômuloAugústulo, mar-
cando o fim do Império Romano do Ocidente. O Império Romano do Oriente, melhor
organizado e mais rico, resistiu às incursões bárbaras, sendo mais tarde conhecido como
Império Bizantino.

50
CAPÍTULO 4

OS BÁRBAROS
“(...) têm aspecto extraordinário e tão curvados que poderão ser toma-
dos por animais de dois pés (...). Não têm eles necessidade do fogo nem
de comidas temperadas, mas vivem de raízes selvagens e de toda espé-
cie de carne que comem meio crua, depois de tê-la aquecido levemente
sentando-se em cima durante algum tempo quando estão a cavalo.(...)
Vestem-se de pano ou peles de ratos dos campos; têm apenas uma única
roupa e não tiram a túnica senão quando cai em farrapos. Cobrem a
cabeça com pequenos bonés caídos, e as pernas com peles de bode. São
colados a seus cavalos, que são, na verdade, robustos mas feios; não
existe nenhum dentre eles que não possa passar a noite e o dia sobre a
montaria; é a cavalo que bebem, comem e, abaixando-se sobre o pesco-
ço estreito do animal, dormem. (...) Sem morada fixa, sem casa, erram
por todos os lados e parecem sempre fugir com suas carriolas. Como
animais desprovidos de razão, ignoram inteiramente o que é o bem e o
que é mal; não têm religião, nem superstição; nada iguala sua paixão
pelo ouro. 5
Amiano Marcelino, oficial romano, sobre os hunos

No século IV, diversos povos bárbaros viviam às bordas do Império Roma-


no. O termo bárbaro era usado pejorativamente pelos romanos quando se referiam aos
povos que viviam fora das fronteiras de seu império, que tinham linguagem, cultura e
costumes peculiares. No Oriente Médio, encontravam-se os sassânidas e os árabes, no
norte da África, os mouros, e, ao longo dos rios Danúbio e Reno, os germânicos. Mais
além das fronteiras romanas, na Europa Oriental e Ásia, perambulavam povos eslavos e
tártaro-mongóis.
Um povo bárbaro de origem tártaro-mongol (hunos) e outros de origem
germânica (vândalos, ostrogodos, visigodos, francos, anglos, saxões, entre outros) con-
tribuiriam decisivamente para o fim do Império Romano do Ocidente (naquela época
havia dois Império Romanos, o do Ocidente e o do Oriente).
Os germânicos organizavam-se em famílias; grupos familiares consanguíneos
formavam tribos que eram independentes, mas podiam se unir em confederações guerrei-
ras quando tinham interesses comuns. Tanto as tribos como as confederações eram co-
mandadas por um líder (rei ou general) eleito por uma assembleia de guerreiros. Inicial-
mente, os líderes governavam por um período preestabelecido ou durante uma campa-
nha. No século V, porém, muitos deles já haviam se firmado no poder, estabelecendo
monarquias hereditárias.
5
apud ISSAC; ALBA, 1968, p. 217.

51
Em algumas tribos, não havia uma rígida organização de classes sociais; em
outras, entretanto, estruturou-se uma sociedade estamental: no topo estava a nobreza
(normalmente estabelecida pela origem familiar), depois os homens livres e, finalmente, os
escravos.
Os nobres e os homens livres tinham o dever de fazer a guerra, fonte de
riquezas provenientes de saques ou da cobrança de tributos. Quando ociosos, reuniam-se
em grupos (comitatus) e investiam contra outras tribos a fim de obter ganhos.As relações
nos “comitatus” eram regidas pela reciprocidade: o líder do “comitatus” tinha autoridade
sobre o grupo; em contrapartida, deveria fazer a distribuição de parte dos despojos a
seus subordinados.Além da avidez por riquezas, a religião os impulsionava para a luta, já
que a morte em combate era a maior glória possível a um guerreiro e a garantia de acesso
ao paraíso (valhala), onde virgens (valquírias) os entreteriam.Amorte por velhice era vista
como algo ignominioso.
Às mulheres cabiam as atividades ligadas à pecuária, coleta e agricultura (de
subsistência, baseada no cultivo da cevada, do centeio e do trigo).
Quando os recursos de de-
GUERREIRO OSTROGODO terminada região escasseavam, as tribos
migravampara outros locais que lhes pro-
porcionassem melhores condições de
vida. Nesses deslocamentos, muitas ve-
zes entravam em confronto com outros
grupos, por territórios e riquezas.
A organização militar dos
germânicos era primitiva se comparada
ao aparato militar desenvolvido pelas ci-
vilizações greco-romanas em seu apo-
geu.
Os germanos desprezavam
equipamentos de proteção; quando mui-
to utilizam pequenos escudos e capace-
tes. Seus armamentos eram diversifica-
dos, consistindo de lanças, espadas,
camartelos, acha-d’armas, porretes e
arcos. Cada povo germânico tinha pre-
ferência por determinados armamentos:
os francos, por exemplo, eram adeptos
da “francisca” (acha-d’armas que arre-
messavam a curta distância); os
ostrogodos, por sua vez, preferiam es-
padas longas, de corte, e lanças.
52
Os povos compunham suas forças e adotavam formas de combate também
de acordo com suas peculiaridades: os francos preferiam lutar a pé; os ostrogodos faziam
uso tanto da infantaria como da cavalaria; os vândalos lutavam predominantemente mon-
tados. Nas batalhas, normalmente não adotavam formações rígidas, inviabilizadas pela
falta de adestramento coletivo. Valendo-se da força bruta, da ferocidade e do número,
atacavam de forma descoordenada e indisciplinada o inimigo. Desse modo, a coragem e
não o intelecto definia o sucesso germânico em um embate.
Os hunos, por sua vez, eram pastores nômades que migravam constante-
mente em busca de melhores pastagens para seus rebanhos. Como os germanos, periodi-
camente formavam confederações guerreiras que partiam para outras regiões com objetivo
de saquear. Acostumados desde crianças a cavalgar e a caçar, tornavam-se hábeis cava-
leiros e arqueiros. Sua principal arma era um potente arco que arremessava flechas capa-
zes de perfurar uma armadura romana a uma distância de cerca de cem metros. Usavam
também laços, espadas e lanças.
As tropas hunas possuíam elevada mobilidade, cobrindo velozmente grandes
espaços. Esses rápidos deslocamentos geralmente surpreendiam os seus inimigos, que
ficavam sem tempo para aprestar defesas adequadas.
FORMA USUAL DE COMBATE DOS HUNOS
Nas batalhas, os hunos usa-
vam táticas típicas das estepes: ini-
cialmente, a cavalaria leve, formada
2 2 por arqueiros, cercava o inimigo
(1), passando a fustigá-lo com “chu-
1 1 vas” de flechas (2); quando o inimigo
estava suficientemente enfraquecido,
2 3
entravam em ação tropas de cavalaria
2 com maior poder de choque, dotadas
de espadas, lanças e armaduras, que
lançavam potentes ataques sobre o
adversário (3). Se vitoriosos, os hunos
HUNOS impunham um regime de terror na re-
INIMIGO gião onde se encontravam, por meio
das mais diversas crueldades.

Por séculos, legiões bem adestradas e moralmente fortalecidas repeliram in-


cursões bárbaras ao longo das fronteiras do Império Romano. Em certos locais, romanos
e germânicos chegaram a viver pacificamente, ocorrendo um intenso intercâmbio cultural.
A partir do século III, no entanto, o Império Romano passou a vivenciar profunda crise,
que resultou no enfraquecimento do exército e, consequentemente, na incapacidade de
Roma em manter seu território a salvo de invasões.

53
A pressão dos povos bárbaros sobre a fronteira do Império Romano inten-
sificou-se a partir de 375, quando os hunos se deslocaram da Ásia para a Europa Orien-
tal. No leste europeu, os hunos derrotaram os alanos, povo visto pelos romanos como
excelentes guerreiros e, em seguida, subjugaram os ostrogodos. Os visigodos, outro povo
que estava na rota dos hunos, sentindo-se ameaçados, solicitaram aos romanos permis-
são para atravessar o rio Danúbio e se estabelecer dentro do império. O imperador roma-
no Valente autorizou que os visigodos se fixassem na Moésia (parte da atual Bulgária).
Os romanos, no entanto, dispensaram aos visigodos um péssimo tratamento
(altos impostos, confisco de armas), o que redundou em uma revolta bárbara. Em 378,
para reprimir os visigodos, o imperador Valente conduziu grande parte das forças roma-
nas para Adrianópolis. Nesse local, os romanos sofreram uma devastadora derrota, da
qual não mais se recuperariam. Perderam milhares de homens, inclusive o imperador Va-
lente, morto no combate.
ABatalha de Adrianópolis mostrou claramente aos bárbaros a fraqueza mili-
tar romana. Em face disso, diversos povos atravessaram as fronteiras, saqueando territó-
rios por onde passavam. Terminaram por estabelecer reinos em diferentes pontos do
Império Romano do Ocidente, que, sem forças para reagir, entrou em um processo de

BATALHADEADRIANÓPOLIS

3 3 Em 378, em Adrianópolis, próximo a


Constantinopla, um exército romano, liderado pelo impera-
dor Valente, lutou contra os visigodos, comandados por
Fritigern. Os romanos contavam com aproximadamente 40
mil soldados de infantaria e 20 mil de cavalaria; os visigodos
BOSQUES possuíam cerca de 50 mil combatentes de infantaria e ou-
tros tantos de cavalaria. Em prova estava a capacidade ro-
2 1 mana de manter seu império a salvo de invasões. No campo
8 8 de batalha, Fritigern improvisou uma posição defensiva com
9 carroças (1), no interior da qual abrigou sua infantaria (2).
A cavalaria visigoda encontrava-se em bosques próximos,
7 6 7 fora das vistas dos romanos (3). Valente posicionou a infan-
taria no centro (4) e a cavalaria nas alas (5) do dispositivo
dos romanos. Estes iniciaram o combate, atacando com a
5 4 5 infantaria (6) e a cavalaria (7) a fortificação improvisada do
inimigo. Os visigodos que estavam na posição defensiva se
defenderam com armas de arremesso. A batalha estava equi-
librada até o momento em que os cavaleiros visigodos subi-
tamente saíram dos bosques e cercaram os romanos (8). A
LEGENDA infantaria visigoda saiu do interior de sua fortificação au-
mentando a pressão sobre os romanos (9). Surpreendidos,
VISIGODOS ROMANOS os romanos entraram em pânico. No combate corpo-a-cor-
CAVALARIA CAVALARIA po que se seguiu, os visigodos infligiram aos romanos uma
INFANTARIA INFANTARIA retumbante derrota. Os romanos perderam por volta de 40
mil homens na batalha, inclusive seu imperador, ficando
sem condições de deter as invasões bárbaras que se anun-
ciavam.

54
INVASÕES BÁRBARAS

ANGLO-SAXÕES
EUROPA
BRITÂNIA FRANCOS
VÂNDALOS
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HUNOS
OSTROGODOS
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GÁLIA
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Roma
HISPÂNIA ITÁLIA MACEDÔNIA Constantinopla

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MAR MEDITERRÂNEO SÍRIA
MAURITÂNIA I A
ÍD
M
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IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE
CIRENAICA

IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE ÁFRICA EGITO

desintegração (o Império Romano do Oriente conseguiu resistir às invasões) . Dessa for-


ma, constituiu-se um reino vândalo no Norte da África; um visigodo, na Hispânia; um
ostrogodo, na Itália; um franco, na Gália; entre outros.
Os hunos, que provocaram invasões, permaneceram algum tempo na Europa
Oriental, onde aumentaram sua força, aliando-se a tribos germanas e eslavas. Na primeira
metade do século V, o rei huno Átila, conhecido pela alcunha de “flagelo de Deus” devido
às atrocidades que cometia, resolveu conquistar a Europa Ocidental. Seguiu para a Gália,
devastando as vilas e cidades que encontrava em seu caminho. Todavia, seu avanço foi
barrado em 451, na Batalha de Châlons (Campos Catalúnicos), por uma coligação de
romanos e germânicos, comandada pelo general romano Aécio.
Átila decidiu, então, dirigir-se para o sul, com a intenção de invadir a penín-
sula italiana. Segundo relatos, estava a cerca de 200 quilômetros da cidade de Roma
quando foi persuadido pelo papa Leão I a se retirar da Itália. Uma razão mais provável
da retirada parece estar ligada ao fato de as tropas hunas estarem sendo afligidas por
doenças (entre as quais a malária), o que teria contribuído para que mudassem seus pla-
nos. Da Itália, os hunos se deslocaram para as planícies da atual Hungria, onde Átila
morreu em 453, vítima de uma hemorragia estomacal. Seus filhos passaram a lutar pelo
poder, o que provocou o fim da unidade dos hunos, que acabaram por se dispersar.

55
Os recém-criados reinos bárbaros da Europa Ocidental tiveram destinos di-
ferentes. Alguns, como o dos visigodos e o dos ostrogodos, não perduraram por muito
tempo, sendo conquistados, respectivamente, pelos árabes e bizantinos; outros, como o
dos francos e o dos anglo-saxões, deram origem a modernos países europeus (França e
Inglaterra).
De maneira geral, nos reinos bárbaros, fundiram-se elementos étnicos, cultu-
rais, jurídicos e sociais dos romanos e dos bárbaros, que, cimentados pela religião cató-
lica, deram origem à sociedade Feudal.
O fim do Império Romano do Ocidente ocorreu em virtude do enfraqueci-
mento das legiões e não de uma evolução substancial da arte de guerrear dos bárbaros. O
Império Romano do Oriente, embora pilhado, manteve sua integridade, dando origem ao
Império Bizantino, que teria grande importância na Idade Média.

REINOS BÁRBAROS E O IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE

ANGLO-SAXÕES
O

EUROPA
NTIC

S
Â

IO

FRANCOS
ATL

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RG
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OSTROGODOS
BU
O CE

MAR NEGRO

Roma
Constantinopla
VISIGODOS IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE

VÂNDALOS MAR MEDITERRÂNEO

ÁSIA

ÁFRICA

56
SUN TZU
Na Antiguidade, os chineses desenvolveram processos de combate semelhan-
tes aos das civilizações ocidentais. Acredita-se que eles foram os primeiros a utilizar diver-
sos tipos de armamentos, como as bestas e catapultas.
Por volta do século V a.C., teria vivido na China um general chamado Sun Tzu,
considerado um dos maiores estrategistas militares de todos os tempos. Embora sua exis-
tência seja questionada por muitos historiadores, atribuí-se a ele uma obra denominada “A
Arte da Guerra”, dividida em treze capítulos, de cada qual transcrevemos uma máxima.
1. Estudos Preliminares: “A guerra é uma questão vital para o Estado. Por
ser o campo onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para a sobrevivência ou para a
ruína, torna-se de suma importância estudá-la com muito cuidado em todos os detalhes”.
2. A Guerra: “A vitória é o principal objetivo na guerra. Se tardar a ser
alcançada, as armas embotam-se e o moral baixa.”.
3. Plano de Ataque: “É preferível capturar o exército inimigo a destruí-lo.
Aprisionar intacto um batalhão, uma companhia ou um grupo de cinco homens é melhor do
que destruí-lo”.
4. Disposições: “A invencibilidade depende de cada um, assim como a
vulnerabilidade do inimigo depende dele mesmo”.
5. Autoridade: “Em geral, dirigir muitos é quase igual a dirigir poucos. Depen-
de somente de organização”.
6. Pontos Fracos e Fortes: “O inimigo deve desconhecer onde pretendo dar-
lhe batalha. Não o sabendo, terá de se preparar em muitos pontos diferentes, resultando
que aquele que eu atacar disporá sempre de poucos a defendê-lo”.
7. Movimentos Estratégicos: “Tanto as vantagens como o perigo estão liga-
dos às manobras”.
8. Nove Fatores variáveis: “Há cinco qualidades negativas no caráter de um
general. Se é ousado, pode ser abatido. Se é covarde, pode ser capturado. Se é exaltado,
pode fazer figura de louco. Se tem um sentimento de honra demasiado delicado, pode ser
caluniado. Se é de natureza misericordiosa, é fácil de perturbar.”.
9. As Ações: “Quando o inimigo, servindo-se de emissários empregando ter-
mos humildes, prossegue com as suas preparações, é porque avançará”.
10. A Natureza do terreno: “A conformação do terreno é de suma importância
nas batalhas. Assim sendo, avaliar a situação do inimigo, calcular as distâncias e o grau de
dificuldades do terreno, quanto à forma de se poder controlar a vitória, são virtudes de um
general de categoria”.
11. Os Nove Tipos de terreno: “Terreno igualmente vantajoso para mim e para
o inimigo é terreno-chave”.
12. Métodos de Ataque com Fogo: “Vencer batalhas e tomar objetivos sem
explorar estes acontecimentos é lamentável, podendo chamar-lhe de um atraso dispendioso”.
13. O Uso de Espiões: “os agentes dispensáveis são espiões nossos aos quais
são deliberadamente fornecidas informações erradas”.
Fonte: SUN TZU. A arte da guerra. São Paulo: Martin Claret, São Paulo, 2008.

57
PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE SÍTIO DA IDADE ANTIGA

ARÍETE CATAPULTADE TORÇÃO

TORRE DEASSALTO CATAPULTA DE TORÇÃO (BALISTA)

58
PARTE II

IDADE MÉDIA
CAPÍTULO 5

O IMPÉRIO BIZANTINO

“Um general não deve ter que dizer: Eu não esperava”.

“Um general não deve ignorar qualquer situação que possa provavel-
mente ocorrer em uma guerra”.

“O bom general faz exame não só dos perigos prováveis, mas tam-
bém naqueles que podem ser totalmente inesperados”.

“Seus planos sobre as operações principais não devem ser do conheci-


mento de muitos, somente daqueles que estão mais perto de você”. 6
Tratado de Estratégica e Tática Bizantino (extrato)

A origem do Império Bizantino remonta ao século IV, quando o imperador


romano Constantino, em face da intensificação da crise econômica, política e social na
parte ocidental de seu império, resolveu transferir a capital romana para o oriente. Os
romanos escolheram situar sua nova capital no mesmo local onde outrora existira uma
colônia grega denominada Bizâncio (às margens do mar de Mármara, no lado europeu do
estreito de Bósforo; ponto estratégico por ligar a Europa à Ásia, e o mar Mediterrâneo ao
mar Negro).
A nova capital ficou pronta em 330, recebendo o nome de Constantinopla,
em homenagem a seu mentor. Mais tarde, em 395, o imperador Teodósio dividiu o Impé-
rio Romano entre seus filhos. Honório ficou com o Império Romano do Ocidente,Arcádio
como do Oriente.As capitais dos impérios eram, respectivamente, Roma e Constantinopla.
Os dois impérios tiveram destinos diferentes. O do Ocidente sucumbiu em
476, em meio a crises internas e invasões bárbaras; o do Oriente, posteriormente conhe-
cido como Império Bizantino, sobreviveu por estar mais bem estruturado, já que, neste, o
poder manteve-se fortemente centralizado pelo imperador, um dos fatores que permiti-
ram aos bizantinos conter os bárbaros e, posteriormente, fazer florescer pujantes atividades
econômicas.
6 apud PETERSEN, 1992.

61
Nos primeiro séculos, os bizantinos mantiveram preservadas as instituições
políticas e administrativas romanas, pois delas se consideravam herdeiros. No século VII,
porém, já haviam dado forma à sua própria civilização, alicerçada em valores gregos e
asiáticos, e em novas compreensões acerca da religião cristã.
A civilização bizantina nitidamente diferia da civilização ocidental que parale-
lamente se formava na Europa. Isso ocorria emvirtude de bizantinos e europeus vivenciarem
realidades econômicas, políticas e sociais bastante contrastantes. Na Europa, o poder
estava descentralizado, o comércio praticamente inexistia, as cidades estavam despovoa-
das e a religião era controlada pelo papa; no Império Bizantino, prevalecia o poder cen-
tralizado, havia um intenso comércio, existiam grandes cidades e a religião estava a cargo
do patriarca de Constantinopla.
O período de maior expansão territorial do Império Bizantino ocorreu no
reinado do imperador Justiniano (527-565), um camponês que chegou ao poder por
meio de um golpe militar.As guerras desencadeadas por Justiniano tinham como objetivo
reconstruir o antigo Império Romano e expandir a fé cristã. Graças às campanhas de dois
de seus generais, Belisário e Narsés, Justiniano apoderou-se do norte da África, do sul da
Península Ibérica, da Itália e de outras regiões. Nessa época, os bizantinos combateram
com êxito também os sassânidas (persas), que há muito tempo tinham um poderoso impé-
rio no oriente.
Os bizantinos, no entanto, não tinham recursos para manter as conquistas de
Justiniano. A partir do século VII, tenderam a perder territórios para povos que, em dife-
rentes momentos, investiram contra seu império (sassânidas, ávaros, árabes, búlgaros,
eslavos, turcos, entre outros).

EUROPA

FRANCOS
CO
TI
LÂN
AT
NO

MAR NEGRO
MAR
EA

Roma CÁSPIO
OC

VISIGODOS Constantinopla

SASSÂNIDAS
MAR MEDITERRÂNEO SÍRIA

PALESTINA
CIRENAICA

ÁFRICA
EGITO
IMPÉRIO BIZANTINO NO SÉCULO VI ARÁBIA

62 56
BATALHA DE TÁGINAS
9
6 5 6
LEGENDA

10 4
10
BIZANTINOS OSTROGODOS
7 CAVALARIA CAVALARIA
8
8
2 2 INFANTARIA INFANTARIA
11
3 3
ARQUEIROS ARQUEIROS
2 2
1

A Batalha de Táginas insere-se no contexto das reconquistas de partes do Império Romano realizadas
pelo imperador Justiniano no século VI. Em 522, na Vila de Táginas, na Itália, um exército bizantino, liderado
por Narsés, enfrentou os ostrogodos, comandados por Totila. Em disputa estava a hegemonia sobre o norte da
península italiana. Os bizantinos contavam com cerca de 20 mil homens, enquanto os ostrogodos com aproxi-
madamente 15 mil combatentes, a maioria de cavalaria. Narsés dispôs seus homens defensivamente, em um
semicírculo: no centro ficaram parte dos cavaleiros pesados (desmontados) e a infantaria pesada (1); nos
flancos ficaram os arqueiros (2) e o restante da cavalaria pesada (3). Totila posicionou suas tropas em 2 linhas:
a primeira, mais numerosa, era formada pela cavalaria (4); e a segunda, por infantes (5) e arqueiros (6). Os
ostrogodos iniciaram o combate lançando um ataque frontal (7). Dos flancos, os cavaleiros (dotados de arcos)
e os arqueiros bizantinos reagiram, lançando grande quantidade de flechas sobre os atacantes (8). As flechas
bizantinas desarticularam totalmente o ataque dos ostrogodos, que iniciaram um recuo (9). Aproveitando-se da
desorganização dos ostrogodos, a cavalaria bizantina que estava nas alas lançou um decisivo ataque nos flancos
dos ostrogodos (10). O ataque da cavalaria foi seguido pelo avanço da infantaria e cavalaria bizantinas que
estavam na posição defensiva (11). Ao final, os ostrogodos foram totalmente derrotados; perderam por volta
de 6 mil homens, inclusive seu líder, Totila. Com a vitória, os bizantinos passaram a controlar o norte da Itália.

Ter uma organização militar muito eficiente, superior por muitos séculos à
dos seus rivais, foi um dos principais motivos da longa existência do Império Bizantino.
Os bizantinos possuíam um exército regular, de pequena proporção, pois os imperadores
procuravam evitar excessivos gastos, além de temerem possíveis golpes militares. Em
caso de necessidade, incorporavam ao exército tropas provenientes dos “Temas” (distri-
tos regionais, ao mesmo tempo civis e militares, autossuficientes, capazes, na maioria das
vezes, de fazer frente aos inimigos sem ajuda externa). Cada “Tema”, comandado por um
“estratego” (general), deveria recrutar determinado número de combatentes (treinados e
equipados) para sua defesa ou para uma campanha militar de maiores proporções.
Além dos contingentes do império, os bizantinos, em muitas ocasiões, lança-
ram mão de mercenários de diferentes origens, às vezes antigos inimigos, para reforçar
seu exército. No século VI, por exemplo, hunos combateram no norte da África em apoio
a tropas bizantinas.

63
Os integrantes das forças bizantinas geralmen- CATAFRATO
te recebiam terras ao final do serviço militar.Além disso,
outras razões impeliam os soldados a combater: a defesa
da religião cristã, a manutenção ou ampliação do territó-
rio imperial, a preservação de sua civilização e, por
vezes, o soldo.
A cavalaria pesada era a elite do exército,
pois respondia bem às necessidades bizantinas, já que
podia movimentar-se rapidamente para qualquer parte
das extensas fronteiras do império. Os cavaleiros pesa-
dos eram chamados “catafratos” (encouraçados). Equi-
pavam-se com armaduras, elmos e escudos; armavam-
se com arcos, lanças e espadas, e montavam cavalos
robustos.
A infantaria, por sua vez, desempenhava um
papel auxiliar. Era dividida em dois tipos principais: a
leve, armada com arcos; e a pesada, equipada com
lanças de estocar, espadas, grandes escudos, couraças e
capacetes.
O Exército Bizantino era bem treinado e disciplinado. Graças a isso, cavalei-
ros e infantes podiam realizar manobras complexas nos campos de batalha. Os cavaleiros
procuravam combinar a potência de suas armas de arremesso ao poder de choque que o
uso do cavalo lhes conferia, sendo, de modo geral, bons arqueiros e lanceiros. Havia um
corpo médico formado por cirurgiões e padioleiros que acompanhava as forças bizantinas,
algo raro em outros exércitos da época. O suprimento também era levado em conta pelos
comandantes bizantinos: carroças transportavam pás, machados, rações e outros itens
necessários para uma campanha bem sucedida.
Para conduzir suas operações, os comandantes militares bizantinos inspira-
vam-se no estudo dos tratados, alguns calcados na doutrina militar em voga no auge do
Império Romano. São exemplos dessas obras as “Estratégias do Imperador Maurício”,
do final do século VI e as “Táticas de Leão VI”, escritas no final do século IX ou início do
X. Nos tratados estava a essência da estratégia militar e da tática bizantinas, que preconi-
zavam o mínimo uso da força para se alcançar os objetivos.
Como o império normalmente tinha recursos escassos e seu exército era, em
geral, numericamente inferior aos dos adversários, prescrevia-se aos comandantes em-
pregar o exército em “ações estratégicas indiretas” (evitar um combate decisivo no início
da campanha; só fazê-lo mais tarde, quando o inimigo estivesse suficientemente
desgastado). Sendo assim, quando tinham seu império invadido, os líderes bizantinos não
procuravam repelir imediatamente o inimigo por meio de uma batalha decisiva; pelo

64
contrário, evitavam o combate, procurando prolongar o conflito. Valendo-se de fortale-
zas, de fintas, de retiradas, e de seu melhor sistema logístico e de comunicação, aguarda-
vam que o inimigo, normalmente menos organizado e disciplinado, se enfraquecesse, o
que acontecia geralmente por falta de suprimentos e forragens. O comandante bizantino
somente partia para o combate decisivo após um cuidadoso exame da situação, depois
de constatar que o invasor estava suficientemente debilitado.
FORMA USUAL DE COMBATE
Nas batalhas, os bizantinos pro-
curavam combinar ações de infantaria e
cavalaria. As infantarias leve e pesada
1 1 constituíam formações cerradas ao redor
das quais a cavalaria manobrava. Estan-
2 2 do a infantaria em posição, cavaleiros e
arqueiros a pé lançavam chuvas de fle-
3 chas sobre o dispositivo adversário (1),
visando a desorganizá-lo e enfraquecê-
lo. Em seguida, os catafratos realizavam
CAVALARIA um potente e decisivo ataque (2), utili-
INFANTARIA zando-se de seu poder de choque. Os
infantes, em caso de necessidade, pode-
ARQUEIROS
riam ser empregados para reforçar a ação
INIMIGO da cavalaria (3).
Em 1071, no entanto, os bizantinos fo-
ram fragorosamente derrotados pelos turcos FERRADURAS E ESTRIBOS
seljúcidas (povo oriundo das estepes) na Batalha de
Manzikert. A derrota representou um duro golpe Por volta do século VI, o es-
para o sistema militar e para a economia bizantina, tribo, inventado na Ásia, foi introdu-
zido na Europa (provavelmente pe-
pois os turcos apossaram-se de terras prósperas,
los ávaros, povo originário da Ásia
localizadas no centro da Ásia Menor, onde se en-
Central). Sem esse equipamento, o
contravam os principais “Temas”. Sem os contingen-
cavaleiro dispensava a maior parte
tes e as riquezas que provinham das terras agora ocu- de sua energia para manter-se na
padas pelos turcos, o Exército Bizantino foi obriga- sela. Seu uso proporcionou mais es-
do a contratar mercenários de valor duvidoso e o tabilidade ao cavaleiro, que assim
império perdeu boa parte de seu poderio econômico. podia manejar enormes lanças e es-
Nos séculos posteriores, outros fatos padas com muito mais firmeza. Mais
contribuíram para a derrocada do império: péssimas tarde, no século VIII, foram cria-
administrações, crises financeiras, golpes palacianos, das ferraduras para proteger os cas-
conflitos religiosos e a concorrência comercial das cos dos cavalos. Estribos e ferra-
cidades italianas (em 1204, cruzados, supostos duras muito contribuíram para que
aliados dos bizantinos, saquearam Constantinopla, a cavalaria se tornasse a arma pre-
onde fundaram um reino latino, que durou até 1261, ponderante na Idade Média.
aumentando ainda mais a agonia bizantina).
65
BATALHA DE MANZIKERT
5

2
LEGENDA

4 1
SELJÚCIDAS

BIZANTINOS

3
Em 1071, em Manzikert, na Ásia Menor, um exército bizantino, liderado pelo Imperador Romano IV,
enfrentou os turcos Seljúcidas, comandados pelo sultão Alp Arslan. Em disputa estava o controle de extensos
territórios da Ásia Menor. O número de combatentes envolvidos na batalha é impreciso. Os bizantinos conta-
riam com cerca de 50 mil homens, muitos dos quais mercenários; os seljúcidas teriam o dobro desse número, a
maioria cavaleiros. Romano dispôs seus homens em duas linhas compactas, uma a centenas de metros à
retaguarda da outra, em uma ordem de batalha defensiva. A primeira linha (1) era comandada pelo próprio
imperador bizantino; a segunda (2) era liderada por Andrônico, rival político de Romano IV. Alp Arslan
posicionou seus homens em uma frouxa forma crescente (3). Os seljúcidas não partiram para um combate
direto. Em vez disso, passaram a fustigar os bizantinos lançando flechas. Os bizantinos passaram, então, a
perseguir os seljúcidas, que, por terem maior mobilidade, esquivavam-se de um confronto decisivo. Ao entardecer,
Romano IV constatou que seria inútil prosseguir com a perseguição. Ordenou, então, um retraimento, mandan-
do inverter o seu estandarte. Alguns combatentes bizantinos que estavam nos flancos da primeira linha enten-
deram que aquele sinal significava a morte de seu imperador. Em consequência, entraram em pânico, desarticu-
lando a primeira linha. Alp Arslan, que a tudo observava, ordenou então um grande ataque. Os seljúcidas
penetraram pela ala direita da primeira linha bizantina (4), isolando grande parte dos homens da vanguarda
inimiga. A segunda linha bizantina não auxiliou a primeira, preferindo retirar-se do campo de batalha sem
combater (5). Sem o reforço da segunda linha, a linha de vanguarda bizantina foi massacrada pelo inimigo, tendo
Romano IV caído prisioneiro. O resultado da batalha foi uma grande vitória dos seljúcidas, que se apossaram de
grande parte da Ásia menor.

Apartir do século XIV, os


bizantinos passam a sofrer pressão O “FOGO GREGO”
dos otomanos, um outro clã turco. Em No século VII, um alquimista chamado
1450, esse povo já controlava a Ásia Calínico inventou uma substância líquida que fi-
Menor e os Bálcãs, ficando o Império caria conhecida como “fogo grego”. A fórmula
Bizantino restrito a um mísero enclave do “fogo grego” perdeu-se ao longo dos sécu-
dentro do Império Otomano. los, mas provavelmente consistia de uma mistu-
ra de nafta, enxofre e salitre. O líquido era muito
A capital imperial,
combustível, chegando a queimar mesmo em
Constantinopla, no entanto, resistia.
contato com a água. Os bizantinos rapidamente
Situada num promontório, com diver- utilizaram a substância para fins bélicos. Por meio
sas linhas de sólidas muralhas e outros de potes lançados por catapultas ou esguichados
dispositivos de defesa, já havia por tubos, a substância era lançada sobre na-
rechaçado mais de vinte cercos, dos vios e tropas inimigas, causando mortes e pavor.
mais diversos povos.
66
Em 1453, todavia, o sultão turco Maomé II resolveu conquistar
Constantinopla. Para isso, preparou um exército com grande poder de combate, consti-
tuído por cerca de cem mil homens e dotado de canhões capazes de derrubar as muralhas
bizantinas.Após um cerco de cinquenta e quatro dias, a cidade finalmente foi conquistada.
Recebeu um novo nome, Istambul, tornando-se a capital do Império Otomano. Chegava
ao fim a civilização que havia preservado a herança do mundo clássico por quase mil
anos.
Por muitos séculos os exércitos bizantinos asseguraram a prosperidade de
seu império. Mais organizados e disciplinados, mais bem empregados e treinados, foram
superiores às forças inimigas em muitas ocasiões. Ao longo de sua trajetória, fizeram
frente a diversos povos que almejavam as riquezas bizantinas, entre estes os árabes, que,
movidos por uma nova religião, construiriam um grande império a partir do século VII.

67
CAPÍTULO 6

OS ÁRABES
“Conquistada a Espanha, Muça... dividiu o território da Península
entre os militares que vieram à conquista, da mesma maneira que
entre eles distribuíra os cativos e os demais bens móveis arrecada-
dos como presa. Então deduziu o quinto das terras e dos campos
cultivados, do mesmo modo que deduzira antes o dos cativos e objetos
móveis... Quanto aos outros cristãos que estavam em lugares ina-
cessíveis e nos montes elevados, Muça...deixou-lhes os bens e o uso
de sua religião, mediante o pagamento de um tributo...” 7
Ibne Mozaine, historiador

Na Idade Média, em um curto espaço de tempo, menos de cem anos, os


árabes, estimulados por uma nova religião, construíram um imenso império e forjaram
uma nova civilização.
No final do século VI, os árabes não pareciam destinados a um futuro tão
auspicioso. A Península Arábica, onde viviam, era predominantemente desértica, com
exceção de uma estreita faixa de terras ao longo do Mar Vermelho, conhecida como o
“Hedjaz”. Na parte desértica, tribos nômades pastoreavam, não sendo incomum san-
grentos conflitos pelo controle de poços de água ou oásis. No “Hedjaz” predominavam
populações sedentárias, que, ao longo do tempo, desenvolveram uma pujante economia
mercantil; as cidades de Meca e Yathrib, rotas de caravanas, eram os dois principais
centros comerciais.
Na Arábia não havia um poder político ou uma religião que unificasse seus
habitantes. Esses se encontravam divididos em tribos ou clãs (às vezes rivais), professan-
do religiões politeístas. Alá era a principal divindade, secundado por muitas outras. Na
Caaba, um templo localizado em Meca, encontravam-se os principais ídolos. Entre esses
destacava-se uma pedra meteórica negra, que teria vindo milagrosamente do céu.
Na primeira metade do século VII, esse ambiente seria drasticamente trans-
formado por Maomé (Muhammad), que dizia ser profeta de Alá. Maomé nasceu em
Meca, em 570; fazia parte de uma família pobre da tribo dos Coraixitas, esta de grande
influência local. Na juventude tornou-se caravaneiro, passando a percorrer regiões habi-
tadas por cristãos, judeus e persas, de quem sofreu influências religiosas. No ano de 610,
Maomé teria recebido do anjo Gabriel revelações divinas, semelhantes às que o Deus
dos hebreus, Jeová, concedera a Moisés e a outros profetas. Nas revelações, o anjo
Gabriel anunciava que Maomé fora escolhido por Alá para redimir a humanidade, o que
deveria ser feito por meio de uma reforma moral.
7
apud FREITAS, 1977, v.1.

69
Maomé começou então a pregar uma nova religião, cujos preceitos encon-
tram-se em um livro: o Corão. Este contém as revelações que Alá teria feito a Maomé, as
quais regulam a doutrina e codificam a vida civil e social islâmica.
Alguns preceitos do Corão motivaram a expansão militar árabe que se seguiu
à morte do profeta, pois justificam a guerra contra povos não islâmicos. Isso decorreu
porque o livro sagrado islâmico assenta a existência de um só Deus (Alá), e que todos a
Ele devem se submeter (a palavra Islã, que deu nome à religião islâmica, significa submis-
são total à vontade de Alá; o termo muçulmano, que designa quem professa a religião
islâmica, provém do mesmo verbo que deu origem a palavra Islã). O Corão estabelece,
também, que todos os muçulmanos são irmãos, não devendo lutar entre si, pois fazem
parte da “Umma” (comunidade muçulmana). Afirma a existência de duas “Casas”: a da
“Submissão” e a da “Guerra”. Na Casa da Submissão, cujos limites coincidem com os
da “Umma”, encontram-se os muçulmanos, independentemente de etnias. Na “Casa da
Guerra” ficam os infiéis, ou seja, os que não estão submetidos à vontade de Alá. Estes
devem ser combatidos através da “Jihad” (Guerra Santa), até que a “Casa da Guerra” se
extinga (toda a humanidade, então, seria composta por muçulmanos). Ainda no Corão,
consta a promessa de que os combatentes que morrem lutando pelo Islã têm assegurado
o ingresso ao paraíso.
No início, porém, as palavras de Maomé não foram aceitas por todos os
árabes, pois a religião monoteísta confrontava-se com a prática politeísta que até então
vigorava. Em 622, Maomé e seus seguidores foram obrigados a fugir de Meca para
Yathrib, no episódio que ficou conhecido como “Hégira” (Partida). EmYathrib, que teve
seu nome mudado para Medina (cidade do profeta), Maomé se fortaleceu. Tornou-se
governador, iniciando uma “Jihad” contra seus inimigos. Em 630, o profeta voltou a Meca,
onde eliminou seus inimigos e destruiu os ídolos (manteve somente a pedra negra, que
passou a simbolizar Alá). Maomé morreu em 632, deixando propagada sua doutrina, que
unificava de forma política e religiosa os árabes.
Os sucessores imediatos de Maomé (califas) seguiram as palavras do Corão,
iniciando as “Guerras Santas” que deveriam por fim à “Casa da Guerra”. Em 720, os
árabes já dominavam, entre outras regiões, a Síria, a Palestina, a Pérsia, o norte da África
e grande parte da Península Ibérica. Nesse período combateram sassânidas, bizantinos,
berberes e visigodos, entre outros povos.Afraqueza dos Impérios Sassânida e Bizantino,
esgotados por lutarem um contra o outro, favoreceu a rápida expansão árabe.
Tais conquistas foram realizadas por exércitos em geral pouco organizados,
instruídos e equipados, mas com grande força moral. Os grupos de combatentes seguiam
as diretrizes de um líder geral. O núcleo das forças árabes era uma cavalaria leve de
grande mobilidade. Os cavaleiros desprezavam equipamentos de proteção; montavam
pequenos cavalos do deserto, de grande agilidade e energia; e armavam-se com arcos,
cimitarras (espadas curvas e afiladas), lanças, dardos e punhais.

70
EUROPA
FRANCOS
MAR
DE ARAL
MAR NEGRO
Toledo Constantinopla
PENÍNSULA MAR
BIZANTINOS
IBÉRICA CÁSPIO Samarcanda
Córdoba
Damasco
MAR MEDITERRÂNEO SÍRIA Bagdá
Jerusalém PÉRSIA
PALESTINA
Trípoli ÍNDIA
CIRENAICA EGITO

Medina

Meca
ÁFRICA
ARÁBIA

CONQUISTAS ISLÂMICAS: SÉCULOS VII AO X MAR DA ÁRABIA

A infantaria possuía armamentos semelhantes aos da cavalaria, tendo um pa-


pel secundário, de apoio. As duras condições de vida no deserto faziam com que os
árabes se tornassem combatentes de grande rusticidade. Desde criança, preparavam-se
para o combate, aprendendo a montar e manejar armamentos.
A maior virtude dos árabes, decisiva na expansão do islamismo, foi a elevada
força moral que a religião lhes conferia durante os combates. Movidos pela promessa de
que a morte em combate na defesa do Islã os levaria ao paraíso, os árabes lançavam-se
sem medo, de forma fanática e violenta, sobre o inimigo, surpreendendo-o.
Mesmo não tendo êxitos em de- CAVALEIRO ÁRABE

terminadas ocasiões, a força da fé levava-os a


persistir em seus objetivos, fazendo com que
lutassem até a vitória final, sem levar em conta
o número de baixas. O saque, não condenado
pelo islamismo, pois serviria para fortalecer a
“Umma”, era outro atrativo para os comba-
tentes.
Estrategicamente, os árabes inova-
ram ao utilizar camelos em suas campanhas.
Estes possibilitavam que tropas árabes atra-
vessassem regiões desérticas, consideradas
intransponíveis por seus inimigos. Nas batalhas,
os camelos, muito lentos e desajeitados, eram
substituídos por cavalos.

71
FORMA USUAL DE COMBATE ÁRABE

ELEVAÇÕES
2

4
1
5 4
1

3
3

ÁRABES INIMIGO

A tática dos árabes consistia no emprego de rápidos, incessantes e violentos


ataques contra o inimigo, para desgastá-lo ao máximo (1). Para isso, utilizavam-se do
terreno (2) e de sua maior mobilidade. Não hesitavam em se retirar do combate se a
situação em determinado momento lhes fosse desfavorável (3), para logo depois, em
melhores condições, voltar à carga (4). Quando o inimigo estivesse suficientemente
enfraquecido, eles lançavam o ataque decisivo, com todas as forças (5).

Com o passar do tempo, os árabes buscaram aprimorar seus exércitos, co-


piando aspectos das doutrinas militares de outros povos (principalmente dos bizantinos).
Desse modo, conseguiram melhorar seus métodos de sítio, de treinamento, de construção
de fortificações, entre outros.
De maneira geral, os povos conquistados eram tratados com moderação.
Podiam manter suas religiões e costumes, desde que não pegassem em armas contra os
árabes e pagassem o tributo devido.
O declínio árabe iniciou-se no século VIII, fruto de diversas razões: os muçul-
manos passaram a lutar entre si por questões religiosas e políticas; o fervor religioso, em
muitos locais, arrefeceu-se; a expansão por meio militar acabara, barrada na Europa pe-
los francos, em Constantinopla pelos bizantinos, na Ásia Central pelos turcos, e na Índia e
China por povos locais; e, finalmente, o império se dividiu em diversos califados, incapa-
zes de resistir à pressão de povos inimigos (cristãos na Península Ibérica e Mar Mediter-
râneo, turcos no Oriente Médio, entre outros).

72
BATALHA DO RIO YARMUK

COLINAS
5

8
2

7
RIO YARMUK
4 6 3
8

COLINAS

LEGENDA ÁRABES BIZANTINOS

Em 636, no vale do rio Yarmuk, próximo à cidade de Damasco, tropas árabes, lidera-
das por Khalid Ibn Walid, enfrentaram um exército bizantino, comandados por Teodoro Tritúrio.
Em disputa estavam territórios da Palestina e Síria. O número de combatentes que participa-
ram do embate é impreciso. Ambos os exércitos contariam com aproximadamente 30 mil
homens. Grande parte do exército árabe era formado por cavaleiros leves; o exército bizantino
era composto por infantes e cavaleiros pesados. Além dos contingentes regulares, integravam
o exército bizantino mercenários armênios, eslavos e árabes cristãos. Os árabes, que haviam
abandonado Damasco, posicionaram suas principais forças ao longo da margem sul do rio
Yarmuk (1). Os bizantinos, também provenientes de Damasco, depois de sofrerem muitos
ataques de escaramuçadores árabes, acamparam na margem norte do rio Yarmuk (2). Os
árabes tomaram a iniciativa; partes de suas forças cruzaram o rio acima (3) e abaixo (4) da
posição bizantina, concentrando-se em colinas próximas à posição inimiga (5); de onde passa-
ram a realizar continuadamente pequenos ataques aos adversários. Essa situação perdurou por
diversos dias. Khalid Ibn Walid usou esse espaço de tempo para subornar mercenários que
lutavam ao lado dos bizantinos. Cerca de 12 mil destes abandonaram as fileiras bizantinas.
Após isso, os bizantinos lançaram um ataque no flanco direito árabe, que foi rechaçado (6).
Para complicar a situação dos combatentes bizantinos, uma tempestade de areia, vinda do sul,
castigava-os frontalmente. Diante da situação, as forças bizantinas resolveram se retirar do
campo de batalha (7). O retraimento bizantino foi mal coordenado, transformando-se em
fuga. Os árabes aproveitaram-se de sua maior mobilidade para atacar as desordenadas forças
bizantinas (8). As tropas bizantinas, totalmente desarticuladas, sofreram pesadas perdas, sen-
do totalmente derrotadas. A vitória árabe no rio Yarmuk, ocorrida no início da expansão árabe,
foi vital para a propagação do islamismo e constituição do Império Árabe.

73
Embora o Império Árabe tenha se extinguido, o Islã, rompendo barreiras de
etnias e línguas, continuou a se expandir por meio de missionários, particularmente na
Ásia e oeste da África, tornando-se uma força poderosa no cenário mundial. Um dos
povos que detiveram a expansão árabe, os francos, teriam importância vital na Europa
durante a Alta Idade Média.

74
CAPÍTULO 7

OS FRANCOS

“A Carlos Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico im-


perador dos romanos, vida e vitória.” 8
Leão III, papa, ao coroar Carlos Magno imperador dos romanos

No natal do ano 800, na Basílica de São Pedro, o papa Leão III coroou
Carlos Magno (rei franco) imperador dos romanos. Com esse ato, o pontífice pretendia
fazer reviver o antigo Império Romano do Ocidente, unindo a Europa sob a liderança de
um monarca cristão.
Carlos Magno tornou-se rei dos francos em 768; ao longo do seu reinado,
que perdurou até 814, expandiu seu reino e propagou o Cristianismo, terminando por
unificar a Europa centro-ocidental. Suas vitórias uniram o legado greco-romano ao pen-
samento cristão e aos costumes dos povos germânicos, contribuindo para a formação da
Civilização Ocidental.
No século V, os francos, provenientes de territórios hoje pertencentes à Bél-
gica, estabeleceram-se, na condição de aliados de Roma, no norte da atual França, na
época território do Império Romano. Aproveitando-se da desintegração do Império Ro-
mano, os francos constituíram seu próprio reino.Após serem unificados por um jovem rei
chamado Clóvis (465-511), ampliaram seus domínios vencendo diversos povos, entre
estes, romanos, visigodos e burgúndios. Em 560, dominavam grande parte dos territórios
atualmente pertencentes à França e à Alemanha.
Em 496, Clóvis converteu-se ao Cristianismo, selando uma aliança que era
proveitosa tanto para a monarquia franca como para Igreja. O apoio da Igreja dava
legitimidade espiritual ao poder temporal dos reis francos; em contrapartida, estes conce-
diam àquela liberdade para cristianizar seus súditos.
A partir do século VII, passaram a governar os francos uma série de monar-
cas que ficariam conhecidos como “reis ociosos”. Esses reis gradativamente delegaram a
assessores, conhecidos como prefeitos de palácio (major domus), a administração do
reino. Dessa forma, o poder de fato passou a ser exercido pelos prefeitos, perdendo os
soberanos sua autoridade.
Um prefeito de palácio chamado Pepino de Herstal tornou o cargo hereditá-
rio, passando-o a seu filho Carlos Martel. Em 732, este comandou as tropas francas que
derrotaram uma ofensiva árabe na Batalha de Poitiers, livrando a Europa Centro-Ociden-
tal da dominação muçulmana.
8
apud MELLO; COSTA, 1985, p. 226.

75
BATALHA DE POITIERS (TOURS)

LEGENDA
3
FRANCOS

MOUROS
1

Em 732, em uma planície situada entre Poitiers e Tours, um exército franco, liderado por Carlos
Martel, enfrentou mouros, comandados por Abd ar Rahman. Segundo relatos da época, os contendores
contavam com mais de 50 mil combatentes. Em questão estava a sobrevivência da Civilização Ocidental em
face do avanço islâmico. A cavalaria pesada era o principal componente das forças de Carlos Martel. Os
mouros tinham como principal trunfo a cavalaria leve. Carlos Martel constatou que sua cavalaria pesada e
sua infantaria não tinham mobilidade suficiente para desferir ataques decisivos contra os mouros. Ordenou,
então, que sua cavalaria pesada desmontasse e se juntasse à infantaria em uma formação densa que fazia
lembrar uma falange (1). Os mouros (2) tomaram a iniciativa arremetendo por diversas vezes suas forças
sobre a formação franca (3), que manteve-se na posição, repelindo os ataques. O combate durou entre 2 e 5
dias. Os mouros não demostravam em suas investidas ter poder de choque suficiente para desarticular a
barreira franca, formada por homens equipados com armaduras, escudos e lanças. Em determinado momento
anunciou-se que o comandante mouro havia sido morto. Esse fato abateu o moral dos mouros que se
retiraram do campo de batalha, retornando à Espanha. Vitorioso, Carlos Martel salvou a Europa Centro-
Ocidental da investida muçulmana.

Posteriormente, o filho de Carlos Martel, Pepino, O Breve, que herdara do


pai o cargo de prefeito de palácio, resolveu apoderar-se do trono franco. Em 751, enviou
uma representação a Roma para saber sobre o posicionamento do papa Zacarias em
caso de uma possível destituição do rei Childerico III, então no trono franco. O papa
respondeu ser mais conveniente chamar de rei aquele que exerce efetivamente o poder, a
fim de que não se perturbasse a ordem. Tendo o apoio tácito do papa, Pepino depôs
Childerico III, sendo eleito rei pelos grandes senhores francos. Recebeu a unção de São
Bonifácio em Soissons, por meio da qual também a Igreja o reconhecia rei dos francos.
Em 756, Pepino retribuiu o apoio da Igreja ao conduzir tropas à Itália, a fim
de forçar os lombardos a ceder territórios que eram reivindicados pelo papa Estevão II,
sucessor de Zacarias. Pepino venceu os lombardos, ficando a Igreja com uma larga área
de terra que atravessava a Península Italiana, de Roma até Ravena, origem do Estado
Pontifício ou República de São Pedro. Pepino morreu em 768, sendo sucedido por seus
filhos Carlos e Carlomano. Este morreu logo depois, em 771, passando Carlos a gover-
nar sozinho.

76
Carlos, que ficaria conhecido como “O Grande” (Magno), dedicou-se a ex-
pandir e defender os domínios francos e o Cristianismo. Venceu os lombardos, tornando-
se senhor da Itália setentrional (774); anexou a Saxônia (785) e a Baviera (778); domi-
nou os ávaros da Panônia, região da atual Hungria (799), e combateu os muçulmanos,
mantendo-os além dos Pirineus.
Em seus domínios, que se estendiam do Mar do Norte até a Península Italia-
na, e do rio Elba até Barcelona, Carlos Magno difundiu a fé cristã e estimulou a educação
e a cultura, em um movimento que ficaria conhecido como Renascimento Carolíngio.
A expansão do reino franco só foi possível graças à sua organização adminis-
trativa e militar, superior a dos demais povos que se encontravam na Europa Centro-
Ocidental.
Os reis francos, à medida que expandiam seus territórios, instituíam em seus
domínios o princípio da vassalagem. Os reis (suseranos) recompensavam com terras seus
guerreiros, recebendo destes (vassalos) promessas de fidelidade. Com o passar do tem-
po, alguns vassalos do rei tornaram-se também suseranos ao concederem terras de seus
domínios a pessoas de sua confiança ou ao acolherem proprietários de terras mais fracos
sob sua proteção (recomendação). Os domínios dos senhores, normalmente
autossustentáveis, espalhavam-se por todo reino, com diferentes dimensões.
No reinado de Carlos Magno, quando o sistema atingiu seu apogeu, havia no
Império Carolíngio por volta de 300 condados, estes, por vezes, subdivididos. Neles
viviam camponeses que, mediante diversas obrigações, recebiam proteção de seu senhor
e podiam fazer uso da terra. Carlos Magno fomentou o princípio da vassalagem. Tinha
sob seu controle direto os principais senhores (duques, marqueses e clérigos), determi-
nando a estes que fizessem o mesmo com seus respectivos vassalos. Assim, deu forma a
uma cadeia hierárquica por meio da qual controlava toda a população do império.
IMPÉRIO DE CARLOS MAGNO

Bremen
O
NTIC

Verdun
Â
ATL

Paris
ANO

Tours Estrasburgo
O CE

Bordeaux

Milão

CALIFADO OMÍADA

MAR MEDITERRÂNEO
Roma

77
O princípio da vassalagem era muito útil e eficiente quando Carlos Magno
ordenava a mobilização para uma campanha militar (mais de cinquenta durante seu reina-
do). Seus súditos, dentro dos diversos escalões, colocavam em prática planos e ordens
prescritos nas “Capitulares”, o que dava origem a um forte aparato militar. As “Capitula-
res” eram leis que regulavam variados aspectos da vida social, econômica e jurídica do
império franco (as leis estavam divididas em capítulos, dando origem à denominação
“Capitulares”).
Carlos Magno não possuía um exército regular e permanente, mas, se neces-
sário, ele podia convocar com presteza aproximadamente cinquenta mil homens. Consta-
va nas Capitulares que os súditos, com algumas exceções (membros da Igreja e pessoas
com determinados cargos públicos), deviam prestar serviço militar obrigatoriamente. To-
dos os proprietários de terras, de acordo com suas riquezas, eram também obrigados a
fornecer, em determinado prazo, um número pré-estipulado de combatentes, víveres, equi-
pamentos e armamentos para o esforço de guerra. Caso não cumprissem tais prescrições,
estariam sujeitos a punições.
A convocação era feita de acordo com as necessidades de determinada ope-
ração militar, pois, se realizada de forma irrestrita, resultaria na ruína financeira do impé-
rio, devido à falta de mão-de-obra. Sendo assim, não eram reunidos mais de 15 mil
combatentes nas grandes campanhas.
Os exércitos de Carlos Magno eram compostos por
CAVALEIRO FRANCO
cavaleiros e infantes. Acavalaria, dividida em leve e pesada,
era a arma de elite, compondo cerca de um quinto do efetivo.
A cavalaria pesada era recrutada entre os membros mais ri-
cos da sociedade, capazes de adquirir os equipamentos ne-
cessários. O cavaleiro pesado armava-se com uma lança leve
de madeira para combater montado, e uma espada comprida
de cerca de um metro, de dois gumes, para lutar eventual-
mente a pé. Como proteção, usava cota de malha de couro
ou de ferro, escudo e capacete cônico de ferro. A cavalaria
leve era composta por homens que dispunham de recursos
somente para adquirir sua montaria e armamento.
A infantaria era formada pelos súditos mais pobres,
que se armavam com arcos, lanças, adagas, maças e macha-
dos. Se os infantes não tivessem recursos para conseguir tais
armamentos, seus senhores deviam fornecer-lhes.
A instrução militar dos combatentes variava. Cer-
tamente os cavaleiros treinavam mais do que os infantes, pois
esses, em virtude de sua faina, tinham pouco tempo para se
preparar para a guerra.

78
A eficaz mobilização e a pronta intervenção na região onde se deflagrara o
conflito faziam parte da estratégia de Carlos Magno. Diante da convocação, os contin-
gentes oriundos de diversas partes do reino reuniam-se em locais e datas pré-estabeleci-
dos, já equipados e com os suprimentos que eram incumbidos de providenciar. Em virtu-
de das provisões trazidas pelos senhores serem normalmente insuficientes para suprir a
grande quantidade de homens e animais durante toda a campanha, Carlos Magno orde-
nava a suas forças que se deslocassem separadamente para a zona do conflito, a fim de
fazerem uso dos recursos existentes ao longo dos diferentes itinerários. A pilhagem era
proibida, mas requisitava-se dos habitantes locais suprimentos para o exército.
O deslocamento separado de seus exércitos também fazia parte da estratégia
de Carlos Magno. Em sua campanha contra os ávaros, o monarca franco empregou dois
exércitos que se dirigiram por diferentes itinerários à Panônia. Um, sob seu comando,
partiu da Baviera e marchou seguindo o rio Danúbio; o outro, liderado pelo seu filho
Pepino, deslocou-se pelo norte da Península Italiana. Encontraram-se no momento da
batalha decisiva, surpreendendo o inimigo, que se viu envolvido pelas forças francas.

FORMA DE EMPREGO USUAL DE CARLOS MAGNO

Diferentemente de outros líde-


res germânicos, Carlos Magno procu-
rava manobrar nas batalhas. Utilizan-
1 do sua cavalaria, buscava romper o
2 2 centro do dispositivo inimigo (1) ou
desbordá-lo (2).Ainfantaria geralmen-
te entrava no combate somente quan-
do os ataques de cavalaria cessavam,
CAVALARIA DE CARLOS MAGNO no momento emque já ocorria uma luta
desordenada. Aperseguição ao inimi-
INFANTARIA DE CARLOS MAGNO
go derrotado era costumeiramente
INIMIGO realizada pela cavalaria leve.

Carlos Magno era adepto das grandes ofensivas e das batalhas campais, não
dava importância a guerra de sítio; por isso, tinha sérias dificuldades para conquistar cida-
des fortificadas. O assalto às fortalezas cabia à infantaria.Armas de cerco, quando utiliza-
das, eram improvisadas no local.

79
O imperador franco não se preocupou em fortificar suas fronteiras, preferin-
do estabelecer, nessas, as marcas (porções de terras administradas por marqueses, onde
eram construídos postos de defesas rudimentares, com guarnições prontas para intervir
em caso de emergência).
A população do império era compelida a combater devido às obrigações que
tinham para com o soberano. Outros motivos, no entanto, induziam os súditos de Carlos
Magno à luta. Havia o desejo de se propagar o Cristianismo; a ambição dos senhores de
se apossar de novas terras, e a expectativa dos camponeses de terem participação nos
butins resultantes das campanhas.
Carlos Magno proibia que seus combatentes realizassem o saque de maneira
individualizada; ao final da campanha ele reunia os despojos, dividindo-os entre os que
participaram da luta.
A rápida mobilização, a eficaz preparação logística, o espírito ofensivo, as
estratégias e táticas de Carlos Magno, a eficiência e o equipamento da cavalaria pesada
foram alguns dos elementos que asseguraram a superioridade franca na Europa Centro-
Ocidental. Em 814, porém, Carlos Magno morreu. Foi sucedido por seu filho, Luís, o
Piedoso, que governou sem a firmeza do pai. Luís faleceu em 840, em meio a lutas inter-
nas por territórios e poder desencadeadas por seus filhos Carlos, Lotário e Luís. Os três
acabaram por dividir o Império Carolíngio em 843 (Tratado de Verdun).
Carlos ficou com o território ocidental, Luís recebeu a parte oriental e Lotário
obteve o norte da Península Italiana e uma extensa faixa de terra que se prolongava entre
os domínios dos seus irmãos, do norte da Itália ao mar do Norte. Os territórios de Carlos
e Luís deram origem à França e à Alemanha, que ao longo de sua história disputaram os
territórios de Lotário situados ao norte dos Alpes.
DIVISÃO DO IMPÉRIO CAROLÍNGIO PELO TRATADO DE VERDUN

Bremen
O
NTIC

Verdun
Â

Paris REINO
ATL

DE LUÍS
ANO

Tours Estrasburgo
O CE

REINO
DE CARLOS
Bordeaux
REINO DE LOTÁRIO

CALIFADO OMÍADA
MAR MEDITERRÂNEO Roma

80
Nos novos reinos, ocorreu um progressivo enfraquecimento do poder cen-
tral. Os senhores locais gradativamente aumentaram seu poder, passando a governar seus
domínios com ampla autonomia. A descentralização do poder foi uma característica do
sistema Feudal, que tomava forma na Europa.

81
CAPÍTULO 8

A EUROPA FEUDAL

“Qual a função do verdadeiro cavaleiro”. (...) “Proteger a Igreja,


lutar contra a traição, reverenciar os sacerdotes, proteger o pobre
contra a injustiça e, se for necessário, dispor da própria vida”. 9
John de Salisbury, filósofo inglês

Em virtude das invasões bárbaras dos séculos IV e V e do fim do Império


Romano do Ocidente, começou a se delinear na Europa Centro-Ocidental um novo siste-
ma econômico, político e social, que ficou conhecido como Feudalismo. O processo de
feudalização se acentuou com o desmembramento do Império Carolíngio (século IX) e
em razão de uma nova onda de invasões que terminaram por isolar a Europa de outros
continentes. Tais invasões foram deflagradas pelos árabes (século VIII), que dominaram a
Península Ibérica, o norte da África e boa parte do Mar Mediterrâneo; pelos viquingues
(século IX), que assolaram o norte da Europa; e por magiares e eslavos (século IX), que
se apossaram de terras na Europa Oriental.
O sistema feudal reunia elementos das culturas romana, germânica e cristã.
Não foi idêntico em todo o continente europeu; em virtude disso, serão focalizadas algu-
mas de suas características gerais.
No auge do Feudalismo, grande parte da Europa estava dividida em domí-
nios (feudos) autossuficientes, de diferentes dimensões e recursos, sustentados por uma
economia de subsistência. A posse de terra era sinônimo de poder e riqueza. O poder
político estava descentralizado, tendo o rei apenas poder simbólico. O poder de fato era
exercido pelos detentores de feudos, ou seja, os membros da nobreza (duques, condes,
barões, marqueses) e da alta hierarquia do clero (bispos, arcebispos e abades). Os se-
nhores tinham ampla autonomia em seus feudos, podendo administrar a justiça, coletar
impostos e realizar campanhas militares.As cidades contavam com pequenas populações
e o comércio era bastante restrito (normalmente à base de trocas) em virtude das péssi-
mas estradas e das ações de salteadores.
9
apud: História em revista: a arte da guerra, p. 49.

83
O princípio da vassalagem regia VIQUINGUES E MAGIARES
as relações entre os senhores feudais. Os se- Nos séculos IX e X, a Europa so-
nhores mais poderosos (suseranos) ofere- freu constantes incursões de viquingues e
ciam proteção ou cediam partes de suas ter- magiares. Os viquingues, oriundos da
ras a senhores mais fracos (vassalos). Estes, Escandinávia, usando barcos rápidos, per-
em contrapartida, passavam a dever obriga- corriam mares e rios da Europa, realizan-
ções aos seus suseranos. Em uma cerimônia do brutais saques. Fundaram colônias na
(homenagem), realizada regularmente, o Normandia, Islândia e em muitos outros
vassalo declarava formalmente sua depen- locais. Um normando de origem viquingue
dência para com seu suserano. Essas rela- chamado Guilherme conquistou a Inglater-
ra em 1066. Os magiares deram origem a
ções interpessoais, porém, eram complexas.
atual Hungria. Eram povos nômades das
Havia casos em que um senhor era ao mes- estepes que ocuparam a região do médio
mo tempo suserano de um nobre e vassalo Danúbio. Desse local realizavam incur-
de outro; em outras ocasiões, alguns sões à Europa Ocidental e ao Império
vassalos, sentindo-se suficientemente fortes, Bizantino. Foram subjugados por Oto I,
rompiam seus laços de dependência, o que sacro imperador romano-germânico, em
invariavelmente gerava sérios conflitos. 955.
A sociedade feudal era estamental, formada por três ordens: a dos que reza-
vam (clérigos), a dos que lutavam (nobres) e a dos que trabalhavam (servos). A Igreja
tinha grande influência e regulava a sociedade. No século XIII, o poder espiritual, exerci-
do pelo papa, chegou a seu auge, sobrepujando, em certos momentos, o poder temporal
dos soberanos europeus.
Não existiam exércitos permanentes ou regulares. Em caso de guerra, o rei ou
um detentor de feudo qualquer, requeria de seus vassalos contingentes e suprimentos para
a campanha. As guerras, de maneira geral, eram de pequena envergadura, travadas entre
senhores feudais que buscavam aumentar ou defender seus domínios. Questões de hon-
ra, o espírito aventureiro e o amor à luta característicos da época também serviam de
motivação para o combate.
A cavalaria, na qual ingressavam os nobres, era o elemento principal das
hostes (exércitos) feudais. Era regida por um código comportamental que continha diver-
sos preceitos morais, éticos e espirituais a serem seguidos pelo verdadeiro cavaleiro (ser
fiel a seu senhor, defender a Igreja, proteger os fracos, ter coragem, cultuar a honra, e
tratar os outros cavaleiros com cortesia e respeito).
A formação de um cavaleiro passava por três fases: dos seis aos quatorze
anos, o aprendiz era pajem: servia e acompanhava seu senhor e sua senhora, recebia as
primeiras noções sobre o manuseio de armas e sobre equitação e aprendia regras sociais
(boas maneiras, ler, cantar, escrever e dançar). Dos quatorze aos vinte anos tornava-se
escudeiro: auxiliava um cavaleiro (cuidava do equipamento, do cavalo e do bem-estar do
seu senhor) e, ao mesmo tempo, aprendia a se tornar um bom membro da cavalaria

84
(exercitava-se nas artes de montar, lutar, caçar, nadar, poetar e jogar xadrez). Finalmente,
por volta dos vinte um anos, em uma cerimônia solene, na qual jurava seguir o código da
cavalaria, era sagrado cavaleiro. Na cerimônia recebia sua espada, cinto e esporas, todos
devidamente consagrados para o serviço a Deus. As esporas viriam a se tornar o símbolo
maior da cavalaria.
Os cavaleiros exercitavam-se continuadamente para a guerra participando
dos torneios, jogos corriqueiros nos quais ocorriam combates grupais ou “justas” (com-
bates individuais). Quando juntos, formavam corpos de cavalaria pesados, intrépidos
e com grande poder de choque, mas indisciplinados, devido à falta de treinamento coletivo.
No século IX, os cavaleiros montavam grandes corcéis, corpulentos e pesa-
dos, gerados por métodos de procriação seletivos. Como proteção utilizavam cotas de
malha (armaduras confeccionadas pela junção de elos metálicos), elmos de ferro e escu-
dos, que sofreram constantes aperfeiçoamentos. No século XIV, por exemplo, os cava-
leiros substituíram as cotas de malha de metal por armaduras feitas com placas metálicas.
Estas proporcionavam ao cavaleiro alto grau de proteção em relação aos armamentos da
época, mas pouca mobilidade em virtude do peso excessivo (uma armadura completa
podia pesar cerca de sessenta quilos). Os armamentos consistiam de lanças (tenderam a
ficar mais longas, para desmontar o adversário em vez de perfurá-lo), espadas, adagas,
maças, achas e martelo de armas. Em combate, não utilizavam armas de arremesso (bes-
tas e arcos), pois consideravam indigno abater um adversário à distância. O combate
entre cavaleiros deveria ser leal, de acordo com o código da cavalaria.
REPRESENTAÇÃO DE CAVALEIROS DO SÉCULO XV

85
A infantaria, integrada pela população não nobre, foi relegada, pois seus mem-
bros tinham reduzido poder de combate, não sendo páreo para os cavaleiros. Os infantes
eram mal armados, pouco treinados e exiguamente equipados; não tinham, normalmente,
motivação para participar das lutas de seus senhores. Suas armas eram rudimentares, em
muitos casos meras adaptações de seus instrumentos de trabalho. Não tinham pudor em
fazer uso das armas de arremesso. Geralmente realizavam atividades de apoio aos cava-
leiros, como provisão de forragens e trabalhos de sapa. Se empregados diretamente na
luta, o que era evitado tanto quanto possível pelos nobres, procuravam desmontar e de-
pois acutilar os cavaleiros. Tomavam parte, ainda, no assédio ou na defesa de fortifi-
cações.
Além dos contingentes feudais, perambulavam pela Europa grupos de aven-
tureiros ou mercenários, formados por indivíduos que não se integraram ao sistema feudal
(nobres sem terra, servos que fugiam das terras de seus senhores, salteadores). Esses
grupos, de valor combativo variável, vagavam aterrorizando e saqueando populações;
por vezes, eram contratados por um senhor para determinada campanha.
As campanhas militares eram preferencialmente desencadeadas no outono,
quando a colheita já havia sido realizada e o clima era mais ameno. As guerras se trava-
vam em torno de castelos (fortalezas onde residiam os senhores feudais). Caso contasse
com forças suficientes, o senhor feudal partia para a ofensiva, procurando conquistar o
castelo de seu inimigo; se tivesse menor poder de combate, refugiava-se na sua fortifica-
ção. Dentro dos castelos, o senhor feudal, com uma pequena guarnição, podia pôr-se a
salvo não só de nobres rivais, mas também da população local ou de incursões de invaso-
res. Além disso, do seu castelo, o senhor feudal podia lançar ataques ao inimigo que o
circundava.
BESTAS OU BALESTRAS
As bestas eram conhecidas no mundo
clássico, mas seu uso intensivo se deu na Idade
Média. Consistiam, genericamente, de um peque-
no arco montado sobre um bloco de madeira.
Possuíam uma corda muito grossa que podia
ser bastante retesada, o que proporcionava ao
armamento lançar virotes com grande precisão e
poder de penetração (capazes de perfurar as ar-
maduras dos cavaleiros). Eram de fácil manejo,
tinham dispositivos que facilitavam a colocação
do virote no armamento e seu posterior disparo.
A principal deficiência das bestas era a baixa ca-
dência de disparos (soldados experientes lança-
vam no máximo dois virotes por minuto). A
letalidade do armamento era tamanha que a Igre-
ja, no século XII, proibiu sua utilização nas guer-
ras entre cristãos.

86
No início, os castelos eram construídos de forma rudimentar, mas, com o
passar do tempo, muitos deles se tornaram fortalezas inexpugnáveis aos engenhos bélicos
da época. Aos atacantes cabia assediar o castelo e, para isso, utilizavam os mais diversos
tipos de engenhos de cerco. Entre estes destacavam-se a balista (besta gigante para o
arremesso de flechas), o trabuco (catapulta que lançava pedras, cadáveres infectados e
outros objetos) e as torres de assalto (usadas pelas tropas para transporem as ameias
das muralhas). Também podia-se fazer uso de sapadores para solapar as muralhas da
fortificação ou de cercos para levar os defensores a se render por falta de suprimentos.
Muitas vezes, quem realizava a ofensiva evitava atacar diretamente o castelo, preferindo
arrasar suas circunvizinhanças (vilas eram saqueadas, plantações destruídas e campone-
ses mortos ou maltratados); nesses casos, os cavaleiros convenientemente esqueciam seu
juramento.
As batalhas campais eram raras, pois os senhores feudais procuravam evitar
a imprevisibilidade de um combate de massas em campo aberto. Caso tomassem parte
em uma delas, os cavaleiros preferiam lutar entre si, normalmente de acordo com regras
preestabelecidas. Por ocasião do embate, os cavaleiros se posicionavam em uma ou
mais fileiras, de acordo com seu efetivo, de forma que nenhum deles ficasse impedido de
combater. Em muitos casos, os mais impetuosos e indisciplinados, antes mesmo da or-
dem de ataque, saíam da formação e se lançavam inadvertidamente contra o inimigo.
Desencadeada a carga, o líder dificilmente conseguia reorganizar seus cavaleiros para
uma nova investida, pois seguia-se um entrevero. O combate redundava, na maioria dos
casos, em um número de mortes reduzido, pois o respeito ao código da cavalaria fazia
CASTELO DE ÓBIDOS - PORTUGAL

87
FORMA USUAL DE COMBATE FEUDAL

Caso as hostes contassem com


infantes, o combate geralmente acon-
tecia do seguinte modo: na primeira
5 5
linha se posicionavam os arqueiros (1);
5
na segunda linha os cavaleiros e es-
cudeiros (2); e na terceira linha os
4 1 4
demais infantes (3). Os arqueiros ini-
2 ciavam o combate lançando suas fle-
chas sobre o adversário, depois,
saíam da frente da cavalaria (4); em
3 seguida os cavaleiros desencadea-
vam suas cargas frontalmente contra
o inimigo (5), as quais, na maioria
ARQUEIROS INFANTARIA das vezes, decidiam o embate; os de-
CAVALARIA mais infantes seguiam os cavaleiros
INIMIGO
tomando parte também da refrega.

com que os cavaleiros se poupassem. Além disso, um nobre aprisionado rendia a seu
captor um bom resgate, a ser pago por sua família, por um vassalo ou por seu senhor. O
embate deveria ser franco, pois utilizar-se de estratagemas para vencer o inimigo era
considerado desonroso. O código da cavalaria não se aplicava à infantaria. Os cavaleiros
procuravam não combater os infantes, tidos como ignóbeis, mas em certos momentos o
choque entre eles era inevitável. Nesses casos não havia regra alguma, e cavaleiros e
infantes utilizavam qualquer artifício para destruir o oponente.
No século XI, a violência e a anarquia haviam chegado a um ponto que
ameaçavam seriamente a própria sociedade feudal. Preocupada, a Igreja interveio im-
pondo uma série de restrições (“APaz de Deus” e a “Trégua de Deus”) que limitavam as
guerras a determinados dias da semana e épocas do ano, e, ainda, ameaçavam com
punições quem violasse lugares santos, roubasse pobres e ofendesse sacerdotes. Mesmo
burladas em muitos casos, as restrições trouxeram certo alívio à sociedade cristã.
A partir do século XII, uma série de eventos, que também corroborariam
para o declínio do sistema feudal, passaram a mudar a feição dos exércitos europeus.
Começaram a surgir exércitos profissionais e a infantaria, aos poucos, voltou a ser valo-
rizada.
O primeiro evento importante foi o das Cruzadas, nas quais os exércitos
europeus sentiram a necessidade de possuir uma boa infantaria. Nos primeiros séculos da
Idade Média, era comum europeus peregrinarem para a Palestina, a fim de visitarem
lugares santos. Os muçulmanos, que controlavam esses locais, nunca se opuseram
88
a essas peregrinações, pois elas lhes eram lucrativas. Na segunda metade do século XI,
porém, turcos seljúcidas se apossaram dos lugares sacros. Após converterem-se ao
islamismo, eles adotaram outra política em relação às peregrinações europeias, passan-
do, segundo os cristãos, a assassinar peregrinos e a profanar lugares sagrados.
Alarmado, o papa Urbano II, no Concílio de Clermont, em 1095, conclamou
todos os cristãos da Europa para que organizassem expedições militares para libertar a
Terra Santa (Palestina). Foi atendido prontamente por milhares de fervorosos devotos,
que pintavam em suas vestes uma cruz, de que se originou o nome do movimento:
“cruzadas”.
Além da motivação religiosa, os diversos segmentos da sociedade europeia
apoiaram as cruzadas por outros interesses, já que estas significariam uma contraofensiva
contra os muçulmanos que assolavam a Europa, permitiriam a abertura de novas rotas
comerciais, lançariam a belicosidade dos nobres europeus contra os não-cristãos e pos-
sibilitariam aos nobres e servos o acesso a novas terras, aliviando a pressão demográfica
existente no continente europeu.
Com tais propósitos, em 1096, partiu para a Terra Santa a primeira cruzada,
integrada por cerca de quinhentas mil pessoas. Após muitos percalços, os cruzados ven-
ceram os turcos, fundando, em 1099, nas terras conquistadas, o reino de Jerusalém, o
principado de Antióquia e os condados de Edessa e Trípoli.
No entanto, as contraofensivas muçulmanas não se fizeram tardar, dando
origem a outras sete cruzadas, que se deslocaram para o Oriente Próximo em apoio aos
recém-fundados Estados.
Nos campos de batalhas do Oriente Próximo, a infantaria dos exércitos eu-
ropeus ganhou importância em virtude do método de combate empregado pelos muçul-
manos. Estes tinham como principal componente de seu exército uma cavalaria leve (ve-
loz, mas com pouco poder de choque). Em face disso, sabiam que teriam desvantagens
se enfrentassem frontalmente os encouraçados cavaleiros europeus. Optaram, então, por
emboscá-los. Em locais adequados, lançavam “chuvas” de flechas sobre os cavaleiros
cristãos, visando desgastá-los. Só partiam para o combate corpo-a-corpo quando sen-
tissem que os europeus estavam suficientemente debilitados. Caso não conseguissem en-
fraquecer a cavalaria europeia, retiravam-se do campo de batalha sem maiores transtor-
nos, pois os cavaleiros europeus, muito pesados, não tinham mobilidade suficiente para
persegui-los.
Para enfrentar a tática muçulmana, os europeus estruturaram corpos de in-
fantaria bem equipados e armados, que tinham a função de apoiar a cavalaria. Entre os
infantes se destacavam os besteiros, cujo armamento era muito mais letal do que os arcos
dos adversários. Os infantes europeus usavam grossas casacas de feltro e cotas de
malha de metal, o que os tornava incólumes, na maioria dos casos, às flechas turcas.
Cavaleiros e infantes cruzados, apoiando-se, obtiveram bons resultados frente aos ata-
ques inimigos.
89
No século XII, duas extraordinárias instituições passaram a contribuir para a
defesa dos Estados cristãos: a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários e a Ordem dos Cava-
leiros Templários. Os membros dessas ordens eram, ao mesmo tempo, cavaleiros e mon-
ges; viviam com austeridade, devendo total obediência a seus senhores. Nas batalhas,
templários e hospitalários eram a ponta-de-lança das forças cristãs.
Os Estados cristãos do Oriente Próximo, no entanto, foram gradativamente
cedendo às pressões exercidas pelos turcos. Estes, em 1187, retomaram Jerusalém, e,
em 1291, capturaram a fortaleza de São João D’Acre, último reduto cruzado na Terra
Santa. A diminuição do fervor religioso na Europa e rivalidades entre senhores feudais,
comerciantes e ordens religiosas foram alguns dos motivos que contribuíram para o fim
dos Estados cristãos do Oriente Próximo.
Mesmo derrotadas em seu objetivo principal, as cruzadas favoreceram o in-
cremento do comércio na Europa, que já estava sendo reativado por uma classe de mer-
cadores chamados burgueses. Estes residiam geralmente em cidades (burgos) que, em
virtude das atividades comerciais, começaram a prosperar. Ao mesmo tempo, melhores
condições de vida na Europa resultaram em crescimento populacional, acarretando na
intensificação da urbanização e no aumento da importância das cidades, já que muitas
pessoas abandonaram os feudos para se fixar nos burgos.
Com o passar do tempo, as cidades mais ricas ensejaram sua autonomia em
relação aos senhores que controlavam as terras onde elas se situavam.Algumas consegui-
ram se libertar pacificamente, outras tiveram de lutar. Os moradores das cidades não
tinham recursos para armar uma cavalaria capaz de fazer frente à dos feudos, por isso
empenharam-se em valorizar seus infantes, constituindo corpos de infantaria com poder
de combate igual ou superior ao dos cavaleiros inimigos.

OUTRAS CRUZADAS
Além das oito principais cruzadas ao Oriente, realizadas entre os anos de 1095 a
1270, houve outras expedições desencadeadas pelos europeus contra os não-cristãos.
Em 1095, Pedro, o eremita, comandou a Cruzada dos Mendigos, composta por 40 mil
pessoas miseráveis.Ao chegarem à Ásia, os expedicionários foram massacrados pelos
muçulmanos.
Em 1212, foi organizada a Cruzada das Crianças, devido à crença que os
lugares santos só seriam libertados por pessoas puras. Partiram para o Oriente Próxi-
mo cerca de 50 mil crianças, que foram mortas ou escravizadas pelos muçulmanos.
Além dessas cruzadas, os Europeus lançaram outras na Península Ibérica e sul
da Itália, para expulsar os muçulmanos; e na Europa Oriental, para converter povos
pagãos.

90
Esses esforços surtiram bons resultados. Exemplo disso foi a Batalha de
Courtrai, em 1302, na qual fileiras de piqueiros e besteiros flamengos infligiram pesada
derrota à cavalaria francesa, libertando a rica região de Flandres do jugo francês.
Ao lado da reativação comercial e da urbanização, estavam em curso na
Europa os processos de centralização do poder e de formação de estados nacionais,
objetivo comum de vários monarcas e muitos burgueses.
Aformação do estado nacional e a centralização do poder eram do interesse
do soberano, porque este passaria a governar de fato seu reino; já os burgueses espera-
vam do rei a concretização de reformas que pusessem fim aos entraves feudais que
dificultavam o comércio (pedágios, taxas e diferentes impostos, leis, moedas, pesos e
medidas).
Nesse contexto, grande número de burgueses passou a apoiar o rei, contri-
buindo com recursos destinados à mobilização de exércitos capazes de derrotar as tro-
pas dos senhores feudais e de cidades insurretas. Tomaram forma, então, exércitos pro-
fissionais, a serviço do rei, que não se desmobilizavam após uma campanha.
Em 1445, o rei francês Carlos VII constituiu uma força militar para lhe servir,
muito diferente das hostes feudais. Seu exército foi composto por mercenários grupados
em unidades denominadas “companhias de ordenanças”. Os integrantes destas recebiam
soldo e eram proibidos de pilhar. Havia quinze companhias de ordenanças a cavalo, cada
uma com 100 equipes, chamadas “lanças”, constituídas por seis homens (um homem
d´armas a cavalo, não necessariamente nobre, armado com lança e espada; três arquei-
ros a cavalo; um piqueiro e um escudeiro). Os infantes (arqueiros, besteiros, piqueiros)
reuniam-se em companhias de quinhentos homens; oito companhias davam origem a uma
“banda”.
O exército de Carlos VII foi empregado durante a Guerra dos Cem Anos
(apesar do nome ocorreu entre os anos de 1337 e 1453), conflito entre os reis da França
e os da Inglaterra. Este conflito, palco de inovações bélicas e do incremento das ações da
infantaria, originou-se quando o rei inglês Eduardo III entrou na disputa pelo trono fran-
cês, que estava vago após a morte do rei Carlos IV, da Casa dos Capetos. Como este
não deixara herdeiros masculinos, Eduardo III, que era filho de Isabel, irmã de Carlos IV,
considerava-se legítimo herdeiro da monarquia francesa. Os franceses não atenderam à
reivindicação de Eduardo III, optando por entronizar Filipe VI, da Casa de Valois.
Insatisfeito, Eduardo III invadiu a França, iniciando a guerra. Havia outros
motivos para o confronto, entre os quais o interesse de ingleses e franceses em controlar
Flandres, rica região comercial; e a recusa de Eduardo III, que tinha terras na França
(portanto vassalo de Filipe VI), a prestar homenagem ao rei francês.
A Guerra dos CemAnos não foi contínua; períodos de intensas lutas foram
entremeados por tréguas instáveis. Desenrolou-se em território francês, caracterizando-
se, na maior parte do tempo, por escaramuças, assédios a cidades e fortalezas, saques e
destruição de plantações e vilas.
91
BATALHA DE BOUVINES

10 6
3 4 3
LEGENDA

1 2 1 FRANCESES COLIGADOS
CAVALARIA CAVALARIA
INFANTARIA INFANTARIA
9 7 8 5

1 2 1

3 4 3

Em 1214, nas proximidades da aldeia flamenga de Bouvines, o exército francês,


liderado por Filipe II (FilipeAugusto), enfrentou uma coligação organizada pelo rei inglês
João I, da qual faziam parte Oton IV, imperador do Sacro Império e os condes de Boulogne
e de Flandres. Os coligados foram comandados por Oton IV, já que João I não tomou
parte da batalha. Em questão estava o processo de centralização política e a expansão
do Estado Nacional francês, liderado por Filipe II; contestado, entretanto, pelos seus
rivais acima elencados. As fontes divergem sobre o número de combatentes. Estima-se
que Filipe II contaria com cerca de 7 mil cavaleiros, sendo metade destes sargentos de
armas (cavaleiros não nobres) e 40 mil infantes; os coligados teriam aproximadamente 7
mil cavaleiros e 30 mil infantes. Os contendores posicionaram suas tropas da mesma
forma, em duas fileiras: na primeira, a cavalaria foi posicionada nas alas (1) e a infantaria
no centro (2); na segunda, a infantaria ficou nas alas (3) e a cavalaria no centro (4). Filipe
II tomou a iniciativa, ordenando que a cavalaria da ala direita, formada por sargentos de
armas, atacasse a cavalaria da ala esquerda coligada (5). A cavalaria coligada atacada se
retirou do campo de batalha, após oferecer pouca resistência, pois era formada por no-
bres, que relutaram em combater os sargentos de armas (6). No centro, os coligados
realizaram uma forte investida (7), que foi detida a muito custo pelos franceses, auxilia-
dos por sua ala direita (8). Em seguida os franceses lançaram um decisivo ataque no
flanco direito aliado, derrotando-o (9). Com suas alas derrotadas e prestes a ser cercado,
o centro coligado retirou-se do campo de batalha (10). Filipe II foi o grande vencedor.

92
BATALHA DE AZINCOURT

6 10

5 4 5 LEGENDA

INGLESES FRANCESES
9
5 4 5 CAVALARIA CAVALARIA

INFANTARIA INFANTARIA
7 8 7
ARQUEIROS

1
2 2
BOSQUES
3 BOSQUES

Em 1415, em um campo arado, perto da Vila de Azincourt, no nordeste da França,


durante a Guerra dos CemAnos, um exército inglês, liderado por Henrique V, enfrentou
franceses, comandados pelo condestável d’Albret. Henrique V contava com cerca de
900 cavaleiros e 7 mil infantes, sendo 5 mil destes arqueiros dotados de arcos longos, de
grande alcance e poder de penetração. Cavaleiros e infantes franceses somavam cerca
de 30 mil homens. Em disputa estava o controle do nordeste da França. Na noite anterior
ao combate, choveu muito, o que deixou o terreno da batalha enlameado. No dia da
batalha, os ingleses posicionaram suas forças em duas linhas: na primeira os infantes
foram colocados no centro (1) e os arqueiros nas alas (2); na segunda ficaram os cava-
leiros (3). Os franceses posicionaram-se em três linhas: nas duas primeiras infantes ocu-
param o centro (4) e a cavalaria as alas (5); a terceira linha era composta somente por
cavaleiros (6). Os ingleses tomaram a iniciativa; os integrantes da primeira linha fizeram
um pequeno avanço, cravaram estacas pontiagudas para servirem como obstáculo à ca-
valaria francesa, e em seguida lançaram flechas sobre o inimigo (7). A primeira linha
francesa, então, reagiu, desencadeando um ataque sobre os ingleses (8). Em virtude do
terreno, os infantes e os pesados cavaleiros franceses avançaram lentamente, sendo dizi-
mados pelos arqueiros ingleses que estavam protegidos pelas estacas. Os cavaleiros fran-
ceses da segunda linha, então, desmontaram e juntamente com a infantaria atacaram (9).
A segunda linha francesa chegou às paliçadas exausta, pois sua progressão fora estorva-
da por elementos da primeira linha que agonizavam e pela ação dos arqueiros ingleses. Os
arqueiros e demais infantes ingleses, então, lançaram mão de espadas, adagas e achas
massacrando os elementos da segunda linha. A terceira linha francesa, percebendo que a
batalha estava perdida, retirou-se sem participar do combate (10). Henrique V saiu do
embate como grande vencedor.

93
As batalhas campais foram poucas e marcadas pela superioridade dos ingle-
ses, que, graças a isso, passaram a atuar livremente em diversas regiões francesas. As
grandes vitórias campais inglesas, em Crécy (1346), Poitiers (1356) e Azincourt (1415),
foram obtidas graças ao uso pelos infantes ingleses de um potente arco longo, de origem
galesa, que dizimava a cavalaria francesa. Os arcos longos tinham o alcance de cerca de
duzentos e trinta metros, maior do que o das bestas empregadas pelos franceses; além
disso, umarqueiro bem treinado podia lançar doze flechas por minuto, enquanto umbesteiro
disparava em média dois virotes no mesmo tempo. Também as flechas inglesas eram
superiores, pois tinham pontas especiais, que, disparadas por potentes arcos, transpassavam
as armaduras dos cavaleiros franceses.
No final do conflito, os franceses passaram para a ofensiva. Inspirados por
uma jovem camponesa chamada Joana D’Arc, que dizia ter sido enviada por Deus para
combater os inimigos da França, venceram os ingleses em diversos encontros. Joana, no
entanto, foi aprisionada por inimigos e queimada viva em 1432, acusada de ser herege e
feiticeira. Mesmos sem sua heroína, os franceses prosseguiram repelindo os ingleses da
França, até expulsá-los definitivamente em 1453. Os ingleses permaneceram dominando
somente Calais.
De grande importância para o resultado final da guerra foi a utilização de um
novo engenho bélico, que revolucionaria a arte da Guerra: as armas de fogo. Canhões
foram empregados pelos ingleses em 1346, quando sitiavam Calais. Foram, entretanto,
os franceses que destas armas melhor uso fizeram. O armeiro francês Jean Bureau, nos
últimos anos da guerra, confeccionou canhões que puseram abaixo as fortificações ingle-
sas existentes na França e que foram empregados maciçamente em batalhas campais,
como a de Castillon, em 1453, contribuindo decisivamente para a vitória final francesa.
Durante grande parte da Idade Média, a cavalaria preponderou nos campos
de batalha. Cavaleiros, bem equipados e treinados, sobrepujavam os fragilizados infantes.
As cruzadas, as milícias comunais e a Guerra dos Cem anos ocasionaram o fortalecimento
da infantaria. Posteriormente, na Idade Moderna, corpos de infantaria (agora munidos de
armas de fogo) reassumiriam o papel principal nos combates, como acontecera na época
da falange e da legião.
Porém, antes da chegada da era da pólvora, na Baixa Idade Média, um povo de
guerreiros montados das estepes asiáticas construiria um grande império: os mongóis.

94
CAPÍTULO 9

OS MONGÓIS

“Perfurando as sólidas rochas do Cáucaso, eles se espalharam


como demônios do inferno de Tártaro. Assolaram a face da terra
como uma praga de gafanhotos e causaram uma devastação ter-
rível na parte oriental da Europa, flagelando-a com fogo e carni-
ficina.” 10
Matthew Paris, cronista cristão, sobre os mongóis

Na Idade Média, em menos de um século, os mongóis forjaram um extenso


império, que do Oceano Pacífico se prolongava até o Leste europeu. Tal fato parecia
improvável quando nasceu, por volta do ano 1160, Temudjin, o futuro Gêngis Khan (so-
berano universal). Nessa época, os mongóis, divididos em tribos, pastoreavam pelo imenso
e pouco fértil planalto central da Ásia. No verão levavam seu gado para o norte tendo em
vista aproveitar a vegetação que florescia, depois, no inverno, retornavam para o sul.
Seus rebanhos lhes ofereciam comida, bebida, e roupas e moradias improvisadas. O
pastoreio, porém, mal sustentava as tribos, que viam na guerra um outro meio para melho-
rar suas condições de vida. Dessa forma, as lutas intertribais eram comuns. Por vezes,
alguns grupos se sobressaiam, estabelecendo efêmeros impérios.
Temudjin pertencia a um clã tradicional; teria nascido com um coágulo de
sangue nas mãos, um sinal auspicioso para os mongóis. Quando cresceu, reviravoltas a
seu favor nos campos de batalha fizeram-no crer que era alvo de proteção sobrenatural,
predestinado à liderança. Por volta do ano 1200, com cerca de quarenta anos, iniciou
uma série de campanhas destinadas a unificar as tribos mongólicas. Em 1206, após elimi-
nar seus rivais em combates marcados por grande violência (em certa ocasião mandou
ferver seus inimigos vivos), foi eleito Gêngis Khan em uma “Kuriltai” (assembleia de che-
fes das estepes).
Prosseguindo com seu objetivo de unir os mongóis, estabeleceu um código
de leis (Yassak), ao qual todos os seus súditos deveriam obedecer. O conjunto de leis era
uma mescla de velhos costumes mongóis e novas regras. Nele se definiam, por exemplo,
as relações hierárquicas, aspectos ligados à propriedade, padrões morais a serem segui-
dos, e as penas para os diversos tipos de crimes. O Yassak disciplinou os mongóis, sendo
fundamental para a sua futura expansão territorial.
1 0 apud História em revista: conquistas mongólicas,1993, p. 9.

95
Em 1207, os mongóis, liderados por Gêngis Khan, resolveram expandir seus
domínios em detrimento dos impérios vizinhos. Abusca por melhores pastagens, o amor
inato à guerra, e a expectativa de saquear as riquezas das populações sedentárias os
impulsionavam.
Os primeiros alvos dos mongóis foram reinos e impérios localizados no terri-
tório da atual China. Inicialmente, Gêngis Khan deslocou-se para o sul subjugando o reino
tangute da Xixia. Em 1211, partiu para o leste, atravessou a grande muralha da China, e
conquistou Zhongdu (atual Pequim), capital do Império Jim (esse, como um todo, só foi
dominado em 1234). Após estas conquistas, Gêngis Khan retornou para a Mongólia,
onde se preparou para novas campanhas. Seus novos objetivos passaram a se situar no
oeste. Em 1218, as campanhas recomeçaram, com a destruição do reino de Kara-khitai
e do Império muçulmano do Khwarizm. Generais de Gêngis Khan chegaram a estabele-
cer, em 1223, bases firmes na Ucrânia e Crimeia, após derrotarem exércitos georgianos,
armênios, turcos kipchak e búlgaros.
Gêngis Khan morreu em 1227, legando aos mongóis um grande império e
um poderoso exército. Acausa do falecimento é desconhecida; relatos apontam para três
possíveis razões: ele teria sido vítima de uma hemorragia interna, decorrente de uma que-
da durante uma caçada; fora ferido por uma de suas concubinas que o atingiu com uma
faca envenenada; ou, ainda, teria sido acometido por uma febre.
O exército mongol organizado por Gêngis Khan era uma disciplinada força
militar cujos efetivos oscilavam entre trinta mil e duzentos mil combatentes, de acordo
com as necessidades de cada campanha. Era dividido em grupos que seguiam uma pro-
gressão decimal: o menor deles compreendia dez combatentes; dez desses pequenos
grupos formavam unidades subalternas de cem homens; dez unidades subalternas davam
origem a um “guhran” composto por mil homens; e finalmente, dez “guhrans” constituíam
um “tuman”, de dez mil membros. As frações de dez homens eram indivisíveis; seus ho-
mens viviam e combatiam juntos; se um integrante do grupo cometesse uma falta, todos os
demais de sua fração seriam punidos. O sistema decimal propiciava eficiente controle e
comando aos líderes mongóis, pois o comandante geral transmitia suas ordens aos co-
mandantes de “tuman” (normalmente não mais que dez) e estes aos dez comandantes de
“guhran”; de tal forma seguia-se a cadeia hierárquica até as ordens chegarem a todos os
combatentes.
A guarda pessoal de Gêngis Khan era formada por um “guhran”; nessa unida-
de de elite eram incorporados os filhos dos chefes tribais; assim, qualquer rebeldia de um
líder tribal punha em risco a vida do próprio filho. Os membros dos diversos grupos que
compunham o exército escolhiam seus respectivos líderes. As promoções eram de acor-
do com o mérito individual, podendo ser rápidas, desde que o combatente mostrasse
valentia e disciplina. Os comandantes de exércitos, no entanto, eram escolhidos dentre os
membros da aristocracia tribal, diretamente pelo monarca, que por sua vez era o coman-
dante geral das forças mongólicas.
96
Os mongóis criaram unidades logísticas que forneciam às tropas combaten-
tes equipamentos, forragens, cavalos reservas e parte dos víveres. Tinham um eficiente
serviço de informações; espiões, muitas vezes disfarçados de caravaneiros, buscavam
informações sobre os pontos fracos e fortes dos inimigos. Xamãs tratavam da parte espi-
ritual e prestavam assistência médica; outros funcionários registravam o produto dos sa-
ques. Todas as tribos deviam fornecer o número de combatentes requisitado pelo monar-
ca mongol. Com o passar do tempo, combatentes confiáveis de outros povos, principal-
mente de origem turca, passaram a integrar o exército mongol.
A maior parte das forças mongólicas era formada pela cavalaria; aos infantes
cabiam papéis secundários. Havia a cavalaria leve, predominante, que desgastava o inimi-
go atacando-o com flechas; e a cavalaria pesada, com maior poder de choque, que era
empregada para decidir a luta.
Os armamentos dos cavaleiros leves eram azagaias e arcos de dupla curva-
tura, cujas flechas podiam alcançar a distância de até trezentos metros; seus equipamen-
tos de proteção consistiam de túnicas acolchoadas ou couraças de couro. Os cavaleiros
pesados, por sua vez, utilizavam espadas (delgadas na extremidade, cortantes de um lado
e ligeiramente curvas), longas lanças para derrubar seus inimigos do cavalo e arcos; pro-
tegiam-se com cotas de malha (couraças formadas por escamas de ferro, recobertas por
couro) e capacetes de couro reforçados por cintas de ferro.
Os cavalos dos mongóis eram um
CAVALEIRO MONGOL
componente essencial do exército; atarraca-
dos (em média com um metro e meio de altu-
ra), resistentes, rápidos e bem treinados, eles
eram capazes de executar movimentos brus-
cos, mudando repentinamente de direção,
mediante a umdeterminando comando.Acom-
binação desses cavalos com equipamentos le-
ves proporcionava aos mongóis destreza e fle-
xibilidade nos campos de batalha.
Os mongóis treinavam para guer-
ra desde criança, quando aprendiam a caval-
gar, usar o arco e caçar. Com o passar do tem-
po eram capazes de acertar flechas em alvos
mesmo a galope. Sazonalmente eram organi-
zadas as “grandes caçadas”. Essas eram um
modo de se conseguir suprimento extra de
carne e de se treinar para a guerra. Os mongóis
separavam-se em grupos realizando grandes
cercos a animais, similares às manobras que
fariam em combate.
97
Ainda nas “grandes caçadas”, o combatente familiarizava-se com o uso do
equipamento, adquiria mentalidade coletiva, resistência e agressividade, tendo seu de-
sempenho avaliado.
As campanhas militares dos mongóis eram desencadeadas após um minucio-
so planejamento. Somente atacavam quando tinham certeza de que teriam boas chances
de vitória; caso a situação não lhes parecesse propícia, não hesitavam em recuar para
combater posteriormente em melhores condições. Muitas vezes realizavam fugas simula-
das para logo depois contra-atacarem, surpreendendo o inimigo. Acavalaria marchava e
preparava-se para o combate dividida em três corpos; um no centro, um pouco à reta-
guarda de outros dois, que seguiam nas alas; o que possibilitava grande capacidade de
manobra e apoio mútuo.
Em combate, os mongóis empregavam preferencialmente as manobras de
desbordamento ou de duplo desbordamento.

FORMA USUAL DE COMBATE MONGOL


DESBORDAMENTO

Em uma manobra de desbordamento, uma ala dos


7 mongóis engajava-se contra o inimigo (1), enquanto o
centro e a outra ala permaneciam mais à retaguarda (2 e 3).
6
Os mongóis continuadamente retiravam elementos dos cor-
8 5 pos não engajados para reforçar a ala que lutava contra o
8 1
2
inimigo, a fim de que esta sobrepujasse as forças
3 adversárias (4). O inimigo, normalmente menos adestra-
do, não conseguia fazer o mesmo. Aala engajada procura-
va romper as fileiras (5), e atacar os flancos (6) ou a reta-
4 guarda inimiga (7). Quando a ala engajada conseguisse seu
objetivo, as demais desencadeavam um ataque geral (8).

DUPLO DESBORDAMENTO

Em uma manobra de duplo desbordamento, o


2 corpo de cavalaria que estava no centro (1) engajava-se
1 contra o inimigo (2), enquanto os corpos que estavam na
5
alas aguardavam um pouco mais à retaguarda seu momen-
3 7 7 3 to de entrar em ação (3). Em seguida, o corpo central
4
simulava uma rápida fuga (4); os corpos que estavam nas
alas recuavam em menor velocidade ou permaneciam na
6 mesma posição. Os inimigos dos mongóis, normalmente
pouco disciplinados, iniciavam uma perseguição ao corpo
mongólico central (5). Em determinado momento, após o
inimigo ultrapassar os corpos mongólicos que estavam
POSIÇÕES INICIAIS DOS MONGÓIS nas alas, o corpo central dos mongóis parava e contra-
MONGÓIS atacava (6). Os corpos mongólicos que estavam nas alas
POSIÇÕES INICIAIS DO INIMIGO entravam então em ação cercando o inimigo (7), que, ten-
INIMIGO do de combater em todas as direções, se desestruturava.

98
Qualquer que fosse a forma de manobra que garantisse a vitória no campo de
batalha, seguia-se uma perseguição implacável, na qual os mongóis buscavam eliminar
totalmente os adversários remanescentes.
A coordenação das forças envolvidas era essencial nos combates. Para isso,
os mongóis utilizam sinais visuais (bandeiras, flechas, fumaça e tochas) e sonoros (tambo-
res, sinos e flechas sibilantes). A “virada da bandeira” é um exemplo: respondendo a um
simples movimento de bandeira, um “guhran” ou um “tuman”, que estivesse parado ou
mesmo em movimento, deslocava-se rapidamente para determinado setor do campo de
batalha onde se fizesse mais necessário.
O comandante supremo das forças mongólicas não se envolvia no combate
corpo-a-corpo. Permanecia em um posto de observação analisando o desenrolar da ba-
talha. Junto a ele ficavam forças reservas, para serem empregadas em momentos críticos
ou em ações decisivas.
No início de suas campanhas, os mongóis tiveram grandes dificuldades para
ultrapassar as muralhas das cidades inimigas. Após a invasão da China esse problema foi
resolvido, pois foram incorporados ao exército mongol técnicos chineses especialistas em
sítio. Esses eram capazes de construir catapultas, torres rolantes e artefatos pirotécnicos;
os últimos destinados a incendiar as defesas e outras instalações das cidades adversárias.
Além disso, foram recrutados engenheiros para consertar ou construir pontes, aligeirando
ainda mais os deslocamentos mongólicos.
Os mongóis empregavam largamente a guerra psicológica. Por onde passa-
vam cometiam terríveis atrocidades e destruições, aterrorizando as populações. Os mo-
radores das cidades que resistissem eram mortos ou, se fosse o caso, aprisionados para
servirem de escudo quando os mongóis fossem atacar outra povoação (eram colocados à
frente das forças atacantes para serem alvejados pelos sitiados, livrando o combatente
mongol da primeira investida inimiga). Os mongóis permitiam que notícias a respeito de
suas atrocidades se espalhassem, pois isso aterrorizaria e desmoralizaria os inimigos que
estivessem em seu caminho. Adversários, propositalmente não mortos, e mercadores ser-
viam muito bem para esse fim.
Gêngis Khan, antes de morrer, aos 72 anos, dividiu o império entre seus
descendentes; estabelecendo que Ogedei, o filho predileto, seria o comandante supremo.
Ogedei deu prosseguimentos às conquistas: no leste, os mongóis terminaram a conquista
do norte da China, dominaram a Coreia, e declararam guerra ao Império Song (localizado
no sul da China); no oeste, atacaram o noroeste da Pérsia, a Armênia e o Azerbaijão.
Em 1235, os mongóis decidiram atacar a Europa. Novamente derrotaram
tropas dos búlgaros e dos turcos kipchak. Em seguida venceram os russos e atacaram a
Polônia e a Hungria. Na Batalha de Liegnitz (atual Legnica), em 09 de abril de 1241, um
grande exército cristão sofreu uma pesada derrota quando tentou conter o avanço mongol,
que se aproximava das fronteiras do Sacro Império Romano Germânico. A Europa, em
plena ordemfeudal, mostrava-se incapaz de fazer frente aos métodos de guerra mongólicos.
99
BATALHADE LEGNICA (LIEGNITZ)

6
11

7
4 8 1 4
8

9 9
2 10 2

3
LEGENDA

MONGÓIS CRISTÃOS

Em 1241, perto de Legnica, na Polônia, mongóis, sob comando de Kandu, defronta-


ram-se com um exército cristão (formado por poloneses e alemães), liderado pelo príncipe
Henry. Os mongóis contavam com dois tumans (cerca de 20 mil homens) enquanto os
cristãos somavam por volta de 25 mil combatentes. Na contenda se decidiria se os mongóis
avançariam para o interior da Europa ou não. O príncipe Henry dividiu suas forças em
quatro corpos: um marchava na vanguarda (1), dois nas alas (um pouco mais atrás) (2) e
um à retaguarda (reserva) (3). Os mongóis também dividiram seu exército em quatro
corpos: dois marchavam à frente, nos flancos (4), enquanto os outros dois se posicionavam
no centro (5 e 6); o corpo que estava mais à retaguarda era a reserva. Os corpos mongólicos
guardavam uma maior distância entre si do que os corpos dos cristãos. O combate se
iniciou quando os corpos vanguardeiros se encontraram (7). Os corpos mongólicos que
estavam nas alas imediatamente infletiram para o centro para cercar o corpo vanguardeiro
cristão (8). Os corpos cristãos que estavam nas alas, porém, atacaram os corpos mongólicos
que cercavam os cristãos (9). Em virtude do corpo vanguardeiro cristão estar sendo dizi-
mado, o príncipe Henry resolveu empregar seu corpo reserva. Esse passou pelo cerco
mongol, atacando o corpo vanguardeiro mongol (10). Avitória parecia pender para o lado
cristão, mas chegava a vez de Kandu empregar seu corpo reserva. Este atacou as forças
cristãs (11), que após penosa luta foram derrotadas. Os cristãos iniciaram uma fuga sendo
perseguidos pelos mongóis que eliminaram muitos deles.As baixas de ambos os contendores
foram pesadas, mas os mongóis agora poderiam prosseguir seu avanço pela Europa.

100
Os mongóis já estavam próximos a Viena quando seu comandante, Batu (neto
de Gêngis Khan), ficou sabendo da morte de Ogedei. Batu, então, apressadamente retornou
para a Ásia com seus exércitos a fim de participar da “Kuriltai” que elegeria o novo Khan.
Os mongóis jamais retornariam à Europa.
Na “Kuriltai”, Guyuk (filho de Ogedei) foi eleito Khan, mas foi logo subs-
tituído por Mongke (também neto de Gêngis Khan). Os irmãos de Mongke, Kublai e
Hulagu, prosseguiram expandindo o Império Mongólico.
Kublai unificou a China ao subjugar o Império Song, mas fracassou quando
tentou dominar o Japão e o sudeste Asiático. Em 1281, cerca de cento e cinquenta mil
mongóis, chineses e coreanos tentavam invadir o Japão quando uma tempestade denomi-
nada “Camicase” (vento divino) destruiu a frota que os transportava. Os soldados de
Kublai que não morreram afogados foram mortos pelos japoneses ao chegarem enfra-
quecidos à praia. Kublai não se saiu melhor no sudeste asiático, pois o estilo de guerrear
dos mongóis, muito eficiente nas estepes, mostrou-se inadequado nas selvas tropicais
daquela região.
Hulagu conquistou Bagdá. Pretendia também atacar o Egito, estado então
poderoso, governado por escravos-guerreiros de grande poder combativo, chamados
mamelucos. Acabou por não liderar esta campanha, já que teve de retornar à Mongólia
para participar de uma nova “Kuriltai”, motivada pela morte de Mongke, ocorrida em
1259. Mesmo sem Hulagu, os mongóis empreenderam a campanha planejada contra o
Egito. Essa, todavia, terminou em fracasso, quando, em 1260, na Palestina, um exército
mongólico, constituído predominantemente por turcos, foi derrotado pelos mamelucos. O
resultado desse embate pôs fim ao mito da invencibilidade mongólica.
Após a morte de Mongke, o império mongol se desagregou, dando origem
aos Impérios Il-Khan (Pérsia) e do Grande Khan (China) e aos Canatos da Horda do
Ouro (sul da Rússia) e Ciaghatai (Ásia Central).
Nos Impérios do Il-Khan e do Grande Khan, os mongóis passaram a sofrer,
respectivamente, a influência das civilizações persa e chinesa, abandonando muitos de
seus costumes e consequentemente de suas características militares. Na Pérsia, em 1335,
e na China, em 1368, as dinastias mongóis foram substituídas por outras locais.
Nos Canatos da Horda Dourada e Ciaghatai, localizados onde não havia
grandes civilizações, os mongóis integraram-se aos povos conquistados. No Canato da
Horda Dourada miscigenaram-se com turcos e eslavos. Isso permitiu que esse Canato
tivesse longa duração, só acabando totalmente no século XVIII, quando os russos derro-
taram um último Estado mongol na Crimeia. O Canato de Ciaghatai teve existência mais
curta, embora os mongóis houvessem preservado seus antigos hábitos guerreiros. Em
1369, um líder militar chamado Timur Lenk (Tamerlão) assumiu o poder deste Canato,
tencionando repetir as campanhas de Gêngis Khan. Ao longo de sua vida derrotou india-
nos, turcos, mamelucos e os mongóis da Horda Dourada, construindo um império que

101
MÁXIMA EXPANSÃO DO IMPÉRIO MONGOL E SUA DIVISÃO EM IMPÉRIOS E CANATOS

EUROPA
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M ASIÁTICO

estendia-se da Ásia Central até as proximidades do Mar Mediterrâneo. Ficou conhecido


por empregar métodos de guerras ainda mais violentos dos que os utilizados pelos mongóis
de Gêngis Khan. O império de Tamerlão, porém, não tinha bases sólidas e fragmentou-se
logo após seu falecimento, em 1405. O Canato de Ciaghatai, de onde saíra Tamerlão,
teve o mesmo destino.
As invasões mongólicas de Gêngis Khan, de seus descendentes e de Tamerlão
foram as últimas investidas exitosas dos povos nômades das estepes contra civilizações
sedentárias. Doravante, a mobilidade, a astúcia, a resistência, a combatividade e a habili-
dade em montar e empregar o arco dos cavaleiros vindos da Ásia Central seriam supera-
das pelas infantarias dos estados nacionais ocidentais, dotadas de armas de fogo.

102
PARTE III

IDADE MODERNA
CAPÍTULO 10

GUERRAS NA ITÁLIA (1494-1525)


“As relações normais entre os Estados, sejam de direito ou de violência,
são a concorrência e a guerra. A guerra é para a humanidade uma situ-
ação normal e beneficente que leva à seleção dos melhores Estados, os
que têm as melhores formas políticas e são destinados a sobreviver e a
dominar. O objetivo das sociedades humanas é o desenvolvimento da
força e a conquista do poder, que devem ser a principal preocupação dos
homens de Estado. O Estado deve agir depressa no exterior, gostar da
ofensiva preventiva e evitar a neutralidade. Deve ter boas leis, porque a
paz entre os cidadãos é a condição dos exércitos sólidos. Deve desenvol-
ver sistematicamente as virtudes militares entre os cidadãos. O chefe de
Estado deve sempre ser um chefe de exército. O Estado em guerra deve
renunciar a todo sentimento de humanidade e procurar a completa des-
truição das forças inimigas por todos os meios. O equilíbrio das forças
está inscrito nos tratados. Mas os chefes de Estado não devem hesitar em
trair sua palavra ou violar sua assinatura no interesse do Estado.” 11
Maquiavel

Nicolau Maquiavel (1469-1527), filósofo, político e historiador florentino,


desenvolveu a base do pensamento político moderno, ao secularizar e racionalizar a filo-
sofia política, libertando-a da moralidade cristã. Preocupava-se com o futuro da Itália,
que, embora tivesse regiões prósperas, encontrava-se fragmentada politicamente. No fi-
nal do século XV havia cinco Estados que dominavam a península Italiana: o Reino de
Nápoles, os Estados Pontifícios, a República de Veneza, o Ducado de Milão e a Repúbli-
ca de Florença.
Os governantes italianos, movidos por ambições, enredavam-se em perigo-
sos conflitos pela hegemonia, onde traições, subornos e acordos indecorosos eram roti-
neiros. Quando as crises tornavam-se agudas, parecendo que só se resolveriam mediante
o emprego da violência, recorriam aos serviços dos “condottieri” (chefe). Estes, líderes
de tropas compostas por mercenários, punham-se à disposição do governante que lhes
oferecesse o melhor pagamento.
O confronto direto entre tropas mercenárias, no entanto, dificilmente ocor-
ria, pois os “condottieri” temiam perder seus homens, equipamentos e armamentos numa
batalha campal. Em virtude disso, preferiam manobrar, recuando ou avançando vagaro-
samente, até que os governantes que os haviam contratado chegassem a um acordo.
11 apud História geral das civilizações: os séculos XVI e XVII, 1968, p. 49 - 50.

105
PENÍNSULA ITALIANA NO FINAL DO SÉCULO XV

Trento

Turim Veneza
Milão
Gênova Ferrara
Bolonha
Florença

Siena
Córsega Roma
REINO DE NÁPOLES

ESTADOS PONTIFÍCIOS
Nápoles
Sardenha
REPÚBLICA DE FLORENÇA

DUCADO DE MILÃO

MAR MEDITERRÂNEO
REPÚBLICA DE VENEZA

Sicília
OUTROS TERRITÓRIOS

Enquanto os Estados italianos se digladiavam, em outras partes da Europa


emergiam poderosos estados nacionais, como os da França e da Espanha. Nestes países,
após um longo processo, com apoio da burguesia, os reis centralizaram o poder político,
formaram poderosos exércitos e estabeleceram leis e sistemas de tributação em âmbito
nacional. Tais medidas fortaleceram a burguesia, o monarca e o Estado.
Importante força no cenário da Europa também era o Sacro Império Ro-
mano-Germânico, mas este encontrava-se fragmentado em diversas unidades políticas,
cada qual com diferentes graus de autonomia em relação ao sacro imperador, que era
eleito.
Os temores de Maquiavel quanto ao futuro de uma Itália dividida e fraca se
concretizaram em 1494. Neste ano, o rei francês Carlos VIII, de Valois, resolveu invadir
a península Italiana para se apossar do Reino de Nápoles, do qual se considerava herdei-
ro (Carlos VIII descendia de Carlos I, de Anjou, que havia fundado o reino napolitano
no século XIII).
Para atingir seu objetivo, Carlos VIII organizou um poderoso exército de
cerca de vinte mil homens, composto por infantaria, cavalaria e artilharia. Esta força não
era composta somente por franceses, pois, como era normal na época, foram contrata-
dos mercenários em diferentes locais da Europa.
A artilharia era um dos pontos fortes de Carlos VIII. Os canhões tiveram
origem com o advento da pólvora, uma mistura de salitre, carvão e enxofre, que, inventa-
da na China no século IX, chegou à Europa no século XIII. Assim como os chineses, os
106
europeus logo perceberam que a pólvora, quando inflamada dentro de um tubo, produzia
uma força propulsora capaz de lançar projéteis a uma longa distância.
Os primeiros canhões europeus tinhama forma de potes e disparavam projéteis
com eficácia inferior às armas de arremesso até então conhecidas. Rapidamente, no en-
tanto, os primitivos potes foram aperfeiçoados dando origem a barris tubulares, confec-
cionados com ferro batido ou bronze forjado, que arremessavam de forma potente bolas
de ferro ou pedras. Em 1453, o sultão turco Maomé II abriu caminho pelas muralhas de
Constantinopla graças a enormes canhões chamados bombardas, o maior dos quais pe-
sava aproximadamente dezenove toneladas.
Os grandes canhões, porém, tinham diversas inconveniências: eram difíceis
de serem deslocados, exigiam muito tempo para serem recarregados e muitas vezes ex-
plodiam ao serem acionados, terminando por matar sua própria guarnição. Os franceses
solucionaram em parte tais problemas. Construíram canhões menores de bronze forjado,
que podiam ser transportados por carroças de duas rodas, puxadas por cavalos. Esses
canhões eram capazes de realizar disparos rápidos, produzindo, no mesmo espaço de
tempo, maior destruição do que os grandes canhões. Carlos VIII equipou seu exército
para a campanha na Itália com quarenta pequenos canhões de bronze, que já prediziam o
potencial da artilharia das guerras futuras.
Carlos VIII não se descuidou da infantaria. Contratou cerca de oito mil merce-
nários suíços, tidos como os melhores infantes pesados da época. Os suíços, no século
XIV, após árduas lutas, haviam conseguido autonomia para seus cantões. Formavam exér-
citos profissionais, bem treinados e disciplinados, chamados “bandas”. Armavam-se, de
acordo com sua especialidade, com longos piques, alabardas, partasanas, espadas, ar-
cos, bestas ou armas de fogo portáteis. Protegiam-se com couraças, coxotes e capacetes
de couro revestidos com ferro. Lutavam em formações cerradas e profundas de até doze
fileiras, que evoluíam de forma rápida, coordenada e violenta nos campos de batalha.

PROCESSO DE DISPARO DOS PRIMEIROS CANHÕES

CANHÃO DO INÍCIO DO SÉCULO XV

1 Colocava-se a pólvora e de-


pois o projetil pela “boca” da arma
(antecarga) ( 1) . Em seguida, intro-
duzia-se pelo “ouvido” da arma (ori-
2
fício por onde se colocava o fogo
em contato com as cargas) (2) um
ferro em brasa que detonava a pól-
vora. A explosão resultante da deto-
nação da pólvora expelia o projetil
para fora do tubo.

107
FORMA USUAL DE COMBATE DAS BANDAS SUÍÇAS
Os piqueiros predominavam nas
bandas, formando um dispositivo com
várias fileiras de profundidade.
Alabardeiros e partasaneiros ficavam no
centro da formação, enquadrados pelos
piqueiros. Arqueiros, besteiros e
1 2 arcabuzeiros se posicionavam
espaçadamente ao redor da formação, fa-
zendo a segurança.
O combate era iniciado pelos ar-
queiros, besteiros e arcabuzeiros que dis-
paravam projéteis contra o inimigo, pro-
curando desgastá-lo (1). Em seguida, os
piqueiros lançavam seu poder de choque
contra o adversário (2). Alabardeiros e
partasaneiros, com suas armas mais cur-
ARQUEIROS, BESTEIROS OU ARCABUZEIROS tas, próprias para o combate corpo-a-cor-
PARTASANEIROS E ALABARDEIROS po, intervinham no combate quando al-
PIQUEIROS gum inimigo penetrava na formação ou
quando a sua banda conseguia abrir uma
INIMIGO
brecha no dispositivo do inimigo.

A banda suíça era particularmente eficiente para se defender de ataques de


cavalaria, pois os cavaleiros normalmente se viam detidos ante a muralha de lanças dos
piqueiros.
O rei francês também contratou, na Alemanha, excelentes infantes pesados,
denominados lasquenetes, que guerreavam de forma semelhante aos suíços, em bandas.
Quando em lados opostos, lasquenetes e suíços travavam violentos combates, em que
cada lado procurava mostrar sua superioridade.
Para sua infantaria leve, o monarca francês recrutou combatentes do norte e
gascões do sul da França. Eles eram menos equipados e disciplinados do que suíços e
lasquenetes, mas possuíam mais iniciativa. Formavam grupos flexíveis que contrastavam
com a rigidez das bandas. Também incluiu em seu exército infantes armados com bestas
e arcabuzes (arma de fogo portátil), a cavalo e a pé. Os primeiros, em maioria provinham
da Alemanha, os últimos predominantemente da França.
As armas de fogo portáteis surgiram quando se pensou em diminuir o tama-
nho dos canhões.As primeiras, chamadas “paus-de-fogo”, necessitavam de dois homens
para serem disparadas, um fazia a pontaria e o outro provocava o disparo ao introduzir
pelo ouvido da arma um ferro em brasa que atingia a pólvora.

108
No final do século XIV, os “paus-de-fogo” receberam uma coronha, surgin-
do o arcabuz, que era disparado inflamando-se a pólvora por meio de uma mecha (ou
morrão).Amecha queimava lentamente, dando mais liberdade de movimento ao atirador,
que ficava dispensado de ficar perto de uma fonte de fogo. Em meados do século XV, o
arcabuz foi aprimorado com a introdução de um mecanismo de ferro em forma de “S”, na
parte superior do qual (serpentina) se prendia a mecha. Ao se acionar a parte inferior do
mecanismo em “S”, a serpentina conduzia a mecha até a escorva, dando início à inflama-
ção da pólvora. O mecanismo em “S” possibilitou que o atirador se preocupasse somen-
te em fazer a pontaria, pois não precisaria mais se preocupar em conduzir a mecha até a
escorva com uma de suas mãos.
Embora pesadas (algumas precisavam ser apoiadas em uma forquilha para o
disparo), pouco potentes (alcance de vinte e cinco a setenta e cinco metros) e com pe-
quena cadência de tiro (um disparo a cada dois ou três minutos), as armas de fogo portá-
teis tinham uma grande vantagem em relação a arcos e bestas: seus atiradores necessita-
PIQUE, PARTASANAEALABARDA

1 O pique era uma lança comprida que po-


dia chegar a sete metros (ponta de pique - 1); a
partasana era uma lança menor que o pique (2); a
alabarda era formada por uma haste, rematada por
2 um ferro pontiagudo, atravessado por uma lâmina
cortante em forma de meia-lua (3).

PROCESSO DE DISPARO DAS PRIMEIRAS ARMAS DE FOGOS PORTÁTEIS


Nos “paus-de-Fogo”colocava-se a pólvo-
ra e depois o projétil pela “boca” da arma
(antecarga) (1). Em seguida, introduzia-se pelo
2 “ouvido” da arma um ferro em brasa que detona-
1 va a pólvora (2).
O arcabuz era carregado do mesmo modo
que os “paus-de-fogo”; o acionamento da carga,
4 5 porém, era diferente. Agia-se na parte inferior (3)
do mecanismo em “S”, o que fazia com que sua
6 parte superior (serpentina) ( 4) abaixasse condu-
zindo a mecha acesa (5) até a escorva, no “ouvi-
do” da arma (6), dando início à detonação da
pólvora.
Em ambos os casos, a explosão resultante
3 da detonação da pólvora expelia o projétil para
fora do tubo.

109
vam de pouco treinamento para manuseá-las eficazmente. Gradativamente, bestas e ar-
cos foram substituídos pelas armas de fogo nas batalhas.
A cavalaria de Carlos VIII era formada pelos gendarmes, nobres franceses,
pagos pelo rei, a quem estavam ligados por laços de honra. Os cavaleiros usavam arma-
duras pesadas que lhes protegiam o corpo todo, tornando-os, porém, lentos. A cavalaria
era vista como a fração a ser utilizada para decidir o combate, em virtude do poder de
choque e do valor de seus integrantes.
Com este exército formidável para os padrões da época, Carlos VIII espe-
rava conquistar Nápoles. Em 1494, cruzou os Alpes e, em seguida, marchou para o sul
da península Italiana sem encontrar resistência. A poucos quilômetros de Nápoles, seus
canhões, em cerca de quatro horas, abriram brechas nas muralhas da fortaleza do monte
San Giovanni, por onde penetraram as tropas sitiantes que terminariam por conquistar a
fortificação. Carlos VIII, logo após, apoderou-se da cidade.
A tomada de Nápoles pelos franceses, entretanto, desagradou o soberano
espanhol Fernando II, pois a família que até então governava aquela cidade tinha paren-
tesco com a família real espanhola (ambas eram da Casa de Aragão).
Em resposta à invasão de Carlos VIII, o soberano espanhol resolveu intervir
na Itália. Para isso formou uma aliança contra os franceses chamada “Santa Liga”, da
qual faziam parte os Estados Pontifícios, o Ducado de Milão, a República de Veneza e o

A imagem ao lado ilus-


tra parte das forças de Carlos
VIII que invadiram a Itália. À di-
reita, observa-se a cavalaria; ao
centro, canhões puxados por
cavalos; e à esquerda, infantes
suíços.

110
Sacro Império Romano-Germânico (todos preocupados com uma possível supremacia
francesa na Itália). Diante de tão poderosa aliança, Carlos VIII decidiu regressar para a
França com boa parte de suas tropas.
Durante seu retorno, em Fornovo, no norte da Itália, o Exército Francês se
defrontou com uma força da “Santa Liga”, formada predominantemente por cavaleiros
dos “condottieri”. No embate que se seguiu, a artilharia francesa repeliu uma carga dos
cavaleiros inimigos, que foram, em seguida, massacrados pela infantaria e cavalaria da
França. Acampanha de Carlos VIII chegava ao fim, mostrando a fraqueza militar em que
se encontravam os Estados italianos.
Em 1498, enquanto prosseguiam as lutas em Nápoles, o rei francês Carlos
VIII faleceu, sendo sucedido por Luís XII. Este soberano estendeu as guerras para o
norte da Itália, pois se dizia herdeiro de Milão, já que era bisneto de Giangaleazzo
Visconti, fundador do ducado.
Em 1499, Luís XII invadiu o Ducado de Milão, conquistando-o. Com isso,
intensificaram-se as lutas entre a Casa da França e a “Santa Liga”. As forças de Luís XII
conseguiram expressivas vitórias no norte da Itália, mas acabaram expulsas da região,
após terem sido derrotadas por uma força ítalo-suíça na Batalha de Novarra. Mesmo
vencidos em Novarra, os franceses causaram muitas baixas aos adversários neste emba-
te, pois empregaram sua artilharia diretamente contra as densas formações das bandas
que estavam a serviço da “Santa Liga”. Ficava comprovado que a artilharia era essencial
não só nos cercos a cidades, mas também em batalhas campais.
Em 1502, os espanhóis enviaram uma expedição para o sul da Itália, coman-
dada por Gonzalo Fernández de Córdoba, com o intuito de expulsar os franceses que
ainda se encontravam em Nápoles. Córdoba contava com muitos arcabuzeiros em suas
tropas, que se mostraram vitais para as vitórias espanholas que se seguiram. Na Batalha
de Cerignola, em 1503, Córdoba dispôs seus arcabuzeiros atrás de uma paliçada, de
onde repeliram pelo fogo os ataques da cavalaria francesa e dos infantes suíços, conse-
guindo uma retumbante vitória. Pouco tempo depois, no rio Garigliano, Córdoba venceu
decisivamente os franceses, expulsando-os definitivamente do Reino de Nápoles.
No ano de 1515, um novo monarca francês, Francisco I, voltou a atacar
Milão, que se encontrava defendida pelos suíços. Nas batalhas de Marignano, em 1515,
e de Bicocca, em 1522, os franceses, combinando as ações da infantaria, cavalaria e
artilharia, infligiram pesadas derrotas às forças suíças, que só dispunham de infantes.
Em 1525, na Batalha de Pávia, foi a vez de os franceses confiarem demasia-
damente em uma só arma. Em um momento decisivo do embate, Francisco I, à frente de
sua cavalaria, carregou frontalmente contra arcabuzeiros espanhóis. No confronto, a ca-
valaria francesa acabou dizimada pelo fogo espanhol, tendo o próprio Francisco I sido
ferido e aprisionado. Derrotado, o monarca francês, pelo Tratado de Cambrai, em 1529,
teve de renunciar às suas pretensões italianas.

111
BATALHADE PÁVIA

5
6
A L
9 4 LEGENDA
7 12
10 11 HISPANO-IMPERIAIS
8 A ARCABUZEIROS
13 L LASQUENETES
3
15 15 BN CAVALARIA
14 2 FRANCESES
S ARTILHARIA
16 17 BN BANDA NEGRA
S INFANTARIA SUÍÇA
CAVALARIA
PÁVIA 1

Em 1525, nas cercanias da cidade de Pávia, no norte da Itália, tropas a serviço da França,
lideradas pelo monarca Francisco I, enfrentaram forças da Espanha e do Sacro Império Romano-
Germânico, comandadas pelo Marquês de Pescara. Em disputa estavam territórios localizados no
norte da Itália. Francisco I, após conquistar Milão, marchou até a cidade de Pávia, sitiando-a. Pávia
(1) era defendida por 6 mil espanhóis. Carlos V, rei espanhol e também sacro imperador, ordenou a
Pescara que socorresse a guarnição que defendia Pávia. Francisco I possuía um efetivo de cerca de
25 mil homens, de diferentes nacionalidades (franceses, italianos, suíços e alemães); Pescara conta-
va com cerca de 23 mil homens (da Espanha e do Sacro Império). Os hispano-imperiais contavam
com aproximadamente 1.500 arcabuzeiros, muito disciplinados. Pescara fez uma marcha de aproxima-
ção, estacionando nas proximidades de Pávia (2). O exército de Francisco I estava protegido pelo
muro do castelo de Pávia (3). Na noite de 24 de fevereiro de 1525, as tropas de Pescara se deslocaram
(4), abrindo uma brecha no muro que protegia as tropas de Francisco I (5). Ao alvorecer, os hispano-
imperiais irromperam pelo parque (6). A artilharia de Francisco I reagiu, causando muitas baixas à
infantaria espanhola (lasquenetes) (7). Em seguida, a cavalaria francesa, tendo à frente o rei Francis-
co I, carregou contra a cavalaria espanhola (8), repelindo-a (9). Depois disso, a cavalaria francesa
atacou frontalmente os arcabuzeiros espanhóis (10), mas acabou sendo dizimada pelo fogo adver-
sário, recuando em desordem (11). Entrementes, os lasquenetes derrotaram a artilharia francesa (12)
e a Banda Negra (infantes alemães a soldo da França) (13), que se retiraram (14). Finalmente, os
infantes hispano-imperiais (15), juntaram-se a uma surtida desencadeada pelos espanhóis que esta-
vam sitiados (16), derrotando as últimas forças de Francisco I (8 mil suíços), que também abandona-
ram o campo de batalha (17). Francisco I foi ferido e aprisionado. A vitória hispano-imperial deveu-
se incontestavelmente ao fogo dos arcabuzeiros, que, no momento decisivo da batalha, bateram
fragorosamente a cavalaria francesa. Na Batalha de Pávia ficou comprovada definitivamente a
importância das armas de fogo, marcando-se, nesse combate, a chegada de uma nova era: a da
pólvora.

112
As Guerras na Itália marcaram a transição do modo de guerrear da Idade
Média para o da Idade Moderna. Diferentemente do que acontecia na Idade Média, os
conflitos na península italiana foram travados por exércitos poderosos e caros, que só
podiam ser mantidos por estados com boas finanças.
As armas de fogo demonstraram sua letalidade. Cavaleiros foram dizimados
pelo fogo inimigo quando realizaram ataques frontais; e formações densas de infantaria
acabaram arrasadas pelo fogo da artilharia adversária. Ações combinadas de infantaria,
cavalaria e artilharia trouxeram excelente resultados, embora os comandantes não sou-
bessem ainda executá-las da melhor maneira.
O poder de fogo da artilharia pôs abaixo as altas muralhas típicas da Idade
Média, obrigando os engenheiros militares a projetar outras, mais baixas, grossas, em
formato de estrela e com ângulos obtusos, para minorar os efeitos dos impactos dos
projéteis. As novas fortificações, dotadas de armas de fogo, proliferaram-se por toda
Europa, pois davam ao defensor significativa vantagem sobre o sitiante.
As guerras na Itália, no entanto, apresentaram, em determinados aspectos,
similaridades com as que ocorreram na Idade Média, pois, de modo geral, caracteriza-
ram-se por cercos e sítios.
As batalhas campais só aconteciam quando ambos os lados considerassem
estar com boas chances de vencê-las (era comum um beligerante procurar o abrigo de
fortalezas ou cidades fortificadas quando julgava estar inferiorizado militarmente).
Um exército que quisesse realizar uma batalha campal teria dificuldades para
levar seu inimigo à luta, pois, enquanto se desdobrava da ordem de marcha para a ordem
de batalha, o que demorava devido aos numerosos e lentos efetivos, o adversário retraía,
por já se encontrar em ordem de marcha. Para forçar o inimigo a combater, recorria-se a
cercos a cidades e fortalezas, obrigando o adversário a socorrê-las, oferecendo oportu-
nidade para um embate direto.
FORTIFICAÇÃO DO SÉCULO XVI EM PALMANOVA - ITÁLIA

113
Havia a possibilidade de se ven- ARCABUZEIRO DO SÉCULO XVI
cer o inimigo de maneira indireta. Para isso,
procurava-se cortar as linhas de suprimento
ou devastar os campos agrícolas que abas-
teciam o oponente, obrigando-o a abando-
nar a luta por falta de recursos. Mesmo ten-
do uma vitória decisiva, um exército dificil-
mente conseguia aproveitar seu êxito, pois
as dificuldades de abastecimento, a lentidão
das colunas de transporte e as péssimas es-
tradas, quando existentes, paralisavam suas
operações, prolongando a guerra.
As populações que estavam na
rota dos exércitos ou nas zonas em que se
travavam os combates sofriam muito com a
guerra. Os comandantes militares, ao se re-
tirarem de uma região, mandavam suas tro-
pas arrasar plantações e instalações, para
que estas não fossem aproveitadas pelos
exércitos inimigos. Se não fizessem isso, os
próprios adversários tratariam de pilhar,
violentar e torturar os habitantes locais.
No início da Idade Moderna, os soberanos dos estados mais poderosos pas-
saram a prolongar o conflito, visando levar seus adversários a desistirem da luta por falta
de fundos. Surgiu, também nesse período, a ideia do equilíbrio de poder entre os Estados
europeus. Sempre que um Estado ameaçava dominar o continente, surgia uma coligação
para lhe opor resistência. Um exemplo foi a “Santa Liga” nas Guerras da Itália, formada
justamente para impedir um demasiado expansionismo francês.
Quando as guerras na Itália terminaram, a Espanha era a potência hegemônica
na Europa. Esta supremacia se prolongaria pelo século XVI, mantida em grande parte
pelos “terços”, unidades militares espanholas que começaram a tomar forma no final do
século XV.

114
CAPÍTULO 11

O EXÉRCITO ESPANHOL NO SÉCULO XVI


E AS TROPAS HOLANDESAS DE NASSAU

“Uma tarde, o comandante dos sitiantes espanhóis, o duque de


Parma, mandou colocar uma mesa perto das trincheiras para que
ele e seu comando pudessem jantar ao ar livre. Mal a refeição
havia começado, uma bala de canhão voou sobre a mesa, arran-
cando a cabeça de um jovem oficial, e um fragmento de seu crâ-
nio atingiu o olho de um de seus vizinhos. Uma segunda bala atin-
giu mais dois convidados do duque. Com sangue e miolos espa-
lhados por toda a mesa, o duque permaneceu impassível. Orde-
nou a remoção e requisitou uma toalha limpa, convidando todos
a retornarem a seus lugares e a continuar a refeição.” 12

Na primeira metade do século XVI, o Reino da Espanha, respaldado por um


forte exército, era um dos estados mais poderosos da Europa. Séculos antes, em 711, a
península Ibérica havia sido invadida e ocupada pelos mouros (povo árabe-berbere, que
professava a religião islâmica). Os ibéricos logo iniciaram uma luta para libertar sua terra,
obtendo gradativos êxitos. Em 1492, os reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de
Castela completaram a reconquista, ao expulsarem os muçulmanos de Granada.
No início do século XVI, Carlos de Habsburgo, neto de Fernando e Isabel,
herdou diversos reinos e territórios, que deram origem a um grande império. Dos avós
maternos, Fernando e Isabel, Carlos recebeu Aragão, Castela, Sicília, Nápoles, Sardenha,
Granada e possessões no Caribe; dos avós paternos, Maximiliano de Habsburgo e Maria
de Borgonha, obteve a Áustria, a Alsácia, o Tirol e os Países Baixos (Holanda, Bélgica e
Luxemburgo).
Em 1519, Carlos foi eleito imperador do Sacro Império Romano-Germânico,
passando a se denominar Carlos V. O Sacro Império-Romano, localizado no centro da
Europa, era constituído por numerosos Estados e cidades semiautônomos, de riqueza e
poder variados.
Às suas heranças, Carlos V, ao longo do seu reinado, acrescentou Milão,
Túnis, México e Peru. Em 1526, seu irmão Fernando tornou-se soberano da Boêmia,
Silésia, Morávia e Hungria, aumentando ainda mais o poder dos Habsburgos.
12
História em revista: a arte da guerra, 1997, p. 75.

115
Hamburgo

IC O
INGLATERRA Berlim
NT POLÔNIA
PAÍSES

BAIXOS
AT

Nuremberg
NO

Paris
EA
OC

ALSÁCIA
TIROL Viena
FRANÇA ÁUSTRIA

Milão HUNGRIA
Veneza
L
GA

ESPANHA
TU
R

Madri
PO

Roma

SARDENHA Nápoles

MAR MEDITERRÂNEO
POSSESSÕES DE CARLOS V
SACRO IMPÉRIO ÁFRICA SICÍLIA

Carlos V acreditava ter recebido a missão divina de governar, unificar, liderar


e defender a cristandade ocidental. Durante todo o seu reinado esforçou-se para cumprir
as tarefas às quais julgava ter sido predestinado.As riquezas de suas possessões europeias
e americanas e o Exército Espanhol, o mais poderoso da época, pareciam ser-lhe mais
do que suficientes para respaldar tais objetivos.
O Exército Espanhol tinha como principal trunfo unidades de infantaria, re-
crutadas em diferentes regiões da Europa, denominadas “terços”. Havia “terços” forma-
dos na Espanha (cerca de um quinto, considerados os melhores), “terços” recrutados em
regiões das atuais Bélgica e Itália (territórios dominados pelos Habsburgos) e, ainda,
“terços” oriundos da Alemanha, Irlanda e outros locais (constituídos por mercenários
católicos). As forças não originárias da Espanha eram intituladas “Tropas das Nações”.
Dois tipos de infantes compunham os “terços”: os dotados de pique (piqueiros)
e os equipados com armas de fogo (arcabuzeiros ou mosqueteiros). Alguns combatiam
sem nenhum equipamento de proteção, outros utilizavam capacetes e corseletes (arma-
duras leves que cobriam o tronco). Muitos deles também faziam uso de armas comple-
mentares como adagas, espadas e dardos.
Os efetivos dos “terços” e o número de piqueiros, arcabuzeiros e mosqueteiros
que os compunham variaram ao longo do tempo, dependendo da disponibilidade de re-
cursos, do fato de se estar em guerra ou não e de outras circunstâncias. Quando de sua
formação, o número de soldados previsto para um terço era de três mil, divididos em dez
companhias de piqueiros e duas de arcabuzeiros e mosqueteiros. A tendência,
116
entretanto, foi o aumento do número de arcabuzeiros e mosqueteiros em detrimento da
quantidade de piqueiros. No final do século XVI, o número de arcabuzeiros e mosqueteiros
suplantou o de piqueiros.
O “terço” era comandado por um mestre-de-campo (assessorado por sar-
gentos-mores, furriéis-mores, boticários, capelães e cirurgiões, entre outros) e as compa-
nhias por capitães.Acrescente importância da infantaria fez com que muitos nobres espa-
nhóis se tornassem infantes, abandonando a tradição feudal pela qual a nobreza integrava
exclusivamente a cavalaria.
A cavalaria espanhola era composta por esquadrões de diversas especialida-
des, também recrutados em diferentes partes da Europa. Os cavaleiros pesados, com
armadura quase completa, provinham de Flandres (equipados com lanças) e da Alema-
nha (dotados de espadas e pistolas); os cavaleiros leves, com poucas peças para proteção
individual ou mesmo sem armadura, procediam da Itália e da própria Espanha (portavam
lanças curtas, espadas, pistolas ou arcabuzes de tamanho médio).
O Exército Espanhol não tinha uma boa artilharia de campanha, pois seus
líderes priorizavam a artilharia naval e a de fortaleza. Por isso contratavam os serviços de
mercenários alemães quando necessitavam de uma artilharia de campanha eficaz.
Os espanhóis organizaram quartéis para o adestramento de parte de suas tro-
pas. Eram realizadas manobras no terreno, nas quais se buscava alcançar a máxima
precisão e disciplina. O treinamento dos mercenários era por conta de seus comandantes.
RENDIÇÃO DE BREDA

- EPISÓDIO OCORRIDO EM 1624, QUANDO OS HOLANDESES QUE DEFENDIAM A CIDADE DE BREDA SE


RENDERAM AOS ESPANHÓIS.
- OBSERVA-SE PIQUEIROS (À DIREITA) E UM MOSQUETEIRO (À ESQUERDA).

117
ARMAMENTOS

APERFEIÇOAMENTO DO MECANISMO DE DISPARO DO ARCABUZ


Por volta de 1520, na Espanha, foi aper-
feiçoado o mecanismo de disparo dos arcabuzes.
4 O ouvido da arma passou a ser colocado no
lado direito do cano, entrando em contato com a
2 caçoleta (compartimento onde se colocava a
pólvora da escorva), posicionada também à
direita do cano (1). A caçoleta passou a ter uma
tampa que protegia a escorva de intempéries e
1 solavancos (2), propiciando aos soldados mo-
3 vimentarem-se com a arma escorvada pronta para
o disparo. Outra inovação foi um dispositivo de
mola, que, pela ação do atirador sobre o gatilho
(3), conduzia a serpentina com a mecha ou morrão
(4) até a caçoleta.

O RODETE E A PISTOLA
Na década de 1520, na Alemanha, surgi-
ram armas que utilizavam o sistema do rodete.
Nestas, para provocar a detonação da pólvora
da caçoleta, em vez da mecha, fazia-se uso de
2 uma pequena roda dentada de aço (1) e de uma
3 pederneira (pedra muito dura que produz facil-
mente faíscas quando friccionada em uma peça
1 de aço) (2). A ação do atirador sobre o gatilho
acionava uma mola que fazia a roda dentada gi-
4 rar e friccionar-se na pederneira; o que produzia
faíscas que por sua vez inflamavam a escorva
que estava na caçoleta (3). A diminuição do ta-
manho do arcabuz de roda deu origem às pisto-
las (4), usadas principalmente pela cavalaria.
O MOSQUETE
O mosquete foi criado em meados do sé-
culo XVI. Era semelhante ao arcabuz, mas feito
com materiais mais resistentes, o que lhe pro-
porcionava realizar disparos mais potentes. O
alto poder de penetração dos projéteis dos
mosquetes serviu para tornar de vez obsoletas
as pesadas armaduras dos cavaleiros. Arcabuzes
e mosquetes coexistiram durante todo século
XVI, sendo o uso do arcabuz predominante.

118
Os comandantes militares procuravam motivar os soldados recrutados nos
domínios espanhóis incutindo-lhes valores protonacionais (nacionalismo embrionário), re-
ligiosos (defesa e expansão da religião católica) e de honradez (brio, decoro, pundonor).
Os fatores imprescindíveis para a manutenção do moral das tropas, no entanto, eram o
pagamento e o suprimento em dia, o que por vezes deixava de acontecer. Os mercená-
rios, evidentemente, só lutavam se devidamente pagos e supridos.
As batalhas campais eram raras, pois o sistema defensivo dos países euro-
peus estava estruturado em torno de fortificações construídas em locais e cidades estraté-
gicas. Os espanhóis procuravam reduzi-las usando a artilharia, sapadores ou levando os
defensores à rendição por falta de suprimentos.
Mesmo contando com recursos e forças militares formidáveis, Carlos V não
conseguiu atingir os objetivos que para si havia estabelecido, pois viu-se envolvido em
conflitos simultâneos. No mar Mediterrâneo e nos Bálcãs, empreendeu diversas campa-
nhas contra os turcos otomanos, que ameaçavam diversos domínios dos Habsburgos; na
Europa ocidental, guerreou contra o rei francês Francisco I, por questões hegemônicas; e
no Sacro Império, combateu os Estados “protestantes” (adeptos da Reforma Religiosa
iniciada por Lutero em 1517), que reivindicavam liberdade de culto e maior autonomia.
Os problemas de Carlos V se agravaram quando contra ele se aliaram Fran-
cisco I, os turcos otomanos e os Estados “protestantes”. O Império Habsburgo, mesmo
sendo o mais rico da Europa, não possuía recursos para realizar campanhas concomitantes.
Desse modo, sempre que Carlos V estava próximo de vencer decisivamente um adversá-
rio, um outro o atacava, propiciando a recuperação do primeiro.
Em 1555, Carlos V, pela Paz de Augsburgo, reconheceu que os Estados do
Sacro Império, de acordo com a orientação de seus príncipes governantes, poderiam
optar entre o luteranismo e o catolicismo. Um ano depois, desgastado física e mentalmen-
te e com o tesouro exaurido, abdicou do trono (faleceu em 1558).

O RENASCIMENTO E A REFORMA RELIGIOSA


O Renascimento foi um movimento de renovação cultural iniciado na Itália no final
da Idade Média, que se espalhou por outros países da Europa. Os renascentistas procura-
ram restaurar os valores do período clássico. O espírito investigador da época levou mui-
tos pensadores a questionar os dogmas, as práticas e a autoridade da Igreja Católica Ro-
mana, dando origem à Reforma Religiosa.
A Reforma Religiosa foi iniciada em 1517, por Martinho Lutero, na Alemanha. Seus
adeptos foram chamados “protestantes”. O movimento propagou-se para outros países da
Europa, surgindo novas religiões, com doutrinas diversas, de acordo as condições sociais,
econômicas e políticas locais.
Muitos líderes na Idade Moderna fizeram reformas em seus exércitos, inspirando-se
nos valores greco-romanos. A quebra da unidade cristã na Europa, por sua vez, deu origem
a conflitos religiosos que, em muitos casos, resultaram em sangrentas guerras.

119
FORMA USUAL DE COMBATE DO EXÉRCITO ESPANHOL

7 9
TERCEIRA FASE
8

SEGUNDA FASE
6

3
2
4
2 PRIMEIRA FASE
1

LEGENDA

ATIRADORES PIQUEIROS ARTILHARIA CAVALARIA INIMIGO

Primeira fase: os infantes eram posicionados em grandes quadrados denominados “terços”; os piqueiros
ficavam no centro (1); enquanto arcabuzeiros/mosqueteiros formavam pequenos quadrados nos vértices ou consti-
tuíam fileiras nas alas, na frente e na retaguarda da formação (2). A artilharia era colocada na frente (3) e a cavalaria
nas alas (4) do “terço”. Tal dispositivo garantia a segurança dos “terços” em todas as direções.
Segunda fase: a artilharia, após lançar seus fogos sobre o inimigo, era ultrapassada pelos infantes e cavalei-
ros. Em seguida, a maioria dos arcabuzeiros/mosqueteiros (5) se posicionava à frente dos piqueiros, passando a
disparar contra o inimigo; os piqueiros, à retaguarda (6), protegiam os atiradores de ataques da cavalaria ou da
infantaria adversária.
Terceira fase: após o inimigo estar enfraquecido, ocorria a ação principal, que estava a cargo dos piqueiros.
Estes se posicionavam à frente dos atiradores e atacavam o inimigo (7), procurando decidir o combate com seu
poder de choque. Enquanto ocorria a ação principal, os arcabuzeiros/mosqueteiros se posicionavam à retaguarda ou
nos flancos dos piqueiros (8), para, se possível, apoiá-los com seus fogos.
A cavalaria seguia nas alas dos terços, procurando atacar os flancos do inimigo (9). As companhias de
cavaleiros alemães, a serviço da Espanha, usavam a tática do “caracole”: cada cavaleiro, a trote, quando chegava
à frente da fila onde se encontrava, disparava sua pistola sobre o inimigo, seguindo então para a retaguarda para
recarregar. Quando o inimigo estivesse suficientemente desgastado, os cavaleiros carregavam a golpe de espada.
A artilharia espanhola normalmente tinha papel pouco importante nas batalhas campais. Os canhões
(muito pesados, sujeitos a falhas, difíceis de transportar, de variados calibres e com dispositivos de pontaria
deficientes), dificultavam a maneabilidade dos artilheiros, que pouco podiam fazer para influir no combate nos
momentos decisivos. O exército derrotado normalmente perdia sua artilharia, pois não tinha condições de transportá-
la na rápida retirada que se seguia ao desfecho do combate.

120 PRIMEIRA FASE


O Império de Carlos V acabou dividido: Filipe II, seu filho, recebeu a
Espanha, a Itália, os Países Baixos, o Franco-Condado e as colônias americanas; Fernando,
seu irmão, ficou com os territórios alemães e austríacos.
Filipe II procurou inicialmente resolver os problemas que levaram seu pai a
abdicar. Firmou o Tratado de Paz de Cateau-Cambrésis com a França e estabeleceu uma
trégua com o Império Otomano. Depois disso, voltou-se para novas questões, agora
com Portugal, Inglaterra e Países Baixos.
Em 1580, devido à morte do Cardeal D. Henrique, o trono português ficou
vago. Filipe II, que era filho de uma princesa portuguesa, herdou a Coroa e as possessões
coloniais portuguesas, aumentando em muito seu prestígio e força.
Menos feliz foi em seu confronto com a Inglaterra. Em 1558, assumiu o trono
inglês Elizabeth I, que tomou diversas medidas contrárias aos interesses de Filipe II. A
rainha inglesa perseguiu os católicos da Inglaterra, apoiou os Países Baixos que haviam se
rebelado contra o domínio espanhol e, ainda, protegeu corsários que atacavam navios
mercantes hispânicos. O rei espanhol decidiu resolver suas pendências com Elizabeth I
por meio de uma guerra. Para isso, organizou uma grande frota, denominada “Invencível
Armada”, que deveria conquistar a Inglaterra. Em 1588, no entanto, a “Invencível Arma-
da” foi destruída pela Marinha Inglesa e por uma forte tempestade.Aderrota da “Invencível
Armada” marcou o início da supremacia da Inglaterra nos mares, coroando os esforços
dos ingleses que priorizaram o aprimoramento da marinha para a defesa do seu país.
O confronto entre a Espanha e os Países Baixos foi bem mais longo. Estes
eram uma unidade administrativa do Império Habsburgo, constituída por dezessete pro-
víncias de língua francesa ou holandesa, muito próspera graças à produção manufatureira
e ao comércio marítimo.
As províncias dos Países Baixos tinham grande autonomia, não existindo um
poder central. Havia, no entanto, os Estados Gerais, um foro localizado na cidade de
Bruxelas, onde delegados das províncias se reuniam para discutir problemas comuns. O
Calvinismo, fruto da Reforma Religiosa, encontrou grande aceitação nas províncias do
norte (as do sul permaneceram predominantemente católicas).
Carlos V não interferia profundamente nos assuntos dos Países Baixos. Filipe
II, todavia, adotou uma postura oposta: procurou controlar a política local, passou a
perseguir os calvinistas e impôs pesados impostos.
As medidas opressivas de Filipe II levaram os Países Baixos, em 1567, a se
rebelar contra a Espanha. O soberano espanhol imediatamente destacou o Duque de
Alba (García Alvarez de Toledo) para pôr fim à revolta; este, após duras lutas, obteve
somente êxitos parciais.As províncias católicas do sul (atual Bélgica) foram submetidas;
mas as calvinistas do norte resistiram. Em 1581, sob a liderança de Guilherme de Orange,
as sete províncias do norte proclamaram sua independência, constituindo um novo país,
denominado República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, comumente cha-
mado Holanda.
121
BATALHADE JEMMINGEN

2
3
12
4
8
10
5 11
9
9

10
5 7
10
6

5
1

LEGENDA

TROPAS ESPANHOLAS TROPAS DOS PAÍSES BAIXOS


INFANTARIA INFANTARIA
CAVALARIA CAVALARIA
ARTILHARIA ARTILHARIA

Em 1568, na Frísia, nos Países Baixos, tropas a serviço da Espanha, lideradas pelo Duque de Alba,
enfrentaram um exército dos Países Baixos, comandado por Luís de Nassau. Acontenda envolvia a independên-
cia da Holanda, não reconhecida pela Espanha. Alba possuía um efetivo de cerca de 15 mil homens (12 mil de
infantaria e 3 mil de cavalaria); enquanto Luís contava com aproximadamente 13 mil homens (11 mil de
infantaria e 2 mil de cavalaria). Após manobras, Alba conseguiu encurralar as tropas de Luís em uma península
formada pelo golfo de Dollard (1) e pelo rio Ems (2). Diante da situação, Luís mandou construir um
entrincheiramento (3) para melhor fazer frente ao inimigo. À retaguarda de suas trincheiras, Luís escalonou suas
forças (4). Alba não tinha planos de realizar um ataque frontal à posição inimiga; em virtude disso dividiu suas
tropas em três grupos (5), visando impedir uma possível retirada do adversário. Em seguida, o comandante
espanhol, com o objetivo de inquietar o adversário, ordenou que um contingente formado por cerca de 1.500
arcabuzeiros e 300 cavaleiros leves (6) atacasse a posição inimiga (7). Esse contingente passou a realizar
escaramuças com as tropas que estavam na defensiva. Enquanto as escaramuças se sucediam, Luís ordenou que
um grupo de reconhecimento se dirigisse à retaguarda espanhola para verificar se havia mais tropas inimigas no
campo de batalha, além daquelas que o atacavam (8). O grupo de reconhecimento, ao retornar, informou a Luís
não ter encontrado outras tropas inimigas. Luís ordenou, então, que suas tropas saíssem detrás das trincheiras
e lançassem um ataque total contra o pequeno contingente inimigo que as fustigava (9). Quando as forças de
Luís tinham avançado cerca de 300 metros além de suas trincheiras, Alba desencadeou um ataque com todas as
suas tropas (10). Surpreendido, Luís ordenou uma retirada (11), que logo se transformou em fuga desesperada.
Em pânico, sem ter por onde fugir, muitos soldados tentaram atravessar o rio Ems a nado (12), morrendo
afogados. Outros tantos foram massacrados pelas forças espanholas. O resultado da batalha foi uma grande
vitória dos espanhóis, que se apoderaram dos canhões e dos suprimentos do inimigo. Os espanhóis tiveram
cerca de 300 baixas; os Países Baixos por volta de 7 mil.

122
Em 1584, Guilherme de Orange foi assassinado. Seu filho Jan Mauritz van
Nassau-Siegen13 (1567-1625) passou a governar a Holanda.
Em face do perigo espanhol, Nassau resolveu reorganizar o Exército Holan-
dês. Depois de considerar os “terços” formações muito rígidas e lentas, criou uma nova
unidade tática, mais flexível: o batalhão. Este era composto por 500 homens, e dele faziam
parte, em igual proporção, atiradores (arcabuzeiros/mosqueteiros) e piqueiros. Os bata-
lhões podiam combater apoiando-se; oito deles formavam uma brigada.
Nassau deu ênfase ao treinamento e à organização de suas tropas, adotando,
para isso, manuais de instrução. Criou um rigoroso programa de instrução de modo a
fazer com que todos os soldados treinassem repetida e regularmente as ações que execu-
tariam em combate (os soldados, dentro de formações emassadas, treinavam ordem uni-
da, através da qual aprendiam a realizar mudanças de frente e a formar linhas de com-
bate). Exigia, também, de atiradores e piqueiros o manejo dos armamentos de forma
padronizada e com a máxima eficiência.
Nassau adotou a contramarcha, na qual os arcabuzeiros e mosqueteiros se
colocavam em colunas, passando, de maneira ritmada, a disparar salvas sobre inimigo (o
mosqueteiro ou arcabuzeiro, quando chegava à frente de sua coluna, disparava sua arma,
retornando, em seguida, ao final da fila para recarregar e aguardar novamente a vez de
disparar; repetindo-se o processo, garantia-se um fogo contínuo contra o oponente).
Sob muitos aspectos, entretanto, as tropas de Nassau se assemelhavam às
espanholas. Os equipamentos pouco diferiam e a cavalaria e a artilharia tinham organiza-
ções parecidas. As forças holandesas eram compostas predominantemente por merce-
nários provenientes de locais onde o protestantismo se enraizou (Inglaterra, Escócia e
regiões da Alemanha e França). As tropas combatiam, de modo geral, motivadas pelo
credo, honra e pagamentos. Nassau sempre pagava pontualmente e dava boas condições
de serviço a seu exército, mantendo-o com o moral elevado; em troca exigia rigorosa
disciplina.
As batalhas campais não tiveram grande relevância na guerra entre a Holanda
e a Espanha, pois este conflito foi caracterizado por sítios. Em virtude disso, Nassau deu
particular importância aos engenheiros e sapadores, que eram os elementos encarrega-
dos dos trabalhos de construção ou assédio de fortalezas.
Os assédios eram realizados por meio de aproches, que consistiam de
entrincheiramentos feitos pelos atacantes para se aproximar de praças sitiadas, dos quais,
protegidos, podiam mais facilmente abrir brechas nas defesas adversárias. Os sitiados,
em contrapartida, buscavam construir contra-aproches, que eram entrincheiramentos
construídos para evitar a aproximação dos aproches do atacante.
A estratégia militar da Holanda frente à Espanha era defensiva. Graças aos
13
Não deve ser confundido com Johann Mauritius van Nassau-Siegen (1604-1679), holandês que governou parte do nordeste brasileiro,
na primeira metade do século XVII).

123
FORMA USUAL DE COMBATE DO EXÉRCITO HOLANDÊS

15

11 TERCEIRA FASE
12
13 14
9

9 SEGUNDA FASE
10
8

2 3 PRIMEIRA FASE

4 6
1

LEGENDA

ATIRADORES PIQUEIROS ARTILHARIA CAVALARIA INIMIGO

Primeira fase: eram grupados dois batalhões, formando o “Batalhão Duplo” (1). Quatro bata-
lhões duplos formavam uma “brigada” (esta correspondia em efetivo a um “terço”), ficando dispos-
tos em três linhas, em xadrez. Nas marchas de aproximação, os soldados formavam em dez fileiras
dentro dos batalhões; os piqueiros se posicionavam no centro (2); os mosqueteiros/arcabuzeiros,
na frente, nas alas (3), e na retaguarda (4). A artilharia era posicionada na frente do dispositivo (5)
e a cavalaria nos flancos (6). Os batalhões duplos possibilitavam grande liberdade de manobra ao
comandante geral, podendo este, como na figura acima, fazer avançar seus batalhões da segunda
para a primeira linha (7), conseguindo uma forte frente de combate.
Segunda fase: os batalhões duplos que estavam na terceira linha podiam passar para a
segunda, constituindo uma reserva (8). A artilharia iniciava o combate disparando contra o inimigo,
depois era ultrapassada pelas demais tropas. Em seguida, a maioria dos mosqueteiros/arcabuzeiros
(9) se posicionava na frente dos piqueiros (10), disparando salvas contra o adversário.
Terceira fase: depois de enfraquecido pelo fogo dos atiradores, o inimigo era atacado pelos
piqueiros (11), agora posicionados à frente dos atiradores (12). A reserva da segunda linha (13)
podia ser empregada onde mais se fizesse necessária (14). A cavalaria visava aos flancos do inimigo
(15). A disposição e o efetivo menor dos batalhões de Nassau faziam com que os exércitos holande-
ses tivessem mais flexibilidade dos que os dos espanhóis.

124
recursos provenientes do comércio, os holandeses construíram numerosas fortalezas ou
fortificaram cidades em seus territórios. Os espanhóis, em suas ofensivas, se viam obriga-
dos a despender muito tempo e recursos para conquistá-las, o que nem sempre aconte-
cia. Caso obtivessem sucesso na captura de uma fortificação, os espanhóis passavam a
ter outros problemas, pois agora tinham de arcar com o ônus de manter uma guarnição no
local, o que consumia recursos financeiros e diminuía os efetivos que prosseguiriam na
ofensiva.
A guerra entre a Espanha e a Holanda, alternada por períodos de trégua,
prosseguiu até 1648, quando, pelo Tratado de Westfália, os espanhóis, com seu país
debilitado, reconheceram oficialmente a independência dos holandeses.
O “terço”, com sua organização inovadora, fez do Exército Espanhol o me-
lhor da Europa por quase todo século XVI. Nassau, por sua vez, aprimorou o Exército
Holandês, deixando-o em condições de resistir às investidas espanholas. Como a guerra
entre a Holanda e a Espanha foi travada predominantemente em torno de fortalezas e
cidades fortificadas, as inovações táticas de Nassau não foram amplamente empregadas.
A Gustavo Adolfo, soberano sueco, caberia a aplicação de muitas das ideias de Nassau
nos campos de batalha.

125
CAPÍTULO 12

A GUERRA DOS TRINTA ANOS


E GUSTAVO ADOLFO
“Há uma perfeita harmonia entre ele e seus súditos; um mesmo
espírito e um mesmo sentimento. Seu exército, composto de sue-
cos, livonianos, finlandeses, lapônios e de soldados de outras na-
cionalidades, é dos mais disciplinados e aguerridos que já apare-
ceram, e esses povos, de costumes e línguas tão diferentes, são
impulsionados todos pela mesma mola: a confiança na capacida-
de do rei e amor e respeito que ele soube inspirar por suas virtu-
des. Eis então um contendor a quem não se pode menosprezar e de
quem, se nada é possível ganhar, é preciso pelo menos, cuidar de
nada perder”. 14
Conde de Tilly, acerca de Gustavo Adolfo

No século XVI, na Europa, havia monarcas que governavam seus domínios


com amplos poderes, como os reis da França e da Espanha. Outros tinham seu poder
restringido pela nobreza, como o imperador do Sacro Império Romano-Germânico.
O Sacro Império era constituído por centenas de territórios (principados,
ducados, condados, entre outros) governados por nobres (“príncipes”), que tinham dife-
rentes graus de autonomia em relação ao imperador. Este era eleito por uma Dieta Impe-
rial (Reichstag), constituída por nobres proeminentes, denominados “eleitores”. Os con-
flitos entre monarcas e nobres insubmissos eram frequentes, pois aqueles procuravam
centralizar o poder, enquanto estes buscavam maior liberdade.
A Reforma Religiosa, iniciada por Lutero em 1517, acirrou as desavenças
no Sacro Império, pois muitos “príncipes”, sem a anuência do então imperador Carlos V,
adotaram o protestantismo como religião a ser seguida em seus domínios. O imperador,
católico fervoroso, decidiu restaurar a unidade católica, mas fracassou, sendo obrigado a
aceitar, pela Paz de Augsburgo, que os “príncipes” escolhessem a crença a ser professa-
da pelos seus súditos.
Com o passar do tempo, os “príncipes” do Sacro Império, de acordo com
suas convicções religiosas, formaram dois blocos antagônicos: a União Evangélica Pro-
testante, que se opunha aos imperadores; e a Liga Católica, que os apoiava.
Afrágil Paz deAugsburgo se estendeu até 1618, quando o imperador Matias
expediu um decreto que acabava com a tolerância religiosa no Sacro Império. Em virtude
disso, os “príncipes” protestantes da Boêmia se rebelaram, escolhendo Frederico V,
14
apud SANTOS, 1998, p. 115.

127
EUROPA OCIDENTAL E CENTRAL NO INÍCIO DO SÉCULO XVII

SUÉCIA

IC O
DINAMARCA

NT
INGLATERRA


AT
HOLANDA
NO POLÔNIA
EA

SACRO
OC

IMPÉRIO
FRANÇA

VENEZA
HUNGRIA
L
GA
TU

ESPANHA ESTADOS
R
PO

PAPAIS

SARDENHA

MAR MEDITERRÂNEO

POSSESSÕES ESPANHOLAS SICÍLIA


SACRO IMPÉRIO ÁFRICA

do Palatinato, para ser seu rei. A rebelião protestante na Boêmia foi o estopim para um
longo e sangrento conflito conhecido como “Guerra dos Trinta Anos”, do qual diversos
países europeus, por diferentes motivos, se envolveriam.
As operações militares começaram a ganhar vulto em 1619, quando Fernando
II, católico entusiasta, da Casa dos Habsburgos, sucedeu a Matias. O novo imperador
estabeleceu como principais objetivos fortalecer seu poder e acabar de vez com o pro-
testantismo no Sacro Império. Com o apoio da Liga Católica e da Espanha (governada
pelo rei católico Filipe III, também da dinastia Habsburgo), derrotou os rebeldes da Boêmia
e destronou Frederico V. Encorajado por esses sucessos, ocupou também o Palatinato,
região estratégica localizada no centro da Europa.
O fortalecimento do poder do imperador em detrimento dos “príncipes” pro-
testantes abalou o frágil equilíbrio de forças europeu, fazendo com que diversos monarcas
se dispusessem a tomar parte no conflito.
Em 1625, o rei Cristiano IV, da Dinamarca, que almejava tornar seu reino
hegemônico no mar Báltico e conquistar territórios do Sacro Império, interveio em apoio
aos protestantes. Suas tropas mal preparadas acabaram derrotadas por forças hispano-
imperiais comandadas pelos condes Albrecht Wallenstain e Johann T’Serklaes von Tilly.
A nova vitória fortaleceu ainda mais Fernando II, que forçou os “príncipes”
protestantes a assinar o Édito de Restituição, pelo qual estes deveriam devolver as terras
que haviam sido confiscadas da Igreja Católica durante a Reforma Religiosa. Esta medida
açulou ainda mais o ódio dos protestantes contra o imperador.

128
Após a vitória sobre os dinamarqueses, as forças de Wallenstain deram pros-
seguimento às suas operações, desencadeando uma série de ataques a portos localizados
no mar Báltico. Estes ataques descontentaram Gustavo Adolfo, soberano protestante da
Suécia, que também tencionava controlar o Báltico.
GustavoAdolfo contava com um dos melhores exércitos da Europa, organi-
zado e adestrado de forma semelhante às tropas holandesas quando comandadas por
Nassau.15O soberano sueco, no entanto, introduziu inovações para proporcionar às suas
tropas maior mobilidade e poder de fogo.
O Exército Sueco era organizado em brigadas compostas por regimentos de
infantaria, cavalaria e artilharia. Na infantaria, os mosqueteiros suplantavam os piqueiros
na proporção de dois para um, visando-se a um maior volume de fogo. Na cavalaria,
existiam unidades de couraceiros (cavalarianos pesados, equipados com couraças, apro-
priados para ações de choque) e de dragões (soldados que combatiam a pé ou a cavalo,
empregados para reconhecimentos e perseguições). Na artilharia, os regimentos foram
divididos em baterias de acordo com o calibre do canhão (de sítio ou de campanha).
A grande disponibilidade de minério de ferro na Suécia, usinado por meio de
técnicas modernas, permitiu a Gustavo Adolfo dotar, de forma padronizada, seu exército
com os melhores armamentos da época. Os atiradores da infantaria foram equipados com
mosquetes potentes e leves (sem forquilha para o apoio), superiores aos dos demais
exércitos; os cavalarianos foram providos de sabres e pistolas; e os artilheiros passaram a
fazer uso de canhões leves, de pequeno calibre, puxados por um cavalo ou por três
homens, que podiam ser deslocados facilmente nos campos de batalha em apoio à infan-
taria e à cavalaria.
Os soldados que compunham as guarnições das peças de pequeno calibre
eram capazes de realizar um tiro a cada três minutos, uma alta performance naquele tem-
po. Os artilheiros também empregavam a metralha: diversas esferas metálicas de peque-
no tamanho eram colocadas em um pequeno canhão; quando disparadas se espalhavam,
atingindo as densas formações inimigas.
O MERCANTILISMO

Os Estados Europeus, durante a Idade Moderna, adotaram uma política econômica


denominada Mercantilismo. A riqueza de um país era medida pela quantidade de metais
preciosos, principalmente ouro e prata, que possuísse em seu tesouro. As práticas varia-
ram de um Estado para outro, mas, de modo geral, procurava-se incentivar o desenvolvi-
mento das marinhas mercantes, estimular a produção manufatureira e agrícola, estabele-
cer monopólios coloniais e obter uma balança comercial favorável. Os espanhóis deram
ênfase à obtenção de ouro e prata, abundantes em suas colônias americanas; os france-
ses e, principalmente os ingleses, buscaram desenvolver o comércio e a indústria.
15
O Exército Holandês sob Nassau é detalhado no Capítulo 11.

129
Gustavo Adolfo criou um primitivo cartucho. Tratava-se de um invólucro de
papel no qual eram colocados o projétil e a pólvora necessária para o tiro. Quando o
atirador ia preparar seu armamento para o tiro, ele simplesmente rasgava o cartucho e
colocava o conteúdo deste no armamento, não precisando mais apanhar a pólvora e o
projétil em recipientes separados. Com isso, o atirador ganhava tempo, conseguindo
realizar disparos mais rapidamente.
O rei sueco não tinha recursos para contratar um grande número de mercená-
rios, por isso recrutou muitos de seus súditos para constituírem o exército, que, em virtude
disso, ganhou coesão e se tornou permanente.
Os soldados eram submetidos a uma rígida disciplina e a um rigoroso treina-
mento, no qual exercitavam movimentos individuais (manejo do armamento) e coletivos
(salvas de tiros e ordem unida). Havia também exercícios nos quais as unidades conjun-
tamente praticavam as manobras que executariam nos campos de batalha. Os combaten-
tes suecos eram encorajados a lutar por valores espirituais (defesa da religião protestan-
te) e materiais (pagamentos e concessões de terras).
Em 1630, Gustavo Adolfo interveio na guerra com vistas a expandir
territorialmente seu reino e, ao mesmo, tempo, auxiliar os protestantes. Logo após de-
sembarcar em território do Sacro Império, conquistou fortalezas e cidades localizadas
próximas ao litoral do mar Báltico. Em seguida, em 1631, venceu os imperiais na batalha
de Breitenfeld e ocupou Praga e Munique. Em 1632, no entanto, foi morto quando lidera-
va uma carga de cavalaria na Batalha de Lutzen, vencida por suas tropas.
Em sua rápida campanha, Gustavo Adolfo, fugindo do que era comum na
época, realizou movimentos rápidos buscando levar seus inimigos a batalhas campais,
embora por vezes fosse obrigado a realizar sítios. Também realizou operações durante o
inverno, quando normalmente as tropas se recolhiam aos quartéis. Procurou estabelecer
linhas de suprimento, ainda que, por vezes, tenha recorrido à requisição dos recursos da
região onde combatia.
INVASÕES HOLANDESAS AO BRASIL
Após as grandes navegações do final do século XV e início do XVI, diversos Esta-
dos europeus estabeleceram colônias em outros continentes. Devido a isso, os conflitos
militares entre países europeus se espalharam por todo o mundo.
Durante a Guerra dos Trinta Anos, o Brasil estava sob domínio espanhol. Os holan-
deses, em virtude de estarem em guerra contra os espanhóis, resolveram invadir o nor-
deste brasileiro, onde havia uma próspera produção açucareira.
Em 1624, soldados holandeses atacaram a Bahia, de onde foram expulsos no ano
seguinte. Mais tarde, em 1630, tropas holandesas invadiram com êxito Pernambuco, onde
se estabeleceram. O combate ao invasor, por parte principalmente de brasileiros, intensifi-
cou-se a partir de 1635. Após serem derrotados em duas batalhas decisivas nos montes
Guararapes, em 1648 e 1649, as forças da Holanda ficaram sitiadas em Recife, onde
capitularam em 1654.

130
FORMA DE EMPREGO USUAL DO EXÉRCITO DE GUSTAVO ADOLFO

7
6

SEGUNDA FASE

4 5
2
PRIMEIRA FASE

3 1

LEGENDA

MOSQUETEIROS PIQUEIROS CAVALARIA ARTILHARIA INIMIGO

Nos momentos que antecediam o combate, as unidades do exército eram dispos-


tas em três linhas. Os batalhões de infantaria (1) eram posicionados no centro do dispo-
sitivo e guardavam entre si intervalos suficientes para a realização de conversões. Arti-
lheiros com canhões leves se colocavam junto à infantaria para apoiá-la (2). Acavalaria
(3), apoiada por grupos de infantes (4), posicionava-se nas alas. A artilharia ficava à
frente do dispositivo (5).
A batalha era iniciada pela artilharia, que lançava seus fogos sobre as formações
inimigas. Emseguida, a infantaria atacava, cabendo aos mosqueteiros, que se posicionavam
à frente dos piqueiros, decidir o combate com seu poder de fogo (6). Os piqueiros
deveriam proteger os mosqueteiros das cargas da cavalaria e dos piqueiros inimigos, e,
ao mesmo tempo, ficar em condições de executar ações ofensivas que necessitassem de
seu poder de choque. A cavalaria atacava com seu poder de choque e fogo os flancos
da formação adversária (7).
Gustavo Adolfo procurou combinar as ações da infantaria, cavalaria e artilharia
durante o combate.

131
BATALHA DE BREITENFELD

2 1 3 12

14

4
10

13
11
9
8

16 15

7
6
5
SEGUNDA FASE 15
PRIMEIRA FASE
LEGENDA

SUECOS E SAXÕES INFANTARIA CAVALARIA ARTILHARIA

IMPERIAIS INFANTARIA CAVALARIA ARTILHARIA


Em 1631, nas proximidades da vila de Breitenfeld, ao norte de Leipzig, tropas suecas e
saxônias, sob o comando de Gustavo Adolfo, enfrentaram um exército imperial, comandado pelo
conde von Tilly. Em contenda estava o futuro do Sacro Império Romano-Germânico. Gustavo
Adolfo possuía um efetivo de cerca 42 mil homens (26 mil suecos e 16 mil aliados saxões); enquanto
Tilly contava com aproximadamente 36 mil homens. A artilharia dos protestantes era muito superior
à do adversário. O rei sueco escalonou suas forças em 3 linhas: no centro posicionou sua infantaria
e algumas frações de cavalaria (1); na ala direita colocou sua cavalaria apoiada por grupos de
infantes (2); na ala esquerda dispôs os infantes e cavalarianos saxões (3); à frente do dispositivo
mandou tomar posição a artilharia (4). Tilly desdobrou suas tropas de maneira semelhante: no
centro posicionou sua infantaria e algumas frações de cavalaria (5); na ala direita colocou sua
cavalaria reforçada por grupos de infantes (6); na ala esquerda dispôs os demais cavalarianos (7);
e à frente do dispositivo fixou sua artilharia (8). A batalha começou com o fogo das artilharias. A
artilharia de Gustavo Adolfo, muito superior, causou grandes baixas nas fileiras inimigas. Em segui-
da a cavalaria da ala esquerda imperial tentou atacar o flanco direito sueco (9), mas foi repelida pela
cavalaria sueca (10). Depois disso, cavalarianos e infantes imperiais da ala direita atacaram com
êxito os saxões (11), que, derrotados, retiraram-se do campo de batalha (12). A saída dos saxões
deixou o flanco esquerdo dos suecos vulnerável. Tilly ordenou que o grosso de suas forças atacas-
se o flanco exposto do inimigo (13). As forças suecas, porém, chegaram antes ao local por serem
mais ágeis, conseguindo deter a investida imperial (14). A manobra de Tilly fez girar a frente da
batalha. Gustavo Adolfo, então, reuniu suas reservas e atacou com êxito o flanco esquerdo e a
retaguarda de Tilly (15). Nessa manobra, o soberano sueco se apoderou dos canhões de Tilly (16),
passando a empregá-los contra os próprios imperiais. Atacados frontalmente, pelos flancos e pela
retaguarda, e ainda sofrendo fogos de artilharia, só restou aos imperiais, após uma luta desespera-
da, a rendição ou a retirada. Vitorioso, Gustavo Adolfo perdeu aproximadamente 3 mil homens; os
imperiais cerca de 19 mil (12 mil mortos e 7 mil capturados). A vitória demonstrou a superioridade
dos métodos militares suecos sobre os dos imperiais, que ainda tinham como base os terços
espanhóis.

132
Em 1635, em face dos fracassos suecos em Steinau e Nördlingen, a França,
uma nação católica, sentindo-se ameaçada pelo fortalecimento dos monarcas Habsburgos,
cujas possessões rodeavam seu território, entrou no conflito ao lado dos protestantes. Os
franceses desencadearam ofensivas com êxito no Sacro Império, nos Países Baixos Es-
panhóis (atual Bélgica), no noroeste da Itália e na fronteira espanhola.
Pressionado por franceses e suecos, o imperador Fernando III, que sucedeu
Fernando II, revogou, em 1641, o Édito de Restituição. Paralelamente, a Espanha, fiel
aliada dos imperadores do Sacro Império, passou a enfrentar revoltas internas na Catalunha,
no Reino de Nápoles e em Portugal, que recuperou sua independência em 1640, após
sessenta anos sob jugo espanhol.
Em 1643, os franceses, comandados por Luís II, príncipe de Condé, vence-
ram os espanhóis em Rocroi e sitiaram Viena, capital da Áustria. Todavia, uma guerra
entre a Suécia e a Dinamarca pelo controle do mar Báltico (1643-45) aliviou um pouco a
situação do imperador Fernando III, propiciando uma trégua que resultou em conferên-
cias de paz.
Em 1648, o Tratado de Westfália pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, da qual
também tomaram parte, desempenhando papéis secundários, a Holanda, o Papado, a
Polônia e a Inglaterra. Pelo acordo, que atendia claramente aos interesses dos protestan-
tes e franceses, ficou assegurada a liberdade religiosa nos Estados do Sacro Império; a
Espanha reconheceu a independência da Holanda; a França conseguiu anexar a Alsácia e
GUSTAVOADOLFOAPÓSABATALHADE BREITENFELD

133
outros territórios dos Habsburgos, a Suécia recebeu as terras que desejava no litoral do
mar Báltico; e os confiscos de terras da Igreja Católica realizados pelos príncipes protes-
tantes foram confirmados.
Em Westfália foram lançadas as bases do sistema político e jurídico contem-
porâneo, pois os Estados, pela primeira vez, claramente como atores internacionais prin-
cipais, chegaram a um acordo levando em conta as “razões de estado” em prejuízo de
valores morais ou religiosos.
O Sacro Império continuou dividido e saiu devastado da guerra. Durante o
conflito foi ocupado por diversos exércitos, a maioria formado por mercenários que
viviam da pilhagem. Um exército de cerca de vinte mil homens, por exemplo, rapidamente
exauria os recursos do local onde estacionava, já que era acompanhado por cerca de
outras trinta mil pessoas (mulheres, crianças, vagabundos, comerciantes, entre outros) e
milhares de cavalos. Como as campanhas eram frequentes, determinadas regiões não
conseguiam recuperar suas economias, o que significava falta de alimentos para seus
habitantes.
O soldo dos mercenários era pequeno e irregularmente pago, sendo frequen-
tes as deserções, desordens e violências. Os camponeses, aterrorizados e famintos, ti-
nham de optar entre combater as hordas, se juntar a elas ou esconder-se nas florestas. No
final da guerra, a população do Sacro Império se reduzia a dois terços do que somava
antes do conflito.
A grande vencedora da guerra foi a França, que, respaldada por um pode-
roso exército, passou a ser a nação hegemônica no continente europeu.

134
CAPÍTULO 13

O EXÉRCITO FRANCÊS NO
REINADO DE LUÍS XIV

“É exclusivamente na minha pessoa que reside o poder soberano... é só


de mim que os meus tribunais recebem a sua existência e a sua autorida-
de; a plenitude dessa autoridade, que eles exercem senão em meu nome,
permanece sempre em mim, e o seu uso não pode ser voltado nunca con-
tra mim; é a mim unicamente que pertence o poder legislativo sem de-
pendência e sem partilha... a ordem pública inteira emana de mim, e os
direitos e interesses da Nação, de que se ousa fazer um corpo separado
do Monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam uni-
camente em minhas mãos”. 16
Luís XIV, rei da França

No governo de Luís XIV, visto como paradigma do Absolutismo, a França


tornou-se o estado hegemônico da Europa.
Luís XIV nasceu em 1638, em Saint-Germain-En-Laye, durante a Guerra
dos Trinta Anos. Seu pai, Luís XIII, se envolvera nesse conflito visando, principalmente,
acabar com a expansão dos soberanos da Casa dos Habsburgos, cujos domínios perigo-
samente cercavam a França.
Ao longo do seu reinado, Luís XIII teve como primeiro-ministro o Cardeal
Richelieu, responsável por importantes reformas nas finanças, no exército e na legislação,
que resultaram no fortalecimento do poder real.
Em 1643, com a morte de seu genitor, Luís XIV tornou-se rei. Em virtude de
sua pouca idade, sua mãe, Ana da Áustria, tornou-se regente. Esta escolheu como conse-
lheiro um outro cardeal, Mazarino, que governou a França até a maioridade do novo
monarca.
No governo de Mazarino, com a assinatura do Tratado de Westfália, em
1648, a Guerra dos Trinta Anos terminou. A França, posicionada no lado vencedor,
emergiu como a principal potência do continente, recebendo dos soberanos Habsburgos,
que foram derrotados, a Alsácia e outros territórios.
No plano interno, os pesados impostos cobrados da burguesia e da popula-
ção mais pobre, para manter os esforços de guerra, levaram a revoltas urbanas e rurais
(Frondas), que foram severamente reprimidas, resultando em um fortalecimento ainda
maior do poder central.
16
apud FREITAS, 1976, p. 22.

135
EUROPA NO INÍCIO DO SÉCULO XVIII

NORUEGA

SUÉCIAMAR
IC O

MAR DO BÁLTICO
NORTE
NT

DINAMARCA
RÚSSIA

GRÃ-BRETÂNHA
AT

HOLANDA
NO

PRÚSSIA
EA

PAÍSES BAIXOS
POLÔNIA
OC

ESPANHÓIS

FRANÇA IMPÉRIO
SUÍÇA HABSBURGO
SABÓIA VENEZA
L

GÊNOVA
GA

MAR
IM NEGRO

TU

TOSCANA
ESPANHA ESTADOS RI
O
R

PAPAIS
OT
PO

OM
AN
DIVERSOS ESTADOS ALEMÃES O
POSSESSÕES ESPANHOLAS MAR
MEDITERRÂNEO
SACRO IMPÉRIO

Aregência de Ana terminou em 1651, mas somente em1661, com a morte de


Mazarino, Luís XIV passou a governar a França. Em sua administração, o monarca fran-
cês controlou o poder estatal, fomentou a agricultura e a indústria, estimulou a conquista
de novos mercados e colônias, desenvolveu a marinha mercante e de guerra, e moderni-
zou o exército. Tais medidas fortaleceram a economia e o poderio militar francês.
Na esfera internacional, Luís XIV pretendia, em um primeiro momento, con-
quistar territórios fronteiriços estratégicos para defesa da França, para, em seguida, ex-
pandir seus domínios até o rio Reno, considerado o limite natural de seu reino.
Logo no início de seu reinado, em 1659, Luís XIV firmou a Paz dos Pirineus
com a Espanha, pondo fim a um conflito que há muito se alongava. Os termos da paz
foram favoráveis à França, que recebeu da Espanha os territórios de Luxemburgo e do
Rossilhão. Pelo acordo, a princesa espanhola Maria Tereza, possuidora de um rico dote,
foi prometida a Luís XIV, para tornar-se sua esposa, o que ocorreu em 1660.
Algum tempo depois, em 1667, Luís XIV ordenou a invasão dos Países Bai-
xos Espanhóis (atual Bélgica), alegando que estes fariam parte da herança deixada pelo
rei espanhol Filipe IV a sua filha Maria Tereza. Os espanhóis reagiram à invasão, apoia-
dos pelos ingleses, holandeses e suecos, que temiam a supremacia francesa na Europa. A
luta se prolongou até 1668, terminando com a ocupação de parte dos Países Baixos
Espanhóis por tropas francesas.
Em 1672, o rei francês voltou à ofensiva, ao ordenar um ataque à Holanda,
tendo em vista colocar no governo deste país um líder favorável à França. Os holandeses

136
abriram os diques do mar do Norte, fazendo com que inundações detivessem o avanço
das tropas francesas. A Espanha e o Sacro Império resolveram apoiar militarmente a
Holanda, intensificando o conflito. Pelo Tratado de Nijmegen (1678-79) foi firmada a
paz: Luís XIV não atingiu seu objetivo inicial, mas a França foi beneficiada pelas divisões
territoriais acertadas.
A política de anexações territoriais de Luís XIV levou a Inglaterra, a Holanda,
o Sacro Império e a Espanha a se unirem em uma guerra contra a França. O conflito,
denominado Guerra dos Nove Anos, se prolongou de 1688 até 1697, terminando com a
vitória dos aliados.AFrança viu-se obrigada a restituir vários dos territórios recentemen-
te conquistados.
A última e mais sangrenta guerra travada por Luís XIV foi a da Sucessão
Espanhola, ocorrida entre 1702 e 1714. Devido à morte de Carlos II, rei da Espanha, o
trono espanhol coube a Filipe V, que era neto e herdeiro de Luís XIV. A união entre a
França e a Espanha representaria um grande perigo para a manutenção do equilíbrio
europeu. Para evitar tal unificação, o Sacro Império, a Inglaterra, a Holanda e Portugal
formaram uma coligação contra a França e a Espanha.
Inicialmente, nos anos de 1702 e 1703, os franceses obtiveram vitórias em
batalhas travadas no Sacro Império. Entre 1704 e 1707, no entanto, os sucessos passa-
ram para o lado dos países coligados, que venceram os franceses em diversos encontros.
Nos anos de 1709 e 1712, os membros da liga chegaram a invadir a França, mas acaba-
ram repelidos.
A falta de recursos da França O ABSOLUTISMO
e desacordos dentro da Liga levaram os O absolutismo foi o regime político
beligerantes a acordos de paz. Pelos trata- preponderante na Europa durante a Idade
dos de Utrecht (1713), de Rastatt e de Moderna. Era respaldado pela teoria de
Baden (1714), Filipe V foi reconhecido rei que os reis eram colocados no poder por
da Espanha, mas teve de renunciar ao tro- Deus, devendo somente a Este justificar-
no francês; a Espanha perdeu Gibraltar e se. Desse modo, os monarcas teriam o di-
Minorca para a Inglaterra; a França cedeu reito divino de dirigir seus estados de for-
a Acádia e a Terra Nova (colônias locali- ma absoluta, concentrando os poderes de
zadas na América do Norte) para a Ingla- legislar, aplicar a justiça, dirigir exércitos,
terra e aceitou o controle do Sacro Impé- entre muitos outros, sem a ingerência de
rio sobre os Países Baixos Espanhóis, o qualquer pessoa ou órgão. O absolutis-
Ducado de Milão e o Reino de Nápoles. mo monárquico, na maioria dos casos, foi
Durante o reinado de Luís XIV, mais uma pretensão dos monarcas do que
o Exército Francês foi modernizado, pas- uma realidade, já que os soberanos en-
sando a ser constituído por unidades per- contravam resistências por parte de di-
manentes e regulares, que tinhamuniformes, versos segmentos da sociedade, principal-
armamentos, adestramento e hierarquia mente da nobreza.

137
BATALHA DE MALPLAQUET
PRIMEIRA FASE SEGUNDA FASE

8
8
6
10 12
9 10 9

1
3 3
4
11 11
2 13
13
13
5

FRANCESES ALIADOS

INFANTARIA INFANTARIA
LEGENDA
CAVALARIA CAVALARIA

ARTILHARIA
Em 1709, durante a Guerra da Sucessão espanhola, em Malplaquet, no nordeste da França, tropas
francesas, lideradas por Vilars, enfrentaram tropas da Inglaterra, Holanda e Áustria (aliados), comandadas por
Marlborough e pelo príncipe Eugênio. Em disputa estava a hegemonia da França sobre a Europa. Marlborough
e Eugênio estavam realizando uma campanha ofensiva no nordeste da França, e o próximo objetivo deles era a
conquista da cidade de Mons. Os franceses receavam perder Mons, em virtude disso Vilars resolveu interceptar
as tropas aliadas em Malplaquet. Os efetivos dos contendores eram equivalentes, aproximadamente 90 mil
homens. Vilars mandou construir fortificações (1) entre e dentro de dois bosques que ficavam no local onde
pretendia dar combate ao inimigo; em seguida posicionou o centro de suas forças entre os dois bosques (2) e
as tropas dos flancos no interior dos bosques (3); a infantaria foi colocada na primeira linha (4) e a cavalaria na
segunda (5), acompanhadas por peças de artilharia. Marlborough e Eugênio também dispuseram a infantaria à
frente (6) e a cavalaria à retaguarda (7). Os comandantes aliados pretendiam inicialmente atacar os flancos do
inimigo, para que os franceses enviassem reforços do centro para as alas, desguarnecendo, em consequência, sua
posição central; essa então seria atacada pelos aliados quando estivesse suficientemente fraca. Marlborough e
Eugênio atacaram, então, os flancos franceses (8). No entanto, as tropas aliadas atacaram vagarosamente em
fileiras, passando a sofrer pesadas baixas, decorrentes dos fogos oriundos da artilharia e da infantaria francesa
que estavam nos bosques (9). Marlborough e Eugênio se viram obrigados a empregar mais tropas do centro para
reforçar os ataques nas alas (10); o mesmo fez Vilars para resistir ao ataque inimigo (11). Em dado momento
Marlborough e Eugênio perceberam que o centro francês se esvaziara; ordenaram, então, que a cavalaria aliada
atacasse aquele setor (12). Vilars, por sua vez, determinou que a cavalaria francesa fechasse a brecha, atacando
a cavalaria aliada (13). Os dois corpos de cavalaria, assim como as infantarias, se exauriram em um combate
indefinido. O embate se estendeu até Vilars achar por bem ordenar a retirada, o que se deu em boa ordem. Os
aliados, desgastados, não tiveram condições de perseguir o inimigo. Devido à retirada francesa, os aliados se
consideram vitoriosos, mas sua baixas, por volta de 25 mil, foram mais do que o dobro das francesas. Em 1712,
em um novo encontro, em Denain, Vilars venceria os aliados, iniciando-se, em consequência, negociações de paz.

138
padronizados. Em tempo de guerra, os franceses chegaram a contar com um efetivo de
cerca de trezentos mil homens, todos pagos, supridos, equipados e alojados pelo estado.
A infantaria foi dividida em regimentos, formados por batalhões, que por sua
vez eram divididos em companhias. Dentre estas, havia uma de granadeiros, integrada
por homens selecionados que, além de seu armamento, portavam granadas destinadas a
desalojar o inimigo de fortificações.
A cavalaria era formada por unidades de couraceiros (cavalarianos pesa-
dos, equipados com couraças, aptos para realizar cargas sobre as formações inimigas),
hussardos (cavalarianos leves, não usavam armaduras, apropriados para reconhecimen-
tos e perseguições) e dragões (soldados capazes de combater a pé ou a cavalo, pois
usavam armas de fogo e brancas).17
No final do século XVII, os franceses criaram a Artilharia Real, composta
por cerca de cinco mil homens, grupados em regimentos, destinados exclusivamente aos
serviços de artilharia. Antes disso, os canhões eram fornecidos por civis e operados por
infantes. Nessa época, a artilharia possuía canhões capazes de disparar projéteis maciços
até uma distância de quatrocentos metros.
A disciplina e o treinamento das tropas eram rigorosos. Para manter a disci-
plina era normal recorrer-se a castigos físicos, impostos por tribunais criados para julgar
os delitos dos soldados. Cada soldado era instruído arduamente, a fim de que realizasse
com perfeição e rapidez os movimentos individuais e coletivos que deveria executar nos
campos de batalha.
Procurando diminuir a importância das tropas mercenárias, Luís XIV procu-
rou recrutar em seu próprio reino os componentes de seus regimentos. Para isso foi cria-
do o sistema de “alistamentos voluntários”, através do qual os futuros soldados se incor-
poravam voluntariamente ao exército. Muitas pessoas, em virtude de sua condição pau-
pérrima, ou, por vezes, ludibriadas a respeito das reais condições de serviço, aceitavam
preencher as fileiras. Amaioria desses soldados, servindo junto por longo tempo, adqui-
ria um forte espírito de corpo, passando a enfrentar as agruras das campanhas predomi-
nantemente pela honra pessoal e do seu regimento.
Foram criadas também as milícias, constituídas por homens recrutados nas
comunas, vilas e aldeias, que deveriam realizar a defesa de sua província. Em certas oca-
siões, quando os conflitos se prolongavam, recorria-se aos milicianos para se completar
as tropas regulares. Os milicianos treinavam normalmente nos finais de semana e feriados,
grupados em companhias de cerca de cinquenta homens.
Hospitais de campanha e serviços de ambulância foram criados para atender
ao exército, embora o tratamento médico fosse pouco eficaz. Este consistia em cauterizar
os ferimentos com óleo fervente e amputar membros destroçados. Além disso, o descui-
do em relação a aspectos sanitários levava à morte milhares de soldados, acometidos por
doenças como tifo e disenteria.
1 7 Asnomenclaturas, as missões e os armamentos das diferentes especialidades de cavalaria variaram conforme o país ou época. Por exem-
plo, Gustavo Adolfo empregava dragões e não hussardos para reconhecimentos e perseguições, e, na Polônia, hussardos, no sé-
culo XVII, eram cavalarianos pesados e não leves.
139
O FUZIL E A BAIONETA

2
4
1

Na segunda metade do século XVII, ocorreu o advento das armas de fogo de pederneira e
da baioneta.
As armas de fogo de pederneira eram disparadas da seguinte forma: uma pedra de peder-
neira (1) era colocada em um cão ( 2); o acionamento do gatilho (3) liberava o cão que conduzia a
pedra de pederneira de encontro a uma parte metálica do armamento denominada “fuzil” (4). O
choque da pedra de pederneira com o “fuzil” produzia faíscas que atingiam a escorva, o que
detonava a carga principal, deflagrando o disparo. Com o passar do tempo, a arma de fogo de cano
longo utilizada pelos infantes passou a ser chamada fuzil,18em alusão à parte metálica do armamento
na qual a pederneira se chocava.
O fuzil de pederneira era mais leve do que o mosquete antes utilizado. Era capaz de disparar
um projétil esférico a uma distância de duzentos metros, embora este só causasse danos sérios até
um alcance de cerca de cinquenta metros.
A baioneta surgiu em Bayonne, na França. Consistia de um pequeno sabre que era acoplado
ao fuzil. As primeiras baionetas, de madeira reforçada por ferro, eram colocadas na “boca” do fuzil,
tendo, em consequência, a inconveniência de impedir o disparo enquanto estivessem conectadas
à arma de fogo. O militar francês Sébastien Le Prestre, marquês de Vauban, resolveu este problema
ao criar a baioneta de alvado, que era acoplada ao cano sem impedir o tiro.
A adoção do fuzil com baioneta tornou os piqueiros desnecessários, pois os soldados que
portavam os fuzis (fuzileiros) passaram a contar com um armamento que oferecia ao mesmo tempo
poder de fogo e choque.
O fuzil de pederneira era mais facilmente recarregado do que as armas de fogo anteriores,
possibilitando aos soldados realizar de dois a três disparos por minuto. Em consequência, houve a
redução do número de soldados nas filas, de seis para três, o que acarretou, por sua vez, um
prolongamento das formações lineares e um maior volume de fogos nos campos de batalha. As
longas formações lineares, todavia, tinham os inconvenientes da pouca mobilidade e flexibilidade,
além da grande vulnerabilidade a ataques pelos flancos, devido à pouca profundidade.
18. O termo foi adotado na França (“fusil”) e, por influência desta, no Brasil. Nos Estados Unidos, o mesmo armamento é chamado de rifle.

140
Luís XIV mandou construir dezenas de fortalezas estratégicas ao longo das
fronteiras francesas, que, além da finalidade defensiva, serviam como postos de supri-
mento e alojamento de tropas.
O maior especialista do período na construção e assédio de fortalezas foi o
marquês de Vauban. Suas fortificações eram construídas com uma série de valas, paredes
baixas, trincheiras e bastiões que as tornava muito resistentes às investidas inimigas.
Vauban comandou também muitos sítios, desenvolvendo engenhosos siste-
mas de aproche, que proporcionavam a conquista das fortificações inimigas com um mí-
nimo de perdas.
CIDADE DE ELVAS, FORTIFICADA DE ACORDO COM O SISTEMA DE VAUBAN

ESQUEMA DE APROCHE

3
1 1
5

4 4
5
2
5
5
5 3

1- FORTALEZA
2 - PARALELA
LEGENDA: 3 - ENTRADA DE PARALELA
4 - TRINCHEIRA AVANÇADA
5- POSIÇÃO DAS BATERIAS DE ARTILHARIA

141
FORMA DE EMPREGO USUAL DO EXÉRCITO FRANCÊS

2
1
4
140
BATALHÃO DE CAVALARIA ARTILHARIA INIMIGO
INFANTARIA
Nas batalhas campais, a infantaria era disposta no centro do dispositivo em duas ou
três linhas de batalhões, dentro dos quais os soldados se posicionavam em três fileiras (1). A
cavalaria era colocada nos flancos (2). A artilharia era instalada à frente da primeira linha (3) para
apoiar diretamente os batalhões, ou em outros locais de onde pudesse apoiar a manobra geral do
exército (4). Após os fogos iniciais da artilharia, a infantaria avançava sobre o inimigo. Os fuzilei-
ros, ao progredirem, disparavam, a comando, saraivadas de tiros, para que seus fogos tivessem
maior impacto sobre o inimigo. O combate corpo-a-corpo que se seguia, a golpes de baioneta,
muitas vezes decidia o embate. A cavalaria procurava atacar pelos flancos, apoiando o ataque da
infantaria.

No tempo de Luís XIV, os exércitos em campanha tinham pouca liberdade de


manobra, pois eram obrigados a seguir morosamente por péssimas rotas que passavam
pelos postos de suprimento localizados nas fortificações (distanciados normalmente a três
dias de marcha). Sendo assim, os embates eram travados objetivando-se principalmente
a defesa ou a conquista de praças fortificadas.
As guerras de movimento eram raras, e as poucas batalhas campais que ocor-
riam não eram normalmente decisivas, pois a maioria dos generais não dava prossegui-
mento às operações, por temerem distanciar-se dos seus postos de abastecimento. En-
tretanto, alguns comandantes, como Condé, Turenne, Villars, Marlborough e o príncipe
Eugênio, ousaram realizar operações de longo alcance e batalhas decisivas, conseguindo
grandes êxitos.
Luís XIV faleceu em 1715 sem conseguir estender as fronteiras francesas até
o rio Reno. No final do seu reinado, gastos excessivos com a corte e as constantes guer-
ras haviam arruinado a economia e as finanças, iniciando um processo que poria fim ao
absolutismo na França. Antes disso, porém, destacar-se-iam na França, uma série de
pensadores militares, e na Prússia, o Exército de Frederico II.

142
CAPÍTULO 14

O EXÉRCITO PRUSSIANO E O PENSAMENTO


MILITAR FRANCÊS NO SÉCULO XVIII

“Se durante uma campanha, um soldado der indícios de que deseja fugir
ou sair de linha (...) o oficial que estiver por detrás dele deve atravessá-
lo com a sua baioneta e matá-lo na hora”.
“Acima de tudo, o soldado raso nunca deve ter permissão para pensar.
Ninguém raciocina, todos obedecem”.19
Frederico II, rei da Prússia

O Reino da Prússia surgiu em 1701, fruto da reunião de diversos territórios


esparsos, situados no norte do Sacro Império Romano, anexados ou conquistados pela
dinastia dos Hohenzollern. O primeiro rei prussiano, Frederico I, estabeleceu como capi-
tal de seu reino a cidade de Berlim.
Em 1713, Frederico I foi sucedido por Frederico Guilherme I, que realizou
profundas reformas: criou um corpo administrativo para difundir e fiscalizar as ordens
reais, tornou o ensino primário obrigatório, saneou as finanças, estimulou atividades
manufatureiras e colonizou áreas incultas. Tais medidas contribuíram para que a Prússia se
tornasse um Estado respeitado na Europa.
O monarca prussiano também deu ênfase à modernização do exército. Os
soldados passaram a ser prioritariamente recrutados no próprio reino, por meio do
voluntariado e de um sistema distrital (cada distrito deveria obrigatoriamente fornecer
determinado número de camponeses para o serviço militar, por tempo indefinido). Os
oficiais provinham da nobreza (junkers), sendo instruídos em uma escola militar. O treina-
mento das tropas passou a ser exaustivo e minucioso, fazendo com que os soldados
prussianos impressionassem pela regularidade de suas salvas de tiro e pela rapidez, si-
multaneidade e disciplina de seus movimentos conjuntos. O adestramento deveria
condicionar os soldados a portarem-se como “autômatos” quando em combate, com a
única preocupação de seguir as ordens de seus oficiais.
Em 1716, o rei mandou substituir, em todo o exército, a vareta de madeira
do fuzil por outra de ferro, mais resistente, que permitia aos prussianos manuseá-la com
menos cuidado, carregando, em consequência, seus fuzis com mais rapidez.
19
apud História em revista: a arte da guerra, 1993. p. 84.

143
Na época de Frederico Guilherme I, os comandantes militares prussianos
priorizavam o fogo ao movimento. Para o assalto a uma posição inimiga, os soldados
eram dispostos em três fileiras e atacavam a passo de marcha, para evitar desalinhamentos.
Enquanto avançavam, disparavam, a comando, salvas regulares, visando atingir a forma-
ção inimiga com um volume denso de fogo. Para a salva, a primeira fileira de atiradores
ficava de joelhos, a segunda em pé e curvada, e a última completamente em pé, de modo
que todos pudessem realizar o disparo simultaneamente. Não havia grande preocupação
em se fazer a pontaria, devido à imprecisão do armamento. Cerca de vinte passos do
objetivo, os fuzileiros disparavam a última salva, para depois abordarem o inimigo à
baioneta. Na defensiva, o dispositivo linear também era adotado, pois possibilitava a
defesa de frentes extensas; era, no entanto, vulnerável a ataques pelos flancos.
O desenrolar da batalha era planejado de antemão. Devido à rigidez das
formações, os comandantes tinham poucas possibilidades de interferir no combate depois
deste começado. Tanto em uma ofensiva como em uma defensiva, os soldados eram
obrigados a manter a coesão das fileiras, mesmo sofrendo cerrados fogos do inimigo. Isso
só era conseguido por tropas altamente disciplinadas, o que explica o rigor a que eram
submetidos os combatentes durante os treinamentos.
Para o tiro tenso, a artilharia prussiana foi dotada de canhões de diversos
calibres, de bronze, alma lisa e carregamento antecarga; para o tiro curvo, existiam mor-
teiros e obuseiros. Os projéteis utilizados eram redondos ou alongados, maciços ou ocos.
Alguns, depois de disparados, explodiam sobre a formação adversária, lançando estilha-
ços sobre o inimigo.
Dependendo do calibre e do adestramento, as guarnições das peças de
artilharia podiam disparar até três tiros por minuto. Os artilheiros procuravam aumentar o
efeito dos projéteis, fazendo-os ricochetear; isso era conseguido por meio de inclinações
dadas às peças. Os alvos dos canhões geralmente eram as compactas formações e os
entrincheiramentos inimigos.
TOMADA DO DISPOSITIVO DO EXÉRCITO PRUSSIANO PARAA BATALHA

As unidades do Exército
Prussiano faziam a marcha para o
combate em colunas (1). Quando
chegavam ao local do embate, as
1 3 colunas marchavam paralelamente
4
(2) ao longo da linha inimiga (3);
2
após o alto, os soldados faziam um
movimento de conversão de base
fixa na direção do inimigo (4); fi-
cando, desse modo, o exército todo
posicionado em linha defronte ao
adversário.

144
A artilharia, porém, era bastante imprecisa e pesada. A maioria das peças,
salvo as de menor calibre, permaneciam em suas posições durante o desenrolar da bata-
lha. Em caso de retirada forçada, grande parte dos canhões permanecia no campo de
batalha, caindo em mãos inimigas.
A cavalaria prussiana formava em esquadrões e carregava a galope, a fim
de diminuir o tempo de exposição aos fogos do inimigo e aumentar o poder de choque.
Era empregada normalmente contra os flancos do inimigo, depois destes já haverem sido
abalados pelo fogo da infantaria e artilharia.
Em 1740, Frederico Guilherme I foi sucedido por Frederico II, que aumen-
tou o efetivo do exército para cerca de cem mil homens, distribuindo-os em regimentos.
O novo monarca, em suas campanhas, se mostraria adepto das batalhas decisivas, da
guerra de movimento, da mobilidade, da iniciativa e das fintas (faria muito uso do terreno,
da escuridão, de nevoeiros, a fim de dissimular suas manobras e ludibriar seus adversá-
rios). Além disso, antes de combater, mostrava preocupação em descobrir os pontos
fracos do inimigo.
Ele foi um déspota esclarecido, que dirigia pessoalmente a administração, a
política externa e o Exército Prussiano. Seguia os mesmos princípios de seus antecessores:
resguardar a Prússia de invasões e engrandecê-la. Devido a essa política, ao longo de seu
reinado, viu-se envolvido em diversas guerras.
O monarca prussiano teve seu batismo de fogo na Guerra da Sucessão Aus-
tríaca. Este conflito teve origem em 1740, quando Carlos VI, dos Habsburgos, morreu,

FREDERICO II LIDERANDO SUAS TROPAS NA BATALHA DE LEUTHEN

145
TOMADA DO DISPOSITIVO DO EXÉRCITO
PRUSSIANO EM ORDEM OBLÍQUA

7
4

1 2

3 6

A principal contribuição tática de Frederico foi a substituição da ordem paralela pela oblíqua.
Após as tropas se posicionarem paralelamente (1) ao inimigo (2), os batalhões que estavam na ala
de onde sairia o ataque principal posicionar-se-iam de forma oblíqua ao inimigo (3), enquanto a ala
que executaria um ataque secundário manter-se-ia paralela ao adversário (4). Para a tomada do
dispositivo em ordem oblíqua, normalmente um primeiro regimento, posicionado na extremidade da
ala que executaria o ataque principal, avançava um pouco à frente do que estava a seu lado, esse um
pouco à frente do terceiro, e assim se seguia. As reservas eram posicionadas à retaguarda do flanco
que iria se engajar primeiramente no combate (5). Desse modo, esse flanco ficava mais forte do que
o do adversário. Iniciado o ataque, as forças que estavam no flanco mais forte procuravam desbordar
as linhas adversárias (6); enquanto as que estavam na ala mais fraca realizavam um ataque para fixar
as forças oponentes (7). O inimigo, surpreendido, não tinha tempo para alterar o seu dispositivo a
fim de enfrentar o ataque de flanco, sendo derrotado.

legando parte dos Países Baixos e os tronos do Sacro Império Romano, da Áustria, da
Hungria e da Boêmia para sua filha Maria Teresa.
A nova soberana, no entanto, herdou também um exército pouco expressivo
e um tesouro vazio. Tais fraquezas levaram muitos soberanos europeus a pressionarem-
na. Carlos Alberto, Eleitor da Baviera reclamou a coroa do Sacro Império Romano para
si, enquanto outros monarcas, entre os quais Frederico II, reivindicavam partes do territó-
rio dos Habsburgos. Ela recusou-se a atender às reivindicações, recebendo, por isso,
diversas declarações de guerra.
Em 1741, Frederico II se apoderou da rica região da Silésia, depois de
vencer as tropas austríacas de Maria Teresa. Paralelamente, os franceses, com o apoio
dos bávaros, ocuparam a Boêmia e parte da Áustria. Em seguida, em 1742, Carlos
Alberto conseguiu ser eleito sacro imperador, sob o nome de Carlos VII (faleceu em
1745, passando o trono a Francisco I, que se havia casado com Maria Teresa).
As forças em guerra, porém, acabaram se equilibrando, pois os ingleses, que
se encontravam em conflito contra a França, por questões mercantis e coloniais, resolve-
ram apoiar Maria Teresa.

146
A guerra prolongou-se até 1748, quando foi assinado o Tratado de Aix-la-
chapelle. Esse acordo não trouxe grandes mudanças nas fronteiras europeias. Maria Te-
resa cedeu alguns territórios, mas teve assegurada a sua permanência nos tronos da Áus-
tria, Hungria e Boêmia, além de garantir a posse de parte dos Países Baixos. Quem obte-
ve mais ganhos foi Frederico II, que conseguiu, pelo Tratado de Dresden, de 1745, a
anexação da Silésia à Prússia.
Maria Teresa, no entanto, não se conformou com a perda da Silésia. Pensan-
do numa revanche contra os prussianos, conseguiu forjar uma aliança coma Rússia, Saxônia,
Suécia e França. Frederico II, preocupado, aliou-se à Inglaterra, que novamente estava
.
em guerra contra a França.
As tensões resultaram na Guerra dos Sete Anos (1756-63). Dessa vez,
Frederico II estava em desvantagem, cercado por oponentes que conjuntamente lhe
eram muito superiores (Frederico dispunha de cerca de cento e cinquenta mil soldados,
enquanto seus adversários poderiam reunir quatrocentos e cinquenta mil). Em face da
situação, o rei prussiano resolveu vencer seus inimigos executando manobras em linhas
interiores, ou seja, tomaria a iniciativa, atacando rapidamente um inimigo de cada vez, sem
deixar que seus adversários unissem suas forças. Isso poderia ser feito graças à maior
mobilidade dos exércitos prussianos, que poderiam marchar rapidamente pelas boas
estradas da Prússia, enquanto seus adversários teriam de percorrer lentamente grandes
distâncias, por péssimos caminhos, se quisessem reunir suas forças.
Frederico II tomou a iniciativa e invadiu a Saxônia em 1756, dando início à
guerra na Europa (franceses e ingleses já se enfrentavam em outros continentes).
Ele não obteve inicial-
O ILUMINISMO E OS
mente os resultados esperados, que
DÉSPOTAS ESCLARECIDOS
visavam à subjugação da Áustria.
O Iluminismo foi um movimento inte-
Acabou, posteriormente, atacado em
lectual que surgiu na Inglaterra no final do
diversas frentes. Estando em situação
século XVII e atingiu seu auge na França no
difícil, passou a acorrer com o gros-
século XVIII. De maneira geral, seus adep-
so de suas tropas para onde o perigo
tos pregavam o predomínio da razão, a tole-
era mais iminente; conseguindo ven-
rância religiosa, a igualdade social e a liber-
cer espetacularmente batalhas como
dade de expressão. Contestavam o sistema
as de Rossbach, Leuthen e Praga, mas
absolutista e o Mercantilismo.
também sofrendo terríveis reveses,
Alguns soberanos absolutos europeus,
como os ocorridos nos combates de
entre os quais Frederico II, procuraram con-
Maxen e Kunersdorf. Berlim chegou
ciliar ideias iluministas a suas práticas go-
a ser ocupada duas vezes por tropas
vernamentais, desde que isso não interferis-
inimigas. No entanto, o rei prussiano,
se em seu poder absoluto, tornando-se co-
manobrando rapidamente, acabou li-
nhecidos como déspotas esclarecidos.
bertando-a.

147
BATALHA DE LEUTHEN

5
4
2
3

1 LEGENDA

6
PRUSSIANOS

AUSTRÍACOS
7
9
8

Em 1757, durante a Guerra dos Sete Anos, em Leuthen, na Silésia, tropas prussianas,
lideradas por Frederico II, enfrentaram um exército austríaco, comandado pelo Príncipe
de Lorena. Em disputa estava o controle da rica região da Silésia. Frederico II possuía
cerca de 50 mil homens e 60 canhões; enquanto o Príncipe de Lorena contava com
aproximadamente 80 mil homens e 150 canhões. O Príncipe de Lorena escalonou suas
forças em 3 linhas numa frente de 8 quilômetros (1); a 3ª linha constituía a reserva,
formada predominantemente por cavalaria. Os prussianos, que marchavam desde
Naumarckt (2), fizeram uma parada ao se defrontar com a linha inimiga (3) que barrava
sua progressão. Frederico ordenou, então, que parte de suas forças realizasse um ataque
(reconhecimento em força) sobre a ala direita austríaca, para verificar o poder do inimigo
(4). Os austríacos preocuparam-se com esse ataque, passando a deslocar suas forças de
reserva e da ala esquerda para o flanco atacado (5). Frederico percebeu a movimenta-
ção austríaca. Aproveitando-se de elevações (6) que impediam a visão dos austríacos
sobre o grosso das forças prussianas, deslocou suas tropas para o flanco esquerdo do
inimigo (7), posicionando-as obliquamente ao dispositivo do adversário (8). Estando com o
dispositivo pronto, Frederico atacou o flanco do inimigo (9). Foi somente nesse momento
que o surpreendido Príncipe de Lorena percebeu as reais intenções dos prussianos. Ten-
tou girar o dispositivo para fazer frente à investida prussiana, mas seus soldados não
executaram o movimento em boa ordem, sendo totalmente batidos pelos adversários. Em
grande confusão, os austríacos se retiraram do campo de batalha, coroando a brilhante
vitória de Frederico II. Os prussianos perderam cerca de 2 mil homens; os austríacos por
volta de 20 mil (mortos, feridos e aprisionados) e grande parte de seus canhões.

148
Estando os beligerantes esgotados, em 1763 foi firmado o Tratado de Paris,
que apontava para uma vitória anglo-prussiana. Os franceses tiveram de ceder para a
Inglaterra o Canadá, o Vale do Ohio, territórios na margem esquerda do rio Mississipi,
ilhas nas Antilhas e o controle da Índia. A Espanha, que tardiamente entrou na guerra ao
lado da França, perdeu a Flórida para os ingleses, mas, para compensar, recebeu dos
franceses a Luisiana.20 Maria Teresa teve de reconhecer o domínio prussiano na Silésia de
forma definitiva.
Em 1772, Frederico aumentou o território prussiano ao participar, juntamente
com os soberanos da Áustria e da Rússia, da primeira partilha da Polônia. Quatorze anos
depois, faleceu, deixando a Prússia como uma prestigiada potência.
Também no século XVIII, na França, estrategistas e pensadores começa-
ram a refletir sobre as razões que levavam seu exército geralmente a fracassar quando se
defrontava com tropas que seguiam os métodos de combate prussianos. A partir das
análises, começaram a propor reformas na força terrestre francesa, algumas das quais
seriam implementadas.
Inicialmente consideravam que os métodos mecânicos postos enfaticamente
em prática no Exército Prussiano não se adaptavam ao espírito dos soldados franceses.
Para compensar essa inadaptação, seria necessária a introdução de novas táticas no Exér-
cito Francês. Essas deveriam explorar falhas existentes nas práticas do Exército Prussiano
e de outros que atuavam de forma semelhante. Verificaram, então, que as tropas prussianas
e outras similares tinham dificuldades para tomar a formação em linha e atacar uniforme-
mente. Para vencê-las, sem imitar seus métodos, seria essencial atacá-las antes que elas
estivessem com o dispositivo pronto. O ataque deveria ser feito por meio de uma carga,
em passo acelerado e em coluna, por soldados posicionados em ordem profunda, alguns
portando lanças, que deveriam penetrar nas linhas adversárias, para dividi-las pelo cho-
que. Desse modo, o movimento triunfaria sobre o fogo. Tal processo de combate sofreu
muitas críticas, pois temia-se que as colunas fossem dizimadas pelo fogo antes que
efetivamente conseguissem atuar sobre a formação inimiga. Na defensiva, concluíram que
ainda caberia o posicionamento do maior número possível de homens em linha, por con-
siderarem ser esta formação a mais adequada para se resistir a uma ofensiva inimiga.
Defendeu-se também a criação de grupos de atiradores dotados de equipa-
mentos leves (caçadores), que atuariam de forma dispersa no terreno. Por iniciativa pró-
pria, disparando isoladamente, esses soldados atacariam as compactas formações da
infantaria, as guarnições dos canhões e os flancos da cavalaria, visando a abalar o moral e
desorganizar o inimigo. Durante a ação, os caçadores poderiam se abrigar no terreno,
livrando-se das salvas da infantaria inimiga. Os caçadores também teriam condições de
ser empregados para fazer a segurança das tropas que atacassem em coluna, até que
2 0 As colônias mudaram de mãos várias vezes, de acordo com os resultados das guerras entre os países europeus. Desse modo, a Flórida voltou a ser controlada
pelos espanhóis em 1783, e a Luisiana pelos franceses em 1800.

149
estas entrassem em contato com as fileiras inimigas. Em 1766, ocorreu a criação oficial
das companhias de caçadores, cada uma delas incorporando-se a um regimento.
Os oficiais franceses também entenderam que o uso das salvas de fogos ne-
cessitava ser flexibilizado. Sendo assim, o soldado deveria disparar à vontade, fazendo
pontaria sobre alvos compensadores. Em 1776, o fogo livre, após a primeira salva, foi
introduzido oficialmente no Exército Francês.
Nesse período, o oficial francês Gribeauval destacou-se por realizar impor-
tantes reformas na artilharia de campanha francesa, que a deixaram com maior mobilida-
de. Gribeauval tornou mais leves as peças de campanha, reduzindo-lhes o comprimento e
a espessura. Adotou o timão, no qual atrelou cavalos em parelhas, em vez de um atrás do
outro, como era usual. Passou a utilizar a prolonga (corda que liga a vários metros de
distância a carreta ao armão). Tais inovações tornaram a tração mais eficaz, facilitando o
deslocamento das peças em terrenos acidentados, a trote ou galope.

ASPECTOS DO SISTEMA GRIBEAUVAL

3 5

2
5 4

LEGENDA: 1. CANHÃO - 2. TIMÃO - 3. CARRETA - 4. PROLONGA - 5. ARMÃO

150
Gribeauval aumentou também a eficácia da artilharia, quadruplicando seu al-
cance (o projétil do canhão de doze libras, cerca de seis quilogramas, podia chegar a mil
e duzentos metros). Os canhões começaram a ser confeccionados em tornos, e os ofi-
ciais habituaram-se a inspecionar as peças para verificar se estas não tinham defeitos que
poderiam redundar em uma explosão acidental. Os canhões passaram a contar com dis-
positivos de pontaria dotados de alça e massa de mira, tornando-se mais precisos.
Gribeauval acabou nomeado inspetor-geral da artilharia em 1776, e seu sistema foi adotado
pelos franceses.
Quanto à cavalaria, consideraram os pensadores militares que esta deveria
atuar preferencialmente em colunas, para abrir brechas na formação defensiva inimiga.
Em relação às forças morais, o conde de Guibert considerava que os exérci-
tos deveriam ser formados por soldados amantes do solo pátrio, ao invés de serem cons-
tituídos por mercenários ou homens recrutados à força, que pouco ou nada sabiam sobre
a causa pela qual combatiam. Chegou a tal conclusão após constatar o entusiasmo e a
energia demonstrados pelos colonos norte-americanos, quando livremente lutaram pela
independência de sua pátria. Guibert também preconizava que os exércitos deveriam vi-
ver dos recursos locais, libertando-se das restrições impostas pelo sistema de armazéns,
o que possibilitaria a guerra de movimento e a supressão dos sítios.
Finalmente, de maneira geral, os
pensadores franceses defendiamos movimen- AS “DIVISÕES”
tos flanqueantes, a superioridade de fogos e O marechal Maurice de Saxe de-
as concentrações de artilharia para desarti- fendia o fracionamento do costumeiro
cular as forças inimigas.Aconselhavam, tam- exército monobloco em “divisões” de in-
bém, o uso da guerra de movimento, a ani- fantaria e cavalaria, nas quais seriam in-
quilação dos exércitos inimigos e a busca pela clusos elementos de artilharia, engenharia
batalha decisiva. Esta última poderia ser e serviços, para torná-las aptas a execu-
conseguida empregando-se os caçadores e tar ações independentes.
as “divisões”. Se o adversário não quisesse As “divisões” teriam flexibilidade
combater e iniciasse uma retirada, poderiam para executar missões isoladamente, ou,
ser lançados ao seu encalço as flexíveis “di- se fosse o caso, poderiam se unir para atin-
visões” e os rápidos caçadores. Uma vez em gir objetivos comuns. Seriam também mais
contato com o inimigo, atacariam a retaguar- manobráveis, o que facilitaria a realiza-
da ou bloqueariam temporariamente a retira- ção de ataques aos flancos e à retaguar-
da do inimigo.
da do adversário, forçando-o a parar para
Victor-François, duque de Broglie,
tentar repeli-los. Em virtude dessa parada, o
empregou experimentalmente, com suces-
exército que se retirava perdia precioso tem- so, as “divisões” durante a Guerra dos Sete
po, podendo ser alcançado pelo grosso do Anos. Seu amplo emprego, no entanto, só
exército que o perseguia, o que inevitavel- se daria durante a Revolução Francesa.
mente resultaria em uma batalha.

151
O sistema militar prussiano foi um exemplo para os demais exércitos euro-
peus na segunda metade do século XVIII. Nesse mesmo período, porém, estrategistas
franceses passaram a meditar sobre novas técnicas militares que fizessem frente à eficiên-
cia prussiana. As “divisões”, os caçadores, a ideia do combatente que lutava livremente
por sua pátria, o sistema Gribeauval e outras inovações advindas dessas reflexões seriam
logo postas em prática pelos líderes militares da Revolução Francesa e por Napoleão.

A INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

No século XVII, os ingleses estabeleceram povoações na América do Norte que


deram origem a treze colônias (Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New
Hampshire, Nova Jersey, Nova York, Pensilvânia, Delaware, Virgínia, Maryland, Caro-
lina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia). Na Guerra dos Sete Anos (1756-63), trava-
da em diversas partes do mundo, os colonos norte-americanos ajudaram os ingleses a
vencer os franceses na América do Norte.
A guerra arruinou as finanças da Inglaterra. Para solucionar esse problema,
os ingleses impuseram diversos impostos e taxas às treze colônias. Os colonos norte-
americanos consideraram os impostos e as taxas da metrópole abusivos e proclamaram
a independência em 4 de Julho de 1776. O movimento, liderado pela burguesia, teve
amplo apoio popular.
Os ingleses enviaram tropas para restabelecer seus domínios. Estas encon-
traram dificuldades em combater os milicianos norte-americanos, que, despreparados
para travar batalhas convencionais, fervorosamente resistiram por meio de guerrilhas.
Em 1776, os ingleses conseguiram capturar Nova York e a Filadélfia, mas foram derro-
tados, em 1777, na Batalha de Saratoga, o que animou os norte-americanos. Em 1778
e 1779, os norte-americanos ganharam, respectivamente, a adesão de franceses e espa-
nhóis, que lhes apoiaram militarmente. Depois de muitos embates, os norte americanos,
com mais experiência militar convencional, derrotaram os ingleses decisivamente na Ba-
talha de Yorktown (1781), vencendo a guerra.
Em 1783, pelo Tratado de Paris, a Inglaterra reconheceu a independência
das treze colônias, que, quatro anos mais tarde, passaram a se chamar Estados Unidos
da América. George Washington, que liderou os patriotas norte-americanos na guerra
de independência, foi o primeiro presidente. Em1787, ficou pronta a constituição norte-
americana, com fortes características iluministas. Ela garantia a propriedade privada,
estabelecia o sistema de república federativa e defendia os direitos e garantias individuais
do cidadão.
A independência dos Estados Unidos influenciou a Revolução Francesa
e movimentos de libertação em outras partes da América.

152
PARTE IV

IDADE
CONTEMPORÂNEA
CAPÍTULO 15

A REVOLUÇÃO FRANCESA

“A partir deste momento, até aquele em que os inimigos sejam


expulsos do território da República, todos os franceses são requi-
sitados para o serviço das armas e transportarão suprimentos; as
mulheres farão barracas e roupas e servirão em hospitais; as
crianças transformarão panos velhos em ataduras; os velhos irão
às praças públicas excitar a coragem dos guerreiros, pregar o ódio
aos reis e proclamar a unidade da República”. 21
Conclamação da Convenção, em 1793

Na década de 1780, a França contava com cerca de vinte e cinco milhões de


habitantes, divididos em três Estados ou Ordens. O Primeiro Estado era constituído pelo
alto clero (bispos e abades, provenientes da nobreza) e pelo baixo clero (padres e vigá-
rios, oriundos das camadas populares), compreendendo por volta de 0,5 % da popula-
ção; o Segundo Estado era formado pelas nobrezas de espada (pessoas nobres em virtu-
de da origem familiar) e de toga (burgueses que compravam títulos nobiliárquicos), abran-
gendo aproximadamente 1,5% dos franceses; o Terceiro Estado reunia o restante da
população (burgueses, camponeses e membros das camadas populares das cidades). O
Primeiro e o Segundo Estados gozavam de diversos privilégios (isenção de impostos,
doações, cargos públicos e pensões), enquanto sobre o Terceiro Estado recaíam os im-
postos e as contribuições.
O rei Luís XVI governava a França de forma absoluta, amparado pela teoria
do “direito divino”. Apoiado pelo Primeiro e Segundo Estados, dava palavra final em
questões executivas, legislativas e judiciárias. Isso ia contra os interesses da burguesia,
detentora do poder econômico, que desejava ter participação política relevante.
No campo das ideias circulavam os pensamentos dos filósofos iluministas,
relacionados à igualdade entre os homens, à tolerância religiosa, à liberdade de pensa-
mento, à soberania popular, à divisão dos poderes, à justiça fiscal, à igualdade tributária e
à liberdade econômica.
Nas esferas financeira e econômica, gastos excessivos da corte, a interven-
ção francesa na Guerra de Independência dos Estados Unidos e empréstimos no exterior
levaram o tesouro real à bancarrota. Crises climáticas cíclicas arruinaram a agricultura,
ocasionando escassez de alimentos e prejuízos para a indústria e o comércio.
Em suma, havia na França um ambiente propício para grandes turbulências
político-sociais.
21
apud SANTOS, 1998, p. 189.

155
Luís XVI pensou em sanar parte dos problemas financeiros do reino cobran-
do impostos dos membros do Primeiro e Segundo Estados. Estes não aceitaram, e alguns
nobres se rebelaram contra o rei. Para resolver o impasse, o monarca convocou a
Assembleia dos Estados Gerais, órgão consultivo da Coroa, cujos integrantes, represen-
tando as três Ordens, deveriam discutir o aumento de tributos.
Os três Estados escolheram seus representantes em abril de 1789, em meio a
agitações populares, nas quais se denunciavam as injustiças do regime vigente. Afalta de
alimentos, gerada pelas péssimas colheitas, contribuía para acirrar os ânimos.
Os representantes reuniram-se pela primeira vez em maio de 1789, surgindo
imediatamente discordâncias. Os integrantes do Primeiro e do Segundo Estados, que
tinham pontos de vista em grande parte coincidentes, desejavam que a votação fosse por
Ordens (somariam dois votos contra um do Terceiro Estado); os membros do Terceiro
Estado pleiteavam que todos os representantes de Ordem tivessem direito a um voto,
pois desta forma esperavam, com o apoio de dissidentes de outros Estados, vencer as
votações.
Após discussões estéreis, em junho de 1789, os membros do Terceiro Esta-
do, argumentando serem os legítimos representantes da nação, se reuniram em separado,
formando uma Assembleia Nacional. Atribuíram-se o direito de fiscalizar o rei e de esta-
belecer impostos. Luís XVI tentou acabar com a Assembleia do Terceiro Estado, mas os
membros desta, contando com apoio popular e de tropas do exército amotinadas, manti-
veram os seus trabalhos, agora também destinados a elaborar uma constituição para a
França. Configurava-se, assim, o início de um processo revolucionário. O rei, temendo o
descontrole total da situação, reconheceu a existência da nova Assembleia, ordenando,
em seguida, que os representantes do Primeiro e Segundo Estados a ela se reunissem.
Em 09 de julho de 1789, as Ordens proclamaram a formação de uma
Assembleia Nacional Constituinte. Coagido, Luís XVI comprometeu-se a se tornar um
monarca constitucional; na verdade, esperava ganhar tempo para articular uma reação.
Enquanto isso, em Paris aumentaram as tensões e o temor de que tropas
ainda leais ao rei iniciassem operações para acabar com o movimento revolucionário que
tomava forma. Para defender a Revolução que se formava, os membros da Assembleia
forneceram armas ao povo e criaram uma organização militar-popular denominada Guar-
da Nacional.
Em 14 de julho de 1789, uma multidão assaltou a Bastilha, uma antiga forta-
leza, transformada em prisão, que se tornara símbolo do poder real. Logo após, em todo
o país, os camponeses atacaram as propriedades dos nobres e clérigos a quem estavam
submetidos. Amedrontados, milhares de nobres procuraram refúgio em outros países.
Para acalmar o povo, a Assembleia se empenhou em aprovar duas medidas:
o fim dos privilégios e das obrigações feudais e a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, que estabelecia a igualdade de todos perante a lei, a liberdade individual,
o direito à resistência à opressão e a inviolabilidade da propriedade privada.
156
Em junho de 1791, Luís XVI, que conspirava secretamente com nobres emi-
grados, tentou fugir do país, mas acabou preso. Aprisão do monarca inquietou os reis da
Prússia e da Áustria, que, por meio da Declaração de Pillnitz, ameaçaram invadir a França
se não fosse restabelecido o absolutismo.
No mês de setembro de 1791, foi promulgada a primeira constituição france-
sa, que estabelecia, entre outros pontos, uma monarquia constitucional, o voto censitário,
a igualdade civil, a liberdade econômica e a divisão de poderes (o poder executivo seria
exercido pelo rei, o legislativo por deputados e o judiciário por juízes).
No ano de 1792, as ameaçam externas à Revolução tomaram corpo. Em
abril, Luís XVI, pressionado por parlamentares, declarou guerra à Áustria. Tropas fran-
cesas receberam a missão de realizar um ataque aos Países Baixos Austríacos, a fim de
auxiliar uma rebelião que lá se iniciava contra a Áustria. Mal preparadas e equipadas, as
forças francesas recuaram ao primeiro sinal de perigo.
Ainda em 1792, um exército, formado por prussianos, austríacos e nobres
franceses emigrados, invadiu a França, movimentando-se em direção a Paris. Para resistir
à investida inimiga, a Assembleia decretou emergência nacional e, às pressas, convocou
um exército revolucionário. Na Batalha de Valmy, as forças revolucionárias repeliram os
invasores.
Em face do clamor do povo, os integrantes da Assembleia, agora denomina-
da Convenção, proclamaram a República (22 de setembro de 1792), iniciando a elabora-
ção de uma nova constituição.
A TOMADA DA BASTILHA

157
BATALHA DE VALMY

12
3
6

9 10 7

4 LEGENDA
1
5
11 FRANCESES
TROPAS DE BRUNSWICK
2
8 1ª POSIÇÃO FRANCESA

Em setembro de 1792, em Valmy, nas proximidades de Paris, tropas revolucionárias


francesas, comandadas por Dumouriez, enfrentaram um exército formado por austríacos,
prussianos e nobres exilados da França, comandado pelo Duque de Brunswick. O resultado
do embate decidiria o destino da Revolução Francesa, pois o exército invasor tinha como
objetivo restabelecer o absolutismo na França. Dumouriez comandava cerca de 45 mil revo-
lucionários, enquanto Brunswick contava com aproximadamente 35 mil homens. Brunswick,
tendo capturado Verdun, prosseguiu suas operações deslocando-se por uma estrada que leva-
va a Paris (1), seu objetivo principal. Essa estrada passava pela floresta de Argones (2).
Dumouriez, visando interceptar o inimigo, deslocou suas tropas até a floresta, onde pretendia
oferecer resistência (3). Brunswick, chegando à Argones, deparou-se com a posição dos
revolucionários (4). Resolveu manobrar seu exército para obrigar o recuo de Dumouriez.
Para tanto, mandou um destacamento se posicionar à frente da posição dos revolucionários
(5), enquanto o grosso de seu exército se deslocaria para a retaguarda do adversário, tendo
em vista cortar-lhe as linhas de comunicação (6). Dumouriez, porém, não recuou como
esperava Brunswick. Simplesmente inverteu a frente de suas tropas, de leste para oeste,
colocando-as em uma nova posição (7). Ao mesmo tempo, os revolucionários foram reforça-
dos por tropas de Kellermann, oriundas de Metz (8). Brunswick, com o grosso de suas tropas
(9) a oeste da posição revolucionária, tinha o caminho para Paris aberto. O duque, no entanto,
temeu avançar, pois teria um exército inimigo à sua retaguarda. Resolveu, então, travar a
batalha. O ataque de Brunswick consistiu simplesmente de disparos de canhão sobre a posi-
ção dos franceses (10). Estes, em contrapartida, lançaram uma violenta carga à baioneta
contra a ala direita adversária (11). As forças de Brunswick detiveram os revolucionários, mas
ficaram impressionadas com a atitude corajosa do inimigo. Os dois lados permaneceram 10
dias em vigilância, após os quais o duque, com poucos mantimentos e com suas tropas
sofrendo de disenteria, resolveu retirar-se para leste (12). Os revolucionários, vitoriosos,
tiveram cerca de 300 baixas e as tropas de Brunswick cerca de 180.

158
Nos meses finais de 1792, as tensões ideológicas se acirraram na Conven-
ção. Despontaram dois partidos principais: o dos jacobinos (representantes da pequena
burguesia e das camadas populares, que almejavam reformas radicais) e o dos girondinos
(representantes da alta burguesia, que queriam manter as conquistas revolucionárias e
evitar uma participação popular excessiva). Os jacobinos, depois de receberem grande
apoio popular, desalojaram do poder os girondinos, que até então dominavam a
Convenção.
Em janeiro de 1793, Luís XVI, acusado de traição, foi guilhotinado. O regicídio
repercutiu fortemente no exterior. Temia-se que os eventos ocorridos na França se espa-
lhassem para outros países.
No mês seguinte, os líderes revolucionários declararam guerra à Inglaterra, à
Espanha e a alguns Estados italianos. Os objetivos da guerra eram a propagação dos
princípios revolucionários e a expansão das fronteiras da França até onde os revolucio-
nários consideravam ser os “limites naturais” de sua nação (o Reno, osAlpes, os Pirineus).
Em março, surgiram sérios problemas para os revolucionários: na Vendeia,
região situada a sudoeste da França, camponeses insuflados pelos ingleses, pelo clero e
pela nobreza, iniciaram uma insurreição por não aceitarem a decretação do serviço militar
obrigatório e, paralelamente, a Inglaterra, Áustria, Prússia, Espanha, Rússia, Holanda e
Sardenha formavam uma coligação contra os revolucionários. As tropas revolucionárias
destacadas para combater os coligados foram derrotadas nos primeiros confrontos.
Esse fato fez com que os líderes da Revolução organizassem o Comitê de
Salvação Pública, cujos membros, jacobinos, foram investidos de poderes ditatoriais, a
fim de combaterem os inimigos internos e externos da Revolução. Esse Comitê, por meio
do Tribunal Revolucionário, destinado a julgar processos políticos, condenou à guilhotina
milhares de pessoas, acusando-as de “inimigas da Revolução”. Ao mesmo tempo, foi
decretado o alistamento em massa, que resultou na incorporação de cerca de seiscentos
e cinquenta mil recrutas ao exército.
Finalmente, depois de uma repressão sangrenta pelas tropas revolucionárias
na Vendeia, a rebelião foi debelada em 23 de dezembro de 1793. Seis dias depois, as
tropas estrangeiras foram expulsas da França.
Na administração do líder jacobino Robespierre, intensificaram-se as perse-
guições aos que eram considerados contrarrevolucionários. Entre abril e julho de 1794,
ocorreu o “Grande Terror”: cerca de duas mil pessoas foram condenadas à morte, suspei-
tas de serem reacionárias. Além disso, para manter-se no poder, Robespierre também
condenou à guilhotina diversos líderes revolucionários que se opunham a sua política.
Como a morte pairasse sobre os próprios integrantes da Convenção, estes, tendo os
girondinos à frente, derrubaram Robespierre, levando-o, logo depois, à guilhotina.
Após a queda de Robespierre, os girondinos passaram a controlar o movi-
mento revolucionário. Os jacobinos foram afastados e foi instituída uma nova constitui-
ção, em 1795. O Diretório, órgão constituído por cinco membros, passou a gerir o poder
159
executivo. Essa fase caracterizou-se pela extrema instabilidade política, com os diretores
sucedendo-se por meio de golpes. Para complicar a situação, ocorriam em todo o país
frequentes distúrbios e agitações provocadas por jacobinos e monarquistas.
Os conflitos externos também continuaram. Em 1799, Inglaterra, Rússia, Áus-
tria, Nápoles e Turquia formaram uma segunda coligação contra a França.Aalta burgue-
sia francesa, percebendo a incapacidade do Diretório em superar as continuadas crises,
considerou que a França necessitava de um governo forte que conduzisse o país à norma-
lidade. Um comandante militar, Napoleão Bonaparte, prestigiado por vencer os inimigos
da França em diversas campanhas, passou a ser visto com o governante ideal. Em 1799,
por meio de um golpe (18 do Brumário), o Diretório foi substituído pelo Consulado. O
poder executivo seria doravante exercido por três cônsules. Napoleão, eleito 1º cônsul,
passou de fato a dirigir os destinos da França.
O Exército que deu suporte à Revolução tomou forma ao longo do processo
revolucionário. Foi muito influenciado pelo pensamento dos estrategistas militares france-
ses das últimas décadas do Antigo Regime, pelas ideias em voga durante a Revolução,
pela estrutura do novo Estado e pelas necessidades, às vezes emergenciais, de os revo-
lucionários rapidamente organizarem forças militares capazes de resistir às forças
reacionárias internas e externas.
Logo nos primeiros momentos da Revolução, o Exército Real desmantelou-
se. Os líderes revolucionários organizaram em Paris uma milícia cívica, a Guarda Nacio-
nal, para defender seus interesses. Esta, em poucas horas já contava com cerca de 12
mil membros. Porém a nação precisava ter um exército, que deveria ser constituído de
acordo com os princípios revolucionários. Um primeiro problema estava relacionado ao
recrutamento do contingente da nova força. Nessa esfera, a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão continha dois postulados que se contradiziam: os homens nascem
e são livres e iguais, e a soberania reside na nação, ou seja, por um lado não se podia
obrigar os cidadãos a ingressar na força militar por serem livres, por outro, a nação tinha
o direito de requisitar o serviço militar de seu povo, se isso se fizesse necessário. A
solução encontrada foi estruturar um exército regular para ser empregado em caso de
guerra, constituído por voluntários, e uma força miliciana, a Guarda Nacional, para segu-
rança interna, à qual obrigatoriamente todos os cidadãos válidos deveriam se incorporar
em caso de emergência.
A constituição de 1791 determinou a criação, em cada departamento (divisão
administrativa da França), de batalhões de voluntários, que prestariam o serviço militar
por um ano. Em 1792, em face da invasão do duque de Brunswick e de crises internas, os
revolucionários fizeram apelos vibrantes para arregimentar voluntários que defendessem
o novo regime. Entusiasmados, milhares de franceses alistaram-se no exército, que termi-
naria por expulsar o inimigo do solo francês. No ano seguinte, devido à primeira coliga-
ção contra a França e, também, em virtude do arrefecimento do fervor revolucionário,

160
A DIVISÃO REVOLUCIONÁRIA
A formação do exército revolucio-
nário esbarrou na falta de soldados experien-
tes. Existiam poucos batalhões compostos por
soldados veteranos e muitos constituídos por
9 voluntários ou requisitados, sem treinamento.
A solução encontrada, consubstanciada na “Lei
do Amálgama” (fevereiro de 1793), foi reunir
em um novo tipo de unidade, a meia-brigada
7 6 5 8
4 (3), um batalhão de veteranos (1) a dois de
novatos (2). Dessa forma, os veteranos enqua-
drariam e instruiriam, de acordo com suas pos-
3 3 sibilidades, os novatos.Areunião de duas meia-
brigadas dava origem à brigada ( 4). Estas, por
2 1 2 sua vez, integravam a divisão (9). As
divisões contavam com elementos de cavalaria
(5), artilharia (6), engenharia (7) e logística
(8), perfazendo um efetivo de cerca de sete mil
homens. As divisões tinham capacidade de
realizar operações de forma independente, mas,
se fosse o caso, poderiam conjugar seus esfor-
ços em prol de um objetivo comum.

a Convenção baixou ordem para que se convocassem trezentos mil guardas nacionais.
Logo depois decretou o “levantamento em massa”, pelo qual todos os cidadãos tinham o
dever de prestar serviço militar à pátria. Finalmente, em 1798, o Parlamento aprovou a
lei da conscrição, que estabelecia a obrigação do serviço militar a todos os cidadãos que
tivessem idade entre 20 e 25 anos. Esta nova sistemática permitia a incorporação regular
de cerca de duzentos mil homens por ano nas forças armadas francesas, que se juntariam
aos voluntários de outras faixas etárias.
Outro problema dos revolucionários foi completar o quadro de oficiais. No
Antigo Regime, a oficialidade era recrutada na nobreza, porém, com o advento da Revo-
lução, muitos nobres abandonaram a França e seus postos no exército. Para suprir esses
claros, as tropas passaram a eleger seus oficiais, escolhidos entre voluntários com certa
experiência militar e suboficiais que serviram no Exército Real.
A substituição dos oficiais do Antigo Regime pelos revolucionários trouxe
consequências positivas e negativas: alguns dos novos oficiais se mostraram ineptos para
o comando, outros comandaram com grande entusiasmo, apresentando-se abertos a ino-
vações doutrinárias (não se prendiam, se é que tinham conhecimento, aos processos de
combate utilizados pelos exércitos absolutistas). A promoção, agora por mérito, contri-
buía para o arrojo dos oficiais, a maioria jovem.
Os revolucionários utilizavam equipamentos semelhantes aos empregados nas
guerras da segunda metade do século XVIII. A infantaria usava o fuzil de pederneira

161
de 1777. A cavalaria, muito desorganizada pelo êxodo dos nobres, voltou a se estruturar
a partir de 1794, passando a ser constituída por regimentos de dragões, hussardos e
caçadores a cavalo; seus integrantes armavam-se com mosquetões de pederneira, lan-
ças e sabres de lâmina larga. A artilharia era dotada de material do sistema Gribeauval.
Havia uma grande diversificação de uniformes que normalmente levavam as cores da
bandeira nacional adotada pela Revolução (azul, branco e vermelho). Devido à falta de
recursos do governo revolucionário, muitos soldados combateram usando suas roupas
civis e armamentos rudimentares.
De modo geral, nas campanhas revolucionárias, os soldados franceses de-
monstraram elevado espírito de sacrifício e devotamento à pátria, o que foi determinante
para a vitória final do novo regime. Essa força moral provinha dos novos ideais pelos
quais o combatente francês lutava. Ele não mais lutava pelo rei (a quem estivera submeti-
do), ou por promessas de pagamentos, e sim pela manutenção dos direitos civis e políti-
cos que conquistara com a Revolução. No período do Diretório, porém, com a diminui-
ção do ardor revolucionário e a consolidação do novo exército, os soldados tornaram-se
profissionais, passando a servir também para obter seu sustento, por desejo de aventuras
ou por afinidade a um líder que poderia conduzi-los a vitórias e glórias.
A instrução e a disciplina dos sol-
SOLDADO DA REVOLUÇÃO (1794)
dados, de modo geral, era muito deficien-
tes. Nas situações emergenciais, as massas
de voluntários ou requisitados foram para o
combate após alguns dias ou algumas horas
de instrução. Em virtude disso, apesar do fer-
vor patriótico que demonstraram em vitórias
decisivas, as tropas francesas estavam sem-
pre propensas ao pânico e à fuga do campo
de batalha, quando a situação parecesse sair
do controle. A falta de instrução e de disci-
plina faziam com que os soldados também
não se ajustassem aos processos de comba-
te doAntigo Regime: infantaria emlinha, fogo
a comando e conversões complicadas. Aso-
lução foi o desenvolvimento de um proces-
so de combate ofensivo mais simples, pelo
qual se substituiu a ordem linear pela ordem
mista, a ação somente pelo fogo e pela com-
binação do fogo e choque, o fogo a coman-
do pelo fogo à vontade e as formações rígi-
das pelas flexíveis.

162
FORMA USUAL DE EMPREGO DA ORDEM MISTA
Os revolucionários constataram que, dispondo suas
tropas pouco instruídas somente em linha, não teriam chances
2 de vencer as disciplinadas tropas inimigas, que adotavam esse
1 mesmo dispositivo. Decidiram então empregar uma nova for-
mação: a ordem mista, que conjugava o poder de fogo com o de
choque. Por esse processo, em um ataque, poderia ser dada a
seguinte disposição às unidades de uma divisão: uma meia-
5 4 5 brigada em primeiro escalão (1), que colocaria um de seus
batalhões em linha (2) e à retaguarda deste, os outros dois em
3 3 colunas (3). A artilharia que apoiava a brigada era colocada
entre os batalhões que estavam em colunas (4). Companhias
de granadeiros (soldados selecionados, de elite) ou volteadores
(homens rápidos que conduziam poucos equipamentos) eram
6 destacadas para fazer a proteção dos flancos e da retaguarda da
meia-brigada (5). Para possibilitar a continuidade de esforços,
outras brigadas (6) seguiam a que estava no escalão
vanguardeiro. Durante os deslocamentos, a cavalaria marchava
à frente da divisão, para fazer a segurança; nas batalhas,
inicialmente posicionava-se à retaguarda da divisão (7), fican-
do em condições de ser empregada em momentos decisivos.
Antes da batalha, eram lançados grupos de caça-
dores para realizar escaramuças; dispersos no terreno, dispa-
6 ravam sobre as maciças formações inimigas procurando
desgastá-las. A artilharia e o batalhão que estava à frente e em
linha iniciavam o combate lançando seus fogos sobre o inimi-
go. Em seguida, o batalhão em linha dava lugar aos que esta-
vam em coluna, que realizavam um potente ataque para rom-
per as fileiras adversárias utilizando-se da ação de choque.
Para não ficarem muito tempo expostos ao fogo do inimigo
durante o assalto, os revolucionários abandonaram a cadência
usual de setenta passos por minuto pela de cento e vinte
6 passos e pelo passo acelerado. Caso o poder de combate do
primeiro escalão se esgotasse, lançava-se o segundo e assim
por diante, visando-se derrotar o inimigo por esforços suces-
sivos. Além de tudo isso, o comandante do exército deveria
dispor de uma reserva, que poderia ser de cavalaria, para em-
pregar em momentos críticos ou quando um ponto fraco do
7 inimigo se revelasse.

Os soldados passaram a aprender somente os movimentos básicos para for-


mar dispositivos em linha (para o máximo uso do poder de fogo), em coluna (para ações
de choque) e em quadrados (para defesa contra cargas de cavalaria). As mudanças de
dispositivo eram feitas da forma mais rápida possível, sem os formalismos característicos
de outros exércitos (marcha ordinária, alinhamentos geométricos, manutenção de distân-
cias e intervalos matemáticos).
As perdas dos revolucionários, devido ao pouco treinamento de suas tropas,
foram muito mais elevadas do que as de seus inimigos, mas seus efetivos, muito supe-
riores, compensavam as baixas.
163
A estratégia militar da Revolução foi elaborada por Carnot, encarregado da
organização da defesa nacional. Preconizava que os generais conduzissem suas opera-
ções ofensivamente, com a máxima flexibilidade, rapidez e amplitude no tempo e no espa-
ço, visando sempre à batalha decisiva e à destruição do inimigo. Isso se tornou viável
porque os exércitos franceses passaram a sobreviver dos recursos que encontravam
onde estacionavam e marchavam sobre as boas redes de estradas construídas na Europa
centro-ocidental na segunda metade do século XVIII.
Viver dos recursos locais, por sinal, era uma necessidade vital dos exércitos
revolucionários, pois seu governo não tinha condições financeiras para dotá-los dos
meios necessários para uma campanha. O sistema divisionário contribuía para isso, pois
unidades menores, estacionadas em diferentes pontos, tinham mais condições de tirar
proveito dos recursos de determinada região sem exauri-los. Diminuía-se, dessa forma,
a necessidade de se ter uma rede de armazéns ou de se transportar suprimentos em
vagarosos comboios. Em consequência, abandonava-se a ideia de se travar a guerra
valendo-se de fortalezas, pois, agora, as tropas poderiam posicionar-se em locais que
julgassem os mais adequados para uma campanha, ficando em condições de rapidamente
intervir em outras regiões em caso de necessidade. O governo revolucionário procurou
levar a guerra para outros países, fazendo com que estes arcassem com o peso da ocu-
pação.
A artilharia do sistema Gribeauval, superior em potência e mobilidade à dos
demais exércitos europeus, possibilitou às forças francesas a realização de movimentos
retrógrados. Uma divisão ou um exército encarregado de uma ação retardadora escolhia
posições fortes, travava o combate à distância forçando o inimigo a desdobrar-se no
terreno e a perder tempo. Quando o inimigo estivesse desdobrado e pronto para atacar,
as forças francesas recuavam e renovavam a manobra em outro ponto, até que o grosso
das tropas pudesse articular-se para enfrentar o adversário.
A Revolução alterou profundamente a estrutura política e social da Fran-
ça, sendo pilar importante do liberalismo e das instituições democráticas. Posteriormente,
os ideais dos revolucionários propagaram-se para outros locais onde a população julga-
va-se oprimida pelos seus governantes, inspirando guerras de libertação ou reformas. O
aspecto determinante para a vitória revolucionária foi o fervor patriótico e nacionalista,
advindo do “espírito revolucionário”. A partir da Revolução, tais valores se espalhariam,
motivando soldados de diferentes nações a combater com extrema tenacidade.
Napoleão Bonaparte herdou o aparato militar dos revolucionários, o qual
aperfeiçoou e empregou magistralmente, acabando por se tornar senhor da Europa nos
primeiros tempos do século XIX.

164
CAPÍTULO 16

NAPOLEÃO BONAPARTE
“Na minha carreira, encontrar-se-ão erros, sem dúvida; mas Arcole,
Rivoli, as pirâmides, Marengo, Austerlitz, Iena, Friedland (batalhas) são de
granito; o dente da inveja nada pode contra elas... Eu aterrei o abismo anár-
quico e pus ordem no caos. Eu limpei a Revolução... E depois sobre que
poderiam atacar-me de que um historiador não pudesse defender-me?...
Enfim, seria a minha ambição? Ah! Sem dúvida, ele encontra-la-á em mim –
e muita; mas maior e a mais alta que talvez jamais tenha existido: a de
estabelecer, de consagrar o império da razão e o pleno exercício, o inteiro
gozo de todas as faculdades humanas... Em poucas palavras, eis, pois, toda
a minha história... Milhares de séculos decorrerão antes que as circunstân-
cias acumuladas sobre a minha cabeça vão encontrar um outro na multidão
para reproduzir o mesmo espetáculo”.22
Napoleão Bonaparte

Napoleão Bonaparte nasceu em 1769, em Ajácio, na ilha da Córsega. Pro-


vinha de uma família da pequena nobreza, cujos integrantes diziam descender da aristo-
cracia militar toscana. Em 1778, seu pai, Carlo, conseguiu matriculá-lo na Escola Prepa-
ratória de Autun, onde o menino corso teve os primeiros contatos com o ofício militar.
Pouco depois conseguiu ser aceito em um estabelecimento de ensino mais conceituado: a
Escola Militar de Brienne, na qual se destacou por sua conduta e por seus conhecimentos
de matemática e história. Em 1782, transferiu-se para a renomada Escola Militar de Paris,
onde, dois anos depois, ao completar sua formação, foi promovido a segundo tenente de
artilharia.
Em 1785 ingressou no regimento de La Fère, no qual prosseguiu seus estu-
dos e, paralelamente, entrou em contato com as ideias reformistas que grassavam pela
França. Em seguida foi transferido para o Depósito de Artilharia de Auxonne, onde con-
seguiu amigos influentes e ganhou muitos conhecimentos ao participar de experimentos
técnicos. Foi também emAuxonne, no início da Revolução Francesa, que Napoleão teve
seu batismo de fogo, ao fazer parte de tropas destacadas para conter uma revolta
popular.
A Revolução Francesa, iniciada em 1789, acabou por propiciar uma rápida
ascensão a Bonaparte. Em meio ao processo revolucionário, o jovem oficial voltou à
Córsega em 1792, onde foi eleito tenente-coronel da Guarda Nacional de Ajácio. Logo,
porém, foi obrigado a enfrentar uma rebelião de corsos que reivindicavam a independên-
cia da ilha. Agiu com vigor, mas sem sucesso, tendo sido obrigado a se retirar para a
França, junto com sua família.
22 apud FREITAS, 1976, p.124.

165
De volta à França, então governada pelos radicais jacobinos, Bonaparte es-
creveu panfletos com conteúdo fortemente revolucionário, o que lhe valeu a designação
para compor tropas destinadas a retomar o porto de Toulon, ocupado por forças realistas
e inglesas. Durante os combates, Napoleão, agora capitão, acabou por substituir o co-
mandante da artilharia, que fora ferido. Para tomar o porto, elaborou e conseguiu fazer
aprovar um plano que compreendia duas fases: a primeira previa empregar a artilharia de
forma concentrada para expulsar a frota inglesa que dava suporte aos defensores; a se-
gunda propunha um ataque principal aos sitiados, quando estes estivessem suficientemen-
te debilitados devido à falta de apoio naval. O plano foi posto em prática com sucesso e
Napoleão, em reconhecimento, foi promovido a general-de-brigada.
Após a vitória em Toulon, Napoleão foi destacado para a Itália, onde forças
francesas enfrentavam tropas de uma coligação formada pela Inglaterra, Áustria, Prússia,
Holanda, Espanha, Sardenha e Rússia. Estava obtendo sucesso quando, na França, os
jacobinos foram apeados do poder por seus rivais girondinos. Napoleão, tido como sim-
patizante dos jacobinos, foi preso, mas acabou libertado pouco depois, por falta de pro-
vas. Perdera, todavia, seu apoio político, sem o qual sua carreira parecia pouco promis-
sora. Novamente, contudo, a sorte voltaria a ficar do seu lado, pois, em 1795, os mem-
bros do Diretório, que governavam a França, a ele recorreram para controlar tumultos em
Paris. Sem hesitar, Napoleão reuniu tropas e mandou disparar tiros de canhão sobre os
manifestantes, pondo fim à agitação.
Em 1796, Bonaparte, promovido a general-de-divisão pelos serviços presta-
dos ao Diretório, retornou para o norte da Itália, agora como comandante das tropas
francesas lá estacionadas. A frente italiana era vista como secundária, sendo o objetivo
das tropas francesas nesse setor apenas realizar ações diversionárias. O esforço principal
francês estava direcionado para o território alemão e austríaco, onde dois exércitos, co-
mandados por Jourdan e Moreau, tinham como objetivo final Viena. Em virtude disso,
Napoleão recebeu poucos recursos e suprimentos. Os quarenta mil homens postos a seu
comando estavam com o moral baixo e se sentiram desprestigiados pelo fato do Diretório
haver mandado um general de apenas vinte e sete anos para comandá-los.
Enquanto Jourdan e Moreau fracassavam, Napoleão, agindo de forma enér-
gica, mudava a feição de suas tropas. Nos anos de 1796 e 1797 levou-as a vencer os
austríacos e seus aliados em diversas batalhas, entre as quais as de Castiglione, Rivoli e
Neumarkt. Após estas vitórias, Napoleão detinha o controle do norte da Itália e estava
com o caminho aberto para Viena. Aproveitando-se disso, por conta própria, forçou os
austríacos a assinar um tratado muito compensador para os franceses (Paz de Campo
Fórmio). Pelo acordo, a Áustria foi obrigada a abandonar suas possessões na Renânia e
nos Países Baixos, além de reconhecer a existência de uma república controlada pelos
franceses no norte da Itália (República Cisalpina).
O sucesso na Itália rendeu a Napoleão enorme popularidade. A guerra, en-
tretanto, prosseguia, pois os ingleses insistiam em continuá-la. O Diretório, tendo em
166
BATALHA DE CASTIGLIONE

MANOBRAS PRELIMINARES MANOBRAS TÁTICAS

3 13
2 4 15
12 11
BRÉSCIA

18 18
8 18 16
16
19
5 BASSANO
CASTIGLIONE 14

7 10 18
9
1 17
6 MÂNTUA
MARCARIA

LEGENDA FRANCESES AUSTRÍACOS

Em 1796, no norte da Itália, franceses, liderados por Napoleão, defrontaram-se com um exército
austríaco, comandado por Wurmser. Bonaparte encontrava-se sitiando Mântua (1), importante cidade italiana
controlada pelos austríacos, que enviaram um forte exército para combater as forças francesas. Napoleão
contava com cerca de 30 mil homens, enquanto os austríacos possuíam por volta de 47 mil combatentes.
Wurmser dividiu suas forças em 3 grupos: um, sob seu comando (24 mil homens), deslocou-se para Mântua (2);
outro, sob comando de Quasdanovitch (8 mil soldados), seguiu em direção a Bréscia (3), a fim de cortar vias de
transporte francesas; e um terceiro, sob comando de Mezzaros (5 mil combatentes), deslocou-se por Bassano
(4). Napoleão tomou três providências em face do avanço do inimigo: ordenou a Despinoy e Sauret que
detivessem a coluna de Quasdanovitch (5); mandou que Serrurier se deslocasse para Marcaria com 8 mil homens
para assegurar uma via para uma possível retirada (6); e deslocou-se com o grosso de seu exército para Castiglione
(7), local que escolheu para travar a batalha, onde permaneceu em “expectativa estratégica”. Despinoy e Sauret
detiveram Quasdanovitch, repelindo-o para o norte (8); enquanto Wurmser chegava a Mântua (9), reforçava a
guarnição local e seguia para Castiglione (10), tendo em vista dar combate a Napoleão. No local da batalha,
Bonaparte posicionou suas forças do seguinte modo: na ala esquerda, a divisão de Massena (11); na direita a de
Augereau (12); e na região de Marmont uma reserva, sob comando de Kilmaine (13). O comandante francês
determinou, ainda, a Serrurier, que continuava em Marcaria, ficar em condições de participar do combate.
Wurmser, ao chegar no local do embate, posicionou suas tropas frontalmente às de Napoleão (14). Este, então,
determinou que sua ala esquerda simulasse um recuo para o norte (15) e ordenou a Serrurier que se deslocasse
até o local da batalha. Wurmser, sentindo a possibilidade de desbordar os franceses pela ala que recuava, ordenou
que o grosso de suas forças atacasse o flanco de Massena (16). Enquanto os austríacos forçavam a ala esquerda
francesa, chegaram, vindas de Marcaria, após uma marcha forçada de 25 km, as tropas de Serrurier (17).
Bonaparte, após determinar que Massena parasse o recuo, ordenou a suas forças a realização de um ataque geral
(18). Comprimidos em três direções, os austríacos perderam a sua coesão, empreendendo retirada para Pesquiara,
através da única via de retirada não bloqueada (19). Os franceses tiveram cerca de mil baixas, os austríacos de
duas a cinco vezes mais. Vencedor, Napoleão retomou o sítio a Mântua.

167
vista solapar a economia da Inglaterra, ordenou a Bonaparte conquistar o Egito, local por
onde passavam importantes rotas comerciais inglesas.
As tropas comandadas por Bonaparte se apoderaram do Egito com facilida-
de, mas acabaram isoladas pela Marinha Inglesa, que venceu a frota francesa na batalha
de Abukir, passando a controlar o mar Mediterrâneo. Napoleão ficou no Egito, mas sua
presença passou a ser mais premente na Europa, onde o Diretório agonizava e surgia uma
segunda coligação contra a França, formada pela Inglaterra, Áustria, Rússia, Nápoles e
Império Otomano.
O Diretório, após uma série de derrotas francesas frente às forças da segun-
da coligação, ordenou o retorno de Bonaparte à França. Este acatou a ordem, deixando
o comando do Exército Francês que estava no Egito ao general Kleber.
Na França, Napoleão, com apoio de alguns membros do Diretório e respal-
dado por tropas do exército, realizou o golpe do 18 Brumário (novembro de 1799), que
instaurou o Consulado. Previa-se que três cônsules governassem a França, mas, na prá-
tica, Napoleão detinha o poder de fato. A grande maioria dos franceses, desejando esta-
bilidade, aceitou o novo governo.
Bonaparte rapidamente iniciou uma série de reformas para reestruturar
racionalmente o Estado francês: entre outras providências, mandou elaborar uma nova
constituição e um código civil, saneou financeiramente a nação, fomentou a indústria, rea-
lizou obras de infraestrutura e reorganizou o ensino.
No plano externo, Napoleão venceu os austríacos nas batalhas de Marengo
(1800) e de Hohenlinden (1801), pondo fim à segunda coligação. Em 1802, firmou com
a Inglaterra a Paz de Amiens, pela qual os franceses passaram a controlar o Piemonte,
Parma, a ilha de Elba, a Suíça, a Holanda e os Estados Papais.
Fortalecido devido a seus sucessos internos e externos, Napoleão, por meio
de plebiscitos, foi eleito cônsul vitalício em 1802 e imperador em 1804.
A paz na Europa, porém, tinha alicerces frágeis para perdurar, pois existiam
antagonismos insolúveis, já que a França disputava com a Inglaterra a supremacia políti-
co-econômica e, ao mesmo tempo, era vista como uma ameaça aos regimes
absolutistas.
Em maio de 1803 a paz chegou ao fim, quando os ingleses declararam guerra
aos franceses, alegando que esses não cumpriram algumas das cláusulas do Tratado de
Amiens. Napoleão reagiu, iniciando preparativos para uma invasão à Inglaterra. Para
isso, mandou reunir tropas, equipamentos e suprimentos nos portos do norte da França.
A Marinha Inglesa, no entanto, dominava o canal da mancha, tornando inviável
a travessia francesa. Bonaparte, então, concebeu um plano diversionista para obter a
superioridade naval, mesmo que temporária, no trecho do canal por onde pretendia des-
locar suas tropas. Pelo plano, o almirante francês Villeneuve deveria realizar uma ação
naval para forçar a saída da frota inglesa que guardava o canal da Mancha. Na

168
NAPOLEÃO NO PASSO DE SAINT-BERNARD

ausência da Marinha Inglesa, as tropas terrestres francesas transporiam o canal rumo à


Inglaterra. O almirante Villeneuve, entretanto, foi derrotado por uma frota inglesa, coman-
dada pelo almirante Nelson, na Batalha deTrafalgar, ao sul da Espanha, fato que inviabilizou
todo o projeto napoleônico.
Enquanto combatiam os franceses nos mares, os ingleses engendravam uma
terceira coligação contra a França, da qual tomaram parte a Inglaterra, a Suécia, a Áus-
tria e a Rússia.
A movimentação das tropas inimigas pela Europa central fez com que
Bonaparte deslocasse rapidamente suas tropas do canal da mancha para o leste, onde
venceu os austríacos na Batalha de Ulm e uma força conjunta austro-russa na Batalha de
Austerlitz.As vitórias francesas puseramfimà terceira coligação. Pelo Tratado de Pressburg,
a Áustria foi obrigada a pagar pesada indenização e ceder Veneza, Ístria e a Dalmácia à
França.
Em 1806, Napoleão pôs fim ao Sacro Império Romano-Germânico, crian-
do, em contrapartida, a Confederação do Reno, por ele tutelada, da qual, excetuando-se
a Prússia e a Áustria, passaram a fazer parte todos os Estados alemães.
A formação da Confederação do Reno, entretanto, ocasionou o surgimento
da quarta coligação. A Prússia, a Rússia e a Suécia, amedrontadas pelo expansionismo

169
BATALHA DE AUSTERLITZ

9
3 6 15

10 15
5
2 7
11
8
13
3 14
12 4

LEGENDA FRANCESES AUSTRO-RUSSOS

Em 1805, em Austerlitz, na Áustria, tropas francesas, comandadas por Napoleão, enfrentaram


forças austro-russas, comandadas pelo czar Alexandre e pelo imperador Francisco II. Em disputa estava o
controle da Europa Central. O Exército Francês contava com cerca de 75 mil homens, enquanto seus inimigos
somavam aproximadamente 90 mil combatentes. Napoleão, através de fintas, atraiu seus adversários para o local
onde pretendia travar o combate, que se situava nas proximidades de Austerlitz. Quando seus adversários
chegaram ao local da batalha, o general francês encetou negociações falsas e simulou uma retirada desorganizada,
dando a entender a seus inimigos que estaria enfraquecido. Napoleão, na realidade, pretendia dividir as forças
inimigas e derrotá-las por partes. Para isso posicionou suas tropas a oeste do rio Goldbach (1), da seguinte
forma: no centro ficou o grosso, que executaria a ação principal (2); nas alas, forças secundárias, destinadas a
fixar as forças inimigas (3). Os austro-russos, posicionados a leste do rio Goldbach, tinham em mente realizar
um desbordamento sobre o flanco direito de Napoleão: o grosso de suas tropas (4) se posicionaria ao sul do
planalto de Pratzen (5), atravessaria o rio Goldbach e depois convergiria contra o centro do inimigo; na ala direita
ficariam tropas ( 6) para fixar os franceses; no centro, uma fração não muito numerosa faria a ligação entre as alas
direita e esquerda (7). No dia da batalha, seguindo o plano estabelecido, o grosso das tropas austro-russas atacou
a ala direita francesa (8), onde, após alguns avanços, acabou detido. Paralelamente, Napoleão ordenou que sua ala
esquerda atacasse o flanco direito inimigo (9); nesse setor, os austro-russos recuaram um pouco, mas detiveram
os franceses. Bonaparte percebeu que chegara o momento crítico da batalha; com o grosso de suas tropas ocupou
o planalto de Pratzen (10) e de lá ordenou um ataque à ala esquerda russa (11), o que foi feito também pela ala
direita napoleônica (12), que, de uma postura defensiva, passou para uma ofensiva. O grosso das tropas austro-
russas, atacado pela frente e direita, desagregou-se; tendo seus remanescentes empreendido fuga (13) pelo lago
Satschen (14), que se encontrava congelado. Napoleão ordenou, então, que sua artilharia bombardeasse o lago
a fim de quebrar o gelo, o que resultou em pesadas perdas ao inimigo.A derrota no sul obrigou as demais forças
austro-russas a se retirar (15), coroando a vitória francesa. Os franceses tiveram cerca de 9 mil baixas (mortos,
feridos e capturados), os austro-russos, três vezes mais.

170
francês e financiadas pela Inglaterra, voltaram a entrar em conflito com Bonaparte. Em
campanhas de impressionante rapidez, Napoleão venceu os prussianos em Iena e os rus-
sos em Eylau e Friedland. A paz foi restabelecida pelo Tratado de Tilsit, em 1807, pelo
qual a Prússia foi obrigada a pagar grande indenização para a França e perdeu alguns de
seus territórios orientais para o Grão Ducado de Varsóvia (criado por Bonaparte). Os
russos, com quem Napoleão esperava fazer uma aliança, tiveram simplesmente de reco-
nhecer a vitória francesa.
Após os últimos triunfos, o domínio francês no continente parecia incontestá-
vel. Havia, porém, um inimigo que resolutamente teimava em ser dominado: a Inglaterra.
Não obtendo sucesso em 1805 em face da derrota em Trafalgar, Napoleão resolveu
vencer os ingleses debilitando-os economicamente. Para isso, em 1806, o imperador
decretou um bloqueio continental, pelo qual todos os países da Europa estavam proibidos
de realizar importações da Inglaterra. Em consequência, calculava Bonaparte, os ingleses
teriam de pagar os produtos que importava dos países continentais com ouro e não mais
com os lucros advindos da venda de produtos manufaturados, como era costumeiro.
Privados de seu ouro, os ingleses não teriam recursos para financiar guerras. O plano
parecia ao líder francês fadado ao sucesso, bastava somente fiscalizar sua execução.
Os países ibéricos, no entanto, relutaram em cumprir as ordens de Napoleão,
pois eram muito dependentes economicamente da Inglaterra. Napoleão decidiu, então,
ocupar Portugal e Espanha para evitar que o bloqueio econômico não se efetivasse. Os
objetivos iniciais de Bonaparte foram logo alcançados, pois ele conseguiu colocar seu
COROAÇÃO DE NAPOLEÃO I

171
irmão José no trono da Espanha e provocou a transferência da corte portuguesa para o
Brasil. Não obstante, a luta na Península Ibérica mal começava.Apoiados pela Inglaterra,
que enviara um exército comandado por Arthur Wellesley (futuro Duque de Wellington),
os portugueses conseguiram repelir os franceses, enquanto o povo espanhol iniciava uma
longa luta de guerrilha para expulsar as forças napoleônicas. Bonaparte, que não esperava
tamanha reação, deslocou aproximadamente trezentos mil de seus melhores soldados
para a Península Ibérica, sem obter bons resultados.
Aproveitando-se de que boa parte das tropas francesas estava empregada na
Península Ibérica, a Inglaterra e a Áustria formaram a quinta coligação contra a França.
Napoleão movimentou para o leste tropas rapidamente mobilizadas e derrotou os aus-
tríacos na batalha de Wagran (1809). Em novo tratado de paz, o de Schönbrunn, a Áus-
tria foi obrigada a aderir ao bloqueio continental, a reduzir sua força militar, a ceder o
Trieste, a Bavária e territórios nos Bálcãs, e a se aliar à França.
Apesar dos esforços de Bonaparte, o bloqueio continental não trazia os re-
sultados esperados. A exemplo de Portugal e Espanha, outros países europeus recome-
çaram a importar produtos ingleses, pois suas economias, de base agrícola, sem o comér-
cio com a Inglaterra, estavam entrando em colapso.Aprópria economia francesa declina-
va pela paralisação do comércio e devido aos custos das seguidas campanhas militares.
Um dos países com dificuldades financeiras, a Rússia, resolveu romper o compromisso
que tinha com a França, voltando a comerciar livremente com a Inglaterra.
Para Napoleão era inaceitável que os russos restabelecessem suas importa-
ções junto à Inglaterra. Decidiu então atacar a Rússia para forçá-la a voltar a fazer parte
do bloqueio continental.
Napoleão reuniu um exército composto por aproximadamente seiscentos mil
homens de diferentes nacionalidades, com o qual adentrou em território russo em 1812.
Enquanto avançava, observava que os russos, ao retrair, destruíam qualquer coisa que
pudesse ser utilizada pelo Exército Francês (queimavam cidades, destruíam plantações,
sacrificavam rebanhos e envenenavam poços de água, por exemplo). Mesmo assim, o
imperador francês seguiu; venceu os russos na Batalha de Borodino e ocupou Moscou.
Napoleão, entretanto, encontrou a capital russa deserta. O czar havia aban-
donado a cidade e nenhuma delegação foi encontrada para tratar de um acordo de paz.
Paralelamente irromperam incêndios que destruíram Moscou. Bonaparte permaneceu um
mês na cidade, mas diante da ameaça de ficar sem suprimento, da aproximação do inver-
no e de notícias do agravamento da situação na Espanha, resolveu ordenar a retirada.
O retorno do exército napoleônico foi dramático.Assolados por um rigoroso
inverno, pela fome e pelas forças russas, os franceses sucumbiramaos milhares.Adentraram
em Paris cerca de dez por cento dos soldados que compunham o efetivo inicial; os demais
morreram na campanha, desertaram, ou simplesmente voltaram para seus países de
origem.

172
IMPÉRIO NAPOLEÔNICO EM SUAMÁXIMA EXPANSÃO

NORUEGA SUÉCIA

IRLANDA DINAMARCA

INGLATERRA PRÚSSIA RÚSSIA


I CO

IX OS
S BA GRÃO DUCADO
CANAL DA MANCHA PA ÍS E

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DE VARSÓVIA
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PAPAIS REINO DE
TOM
NÁPOLES ANO
MEDITERRÂNEO

ÁFRICA

LEGENDA TERRITÓRIOSANEXADOS ESTADOS VASSALOS

O enfraquecimento das forças napoleônicas, decorrente da campanha da


Rússia, ensejou o surgimento da sexta coligação. Inglaterra, Rússia, Espanha, Prússia,
Áustria, Suécia, Portugal e alguns pequenos Estados alemães se uniram contra a França.
Bonaparte conseguiu reorganizar o exército, mas após algumas vitórias pouco expressi-
vas foi derrotado pelos aliados na Batalha de Leipzig, em 1813.
Em 1814, forças da Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria invadiram a Fran-
ça e ocuparam Paris. Pressionado por seus generais, Napoleão abdicou em Fontainebleau
(11 de abril de 1814). Acabou exilado na Ilha de Elba (próxima à Córsega), conservan-
do o título de imperador e consideráveis recursos financeiros.
Na França, a monarquia Bourbon foi restaurada com a ascensão de Luís
23
XVIII. Ao mesmo tempo, nobres que haviam emigrado retornaram à França para exigir
a devolução de suas propriedades confiscadas durante a Revolução Francesa. As vio-
lências e arbitrariedades dos novos dirigentes deixaram a população descontente.
Aproveitando-se da instabilidade do novo governo, Napoleão retornou para
a França à frente de sua guarda pessoal. As forças enviadas por Luís XVIII para detê-
lo acabaram aderindo a seu antigo líder.Atemorizado, Luís XVIII refugiou-se na Bélgi-
ca, voltando o poder para as mãos de Bonaparte.
2 3 Luís XVIII era irmão de Luís XVI. Quando este foi guilhotinado em 1793, monarquistas proclamaram Luís Carlos, filho e herdeiro do monarca morto, rei da
França, com o nome Luís XVII. Luís Carlos, entretanto, morreu na prisão em 1795, aos dez anos de idade, sem assumir o trono.

173
O novo governo de Napoleão duraria somente cem dias, pois o imperador
francês foi derrotado definitivamente na batalha de Waterloo, por ingleses e prussianos,
que, ao lado de russos e austríacos, haviam formado a sétima coligação.
Napoleão foi feito prisioneiros pelos ingleses e enviado em exílio para a ilha
de Santa Helena, no meio do oceanoAtlântico, onde faleceria em 5 de maio de 1821. Seu
corpo foi autopsiado e constatou-se uma perfuração no estômago, que na ocasião foi
atribuída a um câncer, embora existissem suspeitas de envenenamento. Em 1840, seu
corpo foi transladado para Paris, indo repousar no Sepulcros dos Heróis, no “Hôtel des
Invalides”. 24
Bonaparte herdou o aparato militar da Revolução Francesa, o qual aperfei-
çoou e empregou de forma inovadora, surpreendendo, notadamente até a Batalha de
Austerlitz, seus rivais, ainda presos a processos de combate da segunda metade do século
XVIII. Após Austerlitz, os adversários do imperador francês procuraram copiar as técni-
cas militares francesas ou desenvolver métodos para neutralizá-las.
Para melhorar a organização das forças militares francesas, Napoleão criou
uma nova grande unidade, o corpo de exército, que passou a reunir duas ou mais divisões.
Os corpos de exército, por sua vez, foram grupados no Grande Exército, comandado
diretamente por Bonaparte. À meia-brigada da época da revolução, constituída por três
batalhões de infantaria, deu-se o nome de regimento.
A infantaria francesa portava o fuzil de pederneira modelo 1777 e combatia
combinando ações de choque e de fogo. Movimentava-se em coluna ou em linha.
A artilharia francesa manteve-se de acordo com o sistema Gribeauval.25 To-
davia, Napoleão triplicou o número de baterias e constituiu uma reserva de artilharia,
destinada a reforçar as artilharias divisionárias ou a ser empregada em momentos críticos.
Havia a cavalaria pesada (couraceiros, dragões e carabineiros), destinada a
participar ativamente da batalha; e a leve (lanceiros, hussardos e caçadores), mais apta a
realizar reconhecimentos, perseguições e segurança.
Bonaparte organizou também a guarda imperial, tropa de elite que lhe fazia a
segurança e constituía nas batalhas uma reserva a ser empregada nos momentos mais
decisivos. Aguarda era composta por unidades de infantaria, cavalaria e artilharia, e teve
um efetivo inicial de doze mil combatentes (o número de componentes da guarda sofreu
modificações). Seus homens, mais bem pagos e equipados, eram selecionados entre os
que tinham mais de cinco anos de serviço e experiência em vários combates.
As primeiras tropas napoleônicas, as das campanhas da Itália, eram compos-
tas por voluntários, que combatiam fervorosamente para defender e expandir os ideais
revolucionários, e por requisitados, que se viam forçados a lutar por força de lei.
Durante o império, devido à necessidade de contingentes cada vez maiores,
voluntários de toda a Europa foram incorporados às tropas napoleônicas. Eles se junta-
24 Monumento parisiense, cuja construção foi ordenada por Luís XIV, em 1670, para dar abrigo aos inválidos dos seus exércitos. Hoje em,
dia continua acolhendo os inválidos, mas é também uma necrópole militar e sede de vários museus.
25
O sistema Gribeauval pode ser consultado no capítulo 14.

174
BATALHA DE WATERLOO
MANOBRAS PRELIMINARES MANOBRAS TÁTICAS
23
WATERLLO WAVRE 16 15
12 17
13 6
19 18 19
11 14 27
27 27
25
9
5 22
20 21 24 20 21 21 21 25
3
7
QUATRE-BRAS
8
10
26
26 26
2
LIGNY LEGENDA
4
1 FRANCESES PAÍSES DA 7ª COLIGAÇÃO

Em 1815, em Waterloo, na Bélgica, tropas francesas (cerca de 70 mil soldados), comandadas por Napoleão,
enfrentaram forças prussianas (aproximadamente 60 mil homens) lideradas por Von Blücher, e um exército
aliado, chefiado pelo Duque de Wellington (formado por cerca de 67 mil homens, um terço de britânicos e o
restante da Holanda e de outros Estados da 7ª Coalizão contra a França). Na contenda, seria decidido se a França
permaneceria sob o regime napoleônico ou voltaria a ser governada por forças conservadoras. Bonaparte (1),
levando em consideração que seus inimigos estavam divididos, mas em maior número, decidiu agir em linhas
interiores. Atacaria inicialmente Von Blücher (2) e depois Wellington (3). Napoleão venceu os prussianos em
Ligny (4); estes, porém, recuaram (5) em boas condições em direção a Wafre (6). Bonaparte ordenou a um
destacamento (7) que perseguisse os prussianos, o que foi feito de maneira lenta e pouco eficaz. Após Ligny,
Napoleão seguiu para Waterllo (8), para onde recuara (9) Wellington, após combater o Marechal francês Ney em
Quatre-Bras (10). Em Wavre, Von Blücher deteve os franceses que o estavam perseguindo (11); e em seguida
ordenou que o grosso do Exército Prussiano partisse para Waterloo (12), visando reforçar Wellington. Em
Waterloo (13), Wellington havia ocupado o monte Saint Jean (14), de onde esperava resistir a Napoleão, até a
chegada de Von Blücher. Wellington posicionou seu exército ao longo da contraencosta da elevação da seguinte
forma: o grosso no centro (15) e no flanco direito (16); e forças menos significativas na ala esquerda (17), pois
estas deveriam ser reforçadas pelos prussianos que chegavam do leste. Somente escaramuçadores e a artilharia
aliada eram visíveis aos franceses (18), pois as tropas posicionadas nas contraencostas deveriam permanecer
ocultas para surpreender o inimigo quando este estivesse quase no topo do monte. Nos flancos, o comandante
inglês estabeleceu pontos fortes (19), com o intuito de impedir uma tentativa de desbordamento francesa. Em
face do dispositivo aliado, Napoleão optou por realizar uma penetração. Os franceses fariam um ataque
diversionário no flanco direito aliado, para atrair as reservas inglesas para aquele setor, e depois fariam o ataque
principal no centro, para dividir os ingleses. Desencadeados, os ataques franceses (20) falharam, pois a infantaria
napoleônica, ao chegar no topo das elevações, já desgastada, era atacada e derrotada pelas forças aliadas que se
encontravam ocultas nas contraencostas. Novos ataques franceses foram realizados (21) ao longo de toda a linha
de defesa aliada, também sem sucesso. Uma carga de cavalaria do Marechal Ney (22) chegou a penetrar nas
posições inglesas, mas não houve aproveitamento do êxito, sendo os cavalarianos franceses obrigados a recuar
em face do fogo da infantaria inglesa, que formara quadrados para se defender. Devido à chegada dos primeiros
contingentes prussianos (23) ao campo de batalha, Napoleão ordenou que a guarda imperial, sua última reserva,
realizasse um ataque decisivo (24). Aguarda, alvejada pelo fogo dos ingleses, interrompeu seu avanço no meio do
caminho e recuou. O fracasso da guarda e a chegada do grosso das tropas prussianas (25) fez o moral das tropas
francesas se esfacelar; ocorrendo, em seguida, uma retirada geral (26). Wellington, então, ordenou que suas
tropas atacassem (27) os franceses, que recuavam em desordem, coroando sua vitória. Napoleão, derrotado,
retirou-se do campo de batalha, rendendo-se para os ingleses pouco depois. Somente em Waterloo, os franceses
tiveram cerca de 34 mil baixas e seus inimigos aproximadamente 23 mil.

175
vam aos franceses por diferentes motivos: alguns eram adeptos dos ideais revolucioná-
rios, outros acreditavam que Bonaparte libertaria suas nações, então submetidas por Es-
tados absolutistas, e ainda havia aqueles que seguiam o líder francês devido ao seu carisma.
Na campanha da Rússia, mais da metade do Exército Francês era constituída
por estrangeiros. Entre esses se incluíam tropas de países inimigos de Napoleão, de pou-
ca confiabilidade, forçadas por acordos a combater ao lado dos franceses.
Após a Campanha da Rússia, os efetivos de Bonaparte minguaram, reflexo
do fracasso napoleônico no leste europeu e em decorrência das perdas humanas que se
avolumaram. Em virtude disso, o comandante francês foi obrigado a requisitar jovens com
idade inferior a dezoito anos para serem soldados.
Napoleão procurava manter contato próximo com seus subordinados. Con-
versava frequentemente com seus soldados, partilhando histórias e ditos grosseiros; tal
atitude fazia com que seus comandados se identificassem com ele, mostrando-se discipli-
nados e dispostos a grandes sacrifícios. Na Batalha de Lodi, durante a campanha da
Itália, Bonaparte recebeu de suas tropas o cognome de “pequeno cabo”, devido a sua
baixa estatura e ousadia ao liderar uma carga de baioneta contra a retaguarda austríaca.
Bonaparte criou campos de treinamento para melhorar a instrução e a disci-
plina dos soldados, pontos fracos das forças francesas da Revolução, mas, de maneira
geral, os recrutas continuaram a ser instruídos pelos veteranos ao longo das campanhas.
Para melhorar a instrução dos oficiais, uma escola militar foi estabelecida em Saint-Cyr.
COURACEIRO GRANADEIRO

176
Muito do êxito militar de Napoleão deve-se aos seus conceitos de como
travar uma guerra. Para o general francês, a guerra deveria ser breve e decisiva, o poder
de combate do inimigo destruído em batalhas campais e a nação inimiga subjugada. Para
levar seus oponentes à batalha, considerava essencial o ataque a locais vitais para eles
(vias de suprimento, de transporte, de comunicações e outros objetivos estratégicos).
Para ele, o emprego da extrema mobilidade e do máximo poder de combate
das tropas, combinados, eram de suma importância para se chegar à vitória.
A extrema mobilidade, conseguida agindo-se com rapidez e agressividade,
propiciava surpreender inimigos que operassem lenta e cautelosamente. As tropas fran-
cesas, muito ágeis por conduzirem poucos suprimentos e viverem de recursos locais,
mostravam-se muito mais adequadas para movimentos rápidos do que as rivais, que
transportavam pesados comboios de suprimentos.
A aplicação do máximo poder de combate, possibilitado pela concentração
de todas as tropas e meios disponíveis, num momento e local oportunos, tornava possível
a obtenção de uma superioridade decisiva sobre o adversário. O Exército Napoleônico,
articulado em grupamentos independentes e altamente móveis (divisões e corpos de exér-
cito), tinha capacidade de se concentrar em locais estratégicos mais rapidamente do que
as forças inimigas, que marchavam vagarosamente e em conjunto.
Napoleão mantinha a regra da unidade de comando, ou seja, no teatro de
operações todas as frações se subordinavam a ele.
O líder francês procurava aproveitar-se ao máximo dos erros dos adversá-
rios. Dizia haver um momento crítico nas batalhas; identificá-lo, aproveitá-lo, ou mesmo
criá-lo seria fundamental para se chegar à vitória.Aconselhava os comandantes a agirem
ofensivamente, buscando a iniciativa das ações, atitude que lhes permitiria surpreender o
inimigo, impor-lhe sua vontade e obter superioridade de forças em um ponto desejado no
momento oportuno. Isso não significava abrir mão de ações defensivas, mas estas deve-
riam necessariamente se subordinar a um plano ofensivo principal.
Ele também intervinha nas ações de suas tropas durante o desenrolar das
batalhas, modificando os planos iniciais se fosse o caso. Isso era incomum entre os co-
mandantes que o desafiavam, acostumados a seguir à risca planos esquemáticos pré-
estabelecidos. Para Bonaparte, o general-chefe devia agir com flexibilidade, de acordo
com as circunstâncias do momento, pois considerava que as ações variam constantemen-
te em uma batalha. Dizia também não haver soluções prontas, mesmo quando os proble-
mas são semelhantes.
Bonaparte procurava sempre manobrar, realizando o esforço principal no
ponto mais sensível do dispositivo do inimigo. No campo estratégico, preferia as mano-
bras em linhas interiores e as de flanco; no tático, procurava realizar desbordamentos e
penetrações.

177
MANOBRAS EMPREGADAS POR NAPOLEÃO

EM LINHAS INTERIORES FLANCO

3
8

1
4 7 6
2 2

LEGENDA: FRANCESES INIMIGOS

A manobra em linhas interiores era adotada pelo líder francês quando o inimigo era
mais numeroso, mas encontrava-se dividido. Inicialmente, Napoleão interpunha-se entre
as forças inimigas (1), o que era feito de duas formas: por meio de um movimento ofensivo
brusco ou através da “expectativa estratégica”. No segundo modo, o general francês
posicionava suas tropas no terreno escolhido para a batalha; após isso, dissimulando inca-
pacidade operacional ou realizando fintas, induzia seus inimigos a se colocarem nos locais
por ele desejados.Após os inimigos se posicionarem, Napoleão adotava um comportamen-
to defensivo em todos os setores (2) (aos quais dispensava a quantidade mínima de forças
capazes de resistir ao ataque), à exceção de um (3), no qual atuava ofensivamente (com o
máximo de forças possível) tendo em vista aniquilar a fração adversária. Após derrotar o
inimigo no ponto onde agira ofensivamente, Napoleão partia com suas tropas vitoriosas
para um outro setor (4). Derrotada a fração inimiga dessa frente, Bonaparte seguia para a
outra (5), até derrotar as forças inimigas em sua totalidade.
A manobra de flanco era empregada quando Napoleão dispunha de real superiori-
dade de forças. Visava ao aniquilamento do adversário. Uma pequena parte do exército
(somente a indispensável) era empregada numa ação secundária frontal (6), a fim de fixar
o grosso das tropas inimigas; enquanto o restante do exército realizava um movimento
sobre o flanco do inimigo (7) ou em profundidade (8), isolando o campo de batalha. O
inimigo era, então, obrigado a lutar em duas ou mais frentes, ficando isolado, sem condi-
ções de receber reforços, suprimento ou mesmo de se retirar.

178
MANOBRAS EMPREGADAS POR NAPOLEÃO

DESBORDAMENTO PENETRAÇÃO

6 7
3
2
1 4 5 4

LEGENDA: FRANCESES INIMIGOS

Para realizar o desbordamento, o líder francês engajava parte de suas forças


em um ataque frontal secundário (1) destinado a fixar as forças inimigas, enquanto,
com o grosso de suas tropas, atacava o flanco (2) ou a retaguarda imediata do
inimigo (3).
Na penetração, o comandante francês realizava ataques secundários nas alas
inimigas (4), para em seguida efetuar um ataque principal no centro do dispositivo do
adversário, visando dividi-lo (5). Após a divisão, Bonaparte lançava o grosso de seu
exército sucessivamente (7 e 6) sobre cada parte do oponente.

Nas batalhas da campanha da Rússia, as manobras costumeiras de Napoleão


não produziram os resultados esperados. Ciente de que suas tropas não poderiam subsis-
tir somente com os recursos que encontrariam na Rússia, Napoleão mandou organizar,
pela primeira vez, grandes comboios de suprimento para acompanhá-las. Devido a isso,
o líder francês perdeu dois de seus maiores trunfos: a mobilidade e a surpresa. Quando
tentavam fazer uma manobra de flanco para cercar os russos, as tropas francesas se
moviam muito vagarosamente, permitindo aos inimigos se evadir do bolsão que deveria
ser formado.
Quando os russos resolveram travar uma batalha, em Borodino, Bonaparte
resolveu atacá-los frontalmente, pois considerou que seus inimigos deixariam o campo de
batalha caso se sentissem ameaçados por um desbordamento. Acabou vitorioso, mas as
perdas de seu exército foram muito mais elevadas do que o esperado.

179
Graças a sua genialidade militar e liderança, Napoleão Bonaparte conquistou
grande parte do continente europeu, disseminando de maneira permanente os ideais da
Revolução Francesa. Após sua derrota em Leipzig, os governantes dos países vencedo-
res organizaram o Congresso de Viena, que se notabilizou por adotar medidas conserva-
doras que visavam fazer a Europa voltar a ser a mesma de antes da Revolução Francesa
(fronteiras foram redefinidas e antigas dinastias foram restauradas).
A queda de Napoleão marcou o início de um longo período sem grandes
guerras na Europa. Somente em 1854, na Crimeia, potências europeias, dotadas de no-
vos meios, advindos da Revolução Industrial, voltariam a se digladiar.

180
DEZ MÁXIMAS DE NAPOLEÃO BONAPARTE

“Os grandes feitos de um grande general não advêm da sorte ou do destino. São o resultado
de planejamento e de talento”.

“Quando um general tem intenção de travar uma batalha, deve reunir todas as suas forças e
não omitir nenhuma. Pois um batalhão, às vezes, decide a vitória”.

“Se um comandante procura luz em debates e conferências, deve esperar o resultado que
todos os tempos acompanhou tal procedimento. Terminará por chegar à pior decisão possí-
vel, a qual, quase sempre na guerra, é a mais pusilânime, ou, se o quiserdes, a mais prudente.
A verdadeira luz para um general está numa determinação enérgica”.

“Leiam e releiam as campanhas de Alexandre, Aníbal, César, Gustavo Adolfo, Turenne, Prín-
cipe Eugênio de Saboia e Frederico II. Tomem-nos como vossos modelos, pois este é o
único meio de se tornar um grande chefe e de se descobrirem os segredos da arte da guerra.
Vosso talento, iluminado por esse estudo, rejeitará as máximas opostas às aplicadas por esses
grandes capitães”.

“ A guerra se compõe essencialmente de acidentes e, conquanto deva seguir princípios gerais


da arte da guerra, um chefe não deve perder nenhuma oportunidade de tirar partido desses
acidentes. Isto é a essência do gênio militar. Na guerra há somente uma oportunidade favorá-
vel. O gênio sabe aproveitá-la.”

“ A defensiva não exclui o ataque. Igualmente a ofensiva não exclui a defesa, embora sua
finalidade seja irromper através da fronteira e invadir o país inimigo.”

“ A força de um exército, tal como a potência na mecânica, é avaliada multiplicando-se a


massa pela velocidade; uma marcha rápida aumenta o moral e a possibilidade de vencer.”

“Surpreendido por um exército superior, um general medíocre, ocupando uma posição má,
procura segurança na retirada; mas um grande chefe recorrerá à audácia e marchará ao
encontro do adversário. Se este é irresoluto nos seus movimentos, um general hábil, tirando
partido de um momento de indecisão, pode até mesmo ter esperança da vitória, ou, no míni-
mo, pode safar-se pela manobra (...)”.

“ Um comandante-em-chefe deve perguntar a si mesmo diversas vezes por dia: se o inimigo


aparecer na minha frente, na minha direita ou na minha esquerda, o que hei de fazer? Se não
está certo a respeito do que fazer, há qualquer coisa de errado com sua tropa que é preciso
corrigir”.

“Nada é mais importante na guerra do que a unidade de comando; por conseguinte, quando se
trava uma guerra contra uma única potência, deve haver apenas um exército, atuando numa
só direção e conduzido por um só chefe”.
apud SANTOS, 1998, p. 205 a 208.

181
CLAUSEWITZ E JOMINI

Carl Phillip Gottfried von Clausewitz (1780-1831) e Antoine-Henri Jomini


(1779-1869) foram dois teóricos, cujas obras influenciaram profundamente os chefes
militares, a partir a segunda metade do século XIX.
Clausewitz nasceu na Prússia, estudou na Academia Militar de Berlim e
participou nas campanhas prussianas contra revolucionários franceses e contra Napoleão
Bonaparte.
Para Clausewitz, o objetivo principal da guerra não deve ser condicionado
ao ponto de vista do soldado, nem do administrador ou político, mas sob o ponto de
vista de uma política mais ampla, que deve congregar todos os interesses da nação.
Se, todavia, a política fizer exigências à guerra que esta não possa atender, ocorreu um
erro de análise política. Se, no entanto, a política julgar corretamente a marcha dos
acontecimentos militares, cabe-lhe inteiramente determinar os acontecimentos e a direção
que melhor sirvam aos grandes objetivos finais da guerra. Em suma, a arte da guerra,
em seu ponto de vista mais elevado, transforma-se em política, mas numa política que
trava guerras em lugar de redigir notas. Como a essência da grande estratégia é a sua
subordinação à política, a execução daquela deve permitir-lhe atingir os fins desta.
Consequentemente, o objetivo político deve adaptar-se à natureza dos meios disponí-
veis.
Para o pensador prussiano, um estadista ou um general deve saber com-
preender perfeitamente qual o gênero de guerra em que vai empenhar-se, para que não
a tome pelo que não é e não queira dela fazer aquilo que a natureza das circunstâncias a
impede de ser. Indica também que um general deve ter conhecimento profundo da
política do Estado e de suas relações superiores, para assim melhor conduzir as guerras
ou campanhas a um fim vitorioso. Neste ponto, a conduta da guerra e a política do
Estado coincidem, e o general torna-se também estadista.
Quanto à guerra absoluta (na qual todas as forças dos oponentes seriam em-
pregadas ao máximo), Clausewitz indica que, durante a história, normalmente ela não
ocorre, pois um dos contendores, ao pesar o custo-benefício de uma derrota esmaga-
dora, se rende. Mas ele reconhece que a Revolução Francesa e Napoleão Bonaparte
colocaram a guerra em um novo patamar. Assim a nova guerra deve ser conduzida sem
um momento a perder, até que o inimigo seja derrotado.

182
Clausewitz conseguia visualizar o caráter totalizante das futuras guerras que
seriam uma luta de vida e morte entre as nações. Sendo assim, dizia que se deve consi-
derar o poderio e a posição do estado inimigo, as características de seu governo e de
seu povo e as possibilidades de ambos. Todos esses fatores necessitam ser considera-
dos, também, para o nosso lado. É preciso levar em conta as relações políticas dos
outros estados e as consequências que a guerra exercerá sobre eles.
Clausewitz assemelhava a guerra a um duelo em grande escala e a comparava
a um combate entre dois lutadores. Deduzia daí que a guerra é um ato de violência
destinado a obrigar o adversário a fazer a nossa vontade. Destacava, também, que a
guerra pertence ao domínio da vida social. É um conflito de grandes interesses, resolvido
pelo derramamento de sangue, e, apenas nesse ponto, difere dos outros.
Por fim, ele vislumbrava a solução da guerra por combates decisivos. Sendo
assim, para ele, o combate é a atividade de guerra propriamente dita, e tudo mais
contribui para ele. Afirmava, também, que o poder de combate do inimigo deve ser
totalmente destruído e sua vontade de lutar, subjugada, pois do contrário surgirá uma
nova força militar.
Jomini, general e escritor de origem suíça, serviu a Napoleão de 1804 a 1813
e a czares da Rússia de 1813 a 1843. Em sua obra principal, “Princípios da Arte da
Guerra”, dividiu a arte da guerra em cinco campos: estratégia, grande tática, logística,
engenharia e tática. Considerava que a chave da guerra é a estratégia, que se subordina
a princípios científicos universais. Pregava que a vitória na guerra decorre de ações ofen-
sivas que concentrem forças contra o inimigo em um ponto decisivo. Também acreditava
na onipotência do comandante na condução das guerras.
O mundo militar de Jomini era à parte, sujeito às suas próprias leis. Assim, o
exército perfeito, pressuposto de seu pensamento, atenderia às seguintes condições: um
bom sistema de recrutamento; uma boa organização; sistema de reservas nacionais bem
organizado; bom adestramento de oficiais e homens na disciplina física dos exercícios
militares, nos serviços internos, bem como nos de campanha; disciplina estrita e espírito
de subordinação e responsabilidade; sistema de recompensas adequado; engenharia e
artilharia bem instruídas; armamentos superiores, se possível, aos do inimigo; estado-
maior geral capaz; bons sistemas de apoio; bons sistemas de alocar comandantes, de
dirigir as principais operações da guerra e de estimular e manter o espírito militar do
povo.
Jomini acreditava ter encontrado a receita de como fazer a guerra. Caso esta
receita não desse certo, seria pela incorreta aplicação de seus ingredientes.

183
CAPÍTULO 17

A GUERRA DA CRIMEIA
“Alguém cometeu um erro crasso:
a eles não cabia retrucar,
a eles não cabia perguntar por quê,
a eles cabia senão executar e morrer,
para o vale da Morte cavalgaram os seiscentos.” 26
Trecho do poema de Alfred Tennyson, sobre a
carga da brigada da cavalaria ligeira britânica, na
Batalha de Balaklava.

Nos anos de 1814-15, as principais potências europeias se reuniram em um


congresso na cidade de Viena para tratar sobre o futuro da Europa pós-napoleônica.
Acordos resultantes garantiram quase quatro décadas de paz na Europa.
O equilíbrio entre as potências, um dos pontos mais importantes estabeleci-
dos no Congresso de Viena, começou a ser ameaçado quando o czar Nicolau I resolveu
conquistar territórios do Império Otomano, na região do mar Negro. Se fosse bem suce-
dido, o czar poderia dominar os estreitos de Bósforo e Dardanelos, o que lhe garantiria
acesso ao mar Mediterrâneo e lhe daria o domínio sobre a estratégica região dos Bálcãs,
habitada por muitos cristãos ortodoxos, dos quais o imperador russo considerava-se
protetor.
O Império Otomano, em decadência, não parecia ser um sério obstáculo às
pretensões russas. No entanto, os objetivos do czar iam de encontro aos interesses de
outras potências, já que austríacos, prussianos e franceses também cobiçavam estender
sua influência sobre o cambaleante império turco, enquanto os britânicos temiam que uma
expansão russa para o sul pusesse em risco suas rotas comerciais que passavam pelo
Mediterrâneo. De modo geral, todas as principais nações europeias concordavam em um
ponto: era preciso evitar que a Marinha Russa tivesse acesso ao Mediterrâneo, pois con-
sideravam tal fato uma ameaça ao equilíbrio de forças na região.
A preocupação dos mais poderosos países europeus neste sentido remonta-
va ao final do século XVIII, quando os russos garantiram acesso ao mar Negro e cons-
truíram a importante base naval de Sebastopol, na Península da Crimeia. Para acalmar os
ânimos, Grã-Bretanha, Prússia, França, Áustria e Rússia reuniram-se em uma convenção,
em 1841, e estabeleceram que os turcos seriam os guardiões do Bósforo e dos Dardanelos,
sendo vedada a passagem de navios de guerra de qualquer país pelos estreitos. Ficava,
dessa forma, bloqueado o acesso da Marinha Russa ao mar Mediterrâneo.
26
apud WOODHAM-SMITH, 2005, p.7.

185
Nicolau I, além de suas ambições territoriais, desejava ser reconhecido pelo
governo turco como o protetor dos povos ortodoxos que habitavam o Império Otomano,
o que na realidade lhe garantiria o direito de intervir em domínios turcos quando assim
desejasse.
Em 1853, uma disputa na Palestina (então território otomano), entre cristãos
ortodoxos e católicos pelo controle de “locais santos”, pôs frente a frente os imperadores
27
da Rússia e da França. Napoleão III, imperador da França, reclamou aos turcos que a
prerrogativa de administrar os “locais santos” do Oriente Médio fosse concedida ao clero
latino. Nicolau I também reivindicou este direito para o clero ortodoxo. O sultão que
governava o Império Otomano contemporizou com as solicitações, irritando Nicolau I e
Napoleão III.
Diante da posição do sultão, Nicolau I, em julho de 1853, ordenou a invasão
dos principados otomanos da Valáquia e da Moldávia, localizados nos Bálcãs. Os turcos
responderam declarando guerra à Rússia. Em novembro de 1853, a Marinha Russa obte-
ve uma grande vitória sobre a frota turca em Sinope. Diante disso, Grã-Bretanha e França
enviaram forças navais para proteger a capital turca (Constantinopla, denominada Istam-
bul pelos otomanos) e os estreitos de Bósforo e de Dardanelos.
Iniciaram-se esforços diplomáticos para pôr fim ao conflito, mas estes fracas-
saram. Em março de 1854, ante a insistência dos russos em permanecer na Valáquia e na
Moldávia, a Grã-Bretanha e a França, inimigos tradicionais, esqueceram suas diferenças,
aliaram-se e declararam guerra ao Império Russo. A Áustria e a Prússia, que tinham
desconfianças mútuas, preferiram manter-se neutras.
Para os aliados, a guerra significava uma oportunidade de conter de vez as
ameaças expansionistas russas. Napoleão III também tinha em mente resolver suas desa-
venças com o czar em relação aos assuntos religiosos ocorridos na Palestina.
OS TURCOS OTOMANOS
No século VIII, os turcos otomanos migraram das estepes asiáticas para a Anatólia,
onde se converteram ao islamismo. Gradualmente conquistaram o Império Bizantino, passan-
do, depois, a entrar em frequentes atritos com as nações europeias.
Constituíram o Império Otomano, que atingiu seu ápice no século XVI, quando abran-
gia os Bálcãs, o norte da África, o Oriente Médio, parte da Europa Oriental e o Cáucaso.
Os mais importantes combatentes do Império Otomano foram infantes chamados
janízaros (tropa nova). Estes soldados, recrutados quando crianças em comunidades cristãs,
eram duramente doutrinados e treinados para a guerra por sacerdotes muçulmanos. Não po-
diam casar-se ou ter outras profissões; cada um devia lealdade somente para com seus pares
e para com seu amo real.
A partir do século XVII, iniciou-se a decadência e a fragmentação do Império Otomano,
devido, principalmente, à estagnação tecnológica e econômica. Os exércitos otomanos não
acompanharam a modernização dos seus rivais europeus, passando a sofrer reveses contí-
nuos. O fim do Império Otomano ocorreu em 1923, substituído por uma república.
27
Napoleão III era sobrinho de Napoleão I. O filho deste, tornou-se imperador, por um breve período, em 1815, com o nome de Napoleão II.

186
Britânicos e franceses estabeleceram como objetivo principal de sua campa-
nha contra os russos a tomada de Sebastopol, pois isto aniquilaria o poder naval russo no
mar Negro. Operações secundárias seriam lançadas pelos aliados em pontos estratégicos
no mar Báltico, a fim de dividir as forças russas
Para combater na Crimeia, os franceses destacaram cerca de trezentos mil
homens, os ingleses cem mil, os turcos cento e cinquenta mil e os russos quatrocentos e
cinquenta mil. Os exércitos dos beligerantes eram compostos por soldados profissionais,
que, ao longo do conflito, se mostraram, de modo geral, disciplinados e preocupados
com a honra pessoal e de suas unidades (muitos eram influenciados pelo espírito
nacionalista).
Os comandantes das tropas eram escolhidos entre a nobreza. Os oficiais de
alto escalão, particularmente, se mostraram despreparados quando os combates se
iniciaram, já que a competência profissional não era pré-requisito para o comando, pois
este era concedido levando-se em conta o posto (por vezes comprado), o grau de
influência e privilégios. Inexperientes, pois nunca haviamparticipado de combates de grande
amplitude, os comandantes empregariam no conflito táticas e estratégias da época das
Guerras Napoleônicas, que se mostrariam inadequadas em virtude dos avanços
tecnológicos ocorridos na primeira metade do século XIX. Além disso, os oficiais eram
arrogantes para com os soldados e preocupavam-se primordialmente em manter seus
uniformes reluzentes, obter medalhas e conseguir glórias pessoais.
Os uniformes das tropas eram vistosos, mas se revelaram inadequados para o
combate. No verão sufocavam os soldados, no inverno não os aqueciam. Suas tonalida-
des tornavam os combatentes alvos bastante visíveis no terreno. Diversos equipamentos
utilizados eram frutos de inovações tecnológicas resultantes da Revolução Industrial, des-
tacando-se o telégrafo elétrico, que permitia rápidas trocas de informações, e fuzis e
canhões raiados, que possuíam maior alcance e precisão dos que as armas de fogo
antecessoras.

O NACIONALISMO
O nacionalismo tratava-se de uma ideologia em que o indivíduo devia lealdade e
devoção à sua Nação, entendida como a reunião de habitantes de um mesmo território,
que comungam língua, cultura, religião e interesses e têm o direito à autodeterminação.
O nacionalismo moderno tomou corpo na Revolução Francesa, quando a lealdade
ao monarca foi substituída pela lealdade à Pátria. Da França, espalhou-se para outros
locais, adquirindo diferentes feições, de acordo com o interesse de governos e movimen-
tos que dele se apropriaram como elemento programático ou forma de propaganda.
Contribuiu para justificar muitos conflitos, entre os quais guerras de libertação,
como as que resultaram na independência dos países da América do Sul; e lutas pela
formação de estados nacionais, a exemplo dos movimentos de unificação da Alemanha e
Itália.

187
A inaptidão dos comandantes britânicos e franceses manifestou-se logo no
deslocamento de seus meios para Varna, na atual Bulgária, então território otomano, sua
primeira base de operações (de onde os aliados pretendiam combater os russos que
estavam nos Bálcãs). Devido às péssimas condições de transporte, feito por via marítima,
sem planejamento, muitos cavalos machucaram-se ou morreram; os soldados deslocados
em condições não satisfatórias, também sofreram muito. Quando os exércitos chegaram a
Varna, em maio de 1854, constatou-se que faltava forragem para os animais e que a água
existente era insuficiente. Para piorar, irromperam surtos de cólera e disenteria, que se
agravaram em virtude da falta de cuidados sanitários, devastando a tropa.
A essa altura, os russos já se estavam retirando dos Bálcãs, em virtude da
reação das tropas turcas e da pressão diplomática dos austríacos, que ameaçaram intervir
no conflito ao lado dos aliados (a ofensiva russa pelos Bálcãs já havia chegado até a
cidade de Silístria, na Bulgária, o que desagradou os austríacos).
Após a retirada russa, com os Bálcãs a salvo, os aliados resolveram partir
para a Crimeia e conquistar Sebastopol. Após um reconhecimento sumário, resolveram
invadir a península pela baía de Calamita, ao norte de Sebastopol. Apesar da fraca resis-
tência inimiga, o deslocamento e o desembarque dos aliados foram penosos, devido à
falta de organização.
Os aliados, sofrendo de falta de água, calor e doenças, marcharam para o sul
até o rio Alma, onde, em 20 de setembro de 1854, defrontaram-se com um forte contin-
gente russo. Após um violento combate, os aliados derrotaram os russos. Deixaram,

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
A Revolução Industrial teve início na Inglaterra no século XVIII, de onde se propa-
gou gradativamente para outras partes do mundo. Caracterizou-se, principalmente, pela
substituição da manufatura pela fábrica, da ferramenta pela máquina, e da energia huma-
na, hidráulica e animal pela motriz. Marcou a passagem do capitalismo comercial para o
industrial, contribuindo para consolidar este como o modo de produção dominante.
A partir da Revolução Industrial, os avanços tecnológicos se intensificaram, redun-
dando em profundos reflexos para a arte da guerra. Novos instrumentos, de forma padro-
nizada e em maiores quantidades, passaram continuadamente a ser postos à disposição
dos exércitos, fazendo com que a hegemonia militar pendesse para os países com maior
poderio tecnológico e industrial.
Na Guerra da Crimeia, os novos meios de guerra, pela primeira vez, foram reunidos
e utilizados: fuzis e canhões raiados (com maior precisão e alcance do que os de cano
liso), telégrafos elétricos (permitiam rápidas transmissões de mensagens, mesmo a longas
distâncias), ferrovias (construídas para o transporte de suprimento), alimentos enlatados
(facilitaram o abastecimento das tropas, livrando-as da dependência de gêneros perecí-
veis), anestésicos (utilizados em proveito de feridos) e navios a vapor (livraram as embar-
cações da dependência dos ventos).

188
APRIMORAMENTO NOS ARMAMENTOS

CÁPSULA DE PERCUSSÃO

No início do século XIX, as cápsulas de


percussão (espoletas) substituíram a pederneira
como elemento de iniciação da queima da pólvo-
ra por ocasião do tiro. As espoletas (1) eram de
fulminato de mercúrio [(Hg(ONC)2)], um explo-
1
4 sivo muito sensível à fricção e ao impacto. Para
2 realizar o disparo, o atirador colocava a espoleta
5 6 no “ouvido” (2) da arma. Dessa forma, a espole-
ta passava a ter comunicação com a pólvora.
Acionado o gatilho (3), o cão (4) chocava-se com
a espoleta, provocando uma pequena explosão que,
por sua vez, detonava a pólvora (5), fazendo
3 com que o projétil (6) fosse expelido do cano. Mais
confiável e prática do que a pederneira, a cápsula
de percussão foi rapidamente adotada pelos prin-
cipais exércitos.

O SISTEMA MINIÉ
No início do século XIX, os armeiros sabiam
que canos com alma raiada (1) davam maior pre-
cisão e alcance às armas; porém os processos para
encaixar os projéteis nas raias eram muito compli-
cados. Em 1849, no entanto, o oficial francês
Claude Etienne Minié desenvolveu um novo projétil
1 (2), dotado de uma cavidade cônica na sua base,
com um pequeno copo de cobre. A carga, ao ex-
plodir, lançava o copo para dentro da cavidade
cônica, fazendo com que a parte de trás do projétil
se expandisse, encaixando-se nas raias. Isso im-
pedia o escape de gases em torno do projétil, au-
3 2 mentando o alcance da arma e fazia também o
projétil girar, dando-lhe mais precisão. O alcance
da armas, com sistema Minié, (3) passou de 200
para cerca de mil metros, sendo estas também do-
tadas de dispositivos de pontaria, o que as tornava
muito mais letais que as antecessoras. O carrega-
mento dos fuzis, porém, não evoluíra, continuando
a ser antecarga.

189
entretanto, de aproveitar o êxito, o que permitiu às tropas adversárias dirigirem-se para
Sebastopol, onde reforçaram as defesas.
Com os russos momentaneamente fora do caminho, os aliados poderiam sitiar
Sebastopol. Conquistar a cidade, muito fortificada, não era, porém, missão fácil. Para
dificultar as ações inimigas, os russos afundaram navios no canal que dava acesso ao
porto, impossibilitando, assim, a marinha aliada de apoiar o ataque terrestre.
Pressentindo que o cerco seria demorado, os aliados decidiram adiar suas
operações ofensivas, a fim de se reorganizarem. Para isso, sentiram a necessidade de
boas e seguras bases navais que lhes proporcionassem abrigo para as tropas e permitis-
sem desembarcar artilharia pesada e suprimentos. Com esta finalidade, os franceses esta-
beleceram uma base na baía de Kamiesch e os britânicos outra em Balaklava. Ambas
ficavam ao sul de Sebastopol, e, para alcançá-las, os aliados marcharam circundando a
base naval inimiga.
As defesas de Sebastopol, notadamente as que se voltavam para Kamiesch e
Balaklava, não estavam concluídas quando os aliados iniciaram o sítio em outubro de
1854. Franceses e britânicos, contudo, não exploraram essa vantagem, devido, principal-
mente, à falta de engenheiros e equipamentos, possibilitando aos russos fortalecerem ain-
da mais suas posições.
O bombardeio aliado a Sebastopol teve início em 17 de outubro de 1854. Os
russos, no entanto, não ficaram somente na defensiva. Em 25 de outubro lançaram um
ataque, procurando interpor-se entre as tropas e as bases aliadas, a fim de isolar as forças
que sitiavam Sebastopol. O confronto, conhecido como Batalha de Balaklava, encerrou-
se em um impasse; os sitiantes mantiveram suas linhas de comunicação, mas os russos
ganharam terreno ao norte de Balaklava.
CARGA DA BRIGADA LIGEIRA INGLESA NA BATALHA DE BALAKLAVA

190
ABATALHADE BALAKLAVA

1
SEBASTOPOL

LEGENDA
11 22
12
COLINAS DE FEDIUK INE CAVALARIA FRANCESA
20 15
9 VALE NORTE
CAVALARIA LIGEIRA INGLESA
13
21
COLINAS CAUSEW AY
INFANTARIA ESCOCESA
4 10 3
5 19
4 CAVALARIA PESADA INGLESA
18 14
17 5 15 CAVALARIA RUSSA
7
16
ARTILHARIA RUSSA
8
6 VALE SUL
INFANTARIA RUSSA
BALAKLAVA

Em outubro de 1854, perto de Balaklava, na Crimeia, tropas britânicas, francesas e turcas, comanda-
das por lorde Raglan e pelo general francês Canrobert, enfrentaram forças russas, lideradas pelo general Liprandi.
Ambos os contendores contavam com aproximadamente 20 mil homens. Os russos tinham como objetivo isolar
as tropas aliadas que sitiavam Sebastopol (1) da base de suprimento inglesa de Balaklava (2). Para que o plano
se efetivasse, era vital que se apossassem das colinas Causeway (3) e das estradas que ligavam Sebastopol à
Balaklava (4). Os aliados tinham ciência da importância das colinas. Em virtude disso instalaram nessas eleva-
ções pontos fortes, guarnecidos por forças turcas (5). Por ocasião do combate, as forças aliadas encontravam-se
com o seguinte dispositivo: no vale sul (6) estava a Brigada de Cavalaria Pesada inglesa (7) e o 93º Regimento de
Infantaria escocês (8); no vale norte (9), a Brigada de Cavalaria Ligeira inglesa (10) e a cavalaria leve francesa (11).
Os russos dispuseram forças de infantaria, artilharia e cavalaria nas colinas Fediukine (12), na extremidade leste
do vale norte (13) e também a leste das colinas Causeway (14). O combate foi iniciado pelos russos que lançaram
potentes ataques sobre os pontos fortes inimigos, conquistando alguns deles (15). A cavalaria russa, tentando
aproveitar o êxito, avançou para o vale sul (16), a fim cortar as linhas de comunicações aliadas, porém foi detida
pelo 93º Regimento de Infantaria escocês. A cavalaria russa retraiu para as colinas Causeway (17), porém,
enquanto se reorganizava, foi surpreendida por um ataque da cavalaria pesada inglesa (18). Derrotada novamen-
te, a cavalaria russa procurou abrigo nas posições amigas situadas na extremidade leste do vale do norte (19).
Então, do acampamento aliado (20), lorde Raglan observou novas movimentações nas colinas Causeway. Pen-
sou que os russos estavam retirando os canhões dos pontos fortes que haviam conquistado. Na época, perder
canhões era um sinal de que a batalha fora perdida (na verdade, os russos estavam apenas mudando os canhões
de posição no próprio local). Raglan, que observava a batalha de longe, mandou redigir uma mensagem, na qual
ordenava ao lorde Cardigan, comandante da Brigada de Cavalaria Ligeira inglesa, que este impedisse a suposta
retirada dos canhões. A mensagem foi redigida de maneira truncada, de forma que Cardigan, ao recebê-la, não
sabia a que canhões Raglan se referia. Pressionado a agir pelo mensageiro, capitão Nolan, que queria imediata-
mente entrar em ação, Cardigan ordenou que a Brigada Ligeira atacasse as forças russas que estavam na
extremidade leste do vale norte em vez das que estavam nos pontos fortes. A Brigada Ligeira lançou, então, sua
carga (21) pelo vale norte, sendo dizimada pelos fogos da artilharia e da infantaria inimigas posicionadas nos
seus flancos e à frente. Percebendo o massacre a que era submetida a cavalaria ligeira inglesa, os cavalarianos
franceses, por iniciativa própria, atacaram as posições russas nas colinas Fediukine (22), aliviando um pouco a
situação dos britânicos. Com enorme número de baixas e enfraquecidos, lorde Cardigan e seus cavaleiros chega-
ram até as posições inimigas, de onde foram prontamente repelidos. A carga de cavalaria inglesa foi o último ato
dessa batalha. Os contendores se satisfizeram em manter suas posições. A batalha, sem vencedor, custou aos
aliados cerca de 700 baixas e, aos russos, por volta de 1.000.

191
FORMAUSUALDE COMBATE DOS BELIGERANTES
A Guerra da Crimeia foi travada com processos de combate semelhantes aos
das Guerras Napoleônicas, ou seja, soldados avançavam lentamente em direção ao
inimigo em formações cerradas, lançando fogos e ao mesmo tempo sendo alvo dos
disparos do adversário (conforme a imagem abaixo, que retrata o encontro de tropas
de infantaria escocesas e russas na Batalha de Alma). Na época de Napoleão I, o
alcance das armas de fogo, pouco eficazes, era de cerca de 200 metros; sendo assim
uma tropa que avançasse sobre o inimigo não era alvo de muitos disparos até chegar à
posição adversária e iniciar o combate corpo-a-corpo. Na Guerra da Crimeia, porém,
as novas armas raiadas tinham um alcance de cerca de 1000 metros e uma letalidade
muito maior. Agora o soldado marchava sobre o inimigo sendo alvo de disparos por
muito mais tempo. Os ataques de cavalaria mostraram-se ainda mais ineficazes do que
os da infantaria, a exemplo da carga da cavalaria ligeira inglesa na Batalha de Balaklava.
Também, em face do maior alcance dos fuzis, a artilharia foi obrigada a se posicionar
bem mais à retaguarda das tropas que apoiava, perdendo em eficiência. Aconsequência
de tudo isso foi o grande aumento de baixas para as tropas que avançavam para assal-
tar a posição inimiga, principalmente se o adversário estivesse protegido por fortifica-
ções. Dessa maneira, iniciou-se uma fase na história militar que perduraria até a I Guer-
ra Mundial, na qual o defensor teria grande vantagem sobre o atacante. Os comandan-
tes dos exércitos que combateram na Crimeia em nada inovaram. Empregaram suas
forças em ataques pouco organizados, às vezes frontais, que redundaram em grande
número de baixas.

192
Em 5 de novembro de 1854, os russos decidiram atacar novamente Balaklava,
dando origem à Batalha de Inkerman. O embate, caracterizado pela falta de planejamento
e comando de ambos os lados, foi vencido pelos aliados.
Em seguida, os beligerantes suspenderam operações de vulto, tendo em vista
atravessar a fase mais intensa do gélido inverno de 1854-55. Foi um período muito difícil
para as tropas aliadas. Seu sistema de abastecimento era muito mal organizado e, para
agravar, uma forte tempestade destruiu cargueiros e instalações onde se encontravam
suprimentos e se alojavam os soldados. As tropas aliadas, sem abrigo e uniformes ade-
quados, passaram a sucumbir diante das doenças, da fome e do frio.
A situação das tropas posicionadas nas linhas de sítio da orla de Sebastopol era
ainda pior, pois os russos controlavam a melhor estrada que ligava os sitiantes à sua base
em Balaklava. Sendo assim, os suprimentos somente chegavam às tropas das linhas de
frente aliadas se soldados os arrastassem através de inóspitos terrenos.
Para agravar, as instalações médicas aliadas eram insuficientes e mal cuidadas e
em nada contribuíram para o restabelecimento dos combatentes acometidos por doenças
ou feridos em combate.
A Guerra da Crimeia foi a primeira a ser fotografada e coberta por correspon-
dentes de guerra.Algumas matérias, fugindo da censura dos comandantes militares, foram
publicadas em jornais. Notícias sobre o padecimento dos soldados e sobre as falhas dos
comandantes levaram a opinião pública britânica a exigir de seus governantes providên-
cias. Em consequência, o sistema de abastecimento foi reorganizado e a tropa passou a
depender menos de gêneros perecíveis, pois começou a ser suprida com alimentos indus-
trializados, como a carne enlatada e o leite em pó. Além disso, os britânicos constituíram
um serviço de enfermagem liderado por Florence Nightingale, que com simples medi-
INFANTE BRITÂNICO das higiênicas e melhores tratos aos baixa-
dos, fez diminuir em muito a mortalidade nos
hospitais de campanha.
Em janeiro de 1855, tropas do
Piemonte-Sardenha (reino da Itália) chega-
ram para reforçar os aliados. O governo deste
Estado italiano esperava, com seu apoio, con-
seguir aliados em futuras lutas que almejava
liderar para unificar a Itália.
As hostilidades se reiniciaram em
fevereiro de 1855. Os russos lançaram um
ataque a uma estrada e a uma ferrovia que os
aliados construíam para ligar Balaklava às tro-
pas que sitiavam Sebastopol. Este ataque foi
detido pelos turcos.

193
GUERRA DA CRIMEIA
IMPÉRIO IMPÉRIO RUSSO
AUSTRÍACO
MOLDÁVIA CRIMEIA

5 6
VALÁQUIA
Sebastopol 9
87
bi o
Da nú
Silístria LEGENDA
MAR NEGRO
Varna 1. MEDITERRÂNEO
BÁLCÃS 2. DARDANELOS
3. BÓSFORO
4. SINOPE
4 5. CALAMITA
6. ALMA
7. BALAKLAVA
Constantinopla 8. KAMIESCH
3
IMPÉRIO OTOMANO 9. ILKERMAN

1 ROTA ALIADA
2

Aos poucos, os aliados intensificaram suas operações de sítio, conquistando as


principais posições defensivas russas. Bombardeios maciços sobre Sebastopol tornaram-
se rotineiros, fazendo com que perdas da guarnição russa se elevassem. Finalmente, em
setembro de 1855, os russos se retiraram da fortaleza, que passou para o domínio dos
aliados. Outras operações menores se seguiram, enquanto negociações de paz se realiza-
vam. A morte do czar Nicolau I e o fato de a Rússia estar com sua economia arruinada
favoreceram a chegada a um entendimento.
Pelo Tratado de Paris (30 de março de 1856), foi confirmada a soberania
turca sobre a Valáquia e a Moldávia. Os russos cederam aos turcos a Bessarábia e tive-
ram de renunciar ao direito de proteção aos cristãos do Império Otomano. O acordo
estabelecia, também, que nenhuma força militar ou base naval russa poderia ser mantida
no mar Negro.
A vitória dos aliados garantiu a segurança das rotas comerciais britânicas no
mar Mediterrâneo, manteve a integridade do Império Otomano e fortaleceu Napoleão
III. As tensões na região, no entanto, continuaram, sendo a razão de outros conflitos.
A guerra da Crimeia marca o advento de diversos meios militares provenien-
tes da Revolução Industrial, que os comandantes militares não souberam empregar
corretamente. Este fato, as péssimas condições sanitárias das tropas e os rigores climáti-
cos foram os motivos principais do elevado número de mortes resultantes do conflito
(aproximadamente noventa mil franceses, trinta e cinco mil turcos, dezessete mil britâni-
cos, dois mil sardo-piemonteses e cento e trinta mil russos).
Muitos aspectos que caracterizaram essa guerra estariam presentes em um
conflito ainda mais sangrento: a Guerra Civil Americana.

194
CAPÍTULO 18

A GUERRA CIVIL AMERICANA

“Destruíamos tudo que não conseguíamos comer, roubávamos seus


escravos, queimávamos seu algodão e suas fábricas descaroçadeiras,
espalhávamos seu sorgo, queimávamos suas ferrovias e transformá-
vamos tudo em um inferno geral”. 28
Relato de um soldado da União, sobre a marcha
do general Sherman através da Confederação.

A Guerra Civil Americana (1861/65) foi um embate entre as sociedades do


Sul e do Norte dos Estados Unidos, que tinham características e objetivos divergentes.
As divergências entre elas remontavam à época da colonização, realizada
pelos ingleses. Nas colônias do Norte, de clima temperado, houve uma colonização de
povoamento, na qual predominavam as pequenas propriedades e o trabalho livre. Nessa
região, granjeiros, industriais e comerciantes desenvolveram atividades agrícolas voltadas
para o mercado interno, indústrias manufatureiras e um próspero comércio. No Sul, de
clima subtropical, estabeleceu-se uma colonização de exploração, baseada na mão-de-
obra escrava, na qual uma aristocracia agrária administrava grandes propriedades orien-
tadas para a produção de matérias-primas destinadas ao mercado externo.
As diferenças regionais não impediram que as colônias se aliassem com o
intuito de se libertarem do domínio inglês, o que se efetivou em 1776, com a constituição
dos Estados Unidos da América. Os libertadores estabeleceram no novo país uma repú-
blica federativa presidencialista, que passou a ser profundamente influenciada pela oligar-
quia sulista.
Após a independência, os Estados Unidos aumentaram sua prosperidade
econômica e passaram a receber milhões de imigrantes. Ademanda incessante destes por
novas terras fez com que o governo norte-americano se empenhasse na obtenção de
novos territórios, o que se concretizou por meio de guerras, compras e acordos diplomá-
ticos. Na segunda metade do século XIX, os Estados Unidos haviam incorporado uma
superfície de sete milhões e oitocentos mil quilômetros às suas possessões originais.
Nem tudo, porém, seguia em harmonia. As diferenças entre os modelos
econômicos e sociais das regiões Sul e Norte acentuaram-se, e as rivalidades também.
28
apud História em revista: a arte da guerra, 1997, p. 102.

195
Quando a década de 1860 chegou, a economia do Norte, sob o influxo da Revolução
Industrial, se tornara muito mais próspera do que a do Sul, que permanecera agrária.
Fortalecidos economicamente, os estados do Norte passaram a reivindicar maior partici-
pação nas decisões governamentais, o que não foi aceito pelos sulistas.
No Congresso Federal, os estados no Norte eram representados pelo Par-
tido Republicano e os do Sul pelo Partido Democrata. Existiam dois pontos em torno dos
quais havia maiores discordâncias entre sulistas e nortistas. O primeiro dizia respeito à
política tarifária: os estados do Norte queriam que esta fosse protecionista, assegurando-
lhes o controle do mercado interno e a proteção de suas indústrias da concorrência ingle-
sa; os do Sul almejavam o livre comércio, pois temiam que a Inglaterra deixasse de com-
prar seus produtos primários, caso não pudesse exportar livremente para o mercado
norte-americano. Outra questão divergente referia-se ao regime de trabalho a ser implan-
tado nos novos estados que se formavam no oeste: os estados do Sul queriam implantar
nas novas unidades federativas o trabalho escravo, pois assim teriam maior força repre-
sentativa no Congresso Federal, neutralizando a crescente influência dos nortistas no go-
verno; os do Norte almejavam implantar o trabalho livre e, assim, obter a supremacia
política.
As tensões entre o Norte e o Sul chegaram ao auge na eleição presidencial
de 1860. Para a indignação dos estados do Sul, o candidato republicanoAbraham Lincoln,
que alavancara sua carreira discursando contra a escravidão, saiu-se vencedor. Em 20 de
dezembro de 1860, em resposta, o Estado da Carolina do Sul decretou sua emancipação
da União, sendo seguido, pouco depois, por Mississipi, Flórida,Alabama, Geórgia, Luisiana
e Texas, que, conjuntamente, formaram os Estados Confederados da América, presidi-
dos por Jefferson Davis.
Enquanto os nortistas realizavam conversações sobre o direito ou não de
estados se separarem da União, os sulistas preparavam-se para a guerra. Em 12 de abril
de 1861, forças confederadas bombardearam o Forte Sumter, localizado na Carolina do
Sul, mas leal à União, fazendo com que a guarnição da fortificação se rendesse no dia
seguinte. Tal fato encorajou os Estados da Virgínia, Arkansas, Carolina do Norte e
Tennessee a se juntarem à Confederação.Acidade de Richmond, na Virgínia, foi escolhi-
da para ser a capital dos confederados. Outros cincos Estados escravagistas, Missouri,
Kentucky, Virgínia Ocidental, Maryland e Delaware permaneceram fiéis à União. Em
resposta ao ataque confederado, o presidenteAbraham Lincoln convocou setenta e cinco
mil milicianos para fazer frente aos confederados e restabelecer a unidade norte-
americana.
Diante da guerra iminente, cada qual dos futuros adversários elaborou seus
planos de guerra. Os sulistas pretendiam, inicialmente, garantir a proteção de sua capital.
Para isso se estabeleceriam defensivamente em uma linha da época colonial, denominada
Mason-Dixon, que separava o Norte do Sul. Se fossem atacados, esperavam contra-
atacar, colocando, então, os nortistas na defensiva. Aestratégia inicial da União era uma
196
ESTADOS UNIDOS DURANTE A GUERRA CIVIL
VER MAINE
WASHINGTON MO
NT
MINNE-
SOTA M IC NEW HAMPSHIRE
H IG
OREGON WISCON- AN NOVA MASSACHUSETTS
NEBRASKA SIN IORQUE RHODE ISLAND
NOVA JÉRSEI
PENSIL-
IOWA VÂNIA DELAWARE
OHIO
NEVADA
ILLI- INDIA- MARYLAND
NOIS NA VIRG.
UTAH OCID.
VIRGÍNIA
KANSAS
MISSOURI KENTUCKI CAROLINA
CALIFÓRNIA
DO NORTE
OKLA- TENNESSEE
HOMA ARKAN- CAROLINA
NOVO MÉXICO SAS ALABA- DO SUL
MA
MISSI- GEÓRGIA
SSIPI
TEXAS
LUISIANA
FLÓRIDA

ESTADOS DA UNIÃO ESTADOS ESCRAVAGISTAS TERRITÓRIOS


ESTADOS CONFEDERADOS
FIÉIS À UNIÃO

ofensiva limitada com a finalidade de conquistar a capital confederada. Mais tarde evoluiu
para um plano mais complexo, concebido para isolar, dividir e asfixiar os estados confe-
derados, impedindo-os de ter acesso a recursos vitais. A execução deste plano exigia a
abertura de três frentes: uma oriental, tendo em vista capturar a capital confederada;
outra ocidental, com o objetivo de controlar a bacia do rio Mississipi; e uma meridional,
destinada a bloquear os portos sulistas.
Os dois lados esperavam que a guerra fosse curta. Jefferson Davis acreditava
que uma rápida vitória, preferencialmente com a conquista da capital da União (Washing-
ton), levaria os políticos do Norte a aceitarem a derrota e traria o reconhecimento interna-
cional à Confederação (sobretudo por parte do Reino Unido e da França, grandes impor-
tadores de matérias-primas sulistas). No Norte havia uma grande pressão da imprensa,
do público e de políticos para que fosse logo lançada uma ofensiva decisiva contra os
sulistas. Poucos americanos tinham ciência da realidade de uma guerra. Sendo assim,
tanto combatentes como civis passaram a esperar pelos combates como quem aguarda a
um evento festivo.
O comando das tropas da União foi entregue ao general Winfield Scott, en-
quanto o general Robert E. Lee era designado para liderar os confederados. A maior
parte do exército regular (que não era muito expressivo) e da marinha permaneceram fiéis
à União.
Em face da pressão da população nortista, que queria uma repressão rápida
aos estados rebeldes, foram destacados cerca de trinta mil voluntários da União para
conquistar a capital inimiga e acabar com o conflito. Em 21 de julho de 1861, porém, as
tropas da União depararam-se com uma força de aproximadamente trinta e dois mil su-
listas no corte do rio Bull Run (Manassa). Nessa ocasião ocorreu a primeira grande
197
batalha da guerra, na qual os nortistas foram derrotados e obrigados a recuar em desor-
dem. As notícias do desfecho do embate tiveram amplas repercussões. No Sul serviram
para aumentar o moral e o entusiasmo da população e dos soldados, motivando-os a
prosseguirem com o conflito. Na capital da União, Washington, o presidente Lincoln e
seus comandantes militares perceberam que a guerra só acabaria se a resistência da po-
pulação confederada fosse quebrada e o Sul ocupado, o que só se alcançaria
gradativamente, demandando muito tempo.
Os contendores, então, começaram a mobilizar-se para uma longa guerra. O
Norte, que tinha mais recursos, voltou suas indústrias para a produção de equipamentos
e suprimentos para as suas forças armadas. Nesse ponto, levava grande vantagem sobre
o sul agrário, que se via obrigado a importar muitos dos artigos necessários às suas tro-
pas, tendo como moeda de troca matérias-primas, principalmente algodão.
As populações também se mobilizaram. O presidente Lincoln mandou que
fossem alistados soldados. Prontamente, voluntariamente, milhares de combatentes se
apresentaram, com o intuito maior de preservar a União. Enquanto isso, também milhares
de sulistas incorporavam-se às tropas confederadas, com o objetivo de preservar sua
sociedade e defender, como diziam, suas famílias e lares. Todavia, quando o conflito se
intensificou e deu mostras que seria longo, o número de voluntários escasseou e as deser-
ções começaram. Isso obrigou os beligerantes, no ano de 1862, a partirem para a
conscrição (alistamento obrigatório de todos os cidadãos aptos para o serviço militar).
Durante a guerra, o exército do Norte contou com aproximadamente dois
milhões e duzentos mil homens. Pelo sul combateram cerca de oitocentos mil. Esses
grandes efetivos foram grupados em regimentos. Normalmente três deles, juntamente
RECURSOSDOSBELIGERANTES

UNIÃO CONFEDERAÇÃO
TONELAGEM DA MARINHA DE
POPULAÇÃO: 2,5 PARA 1 GUERRA: 25 PARA 1 ÁREA AGRÍCOLA: 3 PARA 1

VALOR DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL:


HOMENS LIVRES: 4,4 PARA 1 10 PARA 1 ANIMAIS DE CARGA: 1,8 PARA 1

HOMENS LIVRES NO SERVIÇO MILITAR PRODUÇÃO TÊXTIL: 17 PARA 1 PECUÁRIA: 1,5 PARA 1

44% 90%
RIQUEZA PRODUZIDA: 3 PARA 1 PRODUÇÃO DE FERRO: 18 PARA 1 PRODUÇÃO DE TRIGO: 4,2 PARA 1

MALHA FERROVIÁRIA: 2,4 PARA 1 PRODUÇÃO DE CARVÃO: 38 PARA 1 PRODUÇÃO DE MILHO: 2 PARA 1

TONELAGEM DA MARINHA MERCANTE: PRODUÇÃO DE ARMAS DE FOGO: 32


9 PARA 1 PARA 1 PRODUÇÃO DE ALGODÃO: 1 PARA 24

Fonte:Atlas da história do mundo. São Paulo: Time Books/Folha de São Paulo, 1995, p. 219.

198
com unidades de cavalaria, artilharia e serviços, formavam as brigadas, que constituíam
divisões, que davam origem, por sua vez, aos corpos de exército.
O treinamento recebido pelos recrutas era improvisado e sumário. Os futuros
combatentes, normalmente realizavam exercícios de tiro e aprendiam os movimentos con-
juntos básicos que fariam com suas frações por ocasião da batalha.
No início, tanto de um lado como do outro, existia uma grande escassez de
comandantes para o enorme número de soldados arregimentados. Para preencher os
claros, ao pequeno número de oficiais formados na Academia Militar de West Point (a
maioria incorporou-se nas tropas confederadas), juntaram-se indivíduos de posses ou de
prestígio, que recebiam o comissionamento no posto de coronel ou eram eleitos para
comandar regimentos.
Os beligerantes esforçaram-se ao máximo para proporcionar às suas forças
os meios militares mais avançados tecnologicamente. Desse modo, no conflito, foram
utilizados telégrafos, para aumentar a rapidez do fluxo de informações a grandes distânci-
as; observatórios artificiais, como balões, para a observação de posições inimigas e con-
dução de fogos de artilharia; e ferrovias, que permitiram rápidos deslocamentos de tro-
pas, equipamentos e suprimentos. Houve, também, preocupação em dotar-se as tropas
com as melhores armas de fogo. Os principais fuzis utilizados pelos soldados de infantaria
eram o Springfield e o Enfield (ambos de antecarga, com alcance útil de quinhentos
metros). Os cavalarianos utilizaram uma arma inovadora: carabinas retrocarga. Os ar-
tilheiros, por sua vez, fizeram uso de canhões de alma lisa e raiada, com alcance variável
de trezentos a quatro mil metros, que lançavam projéteis maciços, metralha e “shrapnel”.
Primitivas metralhadoras foram desenvolvidas, mas não chegaram a ser empregadas em
combate durante a guerra.

A GUERRA DATRÍPLICE ALIANÇA


À medida que a Guerra Civil Americana caminhava para seu desfecho, iniciava-se,
na América do Sul, um sangrento conflito no qual o Brasil, a Argentina e o Uruguai se
aliaram para enfrentar o Paraguai. Questões fronteiriças e de navegação foram as ra-
zões principais do embate. Em 1865, os paraguaios iniciaram a guerra, lançando ofensi-
vas sobre o Rio Grande do Sul e Mato Grosso (províncias brasileiras). Os ataques paraguaios
foram detidos no mesmo ano, iniciando-se, em seguida, uma contraofensiva aliada que
se estenderia por cinco anos. A guerra foi similar à Civil Americana em muitos aspectos,
principalmente se forem levados em conta os processos de combate, os equipamentos e
os armamentos empregados. Destacou-se no conflito Luís Alves de Lima e Silva (Duque
de Caxias), comandante brasileiro, que levou as tropas aliadas à vitória. A morte de
Solano Lopes, “presidente” paraguaio, em 1870, encerrou o conflito. Estima-se que o
número de mortos em decorrência da guerra possa ter chegado a duzentos mil, dos quais
cerca de 71 mil aliados (50 mil brasileiros, 18 mil argentinos e 3 mil uruguaios).

199
Ao mesmo tempo em que fracassavam em Bull Run, os nortistas não tiveram
melhores resultados na frente meridional, pois, mesmo contando com uma grande supe-
rioridade naval, não conseguiam bloquear os 5.635 quilômetros da costa inimiga. Os
confederados, demonstrando enorme tenacidade, furtivamente romperam o cerco
imposto pelo adversário, trazendo do exterior, muitos suprimentos indispensáveis ao
Sul. Além disso, os sulistas, construindo ou comprando navios, conseguiram estru-

APRIMORAMENTO NOS ARMAMENTOS

CARABINA RETROCARGA

Até meados do século XIX só existiam armas de


fogo com carregamento antecarga. Por esse sistema,
CARABINA SMITH para preparar a arma para o disparo, o soldado, em pé,
colocava o projétil e a pólvora pela “boca” do cano
com auxílio de uma vareta. Tal processo era muito de-
1 morado e deixava os combatentes expostos aos fogos
inimigos. Na Guerra Civil Americana foram emprega-
das, principalmente pela cavalaria, carabinas (1) com
carregamento retrocarga. Pelo novo processo, um car-
2 tucho (2) era inserido pela culatra da arma, que era aberta
(3) por meio de uma alavanca. A cauda do cartucho era
perfurada para permitir que a pólvora fosse inflamada
3 4 quando a espoleta fosse detonada. Fechada a culatra
da arma (4), o carregamento estava pronto. O novo pro-
cesso permitia que as armas fossem carregadas de ma-
neira mais rápida, mesmo estando o atirador na posição
deitada. As carabinas retrocarga tinham alguns incon-
venientes: possuíam menor alcance que os tradicio-
nais fuzis antecarga e tinham elevado preço.

SHRAPNEL

SHRAPNEL DO FINAL SÉCULO XIX


No final do século XVIII, o oficial inglês Henry
Shrapnel desenvolveu um projétil de artilharia inovador,
que seria constantemente aperfeiçoado. Shrapnel, em
vez de colocar somente pólvora nas granadas explosi-
vas, inseriu também esferas metálicas e uma espoleta de
tempo. Com tais dispositivos, as granadas podiam ser
ajustadas para explodir em cima das tropas inimigas, cau-
sando grande número de baixas.

200
turar uma força naval que, mesmo sendo bastante inferior à do adversário, foi capaz de
causar elevadas perdas à marinha inimiga. Nesse esforço, criaram um submarino rudi-
mentar, o Hunley, que, em fevereiro de 1864, pôs a pique uma chalupa inimiga, antes de
afundar por razões desconhecidas. Também transformaram o vapor Merrimac em um
navio couraçado, revestindo seu casco de madeira com ferro, o que obrigou os nortistas
a construírem o couraçado Monitor. Os dois couraçados chegaram a se enfrentar, mas
não houve um vencedor.
Na frente oriental, os nortistas saíram-se melhor. Venceram a sangrenta bata-
lha travada em Shiloh e, mesmo sofrendo alguns reveses, terminaram o ano de1861 con-
trolando a maior parte dos Estados do Missouri, Kentucky e Tennessee.
Na primavera do ano seguinte, na frente oriental, o general nortista George B.
McClellan, que substituíra o general Winfield Scott, organizou um exército de cerca de
cento e setenta e cinco mil homens, tendo como objetivo principal conquistar a capital
inimiga. Ciente dessa ameaça, o general Lee antecipou-se ao ataque nortista tomando a
iniciativa das ações. Após diversos e sangrentos combates, as tropas sulistas, mesmo em
inferioridade numérica, conseguiram deter, por meio de hábeis manobras em linhas inte-
riores, o avanço nortista, resguardando Richmond.
Tentando diminuir a pressão a que estava submetida a Confederação, em
setembro de 1862, tropas do general Lee avançaram sobre o território inimigo. Os sulis-
tas estacionaram no estado de Maryland, nas proximidades da cidade de Washington. O
presidente Lincoln ordenou ao general McClellan que pusesse fim ao risco a que estava
submetida a capital da União. Ocorreu, então, em 17 de setembro de 1862 (considerado
o dia mais sangrento da história dos Estados Unidos), a Batalha de Antietam. No embate,
que terminou em um impasse, cada um dos lados teve cerca de vinte e seis mil baixas. O
general Lee, após o confronto, considerou ser mais conveniente retornar com suas tropas
para a Virgínia.As forças no norte não perseguiram o inimigo que se retirava, o que custou
ao general McClellan o posto de comando.
Em junho de 1863, após repelir outra ofensiva nortista sobre a Virgínia, o
general Lee voltou a penetrar em território inimigo. Estacionou no estado da Pensilvânia,
de onde passou novamente a ameaçar Washington e, agora, também a Filadélfia. Desta
vez, o comandante sulista sofreu uma grande derrota na batalha de Gettysburg, sendo
obrigado a recuar para o sul.
O fracasso em Gettysburg não foi o único fato lamentado pelos confederados
em 1863. Em julho deste ano, na frente ocidental, após muitos combates, os nortistas
conquistaram a fortaleza de Vicksburg, o que lhes garantiu o controle da bacia do Mississipi
e dividiu a Confederação em duas partes.
Na frente meridional, o bloqueio naval dos nortistas ganhou, aos poucos, em
eficácia, tendo estes ocupado os principais portos inimigos. No final da guerra, cerca de
quinhentos navios da Marinha da União patrulhavam a costa inimiga, capturando por volta
da metade dos navios que tentavam furar o bloqueio.
201
BATALHA DE GETTYSBURG

02 DE JULHO DE 1863 03 DE JULHO DE 1863


EW EL L
EWELL
04

LL
HI
01
HILL

CEMITERY
04 CEMETERY
RIDGE
RIDGE CEMITERY
CEMETERY
RIDGE
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07
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LEGENDA

CONFEDERADOS NORTISTAS

Em junho de 1863, o general Lee invadiu o estado da Pensilvânia, passando a ameaçar áreas estratégicas
da União. O presidente Lincoln ordenou ao general Meade que pusesse fim ao perigo. No dia 01 de julho de
1863, na localidade de Gettysburg, os dois exércitos contendores encontraram-se. Os nortistas tinham um
efetivo de 95 mil soldados; os sulistas somavam aproximadamente 70 mil homens. Os adversários tinham
ciência de que o resultado do embate influenciaria decisivamente o desfecho da guerra. Após combates na orla
oeste de Gettysburg, as tropas da União recuaram para um platô ao sul, onde estabeleceram posições defensivas
(01). A ala esquerda nortista, porém, foi posicionada um pouco à frente do local planejado (02). Tal fato deixou
desguarnecida uma elevação denominada “Little Round Top”, acidente capital da defesa nortista (03). O
general Lee, ao se deparar com a posição inimiga, resolveu conquistá-la, realizando um desbordamento. Para
isso, determinou que o general Longstreet atacasse a ala esquerda inimiga, ocupasse “Little Round Top” e
ficasse em condições de flanquear as demais forças adversárias. Ao mesmo tempo, os generais Hill e Ewell
deveriam realizar ataques de fixação no centro e na ala direita dos nortistas. Os ataques confederados (04) foram
lançados no dia 02, mas repelidos após intensos combates. Durante a luta, as tropas da ala esquerda nortista
recuaram (05), porém, com o apoio de reforços (06), conseguiram manter “Little Round Top”. Diante do
fracasso inicial, o general Lee reajustou seu dispositivo e planejou um novo ataque. O objetivo confederado seria
agora o centro das posições nortistas, visto, pelo general Lee, nesse momento, como o ponto mais fraco das
defesas inimigas. O general Longstreet foi novamente designado para desencadear o ataque principal, que
deveria penetrar no dispositivo inimigo e ocupar uma área conhecida como “Cemetery Ridge” (07). Outros
ataques de menor vulto seriam lançados sobre determinados pontos da linha de defesa inimiga em apoio à ação
principal. Desencadeado o ataque, as tropas sulistas encarregadas da ação principal não conseguiram romper as
posições inimigas (08), devido às perdas que tiveram em seu avanço, quando ficaram por longo tempo expostas
aos fogos dos defensores. Em decorrência do novo fracasso, as derrotadas tropas confederadas retiraram-se do
campo de batalha, retornando para a Virgínia. Os confederados tiveram cerca de 28 mil baixas, os nortistas 23
mil. Em consequência do resultado da batalha, os confederados perderam a iniciativa das ações, permanecendo
na defensiva até o final da guerra.

202
FORMA USUAL DE COMBATE DOS BELIGERANTES

01

02

03

No início da guerra, os comandantes lançavam ataques frontais contra o


inimigo (01). Nesses ataques, os soldados avançavam ombro a ombro, em um mesmo
ritmo e em linhas sucessivas (02), para fazer uso ao máximo do poder de fogo. As
linhas da retaguarda tinham a missão de manter a impulsão do ataque. Para o sucesso
da ofensiva, era essencial que as tropas estivessem impregnadas de um moral elevado,
pois, em seu avanço, os soldados ficavam expostos por bastante tempo às armas inimi-
gas de longo alcance, o que invariavelmente resultava em um grande número de baixas
ao atacante. Para se protegerem do fogo inimigo, as tropas que estavam na defensiva
começaram a se entrincheirar, e as que estavam na ofensiva a se aferrar ao terreno.
Tentou-se também avançar por meio de lanços, ou seja, alternadamente metade dos
homens avançava até determinada linha, enquanto os demais, deitados, mantinham o
inimigo engajado pelo fogo. Tal manobra não teve bons resultados, pois os soldados
tinham dificuldade em carregar seus fuzis antecarga, estando na posição deitada. Com
o passar do tempo, os comandantes procuraram evitar os ataques frontais, passando a
optar por manobras mais flexíveis, como as de desbordamento e infiltração.Aartilharia
era mantida a uma distância que não a deixasse exposta ao fogo dos fuzis inimigos (03).
Isso fazia com que normalmente proporcionasse um apoio de fogo pouco eficaz à
infantaria. Os cavalarianos sofriam grande número de baixas, se lançados frontalmente
contra infantes que ocupassem posições defensivas bem organizadas, pois, durante as
cargas, ficavam muito vulneráveis aos fogos do inimigo. Em consequência, a cavalaria
acabou empregada, primordialmente, na realização de reconhecimentos e segurança.

203
Ainda em 1863, Lincoln proclamou que todos os escravos do sul seriam
libertados à medida que as tropas do Norte assumissem o controle dos territórios inimi-
gos. Unindo seu objetivo primordial, a integridade da União, à questão da abolição da
escravatura, o presidente da União conseguiu transformar a guerra civil em uma luta de
libertação. Tal fato evitou que a Inglaterra, devido a suas leis antiescravagistas, interviesse
em favor dos confederados.
Não obstante, a guerra continuava, e o moral dos confederados não dava
sinais de arrefecer. Os líderes da União perceberam que para vencer a guerra precisariam
radicalizar suas ações, atingindo também os não combatentes sulistas.
Em março de 1864, Lincoln designou o general Ulysses S. Grant para o co-
mando das forças da União. O novo comandante ordenou mais um ataque à capital con-
federada. Suas tropas invadiram a Virgínia, onde, numa longa campanha de desgaste
(maio de 1864 a abril de 1865), marcada pelo grande número de baixas de ambos os
lados, obrigaram o general Lee a estabelecer linhas defensivas em torno de Richmond.
Paralelamente, o general da União Willian Sherman liderou uma força de
invasão que, do Tennessee, penetrou no território confederado até a Geórgia, de onde,
em seguida, avançou para a Virgínia. No caminho, os soldados nortistas aterrorizaram a
população e destruíram, em um raio de oitenta quilômetros, tudo o que pudesse ser utili-
zado no esforço de guerra inimigo (fazendas, estradas e cidades). Além disso, o general

SOLDADO DA UNIÃO SOLDADO CONFEDERADO

204
LESTE DOS ESTADOS UNIDOS Sherman, em sua ofensiva, cortou as princi-
PRINCIPAIS CIDADES E BATALHAS
pais conexões férreas inimigas, de Chattanooga
até Savannah, fragmentando o território con-
NOVA IORQUE
federado em áreas que não tinham
GETTYSBURG
ANTIETAM autossuficiência, o que solapou, ainda mais, a
BULL RUN
WASHINGTON
já cambaleante economia sulista. Com sua ca-
APPOMATTOX pital assediada, com suas forças militares in-
RICHMOND
capazes de fazer frente aos avanços dos nor-
M
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C HA tistas sobre o território confederado e com falta
RIO MISSISSIPE

DO
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de todos os tipos de suprimentos, o moral das
ER
AL
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tropas e da população sulista começou a se
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SHILOH M
AN ATLANTA esfacelar.
FORTE SUMTER No início de 1865, iniciaram-se
VICKSBURG OCEANO ATLÂNTICO conversações de paz. Em abril, o general Lee
e suas forças viram-se forçados a abandonar
a capital confederada. Ele seguiu para
Appomattox, onde, em 9 de abril de 1865,
GOLFO DO MÉXICO rendeu-se às tropas do general Grant. Pouco
Fonte: História em Revista. Senhores Coloniais. São Paulo:
tempo depois, os demais contingentes do sul
fizeram o mesmo.

BATALHA DE CORINTH (MISSISSIPI, 1862)

205
AGuerra CivilAmericana foi um conflito total, no qual ambos os lados utiliza-
ram ao máximo suas potencialidades e as mais variadas estratégias para chegar à vitória,
que deveria ser absoluta.As atrocidades cometidas e a devastação sistemática, realizadas
pelas tropas comandadas pelo general Sherman em sua marcha pelo sul, quando não se
poupou nem mesmo a população civil, demonstram o grau de engajamento do Norte em
torno de seu objetivo de manter a integridade dos Estados Unidos.
A vitória final dos estados do Norte, após uma longa guerra, deveu-se princi-
palmente a sua maior disponibilidade de recursos, o que lhes permitiu desgastar o inimigo.
Ao longo da guerra, os nortistas tiveram cerca de seiscentas e trinta mil baixas, enquanto
os confederados, aproximadamente trezentas e oitenta mil. Dois terços das mortes dos
soldados deveram-se a doenças causadas pelas péssimas condições a que eram subme-
tidos os combatentes. Além disso, milhares de civis morreram em consequência da
guerra.
Após a guerra, os estados do Norte impuseram sua hegemonia, unificaram o
mercado interno e removeram os obstáculos ao crescimento do capitalismo, passando os
norte-americanos a vivenciar um processo de desenvolvimento que tornaria seu país a
maior potência capitalista do mundo, cinquenta anos depois.
Enquanto ocorriam as batalhas na América do Norte, na Europa, líderes
germânicos trabalhavam em torno de um processo para unificar os estados alemães, que
atingiria seu clímax por ocasião da Guerra Franco-Prussiana.

206
CAPÍTULO 19

A UNIFICAÇÃO ALEMÃ
“Não será com discursos e maiorias que as grandes questões do
momento serão decididas (...), mas com ferro e sangue”. 29
Bismarck

Na segunda metade do século XIX, Otto von Bismarck, estadista prussiano,


liderou um processo que culminou com a unificação da Alemanha em 1871.
Décadas antes, nos anos de 1814-15, no Congresso de Viena, foramredefinidas
as fronteiras europeias, muito alteradas durante as Guerras Napoleônicas. Os países que
participaram deste evento decidiram-se pela criação da Confederação Germânica, a ser
formada por trinta e nove Estados alemães, dos quais o Reino da Prússia, governado por
reis da Casa dos Hohenzollern, e o ImpérioAustríaco, dirigido por soberanos Habsburgos,
eram os mais importantes. Os austríacos passaram a presidir a nova confederação, fato
visto de mau grado pelos prussianos, colocados em uma posição secundária.
As lideranças prussianas não se conformavam em ficar em um segundo plano.
Em 1818, passaram a liderar uma união aduaneira (“Zollverein”), que tinha como meta
eliminar impostos alfandegários entre estados alemães. Os membros da união aduaneira
firmaram diversos tratados comerciais, eliminaram impostos e criaram uma moeda única,
medidas que estimularam a produção agrícola e industrial. Notadamente na Prússia, de-
senvolveram-se enormes complexos industriais (siderúrgicos, mecânicos e metalúrgicos),
grandes centros urbanos, pujantes redes bancárias e extensa malha ferroviária. Em 1834,
quase todos os estados alemães faziam parte da “Zollverein”. Entre as exceções estava a
Áustria, propositadamente deixada de fora.
Os austríacos não conseguiam acompanhar o acelerado aumento do poderio
econômico prussiano, o que podia ser percebido nitidamente no final dos anos de 1840.
Além disso, o Império Austríaco não era coeso, pois padecia de graves problemas inter-
nos, motivados por movimentos liberais e nacionalistas, desencadeados por minorias de
poloneses, eslovacos, húngaros, italianos, entre outros, que, de forma forçada, eram
súditos dos Habsburgos.
Após obter a supremacia econômica sobre a Áustria, a Prússia passou a
buscar a liderança política sobre os estados alemães. Em 1862, Guilherme I, rei da Prússia,
nomeou Bismarck para ser seu primeiro-ministro (chanceler). Bismarck, político determi-
nado e astucioso, intensificou um processo desejado por vários segmentos da sociedade
alemã, que tinha por objetivo a união étnica e cultural do povo germânico em um só
estado.
2 9 apud: História em revista: senhores coloniais, 1997, p.49.

207
UNIFICAÇÃO ALEMÃ
DINAMARCA
SUÉCIA

SCHLESWIG MAR BÁLTICO


MAR DO NORTE

HOLSTEIN

MECKLEMBURG
HANNOVER
PRÚSSIA
HOLANDA
HESSE
KASSEL
RÚSSIA

BÉLGICA
NASSAU SAXÔNIA

LUXEMBURGO

PALATINADO
LORENA
BAVIERA
FRANÇA ALSÁCIA WÜHTEMBERG IMPÉRIO AUSTRO-HÚNGARO
BADEN

SUIÇA

PRÚSSIA - 1815 ADESÕES DURANTE A GUERRA


FRANCO-PRUSSIANA - 1870/71
SCHLESWIG-HOLSTEIN- 1866 ALSÁCIA -LORENA - 1871

INCORPORAÇÕES EM 1866 LIMITE DA CONFEDERAÇÃO DA


ALEMANHA DO NORTE

Bismarck estava convencido de que a unidade alemã só seria alcançada atra-


vés de uma guerra contra a Áustria, já que esta se opunha à unificação, por considerar que
só poderia continuar a controlar os estados alemães, se eles continuassem desunidos. Em
virtude disso, o chanceler prussiano destinou o máximo de recursos possíveis para o
aprimoramento do exército. O intenso crescimento das receitas, advindo do pujante de-
senvolvimento econômico prussiano, contribuía para esse propósito.
O Exército Prussiano era alvo de constantes reformas desde o final das Guer-
ras Napoleônicas. Em 1856 passou a ser comandado por Albrech von Roon (Ministro da
Guerra) e pelo General Helmuth K.B. von Moltke (Chefe do Estado-Maior).
Enquanto tratava da articulação política da unificação alemã, Bismarck con-
fiava, principalmente a Moltke, o encargo de respaldá-lo belicamente. Recebendo recur-
sos do Chanceler prussiano, o Chefe do Estado-Maior acelerou as reformas, tornando o
Exército Prussiano o melhor da Europa.
Ele deu ênfase aos trabalhos precípuos do Estado-Maior, que passou a ser
composto por oficiais considerados os mais competentes. Estes tinham como missão pre-
parar o Exército para guerras a serem travadas em consonância com os objetivos e a
política de segurança nacionais. No planejamento operacional, detalhado e frequente-
mente atualizado, passaram a constar planos de operações, de mobilização, de transporte
e de concentração de tropas.

208
A organização do Exército emtempo de paz passou a corresponder exatamente
à prevista para o tempo de guerra, para se evitar improvisações. Ao serem convocados,
os reservistas deveriam saber onde se apresentar. Normas foram criadas para regular
como e onde seriam obtidos os meios necessários para as eventuais campanhas (requisi-
ção de equipamentos e suprimentos).
Moltke era adepto da ideia de que as unidades componentes dos corpos de
exército deveriam marchar separadas, mas combater conjuntamente. Em consequência, o
transporte e o controle das tropas passaram a ser previstos em planejamentos pormeno-
rizados, que prescreviam a utilização, de maneira mais eficiente possível, do excelente
sistema ferroviário e telegráfico existentes nos estados alemães.
Ele fazia questão de que fossem empregadas manobras flanqueantes, por con-
siderar estas mais capazes de aniquilar o inimigo, além de resultarem em um número
menor de baixas às forças atacantes. Também definiu que o comandante-em-chefe e o
Estado-Maior deveriam planejar, dirigir e coordenar as ações estratégicas e as operacionais.
Dava-se, assim, liberdade para os comandantes dos escalões subalternos, por iniciativa,
mas seguindo as diretrizes gerais, desencadear ações táticas.
Na Prússia, o serviço militar era
obrigatório. Os homens serviam três anos na REVOLUÇÕES NA EUROPA
ativa, quando eram instruídos para o comba-
te, e permaneciam nove na reserva, sujeitos a Em 1830, crises econômicas,
convocações periódicas. Isto propiciava a sociais e políticas deram início a um
mobilização rápida de grandes contingentes período de agitação na Europa. No
aptos para o combate (a amplitude dos efetivos ano de1848, irrompeu na França um
levou à criação dos exércitos de campanha, movimento revolucionário do qual fa-
constituídos por corpos de exércitos). Os ofi- ziam parte burgueses e trabalhadores.
ciais, por sua vez, eram instruídos na Acade- O rei Luís Filipe I acabou deposto e a
mia de Guerra de Berlim. república proclamada. Em 1851, Luís
O principal armamento individual Napoleão (sobrinho de Napoleão I),
dos prussianos era o fuzil Dreyse, de carre- que havia sido eleito presidente, deu
gamento retrocarga, com alcance útil de qua- um golpe, tornando-se imperador
trocentos metros. A artilharia era dotada de com o título de Napoleão III. Da Fran-
canhões de aço Krupp, raiados e de ça, o movimento, absorvendo forte
retrocarga, com alcance de três mil metros. As influência nacionalista, espalhou-se
tropas prussianas, normalmente, possuíam ele- para outras regiões, entre as quais o
vado moral, insufladas por forte ardor nacio- Império Austríaco, a Confederação
nalista. Para Moltke, cabia aos chefes elevar Germânica e a Península Itálica. Fora
o moral de suas tropas, já que acreditava ser da França, no entanto, os movimentos
esse um componente essencial para se chegar foram sufocados.
à vitória.

209
Em 1863, as divergências e desconfianças entre austríacos e prussianos che-
garam a um ponto crítico. Nesse ano, porém, uma atitude do rei da Dinamarca, Cristiano
IX, fez com que os dois rivais germânicos se aliassem em torno de um objetivo comum.
Isso ocorreu porque o monarca dinamarquês declarou que anexaria ao seu reino os ducados
de Holstein e Schleswig, de população majoritariamente alemã. Os príncipes germânicos
desses ducados se rebelaram, reivindicando independência. Foi então que, prussianos e
austríacos, em meio a um grande fervor nacionalista, declararam guerra à Dinamarca em
apoio aos príncipes.AGuerra dos Ducados, como ficaria conhecida, foi facilmente vencida
pelas tropas austro-prussianas no ano de 1864. Os vencedores estabeleceram que a
Áustria administraria Holstein, e a Prússia, Schleswig.
Bismarck, no entanto, percebia que uma guerra contra a Áustria aproximava-
se. Passou, então, a orquestrar alianças com o fito de isolar o possível inimigo. Conseguiu
uma garantia de neutralidade por parte da França, caso os prussianos entrassem em guer-
ra contra os austríacos, e, paralelamente, aliou-se ao Reino da Itália, que igualmente tinha
a Áustria como um dos principais obstáculos para sua unificação.
Depois disso, o chanceler alemão começou a provocar os austríacos, tendo
em vista levá-los à guerra. Acusou-os de má administração em Holstein e ordenou que
tropas prussianas ocupassem este ducado. Insatisfeitos com o curso dos acontecimentos,
os austríacos levaram o caso à Dieta Alemã (Assembleia Legislativa da Confederação
Germânica), exigindo que os Estados alemães se mobilizassem contra a Prússia.
Diante dos fatos, em junho de 1866, a Prússia declarou guerra à Áustria e a
seus aliados (a maioria dos estados alemães manteve-se ao lado dos austríacos, porém,
de maneira geral, tinham pouco poder de combate). O Reino da Itália, conforme havia

A UNIFICAÇÃO ITALIANA
Assim como a Alemanha, em meados do século XIX, a Itália estava fragmenta-
da em diversos estados. A partir da década de 1850, os italianos intensificaram seus
esforços no sentido de unir a nação.
O processo foi liderado pelo Reino da Sardenha-Piemonte. Este, em 1859, com
ajuda de tropas francesas, expulsou os austríacos da Lombardia. Logo depois, a Toscana
e outros estados do norte uniram-se ao Reino da Sardenha-Piemonte. No sul, em
1860, o Reino das Duas Sicílias foi conquistado por Giuseppe Garibaldi, que o entre-
gou ao rei sardo-piemontês Vítor Emanuel II. O monarca acabou, em 1861, procla-
mado rei da Itália.
Em 1866, os italianos aliaram-se aos prussianos na Guerra das Sete Semanas
contra a Áustria, ao final da qual se apossaram de Veneza. Finalmente, em 1870, apro-
veitando-se da Guerra Franco-Prussiana, os italianos anexaram os Estados Papais, até
então protegidos por tropas francesas, tornando Roma sua capital.

210
acordado com Bismarck, também declarou guerra à Áustria. Dessa forma, os austríacos
viram-se envolvidos em duas frentes de combate.
A Guerra das Sete Semanas, como ficaria conhecido esse embate, iniciou-se
em 15 de junho de 1866. Os italianos, embora derrotados, obrigaram o inimigo a desta-
car grandes contingentes para o sul dos Alpes, facilitando as ações dos prussianos, que
penetraram na Áustria, onde venceram decisivamente o grosso do Exército Habsburgo,
em 3 de julho de 1866, na Batalha de Königgrätz (Sadowa).
Aproximadamente meio milhão de combatentes participaram da batalha. Os
prussianos, armados com fuzis retrocarga Dreyse, disparavam mais rapidamente do que
seus inimigos, armados com fuzis antecarga, fato fundamental para o sucesso do Exército
da Prússia.
A derrota em Königgrätz levou o Imperador austríaco a buscar a paz. Pelo
Tratado de Praga, assinado em agosto de 1866, foi extinta a Confederação Germânica
e criada a Confederação da Alemanha do Norte (abrangendo todos os estados alemães
ao norte do rio Main), que ficaram sob a liderança da Prússia. Os austríacos foram,
também, proibidos de imiscuir-se em assuntos alemães, além de se verem obrigados a
ceder Veneza aos italianos. Os estados alemães ao sul do rio Main, devido a pressões
diplomáticas do Imperador francês Napoleão III, contrário à unificação alemã, mantive-
ram-se independentes, formando a Confederação dos Estados Alemães do Sul. Na prá-
tica, representavam uma zona-tampão entre a França e a Prússia.
O aumento do poderio prussiano, no entanto, preocupou os franceses, que
sempre desejaram uma Alemanha fragmentada e frágil. Bismarck, por sua vez, negava
pretender travar uma guerra contra a França, mas considerava que um conflito entre fran-
ceses e prussianos, em face do fervor nacionalista existente, poderia levar os estados
germânicos ainda recalcitrantes a se unirem à Confederação da Alemanha do Norte, o
que significaria a unificação alemã.
As tensões franco-prussianas aumentavam de forma rápida. Um fato ocorri-
do na Espanha desencadeou a guerra, que já era iminente. Em 1868, os espanhóis, por
meio de uma revolução, destituíram a rainha Isabel II. No ano seguinte, o trono foi ofertado
a Leopoldo, um príncipe Hohenzollern, primo do rei da Prússia. Os franceses não podiam
aceitar tal fato, pois acreditavam que soberanos Hohenzollern, governando dois países
que lhes eram vizinhos, poderiam, no futuro, aliar-se contra a França, levando-a a uma
guerra em duas frentes.
Durante uma reunião entre o embaixador francês e Guilherme I, a candidatura
de Leopoldo foi retirada. Bismarck, que não participara do encontro, ficou sabendo dos
fatos por meio de um telegrama. O chanceler resolveu intervir nos acontecimentos, editou
a mensagem recebida no telegrama, de forma que parecesse insultuosa à França e man-
dou que fosse distribuída aos jornais e embaixadas da Europa. Imediatamente, em 15 de
julho de 1870, Napoleão III ordenou a mobilização do Exército Francês e declarou guer-
ra à Prússia. O Exército Francês, porém, não estava tão bem organizado quanto o prussiano.
211
Aos franceses faltava, principalmente, um estado-maior com capacidade para
regular, planejar e supervisionar as operações. Os comandantes, por exemplo, desco-
nheciam o papel importante das ferrovias para o transporte, mobilização e concentração
de tropas, o que podia resultar deslocamentos morosos e desordenados, em caso de
guerra. Além disso, na França, o serviço militar não era obrigatório e a instrução dos
oficiais e praças era deficiente. Para agravar, a organização militar francesa em tempo de
paz tinha pouca relação com a que seria utilizada em tempo de guerra, dando margem a
improvisações. Complicando ainda mais, a artilharia francesa, dotada de canhões de
bronze, era inferior à prussiana.
Apesar das inúmeras desvantagens, os franceses tinham alguns trunfos. Pos-
suíam um maior número de soldados profissionais, impregnados por ideias nacionalistas e
de elevado moral, e dois armamentos que poderiam trazer a vitória: o fuzil Chassepot,
superior ao Dreyse, e a primitiva metralhadora de Reffeye, cujo desenvolvimento foi
mantido em segredo e, em consequência, poucos soldados sabiam manejá-la.
Na última semana de julho de 1870, cerca de quatrocentos mil soldados
prussianos já estavam concentrados próximos à fronteira francesa, prontos para o com-
bate. O planejamento prussiano, que previra o transporte de equipamentos, de suprimen-
tos e de centenas de milhares de soldados por vias férreas, foi posto em prática sem
grandes transtornos. Enquanto isso, de maneira desordenada, lenta e incompleta, os fran-
ceses concentravam aproximadamente duzentos e vinte mil homens naAlsácia, para fazer
frente ao inimigo.
Os prussianos, liderados por Moltke, dividiram suas forças em três exércitos
de campanha e optaram pelo plano de derrotar seus oponentes com a realização de uma
ação ofensiva a partir da Alsácia, de modo a encurralar as tropas francesas em direção à
Bélgica, isolando, dessa forma, Paris. Os franceses, com dois exércitos de campanha,
comandados por Achile Bazaine e Marie E. MacMahon, tinham o objetivo de invadir a
Alemanha e interpor-se entre a Confederação dos Estados do Norte e a do Sul, tendo
em vista derrotar o inimigo por partes.
No início de agosto, os prussianos, prontos para o combate antes dos fran-
ceses, tomaram a iniciativa, marchando com grande rapidez e força sobre a França. A
eficiência prussiana logo prevaleceu sobre as desorganizadas forças francesas, que foram
rapidamente repelidas da Alsácia. O exército comandado por Bazaine, composto por
cento e setenta mil homens, ficou cercado em Metz. O de MacMahon recuou até Chalons,
de onde, com a presença de Napoleão III, deslocou-se para Sedan. Desta localidade,
Napoleão III e MacMahon pretendiam deslocar suas tropas para Metz, a fim de socor-
rer Bazaine. Os prussianos, porém, em 31 de agosto, cercaram-nas antes de saírem de
Sedan. Os franceses sitiados acabaram se rendendo, depois de sofrerem pesados fogos
de artilharia e tentarem sem êxito romper o cerco a que estavam submetidos. Napoleão
III, Macmahon e aproximadamente cem mil homens foram feitos prisioneiros.

212
BATALHA DE SEDAN

4 LEGENDA

3 2
5
9 LINHA DEFENSIVA FRANCESA
10 9 PRUSSIANOS

1 FRANCESES
6

8 8
xxxx xxxx
III II
7 7

Em 1º de setembro de 1870, em Sedan, um exército de campanha francês, comanda-


do pelo Marechal MacMahon (que, após ser ferido, foi substituído pelo General Decourt,
que, por sua vez, passou o comando ao General Winpfen), enfrentou dois exércitos de
campanha prussianos, comandados pelo Marechal Moltke. Os franceses contavam com
cerca de 120 mil homens, os prussianos, com 200 mil. A batalha decidiu a Guerra Franco-
Prussiana e, também, a continuidade do processo de unificação da Alemanha. No mês ante-
rior, as forças de MacMahon (acompanhadas por Napoleão III) haviam iniciado um deslo-
camento rumo a Metz, a fim de socorrer as tropas do General Bazaine, que se encontravam
sitiadas. Os prussianos, porém, interceptaram MacMahon em Sedan (1). Nessa localidade,
os franceses haviam estabelecido posições defensivas (2), que tinham como limite os rios
Givonne (3), Mosa (4) e o arroio Floing (5); ao sul de Sedan, planícies alagadas (6) impe-
diam uma investida dos prussianos. Os I e II Exércitos de Campanha prussianos, depois de
alcançarem Sedan (7), iniciaram um desbordamento (8). Antes que esta manobra se efetivasse,
o General Decourt, que substituíra MacMahon, decidiu por uma retirada que foi cancelada
quando Winpfen assumiu o comando. Este considerou melhor realizar uma contraofensiva,
com o intuito de abrir um caminho para leste. Ela, no entanto, fracassou (9), possibilitando
aos prussianos completar o desbordamento. Cercadas, as tropas francesas recuaram para a
cidade de Sedan (10), onde passaram a ser alvo de incessantes fogos da artilharia inimiga,
superior em quantidade e qualidade à dos franceses. Observando suas tropas serem massa-
cradas e sem esperança de sair do cerco, Napoleão III interveio, ordenando a rendição
incondicional das tropas remanescentes. Os franceses tiveram cerca de 17 mil baixas, os
prussianos 9 mil. A vitória deixou o caminho de Paris aberto para os prussianos, que
venceram a guerra e unificaram a Alemanha.
POSIÇÃO DEFENSIVA FRANCESA

213
APRIMORAMENTO NOS ARMAMENTOS
OS FUZIS DREYSE E CHASSEPOT
O fuzil Dreyse (1), conhecido como “fuzil agulha”,
empregado pelo Exército Prussiano, era de retrocarga. Por
meio de uma alavanca (2), puxava-se o ferrolho (3) para a
2 retaguarda, o que abria a culatra (4). Era, então, introduzi-
3 4
do um cartucho (5) de papel, que se consumia durante o
disparo, em cujo interior se encontravam a carga de pól-
5 vora (6), a espoleta (7) e o projétil (8). Acionando-se o
gatilho, era liberado um percussor (9) (na forma de uma
agulha), que perfurava o cartucho de papel, atravessava a
9 carga de pólvora e atingia a espoleta, que ficava apoiada
na parte posterior do projétil, o que provocava a detona-
ção, que expelia o projétil. As vantagens desse armamen-
to eram sua cadência de tiro, superior à dos fuzis antecarga,
e a possibilidade do atirador poder preparar o tiro estan-
do deitado, não ficando, dessa forma, totalmente exposto
aos fogos do inimigo. O Dreyse, porém, tinha sérias limi-
6 7 8 tações: seu alcance útil (400 metros) era inferior ao de
11 outras armas, devido à limitada quantidade de pólvora
colocada no cartucho; resíduos da munição causavam
frequentes falhas no disparo; o escape de gases, resul-
tante do disparo, por vezes, feria o atirador; e o percussor
frequentemente quebrava.
10
O fuzil Chassepot, utilizado pelos franceses, (10)
foi um aprimoramento do Dreyse. A espoleta foi colocada
1 na parte posterior do cartucho (11), o que fez diminuir o
número de falhas no disparo. O Chassepot possibilitava
colocar no cartucho (também de papel) uma carga de pól-
vora maior do que a do cartucho do fuzil Dreyse. Isso
fazia o seu alcance ser superior ao do fuzil prussiano.
METRALHADORAS
Por ocasião da guerra contra os prussianos, os
franceses dispunham de uma metralhadora capaz de rea-
lizar três rajadas de vinte e cinco tiros em um minuto. Os
2 1 disparos eram efetuados por meio de uma série de canos
(1), agindo-se em uma manivela (2). Seu alcance era de
aproximadamente 1800 metros.
Na década de 1880, Hiram Maxim desenvolveu uma
metralhadora automática, capaz de realizar
ininterruptamente 500 tiros por minuto. Seu mecanismo
de disparo era continuamente rearmado, após cada tiro,
pela ação dos gases resultantes da deflagração do
cartucho.

214
FORMA USUAL DE COMBATE DOS BELIGERANTES

4
2

PRUSSIANOS FRANCESES

Os prussianos adotaram uma tática eminentemente ofensiva. Inicialmente as


posições defensivas inimigas eram maciçamente batidas por fogos de artilharia; em
seguida, batalhões progrediam em direção ao inimigo divididos em companhias,
que, por sua vez, avançavam em colunas (1). Auma determinada distância do inimi-
go, os pelotões que estavam à frente de suas companhias formavam linhas de atira-
dores e avançavam aceleradamente até a distância de 400 metros (alcance útil de um
tiro de fuzil) (2); a partir dessa distância, os pelotões vanguardeiros avançavam (3) e
procuravam proteger-se, fazendo uso de cobertas e abrigos e de seus fogos. As
ações dos pelotões vanguardeiros visavam proteger o deslocamento do restante da
companhia que, aproveitando-se do engajamento do inimigo, deveria desbordá-lo
(4). Apesar das manobras, o número de baixas no avanço era elevado, pois as for-
mações, demasiadamente densas, ficavam por longo tempo expostas ao fogo adver-
sário.
Os franceses, confiando na superioridade de seu fuzil, adotaram uma pos-
tura defensiva. Atiradores, em boas posições e com bons campos de tiro,
posicionavam-se em linha (5), procurando, com seu fogo, deter o avanço do inimigo.
As cavalarias foram pouco empregadas, pois os cavalarianos, em suas
cargas, ficavam muito expostos aos fogos do inimigo.

215
Apesar da fragorosa derrota em Sedan, os franceses não se deram por ven-
cidos. Declararam o Imperador aprisionado deposto e proclamaram uma república. Um
novo governo assumiu o poder em Paris em 4 de setembro de 1870.
Em 19 de setembro, os prussianos iniciaram o cerco a Paris. O principal líder
do novo governo, Léon Gambetta, evadiu-se da capital francesa em um balão, dirigindo-
se para Tours, onde organizou um novo exército, que chegaria a contar com trinta e seis
divisões.
Uma contraofensiva francesa foi lançada, obteve alguns êxitos, mas pecou
pela falta de um planejamento, vindo a se desarticular quando Bazaine se rendeu em
Metz, no dia 27 de outubro de 1870. A capitulação oficial de Paris ocorreu em 28 de
janeiro de 1871, quando o governo francês solicitou um armistício aos prussianos. Pouco
depois, em 13 de fevereiro, uma Assembleia Nacional Francesa reuniu-se em Bordéus,
nomeando Adolphe Thiers para a presidência da República.
Thiers, entretanto, teve de governar de Versalhes, pois a população de Paris
recusou-se a aceitar a capitulação oficial e a reconhecer a nova república. Em março de
1871, os parisienses formaram, por contra própria, um governo revolucionário, de ten-
dência socialista, denominado Comuna de Paris.
GUERRA FRANCO-PRUSSIANA

CANAL DA
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MANOBRAS PRUSSIANAS

LEGENDA MANOBRAS FRANCESAS - REPUBLICANAS

MANOBRAS FRANCESAS - IMPERIAIS

216
SOLDADO PRUSSIANO SOLDADO FRANCÊS

Em 10 de maio de 1871, os prussianos e os republicanos franceses firmaram


o Tratado de Frankfurt, que pôs fim à guerra. Neste documento, ficou estabelecido que
a província francesa da Alsácia e parte da de Lorena (inclusive Metz) passariam para o
domínio do ImpérioAlemão. AFrança teria também de pagar uma indenização de guerra
de cinco bilhões de francos e financiar os custos da ocupação das províncias do norte
pelas tropas alemãs. Em troca, foram libertados cem mil prisioneiros de guerra franceses.
Estes, juntamente com soldados prussianos, atacaram Paris, pondo fim à Comuna. Antes
disso, em 18 de janeiro de 1871, ocorreu o maior triunfo de Bismarck, quando Guilher-
me I, em Versalhes, no antigo palácio dos reis da França, foi proclamado imperador da
recém-unificada Alemanha (os estados alemães ao sul do rio Main haviam aceitado unir-
se aos do norte).
A vitória prussiana demonstrou a necessidade de se preparar adequadamente
a nação em tempo de paz, para possíveis conflitos armados. A organização superior do
Exército Prussiano foi a razão principal de sua vitória.
A Alemanha unificada tornou-se a nação hegemônica no continente europeu,
rompendo o equilíbrio de poder até então existente. A indenização francesa, a unidade
política e os minérios daAlsácia e Lorena impulsionaram ainda mais o desenvolvimento da
economia alemã, que passou a rivalizar-se com a inglesa. Enquanto isso, na França surgia
um espírito revanchista que tinha como objetivos vingar a derrota e recuperar os territó-
rios perdidos.
Paralelamente a seus conflitos, na segunda metade do século XIX, as princi-
pais nações europeias intensificaram um processo de partilha da Ásia e da África. No sul
da África, uma revolta de fazendeiros contra a dominação inglesa resultaria na Guerra dos
Bôeres.
217
CAPÍTULO 20

A GUERRA DOS BÔERES


“Como foi o dia do nosso regimento.
Horrível foi o revés que sofremos.
Muito caro nós pagamos pelos erros (...)
(...) Por que não nos avisaram das trincheiras?
Por que não nos informaram dos obstáculos de arame?
Por que avançamos em colunas,
Poderia um Tommy Atkis perguntar...” 30
Soldado Smith, da Grã-Bretanha,
sobre a Batalha de Magersfontein

Os bôeres (fazendeiros) eram descentes de protestantes holandeses, france-


ses e alemães que, no século XVII, migraram para o sul da África, em virtude de guerras
religiosas na Europa. Fundaram a cidade do Cabo e, com o passar do tempo, adquiriram
grande apego pela nova terra, tendo, inclusive, desenvolvido uma língua própria.
Em 1806, durante as Guerras Napoleônicas, os britânicos ocuparam o sul da
África e fundaram as colônias do Cabo e Natal, para onde se dirigiram levas de colonos
ingleses. A abolição da escravidão nas colônias inglesas, em 1833, levou os bôeres, que
eram escravocratas e avessos aos novos imigrantes, a migrarem para nordeste, onde
fundaram duas repúblicas independentes: a do Transvaal e a do Estado Livre de Orange.
Em 1877, a descoberta de prata em Transvaal fez com que os ingleses ane-
xassem as repúblicas bôeres. Em dezembro de1880, os bôeres reagiram energicamente,
atacando tropas britânicas. Os britânicos lançaram contraofensivas em janeiro e fevereiro
de 1881, mas não atingiram seus objetivos, que eram a conquista de Laing’s Nek e do
monte Majuba. Em face dos fracassos militares, eles reconheceram a existência das repú-
blicas bôeres, mas continuaram determinados a aumentar as suas possessões no sul da
África.
No final do século XIX, descobertas de jazidas de ouro e diamantes em
territórios bôeres fizeram o conflito reiniciar. As tensões aumentaram quando o governo
bôer impôs pesadas taxas e não concedeu direito de cidadania aos “uitlanders”, forastei-
ros, principalmente ingleses, que exploravam minas de ouro e prata no Transvaal.
Em 1899, forças britânicas foram deslocadas para Natal. O presidente da
República do Transvaal, Paul Kruger, temendo uma invasão, exigiu a retirada desses con-
tingentes. Diante da recusa dos britânicos, a República do Transvaal aliou-se ao Estado
Livre de Orange, fazendo com que a guerra irrompesse em outubro.
30 Apud PAKENHAN, Thomas,The Boer War, p.115.
Tommy Atkis: termo comum utilizado ao se fazer referência aos soldados rasos britânicos na Guerra do Bôeres e na I Guerra Mundial.

219
Os bôeres tomaram a iniciativa das ações, conseguindo repetidas vitórias so-
bre as forças britânicas. Logo encontravam-se em território britânico, onde sitiaram
Ladysmith, Mafeking e Kimberley, importantes cidades inimigas.
Em reação às investidas bôeres, o general Redvers H. Buller, comandante
britânico, mesmo tendo poucos soldados disponíveis (dez mil homens, que fariam frente a
trinta e cinco mil bôeres), decidiu dividir sua tropa em destacamentos, visando socorrer,
ao mesmo tempo, as três cidades sitiadas. Os destacamentos de Buller, porém, foram
interceptados pelo inimigo e sofreram pesados reveses na “semana negra” (10 a 15 de
dezembro de 1899), quando os britânicos foram derrotados nas batalhas de Magersfontein,
Stormberg e Colenso.
Os êxitos bôeres foram, em grande parte, motivados por uma organização e
uma forma de combate que surpreenderam os britânicos.
Quanto à organização, os fazendeiros sul-africanos, excetuando-se sua arti-
lharia, não tinham unidades militares regulares. Normalmente reuniam-se em grupos tem-
porários, de efetivos variados, denominados “comandos”. Os combatentes bôeres volun-
tariamente se apresentavam para defender sua terra, sendo responsáveis por providen-
ciar seu equipamento, cavalos e rações. Eram excelentes cavaleiros e atiradores, habilida-
des aperfeiçoadas emsua faina em tempo de paz.Armavam-se commodernos fuzis Mauser,
adquiridos naAlemanha. Os oficiais, de maneira geral, não tinham formação militar e eram
eleitos por seus comandados.
Em relação à forma de combate, os bôeres optaram por lutar emboscando
os contingentes inimigos, por conhecerem detalhadamente o terreno e estarem convenci-
dos de que perderiam a guerra, se utilizassem processos de combate convencionais.
O Exército Britânico, por sua
vez, era composto por soldados profis- NEOCOLONIALISMO
sionais e bemtreinados, que usavamos fuzis Na segunda metade do século XIX, es-
Lee-Metford e Lee-Enfield (inferiores ao tados industrializados, como a Grã-Bretanha
Mauser). Seus comandantes, inicialmente, e a França, intensificaram um processo de ex-
procuravam derrotar os bôeres de acordo ploração econômica e de dominação política
com os processos de combate usuais da sobre povos africanos e asiáticos, que ficou
época, ou seja, emassavam suas tropas em conhecido como Neocolonialismo. As razões
principais das potências industriais terem lan-
formações regulares e as lançavam fron-
çado mão desta política foram: a busca de mer-
talmente contra as defesas inimigas. Tal cados que, ao mesmo tempo, importassem
método de combate mostrou-se totalmente produtos manufaturados e exportassem ma-
inadequado ao ser empregado contra os térias-primas; e a conquista de áreas estraté-
bôeres, pois as tropas britânicas, ao avan- gicas do ponto de vista militar. Reações con-
çarem lentamente em campo aberto, eram tra o neocolonialismo ocorreram em diversos
facilmente alvejadas pelos adversários. locais da África e Ásia, o que deu origem a
Este foi o principal motivo dos fracassos muitos conflitos, entre os quais a Guerra dos
iniciais britânicos. Bôeres.

220
APRIMORAMENTO NOS ARMAMENTOS
O FUZIL MAUSER
2

Os fuzis de repetição Mauser (1) podiam ser carregados com cinco cartuchos
(2), o que possibilitava aos bôeres disparar mais rapidamente do que os britânicos,
que portavam fuzis Lee-Metford e Lee-Enfield, nos quais era colocado um cartucho
por vez. Em ambos os armamentos, os estojos dos cartuchos eram metálicos, sendo
ejetados após o disparo.
Os cartuchos e granadas dos armamentos bôeres, de origem alemã, utiliza-
vam a “pólvora sem fumaça”, em substituição à “pólvora negra” (ainda utilizada na
munição dos fuzis Lee-Metford). Aprimeira apresentava três vantagens: não formava
fumaça quando a arma era disparada, não denunciando a posição do atirador ou da
peça de artilharia; tinha um maior poder de propulsão, possibilitando um alcance
maior às armas (o projétil do fuzil Mauser podia chegar a quatro mil metros); e deixava
menos resíduos no armamento após o disparo, o que diminuía muito os emperramentos.

BÔERES CANADENSES A SERVIÇO DA GRÃ-BRETANHA

221
AGUERRA DOSBÔERES

LEGENDA

MOÇAMBIQUE
SUDOESTE
AFRICANO
ALEMÃO PRETÓRIA POSSESSÕES BRITÂNICAS
MAFEKING
JOANESBURGO
REPÚBLICA DO TRANSVAAL

KIMBERLEY PAARDEBERG ESTADO LIVRE DE ORANGE


LADYSMITH
MAGERSFONTEIN
BLOEMFONTEIN COLENSO
SPION KOP
COLÔNIAS DE OUTROS PAÍSES

BO STORMBERG
CA AL OFENSIVAS BRITÂNICAS
O AT
AD DE
N
NI IA
LÔ ÔN OCEANO ÍNDICO
CO CO
L
OFENSIVAS BÔERES

OCEANO ATLÂNTICO
BATALHAS

Em fevereiro de 1900, após outra derrota britânica, agora em Spion Kop


(23 e 24 de janeiro), reforços substanciais britânicos, comandados pelo marechal-de-
campo Frederick Roberts, chegaram ao sul da África, juntamente com farto material mi-
litar (ao longo da guerra, o governo britânico destacou aproximadamente 500 mil solda-
dos para enfrentar cerca de 80 mil bôeres).
O marechal inglês, após analisar a natureza dos combates que ocorreram,
concluiu que só chegaria à vitória se os seus comandados lutassem da mesma forma que
os bôeres. Tendo em vista a principal vantagem do inimigo ser a mobilidade, ele decidiu
aumentar a proporção de cavalaria em suas forças e fazer uso intenso de tropas montadas
canadenses e australianas.
Com suas tropas adaptadas aos novos processos de combate, Roberts lan-
çou vigorosa ofensiva, derrotando os bôeres na Batalha de Paardeberg (18 de fevereiro
de 1900). Emseguida abriu caminho por território inimigo, apoderando-se de Bloemfontein,
capital do Estado Livre de Orange (13 de março de 1900).
Após estacionar por algum tempo para reorganizar suas tropas, Roberts re-
começou seu avanço. Penetrou fundo em território bôer e capturou as importantes cida-
des de Joanesburgo, capital do Transvaal (31 de maio de 1900), e Pretória (05 de junho
de 1900). Paralelamente à ofensiva principal de Roberts, os britânicos levantaram os
cercos à Ladysmith, Mafeking e Kimberley.

223
BATALHA DE SPION KOP

PRIMEIRA FASE SEGUNDA FASE

5
PICOS
10 10 PICOS
GEMÊOS GEMÊOS
12 6
5 6 10
6 4 KOP CÔNICO
KOP CÔNICO 5 7 11
6 KOP ALOE
6 KOP ALOE SPION KOP
SPION KOP 3 11 9
9

8
2

1 13

LEGENDA: BOÊRES BRITÂNICOS

Nos dias 23 e 24 de janeiro de 1900, na elevação de Spion Kop, a 40 quilômetros de Ladysmith (Natal,
sul da África), forças britânicas, comandadas pelo general Charles Warren, enfrentaram bôeres, liderados por
Louis Botha. Em jogo estava a independência do Estado Livre de Orange e da República do Transvaal. Os
britânicos contavam com cerca de 13 mil homens, os bôeres somavam aproximadamente 6 mil combatentes.
Nas primeiras semanas de janeiro de 1900, o general Redvers Buller, comandante das forças britânicas em
Natal, havia ordenado a Warren que se dirigisse a Ladysmith, a fim de socorrer a guarnição britânica daquela
localidade, que se encontrava sitiada pelos bôeres. No itinerário de Warren havia uma elevação denominada
Spion Kop, de suma importância, pois garantia a seus ocupantes o controle das áreas circunvizinhas e,
consequentemente, o acesso a Ladysmith. Os bôeres, cientes da importância da elevação, ocuparam-na.
Warren estacionou suas tropas nas proximidades de Spion Kop (1) e ordenou a um de seus comandados, o
general Edward Woodgate, a conquista da elevação. Na noite de 23 de janeiro, Woodgate, com mil homens (2),
escalou o monte (3) em meio a uma densa névoa e sem realizar qualquer reconhecimento, logrando expulsar uma
pequena guarnição bôer que lá estava (4). Um pequeno número de sapadores britânicos iniciou um
entrincheiramento, o que não foi levado a bom termo em virtude do solo ser pedregoso. Woodgate não se
preocupou em fazer reconhecimentos; ateve-se a comunicar a Warren sobre o sucesso da missão. No outro dia,
quando a névoa se dissipou, os britânicos constataram que haviam ocupado somente a parte mais baixa da
elevação. Para piorar, verificaram que havia combatentes inimigos posicionados nas partes mais altas do monte
(Kop Conico, Kop Aloe e Picos Gêmeos) (5). Foi então que os bôeres, das partes dominantes da elevação,
começaram a disparar fogos de fuzis e de artilharia sobre os britânicos (6), que eram alvos fáceis em suas
trincheiras rasas. Woodgate foi gravemente ferido, passando o comando ao tenente coronel Thorneycroft. Os
britânicos, enfrentando forte calor e falta de água, permaneceram na posição, evitando qualquer movimento de
avanço ou de recuo, pois seriam alvejados facilmente. A uma hora da tarde, os bôeres lançaram um ataque
frontal, tencionando liquidar de vez o inimigo entrincheirado, mas foram repelidos (7). O general Warren não
enviou reforços, limitando-se a ordenar um apoio de fogo de artilharia, logo suspenso pelo receio de se atingir
as posições britânicas. Por iniciativa própria, um dos subordinados de Warren, o general Lyttleton, ordenou
que sua unidade (8) auxiliasse as forças de Thorneycroft e conquistasse os picos gêmeos, o que foi realizado
com êxito (9). Ao entardecer, os bôeres, desalojados dos picos gêmeos, e na perspectiva de serem atacados por
outras tropas britânicas, retiraram-se da elevação (10). Thorneycroft, não percebendo o movimento inimigo e
com suas tropas desgastadas, fez o mesmo (11). Ao constatar que os britânicos haviam se retirado, os bôeres
reocuparam Spion Kop (12), enquanto Warren recuava com todas as tropas (13). No embate, morreram 383
britânicos e outros 1.000 foram feridos. Os bôeres somaram 59 mortos e 40 feridos. A vitória bôer impediu
temporariamente o socorro britânico à guarnição de Ladysmith.

224
A guerra parecia encerrada, mas muitos bôeres não se renderam, continuan-
do a luta por meio de guerrilha. Os fazendeiros sul-africanos, em rápidas incursões, pas-
saram a atacar postos avançados britânicos, a emboscar colunas de tropa inimigas e a
destruir trechos de estradas de ferro, entre outras ações.
Contra a guerrilha adversária, os britânicos reagiram de três formas: empre-
garam colunas ligeiras de cavalaria e infantaria montada para perseguir os guerrilheiros;
construíram uma rede de pequenos fortes ligados por arame farpado restringindo a liber-
dade de movimento do adversário; e passaram a destruir fazendas bôeres, levando os
familiares destes para campos de concentração, onde doenças e maus tratos causaram a
morte de cerca de 20 mil mulheres e crianças.
Após quinze meses, sensibilizados pelas péssimas condições a que estavam
submetidos seus familiares e carentes de apoio e de liberdade de movimento, os bôeres,
agora com o ânimo arrefecido, começaram a se render.
A guerra terminou oficialmente em maio de 1902, quando foi assinado, em
Vereeniging, um tratado de paz. Por este acordo, as repúblicas bôeres foram incorpora-
das ao Império Britânico. Em 1907, porém, elas receberam autonomia política.
Na Guerra dos Bôeres ficou evidenciada a importância do valor moral da
tropa, do conhecimento do terreno, do emprego de bons atiradores, do uso das ações
tipo “comandos” e das táticas de guerrilha, fatores que possibilitaram aos bôeres diversos
êxitos. Também mostraram-se fundamentais o profissionalismo, a logística e, até mesmo,
as controversas políticas da “terra arrasada” e dos campos de concentração, elementos
que possibilitaram a vitória final britânica.
Enquanto a guerra se findava no sul da África, na Ásia, interesses colonialistas
estavam levando russos e japoneses a uma nova guerra.

225
CAPÍTULO 21

A GUERRA RUSSO-JAPONESA

“É impossível não admirar a bravura e a atividade dos japo-


neses. (...) O ataque dos japoneses é uma sucessão contínua
31
de ondas, e eles jamais afrouxam seus esforços, dia e noite”.
Alexei Kuropatkin, comandante russo

Até a segunda metade do século XIX, o Japão, berço de uma das mais anti-
gas civilizações, manteve-se praticamente sem contato com o Ocidente. A estrutura da
sociedade japonesa lembrava nitidamente a feudal que predominou no continente euro-
peu na Idade Média. Líderes locais (daimios), respaldados por uma casta de combaten-
tes profissionais (samurais), controlavam mercadores e camponeses, que compunham a
maior parcela da população. Na cidade de Kioto, localizava-se a corte do imperador,
que era apenas o líder simbólico da nação, já que o poder de fato era exercido por um
supremo chefe militar (xogun).
Os únicos europeus autorizados a comercializar no Japão eram os holande-
ses, mesmo assim limitados ao porto de Nagasaki. Isso estava em desacordo com os
interesses das principais nações ocidentais, que viam o arquipélago japonês como um
local inexplorado, fonte segura de bons negócios. Os esforços diplomáticos ocidentais
para que o Japão abrisse seus portos se mostraram infrutíferos.
Diante disso, em 1853, os Estados Unidos enviaram uma pequena frota, co-
mandada pelo comodoro Matthew Perry, para intimidar o Japão. Ciente da inferioridade
bélica de sua nação, o xogun, prudentemente, atendeu às reivindicações ocidentais, fir-
mando tratados comerciais com diversos países. No entanto, as concessões do xogun
desagradaram a muitos daimios, que se insubordinaram por motivos nacionalistas. Em
meio à crise, o imperador Mutsu-Hito articulou um movimento vitorioso que, em 1868, o
colocou como governante absoluto.
Era tarde, entretanto, para se voltar ao passado. Mutsu-Hito estava conven-
cido de que o Japão precisava modernizar-se, caso quisesse manter-se independente.
Sendo assim, o imperador japonês deu início a um programa de ocidentalização, conhe-
cimento como Renascimento Meiji (iluminado). As principais reformas consistiram na
extinção do xogunato, no estabelecimento da igualdade jurídica, na implantação de indús-
trias estratégicas, no aperfeiçoamento do sistema educacional e na modernização das
forças armadas. Para este objetivo, missões militares francesas e alemãs instruíram o
Exército Japonês, conforme a doutrina militar ocidental.
31
apud História em revista: o mundo em armas, 1996, p. 114.

227
As reformas rapidamente surtiram os efeitos desejados. No final do século
XIX, o Japão já havia progredido muito economicamente, tendo forças armadas bem
estruturadas e adestradas. Entretanto, a florescente indústria necessitava de matérias-
primas, muito escassas no arquipélago nipônico. Para resolver tal problema, os governantes
voltaram sua atenção para a Coreia, país militarmente fraco, há muito sob influência chine-
sa, que possuía grandes reservas minerais.
Em 1894, ocorreu um conflito na Coreia entre uma facção pró-Japão e outra
que representava os interesses da China. Esses dois países intervieram no conflito e se
desentenderam, dando início à Guerra Sino-Japonesa. Com exército e marinha superio-
res, os japoneses venceram rapidamente. Pelo tratado de paz de Shimonoseki (1895), os
chineses reconheceram a independência da Coreia, foram obrigados a pagar pesada
indenização e cederam ao Japão a península de Liao Tung e as ilhas de Taiwan (Formo-
sa). Os japoneses, por pressão de russos, franceses e alemães, desistiram de ocupar Liao
Tung, mas consideraram tal fato uma humilhação a ser vingada.
No início do século XX, os interesses do Japão no extremo-oriente passaram
a se conflitar com os do Império da Rússia, governado pelo autocrático czar Nicolau II.
Ao contrário de outros estados europeus e mesmo do japonês, a Rússia, ao longo do
século XIX, realizou poucos avanços nos campos cultural, político, social e econômico.A
industrialização, por exemplo, só começara no final do século XIX, mesmo assim muito
dependente de capitais externos. Paralelamente, os súditos do czar, de modo geral, vi-
viam em péssimas condições, fato que gerava descontentamentos e um ambiente propício
a revoltas. Em contrapartida, o território se expandira enormemente em direção ao Ex-
tremo-Oriente, onde o czar cobiçava a
Manchúria (território chinês) e a Coreia. A CHINA
Em 1898, os chineses consentiram A Civilização Chinesa remonta ao
que os russos estendessem pela Manchúria a IV milênio a.C. Por muito tempo, os
estrada de ferro transiberiana, que ligava Mos- chineses sobrepujaram o resto do mun-
cou a Vladivostok.Além disso, alugaram Liao do nos campos da arte e da ciência.
Tung para a Rússia por vinte e cinco anos. Tais No final do século XIX, entretan-
atos fortaleceram a presença russa na região e to, o Império Chinês estava tecnologi-
desagradaram o governo japonês. camente defasado em relação às princi-
No ano de 1904, o governo ja- pais potências mundiais, o que possibili-
ponês propôs um acordo aos russos, pelo qual tou a estas dividirem o território chinês
ambos deveriam se comprometer com a ma- em áreas de influência.
nutenção da integridade da China e da Coreia; A derrota na guerra contra o Ja-
ficando a Manchúria sob influência da Rússia pão em 1895 e rebeliões internas ter-
e a Coreia sob controle do Japão. Os russos minaram por solapar a autoridade im-
não levaram em conta a proposta japonesa perial, sendo proclamada uma república
e reforçaram suas tropas no Extremo- na China em 1911.
Oriente.
228
Diante dos fatos, os japoneses, após conseguirem a neutralidade da Inglater-
ra e da China (que também tinham interesses na região), optaram pela guerra. Para vencê-
la, adotaram o plano de ocupar a Coreia com o exército e derrotar as forças russas que
se encontravam na Manchúria. Enquanto isso, a marinha controlaria áreas marítimas fun-
damentais para o estabelecimento de rotas capazes de suprir e reforçar as tropas
desembarcadas no continente. Marinha e Exército também deveriam conjugar esforços
para capturar a estratégica base naval inimiga de PortoArtur, localizada na península Liao
Tung, importante ponto de apoio da esquadra russa. Todas as operações deveriam ser
realizadas com grande rapidez, a fim de evitar que os russos reforçassem suas tropas do
oriente com contingentes provenientes do leste europeu. Os japoneses consideravam que
rápidas e esmagadoras vitórias sobre os russos levariam o czar à mesa de negociações.
Nesse caso, o Japão contaria com forte poder de barganha.
Para pôr em prática seus planos, os japoneses possuíam um exército de
aproximadamente trezentos e trinta mil soldados, bem equipados, treinados e armados.
Muitos deles haviam participado da Guerra Sino-Japonesa, o que lhes dera experiência
em combate e fortalecia sua confiança em novos sucessos militares. Os armamentos japo-
neses eram os mais modernos da época, destacando-se canhões, obuses, metralhadoras
e fuzis de repetição. Além disso, os oficiais e soldados japoneses eram profundamente
32
influenciados pelo Bushidô, o que fez com que lutassem fervorosamente e com muita
bravura, quando as ações bélicas se iniciaram.
A Marinha Japonesa era menor do que a Russa. Em compensação possuía
navios mais modernos e oficiais e marinheiros experimentados em combate. Outro impor-
tante aspecto favorecia a Marinha Japonesa: dispunha de um maior número de bases
próximas aos locais onde seriam desencadeadas as operações.
Com suas forças armadas previamente preparadas, sem declarar guerra, os
japoneses deram início às hostilidades. A primeira ação ocorreu em 8 de fevereiro de
1904, quando a Marinha Japonesa atacou de surpresa a frota russa ancorada em Porto
Artur, passando, em seguida, a bloquear a base naval inimiga.
Para fazer frente à investida japonesa, os russos adotaram a seguinte linha de
ação: suas forças armadas deveriam a todo custo manter Porto Artur; a frota do Báltico
seria enviada para reforçar a do oriente, bloqueada em Porto Artur; e o exército deveria
manter-se na defensiva, retardar o avanço japonês até receber reforços substanciais do
leste europeu, e, depois, contra-atacar.
No início dos combates, havia cerca de cem mil soldados russos no oriente,
comandados pelo General Alexei Kuropatkin. As tropas tinham treinamento, equipa-
mentos e armamentos equivalentes aos dos japoneses. Da mesma forma que os japone-
ses, demonstraram muita bravura, tenacidade e resistência nos combates. Muitos oficiais
32
Código ético-filosófico inspirado no Budismo, Xintoísmo e Confucionismo, que preceitua, entre outros pontos, lealdade, fidelidade,
autossacrifício, espírito marcial, honra e morte digna.

229
russos, no entanto, mostraram-se inaptos para o comando, fato que prejudicou o
desencadeamento dos planos. Além disso, faltava unidade de comando às forças arma-
das russas, sendo constantes os atritos entre oficiais da marinha e do exército. Outro
grande problema foi transportar suprimentos e reforços do leste europeu para os contin-
gentes estacionados no Extremo-Oriente. Isso só poderia ser feito regularmente de ma-
neira morosa, percorrendo-se os 9.300 quilômetros da ferrovia transiberiana (a um ritmo
de trinta e cinco mil soldados por mês).
Ainda em fevereiro de 1904, após o ataque inicial a Porto Artur, aproveitan-
do-se de sua superioridade numérica momentânea, forças japonesas comandadas pelo
general Tamemoto Kuroki desembarcaram em Masampo e Inchon, na península da Coreia.
Estes contingentes avançaram para o norte e, após derrotarem tropas russas na Batalha
do Rio Yalu (início de maio), penetraram na Manchúria. Aderrota no rio Yalu repercutiu
muito mal na Rússia, onde a população esperava uma fácil vitória sobre os japoneses,
tidos como inferiores.
Enquanto ocorriam os combates no rio Yalu, tropas japonesas, comandadas
pelo general Yasukata Oku, foram desembarcadas sessenta quilômetros ao norte de Por-
to Artur, a fim de aumentar a pressão sobre as tropas que defendiam a base naval russa.
Oku destacou parte de seu contingente para sitiar Porto Artur e enviou o restante de seu
efetivo para o norte, em direção à Manchúria.
Em junho, as forças japonesas apertaram o cerco a Porto Artur. No dia 10 de
agosto, os navios russos que se encontravam na base naval, após muitas hesitações de
seus comandantes, que esperavam pela chegada da frota do Báltico, receberam ordem
para retirar-se; o que foi feito com grandes perdas, em virtude dos ataques da Marinha
Japonesa. Muitos navios russos, danificados, buscaram refúgio em portos
neutros.
Enquanto ocorria o sítio a Porto Artur, o general russo Kuropatkin tentou
evitar que as tropas de Oku se unissem às tropas de Kuroki na Manchúria. Ocorreu,
então, em 03 de setembro, a Batalha de Liaoyang, na qual os russos, mesmo tendo cau-
sado severas perdas aos japoneses, tiveram que recuar para Mukden, seu principal cen-
tro de operações.
O início de 1905 foi trágico para os russos. Em 02 de janeiro, após inúmeros
assaltos, que resultaram em grande quantidade de baixas para ambos os lados, os japo-
neses conquistaram Porto Artur. Pouco depois, em 10 de março, os japoneses, coman-
dados pelo marechal Oyama Iwao, venceram novamente os russos na Batalha de Mukden,
obrigando o inimigo a se retirar para o norte de forma desorganizada.
Enquanto os planos iniciais japoneses se concretizavam, os dos russos se
esfacelavam. PortoArtur havia caído e as tropas russas que vinham reforçar as do oriente
eram mal treinadas, pois o czar, temendo uma rebelião interna, deixou suas melhores
unidades na Rússia.

230
FORMA USUAL DE COMBATE DOS BELIGERANTES

3 LEGENDA

4 2
DEFENSORES
1
“ONDAS DE ASSALTO”

FORTIFICAÇÕES

Os beligerantes procuravam realizar minuciosa preparação antes de seus ata-


ques, normalmente fazendo largo uso dos fogos de artilharia. Em seguida, ainda com apoio
da artilharia, eram lançados vigorosos e contínuos ataques frontais (1) e flanqueantes (2),
até que a posição inimiga fosse conquistada. Quando na defensiva, as tropas entrincheiravam-
se (3), dando ênfase aos trabalhos de fortificação do terreno (4).
Os comandantes acreditavam, de maneira geral, que as vitórias eram produto
de posturas ofensivas e do moral elevado da tropa. Por isso, lançavam “ondas” de soldados
sobre as posições inimigas. Cabia aos atacantes, sem levar em conta o número de suas
baixas, avançar resolutamente sobre o adversário a fim de sobrepujá-lo.
Tal processo de combate favorecia os defensores, que, de suas trincheiras, com
canhões, metralhadoras e fuzis, causavam grande número de baixas às tropas atacantes,
que avançavam em formações cerradas (para obterem o maior volume de fogo possível).
Com o passar do tempo, para diminuir o número de baixas, os atacantes passaram a realizar
ataques noturnos e a avançar por lanços (abrigavam-se no terreno quando eram alvos de
fogos, voltando a progredir quando o perigo diminuía).
SOLDADOS RUSSOS POSIÇÃO DEFENSIVA JAPONESA

231
BATALHA DE MUKDEN

18 18 18
N
15 17 10/03/1905

16 16
1 MUDKEN 15
16 13 06/03/1905

11 15 6 R 15
12 15
5 3
2 3 14
11
12
10 2 20/02/1905
2 14
11 1 4
9 10
10
10
4 5
3 8
7 10
BOÊRES 9
1
8
LEGENDA: JAPONESES RUSSOS FRENTE DE COMBATE

Entre 20 de fevereiro e 10 de março de 1905, em Mukden, na Manchúria, tropas russas, coman-


dadas pelo general Alexei Kuropatkin, enfrentaram forças japonesas, comandadas pelo marechal Oyama Iwao.
Em disputa estava o controle de áreas estratégicas do Extremo-Oriente. O Exército Russo contava com cerca
de 290 mil homens, enquanto seus inimigos somavam aproximadamente 210 mil. Após a Batalha de Liaoyang,
os russos retiraram-se para o norte, seguidos pelos japoneses. Nas proximidades de Mukden (1), Kuropatkin
resolveu barrar o avanço dos japoneses. Para tanto, ele posicionou suas tropas em uma linha defensiva pouco
profunda, com 60 quilômetros de extensão (2). No flanco direito do dispositivo russo, foi posicionado o 2º
Exército da Manchúria (3), na ala esquerda o 1º Exército (4), e no centro o 3º Exército (5) e tropas de reserva
(6). O general Oyama, ao se deparar com a posição russa, resolveu realizar um duplo desbordamento, com o
intuito de cercar e aniquilar o inimigo. Para isso, o marechal japonês posicionou seus exércitos em um
dispositivo de ataque, da seguinte forma: 4º Exército japonês na ala esquerda (7), 1º e 5º Exércitos no flanco
direito (8), e 2º e 3º Exércitos no centro (9). No dia 20 de fevereiro os exércitos japoneses atacaram a posição
russa (10). Conseguiram progressos significativos nas alas (11), obrigando as forças russas a recuar (12) para
outras posições defensivas (13). No centro, porém, os avanços japoneses foram pequenos (14), e os russos
mantiveram firmemente sua posição. Em ambos os lados, as baixas foram grandes, mas a luta prosseguiu. A
partir do dia 06 de março, no entanto, as tropas japonesas penetraram nas defesas russas em todos os setores
(15), obrigando os russos a recuar em toda frente (16). No dia 10 de março, os russos encontravam-se
defendendo uma precária posição à norte de Mukden (17). Diante da situação, Kuropatkin ordenou que suas
tropas se retirassem para o norte (18), o que foi feito em grande desordem. Oyama, com um terço de seus
soldados fora de combate, achou melhor não perseguir o inimigo. No embate, os japoneses tiveram cerca de 75
mil baixas (15 mil mortos e 60 mil feridos), os russos aproximadamente de 90 mil (20 mil mortos, 50 mil feridos
e 20 mil aprisionados). Oyama não conseguira seu objetivo de aniquilar os exércitos russos na Manchúria, mas
sua vitória convenceu o czar a aceitar as mediações do Presidente americano Theodore Roosevelt, que poriam
fim ao conflito.

232
GUERRARUSSO-JAPONESA

RÚSSIA
MANCHÚRIA

MONGÓLIA
VLADIVOSTOK

LU
MUKDEN YA
IO
R
LIAOYANG MAR DO JAPÃO

COREIA
JAPÃO
PORTO ARTUR INCHON

MASAMPO
CHINA
TSUSHIMA

AVANÇOS JAPONESES RETIRADAS RUSSAS BATALHAS

Paradoxalmente, outro problema surgiu com o aumento dos efetivos russos


no teatro de operações, pois, pela ferrovia Transiberiana, não podia ser transportada a
quantidade de suprimentos necessária para abastecer os soldados satisfatoriamente. Para
complicar ainda mais, no final de maio, após percorrer milhares de quilômetros, a frota
principal russa que saíra do mar Báltico foi derrotada pela Marinha Japonesa na Batalha
de Tsushima.
Após derrotas em terra e mar, o czar, temendo pelo agravamento de convul-
sões que ocorriam em seu império, aceitou entrar em conversações com os japoneses.
Theodore Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, mediou o encontro, que culminou
com o Tratado de Portsmouth (06 de setembro de 1905). Pelo acordo, o Japão se apos-
sou da ilha Sacalina e Porto Artur; os russos se retiraram da Manchúria, e a Coreia foi
reconhecida como área de influência japonesa.
A Guerra Russo-Japonesa custou aos japoneses aproximadamente quarenta
mil vidas e aos russos, cinquenta mil. O conflito também testemunhou o uso de novos
meios de combate, como o telefone de campanha, minas e obuses de grosso calibre e
longo alcance.

233
Por ter vencido a Rússia, o Japão tornou-se um país respeitado, capaz de
mais tarde, na II Guerra Mundial, medir forças com os Estados Unidos pelo controle do
Oceano Pacífico. O Império Russo, derrotado, entrou em uma crítica fase decadente,
sendo derrubado, em 1917, por revolucionários. Os processos de combate empregados
na Guerra Russo-Japonesa, vistos como adequados por observadores ocidentais, seriam
de maneira semelhante empregados na I Guerra Mundial, que se aproximava.
CAPÍTULO 22

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

“Assim que deixamos a borda da floresta, uma saraivada de balas


assoviou junto aos nossos narizes e atingiram árvores atrás. Cin-
co ou seis gritaram perto de mim, cinco ou seis de meus compa-
nheiros caíram na grama (...) O fogo parecia vir de longa distân-
cia, um pouco à esquerda (...) E lá estávamos nós, avançando como
se estivéssemos em um desfile (...) em direção a um metálico som
de marteladas, seguido por uma pausa e, então, por marteladas
33
ainda mais rápidas, metralhadoras”. Relato de um oficial alemão, sobre
um assalto a uma posição britânica.

Nos primeiros anos do século XX, um conflito de proporções mundiais parecia


pouco provável para a maioria dos europeus. As populações das principais potências da
Europa vivenciavam um período de paz, prosperidade econômica, desenvolvimento cul-
tural e avanços científicos, conhecido na França como “Belle Époque”. Havia percepções
de se estar fazendo parte de uma realidade produtiva e de um futuro promissor. Tal con-
texto decorria de diversas razões: a última guerra de vulto na Europa fora a Guerra Fran-
co-Prussiana (1870-71); o cinema, o impressionismo e a “Art Nouveau” difundiam-se,
revolucionando estilos de se pensar e viver; e novas tecnologias propiciavam o advento
de notáveis invenções, como as do avião e do rádio.
Embora os Estados Unidos já fossem uma potência de primeiro nível, o domínio
global era exercido por países europeus: o Império Britânico possuía vastos territórios em
todo o mundo e uma pujante atividade comercial; o Império Russo estendia-se por dois
continentes e, paulatinamente, desenvolvia seu imenso potencial industrial; a Alemanha
era a maior nação industrializada do continente e progredia aceleradamente; e a França
tinha diversas colônias e um comércio próspero.
Entretanto, um observador mais atento perceberia que, na Europa, aconteciam
eventos que poderiam redundar em uma grande crise.
Havia uma crescente corrida armamentista, por meio da qual os países busca-
vam sobrepujar ou, pelo menos, equiparar seu poder militar ao dos potencialmente rivais.
AInglaterra e aAlemanha, por exemplo, considerando vital o domínio dos mares em caso
de um conflito, intensificaram a construção de navios; uma para manter sua hegemonia nos
mares, a outra para poder fazer frente à primeira.
33 apud KEEGAN, 2005, p.110.

235
Na esfera econômica, a Alemanha tornara-se a principal potência industrial
europeia, o que era visto como uma ameaça pela Inglaterra e França, que se viam perden-
do espaço na economia mundial. O projeto do governo alemão relativo à construção de
uma ferrovia ligando Berlim a Bagdá contribuía para acirrar os ânimos, já que esta obra
colocaria os imensos lençóis petrolíferos do Oriente Médio à disposição da Alemanha.
Existiam disputas imperialistas entre as nações europeias, sempre ávidas de
aumentar seu prestígio e seu comércio internacional. Em 1905, por exemplo, ocorreu uma
crise diplomática entre países europeus em virtude de interesses conflitantes em relação
ao Marrocos. AInglaterra e a França fizeram um pacto pelo qual os ingleses reconheciam
o direito da França controlar o Marrocos; em contrapartida, os franceses concordavam
com o domínio pleno da Inglaterra sobre o Egito. Tal acordo foi contestado pelo governo
alemão, que se mostrou disposto a defender o Marrocos de interferências estrangeiras.
Após negociações, um ambíguo tratado reconheceu a soberania do Marrocos, sendo, no
entanto, resguardados os interesses da França naquele país.
Havia também um clima de fervor nacionalista e de hostilidade entre os paí-
ses. Isso era explorado por órgãos sensacionalistas e líderes governamentais, que lembra-
vam incessantemente aos cidadãos ou súditos as glórias das guerras vencidas, os desa-
pontamentos dos reveses sofridos e os objetivos nacionais a serem alcançados. Em
consequência, os franceses desejavam ardentemente vingar-se da derrota na Guerra Fran-
co-Prussiana e recuperar a Alsácia e a Lorena; os italianos esperavam anexar a seu país
as “terras irredentas” (territórios que diziam lhes pertencer legitimamente); um movimento
pangermânico lutava pela unificação dos povos germânicos; e ummovimento pan-eslavista
pretendia unificar os povos eslavos dos Bálcãs em uma “Grande Sérvia”.
Ainda havia estados, como os ImpériosAustro-Húngaro e Russo, que tinham
graves problemas sociais, econômicos e políticos. Para muitas lideranças desses países,
uma guerra poderia levar à união nacional, possibilitando a superação das crises internas.
Para agravar a situação, diplomatas, seguindo orientação de seus governantes,
estabeleceram, por meio de acordos secretos, intrincados sistemas de alianças. Às vés-
peras da Primeira Guerra Mundial, os países europeus, de acordo com seus objetivos
nacionais, estavam alinhados em dois blocos antagônicos: a TrípliceAliança, formada pela
Alemanha (buscava manter a supremacia no continente e tornar-se política e maritima-
mente a nação preponderante no globo), ImpérioAustro-Húngaro (almejava implementar
uma política de hegemonia sobre os Bálcãs) e Itália (entrara na aliança por haver tido
atritos coloniais com a França, mas estes, em grande parte, estavam resolvidos); e a
Tríplice Entente, formada pela França (visava reconquistar aAlsácia e a Lorena e restabe-
lecer sua supremacia no continente), Império Russo (temia um avanço alemão ou austro-
húngaro para o leste europeu, almejava absorver os Bálcãs e procurava uma saída para
o mar Mediterrâneo) e Inglaterra (desejava conter o expansionismo alemão). Outros es-
tados europeus, de menor força, gravitavam em torno desta ou daquela aliança, de acor-
do com seus interesses e conveniências.
236
A situação era particularmente preocupante nos Bálcãs, área ambicionada por
russos e austro-húngaros, onde, a partir da terceira década do século XIX, gregos, sérvios,
montenegrinos, romenos, búlgaros e albaneses erigiram países em detrimento do deca-
dente Império Otomano. A região estava convulsionada, em virtude de os países locais
buscarem ampliar seus territórios. Tal fato causou duas guerras curtas nos anos de 1912 e
1913, cujas principais consequências foramo surgimento daAlbânia e a expansão territorial
do Reino da Sérvia.
O fortalecimento do Reino da Sérvia, que era apoiado pelo Império Russo (am-
bos de população eslava), preocupava o Império Austro-Húngaro (formado por diversas
etnias, governado por soberanos germânicos), que era respaldado pelo Império Alemão
(nação germânica). Tal preocupação existia porque líderes nacionalistas sérvios, tendo
em vista formar uma “Grande Sérvia”, esperavam anexar os territórios austro-húngaros
da Bósnia-Herzegovina (área habitada predominantemente por eslavos). Para fazer frente
a essa ameaça, o arquiduque Francisco Ferdinando, futuro Imperador Austro-Húngaro,
pretendia transformar o império dual austro-húngaro em um estado tríplice austro-húnga-
ro-eslavo, o que, para ele, poria fim a qualquer ideia separatista de seus súditos eslavos.
No dia 28 de junho de 1914, Francisco Ferdinando resolveu visitar Saravejo,
capital da Bósnia, fato visto por muitos sérvios como uma afronta. Durante sua estada, o
arquiduque sofreu um atentado que resultou em sua morte. Gavrilo Princip, um estudante
bósnio, autor dos disparos que vitimaram o arquiduque, foi imediatamente preso e identi-
ficado como integrante de um grupo nacionalista-terrorista, que teria ligações com o ser-
viço secreto sérvio.
O governo austro-húngaro exigiu satisfações à Sérvia, por meio de um ultimato
(23 de julho de 1914). Todas as exigências foram atendidas, exceto a de que tribunais e
policiais austro-húngaros operassem em território sérvio, a fim de supervisionar o esclare-
cimento do crime e a punição dos culpados.
Diante da recusa dos sérvios em atender na plenitude o ultimato, o Império
Austro-Húngaro declarou guerra ao Reino da Sérvia (28 de julho de 1914). Esta atitude
fez desencadear o sistema de alianças pré-estabelecido. Os russos começaram a mobili-
zar seus exércitos, para apoiar os sérvios, e, em virtude disso, os alemães declararam
guerra à Rússia (1º de agosto de 1914). Pouco depois, em 03 de agosto, os alemães
declararam guerra também à França, que começava a se mobilizar, acusando-a de ter
invadido o espaço aéreo germânico. Com esses fatos, iniciava-se a Primeira Guerra
Mundial.
As declarações de guerra foram recebidas festivamente pelas populações de
diversos países, impregnadas pelo espírito nacionalista. Para muitos, chegava a hora, há
muito aguardada, de mostrar a superioridade de sua nação, de resolver antigas pendên-
cias e de levar a cabo antigas aspirações nacionais.
Esperava-se, de modo geral, que a guerra fosse curta. No máximo deveria

237
EUROPA DURANTE A GUERRA

ISLÂNDIA

A
EG
RU
NO
CO

SUÉCIA
TI

MAR DO NORTE
LÂN

DINAMARCA
AT

REINO UNIDO
NO
EA

RÚSSIA
OC

HOLANDA

BÉLGICA
ALEMANHA
LUXEMBURGO

FRANÇA
SUÍÇA ÁUSTRIA-
HUNGRIA
ROMÊNIA
AL

MAR NEGRO
UG

SÉR-
ESPANHA VIA BULGÁRIA
RT

ITÁLIA MONTENEGRO
IM
PO


ALBÂNIA RI
O
OT
GRÉCIA OM
MAR MEDITERRÂNEO AN
O
ÁFRICA

ALIADOS POTÊNCIAS CENTRAIS PAÍSES NEUTROS

` VESPERAS
RECURSOS DOS PRINCIPAIS BELIGERANTES ÁS ´ DA GUERRAS

GRÃ- FRANÇA RÚSSIA ALEMANHA AUSTRO-


BRETANHA HUNGRIA
POPULAÇÃO
46.407.037 39.601.509 167.000.000 65.000.000 49.000.000

FROTA MERCANTIL
11.538.000 1.098.000 486.917 3.096.000 559.784
(TON VAPOR LÍQUIDO)

NAVIOS DE GUERRA
64 28 16 40 6

SUBMARINOS
64 73 29 23 06
VALOR ANUAL DO
COMÉRCIO EXTERIOR
EM LIBRAS ESTERLINAS
1.223.152.000 424.000.000 190.247.000 1.030.380.000 198.712.000

PRODUÇÃO ANUAL DE
AÇO (ton)
6.903.000 4.333.000 4.416.000 17.024.000 2.642.000

FERROVIAS (KM)
37.716 40.982 74.935 63.457 44.319

SOLDADOS DISPONÍVEIS
PARA MOBILIZAÇÃO
711.000 3.500.000 4.423.000 8.500.000 3.000.000
IMEDIATA
Fonte: História do século 20: 1914/1919. São Paulo: Abril, 1968. p.497.

238
prolongar-se até o Natal, pois os principais beligerantes confiavam em uma vitória rápida
de suas forças armadas, as quais se preparavam havia um bom tempo.
A unidade base dos exércitos europeus era a divisão, com efetivo aproxima-
do de dezesseis mil homens. Em caso de guerra, duas a cinco divisões constituiriam os
corpos de exércitos (grande unidade de manobra), que, por sua vez, seriam reunidos em
exércitos de campanha. Países como a Alemanha e a França estavam divididos em distri-
tos militares, onde eram recrutados os contingentes para as divisões.
A mobilização de pessoal já treinado para o combate e dos meios necessários
para a guerra (animais, suprimentos, armamentos e equipamentos) foi facilitada em países
que tinham bons sistemas de comunicações e onde o serviço militar era obrigatório. Este
era o caso da Alemanha onde, em questão de dias, aos oitocentos mil soldados da ativa
juntaram-se mais três milhões de combatentes, constituindo-se rapidamente diversos exér-
citos de campanha. Tal medida, porém, não era executada de forma tão eficiente no
vastíssimo Império Russo, que, embora tivesse uma reserva imensa de soldados, não
possuía boas vias de transporte. Sendo assim, a mobilização geral russa demorou meses,
tendo muitos homens se dirigido para o combate sem os equipamentos necessários.
Houve a preocupação, por parte dos comandantes militares, de fornecer a
seus soldados uniformes que favorecessem à camuflagem. Uma exceção foi os franceses,
cujos infantes entraram na guerra trajando calças vermelhas e sobretudos azul-marinho,
logo substituídos por um uniforme cinza-azulado. Os soldados alemães vestiam fardas
cinza-esverdeada, os austríacos, cinza, e os russos, verde-oliva.
Os soldados, em sua maioria, entraram na guerra bastante motivados, dis-
postos a defender o seu país. Tal fato, porém, não acontecia em estados multiétnicos,
como o Império Austro-Húngaro, formado por austríacos, húngaros, tchecos, italianos,
poloneses, romenos, croatas, eslovacos, que tinham suas próprias aspirações.
A instrução militar dos contingentes variava conforme o país, podendo ser
rígida e minuciosa, no caso da Alemanha, ou insuficiente, como ocorria na Bélgica. De
maneira geral, os comandantes davam atenção especial ao desenvolvimento das forças
morais, pois esperavam que seus soldados avançassem resolutamente sobre o inimigo,
mesmo estando sob intenso fogo.
Os exércitos estavam equipados com diversos tipos de armamentos para a
guerra. Ao longo do conflito muitos deles foram aperfeiçoados e outros desenvolvidos.
Os fuzis eram de repetição e possuíam um alcance superior a dois mil metros.
Dentre os mais utilizados podem ser destacados o Mauser Gewehr 98 (7,92mm, da Ale-
manha), o Lee-Enfield (7,7mm, da Grã-Bretanha), o Lebel (8mm, da França), o Mosin-
Nagant (7,62mm, do Império Russo) e o Springfield (7,62mm, dos Estados Unidos).
As metralhadoras, que teriam um papel fundamental na guerra, pesavam de
trinta a sessenta quilos, tinham alcance superior a dois mil metros e podiam disparar de
trezentos a seiscentos tiros por minuto. As que mais se destacaram foram a Maxim

239
(7,92mm, da Alemanha), a Vickers (7,7mm, da Grã-Bretanha), a Hotchkiss (8mm, da
França), a Maxim Sokolov (7,62mm, do Império Russo) e a Browning (7,62mm, dos
Estados Unidos).
As artilharias possuíam diversos tipos de canhões, de variados calibres e po-
der de alcance. A artilharia alemã era a mais bem dotada de canhões de grosso calibre,
contando em seu arsenal com um poderoso canhão denominado Kaiser Wilhelm Geschütz
(conhecido também como Lange Max ou canhão de Paris), que tinha um calibre de 210mm
e um alcance de 130 quilômetros.
Foram empregados durante a guerra muitos outros armamentos, entre eles
lança-chamas, granadas, morteiros e canhões antiaéreos.
Os exércitos também possuíam equipamentos de comunicações (telefone,
telégrafo e rádio, entre outros). Entretanto, mesmo passando por constantes aperfeiçoa-
mentos, os equipamentos de comunicações não atenderam às necessidades das forças
terrestres. Em alguns casos, falhas nas comunicações foram o motivo principal do malo-
gro das operações.
Os beligerantes haviam também preparado planos detalhados para o confli-
to. Os franceses tinham o Plano XVII, que previa uma ofensiva direta, frontal, com todas
as forças, pelo centro do dispositivo alemão, ao longo da fronteira franco-germânica.
Os alemães esperavam colocar em prática um plano elaborado pelo conde
Alfred von Schlieffen, um antigo Chefe do Estado-Maior, que morrera em 1912. O Plano
Schlieffen, como era conhecido, previa uma luta em duas frentes, contra a França e contra
o Império Russo. Para que o plano obtivesse êxito, os alemães rapidamente deveriam
derrotar um dos inimigos, para, depois, com mais tranquilidade, combater o outro (isso
evitaria o desgaste de se combater simultaneamente em duas frentes).
Schlieffen concluiu que seria melhor derrotar primeiramente a França, pois
um ataque inicial à Rússia não traria uma vitória rápida (devido à vastidão de seu territó-
rio). Acreditava Schlieffen, também, que, ao contrário da França, os russos demorariam
a se mobilizar (devido ao seu precário sistema de comunicações), não ameaçando imedi-
atamente aAlemanha.
Sendo assim, Schlieffen planejou que o grosso das forças alemãs deveria,
com extrema rapidez, realizar uma manobra de flanco para derrotar a França. Enquanto
isso, o restante do contingente alemão se deslocaria para o leste, a fim de deter uma
possível ofensiva russa.
A Áustria pretendia empregar seus exércitos em cooperação com os alemães
na frente oriental e em uma invasão à Sérvia. Os russos tinham como objetivos atacar a
Alemanha pela fronteira noroeste (forçando-a a uma guerra em duas frentes) e invadir a
Áustria e a Hungria. Os sérvios tinham apenas planos defensivos. Os britânicos estavam
dispostos a mandar para o continente uma força expedicionária em apoio aos
franceses.

240
PLANO SCHLIEFFEN - MANOBRA DE FLANCO SOBRE A FRANÇA
CANAL DA
M ANCHA H OLANDA

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O grosso das tropas alemãs da frente ocidental (1) realizaria uma manobra de
flanco (ação principal) (2) extremamente ampla pelo norte da França (3), passando pela
Bélgica (4), já que a fronteira oriental francesa, de Luxemburgo à Suíça (5), estava
muito fortificada. Paralelamente, o restante das tropas alemãs nesta frente (6), em uma
ação secundária, deveria deter um possível ataque das forças francesas (7) na fronteira
franco-germânica. O ataque principal alemão, depois de atingir o norte da França, de-
veria rumar para o sul, conquistar Paris (8) e, em seguida, convergir para o leste (9), a
fim de atacar as tropas e fortificações inimigas pela retaguarda. O desfecho da guerra na
frente ocidental não deveria durar mais de seis semanas (tempo que Schlieffen acredita-
va que a Rússia demoraria a mobilizar tropas suficientes para atacar aAlemanha).Após
a vitória, as tropas designadas inicialmente para atacar a França deveriam ser deslocadas
rapidamente para a frente oriental, a fim de derrotar os russos.

Em 3 de agosto de 1914, os alemães desencadearam o Plano Schlieffen,


adentrando na Bélgica.A violação da neutralidade belga era um desrespeito a um tratado
firmado em 1839 por prussianos, ingleses e franceses, e levou os ingleses a declarar
guerra à Alemanha (4 de agosto). AItália, que integrava a TrípliceAliança, preferiu man-
ter-se neutra. Definiam-se, então, os dois blocos que se oporiam durante a guerra: o dos
Aliados (França, Inglaterra e Império Russo) e o das Potências Centrais (Impérios Ale-
mão e Austro-Húngaro).
Coube ao general Helmuth J. L. Moltke, o moço, (sobrinho do conde von
Moltke, herói das Guerras de Unificação daAlemanha) executar o plano Schlieffen. Isso
foi feito de forma parcial, resultando em uma derrota alemã no rio Marne, fato que
inviabilizou uma rápida vitória daAlemanha sobre a França.
241
EXECUÇÃO DO PLANO SCHLIEFFEN POR MOLTKE

CANAL DA
MANCHA HOLANDA

BÉLGICA ALEMANHA

Bruxelas
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FRANÇA
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SUIÇA
Moltke alterou o Plano Schlieffen. A primeira mudança deu-se quando ele, preocupado com
uma possível ofensiva francesa sobre território alemão, reforçou (1) o contingente da ala esquerda do disposi-
tivo de ataque alemão (ação secundária) com elementos da ala direita (ação principal) , o que enfraqueceu o
poder de combate das tropas que desencadeariam o esforço principal.
Apesar da retirada de parte de seu poder de combate e da reação dos belgas que entraram na luta
ao lado dos aliados, as forças encarregadas do ataque principal alemão abriram caminho pela Bélgica e penetra-
ram em território francês (2). Enquanto isso, na fronteira franco-germânica, os franceses lançaram a ofensiva
que haviam planejado, mas esta foi barrada pelos exércitos alemães (3).
Esta vitória sobre os franceses encorajou Moltke a ordenar um contra-ataque nesse setor (4).
Tal medida estava em desacordo com o Plano Schlieffen, que previa apenas a fixação dos franceses nesse local.
Pressionados, os franceses começaram a recuar (5), saindo da armadilha elaborada por Schlieffen.
Entrementes, Moltke, perturbado por informações de que os russos desferiam um ataque no
leste da Alemanha (realizado antes do esperado pelos alemães), deslocou efetivos da ala direita (enfraquecendo
esta ainda mais) para a Prússia Oriental (6) (modificando pela terceira vez o Plano Schlieffen).
No final de agosto, as forças alemãs que desencadeavam o ataque principal estavam a dois dias
de marcha de Paris, mas encontravam-se exaustas. Faltavam-lhes suprimentos, equipamentos e as comunica-
ções estavam precárias. Seus efetivos também estavam reduzidos, pois, como os franceses, os alemães não
sabiam assaltar posições inimigas sem sofrer um grande número de baixas.
Em 1º de setembro de 1914, o generalAlexander von Kluck, comandante do I Exército Alemão,
que estava na extrema direita das forças que realizavam a ação principal (cuja missão era contornar Paris pelo
oeste), ordenou que suas tropas convergissem para o sul do rio Marne, passando a leste de Paris (em desacordo
com o Plano Schlieffen) (7). O comandante alemão esperava flanquear as tropas francesas que recuavam para
o rio Marne.
Enquanto os alemães avançavam para o rio Marne, os franceses, já contando com apoio de
forças britânicas, reagruparam-se ao sul deste rio (8) e iniciaram preparativos defensivos. Quando as forças se
depararam ocorreu a Primeira Batalha do Marne, vencida pelos aliados. Fracassava, desse modo, o Plano
Schlieffen.

242
A PRIMEIRA BATALHA DO MARNE

7 RETHEL

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EXÉRCITO ATAQUE RETIRADA RIOS
ALIADO BRITÂNICO ALEMÃ
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EXÉRCITO ATAQUES BRECHA FRENTE
ALEMÃO ALEMÂES

De 5 a 12 de setembro de 1914, na frente ocidental, tropas aliadas (francesas e inglesas) enfrentaram


forças alemãs em um embate que teria enormes repercussões no desenrolar da I Guerra Mundial. Os franceses
eram comandados por Joseph J. C. Joffre, os ingleses por John D. P. French, e os alemães por Helmuth J. L.
Moltke. Os aliados contavam com 6 exércitos, sendo 5 deles franceses (III, IV, V, VI e IX) e 1 britânico (Força
Expedicionária Britânica - BEF), somando um número aproximado de 1.070.000 combatentes. Os alemães
possuíam 5 exércitos (I, II, III, IV, V) e tinham um efetivo aproximado de 1.480.000 soldados. O VI e o IX
Exércitos haviam sido recentemente criados por Joffre, o que proporcionou aos aliados superioridade em seu
flanco esquerdo. Os contendores posicionaram seus exércitos ao longo do rio Marne (1). Os alemães, porém, ao
ajustarem suas tropas, deixaram uma brecha entre os I e II Exércitos, na região de Château Thierry (2). Iniciados
os combates, os aliados perceberam a brecha no dispositivo germânico. Imediatamente a BEF aproveitou-se da
falha inimiga iniciando uma penetração (3) pelas linhas inimigas em Château Thierry. Se a penetração fosse bem
sucedida, a BEF ficaria em condições de desbordar o I e II Exércitos alemães. Enquanto os britânicos avançavam
vagarosamente, os exércitos franceses suportavam bem as investidas inimigas (foram reforçados no dia 7 de
setembro por uma divisão apressadamente formada em Paris, que se juntou ao VI Exército Francês). Diante da
possibilidade de ter suas forças desbordadas, o comandante do II Exército Alemão (von Büllow), resolveu retrair
(4). O comandante do I Exército Alemão (Von Kluck), para não ficar isolado, fez o mesmo (5). Diante da
situação, na tarde do dia 11, von Moltke ordenou que o III, o IV e o V Exércitos também se retirassem (6). No
dia 12, os alemães estavam tomando posição ao norte do rio Aisne (7). Os aliados saíram-se vitoriosos no
embate, livrando Paris da ocupação inimiga. Na batalha, os aliados sofreram aproximadamente 262.000 baixas
(250.000 francesas e 12 mil britânicas), enquanto os alemães perderam cerca de 250.000 homens.

243
Após serem derrotadas no Marne, as tropas alemãs, seguindo ordem de
Moltke, recuaram para o rioAisne, na região da Picardia, perseguidas vagarosamente por
forças inglesas e francesas extenuadas. Acontraofensiva aliada não avançou muito, pois
logo foi detida pelos alemães no Aisne (1ª Batalha do Aisne, de 13 a 28 de setembro de
1914).
Moltke, em virtude de haver sofrido um colapso nervoso e, também, por
haver fracassado na aplicação do Plano Schlieffen, foi substituído pelo general Erich von
Falkenhayn. Depois da Batalha doAisne, os beligerantes, em batalhas sangrentas, procu-
raram alternadamente flanquear-se pelo norte, mas em virtude do equilíbrio de forças, as
várias tentativas de ambos fracassaram, no episódio que ficou conhecido como a “Corri-
da para o Mar”.
No final de outubro, Falkenhayn lançou uma última ofensiva, que esperava
ser decisiva, contra ingleses e franceses na região de Flandres. O comandante alemão
almejava capturar áreas importantes da Bélgica e da França, de onde poderia, em melho-
res condições, voltar a ameaçar Paris. Desencadeada a ofensiva, os alemães ocuparam
Antuérpia, mas fracassaram em penetrar nas principais linhas defensivas inimigas (1ª Ba-
talha de Ypres, de 19 de outubro a 22 de novembro de 1914).
Em dezembro de 1914, os beligerantes da frente ocidental encontravam-se
exaustos e sem suprimentos, tendo suas trincheiras se estendido da Suíça até o Canal da
Mancha (Belfort a Ostende). Acabavam-se, com isso, as esperanças de que a guerra
tivesse um fim breve. Passaram, então, os beligerantes a organizar as economias nacionais
para fazer frente aos esforços de guerra.
Ao mesmo tempo em que desencadeavam seus ataques na frente ocidental,
os alemães viram-se obrigados a resistir a uma ofensiva russa no leste (frente oriental). O
ataque russo visava obrigar os alemães a combater em duas frentes, o que, em conse-
quência, diminuiria a pressão alemã sobre os franceses. Em agosto de 1914, dois exérci-
tos russos, comandados pelos generais Alexander Samsonov e Paul von Rennenkanpf,
penetraram na Prússia Oriental.
Os generais russos, após uma modesta vitória em Gumbinnen (20 de agosto),
sofreram desastrosas derrotas para tropas alemãs, comandadas pelo general Paul von
Hindenburg, nas Batalhas de Tannenberg (26 a 30 de agosto de 1914) e 1ª dos Lagos
Mazurianos (9 a 14 de setembro de 1914). Em consequência, a maior parte das tropas
russas remanescentes da malograda ofensiva se retirou da Prússia, e as que permanece-
ram na região foram batidas pelos alemães na 2ª Batalha dos Lagos Mazurianos, em
fevereiro do ano seguinte.
Nos meses de setembro e outubro de 1914, os alemães contra-atacaram e
invadiram a Polônia, então território russo, com o objetivo de conquistar Varsóvia, mas
fracassaram. Os russos, em resposta, lançaram uma nova ofensiva, agora na Silésia (su-
deste da Alemanha), que também foi rechaçada pelos alemães.

244
A BATALHA DE TANNENBERG

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TANNENBERG II

LEGENDA

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EXÉRCITOS RUSSOS AVANÇOS RUSSOS
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CORPOS DE EXÉR-
CITO ALEMÃES ATAQUES ALEMÂES
CAVALARIA ALEMÃ

Na Prússia Oriental, leste do Império Alemão, no início da guerra, os alemães contavam com cerca de
150 mil homens, os russos somavam 190 mil. Os russos, a pedido da aliada França (que fora maciçamente
atacada pelos alemães), lançaram uma ofensiva sobre o leste da Alemanha com dois exércitos, o I e o II ,
comandados, respectivamente, por Paul von Rennenkampf e Alexander Samsonov. Os exércitos russos avan-
çaram separadamente, sem comunicação entre si e de forma vagarosa. O I Exército Russo penetrou na Prússia
Oriental (1), passou ao norte dos lagos Mazurianos (2) e tinha como objetivo principal conquistar a cidade de
Königsberg (3). O II Exército penetrou pelo sul (4) dos lagos Mazurianos, visando convergir para o norte em
direção a Königsberg. Se tudo ocorresse conforme o planejado, o VIII ExércitoAlemão, que defendia a Prússia
Oriental, seria cercado e destruído pelos dois exércitos russos. O I Exército Russo obteve uma vitória pouco
significativa sobre os alemães em Gumbinnen (20 de agosto) (5). Tal fato alarmou o comandante geral alemão
Helmuth J. L. Moltke, que substituiu o comandante do Teatro de Operações Oriental, Maximilian von
Prittwitz, por Paul von Hindenburg. Após a vitória em Gumbinnen, Rennenkampf não prosseguiu com suas
ações. Ao perceber que o I Exército Russo não se movia, Hindenburg resolveu derrotar um exército russo de
cada vez. Seguindo um plano elaborado pelo coronel Max Hoffmann, optou por atacar inicialmente o II
Exército, que se encontrava desgastado por uma penosa marcha. Rapidamente as unidades do VIII Exército
Alemão foram deslocadas por ferrovias em direção ao sul (6), onde cercaram o Exército de Samsonov em
Tannenberg. Enquanto isso, a fim de dissimular o ataque principal, o comandante alemão manteve apenas uma
divisão de cavalaria na frente do I Exército Russo (7).Após cercarem as tropas do II Exército Russo, os alemães
passaram a batê-las com intensos fogos de artilharia. Surpreendidos, os soldados de Samsonov entraram em
pânico, o que resultou, em 30 de agosto, na desintegração do II Exército Russo. Poucas unidades conseguiram
sair do cerco alemão, tendo Hindenburg conseguido uma importante vitória. Depois, o I Exército Russo foi
derrotado na Primeira Batalha dos Lagos Mazurianos (09 a 14 de setembro). Em Tannenberg, os alemães
tiveram cerca de 20 mil baixas, os russos 30 mil (outros 95 mil russos foram feitos prisioneiros).

245
Paralelamente aos ataques no leste da Alemanha, quatro exércitos russos
penetraram na Galícia (nordeste da Áustria-Hungria). Nos embates que se seguiram, os
russos venceram os austro-húngaros na Batalha de Lemberg (8 a 12 de setembro de
1914), passando a ocupar extensa faixa dentro do território inimigo.
Nos Bálcãs, no dia 11 de agosto de 1914, os austro-húngaros lançaram uma
ofensiva, esperando derrotar facilmente os sérvios e conquistar Belgrado. Os combates,
no entanto, prolongaram-se, e, para agravar a sua situação, os austro-húngaros tiveram
de transferir tropas para conter os russos que atacavam a Galícia. Aproveitando-se da
diminuição do poder de combate dos austro-húngaros, no dia 3 de dezembro de 1914,
em um ataque desesperado, os sérvios repeliram as forças invasoras para além do rio
Danúbio.
Em outubro de 1914, os turcos, que tinham estreitas ligações com o Império
Alemão, aliaram-se às Potências Centrais. Lançaram uma ofensiva sobre o Egito,
protetorado inglês, e outra no Cáucaso, contra os russos, mas ambas fracassaram. A
maior contribuição turca para o esforço de guerra das Potências Centrais, no entanto, foi
o fechamento dos estreitos de Bósforo e Dardanelos à navegação dos aliados. Essa me-
dida prejudicou enormemente o comércio exterior russo, dependente em grande parte
dos portos do mar Negro.
Em resposta ao ataque turco, os britânicos lançaram, a partir do Egito e de
Basra (sul do Iraque), ofensivas contra o Império Otomano. As tropas britânicas, entre
sucessos e reveses e com apoio de árabes que viviam sob domínio turco, avançaram, nos
anos seguintes, vagarosamente para o norte, rumo a Bagdá e a Jerusalém.
Logo no início da guerra, a Marinha Britânica iniciou um bloqueio naval à
Alemanha, visando negar-lhe acesso a recursos vitais (alimentos e matérias-primas). En-
quanto isso, na América Latina, em 1º de novembro de 1914, uma frota alemã, comanda-
da pelo Vice-Almirante Graf Spee, conseguiu uma expressiva vitória sobre forças inglesas
em Colonel, na costa do Chile. Pouco tempo depois, porém, em 8 de dezembro de 1914,
nas proximidades das ilhas Malvinas, a frota de Spee foi interceptada e destruída pela
Marinha Britânica. Este fato asseguraria o controle dos oceanos pelos aliados durante o
restante da guerra.
A parte principal da frota de superfície alemã, por sua vez, permaneceu du-
rante quase toda a guerra em seus portos, pouco cooperando para o esforço militar de
seu país. Somente em 1916, os receosos comandantes navais alemães decidiram medir
forças com a Marinha Inglesa. No embate que se seguiu, nos dias 30 e 31 de maio, o
maior da guerra, conhecido como Batalha de Jutlândia, os alemães levaram uma ligeira
vantagem, mas, após a batalha, retornaram com seus navios para as suas bases, de onde
não mais saíram.
O maior esforço naval alemão coube aos submarinos. Estes, no início do
conflito, foram incumbidos de realizar uma “guerra submarina irrestrita”, ou seja, deve-

246
riam afundar todos os navios aliados e neutros que se dirigissem às ilhas britânicas. Com
tal medida, os alemães pretendiam sufocar a economia britânica, impondo um bloqueio
semelhante ao que a Marinha Britânica fazia ao Império Alemão. O afundamento de na-
vios de países neutros, entretanto, levou estes a pressionarem o governo alemão, que
suspendeu a ordem de se afundarem os navios de países que não participavam da guerra.
No Extremo-Oriente e na África,
nos primeiros meses de guerra, os aliados to- A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA
maram as colônias alemãs. A única exceção Quando a guerra se iniciou, o Brasil
adotou uma posição de neutralidade. Em
ocorreu na África Oriental Alemã, onde o ge-
1917, durante o governo de Venceslau Brás,
neral alemão Paul von Lettow-Vorbeck, à diversos navios mercantes brasileiros foram
frente de aproximadamente onze mil homens afundados por submarinos alemães. Esses
(a maioria nativos), resistiu até o final da guer- ataques germânicos levaram o Brasil a de-
ra a cento e trinta mil soldados aliados, usando clarar guerra às Potências Centrais (26 de
táticas de guerrilha. outubro de 1917).
O ano de 1915 se iniciou com o Tendo em vista contribuir para o es-
impasse na frente ocidental. Falkenhayn deci- forço de guerra aliado, o governo brasileiro
diu manter-se na defensiva neste setor e lançar enviou uma missão médica à França e em-
grandes ofensivas no leste, onde as grandes penhou-se no sentido de fornecer matérias-
primas e gêneros alimentícios aos aliados.
extensões territoriais impediam uma guerra de No campo militar, a Marinha Brasi-
trincheiras. Seu objetivo era colocar a Rússia leira patrulhou o Atlântico; uma força naval
fora da guerra, fato que liberaria forças alemãs juntou-se à Marinha Inglesa (não chegou a
e austro-húngaras para outras frentes. combater); e um grupo de aviadores e ofi-
Em maio, forças austro-húngaro- ciais do exército integrou as forças armadas
alemãs desencadearam ofensivas planejadas aliadas.
por Falkenhayn contra os russos em Gorlice-Tornow. As ofensivas das potências centrais
obtiveram sucesso, permitindo-lhes reconquistar a Galícia, penetrar profundamente em
território russo e ocupar Varsóvia. Somente em setembro, o avanço austro-húngaro-ale-
mão foi detido em uma linha defensiva estabelecida pelos russos, que se estendia do mar
Báltico aos Cárpatos (Riga a Czernowitz). Apesar dos reveses e das grandes perdas
materiais e humanas, o Império Russo manteve-se firme na guerra, frustrando as expecta-
tivas iniciais germânicas.
No oeste, os alemães lançaram apenas uma ofensiva na região de Flandres
(2ª Batalha de Ypres, de 22 de abril a 15 de maio de 1915), quando utilizaram experi-
mentalmente gases venenosos que já haviam utilizado contra os russos em Bolinow, em
janeiro de 1915. A surpresa decorrente do uso da nova arma não foi aproveitada pelos
alemães e seu ataque foi barrado pelos aliados, que rapidamente tomaram medidas para
resistir aos efeitos dos gases.
Por outro lado, na frente ocidental, os aliados lançaram ofensivas nas regiões
de Artois (maio e setembro de 1915) e Champagne (setembro e outubro de 1915), com
o objetivo de recapturar territórios franceses e belgas. Pouco terreno foi conquistado,
247
PRINCIPAIS OFENSIVAS E BATALHAS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

ISLÂNDIA

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MAR DO NORTE
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REINO UNIDO
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10 5 6
16 13 9LUXEMBURGO
1
3
FRANÇA
SUÍÇA ÁUSTRIA-
17 15 HUNGRIA

ROMÊNIA
AL

8 MAR NEGRO
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ESPANHA SÉR- BULGÁRIA


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ITÁLIA VIA IM
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MONTENEGRO
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ALBÂNIA
7 É RI
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OT
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GRÉCIA AN
MAR MEDITERRÂNEO O

ÁFRICA

ALIADOS POTÊNCIAS CENTRAIS PAÍSES NEUTROS

1 - INVASÃO ALEMÃ À FRANÇA


1914 2 - OFENSIVA RUSSA SOBRE A PRÚSSIA ORIENTAL
3 - OFENSIVA RUSSA NA GALÍCIA

4 - CAMPANHA ALEMÃ DE GORLICE-TORNOW


5 - OFENSIVA ALIADA EM ARTOIS
6 - OFENSIVA ALIADA EM CHAMPAGNE
1915
7 - OFENSIVA ALIADA EM GALÍPOLI
8 - OCUPAÇÃO DA SÉRVIA PELAS POTÊNCIAS CENTRAIS
9 - OFENSIVA ALEMÃ EM VERDUN

10 - OFENSIVA ALIADA NO SOMME


1916 11 - OFENSIVA DE BRUSILOV
12 - BATALHA NAVAL DE JUTLÂNDIA
13 - OFENSIVA DE NIVELLE

14 - OFENSIVA ALIADA EM FLANDRES


1917 15 - BATALHA DE CAPORETTO

16 - OFENSIVA DA PRIMAVERA
1918 17 - BATALHA DE VITTORIO VENETO

248
com grande número de baixas. Os fracassos levaram à nomeação de um novo comandan-
te inglês para a Frente Ocidental, o general Sir Douglas Haig.
Os aliados resolveram lançar uma ofensiva nos Bálcãs em 1915, com a fina-
lidade de colocar o Império Otomano fora da guerra e, dessa forma, desbloquear os
portos russos do Mar Negro. O local escolhido foi a Península de Galípoli, onde tropas
australianas e neozelandesas foram desembarcadas em 25 de abril, tendo em vista con-
quistar Istambul. O ataque aliado, porém, esbarrou em uma feroz resistência turca. A
ofensiva estagnou-se e os combates tornaram-se semelhantes aos da frente ocidental.
Depois de pesadas baixas de ambos os lados, sem esperança de vitória, os aliados eva-
cuaram suas tropas da península em janeiro de 1916.
Em 23 de maio de 1915, a Itália entrou na guerra ao lado dos aliados, que lhe
prometeram territórios da Áustria-Hungria.Até 1917, os italianos lançariam diversas ofen-
sivas infrutíferas, com enorme número de baixas, sobre o sul do ImpérioAustro-Húngaro.
Este, já envolvido em difíceis lutas contra os russos e sérvios, permaneceu, na maior parte
do tempo, na defensiva na frente italiana, protegido pelo terreno montanhoso e por boas
posições.
Em agosto de 1915, os búlgaros entraram na guerra, optando por se aliarem
às potências centrais, que lhes prometeram terras macedônicas. Com apoio búlgaro, for-
ças austro-húngaras e alemãs finalmente derrotaram e ocuparam a Sérvia. Os aliados
tentaram socorrer os sérvios desembarcando tropas em Salônica, na Grécia (5 de outu-
bro de 1915), mas estas, com pouco poder de combate, foram detidas pelos búlgaros.
Os soldados remanescentes do Exército Sérvio retiraram-se para a Albânia, de onde
seguiram para a ilha de Corfu, no mar Adriático, a fim de se reorganizarem.
Quando o ano de 1916 se iniciou, as nações beligerantes ainda estavam dis-
postas a fazer grandes esforços para alcançar a vitória. Falkenhayn tinha em mente lançar
uma ofensiva na frente ocidental, com o objetivo de derrotar o Exército Francês através
de uma “batalha de desgaste”. Para isso, ele tencionava atacar intensivamente um setor
vital da linha francesa, para onde seriam atraídos os exércitos franceses e suas reservas,
que em seguida, iriam ser destruídos por fogos de artilharia. Verdun foi o local escolhido,
por permitir aos alemães concentrarem ao máximo sua artilharia contra os defensores e
por ser uma cidade afetiva e estrategicamente muito importante para os franceses.
Em 21 de fevereiro de 1916, o ataque alemão teve início e, como esperado,
os franceses resistiram. O general Henri Phillippe Pétain foi escolhido para liderar os
exércitos que defendiam Verdun. Quando o combate se intensificou, o comandante ale-
mão percebeu que não estava atingindo seus objetivos, pois suas tropas se enfraqueciam
na mesma proporção com que desgastavam o inimigo.
Ao mesmo tempo em que os franceses resistiam em Verdun, os russos lança-
ram uma poderosa ofensiva sob o comando de general AlexeiAlekseevich Brusilov. Esta
não foi lançada em um setor restrito, como costumeiramente era feito, mas em um amplo

249
FORMA USUAL DE COMBATE NA GUERRA DE TRINCHEIRAS

ASSALTO ALEMÃO À TRINCHEIRA INGLESA

No início da guerra, os comandantes acreditavam resolutamente que a ofensiva móvel era


superior à defesa estática. Devido a isso, optaram por lançar seus soldados sobre as posições
inimigas sem se preocupar com o número de baixas.
Para romper as trincheiras, resolveram empregar a fórmula “a artilharia conquista, a infantaria
ocupa”. Desse modo, inicialmente eram lançados pesados fogos de artilharia sobre as posições
inimigas, a fim de destruí-las e eliminar seus ocupantes. Às vezes, as preparações levavam dias,
como durante a Batalha de Verdun, quando os alemães lançaram vinte e dois milhões de granadas
sobre as posições francesas. Em seguida, as divisões eram colocadas em linha e suas infantarias
lançavam-se para conquistar os objetivos, já batidos pela artilharia, e abrir brechas no sistema
defensivo adversário. Depois, caso os infantes obtivessem sucesso, a cavalaria seria lançada pelas
brechas para aproveitar o êxito.
Tal processo de combate, no entanto, não surtiu os efeitos desejados, pois a artilharia mos-
trou-se incapaz de destruir totalmente as posições e os defensores inimigos. Em virtude disso, os
infantes quando atacavam (normalmente vagarosamente e em formações emassadas), eram alvos
dos fogos da artilharia e dos infantes inimigos, que, abrigados em posições fortificadas, os abatiam
facilmente com fogos de metralhadoras e fuzis. O resultado, na maioria dos casos, era o malogro do
ataque, ficando a cavalaria sem poder entrar em ação.
Por vezes, a infantaria conseguia abrir uma pequena brecha no dispositivo adversário, mas
falhas rotineiras nas comunicações (os rádios eram pesados e não confiáveis, os telefones tinham
suas linhas cortadas pelos fogos inimigos, muitos mensageiros eram mortos) impediam que os
comandantes enviassem reservas para o local em tempo útil. Os defensores, pelo contrário, quando
percebiam uma brecha em seu dispositivo, rapidamente deslocavam tropas reservas para o setor
ameaçado. O rápido emprego das reservas por parte dos defensores, nos locais e momentos adequa-
dos, era facilitado pelos prolongados fogos de artilharia do atacante, que denunciavam o local da
ofensiva. Por isso, os infantes que conseguiam se apossar de um pequeno trecho da linha inimiga
ficavam isolados, incapazes de resistir a uma contraofensiva.
Com o passar do tempo, os defensores passaram a construir segundas posições, o que
dificultou mais ainda as ações ofensivas. Em suma, o fogo prevalecia sobre o movimento.

250
ARMAS DA GUERRA

O AVIÃO

O potencial bélico do avião, inventado no início


do século XX, foi logo percebido pelos comandantes
militares. No início da guerra, as aeronaves eram frágeis
e utilizadas apenas em missões de reconhecimento e
bombardeio. Entretanto, os beligerantes sentiram a ne-
cessidade de possuírem a supremacia aérea nos cam-
pos de batalha, surgindo, em decorrência, aviões de
combate (caças), armados com metralhadoras, que pas-
saram a duelar nos ares.
Entre outros modelos, os alemães empregaram
o bombardeiro Gotha G IV e o Caça Fokker D VII; os
franceses, o bombardeiro Caudron R-11 e o caça SPAD
XIII; e os ingleses, o bombardeiro Handley Page V/
1500 e o caça Bristol F.2b.
Os alemães também fizeram uso de enormes ba-
lões dirigíveis (zepelins) para bombardear o inimigo.
Mas, por serem inflados com hidrogênio, os aeróstatos
eram muito vulneráveis à artilharia e aos projéteis in-
cendiários dos caças inimigos.

O CARRO-DE -COMBATE
Tendo em vista romper o impasse na frente oci-
dental, os aliados resolveram desenvolver um veículo
blindando capaz de penetrar nas defesas adversárias.
Os ingleses construíram o Mark IV, cujas princi-
pais características eram a guarnição de 8 homens (co-
mandante, motorista, 2 orientadores e 4 artilheiros); peso
de 28,5 toneladas; à gasolina; velocidade máxima de 5,6
km/h; autonomia de 56 km; dois canhões de 57mm e 4
metralhadoras de 7,7mm; blindagem com 16mm (frente),
12mm (lados) e 8 mm (teto). Os franceses desenvolve-
ram o Renault FT-17 e o Schneider CA 1, similares ao
Mark IV.
Os franceses utilizaram os carros-de-combate
como artilharia de apoio, enquanto os ingleses os usa-
ram em apoio à infantaria. Os alemães não priorizaram a
fabricação de carros-de-combate, dando preferência às
armas anticarro.
Embora causassem surpresa ao inimigo, muitos
carros-de-combate tiveram problemas mecânicos, caí-
ram em valas ou atolaram quando empregados, não ten-
do um papel decisivo no desfecho da guerra.

251
setor da frente oriental. Apesar do enorme número de baixas russas, o plano de Brusilov
obteve êxito, tendo suas tropas avançado cerca de cinquenta quilômetros em toda a área
atacada. Paralelamente, os ingleses realizaram ofensivas na região da Picardia (Somme -
julho a novembro de 1916), onde empregaram, pela primeira vez, alguns carros-de-com-
bate. Mesmo surpresos diante da nova arma inimiga, os alemães reagiram, e a ofensiva
britânica não atingiu os resultados esperados. O esforço inglês, juntamente com a ofensiva
de Brusilov, serviram para aliviar a pressão dos alemães sobre os franceses em Verdun.
A partir de julho de 1916, os alemães passaram a transferir tropas de Verdun
para o Somme, onde eramatacados pelos ingleses, o que indicava que o plano de Falkenhayn
de destruir o Exército Francês em Verdun fracassara (os combates nessa região prosse-
guiram com menos intensidade até dezembro de 1916, quando as perdas humanas, entre
mortos e feridos, contavam 362.000 franceses e 336.000 alemães). Em virtude do revés
em Verdun, Falkenhayn acabou substituído pelo general von Hindenburg (29 de agosto
de 1916).
Nos Bálcãs, em agosto de 1916, os romenos aderiram aos aliados (27 de
agosto), que lhes prometeram territórios austro-húngaros. ARomênia, no entanto, estava
em uma posição estratégica delicada, pois fazia fronteira com a Bulgária e o Império
Austro-Húngaro. Os romenos lançaram uma ofensiva sobre o Império Austro-Húngaro,
mas tropas dos países centrais rapidamente contra-atacaram e ocuparam quase toda a
Romênia.
No início de 1917, os fracassos das ofensivas já começavam a desestruturar
as instituições dos países beligerantes e a abalar o moral dos civis e dos combatentes. Isso
ocorria porque nas rotineiras batalhas infrutíferas, o número de mortos e feridos era
contado na casa dos milhares (no primeiro dia da ofensiva do Somme, os britânicos
tiveram 57.470 baixas). Mesmo assim, os aliados e os alemães tinham expectativas
TRINCHEIRAS

252
de encerrar a guerra na frente ocidental nesse ano. O general Robert Nivelle, nomeado
comandante geral do Exército Francês, marcou uma grande ofensiva para o início da
primavera. Os britânicos, da mesma forma, esperavam lançar potentes ataques. Já o ge-
neral Hindenburg chegara à conclusão de que a guerra de atrito beneficiava os aliados,
que possuíam maiores recursos, portanto os alemães deveriam manter-se momentanea-
mente na defensiva.
Nivelle lançou sua ofensiva em “Chemin des Dames”, no Aisne, mas os ale-
mães estavam preparados. Teve início, então, a 2ª Batalha do Aisne (16 de abril a 9 de
maio de 1917), na qual os franceses foram repelidos, com grande quantidade de baixas.
O fracasso ocasionou grandes descontentamentos, levando muitos soldados, esgotados
pelos esforços de guerra, a amotinar-se. Eles não queriam mais participar de ações ofen-
sivas, embora se mostrassem dispostos a lutar defensivamente.
Nivelle foi destituído do comando em 15 de maio de 1917, sendo substituído
por Pétain. O novo comandante atendeu muitas das reivindicações da tropa, reconquis-
tando a confiança dos soldados. O Exército Francês, porém, foi mantido na defensiva até
que recobrasse o ânimo. Os ingleses, ao contrário, realizaram novas ofensivas na região
de Artois (Batalha de Arras, de 9 de abril a 16 de maio de 1917), na região de Flandres
(3ª Batalha de Ypres, de 31 de julho a 6 de novembro de 1917), e na região de Nord-
Pas-de-Calais. Na ofensiva em Nord-Pas-de-Calais, na Batalha de Cambrai (25 de no-
vembro a 6 de dezembro de 1917), os britânicos empregaram em massa cerca de duzen-
tos carros-de-combate. Tal medida, contudo, não lhes trouxe resultados expressivos.
Os aliados ganharam pouco terreno em suas ofensivas e tiveram um grande
número de baixas. Os alemães também sofreram duras baixas e o desgaste de seu exér-
cito passou a preocupar o alto comando. Com o fracasso das operações, o impasse na
frente ocidental continuava quando o ano de 1917 terminou.
Na frente italiana, em outubro de 1917, os países centrais, empregando no-
vos processos de combate ofensivo (infiltração tática e grupos de assaltos), lançaram
uma grande ofensiva, fazendo a linha defensiva italiana ceder (Batalha de Caporetto, de
24 de outubro a 29 de novembro). Os italianos foram obrigados a recuar 110 quilômetros
até o rio Piave, onde, com apoio de franceses e britânicos, detiveram o inimigo.
Também em 1917 aconteceram fatos importantes para o desfecho da guerra.
Em 31 de janeiro, o governo alemão lançou mão de forma irreversível da “guerra subma-
rina irrestrita”. O resultado não foi o esperado, já que a economia britânica resistiu, e o
afundamento de navios norte-americanos levou a opinião pública dos Estados Unidos a
se voltar contra a Alemanha. O governo norte-americano, influenciado ainda por uma
forte parceria econômica com as nações aliadas, declarou guerra à Alemanha (6 de
abril). O Exército Norte-Americano, porém, não estava preparado para um confronto em
larga escala. Desse modo, sua presença na frente ocidental, sob o comando do general
John Pershing, só seria sentida efetivamente no ano seguinte.

253
A REVOLUÇÃO RUSSA
No início do século XX, intensificou-se uma crise político-econômico-social há
muito presente no Império Russo. As péssimas condições de vida de operários e campo-
neses, a derrota na Guerra Russo-Japonesa e a propagação de ideias revolucionárias
minavam o poder autocrático do czar Nicolau II.
Quando a I Guerra Mundial teve início, o soberano russo conseguiu unir a nação em
torno de uma causa comum: vencer as Potências Centrais. A prometida vitória, porém,
não veio, apesar dos esforços materiais do governo e da tenacidade dos soldados, que
morriam aos milhares na frente de combate.
Os insucessos nos campos de batalha somaram-se à falta de alimentos e às agita-
ções populares, criando um ambiente de descontentamento geral. Em março de 1917, o
czar, pressionado, abdicou, e o Império Russo foi dissolvido. O governo na Rússia passou
a ser exercido por uma coalizão de socialistas moderados (mencheviques) e burgueses
liberais. O líder do novo governo, Aleksander Kerenski, manteve a Rússia na guerra.
Novos fracassos militares, no entanto, aumentaram a crise interna e esfacelaram as
instituições russas. Aproveitando-se disso, em novembro de 1917, socialistas radicais
(bolcheviques) assumiram o poder. Os bolcheviques retiraram a Rússia da guerra, vence-
ram seus inimigos internos em uma guerra civil e fundaram, em 1922, a União das Repú-
blicas Socialistas Soviéticas, o primeiro Estado de caráter socialista da História.

Na Rússia, desgastes ocasionados pela guerra somaram-se a crises internas,


provocando a Revolução de Fevereiro. O czar foi obrigado a abdicar, sendo sucedido
por Aleksander Kerenski, líder de um governo provisório. Kerenski optou por manter a
Rússia na guerra e por lançar uma grande ofensiva contra os alemães, sobre a qual se
depositaram enormes expectativas de vitória.
O ataque, entretanto, fracassou, provocando a desagregação do Exército
Russo. Soldados passaram a desertar, pilhando o que encontravam em seu retorno para
casa.Aproveitando-se da situação, revolucionários bolcheviques assumiram o poder (Re-
volução de Outubro). Os novos líderes retiraram a Rússia da guerra, assinando com os
alemães, em 3 de março do ano seguinte, o desvantajoso Tratado de Brest-Litovsk, pelo
qual cediam muitos territórios e importantes áreas industriais e agrícolas à Alemanha.
Ainda em 1917, a Grécia, que esperava apossar-se de territórios turcos, jun-
tou-se aos aliados.
Em 1918, os alemães decidiram lançar uma ofensiva decisiva com todos os
seus meios na Frente Ocidental, para acabar de vez com a guerra. Vários motivos leva-
vam os comandantes alemães a optarem por esta linha de ação: suas tropas momenta-
neamente dispunham de superioridade numérica na frente ocidental (208 divisões contra
179 aliadas), graças aos efetivos liberados da frente oriental devido à saída da
Rússia da guerra; a economia alemã, devido ao esforço de guerra e ao bloqueio naval
254
PROCESSOS DE COMBATE
A INFILTRAÇÃO TÁTICA

3
1
4

34
Em uma ação ofensiva, tipo “infiltração tática”, não havia uma longa preparação de artilharia, para que
o local do ataque não fosse denunciado. As unidades do primeiro escalão de ataque deslocavam-se para as suas
posições de partida durante a noite, pouco tempo antes do momento marcado para o início das ações. A artilharia
fazia, então, se fosse o caso, uma breve mas intensa preparação de fogos. Em seguida, as unidades do primeiro
escalão (1) infiltravam-se através dos pontos fracos do dispositivo do adversário (2), ultrapassando os pontos
fortes (3), que só posteriormente deveriam ser destruídos por elementos do segundo escalão ou da reserva. Os
elementos do primeiro escalão de ataque conduziam armas coletivas leves (metralhadoras e morteiro leves) e
eram apoiados em sua progressão por uma barragem rolante de artilharia (ocorria uma sincronização entre os
fogos de artilharia e o avanço da infantaria). Os elementos do primeiro escalão de ataque, uma vez infiltrados,
atuavam na retaguarda inimiga (4), desestabilizando o sistema defensivo adversário, com vistas a enfraquecer os
pontos fortes inimigos. A reserva era empregada no aproveitamento do êxito e não para a correção de falhas,
como então era habitual.
OS GRUPOS DE COMBATE
2

3 1

Com o advento, no século XIX, das armas de fogo de tiro rápido e longo alcance, as infantarias passaram
a sofrer grande número de baixas ao assaltar uma posição defensiva. Isto ocorria porque os infantes, ao atacar,
grupados em formações compactas, ficavam muito tempo expostos aos fogos inimigos. A infantaria, portanto,
não sabia progredir no terreno combinando adequadamente o fogo e o movimento. Nos primeiros anos da
Primeira Guerra Mundial, este problema persistiu, sendo um dos motivos do elevado número de baixas do
conflito. No final da guerra, a combinação do fogo e movimento foi resolvida pelos alemães, que passaram a diluir
suas formações. As frações alemãs foram divididas em grupos de combate (célula de infantaria), que atuavam se
apoiando. Durante a progressão rumo à posição inimiga (2), um grupo avançava realizando lanços (movimento)
(3), enquanto o outro, abrigado, o apoiava, disparando sobre o inimigo (fogo) (1). Depois as funções eram
invertidas e o processo repetido, até que os grupos chegassem à posição inimiga.
34
A “infiltração tática” usada pelos alemães na I Guerra Mundial não tem qualquer relação com o conceito de “infiltração tática” da atual doutrina brasileira.

255
PROCESSOS DE COMBATE: DEFESA EM PROFUNDIDADE
1

2
10 a 25 km

Durante a guerra, os beligerantes aperfeiçoaram seus sistemas defensivos. As formações lineares de pouca
profundidade, características dos primeiros tempos da guerra, foram substituídas por um dispositivo no qual a
infantaria era escalonada em profundidade (não mais em linhas contínuas). Assim, a conquista pelo atacante das
partes mais avançadas do sistema defensivo não constituía uma brecha, como anteriormente, e, por conseguinte, só
parcialmente infligia danos ao conjunto da defesa. O dispositivo defensivo passou a corresponder a uma zona
fortificada de 10 a 25 km de profundidade, sendo a defesa efetuada nessa zona. A frente do dispositivo defensivo
ficavam postos avançados (1), com fraco poder de combate, mas bem apoiados por fogos de artilharia, que tinham
a missão de detectar ações inimigas e repeli-las, se estas fossem de pequena monta. Logo depois era estabelecida a
“posição de resistência” (2), dotada da maior parte dos meios, que tinha a missão principal de defesa. À retaguarda
da “posição de resistência” era disposta uma segunda posição defensiva (3). Finalmente, atrás da segunda posição
defensiva, eram posicionadas tropas reservas (4) para apoiar, se fosse o caso, as ações defensivas ou realizar contra-
ataques. Trincheiras defensivas e de ligação, espaldões e abrigos de diversos tipos, flanqueavam-se e cobriam-se
mutuamente. Redes de arame farpado e obstáculos batidos por fogos de armas automáticas as protegiam. Localidades
e bosques eram organizados como pontos de apoio. Tudo isto constituía um sistema de defesa, que seria potente sem
ser rígido.
FRENTE OCIDENTAL
CAMPO DE BATALHA CANHÃO DE LONGO ALCANCE ALEMÃO

256
britânico, estava entrando em colapso, com repercussões danosas para a ordem política
e social; os novos métodos de combate alemães, testados em Caporetto, haviam surtido
bons resultados; e a crescente presença norte-americana na frente ocidental, em recursos
e homens, indubitavelmente, faria a vitória pender para os aliados a curto prazo.
O ataque que decidiria a sorte da Alemanha na guerra (ofensiva da primave-
ra) foi lançado em 27 de março de 1918. Apesar de sucessos iniciais, as tropas alemãs
foram detidas de forma decisiva na 2ª Batalha do Rio Marne (15 de julho a 6 de agosto).
Derrotados, os alemães recuaram para uma linha, denominada Hindenburg. Restava, agora,
aos germânicos somente as alternativas de se manter na defensiva ou de procurar a paz.
Nos meses de setembro a novembro de 1918, os aliados passaram a pres-
sionar seus inimigos em todas as frentes. No Oriente Médio, os turcos, após perderem o
controle sobre as cidades de Jerusalém, Bagdá e Damasco, solicitaram o armistício (30
de outubro). Na frente italiana, o Império Austro-Húngaro pediu a suspensão das hosti-
FRENTE OCIDENTAL, 1914-18

MAR DO
NORTE Amsterdã
REINO
UNIDO HOLANDA

Ostende
Antuérpia
REN

R
YSE
O

Ypres Bruxelas ALEMANHA


Arras BÉLGICA
Cambrai
LEGENDA
SOMM
E LUX.
Sedan FRONTEIRAS: 03 DE AGOSTO DE 1914
AISNE
SE
NA
Metz
MARNE Verdun LIMITE DO AVANÇO ALEMÃO: SET 1914

Paris
LINHA DE TRINCHEIRAS: 1914 - 1917

LIMITE DA OF. DA PRIMAVERA: 1918

Belfort
FRANÇA LINHA DO ARMISTÍCIO: NOV. DE 1918

SUÍÇA

257
lidades, após ser derrotado pelos italianos na Batalha de Vittorio Veneto (23 de outubro a
3 de novembro). Nos Bálcãs, a Bulgária também resolveu entrar em negociações. Na
frente ocidental, os aliados, fazendo uso de centenas de carros-de-combate, obrigaram
os alemães a recuar e romperam a linha Hindenburg (27 a 30 de setembro).
Isolado, esgotado material e moralmente, o Império Alemão começou a se
desestruturar. Irromperam motins na Marinha e agitações populares agravaram a situa-
ção. O Kaiser Guilherme II, ao perder o apoio do exército, abdicou dando ensejo à
instauração de uma república. Os novos governantes, sem esperança de vitória, procura-
ram os aliados para firmar um armistício, que foi assinado em Compiègne (11 de novem-
bro), pondo fim às hostilidades.
Ao armistício seguiram-se, em janeiro de 1919, na cidade de Paris, conferên-
cias de paz, profundamente influenciadas pela França, Inglaterra e Estados Unidos. As
conversações tinham como objetivos principais redesenhar o mapa europeu, atendendo
aos interesses das diversas nacionalidades (basicamente, a constituição de Estados-na-
ções étnico-linguísticos), e enfraquecer aAlemanha e o governo bolchevique recém-insta-
lado na Rússia.
Com o governo alemão foi firmado o Tratado de Versalhes, segundo o qual,
territorialmente, aAlemanha cedeu aAlsácia-Lorena à França; Eupen-Malmédy à Bélgi-
ca; a maior parte da província de Posen (“corredor polonês”) à Polônia; o Schleswig do
norte à Dinamarca; Memel à Lituânia; suas colônias à França, Inglaterra, Japão e África
do Sul; e, ainda, a cidade de Dantzig foi transformada em cidade livre. Economicamente,
os alemães tiveram de ceder a Bacia do Sarre (rica em carvão) à exploração francesa por
quinze anos, entregar as jazidas carboníferas da Alta Silésia à Polônia e passar boa parte
de seus navios mercantes e locomotivas às potências aliadas. Financeiramente, foram
confiscados todos os investimentos e bens alemães no estrangeiro (nacionais ou privados)
e uma Comissão de Reparação foi designada para avaliar o montante a ser pago pelo
governo alemão aos aliados, a título de reparação de guerra (calculado em 132 bilhões
de marcos). Militarmente, a Renânia foi desmilitarizada; a MarinhaAlemã foi proibida de
possuir encouraçados e submarinos; o Exército não poderia ter efetivo superior a cem mil
homens, além de ficar proibido de equipar-se com carros-de-combate, caminhões pesa-
dos e artilharia antiaérea; e a força aérea devia ser extinta. Amaior humilhação imposta à
Alemanha, entretanto, foi uma cláusula moral, na qual os aliados, mediante ameaça de
ocupação, obrigaram os alemães a assumir a culpa pelo desencadeamento da guerra.
O Tratado de Saint-Germain, firmado entre os aliados ocidentais e o recém-
instituído governo austríaco, determinou a dissolução do Império Austro-Húngaro, cujas
partes deram origem a novos países (Áustria, Hungria e Tchecoslováquia) ou foram cedi-
dos à Itália, Polônia, Romênia e Iugoslávia. A Áustria também foi proibida de unir-se,
política ou economicamente, àAlemanha.
Com a Hungria foi assinado o Tratado de Trianon, pelo qual os húngaros

258
EUROPA EM 1919

ISLÂNDIA

A
EG
FINLÂNDIA

RU
NO
CO

SUÉCIA
TI

ESTÔNIA
ÂN

MAR DO NORTE
L

RÚSSIA
AT

LETÔNIA
REINO UNIDO DINAMARCA
NO

LITUÂNIA
EA
OC

HOLANDA

BÉLGICA ALEMANHA POLÔNIA


LUXEMBURGO
T CH E C
OSL OV
Á Q UIA
FRANÇA
SUÍÇA ÁUSTRIA
HUNGRIA
IU
G ROMÊNIA
AL

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SL
UG

ÁV MAR NEGRO
ESPANHA IA BULGÁRIA
RT

ITÁLIA
PO

IMP
ALBÂNIA ÉR
IO
OT
OM
MAR MEDITERRÂNEO GRÉCIA A NO

ÁFRICA

NOVOS PAÍSES

cederam territórios à Romênia, Iugoslávia e Tchecoslováquia, perdendo o acesso que


tinham ao mar.
Ao Império Otomano, que em 1923 deixaria de existir, foi imposto o Tratado
de Sèvres, pelo qual os turcos perdiam a Palestina, a Síria, o Líbano, a Mesopotâmia e a
Esmirna (recuperada, pouco tempo depois, pelos turcos em uma guerra contra a Grécia).
Os estreitos de Bósforo e dos Dardanelos foram declarados neutros, sendo sua travessia
permitida a todos os navios estrangeiros, mercantes ou de guerra, em quaisquer circuns-
tâncias.
A Rússia, governada pelos bolcheviques, vista com desconfiança pelas na-
ções vencedoras, perdeu grandes extensões territoriais. Dos antigos domínios do czar
originaram-se quatro novos Estados: Finlândia, Letônia, Estônia e Lituânia. Além disso,
os russos cederam grande parte do território que deu origem à Polônia e perderem a
Bessarábia para a Romênia.
Uma “grande Sérvia” foi formada com o nome de Iugoslávia (eslavos do sul),
abrangendo a Sérvia, Montenegro, Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovínia, Dalmácia e
parte da Macedônia.

259
As potências vencedoras esperavam que os tratados impostos aos derrota-
dos evitassem um novo conflito, pois a guerra trouxera consequências catastróficas para
os principais países europeus. Dentre estas, a queda de três impérios tradicionais (Ale-
mão, Austro-Húngaro e Russo); e a morte de cerca de oito milhões de soldados (outros
vinte milhões ficaram feridos) e de aproximadamente doze milhões de civis (em virtude da
falta de alimentos, epidemias e massacres). Também obrigou os governos a despenderem
recursos vultosos, muito acima de sua capacidade, o que fez com que dívidas nacionais
aumentassem e sistemas monetários entrassem em crise; e arruinou economias nacionais,
devido à destruição de grande número de indústrias, campos agrícolas e navios
mercantes.
Tais consequências refletem o caráter total da Primeira Guerra Mundial, tra-
vada até as últimas forças por governos cientes de que o resultado final do embate pode-
ria significar a própria sobrevivência dos seus estados.
Nos combates, foram utilizados todos os meios possíveis para superar o ini-
migo, mesmo os de uso controverso, como o afundamento de navios de passageiros,
bombardeios de cidades e uso de gases venenosos. Os esforços de guerra nacionais
implicaram em ampla mobilização das populações (os homens capazes iam para a frente
de combate, enquanto as mulheres os substituíam nos campos e fábricas) e das econo-
mias (direcionadas para a produção de alimentos, suprimentos e armamentos). O conflito
foi tridimensional (ocorreram combates no mar, ar e terra) e psicológico (bloqueios
econômicos e propagandas realizados para abater as forças morais do inimigo).
Ao término da guerra, os países europeus, mesmo os vitoriosos, estavam
enfraquecidos. Perderam espaço para os Estados Unidos, que se tornaram, indiscutivel-
mente, a maior potência econômica mundial. Um órgão internacional, denominado Liga
das Nações, foi criado para promover a cooperação e manter a paz mundial, embora não
viesse a se mostrar à altura de sua missão.

260
CAPÍTULO 23

O PERÍODO ENTREGUERRAS

“Isso não é paz. Isso é um armistício por vinte anos”. 35


Ferdinand Foch, marechal francês,
sobre os tratados de paz da I Guerra
Mundial

Em 1919, nas conferências de paz em Paris, que puseram fim à Primeira


Guerra Mundial, os líderes dos países vitoriosos resolveram considerar o conflito recém-
terminado como a “guerra para acabar com todas as guerras”. Pensando nesta aspiração,
decidiram criar uma assembleia de países, que teria como principal função mediar confli-
tos, tendo em vista manter a paz mundial. Tal propósito concretizou-se em janeiro de
1920, quando foi instalada, em Bruxelas, a Liga das Nações.
Para cumprir seu objetivo principal, a Liga das Nações poderia valer-se do
poder de coerção de seus membros, para estabelecer sanções a países que ameaçassem
a integridade territorial ou a independência de outros estados. ALiga, entretanto, surgiu
com um sério problema, que em muito a enfraquecia: a ausência dos Estados Unidos, cujo
Congresso não ratificou a decisão do presidente Woodrow Wilson de incluir seu país na
nova organização.
A vitória dos aliados na Primeira Guerra Mundial, liderada por países demo-
crata-liberais (Inglaterra, França e Estados Unidos), ensejou também a adoção deste
tipo de regime em diversos outros, como Tchecoslováquia, Polônia,Alemanha e Áustria.
Apesar das crises sociais, econômicas e políticas que se seguiram ao término da guerra,
os novos governos democrata-liberais mantiveram-se firmes.
Na Itália, porém, instalou-se um regime de natureza bem diferente. Isso acon-
teceu porque seus problemas econômicos, decorrentes do esforço de guerra, eram muito
acentuados (áreas industriais e agrícolas destruídas, elevada dívida externa, desemprego
e inflação). Para agravar, algumas promessas de compensação territorial feitas pelos alia-
dos não se efetivaram, resultando em grandes descontentamentos. Isso fez explodir uma
crise social. De norte a sul, ocorreram tumultos (saques, greves, ocupações de fábricas,
rebeliões e desordens), muitos dos quais liderados por elementos de esquerda (comunis-
tas e anarquistas).
35
Apud Young, 1980, p.12.

261
O governo parlamentar italiano mostrou-se incapaz de restabelecer a ordem,
levando a burguesia conservadora, que temia o avanço das forças de esquerda, a apoiar
um partido de extrema-direita, ultranacionalista, denominado fascista. O Partido Fascista
era liderado por Benito Mussolini, e dele faziam parte muitos ex-combatentes, não adap-
tados à vida civil, que recorriam à violência para alcançar objetivos políticos.
Em 1922, os fascistas realizaram um movimento que ficou conhecido como
“Marcha sobre Roma”, por meio do qual exigiram, do rei italiano Vítor Emanuel III, o
governo do país. O monarca, sentindo-se pressionado, e, ao mesmo tempo, consideran-
do ser um governo fascista a solução para os problemas italianos, nomeou Mussolini para
o cargo de primeiro-ministro. No poder, o líder fascista calou as oposições e implementou
uma série de medidas drásticas que restabeleceram a ordem social e aliviaram os proble-
mas econômicos. Em 1925, os fascistas, já tendo estruturado um regime totalitário, pas-
saram a dar ênfase à militarização e à expansão territorial da Itália.
Outro estado que destoava, no cenário internacional, no início da década de
1920, era a Rússia. Nesse país, os revolucionários comunistas, conhecidos como “ver-
melhos”, liderados por Vladimir Lenin, que se haviam instalado no poder em 1917, tive-
ram de enfrentar opositores, denominados “brancos”, em uma sangrenta guerra civil. No
final do embate, os “brancos”, mesmo apoiados por nações ocidentais que intervieram no
conflito temendo uma “contaminação”da Europa Ocidental pelos ideais comunistas, aca-
baram derrotados. Os “vermelhos”, então, consolidaram-se no poder, implantando um
estado totalitário de extrema-esquerda, denominado, em 1922, União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS).

FASCISMO E COMUNISMO

Na Itália, nos pós-guerra, os fascistas defendiam o culto e obediência ao chefe


de seu partido e ao Estado. Apresentavam-se como inimigos do comunismo e da de-
mocracia, e apregoavam a sujeição do indivíduo aos interesses maiores do Estado.
Diziam caber ao Estado controlar a economia nacional e harmonizar as relações entre
patrões e empregados. Nas relações internacionais, os fascistas eram partidários da
expansão territorial de sua pátria, vista como uma forma de engrandecê-la. O nazismo,
que surgiria mais tarde na Alemanha, também era um regime fascista, só que com um
componente a mais, o racismo.
Os adeptos do comunismo pregavam um regime no qual a propriedade dos
bens e dos meios de produção fosse comum a todos. A implantação de tal regime, no
entanto, necessariamente teria de ser precedida pelo socialismo e ser gerido por uma
“ditadura do proletariado”, responsável pelo estabelecimento das condições necessá-
rias para chegar-se ao comunismo.

262
Com a morte de Lenin em 1924, assumiu o poder Josef Stalin, que expulsou
ou executou seus opositores (de dentro e fora do Partido Comunista), passando a contro-
lar firmemente o poder. Stalin implantou também uma economia planificada, tendo em
vista equiparar a produção agrícola e industrial soviética à das potências ocidentais. Para
isso estabeleceu planos quinquenais, através dos quais fixou metas de produção, que a
qualquer custo deveriam ser atingidas.
A estabilidade mundial que tomava forma, no entanto, passou a ser ameaçada
na segunda metade da década de 1920, quando a economia norte-americana, a principal
do globo, passou a apresentar problemas. O principal deles era o da superprodução.
A superprodução norte-americana aconteceu porque os Estados Unidos, du-
rante a guerra mundial, aumentaram muito sua produção para suprir as necessidades do
mercado internacional, já que os grandes países europeus, em guerra, não podiam fazê-
lo. Após a Grande Guerra, entretanto, os países europeus recuperaram gradativamente
as suas economias, passando a importar menos dos Estados Unidos e a competir com os
norte-americanos no mercado internacional. Paralelamente, a crescente mecanização nos
campos e nas indústrias fez aumentar o desemprego e impediu a elevação dos salários nos
Estados Unidos. Em virtude de tais fatos, houve falta de consumidores no mercado exter-
no e interno para os produtos norte-americanos, que passaram a ser estocados. Em
consequência do acúmulo de mercadorias, agricultores e industriais tiveram de diminuir
sua produção, o que significou a demissão de trabalhadores e, assim, a redução ainda
maior do número de consumidores. Desse modo, instalava-se na economia norte-ameri-
cana um círculo vicioso, que resultaria em uma crise.
Em face da euforia progressista nos Estados Unidos, no início da década de
1920, tais problemas não foram levados em conta, continuando os investidores a aplicar
em ações na Bolsa de Valores. Muitas vezes, os investidores comercializavam as ações a
preços elevados, que não condiziam com a real situação das empresas. Quando a crise
econômica chegou à Bolsa de Nova Iorque, em 1929, os preços das ações baixaram
para seus valores reais. Os acionistas tentaram vendê-las, mas não encontraram compra-
dores. Em 29 de outubro, a Bolsa de Nova Iorque “quebrou”, ou seja, as operações
foram suspensas devido ao excesso de oferta de ações, que ininterruptamente baixavam
de valor por falta de demanda.Acrise, então, se generalizou, levando milhares de bancos,
indústrias e empresas rurais à falência, o que fez aumentar ainda mais o número de
pessoas desempregadas.
Para fazer frente à crise, os Estados Unidos reduziram drasticamente a com-
pra de produtos estrangeiros e suspenderam (ou cobraram) empréstimos a outros países.
Dessa forma, a crise norte-americana propagou-se internacionalmente, tendo início a
“Grande Depressão” (período de crise econômica internacional que se sucedeu à quebra
da Bolsa de Nova Iorque).

263
A depressão atingiu em cheio os regimes democrático-liberais, que subsisti-
ram em países onde estavam arraigados por longa tradição, como na França e na Ingla-
terra; mas mostraram-se frágeis onde há pouco haviam sido estruturados, a exemplo da
Alemanha e da Áustria. Dessa forma, na década de 1930, muitos países abandonaram
regimes democráticos, substituindo-os por autoritários, em virtude de julgarem-nos inca-
pazes de solucionar a crise que se estabelecera.
Acrise fora especialmente forte na Alemanha, e dela aproveitou-se o Partido
Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazista), de natureza fascista, liderado
por Adolf Hitler, para chegar ao poder.
O Partido Nazista, fundado no pós-guerra por indivíduos de tendências na-
cionalistas (dentre os quais muitos veteranos da Primeira Guerra Mundial), não tivera
votações expressivas até 1929. Devido a isso, Hitler e seus seguidores tentaram chegar
ao poder por meio de um golpe em 1923 (Putsch de Munique), mas fracassaram.
Nas eleições de 1933, o Partido Nazista esforçou-se para convencer o elei-
torado de que tinha as soluções para a crise econômica alemã. Paralelamente instigava o
espírito nacionalista do povo alemão, ainda frustrado pelo Tratado de Versalhes (segundo
Hitler, a Alemanha não havia sido derrotada na Primeira Guerra Mundial nos campos de
batalha, mas sim traída por inimigos internos, que solaparam suas instituições e assinaram
a rendição). Os apelos dos nazistas surtiram efeito e os candidatos do partido receberam
expressivas votações. Diante do sucesso de seu partido, Hitler foi convidado pelo presi-
dente Hindenburg para o cargo de chanceler (chefe de governo).
Após a morte de Hindenburg, em 1934, não houve novas eleições presiden-
ciais, e Hitler passou a acumular os cargos de presidente e chanceler (fato ratificado em
um plebiscito). Em seguida, ele tomou uma série de medidas para se perpetuar no poder:
dissolveu todos os partidos políticos (com exceção do Nazista), eliminou opositores e
suspendeu as liberdades constitucionais.
Depois de tornar-se o líder absoluto da nação (führer), Hitler passou a cogitar a
expansão territorial da Alemanha e a objetivar a união dos povos germânicos em um
grande Estado, onde pudessem desenvolver todas as suas potencialidades. Esse Estado
deveria ser restrito aos germânicos (arianos), considerados, pela doutrina nazista, uma
“raça” superior. Para atingir os objetivos, Hitler tencionava conquistar territórios na Euro-
pa Oriental e retirar do convívio alemão grupos étnicos minoritários (judeus, eslavos e
ciganos), vistos, por ele, como os responsáveis pelas mazelas alemãs.
O prestígio de Hitler cresceu à medida que a economia alemã se recuperava. O
governante alemão incentivou as indústrias (principalmente armamentista), estimulou o
comércio e desencadeou a construção de numerosas obras públicas, diminuindo substan-
cialmente o número de desempregados. Estas providências surtiram efeitos extremamente
benéficos, a ponto da produção industrial alemã, em 1939, só ser superada pela norte-
americana.

264
No Extremo-Oriente, a crise econômica atingiu o Japão, onde se instalou um
governo nacionalista-militarista, que tinha como objetivos proporcionar para o país a
autossuficiência econômica, a segurança militar e um papel de liderança regional. Para
isso, os governantes japoneses estabeleceram planos expansionistas, que previam o con-
trole da Manchúria (território chinês, rico em xisto petrolífero, carvão e ferro), das Índias
Orientais (colônia holandesa, com enormes reservas de petróleo), da Indochina (colônia
francesa, grande produtora de borracha), e da Birmânia e Malásia (colônias britânicas,
com grandes reservas de estanho, tungstênio e bauxita). Esta expansão, consideravam os
líderes nipônicos, deveria ter como base a Coreia, onde os japoneses estavam firmemente
instalados desde a Guerra Russo-Japonesa.
No período entreguerras, muitas discussões ocorreram sobre o aperfeiçoa-
mento de doutrinas militares. Especial atenção foi dada ao emprego dos carros-de-com-
bate e dos aviões, engenhos que se mostraram importantes na Grande Guerra.
O potencial do emprego combinado da aviação, dos carros-de-combate e da
infantaria fora visualizado ainda durante o primeiro conflito mundial pelo militar inglês J. F.
C. Fuller. Este oficial apresentou, em 1918, ao general Foch, comandante aliado, um
plano de uma grande ofensiva a ser executada em 1919, nos quais aviões e carros-de-
combate teriam um papel decisivo. A ofensiva planejada por Fuller seria iniciada pela
aviação, que bombardearia ferrovias, rodovias, centros de transporte e quartéis-generais,
a fim de desorganizar as posições defensivas e comprometer o fluxo de suprimentos e de
tropas inimigas. Em seguida, seria lançado um ataque em massa a ser executado por cerca
de cinco mil carros-de-combate (de novo modelo, com velocidade de até 30 km/h e
maior autonomia), que teriam como missão abrir brechas no dispositivo defensivo inimigo.
Uma vez atingida a retaguarda inimiga, os blindados deveriam causar a maior confusão
possível, visando desestruturar as linhas oponentes. Infantes transportados em viaturas-
qualquer- terreno seguiriam os carros-de-combate para apoiá-los. A aviação, após reali-
zar os bombardeios preliminares, deveria também apoiar o avanço dos carros-de-com-
bate e das tropas que os seguiam, orientando-os a seus objetivos, protegendo-os da
artilharia inimiga, suprindo-os e transmitindo-lhes informações. O ataque seria lançado de
surpresa, sem preparação de artilharia. Após o sucesso do primeiro escalão de ataque,
seriam lançados outros, para se manter a continuidade de esforços.
Também durante a Grande Guerra, o general William Mitchell, comandante
da ForçaAérea Norte-Americana, organizou tropas aerotransportadas para serem lançadas
à retaguarda das posições alemãs na região de Yprés. Uma divisão de paraquedistas foi
treinada para atuar em 1919.
Os planos e ideias de Fuller e de Mitchel, todavia, não foram postos em
prática, devido ao fim da guerra em novembro de 1918.
No pós-guerra, Mitchell e o general italiano Giulio Douhet formularam doutri-
nas nas quais enfatizavam a importância das forças aéreas em um futuro conflito. Embora
discordassem em diversos aspectos, os dois pensadores chegaram à conclusão de que,
265
em uma futura guerra, seria crucial obter-se a supremacia aérea, o que possibilitaria o
lançamento de pesados bombardeios sobre a infraestrutura econômica do inimigo. Com
tal ação, poderiam enfraquecer o esforço de guerra e as forças armadas do oponente,
pontos vitais para se chegar à vitória.
Após a Primeira Guerra Mundial, as potências mundiais seguiram diferentes
caminhos em relação ao preparo de suas forças armadas e às estratégias militares. Nos
países vitoriosos, houve a tendência de manter-se métodos de combate com ênfase na
defensiva; enquanto, nos derrotados, procurou-se refletir sobre novas concepções de
combate, dando-se prioridade à ofensiva.Além disso, alguns países deram grande impor-
tância, outros não, ao aperfeiçoamento de aviões, armamentos, equipamentos de comuni-
cações e viaturas blindadas e motorizadas.
Destarte, os franceses, envoltos por ideias pacifistas e de desarmamento, pren-
deram-se a uma doutrina defensiva, preocupando-se, basicamente, em construir a Linha
Maginot, uma sólida posição defensiva linear, que se estendia da Suíça à Bélgica, ao longo
da fronteira com a Alemanha.
Os ingleses procuram aprimorar a força aérea e a marinha, mas, em compensa-
ção, não deram a atenção devida ao exército. Os norte-americanos, por terem adotado
uma política isolacionista, não investiram pesadamente na modernização do exército. Não
constituíram, por exemplo, divisões blindadas; a Marinha e a ForçaAérea estadunidenses,
entretanto, receberam maiores recursos, conseguindo equipar-se com porta-aviões e ae-
ronaves modernas.
Os japoneses procuraram equipar, adestrar e modernizar as forças armadas,
conseguindo tornar sua marinha a terceira maior do mundo. Os soviéticos investiram ma-
ciçamente no reaparelhamento de seu aparato militar, dando ênfase à produção de car-
ros-de-combate e de aviões. Também dedicaram-se à organização de uma base industrial
nos Urais e na Ásia, que deveria dar suporte a ações bélicas.
Os alemães encontraram maiores dificuldades para iniciar a reestruturação das
forças armadas, pois o Tratado de Versalhes impunha-lhes uma série de restrições que
pareciam inviabilizar qualquer tentativa nesse sentido. O ExércitoAlemão ficou restrito a
cem mil soldados e proibido de se equipar com carros-de-combate e artilharia pesada; a
Marinha poderia ter um efetivo máximo de quinze mil homens e somente seis navios de
guerra; e a Força Aérea não poderia existir.
As restrições do Tratado de Versalhes, no entanto, não surtiram os efeitos dese-
jados, pois foram ludibriadas pelos alemães, que firmaram acordos militares secretos com
os soviéticos, pelos quais foram autorizados a instalar fábricas, desenvolver equipamentos
militares e treinar tropas e pilotos na URSS (em contrapartida, os alemães instruiriam
tropas soviéticas), passaram a treinar os seus militares dois níveis acima de seu posto, a
fim de dispor de um grande número de comandantes aptos a enquadrar civis convoca-
dos para o serviço militar, e incentivaram agremiações recreativas, como clubes aeronáu-
ticos, onde se ensinavam as primeiras lições aos futuros membros das forças armadas.
266
Além disso, o Estado-Maior Alemão não foi dissolvido e seus membros pas-
saram a refletir e tirar lições da Primeira Guerra Mundial e dos conflitos bélicos, que a
partir da década de 1930, começaram a suceder-se.
Ao analisarem a Grande Guerra, os pensadores militares alemães concluíram
que os conflitos passaram a ter um caráter total. Era preciso, portanto, preparar a nação
econômica, política e psicologicamente para a guerra, a fim de que as ações das Forças
Armadas fossem respaldadas por todos os setores nacionais. Outro ensinamento colhido
foi o da importância de ter-se carros-de-combate e aviões modernos. Envoltos por tais
considerações, os alemães, ao contrário de ingleses e franceses, procuraram preparar sua
nação, em todos os aspectos, para a guerra e esforçaram-se para desenvolver novos
processos de combate, nos quais enfatizaram o emprego combinado da aviação e de
tropas blindadas.
No cenário internacional, a partir da década de 1930, diversos eventos,
gradativamente, fizeram as tensões aumentarem.
Em 1931, os japoneses deram início a seus projetos expansionistas ao invadi-
rem o território chinês da Manchúria, onde criaram um estado títere, denominado
Manchukuo. Em seguida, passaram a avançar sobre outras áreas chinesas, intensificando
o conflito. A Liga das Nações interveio, mas mostrou-se incapaz de solucionar a crise (os
japoneses deixaram de ser membros da Liga em 1933, após serem questionados sobre
suas agressões à China).
O sucesso da expansão japonesa e a fraqueza demonstrada pela Liga das
Nações encorajaram Mussolini a atacar, em 1935, a Abissínia (Etiópia), que foi subjugada
e incorporada ao império colonial italiano. Novamente a Liga das Nações não tomou
providências sérias, limitando-se a decretar leves sanções econômicas à Itália.
A guerra chegou ao continente eu-
ropeu em 1936, quando irrompeu um sangren- MUSSOLINI E HITLER
to conflito ideológico na Espanha (Guerra Ci-
vil Espanhola). De um lado posicionaram-se
os partidários do governo republicano (socia-
listas, comunistas, anarquistas, voluntários in-
ternacionais, e separatistas bascos e catalães),
apoiados materialmente pela URSS; do ou-
tro, forças nacionalistas (militares e adeptos
da Igreja Católica e da direita política) apoia-
dos militarmente (com homens e equipamen-
tos) pelos governos da Itália e da Alemanha.
Os nacionalistas, liderados pelo
general Francisco Franco, iniciaram o confli-
to tendo em vista tirar do poder os republica-
nos, acusados de comunistas e anticlericais.
267
O conflito estendeu- se até 1939 e terminou com a vitória dos nacionalistas.
Para os militares alemães, a guerra na Espanha serviu como campo de prova para novas
armas e táticas, que, desde o final da Primeira Guerra Mundial, vinham desenvolvendo.A
Força Aérea Alemã, por exemplo, arrasou a cidade de Guernica, mostrando todo o po-
tencial dos bombardeios aéreos. A França e a Inglaterra, governadas por líderes demo-
cráticos e pacifistas, não intervieram na Guerra Civil Espanhola.
No entreguerras, ingleses e franceses adotaram uma política de apaziguamen-
to, da qual Hitler se aproveitou para implementar projetos expansionistas. Entre os anos
de 1934 e 1939, por meio de plebiscitos ou intimidações, o governante alemão remilitarizou
a Renânia (algo proibido pelo Tratado de Versalhes), anexou o Sarre, a Áustria, os Sudetos
e Memel (territórios habitados predominantemente por alemães, os dois últimos, respec-
tivamente, da Tchecoslováquia e Lituânia.). Tudo isso foi realizado sem que franceses e
ingleses tomassem qualquer medida em represália. Ademais, em 1935, o líder alemão
declarou publicamente que seu país se rearmaria e reintroduziria o serviço militar
obrigatório.
No ano de 1939, Mussolini ocupou a Albânia, e Hitler ocupou a
Tchecoslováquia, atos que geraram um ambiente extremamente tenso na Europa. A Liga
das Nações, a esta altura, estava totalmente desacreditada. Hitler voltou-se então para a
Polônia, aliada de ingleses e franceses, a fim de recuperar territórios que os alemães foram
obrigados a ceder aos poloneses, quando do término da Primeira Guerra Mundial. No dia
1º de setembro de 1939, após concluir um pacto de não-agressão com a URSS e aliar-se
com a Itália (Pacto deAço), Hitler ordenou a invasão da Polônia. Imediatamente ingleses
e franceses declararam guerra à Alemanha, dando início a Segunda Guerra Mundial.

268
CAPÍTULO 24

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL


“Embora grande parte da Europa e antiquíssimos e famosos Esta-
dos hajam caído ou possam ainda cair nas garras da Gestapo e de todo o
odioso aparato nazista, não haveremos de ceder nem fracassar. Iremos até
o fim: lutaremos na França, lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos,
com crescente confiança e poderio, no ar; defenderemos nossa ilha custe o
que custar; lutaremos nas praias, lutaremos nos aeródromos, lutaremos
nos campos, nas ruas, nas colinas; jamais nos renderemos, e mesmo que –
o que não creio sequer por um momento – esta ilha ou uma grande parte
dela seja subjugada e esteja passando fome, nosso império de além-mar,
armado e guardado pela esquadra britânica, continuará a lutar até que,
quando Deus quiser, o Novo Mundo, com toda a sua força e poderio, se
ponha em marcha para socorrer e libertar o velho”. 36
Winston Churchill, primeiro-ministro inglês

A Segunda Guerra Mundial começou a delinear-se na década de 1930, quando


os líderes do Japão, Itália e Alemanha deram início a uma política de expansão territorial.
Os governantes japoneses ordenaram a ocupação de diversas regiões da China, desejo-
sos de obter a autossuficiência econômica para seu país. O líder fascista italiano Benito
Mussolini ordenou anexação daAbissínia (Etiópia) e a ocupação daAlbânia, tencionando
aumentar a grandeza de sua nação. O dirigente da Alemanha, Adolf Hitler, anexou, atra-
vés de plebiscitos, o Sarre (região alemã que estava sob administração da Liga das Na-
ções) e a Áustria (nação germânica que estava proibida de unir-se à Alemanha pelo Tra-
tado de Germain, de 1919), e por meio de pressões diplomáticas, os Sudetos e Memel
(territórios habitados por alemães, que faziam parte da Tchecoslováquia e Lituânia, res-
pectivamente). Em 1939, o líder alemão pôs fim à Tchecoslováquia ao mandar suas tro-
pas ocuparem a parte do país habitada pelos tchecos (Boêmia e a Morávia ). Os eslovacos
formaram seu próprio Estado, tutelado pelos alemães.
As outras potências mundiais, Estados Unidos, URSS, França e Inglaterra,
não se sentiram animadas a tomar medidas sérias em represália às agressões nipo-teuto-
italianas. Isso ocorreu porque os norte-americanos adotavam uma postura isolacionista,
os soviéticos consolidavam internamente o socialismo, e os ingleses e os franceses
seguiam uma política de apaziguamento.
Hitler, todavia, não estava satisfeito com os ganhos territoriais obtidos, pois
pretendia conquistar áreas que considerava vitais (“Lebensraum”) para o aumento do
poderio nacional germânico (territórios perdidos pelaAlemanha na Primeira Guerra Mun-
dial e outras regiões da Europa Oriental).
36 Apud YOUNG, 1980, p.53.

269
Para dar continuidade ao seu projeto expansionista, o governante alemão
optou por conquistar territórios poloneses, embora previsse que tal ação poderia provo-
car um conflito armado de largas proporções, já que a Inglaterra e a França comprome-
teram-se em apoiar a Polônia em caso de uma invasão alemã. A maior preocupação de
Hitler, não obstante, era com a União das Repúblicas Socialista Soviéticas (URSS), go-
vernada por Josef Stalin, pois os alemães desejavam evitar uma guerra em duas frentes,
como ocorrera na Primeira Guerra Mundial.
Para o espanto dos líderes da França e da Inglaterra, em 23 de agosto de
1939, a Alemanha e a União Soviética, de regimes políticos diametralmente opostos,
firmaram um pacto de não-agressão. O pacto era conveniente para Hitler porque possi-
bilitaria um ataque alemão à Polônia sem a ingerência dos soviéticos; para Stalin era im-
portante porque lhe daria tempo para reorganizar as Forças Armadas Soviéticas, que se
encontravam fragilizadas em virtude de um expurgo realizado no seio da alta oficialidade
pelo próprio líder comunista. Pelo pacto também ficou acordado que os signatários pode-
riam, sem interferência de um ou do outro, reconquistar territórios perdidos na Primeira
Guerra Mundial. Assim, a Alemanha poderia anexar a metade ocidental do território
polonês; a URSS, a metade oriental da Polônia, a Estônia, a Lituânia, a Letônia, a Bessarábia
e partes da Finlândia.
Livre de uma guerra em duas frentes, Hitler sentiu-se confiante para lançar
uma campanha contra a Polônia, que se iniciou em 1° de setembro de 1939, quando as
Forças Armadas Alemãs, de surpresa e sem declarar guerra, invadiram o território polo-
nês. Dois dias depois, a Inglaterra e a França, em retaliação, declararam guerra à
Alemanha.
No embate teuto-polaco que se iniciava, somente o valor moral dos
contendores se equivalia, pois, em todos os outros aspectos, as Forças Armadas Alemãs
eram superiores. A Força Aérea Alemã (Luftwaffe) contava com modernos caças e bom-
bardeiros, enquanto a polonesa só possuía aeronaves obsoletas. O Exército Alemão dis-
punha de 51 divisões (10 blindadas e 4 motorizadas), contra as quais os poloneses pode-
riam destacar 39 divisões (nenhuma blindada). AMarinhaAlemã era superior em quanti-
dade e qualidade à polonesa.
O diferencial principal entre as forças armadas adversárias, no entanto, esta-
va centrado nos processos de combate empregados. Os alemães utilizavam a “blitzkrieg”,
que consistia no emprego combinado da aviação e de unidades blindadas, motorizadas e
a pé, em ações coordenadas por comunicação com rádio e marcadas pela surpresa e
rapidez. Em contrapartida, os poloneses adotavam métodos lentos e antiquados, típicos
da Primeira Guerra Mundial.
A ofensiva alemã, denominada Operação Queda Branca (“Unternehmen Fall
Weiß”) foi iniciada pela Luftwaffe, que destruiu as bases aéreas polonesas e conquistou
rapidamente a supremacia aérea, ficando em condições de apoiar as operações terres-
tres. A Marinha Alemã, em pouco tempo, controlou o litoral polonês, passando
270
FORMA USUAL DE EMPREGO DA BLITZKRIEG

5
4 3 6 7

Os alemães conseguiram rápidas e expressivas vitórias no início da Segunda Guerra


Mundial, por empregarem um processo de combate inovador, desenvolvido no período entreguerras,
principalmente por Heinz Guderian, denominado “blitzkrieg” (guerra relâmpago). Tratava-se do
emprego tático combinado da aviação e de unidades blindadas, motorizadas e a pé, em ações
coordenadas por comunicação com rádio e marcadas pela surpresa e rapidez.
Inicialmente era estabelecido um objetivo estratégico que deveria ser alcançado pe-
las grandes unidades blindadas. O ataque iniciava-se pela ação de caças e bombardeiros, que,
agindo como uma “artilharia aérea”, destruíam campos de pouso, estações ferroviárias, depósitos
de combustíveis, pontes, quartéis-generais, entre outros alvos, a fim de desarticular as posições
defensivas inimigas. A artilharia contribuía, de acordo com suas possibilidade, nesse esforço.
Tropas paraquedistas podiam ser lançadas para conquistar áreas importantes para o prossegui-
mento das operações, ou para desorganizar ainda mais o sistema defensivo inimigo.
Paralelamente, ou mesmo antes do início das operações, tropas terrestres pressiona-
vam toda a frente inimiga (reconhecimento em força) para localizar os pontos fortes (1) e fracos (2)
do dispositivo inimigo. Feitos os reconhecimentos, poderosas investidas blindadas (3) eram reali-
zadas para abrir brechas de 2 a 3 km nos pontos fracos. Os pontos fortes eram desbordados, para
posterior destruição. Após passar pelas brechas, as forças blindadas poderiam, dependendo o
caso, seguir para o objetivo final (4), causando a maior quantidade de danos possíveis ao adversá-
rio, ou isolar os pontos fortes que haviam ultrapassado (5), enfraquecendo-os (dependendo do
caso, as duas operações poderiam ser realizadas conjuntamente). Unidades motorizadas seguiam
as blindadas (6), procurando alargar as brechas. Por fim vinham divisões a pé (7), às quais cabia
reduzir os pontos fortes, agora enfraquecidos pela ação das forças de primeiro escalão. Todas as
operações terrestres eram apoiadas pela força aérea.
Alcançado o objetivo estratégico, outros eram traçados, e as operações prosse-
guiam. Os defensores inimigos tinham poucas opções: podiam permanecer em suas posições iso-
ladas, enfraquecendo-se continuamente em virtude das baixas e da falta de suprimento; ou procurar
retrair, sendo, nesse caso, atacados pelos aviões e perseguidos pelos blindados, que impediam
qualquer tentativa de reorganização.

271
a bombardear as defesas costeiras. Por terra, os alemães avançaram, a partir da Silésia,
Pomerânia, Prússia Oriental e Eslováquia, e, com velocidade, cercaram e destruíram di-
versas unidades polonesas, que haviam sido posicionadas de forma dispersa ao longo
das fronteiras. Os comandantes militares poloneses tinham dispersado suas unidades com
o intuito de proteger importantes áreas industriais, mas tal medida acarretou no enfraque-
cimento do Exército Polonês em todos os setores.
Os poloneses lançaram algumas contraofensivas desesperadas, que fracassa-
ram. Para agravar a situação polonesa, no dia 17 de setembro de 1939, forças soviéticas
invadiram a Polônia pelo leste, conforme o acordado no pacto de não-agressão teuto-
soviético.
Em 18 de setembro de 1939, o governo polonês, sem esperança de reverter
a situação, já que seus aliados franceses e ingleses não esboçaram pronta reação militar,
refugiou-se na Romênia, estabelecendo um governo no exílio, transferido, posteriormen-
te, para a França e, mais tarde, para a Grã-Bretanha.
No dia 27 de setembro de 1939, a capital polonesa, Varsóvia, caiu sob o
poder dos alemães. Encerrava-se, dessa forma, a primeira campanha da guerra.APolônia
foi dividida por alemães e soviéticos, mas muitos poloneses, no exílio, se reagrupariam e
continuariam a lutar para restabelecer a independência de sua pátria.
O passo seguinte foi dado por Stalin, que ordenou a invasão da Finlândia,
tendo em vista conquistar territórios considerados vitais para a segurança da URSS. Com
100 divisões, 3.200 carros-de-combate e 2.500 aviões, os soviéticos esperavam bater
facilmente as Forças Armadas Finlandesas, compostas por 3 divisões e alguns poucos
aviões obsoletos.
Em 30 de novembro de 1939, os soviéticos iniciaram a ofensiva. Os finlande-
ses resolveramresistir à investida inimiga emuma linha defensiva denominada Mannerheim,
situada entre o lago Ladoga e o golfo da Finlândia. O avanço soviético foi retardado pelo
terreno acidentado, coberto por florestas e densas camadas de neve, e pela ação de
rápidas patrulhas finlandesas, que emboscavam as unidades inimigas.
Os soviéticos tiveram maiores problemas ao se depararem com a Linha
Mannerheim, pois, ao tentarem rompê-la, empregando processos de combate semelhan-
tes aos da Primeira Guerra Mundial, tiveram resultados desastrosos. Paralelamente, os
soviéticos lançaram grandes bombardeios aéreos sobre posições e cidades finlandesas,
que poucos resultados positivos lhes trouxeram.
Em fevereiro de 1940, os soviéticos empregaram divisões blindadas em mas-
sa contra a Linha Mannerheim, conseguindo, finalmente, transpô-la. Com sua principal
linha defensiva rompida, os finlandeses, em 12 de março de 1940, renderam-se, após
dois meses e meio de heroica resistência. Em consequência da derrota, os finlande-
ses foram obrigados a ceder o istmo da Carélia e a cidade de Viipuri para os soviéti-
cos.

272
ORGANIZAÇÃO DOS EXÉRCITOS
O quadro abaixo demonstra a hierarquia organizacional teórica do Exército Norte-Americano na
II Guerra Mundial. Os exércitos de outros países ocidentais envolvidos no conflito tinham organização seme-
lhante, com algumas variações de organização e nomenclatura.

SÍMBOLO NOME INTEGRANTES UNIDADES SUBORDINADAS COMANDANTE

XXXXX GRUPO DE
EXÉRCITOS 100 MIL OU MAIS 2 OU MAIS EXÉRCITOS GENERAL

XXXX EXÉRCITO 50 A 60 MIL 2 OU MAIS CORPOS DE EXÉRCITO GENERAL

XXX CORPO DE TENENTE-


EXÉRCITO 30 A 50 MIL 2 OU MAIS DIVISÕES GENERAL

XX DIVISÃO 10 A 20 MIL 2 A 4 REGIMENTOS MAJOR-


GENERAL

III REGIMENTO 2 A 3 MIL 2 OU MAIS BATALHÕES CORONEL

II BATALHÃO 300 A 1 MIL 2 A 6 COMPANHIAS TENENTE -CORONEL


OU MAJOR

I COMPANHIA 70 A 250 2 A 8 PELOTÕES CAPITÃO

... PELOTÃO 25 A 60 2 OU MAIS ESQUADRAS 1º OU


2º TENENTE

.. ESQUADRA 8 A 13 2 OU MAIS GRUPOS DE TIRO SARGENTO

. GRUPOS DE TIRO 4A5 CABO

Durante a guerra, os norte-americanos e aliados fizeram uso dos grupamentos táticos (brigadas
provisórias), que eram a combinação de elementos de diversas armas e serviços, para cumprir missões específi-
cas. Os britânicos não usaram os grupamentos táticos pois tinham em sua organização as brigadas (não tinham,
no entanto, regimentos como unidades de combate).

COMPOSIÇÃO DAS DIVISÕES PANZER


A composição das divisões panzer sofreu alterações durante a guerra. No final da guerra, as
divisões panzer tinham um poder de combate bem mais fraco do que no início, embora o Alto-Comando Alemão
procurasse não reconhecer isso. Os dados a seguir, referem-se à 11ª Divisão Panzer, quando de sua organização,
em 1941, pouco antes da Operação Barba Roxa.
Principais unidades: 01 regimento de carros-de-combate, 01 brigada de infantaria blindada, 01 regimento de
artilharia, 01 batalhão de engenharia, 01 batalhão de comunicações e 01 batalhão de transporte.
Efetivo: 17 mil homens.
Armamentos e equipamentos mais relevantes: 21 carros-de-combate médios PZ IV, 60 carros-de-combate
médios PZ III, 50 carros-de-combate leves PZ II, 56 carros-de-combate diversos, 8 canhões de 15cm, 16 canhões
de 10,5cm, 16 canhões de 7,5cm, 25 canhões antiaéreos de 2cm, 16 canhões anticarro de 3,7cm, 24 morteiros
de 8,1cm, 116 morteiros de 5cm, 542 metralhadoras e 1200 caminhões.
Fonte: <www.wikimedia.org> acesso em 05 set. 2007 (adaptado pelos autores).

273
DIVISÃO PANZER

Ainda no ano de 1940, Stalin mandou que suas tropas ocupassem a Estônia,
a Letônia e a Lituânia.
O péssimo desempenho militar demonstrado pelos soviéticos na Finlândia foi
recebido com satisfação por alemães, franceses e britânicos, que se consideravam possí-
veis oponentes da URSS em um futuro conflito. Por outro lado, preocupou Stalin, que
ordenou ao marechal Semyon K. Timoshenko aumentar a eficiência do Exército Soviéti-
co, tirando lições da campanha que a URSS acabava de vencer.
Hitler, após vencer os poloneses, fixou como próximo objetivo derrotar os
franceses. Antes disso, no entanto, era necessário assegurar o fluxo de minério de ferro,
importado da Suécia, vital para a Alemanha, já que britânicos e franceses demonstravam
intenções de interceptá-lo. Como o minério era embarcado no porto norueguês de Narvik,
situado em águas que não congelavam durante o inverno, o líder alemão resolveu conquis-
tar a Noruega.
Em 9 de abril de 1940, tendo o apoio do partido fascista local, a invasão
alemã à Noruega foi desencadeada. Unidades alemãs terrestres (sete divisões), aéreas e
navais, atuando de forma combinada, conquistaram simultaneamente diversos objetivos
estratégicos. Oslo, a capital, foi ocupada por paraquedistas. Outros importantes centros
de mobilização também caíram em poder das tropas alemãs, o que impediu uma reação
militar consistente. Paralelamente, Hitler ordenou a invasão da Dinamarca, que ocupava
um espaço estratégico importante para as futuras ações alemãs. Em face da superioridade
bélica alemã, o rei dinamarquês Cristiano X ordenou que seu exército, composto por
aproximadamente 15 mil homens, se rendesse.

274
Surpreendidos pela rapidez da operação alemã, a Grã-Bretanha e a França
enviaram apressadamente algumas brigadas para a Noruega (dentre as quais unidades
polonesas), que chegaram tarde demais para evitar o colapso das forças armadas locais.
As tropas britânicas chegaram a obter sua primeira vitória na guerra ao conquistar o porto
de Narvik, mas, em seguida, tiveram de ser evacuadas, devido à superioridade geral
inimiga.
Com a retirada das tropas aliadas, os alemães concluíram a ocupação da
Noruega, que passou a ser governada por Vidkun Quisling, um fascista norueguês aliado
de Hitler. A invasão alemã fora, de maneira geral, um sucesso, mas os germânicos sofre-
ram reveses importantes no mar, onde sua frota de superfície sofreu pesadas perdas
(2 cruzadores e 10 destroieres).
A vitória alemã permitiu a Hitler assegurar o fluxo de minério de ferro sueco e
instalar bases aéreas e navais na Noruega, a partir das quais os alemães passaram a
ameaçar as ilhas britânicas e o controle dos britânicos sobre o Mar do Norte. Todavia, a
perda de grande parte da frota de superfície e os enormes contingentes destinados a
manter a Noruega (12 divisões, em junho de 1941) foram fatores que influíram negativa-
mente para o esforço alemão na continuidade da guerra.
Após a campanha da Noruega, Hitler passou a concentrar-se na conquista
da França. Para isso, os alemães contavam com 3 grupos de exércitos (136 divisões,
sendo 10 blindadas) e cerca de 2.700 veículos blindados. Essa força enfrentaria 146
divisões francesas e britânicas (somente 3 blindadas). Os alemães, no entanto, como na
Campanha da Polônia, tinham força aérea, carros-de-combate, processos de combate
(“blitzkrieg”), organização, instrução e lideranças superiores aos dos oponentes. Isso ocorria
porque, os aliados, no entreguerras pouca atenção deram à evolução doutrinária e ao
reaparelhamento de suas forças armadas. Os franceses preocuparam-se quase tão so-
mente em empregar vultosos recursos na construção da Linha Maginot, uma sólida posi-
ção defensiva ao longo da fronteira com a Alemanha.
Em 10 de maio de 1940, os 3 grupos de exército alemães iniciaram a ofensi-
va. O Grupo de Exércitos “B” avançou sobre os Países Baixos, a fim de ocupar a Holanda
e a Bélgica e atrair as tropas franco-britânicas. O Grupo de Exércitos “C” atacou a Linha
Maginot, visando fixar as tropas que defendiam a fronteira francesa. O Grupo de Exérci-
tos “A”, incumbido da ação principal, liderado por divisões Panzer, avançou pela monta-
nhosa floresta dasArdenas, considerada pelos aliados intransponível para blindados, em
direção ao Canal da Mancha, tendo como objetivo dividir as forças rivais.
O Exército Holandês rapidamente sucumbiu às ações do Grupo de Exércitos
“B” e se rendeu em 14 de maio de 1940. Os belgas recuaram para posições defensivas,
para onde, em seguida, acorreram forças aliadas para apoiá-los. Paralelamente, o Grupo
de Exércitos “A”, após atravessar as Ardenas, abriu uma brecha na posição aliada e
rumou para o Canal da Mancha, conseguindo, conforme o planejado, separar as forças
aliadas que estavam na Bélgica das que ficaram na França.
275
Encurraladas entre os Grupos de Exércitos “A” e “B”, as forças anglo-fran-
cesas que estavam na Bélgica viram-se obrigadas, em 27 de maio de 1940, a seguir para
o porto de Dunquerque, na expectativa de serem evacuadas por via marítima.
Os belgas renderam-se em 28 de maio de 1940. Dois dias antes, a Marinha
Inglesa, auxiliada por embarcações civis, havia iniciado a Operação Dínamo (“Operation
Dynamo”), destinada a evacuar as tropas anglo-francesas que se encontravam em
Dunquerque. Em virtude do terreno nos arredores de Dunquerque não ser propício para
o uso de blindados, Hitler resolveu poupá-los para a continuidade da campanha na Fran-
ça, incumbindo a Luftwaffe de pôr fim à evacuação. Houve, porém, a interferência da
Força Aérea Inglesa (RAF), que infligiu pesadas perdas à Luftwaffe. No final, a Opera-
ção Dínamo foi um sucesso, pois cerca de 340 mil soldados aliados foram transportados
para a Inglaterra.37
Dando prosseguimento às operações, os alemães rumaram para Paris. O
Exército Francês, abalado pelos reveses iniciais, perdeu seu moral e diluiu-se diante do
avanço inimigo. A Linha Maginot, atacada frontalmente e pela retaguarda, também su-
cumbiu. Paris, por sua vez, caiu em poder dos alemães em 14 de junho de 1940.
No dia 22 de junho, o marechal Philippe Pétain, recém-nomeado primeiro-
ministro, assinou um armistício com os alemães. De acordo com o armistício, os alemães
passaram a ocupar o norte e o oeste da França, enquanto Pétain passou a governar uma
república títere que abrangia o território francês não ocupado pelos alemães, cuja sede foi
estabelecida em Vichy (cidade do sul da França).
CANAL DA
MANCHA HOLANDA
ALEMANHA
OFENSIVA ALEMÃ EM 1940
BÉLGICA
Bruxelas B
A
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MANOBRAS ALEMÃS
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ALEMÃES
FRANÇA
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SUIÇA ALIADOS

3 7 A retirada de Dunquerque é um assunto controverso. Alguns historiadores afirmam que Hermann Göring, comandante da Luftwaffe, teria garantido a Hitler
que a Força Aérea Alemã poderia sozinha impedir a evacuação inglesa, o que não se confirmou. Outros asseveram que Hitler teria permitido a retirada como
um sinal de boa vontade, tendo em vista assegurar futuras negociações de paz com a Grã-Bretanha.

276 270
Pouco antes da queda de Paris, Mussolini entrou no conflito ao lado dos
alemães, mesmo sabendo que a economia e o exército de sua nação não estavam em
condições de sustentar uma guerra de grande amplitude. Em setembro de 1940, o Japão
se uniria a esta aliança, formando o Eixo Roma-Berlim-Tóquio. Comesta atitude, Mussolini
esperava receber apoio dos alemães para conquistar um “espaço vital” para os italianos
na região do mar Mediterrâneo. Em 10 de junho, 32 divisões italianas atacaram a França,
tendo como propósito anexar áreas fronteiriças. O ataque italiano redundou em um com-
pleto fracasso, pois foi barrado por 6 divisões francesas nos Alpes, fato que pressagiou
futuras derrotas acachapantes das forças de Mussolini.
Após vencerem a França, os alemães procuraram os britânicos para um acordo
de paz. Todavia, o Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, Winston Churchill, repeliu a ofer-
ta e declarou que a Grã-Bretanha iria continuar sozinha a luta contra a Alemanha. Em
Londres, o general francês Charles de Gaulle não reconheceu o governo da França sediado
em Vichy e conclamou os franceses a continuar a luta contra os alemães. De Gaulle insta-
lou um governo no exílio, denominado “França Livre”, reconhecido pelos britânicos em
28 de junho de 1940. Pouco depois, em 5 de julho de 1940, os britânicos desencadea-
ram a Operação Catapulta (“Operation Catapult”), ao bombardearem navios franceses
ancorados em Orã (Argélia), por temerem que estes caíssem em mãos germânicas. Em
represália, o governo de Vichy rompeu relações com a Grã-Bretanha.
Diante da recusa dos britânicos de negociarem a paz, Hitler ordenou prepa-
rativos para a invasão da Inglaterra. Os alemães reservaram 20 divisões para a operação,
chamada Leão-Marinho (“Unternehmen Seelöwe”). Mas, para que chegassem às ilhas
britânicas, havia a necessidade do controle do espaço aéreo no Canal da Mancha, já que
a MarinhaAlemã não tinha condições de escoltar isoladamente as tropas até seu objetivo.
Hitler, então, expediu uma diretriz na qual encarregava a Luftwaffe de destruir a RAF.
A Luftwaffe contava para o ataque com 1.300 caças (Messerschmitt 109),
180 caças-bombardeiros (Messerschmitt 110) e 1.350 bombardeiros (Heinkel 111, Junker
88 e Dornier 17). Para enfrentar essa força, a RAF dispunha de 700 caças (Hurricanes,
Blenheims, Spitfires e Defiants).
A luta pela superioridade aérea, que ficou conhecida como a Batalha da Grã-
Bretanha, teve início no dia 10 de julho de 1940. ALuftwaffe tomou a iniciativa ao atacar
bases aéreas, áreas industriais, fábricas de aviões e cidades inglesas. No entanto, o trans-
correr do combate passou a mostrar que a RAF levava nítida vantagem sobre sua opo-
nente. Isso se explica porque os ingleses possuíam aviões superiores, combatiam em
áreas conhecidas, conseguiam rapidamente repor as perdas materiais e humanas e dispu-
nham de um eficiente sistema de alerta por radar. No final de agosto, a Luftwaffe havia
perdido aproximadamente 600 aviões e a Grã-Bretanha menos de 300.
Embora a Luftwaffe continuasse a bombardear as principais cidades inglesas,
Hitler, em 12 de outubro de 1940, percebendo que sua força aérea seria incapaz de

277
vencer a batalha, suspendeu a Operação Leão-Marinho. Tal fato representou uma derro-
ta decisiva para os alemães na guerra, embora isso não aparentasse naquele momento.
Os combates também se propagaram por mares e oceanos, onde, desde o
início do conflito, a Grã Bretanha teve superioridade. Hitler desejava sufocar a economia
inglesa, por isso determinou que sua marinha cortasse o fluxo de suprimentos que se
dirigia para as ilhas britânicas. Como a frota de superfície alemã era muito mais fraca do
que a britânica, caberia aos submarinos alemães o papel principal nesse sentido.
Todavia, a maior ameaça aos britânicos, nos primeiros meses da guerra, adveio
dos modernos navios de superfície da Alemanha, entre os quais se destacavam os coura-
çados Graf Spee, Gneisenau, Scharnhorst e Bismarck. Estes obtiveram sucessos no início
das operações, destruindo navios mercantes e importantes embarcações de guerra britâ-
nicas. Com o desenrolar da guerra, no entanto, passaram a ser perseguidos intensivamen-
te pela Marinha e pela Real Força Aérea Britânica, que os puseram fora de ação. O
Gneisenau foi avariado em 1942, permanecendo em reparos em Danzig até 1945, quan-
do foi afundando pelos próprios alemães; o Graf Spee, o Bismarck e o Scharnhorst foram
postos a pique pelos britânicos nos anos de 1939, 1941 e 1943, respectivamente.
Os submarinos alemães, por sua vez, comprometeram seriamente o esforço
de guerra britânico, pois afundaram grande número de navios mercantes que se dirigiam
para as ilhas britânicas (585 nos seis primeiros meses de 1942, num total superior de 3
milhões de toneladas). Os submarinos germânicos usavam a tática da “alcateia”, ou seja,
um deles, ao localizar um alvo compensador, comunicava tal fato imediatamente a outros
que estavam nas proximidades, possibilitando, desse modo, um ataque conjunto, com
maiores probabilidades de êxito.
A partir do segundo semestre de 1942, entretanto, os aliados passaram a ter
importantes sucessos no combate aos submarinos, pois desenvolveram novos meios para
localizá-los e destruí-los. Esses meios foram, principalmente, sonares mais eficientes, rá-
dios goniômetros de alta frequência, com os quais era possível determinar a posição dos
transmissores de ondas curtas das embarcações inimigas, aviões de patrulha com maior
autonomia e cargas de profundidade mais destrutivas. Além disso, os britânicos, junta-
mente com os norte-americanos, que entraram na guerra contra os alemães no final de
1941, melhoraram o sistema de escoltas a seus comboios, inibindo a ação dos submari-
nos. Os aliados, também, decifraram o código Enigma, empregado pelos alemães para se
comunicarem, o que lhes proporcionou a coleta de importantes informações a respeito
das ações inimigas.
Embora os submarinos alemães continuassem a ser um perigo até o final da
guerra, a partir de 1943, devido ao aprimoramento das medidas antissubmarinas anglo-
americanas, os efeitos de sua atuação deixaram de ser relevantes. Quando a guerra termi-
nou, dos 1.162 submarinos construídos pelos alemães, 785 haviam sido destruídos.
Em terra, em 3 de agosto de 1940, Mussolini ordenou que suas tropas

278
ARMAMENTOS
Durante a Segunda Guerra Mundial, os beligerantes empregaram grande número
de armamentos de uso individual e coletivo. Muitos foram criados durante o conflito, para
atender a novas necessidades, outros foram aperfeiçoados. De maneira geral, os exércitos
eram dotados de fuzis, metralhadoras, pistolas, lança-foguetes, lança-chamas, canhões, mor-
teiros, granadas e veículos blindados, dos mais diferentes modelos e eficiência em combate.
Os carros-de-combate tiveram grande importância nas operações. Um dos que
mais se destacou foi o T-34 soviético, que pesava 30 toneladas, podia desenvolver uma
velocidade de 55 km/h e era dotado de um canhão de 76,2mm. Os alemães desenvolveram o
Panzer V Panther, superior aos blindados aliados, que pesava 45,5 toneladas, desenvolvia
uma velocidade de 46 Km/h e era dotado de um canhão de 75mm (cerca de 6 mil foram
produzidos). Os norte-americanos empregaram o M4 Sherman, com 30,3 toneladas, canhão
de 75mm e velocidade de 38,5 km/h (cerca de 50 mil foram fabricados). A Alemanha não
tinha condições de acompanhar o ritmo de produção bélica, inclusive de carros-de-combate,
dos Estados Unidos, o que foi um fator decisivo para a vitória aliada.
Nos combates marítimos, principalmente no Pacífico, os navios aeródromos
tiveram um papel fundamental. Importantes foram os da classe Essex, base da frota norte-
americana, com 3.240 tripulantes, grande mobilidade (até 33 nós) e capacidade de transporte
de aeronaves (em junho de 1944: 42 Hellcats, 36 Helldivers e 20 Avengers).
No Atlântico, foram de grande importância os submarinos, arma que os alemães
julgavam ser capaz de decidir a guerra para seu lado. O modelo VII, constantemente aperfei-
çoado, foi o mais empregado pela Alemanha. Era tripulado por 44 a 52 homens, desenvolvia
uma velocidade máxima de 17,7 nós, chegava a uma profundidade de 220 metros e tinha
como armamentos um canhão de 88 mm, 14 torpedos e 26 minas.
Os combates aéreos também foram importantes durante a guerra e os aviões
sofreram constantes aperfeiçoamentos. Na Batalha da Inglaterra, destacou-se o caça britâni-
co Supermarine Spitfire, que tinha revestimento metálico, desenvolvia uma velocidade de 594
Km/h, possuía uma autonomia de 700 km e era dotado de 8 metralhadoras .303 polegadas.
Os aviões bombardeiros também se destacaram. Os B-29 norte-americanos,
atacando em massa, puseram abaixo boa parte da infraestrutura alemã e japonesa, contri-
buindo para a vitória aliada. Estas aeronaves eram tripuladas por 10 a 14 homens, desenvol-
viam uma velocidade de 575 Km/h, tinham autonomia de 5.230 km e podiam carregar até 9
toneladas de bombas.
No final da guerra, Hitler esperava que novas armas fossem capazes de conter
as investidas inimigas. Para isso contava com o poder destruidor dos caças a jato e das
bombas V1 e V2. A bomba V2 era um míssil balístico de baixa precisão, com alcance de 330
km, capaz de atingir uma velocidade de 5.760 Km/h, conduzindo uma carga explosiva de 975
kg. Muitas foram lançadas sobre a Inglaterra, causando grande efeito moral, já que os aliados
não tinham nenhum sistema de defesa para conter esse tipo de arma. As novas armas alemãs,
no entanto, chegaram tardiamente e não foram capazes de reverter a vitória dos Aliados.
Decisiva, realmente, foi a bomba atômica, desenvolvida pelos Estados Unidos.
Ela tinha altíssimo poder destrutivo (entre 12 e 18 quilotons – cada quiloton equivale a mil
toneladas de TNT), proveniente da fissão do urânio-235. Foram lançadas em Hiroshima e
Nagasaki, convencendo os japoneses a se render.

279
ARMAMENTOS

PANZER V PANTHER T-34

NAVIO AERÓDROMO ESSEX


SUBMARINO MODELO VII

SPITFIRE B - 29

BOMBA V-2 BOMBA ATÔMICA

280
posicionadas na África Oriental Italiana (2 divisões italianas e 29 brigadas nativas) ocu-
passem a Somália Britânica. Tal operação foi bem sucedida, encorajando o líder italiano a
desencadear dois novos ataques: um ao Egito, em setembro de 1940, tendo em vista a
posse do canal de Suez, controlado pelos britânicos; e outro sobre a Grécia, tendo como
objetivo ocupar posições estratégicas nos Bálcãs.
O líder italiano estava confiante em obter sucesso em ambas as frentes. Em
setembro de 1940, cerca de 200 mil soldados italianos partiram da Líbia (colônia italiana
no norte da África) em direção ao Egito, defendido por aproximadamente 35 mil solda-
dos britânicos. Ao mesmo tempo, da Albânia, ocupada pela Itália, 9 divisões italianas (1
blindada) seguiram para enfrentar 75 mil gregos.
Para surpresa de Mussolini, as forças italianas mostraram-se totalmente
despreparadas para a guerra, particularmente pela falta de suprimentos, principalmente
combustível. No norte da África, os ingleses contra-atacaram e derrotaram o inimigo em
dezembro de 1940, apossando-se, em janeiro de 1941, do importante porto de Tobruk,
na Líbia. Nos Bálcãs, os italianos não tiveram melhor sorte frente aos gregos que, apoi-
ados por tropas inglesas, provenientes do norte da África, lançaram uma contra ofensiva
que penetrou na Albânia. Paralelamente, na África Oriental, os britânicos iniciaram uma
série de ofensivas que redundariam na reconquista da Somália Britânica e na ocupação
das colônias italianas situadas na África Oriental (Abissínia, Eritreia e Somália Italiana).
Diante dos fracassos de seu aliado, Hitler interveio. O líder alemão preocu-
pava-se, principalmente, com a possibilidade dos britânicos instalarem-se na Grécia, de
onde poderiam ameaçar os campos de petróleo da Romênia, vitais para a Alemanha.
Destarte, os alemães lançaram duas operações: a Girassol (“Unternehmen Sonnenblume”)
e VioletaAlpina (“UnternehmenAlpenveilchen”), que visavam, respectivamente, apoiar
os italianos no norte da África e nos Bálcãs.
Para o norte da África, os alemães enviaram uma divisão blindada leve
(núcleo básico do Corpo Africano - AfrikaKorps), comandada pelo General Erwin
Rommel. No dia 31 de março de 1941, Rommel lançou suas tropas, apoiadas por 2
divisões italianas (1 blindada), em uma ofensiva contra os britânicos, que dispunham,
naquele momento, de somente uma força de cobertura na Líbia, composta por 1 divisão
blindada incompleta, 1 divisão australiana e uma brigada motorizada indiana (3 divisões
britânicas do norte da África haviam sido deslocadas para apoiar os gregos).As forças de
Rommel rapidamente venceram as tropas inimigas, conquistando bases britânicas em El
Agheila, Agedabia e Bengazi. Tobruk, no entanto, continuou nas mãos dos britânicos.
Nos meses seguintes, ambos os lados reforçaram suas tropas. Os britânicos,
em 18 de novembro de 1941, depois de formarem o 8º Exército, que dispunha de 700
carros-de-combate e 1.000 aviões, contra-atacaram Rommel, lançando a Operação Cru-
zado (“Operation Crusader”), que visava diminuir a pressão das tropas do Eixo sobre
Tobruk. Rommel, para fazer frente ao inimigo, dispunha de 2 corpos de exército

281
EUROPA 1939/1940 Narvik

Arkhangel
O
TIC
N

FINLÂNDIA
AT

A
Lago ladoga
EG
NO

RU
Helsinque
EA

NO
OC

Oslo Leningrado

SUÉCIA ESTÔNIA
MAR DO
NORTE
REINO UNIDO
DINAMARCA
LETÔNIA Moscou
IRLANDA MAR
BÁLTICO LITUÂNIA

Danzig URSS
ALEM.
Londres
HOLANDA Kursk
Berlim

BÉLGICA Stalingrado
ALEMANHA Varsóvia Kharkov
POLÔNIA
Paris Kiev
E S L OV
Á Q U IA

SUÍÇA
HUNGRIA
FRANÇA ROMÊNIA Crimeia Cáucaso
IU Bucareste
G O
SL MAR NEGRO
ESPANHA ITÁLIA ÁV Belgrado
IA
BULGÁRIA
Roma Sófia

Nápoles
ALBÂNIA TURQUIA

MAR MEDITERRÂNEO
Sícilia GRÉCIA Atenas
Orã ArgelBougle
Túnis
COLÔNIAS FRANCESAS

CRETA
ARGÉLIA TUNÍSIA
N ICO
Gazala ITÂ
Tobruk BR
OLE
Trípoli R
NT
CO
OB
Bengasi EAS
ÁR Suez
LÍBIA El Alamein
El Agheila

ÁREA SOB CONTROLE PAÍSES NEUTROS OFENSIVAS ITALIA-


DO EIXO NAS EM 1940

OFENSIVAS ALEMÃS OFENSIVAS BRITÂ- OFENSIVAS SOVIÉ-


EM 1939 NICAS EM 1940 TICAS EM 1939

OFENSIVAS ALEMÃS RETIRADAS BRITÂ- OFENSIVAS GREGAS


EM 1940 NICAS EM 1940 EM 1940

282
38
italianos e doAfrikaKorps, formado, nessa ocasião, por 2 divisões. Inicialmente, Rommel
contava com 320 carros-de-combate, aos quais se somaram, mais tarde, outros 480,
além de 320 aviões. As forças britânicas obtiveram êxito em sua contraofensiva, obrigan-
do Rommel a ceder boa parte do terreno que havia conquistado.
Nos Bálcãs, em agosto de 1940, os alemães ocuparam, mediante pressões
diplomáticas, a Romênia, tendo em vista assegurar o fornecimento dos campos de petró-
leo deste país; e, em 1º de março de 1941, a Bulgária. ARomênia e a Bulgária, juntamen-
te com a Hungria, a Eslováquia e a Finlândia, acabaram aliando-se ao Eixo.
Em abril de 1941, tropas do 12º Exército Alemão derrotaram facilmente a
Iugoslávia, que fora contrária à ocupação de seu território pelos alemães (20 divisões
iugoslavas foram vencidas); e, simultaneamente, atacaram a Grécia. Como a maior parte
das forças gregas (14 divisões) combatia os italianos na Albânia, somente restaram 3
divisões inglesas e 3 divisões gregas para fazer frente aos alemães, que, com grande
rapidez, derrotaram seus oponentes e ocuparam a Grécia (o Exército Grego se rendeu em
21 de abril). Boa parte das tropas britânicas pôde ser evacuada pela Marinha Inglesa.
Em seguida, os alemães desencadearam a Operação Mercúrio (“Unternehmen
Nerker”) para conquistar Creta, onde os britânicos haviam instalado bases aéreas. Ailha
era defendida por aproximadamente 50 mil soldados britânicos e gregos, que estavam
mal equipados e com pouca munição. Para conquistá-la, no dia 20 de maio de 1941, os
alemães lançaram um audacioso ataque realizado por 22 mil homens, dos quais 17 mil
eram paraquedistas. Apesar de um enorme número de baixas (cerca de 4 mil), os alemães
conquistaram a ilha. Novamente, tropas britânicas foram evacuadas.
No norte da África, em fins de maio de 1942, Rommel voltou a atacar, mes-
mo em inferioridade numérica, pois possuía 80 mil homens e 560 carros-de-combate, que
enfrentariam 175 mil soldados e 843 carros-de-combate inimigos. Infligiu uma derrota
contundente ao 8º Exército Britânico em Gazala e conquistou posteriormente Tobruk.
Depois, mesmo com falta crônica de suprimentos (principalmente combustível), as forças
do Eixo seguiram para o Egito, mas foram detidas pelos britânicos a 90 quilômetros do
Canal de Suez, na 1ª Batalha de ElAlamein (julho de 1942) e na Batalha deAlam El Halfa
(fins de agosto e início de setembro de 1942).
Em 23 de outubro de 1942, o general Bernard Law Montgomery, designado
comandante do 8º Exército Britânico, após intensos preparativos, tendo superioridade de
forças, atacou as tropas do Eixo, o que resultou na 2ª Batalha de ElAlamein.Aluta seguiu
em um impasse até 3 de novembro, terminando com a vitória dos britânicos.
Enquanto desenrolavam-se os combates no norte da África, Hitler, ainda
em 1941, considerou ser importante consolidar seu poder na Europa continental. Para
isso esperava derrotar a URSS (única potência no continente livre do jugo alemão), já que
não obtivera sucesso em sua investida contra a Grã-Bretanha. Vários motivos compeli-
38
O AfrikaKorps contou, ao longo de sua campanha, com a 15ª, a 21ª, a 90ª e a 164ª Divisões Panzer, além da
Brigada Paraquedista Ramcke.

283
A SEGUNDA BATALHA DE EL ALAMEIN

2 N
10

7
9

10 LEGENDA
8
6
MANOBRAS DO EIXO
10 ATAQUES BRITÂNICOS

FORÇAS DO EIXO
4 1 1
FORÇAS BRITÂNICAS
5
CAMPOS MINADOS DO EIXO

3 CAMPOS MINADOS BRITÂNICOS

De 23 de outubro a 3 de novembro de 1941, no Egito, tropas do Eixo (alemãs e italianas), lideradas


inicialmente pelo general Georg Stumme e depois por Erwin Rommel, enfrentaram forças britânicas (reforçadas
por contingentes da “França Livre” e da Grécia), comandadas pelo general Bernard Law Montgomery. Stumme
e Rommel contavam com cerca de 95 mil homens e 430 carros-de-combate, Montgomery com 243 mil soldados
e 1200 carros-de-combate. Em disputa estava o controle do norte da África. Os preparativos para o embate
começaram logo após a Batalha deAlam El Halfa (fins de agosto e início de setembro), após a qual as tropas do
Eixo e da Grã Bretanha estabeleceram posições defensivas, fortemente minadas (1) na região de ElAlamein, entre
o mar Mediterrâneo (2) e a depressão de Qattara ( 3). Nos meses seguintes, através do Egito, as tropas britânicas
receberam expressivos reforços de pessoal e grande quantidade de suprimentos; as do Eixo, ao contrário,
tiveram dificuldade em se reforçar, pois lhes eram destinados poucos soldados e suprimentos, que, por vezes,
eram destruídos antes de chegarem ao destino pela ação da Real Força Aérea (RAF), que tinha superioridade
aérea no norte da África. Após sentir que suas tropas estavam preparadas, Montgomery resolveu atacar. Seu
plano previa que as linhas defensivas alemãs fossem rompidas no norte. Para evitar que as forças do Eixo fossem
concentradas nesse setor, Montgomery, por meio de ações diversionárias, fez Stumme pensar que o ataque
principal britânico seria lançado no sul da linha. Quando percebeu que as melhores tropas do Eixo (Divisão
Panzer e Divisão Aríete) encontravam-se posicionadas no sul da linha (4), Montgomery lançou sua ofensiva.
Ataques secundários britânicos foram lançados no sul (5) e no centro da linha defensiva inimiga ( 6), e o
principal, no flanco norte (7). O ataque principal britânico avançou, mas foi detido. Nesse espaço de tempo,
Stumme faleceu vítima de um ataque cardíaco. Rommel, às pressas, assumiu o comando das tropas do Eixo, e
logo percebeu que o esforço principal britânico estava sendo realizado no norte. Para reforçar seu flanco
esquerdo, Rommel deslocou a Divisão Panzer e a Divisão Aríete, que estavam no sul, para o norte (8), o que
resultou em um impasse neste setor. Montgomery, que nesse momento contava com uma superioridade em
blindados de 10 para 1, resolveu então mudar o eixo de gravidade das operações, realizando um ataque um pouco
mais para o sul, na área do flanco norte (9). Dessa vez, as forças britânicas conseguiram romper as linhas
inimigas. Diante da ruptura de suas linhas, Rommel, que a essa altura encontrava-se sem reservas, ordenou o
retraimento (10). Os britânicos perderam na batalha aproximadamente 14 mil homens e 600 carros-de-combate,
as tropas do Eixo 19 mil homens e 400 carros-de-combate.Após a vitória, as tropas britânicas prosseguiram com
suas operações, que resultaram na derrota total das tropas do Eixo no Norte da África.

284
ram o líder nazista a investir contra os soviéticos: a URSS possuía ricas fontes de maté-
rias-primas, era inimiga ideológica dos nazistas e vinha tendo atritos com os alemães,
devido a questões hegemônicas na Europa Oriental (Stalin não via com bons olhos a
expansão e as alianças que os alemães faziam nos Bálcãs e no leste europeu).Além disso,
a vitória sobre a URSS garantiria aos alemães a posse de territórios que se estenderiam
do Atlântico aos Montes Urais e o controle sobre cerca de 250 milhões de pessoas.
Para a campanha, Hitler contava com 145 divisões, contingente que acredi-
tava ser suficiente para derrotar o Exército Soviético, composto aproximadamente por
190 divisões. Apesar da inferioridade numérica, os estrategistas alemães calculavam que
a campanha terminaria em quatro meses, antes do início do inverno. Tal otimismo se
justificava pelos sucessos obtidos pela “blitzkrieg”, pela experiência do ExércitoAlemão,
e pelo despreparo do Exército Soviético, que se ressentia de oficiais e soldados experien-
tes, de equipamentos modernos (os blindados e aviões eram obsoletos) e de
adestramento.
O plano alemão, denominado Operação Barba-Roxa (“Unternehmen
Barbarossa”) previa uma ofensiva em uma frente de 3.200 quilômetros a ser realizada por
3 grupos de exércitos, denominados Norte, Central e Sul, que tinham por objetivo, res-
pectivamente, a conquista de Leningrado (importante área industrial), Moscou (capital
inimiga e importante entroncamento ferroviário) e Ucrânia (rica em matérias-primas e
importante região agrícola). Os alemães esperavam aniquilar o grosso do Exército Sovié-
tico a oeste dos rios Dvina e Dnieper, por meio de uma série de batalhas de cerco e
aniquilamento. Em seguida, pretendiam avançar até o rio Volga e a cidade de Arkhangel,
onde seriam estabelecidos os limites de uma linha defensiva capaz de resistir eficazmente
a contra-ataques das forças soviéticas restantes, que estariam, então, com poucos recur-
sos para uma reação eficaz, já que as terras mais férteis e os principais centros industriais
da URSS estariam sob controle alemão.
Em 22 de junho de 1941, as Forças Armadas Alemãs atacaram. A Luftwaffe
rapidamente obteve a supremacia aérea e as unidades terrestres lançaram a “blitzkrieg”.
O progresso inicial alemão foi acelerado. Suas tropas, atacando em colunas de movimen-
tação rápida, fragmentavam as formações soviéticas, para depois envolvê-las, o que re-
sultou na prisão de milhares de soldados soviéticos. Importantes cidades, como Kiev e
Smolensk, passaram para o controle alemão. Para alento de Stálin, a Inglaterra, que até
então lutava sozinha contra os alemães, ofereceu seu apoio à URSS, sendo firmada uma
aliança anglo-soviética contra aAlemanha. Para tentar diminuir o ímpeto da ofensiva ini-
miga, o líder soviético ordenou que, em caso de retirada, suas tropas destruíssem quais-
quer recursos (plantações, indústrias, ferrovias, entre outros) que pudessem ser aprovei-
tados pelos alemães. O ataque alemão foi acompanhado por uma ofensiva finlandesa
sobre o noroeste da URSS.
Quando o inverno chegou, os alemães tiveram de suspender suas operações.

285
Até esse momento haviam conseguido importantes avanços (sitiavam Leningrado, tinham
praticamente conquistado a Crimeia e se encontravam nos subúrbios de Moscou), mas as
metas traçadas por Hitler não haviam sido atingidas. Isso se devia, em grande parte, à
resistência dos soviéticos, mais forte do que a esperada. Além disso, na frente oriental o
conflito radicalizou-se, tornando-se uma luta de extermínio, na qual os soldados soviéti-
cos e alemães lutavam até as suas últimas forças, pois sabiam que se caíssem em mãos
inimigas teriam uma morte sumária ou por maltratos (fome, doenças ou exaustão decor-
rente de trabalho escravo).
Para complicar a situação dos alemães, o frio intenso passou a causar grande
número de baixas em suas fileiras (faltaram roupas de inverno aos soldados) e o sistema
de suprimento entrou em colapso (muitos blindados, por exemplo, tornaram-se indisponí-
veis por falta de peças de reposição).
Por outro lado, as Forças Armadas Soviéticas passaram por consideráveis
reformulações ao longo dos primeiros meses de luta. Muitos oficiais que eram mantidos
nas prisões por Stalin foram libertados para reforçar o exército; aviões modernos passa-
ram a disputar a supremacia aérea com a Luftwaffe; novos carros-de-combate (T-34),
superiores aos dos alemães (Mark III e IV), entraram em operação; e houve melhorias
nas táticas soviéticas relativas ao emprego de blindados.Além disso, paradoxalmente, em
dezembro de 1941, apesar das enormes perdas sofridas, o poderio militar soviético havia
aumentado, pois, em um grande esforço, os soviéticos conseguiram mobilizar para a fren-
te de combate mais 280 divisões. Muitas destas estavam no Extremo Oriente, a fim de
repelir um possível ataque japonês oriundo da Manchúria, mas puderam ser deslocadas
para o oeste, em virtude de um pacto de não-agressão nipo-soviético (o pacto do Eixo,
firmado pelo Japão, não o impedia de ter relações amistosas com a URSS).
Em 6 de dezembro de 1941, o Exército Soviético sentiu-se confiante para
desferir um maciço contra-ataque, tendo como objetivo isolar o Grupo de Exércitos Central
alemão. A ofensiva soviética prolongou-se pelos meses de janeiro e fevereiro de 1942,
mas os resultados foram aquém do esperado. Os soviéticos tiveram êxitos consideráveis
somente na região de Moscou, onde fizeram os alemães recuar cerca de 150 quilômetros.
Com a chegada das chuvas e do degelo da primavera, ambas as forças ficaram atoladas
na lama das péssimas estradas.
Em 8 de maio de 1942, os alemães, após receberem reforços (entre os quais
71 divisões formadas por contingentes de países aliados, de menor preparo e menos
equipadas), voltaram a atacar. A prioridade foi dada ao Grupo de Exércitos Sul, que
deveria conquistar o Cáucaso, região rica em reservas petrolíferas, cuja perda seria fatal
para o esforço de guerra soviético. O Grupo de Exércitos Norte deveria manter a pres-
são sobre Leningrado e o Central manter a posição.
No sul, os alemães obtiveram grandes êxitos, avançando profundamente pelo
Cáucaso. No final de junho de 1942 iniciaram operações tendo em vista a conquista da

286
EUROPA 1941/1942

Arkhangel
O
NTIC

FINLÂNDIA
AT

A
NO

EG
EA

Lago ladoga
RU
OC

NO
Oslo Helsinque URSS
Leningrado
ESTÔNIA
MAR DO SUÉCIA
NORTE
REINO UNIDO Moscou
MAR
IRLANDA DINAMARCA LETÔNIA
BÁLTICO
LITUÂNIA

ALEM.
Londres Kursk
Berlim Danzig
HOLANDA

BÉLGICA
Stalingrado
ALEMANHA Varsóvia
POLÔNIA
Kiev Kharkov
Paris
E S L OV
Á Q U IA

SUÍÇA
HUNGRIA
FRANÇA DE VICHY ROMÊNIA Crimeia
IU Bucareste
G O
SL Cáucaso
ÁV Belgrado
IA MAR NEGRO
ESPANHA ITÁLIA
Sófia
Roma
BULGÁRIA
Nápoles
ALBÂNIA

TURQUIA
GRÉCIA

Túnis Sícilia Atenas


Orã Argel Bougle

COLÔNIAS FRANCESAS
MAR MEDITERRÂNEO CRETA

TUNÍSIA O
Gazala Tobruk NIC
ARGÉLIA
Trípoli RITÂ
EB
Bengasi El Alamein OL
TR
ON
El Agheila BC
SO
EA
ÁR Suez
LÍBIA

ÁREA SOB CONTRO- PAÍSES NEUTROS PAÍSES ALIADOS OFENSIVAS SOVIÉTICAS


LE DO EIXO (1942) DO EIXO EM 1941

OFENSIVAS ALE- OFENSIVAS DO OFENSIVAS BRITÂ- OFENSIVAS FINLANDESAS


MÃS EM 1941 EIXO EM 1941 NICAS EM 1941 EM 1941

OFENSIVAS ALE- OFENSIVAS DO OFENSIVAS BRITÂ- OFENSIVAS NORTE-AME-


MÃS EM 1942 EIXO EM 1942 NICAS EM 1942 RICANAS EM 1942

RETIRADAS ALE- RETIRADAS DO EIXO RETIRADAS BRITÂ- OFENSIVAS ITALIANAS


MÃS EM 1941 EM 1942 NICAS EM 1941 EM 1941

287
importante cidade de Stalingrado, situada às margens do rio Volga. Nesta cidade, no
entanto, os alemães sofreram uma grande derrota.
Enquanto alemães e soviéticos se digladiavam na Europa Oriental, novos
contendores surgiram, e a guerra tornou-se mundial. Isso ocorreu porque o Japão, em
julho de 1941, com o consentimento do governo de Vichy, mas com a desaprovação dos
Estados Unidos, que temiam uma expansão japonesa no Extremo Oriente, se apossou de
parte da Indochina (colônia francesa). Em represália, o governo norte-americano conge-
lou os bens nipônicos existentes nos Estados Unidos e suspendeu as exportações de
petróleo para o Japão. Diante disso, os líderes japoneses consideraram que só poderiam
resolver suas pendências com os norte-americanos por meio da guerra. Contribuiu tam-
bém para a tomada de decisão japonesa o fato de os norte-americanos estarem apoiando
materialmente a China, contra a qual o Japão estava em guerra desde a década de 1930.
Os japoneses tinham ciência de que não poderiam vencer os norte-america-
nos em uma longa guerra de desgaste, pois o poderio econômico do rival era muito supe-
rior. Planejaram, então, uma grande ofensiva, que tinha como meta a conquista das colônias
e das bases militares que as nações ocidentais possuíam no Sudeste Asiático e no Pacífi-
co. Tais conquistas propiciariam, calculavam os estrategistas nipônicos, a autossuficiência
econômica ao Japão e a formação de um perímetro de defesa capaz de resistir às
contraofensivas dos norte-americanos. Com tais ações, os japoneses esperavam forçar
os estadunidenses a aceitar os termos de paz impostos pelo Japão.
Em 07 de dezembro de 1941, sem declarar guerra, os japoneses lançaram
um ataque aeronaval sobre a base naval norte-americana de Pearl Harbor, nas ilhas do
Havaí, tendo como objetivo destruir a frota americana do Pacífico. Em meia hora, o
ataque japonês destruiu 188 aviões, matou 2.500 marinheiros e pôs a pique muitos
navios. Todavia, os resultados do bombardeio foram insatisfatórios, pois não atingiram os
navios aeródromos norte-americanos Enterprise, Lexington e Saratoga, que se encontra-
vam fora de Pearl Harbor, realizando manobras.
As potências do Eixo deram apoio ao Japão, declarando guerra aos Estados
Unidos, governado por Franklin D. Roosevelt. A guerra então tinha delineado os seus
principais protagonistas: de um lado os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e do
outro os Aliados (Grã-Bretanha, URSS e Estados Unidos).
Paralelamente ao ataque a Pearl Harbor, tendo superioridade no mar, ar e
terra, os japoneses lançaram ofensivas vitoriosas sobre tropas britânicas, americanas e
holandesas estacionadas no Sudeste Asiático e no Pacífico. Em pouco tempo, os japone-
ses se apossaram de Guam, Ilhas Wake, Filipinas, Hong Kong, Malásia, Bornéu, Tailândia,
Birmânia, Ilhas Salomão e parte da Nova Guiné, entre outros territórios. Forças navais
aliadas tentaram interceptar as frotas invasoras, sem sucesso.
Em março de 1942, os japoneses haviam alcançado seus objetivos estratégi-
cos, estabelecendo o almejado perímetro de defesa, que era delimitado pelas Ilhas Atu e
Kiska (Pacífico Norte), Ilhas Wake (Pacífico Central), Java (Pacífico Sul) e Birmânia
288
A BATALHA DE STALINGRADO

4 11
9 LEGENDA

1 8
ATAQUES ALEMÃES
7 10 ATAQUES SOVIÉTICOS
3 11 TROPAS ROMENAS

2 TROPAS ALEMÃS

6 TROPAS SOVIÉTICAS

ÁREA OCUPADA (ALEMÃES)


5
ÁREA OCUPADA (SOVIÉTICOS)

De 21 de agosto de 1942 a 2 de fevereiro de 1943, na cidade de Stalingrado, no sul da Rússia,


tropas alemãs, reforçadas por contingentes italianos, romenos e búlgaros, comandadas pelo gene-
ral Friedrich von Paulus, enfrentaram forças soviéticas, lideradas pelo general Georgy Zhukov.
Durante a batalha, em Stalingrado e regiões adjacentes, os alemães e seus aliados empregaram cerca
de 1.300.000 homens; os soviéticos aproximadamente 1.700.000. A cidade de Stalingrado (1) situa-
va-se em uma posição estratégica no rio Volga (2), a cavaleiro de uma rota vital que ligava o mar
Cáspio à Rússia Central. Era um importante centro industrial e tinha também um valor simbólico,
pois seu nome (cidade de Stalin) era uma homenagem ao líder soviético. Tais fatores fariam com que
Hitler e Stalin dessem ordens para que a cidade fosse, respectivamente, conquistada ou mantida a
qualquer custo. Em agosto de 1942, o 6º e o 4º (Panzer) Exércitos Alemães iniciaram a conquista da
localidade (3), passando de imediato a enfrentar feroz resistência do 62º e 63º Exércitos Soviéticos
que a defendiam. O 3º (4) e o 4º Exércitos (5) Romenos e parte do 4º Exército Panzer (6) faziam a
proteção dos flancos alemães. Stalin não ordenou a evacuação dos civis da cidade, esperando que
em virtude disso os defensores lutassem com mais afinco. Paulus, a princípio, dispunha de volumo-
sos recursos materiais e humanos, que foram se exaurindo à medida que o comandante alemão
expandia seu controle sobre a cidade. Enquanto Paulus progredia vagarosamente em meio aos
escombros da localidade (7), travando encarniçadas lutas, os russos preparavam tropas para um
contra-ataque. Estas tropas foram posicionadas na margem leste do rio Volga (8), compreendendo,
no perímetro norte da cidade, o 5º, 21º, 65º, 64º e 66º Exércitos (9), e no perímetro sul o 57º e 51º
Exércitos (10). Em novembro, quando os alemães já controlavam aproximadamente 90% de Stalingrado,
os Exércitos Soviéticos que estavam na margem leste do rio Volga atacaram e derrotaram as tropas
que defendiam os flancos alemães, cercando as tropas de Paulus que estavam no interior da
cidade (11). As tropas alemãs cercadas passaram a ser abastecidas por via aérea, mas de maneira
insuficiente. Forças alemãs, comandadas pelo general Erich von Manstein, tentaram romper o blo-
queio soviético, mas fracassaram. Sem suprimentos e esperanças de escapar do cerco, Paulus
rendeu-se. Em Stalingrado, os alemães e seus aliados perderam cerca de 740.000 soldados (destes,
110.000 foram aprisionados) e os soviéticos aproximadamente 750.000 (além de 100.000 civis). A
vitória soviética marcou o início da contraofensiva soviética, que só pararia em Berlim.

289
(SudesteAsiático). Em seguida, para salvaguardar suas conquistas, o alto comando japo-
nês resolveu estender ainda mais seu perímetro defensivo. Para isso, decidiu conquistar as
Ilhas Aleutas, as Midway e completar a conquista da Nova Guiné.
Em maio de 1942, os japoneses atacaram Porto Moresby, na costa sul da
Nova Guiné, que poderia servir de base para uma invasão à Austrália. Para atingir esse
objetivo, uma força invasora japonesa confrontou-se com uma norte-americana na Bata-
lha do Mar de Coral. Este foi o primeiro confronto da história naval em que os navios dos
oponentes atacaram-se sem contato visual, com a ação totalmente conduzida por porta-
aviões. As perdas materiais e humanas dos contendores foram semelhantes, mas o con-
fronto representou uma vitória estratégica para os norte-americanos, pois os japoneses
desistiram da conquista de Porto Moresby.
Apesar do fracasso na Batalha do Mar de Coral, os japoneses planejaram
uma nova ofensiva, desta vez em alto-mar, para destruir a Frota Americana do Pacífico.
Este ataque japonês também previa a conquista das ilhas Aleutas Ocidentais e Midway. O
confronto teve início em 4 de junho de 1942, e seu resultado foi uma derrota fragorosa
dos japoneses, que perderam 4 navios aeródromos e afundaram apenas 1 do inimigo.
As vitórias aliadas em Midway, em Stalingrado e em El Alamein, ocorridas
na segunda metade de 1942, marcam o fim do expansionismo territorial dos países do
Eixo. Doravante, os aliados ditariam o andamento das operações, colocando os inimigos
na defensiva. A produção bélica aliada, muito superior à dos adversários, teria um papel
decisivo nesse sentido. A partir de 1943, os Aliados lançaram uma maciça campanha de
bombardeios estratégicos às cidades, parques industriais e outras instalações inimigas, o
que prejudicou os esforços de guerra dos países do Eixo.
No norte da África, a derrota na 2ª Batalha de El Alamein obrigou as tropas
do Eixo a realizarem um longo recuo em direção à Tunísia, ocupada pelos alemães em
1942. Apesar de perseguidas pelo 8º Exército Britânico, elas realizaram a retirada em
boas condições, tendo poucas perdas. Mesmo assim, os problemas das forças do Eixo
no norte da África eram muitos: não recebiam suprimentos indispensáveis da Europa,
porque os Aliados controlavam boa parte do mar Mediterrâneo; tinham meios aéreos e
terrestres (aviões e blindados, por exemplo) em quantidade bastante inferior; e não po-
diam contar com reforços substanciais de pessoal, já que os recursos alemães eram
prioritariamente destinados às tropas que combatiam no leste europeu.
O golpe final para os alemães e italianos no continente africano ocorreu em 8
de novembro de 1942, quando os Aliados desencadearam uma operação anfíbia denomi-
nada Tocha (“Operation Torch”). Por meio desta, cerca de 75 mil soldados norte-ameri-
canos e britânicos desembarcaram na Argélia e no Marrocos (colônias francesas subme-
tidas à autoridade do governo de Vichy). Os franceses que defendiam a Argélia e o Mar-
rocos não ofereceram grande resistência e, posteriormente, chegaram a organizar tropas
para combater ao lado de ingleses e americanos.

290
FORÇAS MORAIS
Embora, no momento do combate, o soldado lute primordialmente pela
autopreservação, ele se dirige para a batalha e, se sobreviver, prossegue na guerra, movido
por crenças, compromissos, pressões e muitos outros fatores.
Na Segunda Guerra Mundial as ideologias tiveram importância na motivação
dos soldados, mas não de forma primordial. Muitos dos soldados soviéticos que resistiram
com denodo às ofensivas alemãs não o fizeram por serem comunistas, mas sim para defen-
derem sua pátria, a família e a si próprios das atrocidades que resultariam da subjugação de
sua nação pelos nazistas. O mesmo pode-se dizer dos soldados alemães, quando a maré da
guerra inverteu-se. Estima-se que apenas 15% dos soldados alemães eram nazistas, embora
grande parcela deles tivesse enorme admiração por Hitler. Isso explicaria a resistência de boa
parte dos soldados alemães, que só depuseram as armas quando a Alemanha rendeu-se.
Britânicos e norte-americanos, que também combateram com tenacidade, em
sua maioria não queriam participar de uma guerra, mas viram-se compelidos a fazê-lo para
livrar o mundo de regimes vistos por eles como opressores (o ataque japonês a Pearl Harbor
e a ocupação de grande parte da Europa pela Alemanha corroboravam essa ideia). Os solda-
dos japoneses, que lutavam fanaticamente, preferindo a morte à rendição, estavam impreg-
nados fortemente pelos valores do “Bushido” e pelo sentimento de lealdade a seu imperador.
Por outro lado, soldados de outros países demonstraram, de modo geral, um
espírito combativo muito aquém do esperado. Os italianos, mobilizados para guerras de
conquista, não se entusiasmaram por sacrificar suas vidas. A incompetência de seus coman-
dantes, que em diversas ocasiões os deixaram em situações difíceis por falta de planejamento,
contribuiu para o desânimo da tropa. Os franceses, em 1940, sucumbiram sem oferecer
grande resistência, abalados pelos novos métodos de combate germânicos, que os surpreen-
deram.
TROPAS SOVIÉTICAS EM STALINGRADO

291
As tropas do Eixo posicionadas na Tunísia estavam agora comprimidas entre
o 8º Exército Britânico e as recém-chegadas tropas aliadas. Rommel ainda encontrou
forças para infligir uma derrota incisiva às inexperientes forças dos Estados Unidos na
Batalha de Passo Kasserine, em fevereiro de 1943, mas foi incapaz de explorar o sucesso
por falta de meios.
Hitler substituiu Rommel pelo general JürgenArnim, mas o novo comandante
encontrava-se em uma posição desesperadora. Os aliados, então, uniram suas forças
para dar o golpe final. No dia 14 de maio de 1943, as forças alemãs e italianas que
restavam no norte da África foram aprisionadas. As perdas totais do Eixo foram estima-
das em 620 mil homens, enquanto os Aliados perderam em torno de 258 mil soldados.
Vitoriosos, osAliados fixaram como próximo objetivo colocar a Itália fora da
guerra, pois tal fato ampliaria seu controle sobre o mar Mediterrâneo, por onde passavam
importantes rotas. O fato de haver grande quantidade de homens e materiais disponíveis
no norte da África reforçava essa linha de ação.
Em julho de 1943, tropas do XV Grupo de Exércitos Aliado (7º Exército
Norte-Americano e 8º Exército Britânico) desembarcaram e conquistaram a Sicília, de-
fendida por 10 divisões italianas e 2 alemãs, tendo relativamente poucas baixas. Isso abria
caminho para a invasão da Península Itálica.
Em virtude dos fracassos militares italianos, Benito Mussolini foi deposto e
preso em 25 de julho de 1943 (Mussolini acabou resgatado, mais tarde, pelos alemães e
foi feito líder de um governo títere no norte da Itália). O novo governo na Itália solicitou
um armistício aos Aliados em 8 de setembro de 1943. Diante da perda de seu aliado, os
alemães reagiram com rapidez, ocupando a Itália e a Albânia. Na acidentada Península
Italiana, os alemães estabeleceram uma série de complexas linhas defensivas, por estarem
inferiorizados belicamente em relação aos aliados,
No mesmo dia em que o governo italiano solicitou o armistício, contingentes
do XV Grupo de Exércitos Aliado (agora formado pelo 5º Exército Norte-Americano e
8º Exército Britânico) desembarcaram na Itália. Mesmo enfrentando feroz resistência das
18 divisões alemãs lá estacionadas, iniciaram um lento mas inexorável avanço rumo ao
norte da península. Nápoles foi conquistada em 1º de outubro de 1943, juntamente com
as importantes bases aéreas de Foggia, cuja posse possibilitou aos Aliados bombardea-
rem os campos petrolíferos da Romênia, importantes para os alemães. Após essas ações,
a prioridade aliada deixou de ser a Itália. Boa parte das tropas veteranas foram deslocadas
para a Inglaterra, onde passaram a preparar-se para libertar a França.
As forças que permaneceram na Itália, mesmo com seu poder de combate
reduzido, conseguiram, em 11 de maio de 1944, ultrapassar a Linha Gustav, principal
posição defensiva alemã no sul da península, e, em 4 de junho, conquistar Roma. Os
alemães recuaram em ordem, estabelecendo uma posição defensiva no norte da Itália, a
Linha Gótica, onde mantiveram-se até o início de 1945, sob pressão de forças aliadas.

292
TROPAS
O adestramento das tropas dos diversos países que tomaram parte da Segunda Guerra Mundial
não era uniforme. Até mesmo em um mesmo país, a preparação do soldado para a guerra, devido a diversas
circunstâncias, poderia variar. AAlemanha, por exemplo, no início da guerra, empregou tropas com elevado
treinamento, mas, no final, em face da falta de meios e tempo, utilizou contingentes com pouca instrução.
Em diversos países foram formadas unidades para realizar missões de alto risco, compostas por
soldados rigorosamente selecionados e instruídos. Nas Forças Armadas da Alemanha, em 1940, durante a
ofensiva sobre a França, sobressaíram-se as tropas paraquedistas, que conquistaram importantes objetivos,
como a fortaleza belga de Eben Emael; mais tarde, estas mesmas tropas foram responsáveis por um audacioso
assalto aeroterrestre, que resultou na conquista da ilha de Creta.As divisões blindadas alemãs (Panzer) também
tiveram desempenho excepcional em muitos episódios, principalmente as que combateram sob o comando de
Rommel no norte da África. As tropas alemãs consideradas de elite, entretanto, eram as SS (Shutzstaffel-tropas
de proteção), compostas por soldados nazistas que lutaram fanaticamente em muitos combates, às vezes
cometendo atrocidades.
Entre os contingentes norte-americanos destacaram-se os fuzileiros navais, que travaram duros
combates nas ilhas do Pacífico; as tropas de montanha, empregadas na Itália; e as tropas paraquedistas, que
cumpriram árduas missões na ofensiva aliada final à Alemanha. Os britânicos, por sua vez, criaram, em 1940,
unidades de “comandos”, constituídas por soldados que realizam incursões em áreas sob controle do inimigo,
com o intuito de executar complicadas missões, muita das quais destinadas a desmoralizar o adversário.
Na Birmânia, britânicos e americanos empregaram, respectivamente, os “Chindits” e os “Bandits
of Merrill”. Tratavam-se de unidades de penetração profunda, especialmente preparadas para se infiltrarem nas
linhas inimigas, a fim de desorganizar sistemas de comunicação e rotas de suprimento.
Os soldados do Japão mostraram-se bons combatentes de selva, mas, mais famosos ficaram os
pilotos “kamikazes” (vento divino) que, no final da guerra, em aviões especiais, realizaram missões suicidas
para causar os maiores danos possíveis às forças norte-americanas.
Finalmente, tiveram grande importância os guerrilheiros, que contribuíram bastante para a vitó-
ria aliada. Na Europa, atuando em territórios controlados pelos alemães (partes da França, Iugoslávia, Itália e
Rússia), esses combatentes, entre muitas outras ações, forneciam informações relevantes aos aliados, embosca-
vam o inimigo e sabotavam ferrovias.

COMANDOS NO NORTE DAÁFRICA

293
Na frente oriental, no início de 1943, o Exército Soviético, após vencer os
alemães em Stalingrado, passou a pressionar continuamente os germânicos. Dispunha
para isso de ampla superioridade em soldados (aproximadamente 7 milhões contra 3,5
milhões do inimigo) e equipamentos (muitos fornecidos pelos Estados Unidos).
Em julho de 1943, os alemães, buscando desesperadamente revidar, empreen-
deram um grande esforço para destruir substanciais forças soviéticas que se encontravam
em um saliente, na região do Kursk. Os germânicos contavam com 2.700 carros-de-
combate, 800.000 soldados e 2.000 aviões, os soviéticos com 3.600 carros-de-comba-
te, 1.300.000 soldados e 2.400 aviões. O ataque alemão em Kursk, denominado Opera-
ção Cidadela (“Unternehmen Zitadelle”), foi desencadeado mas fracassou, redundando
em grandes perdas para os germânicos.
Após a Batalha de Kursk, os soviéticos reiniciaram suas ofensivas, fazendo
ceder os flancos e o centro da linha alemã. Os alemães foram obrigados a recuar por
centenas de quilômetros, com perdas humanas e materiais insubstituíveis. Em seus avan-
ços, os soviéticos retomaram cidades importantes, como Kharkov, Smolensk e Kiev.
No norte da frente oriental, em janeiro de 1944, os soviéticos levantaram o
cerco alemão à Leningrado e começaram a esfacelar o flanco esquerdo germânico. Em
setembro de 1944, o Exército Vermelho apossou-se da Estônia e Letônia. Nesse mesmo
mês, os finlandeses, que apoiaram a invasão alemã à URSS, pressionados, renderam-se
às tropas soviéticas.
No sul da frente oriental, em maio de 1944, as tropas alemãs que se encontra-
vam na Crimeia retiraram-se para a Romênia. Logo depois, os soviéticos avançaram
para a Romênia e Hungria. Os governantes romenos e húngaros, sem condições de resis-
tir ao inimigo, solicitaram o armistício em setembro de 1944. Em consequência, os sovié-
ticos passaram a controlar os campos petrolíferos romenos, vitais para os alemães. Tam-
bém em setembro de 1944, a Bulgária mudou de lado, quando forças soviéticas cruzaram
o Danúbio. Na Iugoslávia, em outubro de 1944, guerrilheiros tomaram a capital Belgrado,
expulsando os alemães do país.
No centro da frente oriental, em julho de 1944, forças soviéticas destruíram as
forças alemãs que defendiam a Bielo-Rússia. Em 7 de agosto, os soviéticos penetraram
na Polônia, onde se detiveram a leste de Varsóvia (poucos dias antes, começara um le-
vante nessa cidade contra a ocupação alemã; os soviéticos, no entanto, não apoiaram os
poloneses, que foram derrotados, em outubro, pelos alemães).
Em dezembro de 1944, os soviéticos adentraram na Alemanha (Prússia Ori-
ental), agravando ainda mais a situação dos alemães, que, desde junho de 1944, lutavam
para deter os Aliados ocidentais, que haviam se engajado na libertação da França.
Nos anos de 1943 e 1944, Stalin, diversas vezes, solicitou aos aliados a
abertura de uma nova frente de combate na Europa Ocidental, para aliviar a pressão que
o grosso das tropas alemãs exercia sobre o Exército Soviético. Os aliados preparavam-

294
O BRASIL NA II GUERRA MUNDIAL
Quando a guerra teve início, o Brasil manteve uma atitude imparcial, seguindo
acordos diplomáticos firmados com os países americanos, que estabeleciam a neutralidade
continental. Com a intensificação e expansão do conflito, o Brasil, aos poucos, foi alinhan-
do-se aos Estados Unidos, que haviam entrado na guerra contra os países do Eixo em
dezembro de 1941, após o ataque japonês à base de Pearl Harbor.
A partir do ano de 1942, diversos navios mercantes brasileiros foram afundados
por submarinos alemães, que tentavam sufocar a economia aliada. Em resposta, o Brasil
declarou guerra aos países do Eixo e passou a contribuir para o esforço de guerra Aliado
com ações políticas, econômicas e militares.
Na campo militar, a Marinha do Brasil passou a escoltar comboios de navios
mercantes que se dirigiam para os Estados Unidos e patrulhou a costa brasileira. O gover-
no brasileiro também organizou uma divisão de infantaria (Força Expedicionária Brasileira
- FEB) e um grupo de aviação de caça para o Teatro de Operações da Itália.
O grupo de caça brasileiro chegou a realizar 45% das missões aliadas na Itália,
sendo reconhecido pelo Comando Aliado como altamente eficaz. Já a Força Expedicioná-
ria Brasileira, comandada pelo General João Baptista Mascarenhas de Morais, com um
efetivo de aproximadamente 25 mil homens, foi incorporada ao 5º Exército Norte-Ameri-
cano, que buscava romper a Linha Gótica, posição defensiva estabelecida pelos alemães
no norte da Itália.
Nos anos de 1944 e 45, as tropas brasileiras realizaram campanhas vitoriosas,
nos vales dos Rios Sercchio, Reno, Panaro e Pó, vencendo combates em Monte Castelo,
Montese, Castelnuovo, Colecchio e Fornovo. Para coroar sua participação, a FEB captu-
rou a 148º Divisão de Infantaria Alemã, fazendo mais de 17 mil prisioneiros.
PATRULHA BRASILEIRA NA LINHA DE FRENTE

295
PROCESSOS DE COMBATE SOVIÉTICOS

7 5

1 4

6 6
2

Após sofrerem grandes reveses no início da Operação Barba Roxa, os sovié-


ticos desenvolveram um processo de combate para conter a “blitzkrieg”, obtendo bons
resultados.
Basicamente, os russos estabeleceram sistemas defensivos profundos, forte-
mente minados (1), constituídos de pontos fortes (2), capazes de lançar fogos em todas as
direções e de se apoiarem mutuamente. Tropas, inclusive blindadas (3), ficavam normal-
mente à retaguarda, em condições de realizar contra-ataques.
Quando o inimigo atacava, os russos procuravam, por meio dos campos mina-
dos e outros obstáculos (naturais ou artificiais), canalizar as colunas blindadas adversárias
(4) para pontos fortes fartamente munidos de armas anticarro (5). Ao mesmo tempo,
lançavam ataques (6) para separar os blindados que estavam na vanguarda das demais
forças que vinham à retaguarda. Uma vez separadas de suas unidades de apoio, as unida-
des blindadas alemãs ficavam perigosamente expostas, às vezes sem suprimentos, aos
ataques da artilharia, dos carros-de-combate (7) e de “caçadores” de carros-de-combate
da URSS.
TROPAS SOVIÉTICAS

296
se nesse sentido, planejando detalhadamente uma operação anfíbia denominada Overlord,
que, da Inglaterra, seria lançada para libertar a França, através de um desembarque na
Normandia. Para tal tarefa, os Aliados dispunham de 37 divisões bem equipadas e
adestradas.
Para manter a França, os alemães contavam com 60 divisões, muitas delas
com reduzido poder de combate. Além disso, esperavam valer-se de um sistema de defe-
sas conhecido como “Muralha do Atlântico”, construído no litoral norte da Europa.
Preliminarmente ao ataque principal, os aliados lançaram diversas operações.
Entre essas, ações diversionárias foram realizadas para dar a entender aos alemães que a
invasão seria realizada pela parte mais estreita do Canal da Mancha (Estreito de Calais),
e a aviação aliada bombardeou o norte da França, com o intuito de romper as comunica-
ções por vias férreas e rodoviárias, de modo a evitar que reforços alemães alcançassem
o litoral francês.
A ofensiva na Normandia, propriamente dita, iniciou-se em 6 de junho de
1944 (Dia “D”), com um intenso bombardeio aéreo e naval às posições costeiras alemãs.
Paraquedistas aliados foram lançados à retaguarda das defesas inimigas para desestabilizá-
las. A Força Aérea Aliada obteve ampla supremacia, fator vital para o sucesso da opera-
ção. Em seguida, tropas do XXI Grupo de Exércitos Aliado (1º Exército Norte-America-
no e 2º Exército Britânico) desembarcaram nas praias da Normandia, que receberam os
codinomes Gold, Juno, Sword, Omaha e Utah. Embora a resistência alemã fosse tenaz,
os aliados conseguiram consolidar posições no litoral.Ataques aéreos aliados impediram
que reforços alemães substanciais apoiassem os defensores, o que permitiu, nas semanas
seguintes, aos Aliados avançar para o interior do continente.
A resistência alemã continuou determinada no interior da França, mas não
resistiu aos aliados, que passaram a contar com o apoio do 7º Exército Norte-Americano
desembarcado no sul da França em 15 de agosto, na Operação Dragão (“Operation
Dragoon”). O avanço aliado prosseguiu em direção a Paris, que foi libertada em 25 de
agosto de 1944. Os alemães só conseguiram reagrupar-se eficazmente na linha defensiva
Siegfried, na fronteira da Alemanha com a França, onde passaram a ser pressionados por
três Grupos de Exércitos Aliados: o XXI (agora formado pelo 1º Exército Canadense e 2º
Exército Britânico), o XII (1º, 3º e 9º Exércitos Norte-Americanos), e VI (1º Exército
Francês e 7º Norte-Americano).
Tendo em vista abreviar o desfecho da guerra, os aliados, após penetrarem
na Bélgica, lançaram um assalto aeroterrestre com 3 divisões de paraquedistas na Holanda
(“Operation Market Garden”). O Objetivo era capturar as principais pontes do Reno, o
que permitiria aos aliados estabelecer rotas diretas para o interior daAlemanha. O ataque,
porém, fracassou e os aliados tiveram grandes perdas.
Hitler ainda dispunha de 65 divisões, mas poucas estavam devidamente equi-
padas, e muitas eram compostas por militares fora da idade de servir (velhos ou

297
jovens demais para combater eficazmente). A derrota alemã parecia inevitável, mas o
líder alemão decidiu surpreender os aliados lançando uma última contraofensiva, que
seria executada nasArdenas, tendo em vista dividir os aliados e conquistarAntuérpia, por
onde chegavam os suprimentos do inimigo.
Para esse ataque, Hitler reuniu 24 divisões (10 blindadas). A “Batalha do
Bolsão”, como foi chamado o ataque alemão, foi desencadeado em 16 de dezembro de
1944 contra o 5º Corpo de Exército Norte-Americano. Inicialmente os alemães obtive-
ramsucesso, derrotando as forças norte-americanas que não esperavamuma contraofensiva
em pleno inverno, em uma região de matas cerradas. Após o ímpeto inicial, uma escassez
aguda de combustível prejudicou as ações das forças alemãs, que foram detidas e contra-
atacadas.
No Pacífico, incentivados pela vitória em Midway, os norte-americanos ini-
ciaram uma contraofensiva aos japoneses, conquistando, em novembro de 1942, a im-
portante base naval de Guadalcanal. Depois, forças dos Estados Unidos iniciaram ata-
ques contra os japoneses nas Ilhas Salomão e Nova Guiné, que se prolongaram até o final
da guerra.
Os ataques às Ilhas Salomão e a Nova Guiné, na verdade, eram diversionários,
pois o plano principal dos Estados Unidos previa como objetivos a destruição da Mari-
nha Japonesa e a abertura de uma rota que levasse os norte-americanos diretamente ao
Japão (seriam conquistados somente os territórios indispensáveis para tal propósito, as
demais áreas ocupadas pelos japoneses seriam isoladas). Para isso, os norte-americanos
dividiram suas forças em dois grandes Comandos de Área: o do Pacífico Central e o do
Sudeste do Pacífico, comandados, respectivamente, pelo almirante Chester William Nimitz
e pelo general Douglas MacArthur.
Seguindo o plano traçado, as forças do Comando do Pacífico Central con-
quistaram, em novembro de 1943, Makin e Tarawa. Em resposta, a esquadra japonesa
avançou para enfrentar as forças de Nimitz e o embate deu-se em junho de 1944, em
torno das ilhas Marianas. Os japoneses sofreram mais uma grande derrota naval (perde-
ram 3 navios aeródromos e 600 aviões), o que possibilitou aos norte-americanos captu-
rar as ilhas Marianas, de onde aeronaves poderiam bombardear diretamente o Japão.
Em setembro de 1944, as forças de Nimitz ocuparam Saipan, Guam, Yap e Palau.
Paralelamente, os contingentes do Comando do Sudeste do Pacífico também
obtiveram êxitos, entre os quais destaca-se a conquista das Filipinas, onde ocorreu a
Batalha Naval do Golfo de Leyte, entre 23 e 25 de outubro de 1944. Dela resultou mais
uma vitória dos norte-americanos e a destruição quase completa do poder de combate da
Marinha Japonesa. No confronto, os japoneses perderam 4 navios aeródromos, 3 coura-
çados, 22 outros navios, cerca de 500 aviões e 10.500 marinheiros e aeronautas; os
norte-americanos, 3 pequenos navios-aeródromos, 3 destroieres, 200 aviões e 3.800
marinheiros e aeronautas.

298
EUROPA 1943/1944/1945
O
TIC
N

AT

FINLÂNDIA
NO
EA

A
Lago ladoga
OC

EG
RU Helsinque
Oslo
URSS
NO

Leningrado
SUÉCIA
ESTÔNIA
MAR DO
REINO UNIDO NORTE
MAR LETÔNIA
BÁLTICO Moscou
IRLANDA DINAMARCA
LITUÂNIA
Danzig
Londres HOLANDA ALEM.
Antuérpia
BIELO- Kursk
RÚSSIA Stalingrado
BÉLGICA Berlim
Paris Varsóvia
POLÔNIA Kiev Kharkov
ALEMANHA
E S L OV
Á Q U IA
SUÍÇA
HUNGRIA
ROMÊNIA
FRANÇA DE VICHY Crimeia
IU Bucareste
G Cáucaso
O
SL
ÁV Belgrado
ITÁLIA IA MAR NEGRO
ESPANHA
Roma BULGÁRIA
Sófia
Nápoles

ALBÂNIA
TURQUIA

Túnis Sícilia Atenas


GRÉCIA

COLÔNIAS FRANCESAS
MAR MEDITERRÂNEO CRETA

TUNÍSIA
ARGÉLIA ICO
ÂN
Trípoli BRIT
Tobruk E
El Alamein OL
TR
Bengasi ON
BC
SO
EA
LÍBIA ÁR Suez

ÁREA SOB CONTROLE DO EIXO (1942) PAÍSES NEUTROS PAÍSES ALIADOS DO EIXO

OFENSIVAS SOVIÉ- OFENSIVAS ALIA- OFENSIVAS ALE- RETIRADAS ALE-


TICAS EM 1943 DAS EM 1943 MÃS EM 1943 MÃS EM 1944

OFENSIVAS SOVIÉ- OFENSIVAS ALIA- OFENSIVAS ALE- RETIRADAS ALE-


TICAS EM 1944 DAS EM 1944 MÃS EM 1944 MÃS EM 1945

OFENSIVAS SOVIÉ- OFENSIVAS ALIA- RETIRADAS ALE-


TICAS EM 1945 DAS EM 1945 MÃS EM 1943

299
Enquanto ocorria a ofensiva norte-americana no Pacífico, os japoneses que
ocupavam a Birmânia, em março de 1944, resolveram invadir a Índia. Atacaram as cida-
des de Kohima e Imphal, mas foram rechaçados. Em novembro de 1944, os britânicos
contra-atacaram, avançando em direção a Yangon (capital da Birmânia).
Quando o ano de 1945 teve início, a Alemanha e o Japão estavam em situa-
ção desesperadora. Na Itália, os Aliados lançaram a Ofensiva da Primavera, graças à
qual romperam a Linha Gótica e adentraram no Vale do Pó, em perseguição às forças
alemãs, que se renderam em 2 de maio de 1945. Mussolini, capturado por guerrilheiros
italianos, foi executado.
No oeste europeu, após derrotar os alemães na Batalha do Bolsão, os alia-
dos cruzaram o rio Reno e ocuparam a região do Ruhr (principal centro industrial da
Alemanha).

A GUERRA NO PACÍFICO E NO SUDESTE ASIÁTICO

ALÊUTAS
URSS SAKALINA ATU
KISKA

MONGÓLIA MANCHÚRIA S
LA
RI
KU

CO
CORÉIA JAPÃO ÍFI
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CHINA
Hiroshima
Tókio PA
O
Nagasaki EAN
OC MIDWAY
NEPAL
Kohima OKINAWA HAVAÍ
ÍNDIA Imphal IWOSHIMA
BIRMÂNIA FORMOSA
Hong kong
Pearl Harbor
MARIANA wake
Yangon
TAYLÂNDIA
SAIPAN
INDOCHINA
FILIPINAS GUAN
MARSHALL
LEYTE Yap AS
OLIN
CEILÃO R
MALÁSIA
Palau CA MAKIN COMANDO DO PA-
OC

COMANDO DO SU- TARAWA CÍFICO CENTRAL


EA

Singapura DESTE DO PACÍFICO


BORNÉU GILBERT
NO

SUMATRA
ÍND

NOVA GUINE ´ SALOMÃO


ICO

JAVA
GUADALCANAL
Porto
AUSTRÁLIA Moresby MAR DE CORAU

TERRITÓRIOS TERRITÓRIOS
MÁXIMA EXPANSÃO
OCUPADOS CONQUISTADOS OFENSIVAS NORTE-
DO PERÍMETRO DE
PELO JAPÃO PELOS EUA E AMERICANAS
DEFESA JAPONÊS
ALIADOS

300 293
No leste europeu, os soviéticos, com imensa superioridade de meios, fizeram
ruir as posições defensivas inimigas. Cruzaram o rio Oder, em 31 de janeiro, e a fronteira
austríaca, em 15 de abril de 1945. Berlim foi cercada pelo Exército Soviético em 25 de
abril. Nessa mesma data, norte-americanos e soviéticos encontraram-se em Torgau, no
Rio Elba.
A batalha por Berlim foi sangrenta, mas, pouco a pouco, o Exército Soviético
foi conquistando a capital alemã. Adolf Hitler cometeu suicídio em 30 de abril, quando
tropas soviéticas aproximavam-se da Chancelaria Alemã, onde ele se encontrava. Em 8
de maio de 1945, as forças alemãs que ainda lutavam aceitaram os termos da rendição
incondicional imposta pelosAliados. Com a rendição alemã, a guerra acabava na Europa,
mas ainda prosseguia no Sudeste Asiático e no Pacífico.
Na Birmânia, os britânicos conquistaramYangon em maio de 1945, obrigan-
do os japoneses a render-se. No Pacífico, os norte-americanos conquistaram, por meio
de dois grandes ataques anfíbios, em março de 1945, as ilhas de Iwo Jima, e, em agosto,
Okinawa. Iwo Jima e Okinawa, próximas ao Japão, serviram como importantes bases
para os bombardeiros norte-americanos.
Para finalizar a guerra, no entanto, os americanos teriam de forçar a rendição
dos japoneses. Aexpectativa de baixas norte-americanas em uma invasão ao Japão eram
grandes, pois os combates em Iwo Jima e Okinawa, devido à feroz resistência inimiga,
foram muito custosos em termos de soldados mortos (aproximadamente 7 mil homens em
Iwo Jima e 16 mil em Okinawa). Em virtude disso, o presidente norte-americano, Harry
S. Truman, que substituíra Roosevelt, falecido em 12 de abril de 1945, decidiu empregar
a recém-desenvolvida bomba atômica, para abreviar o conflito.
Em 6 de agosto de 1945, uma bomba atômica foi lançada sobre Hiroshima,
matando, na hora, cerca de 80 mil pessoas. Outra foi lançada em Nagasáki, em 9 de
agosto de 1945, ceifando 40 mil vidas. Paralelamente, a URSS declarou guerra ao Japão
e invadiu a Manchúria. Diante dos ataques devastadores e da declaração de guerra
soviética, o Imperador Japonês anunciou a rendição de seu país, o que aconteceu em 2 de
setembro de 1945, pondo fim à Segunda Guerra Mundial.
O segundo conflito mundial caracterizou-se por ter um caráter total, ou seja,
os principais países envolvidos empregaram todos os meios a seu alcance para derrotar
os oponentes (o emprego das bombas atômicas exemplifica o grau de violência a que
chegou a guerra). Combates sangrentos aconteceram no mar, no ar e em terra; em deser-
tos, selvas, planícies, montanhas, cidades e ilhas; em temperaturas por vezes escaldantes
ou enregelantes. Operações combinadas, aeroterrestres e anfíbias foram largamente em-
pregadas. Cerca de sessenta milhões de pessoas morreram em consequência dos com-
bates ou devido a perseguições, trabalho escravo, execuções, fome e doenças.
Os países derrotados perderam territórios e dois deles, a Alemanha e o Ja-
pão, passaram a ser governados pelos Aliados. A Europa, enfraquecida pela guerra, dei-
xou de ser o centro das decisões, substituída pelos Estados Unidos e pela URSS.
301
A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 1945 com o objetivo
de manter a paz mundial, estimular relações internacionais amistosas e coordenar ações
que visem à resolução de problemas de ordem social, política e humanitária em âmbito
mundial.
Seus órgãos principais são o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral, a
Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e Social e a Secretaria. O Con-
selho de Segurança é o principal órgão, pois tem a responsabilidade de manter a paz e
a segurança mundial. É constituído por cinco membros permanentes: China, Federação
Russa, Estados Unidos, Reino Unido e França, que possuem direito a veto; e por outros
dez, eleitos pela Assembleia Geral, por um período de dois anos, sem direito a veto.
Para cumprir seus objetivos, o Conselho de Segurança pode fazer uso de
meios pacíficos ou não. Desse modo, pode autorizar intervenções militares ou missões
de paz em países onde há conflitos ou crises. O Brasil, como membro da ONU, enviou
tropas para o Canal de Suez em 1957, para manter a paz entre israelenses e egípcios.
Posteriormente, as Forças Armadas brasileiras enviaram contingentes para missões de
paz em Moçambique, Angola, Timor Leste e Haiti.

PRIMEIRASESSÃO DA ASSEMBLEIAGERAL DAONU, REALIZADA


EM 06 DE JANEIRO DE 1946, NO CENTRAL HALL, EM LONDRES

302
A GUERRA FRIA
Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América (EUA) e a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), países de ideologias opostas, ca-
pitalista e comunista, respectivamente, aliaram-se para derrotar as forças do Eixo (Ale-
manha, Itália e Japão). Terminado o conflito, norte-americanos e soviéticos, vitoriosos,
passaram a disputar a hegemonia mundial, e suas diferenças ideológicas vieram à tona.
Os principais países europeus, enfraquecidos por despenderem recursos além de suas
possibilidades durante a guerra, foram postos em um segundo plano.
Ainda durante o conflito mundial, os EUA e a URSS, em encontros diplomáti-
cos, definiram quais seriam suas áreas de influência no pós-guerra. Destarte, governos
comunistas, apoiados pela URSS, instalaram-se em diversos países do leste europeu.
Embora os novos países comunistas estivessem na área de influência soviética, tal fato
preocupou o presidente norte-americano Harry S. Truman, que, em março de 1947,
declarou o comprometimento dos Estados Unidos em evitar a expansão do comunismo.
O primeiro teste para o comprometimento anticomunista norte-americano foi a
crise de Berlim.Ao término da Segunda Guerra Mundial, os aliados dividiram a Alema-
nha e sua capital, Berlim, em duas zonas: uma ocidental, administrada pelos norte-ame-
ricanos, ingleses e franceses, e outra oriental, ocupada pelos soviéticos.Aparte ocidental
de Berlim acabou incrustada na parte da Alemanha ocupada pelos soviéticos. Em 1948,
os soviéticos decidiram unificar Berlim sob um governo socialista. Para tanto bloquearam
a parte ocidental da antiga capital alemã, a fim de forçar as nações capitalistas, que a
ocupavam, a se retirar. Os norte-americanos reagiram e estabeleceram uma ponte aérea
que manteve a parte ocidental de Berlim suprida com alimentos e combustíveis, de junho
de 1948 até setembro de 1949, ocasião em que a URSS desfez o bloqueio. Pouco
depois, norte-americanos, britânicos e franceses uniram os territórios alemães que ocu-
pavam, criando um Estado capitalista, a República Federal da Alemanha; os soviéticos
responderam, formando nas áreas alemãs que administravam, um Estado comunista, a
República DemocráticaAlemã.
No ano de 1949, dois fatos preocuparam muito os EUA. A URSS testou sua
primeira bomba atômica, acabando com as vantagens militares que as armas nucleares
conferiam aos norte-americanos desde 1945; e um movimento revolucionário, de inspi-
ração comunista, liderado por Mao Tsé-Tung, tomou o poder na China continental.
Tais eventos aumentaram ainda mais os temores norte-americanos em relação
à expansão do comunismo. Em resposta, temendo um possível avanço soviético para o
oeste da Europa, os EUA, em 1949, formaram, juntamente com o Canadá e países da
Europa Ocidental, uma aliança militar denominada Organização do Tratado doAtlântico
Norte (OTAN). AURSS, em 1955, formou uma aliança similar com os países da Euro-
pa Oriental, o Pacto de Varsóvia.

303
Paralelamente iniciou-se, entre aos EUA e a URSS, uma corrida pela
hegemonia em diversos setores: tecnológico, econômico, diplomático, espacial, esporti-
vo, entre outros. Na esfera militar, norte-americanos e soviéticos procuravam desenvol-
ver artefatos nucleares cada vez mais potentes e meios os mais avançados possíveis para
lançá-los (mísseis balísticos).
Em meados da década de 1960, tanto os EUA quanto a URSS tinham condi-
ções de retaliar um ataque nuclear do inimigo antes mesmo da chegada dos mísseis
lançados pelo adversário. Tal fato resultou emumimpasse conhecido como MAD (“mutual
assured destruction” - destruição mútua assegurada). Em consequência, cada um dos
lados intimidou-se com iniciar uma guerra nuclear, que significaria, provavelmente, sua
própria destruição. O advento das armas nucleares foi um marco na história das guerras,
pois, devido ao medo de retaliações, não houve mais nenhuma guerra direta entre as
potências que as possuíam.
O mais próximo que os EUA e a URSS chegaram de uma guerra foi em 1962,
quando a URSS enviou mísseis nucleares de médio alcance para Cuba, que recente-
mente se tornara comunista. Os norte-americanos reagiram energicamente à tentativa
soviética de instalar mísseis nas proximidades de seu território, estabelecendo um blo-
queio naval na ilha caribenha. No impasse subsequente, a guerra nuclear esteve perigo-
samente perto de eclodir, o que não aconteceu devido à retirada dos mísseis de Cuba
pela URSS.
As superpotências procuraram também aumentar suas áreas de influência. Para
isso, norte-americanos e soviéticos apoiaram governos, movimentos ou líderes adeptos
de sua ideologia em diversas partes do globo. Estabeleceu-se, assim, o padrão que
definiria a expressão “Guerra Fria”: as duas superpotências mantinham relações tensas
entre si, procuravam apoiar seus aliados em confrontos regionais, sem, no entanto, con-
frontar-se militarmente. Dessa forma, a “Guerra Fria” influenciou ou motivou guerras
civis e intervenções norte-americanas na América Latina, lutas pela independência na
África e na Ásia, e o surgimento de guerrilhas e de ditaduras em muitas partes do mundo.
Nos anos de 1980, novos projetos aumentaram o ritmo da corrida pela supre-
macia nuclear. O principal deles foi o programa “Guerra nas Estrelas”, anunciado pelos
EUA, que proporcionaria um “escudo” espacial capaz de resguardar o território norte-
americano de ataques nucleares. Isso alarmou os soviéticos, que ficariam em desvanta-
gem se o programa se efetivasse, já que os norte-americanos teriam rompido o entrave
nuclear da destruição mútua assegurada.
Assolados por forte crise econômica e política na década de 1980, a URSS
perdeu a vontade e a capacidade de sustentar a corrida pela supremacia mundial, aca-
bando por se desintegrar, em 1991, em vários Estados independentes, que aderiram ao
capitalismo. A Alemanha foi reunificada em 1990. Encerrava-se, assim, a Guerra Fria.

304
A REVOLUÇÃO CHINESA E A GUERRA DA COREIA
No início do século XX, a China era governada pela dinastia Manchu, que se mostrava
impotente para resistir a pressões imperialistas, exercidas por diversas nações capitalistas. Em
1911, Sun Yat-sen, líder do Partido Nacionalista, proclamou a república, tendo em vista pôr
fim à influência estrangeira sobre a China. Yat-sen, eleito presidente, faleceu em 1925, sem,
entretanto, conseguir subjugar líderes insurretos do norte da China.
Yat-sen foi substituído por Chiang Kai-shek, que se aliou a Mao Tsé-Tung, líder do
Partido Comunista, para unificar o país. Em 1927, Kai-shek e Mao Tsé-Tung desentenderam-
se, e o Partido Comunista foi posto na ilegalidade.
Em 1934, perseguidos pelos nacionalistas, os comunistas empreenderam uma marcha
de 9 mil quilômetros em direção ao norte do país, onde esperavam organizar-se para tomar o
poder. A invasão dos japoneses à China, na década de 1930, fez com que comunistas e nacio-
nalistas voltassem a se aliar contra o inimigo comum, o que persistiu até a derrota japonesa no
final da II Guerra Mundial. Terminada a guerra, comunistas e nacionalistas voltaram a lutar
pelo poder. Os comunistas dominaram Pequim em 1949, vencendo a guerra, e Mao Tsé-Tung
foi aclamado líder da recém-fundada República Popular da China.
Mao Tsé-Tung concebeu uma doutrina de guerra de resistência que preconizava o
combate a um inimigo superior em três fases: a primeira, defensiva, ocorreria enquanto se
estivesse mais fraco que o inimigo e seria marcada por ações de guerrilha destinadas a desgas-
tar o adversário; a segunda, do equilíbrio de forças, seria caracterizada pela combinação de
ações de guerrilha e convencionais; e a terceira, da contraofensiva, dar-se-ia quando se esti-
vesse mais forte que o inimigo e seria marcada por operações convencionais empregadas em
defesa ou em ataques a posições organizadas. Tudo deveria ser respaldado por uma grande
mobilização de camponeses.
Pouco depois da vitória comunista na revolução da China ocorreu a Guerra da Coreia.
Ao término da II Guerra Mundial, após libertarem os coreanos do domínio japonês, os Estados
Unidos e a URSS dividiram a Península da Coreia em duas zonas de influência. A divisão tinha
como base o paralelo 38 e deu origem a dois países: a República Democrática Popular da
Coreia (Coreia do Norte), comunista, apoiada pela URSS e pela China; e a República da Coreia
(Coreia do Sul), capitalista, apoiada pelos Estados Unidos.
Em 3 de julho de 1950, tropas da Coreia do Norte invadiram a Coreia do Sul, tendo em
vista unificar o país. As Nações Unidas condenaram o ataque e enviaram tropas, predominan-
temente norte-americanas, para apoiar os sul-coreanos, que estavam quase perdendo a
guerra.
Em setembro de 1950, forças das Nações Unidas e sul-coreanas lançaram uma pode-
rosa contraofensiva que empurrou os norte-coreanos para a fronteira da China. Sentindo que
agora eram os norte-coreanos que estavam em uma situação difícil, os chineses enviaram 300
mil “voluntários” para auxiliá-los.
Reforçados, os norte-coreanos repeliram as forças da ONU e as sul-coreanas até
próximo o paralelo 38º, onde a frente estabilizou-se. Em 23 de junho de 1950 começaram as
negociações de paz, que duraram dois anos e resultaram num acordo assinado em Panmunjon,
em 27 de Julho de 1953. Foi acertado um cessar-fogo, mas a paz entre as Coreias não foi
assinada. Na guerra morreram cerca de três milhões e meio de pessoas.

305
CAPÍTULO 25

GUERRAS DA INDOCHINA
“Estas danadas operações não resolvem nada. Nós destruímos aque-
le regimento em Chu Lai e agora eles estão combatendo de novo e nós
provavelmente vamos derrotá-los e eles voltarão a nos enfrentar dentro
40
de poucos meses.”
Philip Caputo, fuzileiro naval norte-americano

No século XIX, os franceses assumiram o controle de grande parte da


Indochina, no Sudeste da Ásia. Nessa região, eles estabeleceram a colônia da Cochinchina
e os protetorados do Anam, do Tonkin, do Laos e do Camboja. Os três primeiros terri-
tórios localizavam-se, respectivamente, no Sul, no Centro e no Norte do Vietnã.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os japoneses ocuparam gradativamente
a Indochina, aproveitando-se do colapso da França frente à Alemanha. Em 1941, um
líder conhecido como Ho Chi Minh criou no Tonkin um movimento denominado Vietminh,
de inspiração comunista, que tinha como objetivos libertar e unificar o Vietnã. Para isso,
Ho Chi Minh encarregou Vo Nguyen Giap de organizar bases de guerrilha no Viet Bac,
região montanhosa e coberta por florestas, situada no Norte do Tonkin.
Giap revelar-se-ia um estrategista militar talentoso. Ele era adepto da doutri-
na da guerra prolongada de resistência preconizada pelo líder revolucionário chinês Mao
Tsé-Tung, pela qual a luta contra uma potência imperialista deveria passar por fases. A
primeira, da defensiva, ocorreria enquanto se estivesse mais fraco que o inimigo e seria
marcada por ações de guerrilha destinadas a desgastar o adversário; a segunda, do equi-
líbrio de forças, seria caracterizada pela combinação de ações de guerrilha e convencio-
nais; e a terceira, da contraofensiva, se daria quando se estivesse mais forte que o inimigo
e seria marcada por operações convencionais empregadas em defesa ou em ataques a
posições organizadas. Giap deu outra denominação a essas fases, chamando-as, respec-
tivamente, de guerra de guerrilha, de guerra de movimento e de guerra de posições. Para-
lelamente às ações militares, deveria haver uma grande mobilização de massas em prol da
luta contra o inimigo.
Na Conferência de Potsdam, em julho de 1945, em face da derrota iminente
do Japão, os líderes dos Estados Unidos, do Reino Unido e da URSS, definiram que, ao
término da Segunda Guerra Mundial, caberia aos ingleses render e repatriar os japoneses
que ocupavam o Sul do Vietnã e aos chineses, do Partido Nacionalista, os que ocupavam
o Norte do país. O paralelo 16º delimitaria a área de atuação de ingleses e chineses.
4 0 Apud KELLETT, 1987, p. 279.

307
No final de agosto, entre a capitulação do Japão e a chegada das tropas que
deveriam realizar a rendição dos japoneses, forças do Vietminh apossaram-se dos órgãos
governamentais em Saigon e Hanói, capitais da Cochinchina e do Tonkin, respectivamen-
te, e proclamaram a República Democrática do Vietnã.
Em setembro, tropas britânicas, indianas e nepalesas (gurkhas), comandadas
pelo general inglês Douglas D. Gracey, chegaram ao Sul do Vietnã para cumprir o acor-
dado em Potsdam. Em face da desordem encontrada e para facilitar o repatriamento dos
japoneses, Gracey começou a substituir as lideranças e as forças do Vietminh, que admi-
nistravam Saigon, por autoridades e tropas francesas. Os integrantes do Vietminh revolta-
ram-se contra essa medida e reagiram pela força. Todavia, as tropas de Gracey, com o
apoio de forças francesas e japonesas, controlaram a situação. No início de 1946, tropas
francesas, comandadas pelo general Philippe Leclerc, assumiram a responsabilidade pela
administração do Sul do Vietnã e as forças britânicas retiraram-se.
Os chineses também cumpriram o tratado em Potsdam, mas, diferentemente
dos britânicos, deixaram o Vietminh administrar o Norte do Vietnã. Todavia, para apres-
sar a retirada dos chineses, rivais históricos dos vietnamitas, o Vietminh aceitou entrar em
negociações com autoridades francesas e permitiu o desembarque de tropas da França
na cidade litorânea de Haifong, em março de 1946.
Os franceses estavam dispostos a conceder autonomia interna ao Vietnã, desde
que este, juntamente com o Laos e o Camboja, passasse a fazer parte de uma federação
indochinesa, subordinada à União Francesa (organismo que reunia a França metropolita-
na e seus departamentos e territórios ultramarinos, além de Estados associados). Ho Chi
Minh aceitava que o Vietnã fizesse parte da federação indochinesa, todavia, em
contrapartida, exigia a total independência, a unificação e a retirada das tropas francesas
do Vietnã. Autoridades do Laos e do Camboja aceitaram os termos franceses e seus
países conseguiram uma independência tutelada, já que se tornaram Estados associados à
França.
Em meio ao impasse, em novembro, começou a luta armada entre o Vietminh
e os franceses, que ficou conhecida como Guerra da Indochina. No início da guerra, Giap
contava com cerca de trinta mil homens, bastante motivados para lutar pela independên-
cia, mas sem experiência, pouco equipados e mal instruídos. Com o desenrolar da luta, o
Vietminh aumentou seus efetivos e os equipou e adestrou melhor. As tropas francesas,
durante toda a guerra, foram constituídas por soldados profissionais, muitos dos quais
veteranos da Segunda Guerra Mundial, dispostos a resgatar o senso de honra do Exército
Francês, ofuscado pela humilhante derrota frente aos alemães em 1940. O governo fran-
cês preferiu não utilizar tropas metropolitanas na Indochina, pois isso poderia desgastá-lo
perante a opinião pública, já que os franceses não estavam dispostos a sacrificar seus
jovens em um conflito colonialista. Em consequência, a França empregou unidades for-
madas em seus territórios ultramarinos e EstadosAssociados, constituídas por voluntários
franceses e nativos (argelinos, senegaleses, vietnamitas, entre outros).
308
Os primeiros combates de vulto ocorreram em Hanói, Huê e Haifong, e os
franceses mostraram-se superiores às forças do Vietminh. Diante disso, Giap ordenou a
retirada para o Viet Bac, de onde o Vietminh passou a lançar ações de guerrilha (primeira
fase da guerra prolongada de resistência). Os franceses aproveitaram-se da retirada do
inimigo para reforçar a autoridade nas áreas mais populosas do Vietnã.
Nos anos seguintes, os combates prosseguiram no Tonkin e estenderam-se,
com menos intensidade, para o Sul do Vietnã, pois o Vietminh estipulou como objetivos o
controle dos deltas dos rios Vermelho e Mekong, no Norte e Sul do Vietnã, respectiva-
mente. Nesses deltas encontrava-se a maior parte da população, produzia-se grande
quantidade de arroz e localizavam-se as principais cidades (Saigon e Hanói) e entronca-
mentos ferroviários e rodoviários. Os confrontos eram normalmente brutais, mas de pe-
quena envergadura, pois o Vietminh esquivava-se de batalhas decisivas, por se considerar
ainda despreparado para ações de grande amplitude. Os franceses mantiveram os deltas
e, em junho de 1948, estabeleceram uma república vietnamita títere, governada nominal-
mente por Bao Dai, um antigo imperador do Vietnã, que renunciara ao título.
Em 1949, porém, novos eventos transformariam a situação. Comunistas, li-
derados por Mao Tsé-Tung, assumiram o poder na China e passaram a apoiar o Vietminh.
Em contrapartida, os norte-americanos, empenhados em deter a expansão do comunis-
mo, concederam aos franceses auxílio material e financeiro.
Também em 1949, os franceses mudaram de estratégia no Norte do Vietnã,
por não terem expectativa de vencer decisivamente o Vietminh. Eles concentraram a
maior parte das tropas no Delta do Rio Vermelho, para cortar o fluxo de suprimento de
arroz, que, dali, clandestinamente, abastecia os guerrilheiros nas montanhas; e reduziram
o número de postos avançados nas zonas montanhosas, deixando nessas somente bases
consideradas suficientemente fortes para resistir a ataques do Vietminh, a partir das quais
esperavam lançar ataques e cortar as rotas de suprimentos que, da China, abasteciam os
guerrilheiros. Particularmente, na cordilheira de Cao Bang-Lang Son, no Viet Bac, eles
instalaram bases consistentes em Cao Bang, Dong Khe e That Khe, ao longo da Rota
Colonial 4 (RC 4).
Em 1950, o Vietminh estava muito mais forte do que no início da guerra, o
que não foi percebido pelos franceses. Muitas das unidades de Giap haviam sido treina-
das pelos chineses, que também lhes forneceram grande quantidade de suprimentos, in-
clusive de armas de grosso calibre. Sentindo-se confiante, em maio, Giap lançou uma
grande ofensiva para se apoderar da Cordilheira de Cao Bang-Lang Son (início da segun-
da fase da guerra prolongada de resistência). Suas forças sitiaram as bases francesas e
buscaram controlar a RC 4, através da qual os franceses abasteciam e reforçavam as
tropas que defendiam Cao Bang, Dong Khe e That Khe. Após combates de grande
intensidade, as bases e farta quantidade de munição caíram em poder do Vietminh. Em
outubro, os comandantes franceses reconheceram a impossibilidade de manter a cordi-
lheira, o que representou um sério revés as suas pretensões de pôr fim à guerrilha, pois o
309
Vietminh passou a dominar uma faixa de terra no Norte do Vietnã que da costa prolonga-
va-se até as fronteiras da China e do Laos.
Em 17 de dezembro, o general Jean de Lattre de Tassigny assumiu o coman-
do das tropas francesas. Ele mandou construir uma sólida linha defensiva ao longo do
Delta do Rio Vermelho, com muitos fortins e bem provida de unidades de artilharia e
infantaria. Além das defesas estáticas, organizou grupamentos móveis, constituídos, de
acordo com a necessidade, por elementos de unidades motorizadas, blindadas, anfíbias e
aéreas. Caberia aos grupamentos móveis realizar ataques fulminantes às concentrações
de tropas inimigas.
Paralelamente, Giap considerou ter chegado o momento de uma ofensiva
geral destinada a expulsar os franceses do Delta do Rio Vermelho, que, se tivesse suces-
so, poderia significar o fim do domínio francês na Indochina. O ataque foi desencadeado
em janeiro de 1951, mas acabou rechaçado pelos franceses, bem posicionados na Linha
de Lattre. Derrotado e com grandes perdas humanas e materiais, o Vietminh retornou
para as montanhas.
Giap, entretanto, percebeu que os franceses, ao reforçarem as defesas no
Delta do Rio Vermelho, deixaram outras regiões da Indochina pouco guarnecidas. Resol-
veu, então, estender as ações do Vietminh para o Laos, que se encontrava pouco prote-
gido, de onde poderia avançar para o sul e atacar, com mais intensidade, os franceses no
Delta do Rio Mekong. Isso, no entanto, demoraria algum tempo, pois o Vietminh ainda
não tinha logística para uma operação dessa envergadura.
Não obstante, em setembro de 1951, Giap ordenou que uma divisão atacas-
se bases francesas na cordilheira de Nghia-Lo. Os ataques fracassaram e a divisão foi
obrigada a recuar. De Lattre, por sua vez, considerou ser necessário atrair o inimigo para
um combate de grande porte. Para isso, em novembro, ordenou a ocupação da localida-
de de Hoa Binh, na Rota Colonial 6 (RC 6), por onde passava boa parte do suprimento
destinado às tropas do vietminh que operavam nas proximidades da fronteira com o
Laos. Os franceses conquistaram a localidade, mas acabam cercados pelo inimigo. Em
fevereiro de 1952, diante da pressão do Vietminh, o general Raoul Salam, que substituíra
de Lattre, ordenou a evacuação de Hoa Binh.
Em setembro, o Vietminh lançou uma bem sucedida ofensiva que destruiu
bases francesas na cordilheira de Nghia-Lo.Aproveitando o êxito, as tropas do Vietminh
prosseguiram até a fronteira do Laos, onde atacaram sem sucesso guarnições francesas,
que foram supridas e reforçadas por via aérea. Os franceses reagiram lançando uma
contraofensiva para reconquistar a cordilheira de Nghia-Lo e, assim, cortar as recém-
instaladas linhas de suprimento que contribuíam para abastecer os comunistas que se
encontravam na fronteira com o Laos. As tropas francesas, porém, foram lançadas de
forma esparsa na cordilheira e logo se viram isoladas pelo inimigo. Em novembro, após
combates sangrentos, Salam constatou que suas tropas eram incapazes de manter a ocu-
pação de uma área que se estendia por cerca de 160 km e ordenou a retirada.
310
No ano de 1952 e nos primeiros meses de 1953, o Vietminh preparou-se
para uma grande investida ao Laos. Paralelamente, a opinião pública da França exigia um
desfecho para a guerra e os norte-americanos cobravam dos comandantes franceses uma
postura mais ofensiva. Em abril de 1953, Giap lançou a planejada ofensiva sobre o Laos,
que obteve êxitos parciais (início da terceira fase da guerra prolongada de resistência),
pois o Vietminh, embora tenha se apossado de áreas laosianas, não conseguiu conquistar
as importantes localidades de Xieng Khuang, Luang Pabang e “Acampamento de Jars”.
Em maio, o general Henri Navarre assumiu o comando das tropas francesas,
disposto a pôr um fim na guerra. Ele esperava atrair as forças inimigas para um local cuja
posse lhes fosse de vital importância, e ali destruí-las em uma batalha decisiva. O fato de
estar prevista uma conferência de paz em Genebra pesou também na decisão de Navarre,
pois uma importante vitória reforçaria a posição dos diplomatas franceses. O local esco-
lhido foi a aldeia de Dien Bien Phu, que foi ocupada por paraquedistas franceses em
novembro.
Giap decidiu travar o combate decisivo desejado por Navarre. Antes disso,
porém, ele ordenou o desencadeamento de operações diversionárias no Laos e na
Cordilheira Anamita, tendo em vista forçar o inimigo a dispersar suas tropas. Depois das
ações diversionárias, o Vietminh atacou e venceu os franceses em Dien Bien Phu.
NORTE DO VIETNÃ
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Cao Bang
CHINA
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VIETNÃ LEGENDA
Luang
Prabang

Acampamento
de Jars LINHA DE LATTRE
ROTA COLONIAL

Xieng Khuang GOLFO DE TONKIN ÁREA MONTANHOSA

LAOS
OFENSIVAS DO VIETMINH
EM 1950
EM 1951/1952
TAILÂNDIA EM 1953
EM 1954

311
309
BATALHADE DIEN BIEN PHU
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G A B R IE L L E

A N N E -M A R IE B E A T R IC E

XX
LEGENDA
H UG UETTE

XX
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ZONA DE SALTO
XX
E L IA N E
CAMPO DE POUSO
C L A U D IN E
POSTO DE COMANDO
PONTOS FORTES
PERÍMETRO DE DEFESA

REGIMENTO DO VIETMINH
XX

DIVISÃO DO VIETMINH
ATAQUES DO VIETMINH
TRILHA
ROTA COLONIAL 41
IS A B E L L E

Em abril de 1953, Vo Nguyen Giap, líder do Vietminh, lançou uma potente ofensiva sobre o Laos, que
foi barrada pelos franceses nas localidades laosianas de Xieng Khuang, Luang Pabang e “Acampamento de Jars”. O
general Henri Navarre, comandante das tropas francesas na Indochina, estava disposto a pôr fim à ofensiva do
Vietminh e à própria guerra. Para isso, ele planejou instalar uma base em um local cuja posse fosse de vital importân-
cia para o inimigo, a fim de atraí-lo para uma batalha convencional decisiva. O local escolhido foi a aldeia Dien Bien
Phu, por diversos motivos: a localidade encontrava-se em um vale por onde passava a Rota Colonial 41 (importante
via de comunicação do Vietminh), localizava-se à retaguarda das tropas que atacavam o Laos, dispunha de campos de
pouso e estradas, estava cercada por elevações que os franceses consideravam inacessível para artilharia de grosso
calibre e em suas proximidades existiam colinas que serviriam como pontos fortes. A base deveria ser capaz de resistir
a um cerco prolongado. Para isso seria bem provida de armas de grosso calibre e blindados e abastecida e apoiada pela
Força Aérea. Os franceses consideravam, também, que o Vietminh não poderia suprir as tropas durante um cerco
prolongado, pois à Força Aérea Francesa facilmente iria desarticular suas linhas de abastecimento. Dando início ao
plano de Navarre, em novembro, paraquedistas ocuparam Dien Bien Phu, encontrando pouca resistência. O coronel
Christian de la Croix de Castries foi encarregado de comandar as tropas em Dien Bien Phu. Os franceses imediata-
mente iniciaram patrulhamentos e trabalhos de fortificação. Campos de pouso foram melhorados e um perímetro de
defesa foi estabelecido. Pontos fortes, que receberam nomes de mulheres, foram levantados em colinas dentro do
perímetro defensivo: no norte ficou “Gabrielle”, no nordeste, “Béatrice”, no leste, “Eliane” e “Dominique”, no
noroeste, “Anne-Marie” e “Huguette”, no oeste, “Françoise”, no sudoeste, “Claudine”, e no sul, mais distante, a
cerca de 6 km, “Isabelle”. No centro da base ficou o posto de comando de Castries, um hospital e unidades logísticas
e de artilharia. Giap resolver travar a batalha decisiva. Ordenou o sítio à base e o início de ações de pequena
envergadura. Enquanto essas ocorriam, o Vietminh transportou, desmontados, cerca de 200 canhões e farta quanti-
dade de munição para as alturas que cercavam a base e mobilizou cerca de 50 mil homens para o ataque. Em 13 de
março de 1954, teve início a ofensiva do Vietminh, com um grande bombardeio. Os cerca de 10 mil defensores
franceses, surpreendidos, tentaram responder ao fogo inimigo, mas não obtiveram êxito, já que os canhões inimigos
estavam bem protegidos. Enquanto eram bombardeados, os franceses passaram a ser atacados em massa pela infan-
taria inimiga, em vários setores. Isabelle acabou isolada e outros problemas surgiram: a força aérea mostrou-se
incapaz de cortar o fluxo de suprimento do inimigo, aviões eram alvo da artilharia antiaérea e o mau tempo restringiu
o envio de reforços e suprimentos, que, por vezes, foram parar em áreas controladas pelo Vietminh. A pressão do
Vietminh manteve-se constante e os contra-ataques franceses fracassaram. Gradativamente, os pontos fortes fran-
ceses foram sendo perdidos. Em 7 de maio, as forças do Vietminh chegaram ao posto de comando de Castries e os
franceses renderam-se. Os franceses tiveram 8.221 baixas (1293 mortos), o Vietminh cerca de 23 mil (8 mil mortos).
A derrota convenceu o governo francês a parar a luta na Indochina e aceitar os termos de paz da Conferência de
Genebra, firmados em 21 de julho, pondo fim ao domínio da França na Indochina.

312
Aderrota em Dien Bien Phu fez com que o governo francês estivesse bastan-
te desgastado na conferência de paz em Genebra, iniciada em abril de 1954. Durante as
conversações foi acordado que o Laos e o Camboja tornar-se-iam plenamente indepen-
dentes e que o Vietnã seria dividido no paralelo 17º, até que ocorressem eleições nacio-
nais para a escolha de um governante único.
Em consequência, os franceses retiraram-se da Indochina e tomaram forma
o Vietnã do Norte e o do Sul. O primeiro, com o apoio da URSS e da China, tornou-se
um Estado socialista, com capital em Hanói, governado por Ho Chi Minh; o segundo,
respaldado pelos Estados Unidos, tornou-se um Estado capitalista, com sede em Saigon,
presidido por Ngo Dinh Diem.
A guerra causou a morte de cerca de cem mil combatentes da França e tre-
zentos mil do Vietminh, mas não trouxe a paz ao Vietnã. Os problemas recomeçaram em
1956, quando as eleições previstas não aconteceram, pois Diem alegou que estas só
teriam validade caso fossem completamente livres, o que, segundo o presidente sul-
vietnamita, a ação de comunistas infiltrados no sul impedia.
Algum tempo depois, em 1960, guerrilheiros “vietcongues” (termo pejorativo
usado por sul-vietnamitas ao fazerem referência aos comunistas), insuflados pelo governo
de Hanói, aproveitaram-se da impopularidade do regime de Diem, tido como ditatorial e
corrupto, para organizarem a Frente de Libertação Nacional (FLN), que tinha como
objetivos derrubar Diem e unificar o Vietnã sob um regime socialista.
No início da década de 1960, a FLN somava cerca de 40 mil combatentes
fortemente influenciados por ideais comunistas. Aestes juntaram-se, nos anos seguintes,
outros milhares que provinham, em grande parte, da zona rural ou dos bairros pobres das

“VIETCONGUES” EM TREINAMENTO

313
cidades. Os “vietcongues” organizavam-se em unidades de até 600 homens e portavam
armamentos leves (fuzis, morteiros, lança-foguetes e fuzis-metralhadores) fornecidos,
principalmente, pela URSS. Seu treinamento era realizado em bases situadas nas selvas e
consistia do aprendizado de táticas de guerrilha. Eram muito disciplinados e esperavam
vencer o conflito solapando a vontade de lutar do inimigo, por meio de uma guerra pro-
longada de resistência, semelhante àquela que o Vietminh desencadeara contra os
franceses.
Os “vietcongues” eram apoiados, principalmente em ações de grande enver-
gadura, por tropas do Exército Norte-Vietnamita (ENV), que possuía armamentos pesa-
dos (mísseis antiaéreos, carros-de-combate e veículos de transporte blindados) de ori-
gem geralmente soviética e contava, no início da década de 1960, com cerca de um
milhão e meio de combatentes.
O movimento “vietcongue” expandiu-se rapidamente, principalmente nas zo-
nas rurais. Isso preocupou Diem, que para enfrentá-lo dispunha do inexperiente e
indisciplinado Exército da República do Vietnã (ERV).
Em 1961, o ERV passou a ser treinado, armado e equipado pelos Estados
Unidos e, em1964, seu efetivo chegou a 416 mil homens. Seus integrantes, recrutados
normalmente nas cidades, demostraram, durante o conflito, em sua maioria, moral baixo,
sendo frequentes as deserções. Isso se devia em grande parte à corrupção, ao favoritis-
mo e à falta de espírito ofensivo que grassavam no ERV.
O ERV demonstrou impotência ao tentar conter o avanço dos “vietcongues”,
o que deixou o governo norte-americano preocupado com uma possível queda do regi-
me sul-vietnamita. Muitos norte-americanos temiam a ocorrência de um “efeito dominó”,
ou seja, a queda de um governo capitalista provocaria a derrubada de outros, ocasionan-
do uma expansão comunista desenfreada pelos países do Sudeste Asiático.
Para conter tal ameaça, o governo dos Estados Unidos decidiu reforçar seu
apoio a Diem. Para tanto, em 1961, destacou para o Vietnã conselheiros militares e pilo-
tos de helicóptero, o que marcaria o início de um novo conflito, que ficou conhecido como
Guerra do Vietnã. Os resultados de tais medidas, no entanto, não foram satisfatórios, pois
a pressão dos “vietcongues” sobre o governo sediado em Saigon continuava a aumentar.
Nos anos seguintes, em face do agravamento da situação, os Estados Unidos
adotaram medidas mais drásticas: apoiaram um golpe militar que depôs Diem, considera-
do incapaz de conter os comunistas; bombardearam sistematicamente o Vietnã do Norte,
tendo como pretexto um suposto ataque norte-vietnamita a um destroier norte-americano
(incidente do Golfo de Tonkin); e destacaram tropas terrestres, comandadas pelo gene-
ral William C. Westmoreland, para combater os “vietcongues”. As forças terrestres nor-
te-americanas, todavia, não tinham permissão para ultrapassar o paralelo 17º, já que o
governo norte-americano temia que uma invasão de suas tropas ao Vietnã do Norte resul-
tasse em uma intervenção da URSS e da China.

314
Em 1965 havia 180 mil soldados norte-americanos no Vietnã, cabendo-lhes
a maior parte da responsabilidade pelo combate à FLN. Dois anos mais tarde,
Westmoreland, contando então com 480 mil combatentes norte-americanos, lançou gran-
des operações, como a “Cedar Falls” e a “Junction City”, que resultaram na reconquista
de importantes áreas do Vietnã do Sul e na contenção do ímpeto “vietcongue”.
Os Estados Unidos destacaram diversas unidades de elite para combater no
Vietnã, entre as quais a 1ª Divisão de Cavalaria (1st Cavalry Division), que dispunha de
cerca de 400 helicópteros para transporte de material e pessoal.
Nos primeiros anos da guerra, os combatentes dos Estados Unidos demons-
traram elevado moral e boa combatividade, pois sentiam-se com o dever de salvaguardar
o mundo e os valores da sociedade americana das ameaças comunistas. Contavam com
grande apoio logístico e ampla variedade de modernos armamentos e veículos, inclusive
grande quantidade de helicópteros, que pela primeira vez tiveram papel relevante em
ações de combate.
As forças americanas, todavia, desde o começo da guerra apresentaram de-
ficiências que se agravaram no transcorrer do conflito. Embora os soldados fossem recru-
tados pelo sistema de conscrição obrigatória universal, a maioria dos recrutas destinados
às unidades de combate provinha de classes sociais desfavorecidas e tinha baixa escola-
ridade, o que influía negativamente no desempenho operacional. Havia também um siste-
ma de rodízio de pessoal muito inadequado, pelo qual os oficiais serviam em unidades de
SOLDADOS NORTE-AMERICANOS

315
OPERAÇÃO “JUNCTION CITY”

N
CAMBO JA
II
II II LEGENDA
II
II LINHA DE BLOQUEIO
II
RODOVIA
II II ASSALTO AÉREO
ZONA DE GUERRA “C”
AÇÕES DE SEGURANÇA
II AÇÕES DE BUSCA E
II
II x DESTRUIÇÃO
II
BRIGADA DE INFANTARIA
II
II
II II BATALHÃO DE INFANTARIA

II
III BATALHÃO DE INFANTARIA
x
II
BLINDADO
VIETNÃ III
0 4 MILHAS
REGIMENTO DE CAVALARIA

No ano de 1966, boa parte dos suprimentos remetidos pelo Vietnã do Norte aos “vietcongues”
que operavam nos arredores de Saigon era armazenada na província de Tai Ninh, na fronteira entre
o Vietnã do Sul e o Camboja, denominada pelos norte-americanos de Zona de Guerra “C”. Nessa
região, encontravam-se também os principais redutos “vietcongues”, inclusive seu quartel-general,
o Escritório Central no Vietnã do Sul (ECVS). No período de 22 de fevereiro a 14 de maio de 1967,
tropas norte-americanas e do Exército Sul-Vietnamita desencadearam a Operação “Junction City”,
com o intuito de localizar e destruir o ECVS, os redutos e as bases de suprimentos inimigas. A
operação consistiu de um grande cerco à Zona de Guerra “C”, a partir do qual forças norte-america-
nas e sul-vietnamitas lançaram ações de busca e destruição na zona isolada, com o objetivo de
eliminar forças inimigas e destruir sistemas logísticos. Era uma operação tipo “martelo-bigorna”, ou
seja, parte das tropas bloqueava a área a ser vasculhada (bigorna), enquanto as demais executavam
ações de busca e destruição (martelo). Para cumprir a missão, o Exército Norte-Americano e o Sul-
Vietnamita mobilizaram diversas unidades aéreas e terrestres, fartamente equipadas e armadas. A 1ª
fase da operação teve início em 22 de fevereiro e durou até 27 de março, no noroeste da Zona de
Guerra “C”. Tropas paraquedistas estabeleceram uma linha de bloqueio, enquanto outras forças
executavam missões de busca e destruição. As tropas norte-americanas e sul-vietnamitas surpreen-
deram o adversário, eliminaram muitos inimigos e destruíram acampamentos e bases de suprimentos
(inclusive o escritório de propaganda do ECVS). Uma 2ª fase iniciou-se em 28 de março e prolongou-
se até 15 de abril, no leste da Zona de Guerra “C”. Intensas buscas e combates foram realizados,
sempre favoráveis aos norte-americanos e sul-vietnamitas. Depois ocorreu a 3ª fase, no sudoeste
da Zona de Guerra “C”, de 16 de abril a 14 de maio, trazendo poucos resultados positivos aos norte-
americanos e sul-vietnamitas, que não mais contavam com o elemento surpresa. Na operação, os
norte-americanos e sul-vietnamitas perderam 282 soldados, mas eliminaram 1.728 combatentes inimi-
gos. A operação foi considerada um sucesso pelos norte-americanos e sul-vietnamitas, pois acredi-
tavam haver desarticulado o ECVS. Na realidade, porém, a “Junction City” trouxe poucos benefícios
a norte-americanos e sul-vietnamitas, já que estes logo se retiraram da Zona de Guerra “C”, que foi
reocupada e voltou a servir como área de apoio para os “vietcongues”.

316
primeiro escalão por seis meses e as praças por um ano. Esse fato originava revezamentos
constantes, que afetavam a coesão dos grupos, pois os oficiais não conseguiam identifi-
car-se com os subordinados, e nem estes entre si e com seus superiores, ou seja, a alta
rotatividade impedia a efetivação de laços profundos entre os integrantes das frações,
devido ao pouco tempo de convivência.
Em 1967, muitos militares norte-americanos começaram a duvidar que as
grandes operações contra os “vietcongues” pudessem levá-los a uma vitória decisiva, já
que territórios às vezes arduamente conquistados, por falta de pessoal e meios para mantê-
los, eram abandonados e reocupados pelo inimigo. Isto obrigava Westmoreland a solici-
tar a seu governo o envio de um número crescente de soldados para o Vietnã.
Paralelamente, outros fatos preocupavam os norte-americanos: o bombar-
deio ao Vietnã do Norte não trazia os resultados esperados e só reforçavam a resolução
dos norte-vietnamitas em continuar a luta. Os ataques aéreos à trilha Ho Chi Minh, prin-
cipal rota de suprimento “vietcongue”, não tinham o êxito esperado. Muitos soldados
norte-americanos tinham dificuldade para fazer a distinção entre guerrilheiros e campone-
ses, o que resultava, por vezes, na destruição de aldeias, na ruína de lavouras e na morte
de civis. Além disso, o número crescente de baixas descontentava a população dos
Estados Unidos, que começou a pressionar o governo para pôr fim à participação norte-
americana na guerra.
Os movimentos populares para o fim da guerra eram estimulados pelas difi-
culdades encontradas pelos militares norte-americanos, que eram acompanhadas por
jornalistas que faziam uma cobertura livre da guerra. Reportagens diárias na televisão, por
exemplo,. expunham a dura realidade da guerra, levando um número crescente de pessoas
a questionar a intervenção de seu país no Vietnã.
Por outro lado, o desenrolar da guerra também preocupava as lideranças
norte-vietnamitas e “vietcongues”, pois, em decorrência da maciça intervenção norte-
americana, as forças comunistas haviam sido contidas e sofrido um grande número de
baixas. Os estrategistas norte-vietnamitas e “vietcongues” calculavam que, se o esforço
norte-americano continuasse no mesmo ritmo, com crescente envio de pessoal e material
para o Vietnã, a vitória penderia para o lado do inimigo. Em face da situação, em 1968,
os líderes comunistas resolveram lançar uma ofensiva decisiva, com todas as forças dis-
poníveis.
Em 31 de janeiro de 1968, “vietcongues” e tropas norte-vietnamitas lançaram
a Ofensiva do Tet (feriado do Ano Novo do calendário lunar vietnamita) sobre mais de
cem cidades e aldeias por todo o Vietnã do Sul. Todavia, os norte-americanos e o ERV
prontamente contra-atacaram e, em sangrentos combates, como os ocorridos em Saigon,
Khe Sanh e Hue, infligiram duras baixas aos adversários.Ao final da ofensiva, aproxima-
damente 80.000 “vietcongues” foram mortos, aos quais se somaram 7.721 civis, 1.100
norte-americanos e aproximadamente 2.900 soldados do ERV.

317
FORMA DE COMBATE DOS BELIGERANTES
Os “vietcongues”, dispondo de uma quantidade de meios muito inferior à dos norte-
americanos e sul-vietnamitas, tinham ciência de que não poderiam vencer seus adversários em
combates convencionais. Por isso optaram por derrotá-los através de uma guerra prolongada de
resistência. Inicialmente, estabeleceram bases nas florestas, muitas interligadas por túneis, de onde
partiam, de surpresa, para empreender ações de pequena envergadura destinadas a desgastar as
forças inimigas. Caso estas adentrassem nas selvas em seu encalço, os “vietcongues” procuravam
emboscá-las (faziam também amplo uso de armadilhas, para causar baixas). Se o poder do inimigo era
por demais superior, os “vietcongues” retiravam-se da região, retornando quando o perigo cessas-
se. Todavia, em 1968, na ofensiva do Tet, e nos últimos anos da guerra, eles, apoiados pelo ENV,
fizeram uso de ações convencionais.
Os norte-americanos e sul-vietnamitas, por sua vez, queriam travar batalhas decisi-
vas, mas os “vietcongues” as evitavam (exceto na Ofensiva do Tet e nos últimos anos da guerra ).
A maior dificuldade dos norte-americanos era a de localizar o inimigo, oculto em matas ou em
vilarejos (era difícil distinguir um guerrilheiro de um camponês, às vezes o inimigo era as duas
coisas).
O general Westmoreland, comandante das forças norte-americanas no Vietnã, resol-
veu empregar a ampla superioridade em mobilidade e poder de fogo para derrotar o adversário. Por
meio de helicópteros, os soldados norte-americanos avançavam rapidamente para o interior de áreas
ocupadas por guerrilheiros para localizá-los. Uma vez estabelecido o contato, faziam uso do elevado
poder de fogo de suas unidades de artilharia, navios e aeronaves, para destruir as unidades
guerrilheiras.
No Vietnã, os norte-americanos utilizaram-se muito das bases de artilharia, que eram
posicionadas em território inimigo para proporcionar apoio de fogo às patrulhas de infantaria que
saíam em busca do inimigo. As bases de artilharia normalmente contavam com uma bateria, dotada
de quatro ou seis obuseiros de 105mm ou 155mm. Dispunham de heliporto, e seus defensores
faziam amplo uso de fortificações (abrigos, minas e arame farpado). Caso fosse necessário, os
comandantes das bases poderiam solicitar apoio de fogo de helicópteros, caças e bombardeiros.
BASE DE ARTILHARIA

318
Westmoreland considerou que os norte-americanos conseguiram uma vitória
decisiva ao barrar a Ofensiva do Tet, mas os ataques comunistas repercutiram de forma
diferente nos Estados Unidos, onde a população ficou abalada pelo número de baixas
norte-americanas e pelo vigor das ações inimigas. Boa parte da população passou a
considerar que, ao contrário do que diziam as autoridades, a guerra iria prolongar-se por
muito mais tempo e que talvez não pudesse ser vencida. Notícias sobre o sofrimento de
civis vietnamitas, que os norte-americanos diziam proteger, aumentaram ainda mais os
sentimentos antibelicistas nos Estados Unidos. O caso de um massacre de centenas
de civis sul-vietnamitas, na aldeia de My Lai, em março de 1968, perpetrado por
soldados norte-americanos, comandados pelo tenente William Laws Calley Jr., causou
grande comoção e teve ampla repercussão.
Em 1968, pressionado pela opinião pública, o presidente norte-americano,
Lyndon Johnson, não aceitou os pedidos de Westmoreland para que fossem enviados
mais soldados ao Vietnã e para que operações destinadas a bloquear a trilha Ho Chi Minh
fossem estendidas até o Laos e o Camboja. Johnson também reduziu a escala de bom-
bardeios ao Vietnã do Norte, para que fosse possível a realização de conferências de paz,
que se iniciaram no mês de maio.
CHINA

VIETNÃ DO
NORTE
BIRMÂNIA
Hanói

LAOS GOLFO
DE TONKIN

MAR DA CHINA

Khe Sanh
Huê

TAILÂNDIA
Rio Mekong

My Lai

VIETNÃ
CAMBOJA
DO SUL

Junction City
Cedar Falls
Saigon

PRINCIPAIS BATALHAS
PRINCIPAIS BATALHAS
TRILHA HO CHI
TRILHA CHI MINH
MING

319
Em meio a crescentes protestos antibelicistas, Richard M. Nixon foi eleito
presidente dos Estados Unidos em novembro de 1968, comprometendo-se a repatriar
os soldados que estavam no Vietnã. Paradoxalmente, Nixon expandiu a guerra ao Camboja
e ao Laos, para que fossem atacadas bases inimigas.
Nos anos de 1968 e 1969, a guerra prosseguiu com ferocidade e com signi-
ficativos avanços das tropas norte-americanas, que expulsaram os “vietcongues” para
regiões remotas. O governo norte-americano, no entanto, resolveu iniciar um processo
para retirar suas tropas do Vietnã de maneira honrosa. Westmoreland foi substituído pelo
general Creighton W.Abrams, que iniciou uma política de “vietnamização” do conflito, ou
seja, gradualmente os norte-americanos passaram o encargo de defender o Vietnã do Sul
ao ERV, enquanto retiravam suas tropas do país.
A partir do ano de 1969, o moral e a capacidade combativa das tropas
norte-americanas começaram gradativamente a declinar. Os soldados sentiam-se desilu-
didos com a guerra, pois eram muito influenciados por manifestações contra o conflito,
expressas através de veículos de comunicação, passeatas, e, até mesmo, declarações de
altos servidores do governo. Isso criava nas tropas um clima de inquietação e falta de
objetivo, que minavam a dedicação e a disciplina dos soldados, estimulando o consumo
de drogas e os sentimentos antibelicistas. Muitos soldados passaram a estabelecer objetivos
personalistas (voltar para casa a salvo, após um ano de serviço militar), negligenciando,
em consequência, o cumprimento das missões que lhes eram atribuídas. Para agravar,
oficiais e sargentos passaram a tolerar o afrouxamento dos padrões militares, tendo como
desculpa as peculiaridades do conflito.

ARMAMENTOS

O FUZIL AK47 E O M16


O fuzil AK47 (1), calibre 7,62mm, foi criado em 1947, por Mikhail Kalashnikov. Foi amplamen-
te empregado pelos “vietcongues”. Pesa 3,8 kg (sem o carregador de munição), possui um alcance
útil de cerca de 400 metros e é capaz de disparar 600 tiros por minuto. O fuzil M16, calibre 5,56mm,
foi desenvolvido por Eugene Stoner e adotado pelo Exército Norte-Americano em 1966. Pesa 3,8 kg
(sem o carregador de munição), possui um alcance útil de cerca de 450 metros e é capaz de disparar
800 tiros por minuto. Ambos os fuzis podem realizar disparos automaticamente, graças ao aprovei-
tamento dos gases resultantes da deflagração do cartucho. O AK47 mostrou-se superior ao M16,
devido a sua praticidade, manutenção simples e resistência.

1 2

320
Em 1972, diante da progressiva retirada de soldados norte-americanos do
Vietnã, as lideranças do Vietnã do Norte e da FLN sentiram-se confiantes para lançar
novas ofensivas. Os ataques acabaram debelados graças à combinação do poder aéreo
dos Estados Unidos e uma forte resistência do ERV. Mesmo assim, no final dos comba-
tes, os norte-vietnamitas e “vietcongues” tinham assumido o controle de importantes áreas
no norte e oeste do Vietnã do Sul.
Em 23 de janeiro de 1973, o Vietnã do Norte e a FLN assinaram um cessar-
fogo com os Estados Unidos, após uma última demonstração do poder norte-america-
no, quando bombardeiros B-52 devastaram alvos em cidades norte-vietnamitas. As lutas
entre o ERV e a FLN, não obstante, continuaram em pequena escala.
Os “vietcongues”, porém, passaram a reforçar-se para uma ofensiva final,
enquanto o Exército Sul-Vietnamita enfraquecia-se por perder o apoio que recebia do
governo norte-americano (o congresso impediu o envio de novos recursos ao Vietnã do
Sul). Em dezembro de 1974, depois dos Estados Unidos terem retirado quase todas as
suas tropas do Vietnã, os “vietcongues” e contingentes do Exército Norte-Vietnamita
lançaram uma derradeira ofensiva, que resultou, em abril de 1975, na conquista de Saigon
e na destruição total do ERV.
Em 1976, o Vietnã foi oficialmente unificado sob um regime comunista de
estado, mas encontrava-se arrasado em decorrência de mais de trinta anos de guerras.
Milhões de camponeses haviam sido mortos, feridos ou desalojados; e um terço das
terras do sul estava envenenada por agentes químicos ou devastadas por bombas e projéteis
de artilharia. Morreram durante a intervenção dos Estados Unidos, 58.209 combatentes
norte-americanos, cerca de 250.000 do ERV e aproximadamente 1.100.000 da FLN e
do EVN.
As guerras na Indochina demonstraram a importância da imprensa, da opi-
nião pública e da guerra prolongada de resistência, que juntamente com a falta de metas
claras por parte de franceses e de norte-americanos, contribuíram para a vitória comunis-
ta. Os norte-americanos, tirando lições da guerra, buscaram profissionalizar suas forças
armadas e investir na tecnologia da informação.Ateoria do “dominó” não se concretizou
como o esperado, visto que, depois da Guerra do Vietnã, os comunistas apossaram-se
do poder somente no Laos e no Camboja.
Paralelamente às Guerras da Indochina, no Oriente-Médio, um outro confli-
to, também prolongado acontecia, o árabe-israelense, com repercussões intensas no ce-
nário internacional.

321
CAPÍTULO 26

O CONFLITO ÁRABE-ISRAELENSE
“A terra de Israel é o local de origem do povo judeu. Aqui a sua
identidade espiritual, política e religiosa foi moldada. Aqui eles primeiro atin-
giram a formação de um estado, criaram valores culturais de significância
nacional e universal e deram ao mundo o eterno Livro dos Livros. Depois de
serem forçosamente exilados de sua terra, o povo conservou consigo sua fé
durante sua Dispersão e nunca deixou de rezar e sonhar com o retorno para
sua terra e com a restauração, lá, de sua liberdade política. (...) Impelidos
por sua ligação histórica e de tradições, judeus lutaram geração após gera-
ção para se restabelecerem em sua antiga terra natal. (...). No dia 29 de
novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a reso-
lução do estabelecimento de um Estado Judeu em Eretz-Israel; (...). Este é o
direito natural de o povo judeu ser mestre de seu próprio destino, como to-
das as outras nações, em seu próprio Estado soberano. (...) De acordo, nós,
membros do Conselho do Povo (...), estamos aqui reunidos no dia do térmi-
no do Mandato Britânico sobre Eretz-Israel e, por virtude de nossos direitos
naturais e históricos e pela força da resolução da Assembleia Geral das Na-
ções Unidas, aqui declaramos o estabelecimento do estado judeu em Eretz-
Israel, a ser conhecido como Estado de Israel.” 41
Trecho da Declaração de Independência do Estado de Israel

Segundo a Bíblia, no II milênio a.C., o patriarca Abraão conduziu o povo


judeu para a Palestina, terra localizada entre o mar Mediterrâneo oriental e o rio Jordão,
que Deus lhes teria prometido. No ano 70 d.C., os judeus foram expulsos do território
palestino pelos romanos e dispersaram-se pelo mundo. Em 638, os árabes ocuparam a
Palestina, convertendo a população local ao islamismo. No século XVI, a região passou
para o domínio dos turcos otomanos, que a mantiveram até o final da I Guerra Mundial,
quando o território palestino passou a ser administrado pela Grã-Bretanha, de acordo
com um mandato da Liga das Nações.
Nas primeiras décadas do século XX, ocorreu uma intensa imigração judai-
ca para a Palestina. Os imigrantes, porém, entraram em conflito com as populações mu-
çulmanas locais, que se sentiam ameaçadas pelo fluxo crescente de novos moradores.
Ao término da II Guerra Mundial, para apaziguar a região, a Organização
das Nações Unidas (ONU) resolveu dividir a Palestina em dois Estados: um judeu e um
muçulmano, com 14.500 e 11.500 quilômetros quadrados, respectivamente. A cidade de
Jerusalém seria uma zona neutra, administrada pela ONU.
41
Disponível em: <www.taglite.online.com.br> acesso em 12 set. 2007

323
Quando o mandato inglês terminou, os judeus proclamaram unilateralmente a
criação do Estado de Israel, o que não foi aceito pelos árabes e deu início a um intenso
conflito. A primeira guerra entre israelenses e árabes, conhecida como “Guerra de Inde-
pendência de Israel”, deu-se entre maio de 1948 e janeiro de 1949, quando os países
membros da Liga Árabe (Egito, Iraque, Jordânia, Líbano, Arábia Saudita, Iêmen e Síria)
tentaram pôr fim ao recém-criado Estado judeu.
Mesmo atacados em várias direções, os israelenses saíram-se vitoriosos nes-
sa guerra. Diversos motivos explicam a vitória israelense: a Força de Defesa Israelense
(FDI) defendia uma área pequena, com boas comunicações internas, o que facilitou às
suas tropas combater em linhas interiores, fazendo frente a ataques procedentes de várias
direções; os Estados árabes atuaram de forma descoordenada e isolada, possibilitando a
Israel batê-los separadamente; muitos israelenses tinham experiência em combate, pois
haviam participado da II Guerra Mundial; e o Estado judeu recebeu enormes quantidades
de modernos equipamentos militares da Europa e dos Estados Unidos.
Ao longo da “Guerra de Independência”, os israelenses venceram os sírios e
libaneses que os atacavam pelo norte, os iraquianos e jordanianos vindos do leste, e os
egípcios, reforçados por tropas sauditas, oriundos do sul. Paralelamente, sufocaram le-
vantes de grupos árabes autóctones na Palestina. Desmoralizados e derrotados, os Esta-
dos árabes assinaram armistícios com Israel, entre 24 de fevereiro e 20 de julho de 1949.
Com a vitória, os israelenses ocuparam a Galileia e parte do deserto de Neguev,
territórios concedidos originalmente aos árabes palestinos pelo plano de partição da ONU.
A Faixa de Gaza e a Cisjordânia, partes restantes do território que deveria dar forma a um
Estado árabe-palestino, foram ocupadas pelo Egito e Jordânia, respectivamente. Jerusa-
lém passou a ser administrada, meio a meio, por israelenses (parte ocidental) e jordanianos
(parte oriental).
Ao fim da primeira guerra árabe-israelense, a situação ficou ainda mais tensa
no Oriente Médio. Os árabes continuaram a não reconhecer a existência de Israel e pas-
saram a articular uma revanche. Os israelenses, por sua vez, não se sentiam ainda seguros;
por isso pensavam em ampliar seu território, conquistando áreas consideradas estratégi-
cas para sua defesa. Além disso, milhares de árabe-palestinos que viviam em territórios
que passaram a ser ocupados por Israel deslocaram-se para campos de refugiados na
Cisjordânia, Líbano, Jordânia, Síria e Gaza, gerando instabilidades na região.
Algum tempo depois, em 1952, militares nacionalistas, liderados por Gamal
Abdel Nasser, assumiram o poder no Egito. Em 1956, Nasser anunciou a nacionalização
do Canal de Suez, que até então era controlado pela Grã-Bretanha e pela França. O
dirigente egípcio também ordenou que sua marinha bloqueasse o golfo de Ácaba, único
acesso israelense ao mar Vermelho. Tais ações desagradaram os governos britânico, fran-
cês e israelense, que firmaram um plano militar secreto para derrubar Nasser, abrir o golfo
de Ácaba à navegação e reassumir o controle do Canal de Suez.

324
GUERRA DE INDEPENDÊNCIA DE ISRAEL

Beirute
LÍBANO
Damasco
SÍRIA

MAR MEDITERRÂNEO GALILÉIA

Nazaré
Tel Aviv

Amã
Gaza Jerusalém
CISJOR-
GAZA DÂNIA

RIO JORDÃO
SUEZ

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CANAL DE

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RIO NILO

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ARÁBIA
SAUDITA
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ÁC A
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DE

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SU

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EZ

GOL

TERRITÓRIO ORIGINAL TERRITÓRIO OCUPADO OFENSIVAS OFENSIVAS


DE ISRAEL POR ISRAEL EM 1949 ISRAELENSES ÁRABES

Como parte do plano, em 29 de outubro de 1956, a FDI atacou os egípcios


na Península do Sinai, avançando rapidamente em direção ao Canal de Suez. Forças
britânicas e francesas, sob pretexto de proteger o Canal de Suez, também invadiram o
Egito. Quando tudo indicava que britânicos, franceses e israelenses atingiriamseus objetivos,
a União Soviética e os Estados Unidos intervieram, por considerarem os ataques uma
violação à independência egípcia. Devido à pressão de soviéticos e norte-americanos, um
cessar-fogo foi assinado em 7 de novembro de 1956, e as tropas francesas, britânicas e
israelenses retiraram-se do Egito, pondo fim à chamada “Guerra do Sinai”. Os israelenses
mantiveram-se nas áreas ocupadas na “Guerra de independência” e conseguiram reabrir
o golfo de Ácaba à navegação. Nasser saiu fortalecido do conflito, despontando como
um líder que se mostrava capaz de unir os árabes em sua luta contra Israel. Tropas da
ONU foram enviadas à região do Canal de Suez, para garantir a precária paz vigente.
Paralelamente aos conflitos, Israel fortaleceu-se economicamente, aumen-
tando, em consequência, sua população e seu poderio. Isso fez com que muitos palestinos
muçulmanos deixassem de acreditar que os Estados árabes venceriam o Estado judeu
através de operações militares convencionais. Em 1959, um desses palestinos, Yasser
Arafat, criou um grupo guerrilheiro denominado “Al Fatah” (Luta), visando executar
ataques contra Israel. Em 1964, os Estados árabes criaram a Organização para a Liber-
tação da palestina (OLP), espécie de “governo no exílio”, com a finalidade de coordenar
325
GUERRA DO SINAI

Beirute
LÍBANO
Damasco
SÍRIA

MAR MEDITERRÂNEO GALILÉIA

Nazaré
Tel Aviv

Amã
Gaza
CISJOR-
GAZA DÂNIA

RIO JORDÃO
SUEZ

EGITO JORDÂNIA
CANAL DE

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SINAI
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SAUDITA
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GOL

TERRITÓRIO OCUPADO BOLSÕES DE


TERRITÓRIO ORIGINAL
POR ISRAEL EM 1949 RESISTÊNCIA
DE ISRAEL
EGÍPCIOS

OFENSIVA
OFENSIVAS RETIRADAS OFENSIVAS FRANCO-
ÁRABES ÁRABES ISRAELENSES BRITÂNICA

as ações contra Israel e estabelecer um Estado para os palestinos. O “Al Fatah” passou a
ser o “braço armado” da OLP, cujo presidente era o próprio Arafat. Posteriormente
surgiram outros grupos guerrilheiros, dissidentes doAl Fatah, mas nominalmente subordi-
nados à OLP.
Em 1967, um novo confronto militar de grande amplitude parecia iminente,
pois guerrilheiros atacavam Israel, que contra-atacava realizando operações contra ba-
ses de guerrilha instaladas em países árabes. Em maio, Nasser enviou suas tropas para o
Sinai, ordenou que as tropas da ONU deixassem o canal de Suez e declarou o fechamen-
to do golfo de Ácaba. Temendo sofrer um ataque, os israelenses lançaram uma ofensiva
preventiva contra o Egito e seus aliados, dando origem à “Guerra dos Seis Dias”.
A ofensiva israelense começou em 5 de junho de 1967, quando a Força Aé-
rea Israelense (FAI) atacou bases aéreas egípcias, jordanianas e sírias, destruindo grande
parte do poder aéreo desses países. Depois de obter a supremacia aérea, os israelenses
derrotaram o Exército Egípcio em várias batalhas no Sinai, repeliram uma ofensiva
jordaniana sobre Jerusalém e venceram os sírios nas colinas de Golã.
Em 10 de junho de 1967, a guerra foi encerrada, após a ONU intervir. Israel,
vitorioso, apossou-se das colinas de Golã, da Faixa de Gaza, da Península do Sinai, da
Cisjordânia e da parte oriental de Jerusalém.
326
GUERRA DOS SEIS DIAS

Beirute
LÍBANO
SÍRIA
Damasco
COLINAS
DE GOLÃ
MAR MEDITERRÂNEO GALILÉIA

Nazaré
Tel Aviv

Amã
Gaza Jerusalém
CISJOR-
GAZA DÂNIA

RIO JORDÃO
SUEZ

EGITO JORDÂNIA
CANAL DE

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GOL

TERRITÓRIO ORIGINAL TERRITÓRIO OCUPADO TERRITÓRIO OCUPADO


DE ISRAEL POR ISRAEL EM 1949 POR ISRAEL EM 1967

OFENSIVAS OFENSIVAS
ÁRABES ISRAELENSES

A vitória militar dos israelenses, contudo, não foi acompanhada por sucessos
políticos e diplomáticos, já que a ONU condenou as novas ocupações israelenses, fato
que isolou Israel internacionalmente. Além disso, os Estados árabes e as populações pa-
lestinas ficaram ainda mais ressentidos, representando uma ameaça potencial ainda maior
à segurança dos israelenses.
Ao longo dos anos seguintes, os beligerantes procuraram reforçar suas for-
ças armadas e sistemas defensivos, ocorrendo muitas escaramuças entre egípcios e
israelenses no Canal de Suez. Enquanto isso, o grupo “Al Fatah”, para promover sua
causa, desencadeava atentados terroristas contra Israel.
Em 6 de outubro de 1973, no feriado judeu do Yom Kippur (Dia do Perdão),
o Egito e a Síria lançaram, de surpresa, potentes ofensivas contra Israel, tendo em vista
recuperar os territórios perdidos na Guerra dos Seis Dias. Os egípcios, contando com
modernos equipamentos militares fornecidos pelos soviéticos, atravessaram o Canal de
Suez, romperam as linhas defensivas israelenses e avançaram pelo Sinai. Enquanto isso,
os sírios, reforçados por contingentes iraquianos, atacaram as colinas de Golã.
Refeitos da surpresa, os israelenses contra-atacaram, derrotando seus inimi-
gos em sangrentos combates. Embora os sírios e egípcios contassem com modernos ca-

327
ças e sistemas de mísseis antiaéreos de origem soviética, a Força Aérea de Israel, graças
à habilidade de seus pilotos e ao alto desempenho de suas aeronaves, obteve a superiori-
dade aérea, o que foi muito relevante durante as operações.
A partir de 14 de outubro a iniciativa coube aos israelenses, que passaram a
ameaçar o Cairo, a capital egípcia, e Damasco, a capital síria. Novamente os Estados
Unidos, a União Soviética e a ONU intervieram, e um cessar- fogo foi assinado em 22 de
outubro. Israel vencera novamente, mas desta vez suas perdas humanas foram elevadas
em relação aos conflitos anteriores. Os limites territoriais permaneceram os mesmos.
Depois da Guerra doYom Kippur, o presidente norte-americano JimmyCarter
passou a mediar um tratado de paz entre o Egito e Israel, que foi assinado em Camp
David, em 26 de março de 1979, pelo Primeiro-Ministro de Israel, Menachem Begin, e
pelo Presidente do Egito, Anuar Sadat. Pelo acordo, o Egito reconhecia a existência do
Estado de Israel, em contrapartida os israelenses devolviam a Península do Sinai para o
Egito.
Aevolução das forças em confronto foi profundamente influenciada pela Guer-
ra Fria. Destarte, os equipamentos e armamentos militares israelenses procediam dos
Estados Unidos, que os apoiavam; em contrapartida os árabes (principalmente Egito e
Síria) adquiriam materiais militares da URSS. De modo geral, os equipamentos norte-
GUERRA DO YOM KIPPUR
Beirute
LÍBANO
Damasco
SÍRIA
COLINAS
DE GOLÃ
MAR MEDITERRÂNEO GALILÉIA

Nazaré
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Gaza Jerusalém
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GAZA DÂNIA
RIO JORDÃO
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NEGEV
Cairo
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TERRITÓRIO ORIGINAL TERRITÓRIO OCUPADO


DE ISRAEL POR ISRAEL EM 1949 TERRITÓRIO OCUPADO
POR ISRAEL EM 1967

OFENSIVAS OFENSIVAS
ÁRABES ISRAELENSES

328
GUERRAS ÁRABE-ISRAELENSES
DADOS ESTATÍSTICOS APROXIMADOS

GUERRA DA INDEPENDÊNCIA DE ISRAEL

País Efetivo empregado Mortos em combate


Israel no início: 20 mil, no final 115 mil 4 mil
Egito no início: 10 mil, no final 20 mil
Iraque no início: 5 mil, no final 18 mil
Síria no início: 2,5 mil, no final 5 mil
Jordânia (Legião Árabe) no início: 6 mil, no final 12 mil Entre
Líbano no início: 1 mil, no final 2 mil 10 e 15 mil
Arábia Saudita no início: 800, no final 1,2 mil

GUERRA DO SINAI

País Efetivo empregado Mortos em combate


Israel 175 mil 197
Grã-Bretanha 45 mil 147
França 35 mil 53
Egito 70 mil 5,5 mil

GUERRA DOS SEIS DIAS

País Efetivo Mortos em Aeronaves Aeronaves


Empregado Combate Empregadas Perdidas
Israel 264 mil 779 197 19
Egito 150 mil
Síria 75 mil 21 mil 812 400
Jordânia 55 mil

GUERRA DO YOM KIPPUR

País Efetivo Mortos em Aeronaves Aeronaves Carros-de - Carros de Combate


Empregado Combate Empregadas Perdidas Combate Perdidos
Israel 415 mil 2,6 mil 561 102 1,5 mil 400
Egito 800 mil
Síria 150 mil 8 a 35 mil 1,1 mil 432 4,5 mil 2,2 mil
Iraque 60 mil
Fonte: <www.wikimedia.org> acesso em 05 set. 2007

329
FORMA USUAL DE COMBATE DOS BELIGERANTES
LÍBANO
SÍRIA
MAR MEDITERRÂNEO

1
2
EGITO JORDÂNIA

ARÁBIA
Z

SAUDITA
UE

BA
S
DE

ÁCA
FO

E
OL

ISRAEL
FO D
G

GOL

O Estado de Israel faz fronteira a leste, norte e sul com países muçulmanos (a
oeste é banhado pelo mar Mediterrâneo). Sendo assim, por ocasião de sua independência,
o estado judeu viu-se praticamente cercado por inimigos. Tendo de se defender de ata-
ques que poderiam vir, ao mesmo tempo, de diversas direções, os israelenses optaram por
realizar manobras operacionais em linhas interiores (1) nas guerras que travaram contra
seus vizinhos árabes (exceto na Guerra do Suez, quando realizaram manobras de ruptura
e de flanco).
Nas manobras em linhas interiores, as forças armadas israelenses adotaram um
comportamento defensivo em todos os setores, aos quais dispensavam a quantidade míni-
ma de forças capazes de resistir ao ataque, à exceção de um, no qual atuavam ofensiva-
mente, com o máximo de forças possíveis, tendo em vista aniquilar a força adversária
local. Após derrotar o inimigo no setor em que agiram ofensivamente, os israelenses
partiam com suas tropas vitoriosas para outra frente. Derrotada a força inimiga dessa
frente, os israelenses seguiam para outra, até derrotar todos os adversários.
Os países árabes procuraram empregar manobras operacionais em linhas exterio-
res (2) para derrotar o Estado judeu. Para isso, buscaram convergir suas forças conjunta-
mente sobre Israel, o que foi realizado de forma descoordenada na maioria das vezes.
Nas batalhas resultantes das manobras operacionais, tanto os árabes como os
israelenses procuraram combinar as ações de suas forças aéreas e terrestres.
Os israelenses souberam melhor do que seus inimigos coordenar as manobras
operacionais e as ações combinadas do exército e da força aérea. Isso, aliado ao fato de
defenderem uma área pequena e com boas comunicações internas, foi fundamental para
que vencessem seus adversários.

330
americanos mostraram-se superiores aos dos soviéticos e os israelenses mostraram-se
mais capacitados a empregar modernos equipamentos militares.
A organização da Força de Defesa Israelense teve origem na Guerra da Inde-
pendência. As ações do Exército, Marinha e Força Aérea, que a compõem, são coorde-
nadas por um estado-maior unificado, cujo chefe responde perante o Ministro da Defesa.
Todos os judeus do mundo, maiores de 18 anos, podem ingressar na FDI.
Em Israel, o serviço militar é obrigatório, ou seja, todos os cidadãos israelenses (judeus
ou não, inclusive as mulheres), física e mentalmente aptos, são obrigados a apresentar-se,
aos 18 anos de idade, aos órgãos de recrutamento.
Os cidadãos do sexo masculino servem por um período de 3 anos. Depois,
até os 40 anos de idade, passam a integrar unidades de reserva, na qual servem por um
ou dois meses todos os anos (tempo que pode ser prorrogado em caso de necessidade).
Desse modo, não há uma linha divisória nítida entre civis e militares israelen-
ses. Se desejar, os soldados podem seguir carreira militar, como praças ou oficiais. As
mulheres servem por um período de 2 anos e a seguir ingressam em unidades da reserva,
nas quais prestam serviço por determinados períodos até os 24 anos de idade. Os únicos
cidadãos dispensados do serviço militar são os judeus ultraortodoxos.
O treinamento na FDI é rigoroso e valoriza o espírito de iniciativa. Em con-
sequência, os soldados israelenses demonstraram elevado espírito de luta, habilidade e
combatividade quando tiveram de lutar para defender a existência de Israel. Por outro
FORÇAS ISRAELENSES NA GUERRA DOS SEIS DIAS

331
ARMAMENTOS
MÍSSIL AT-3 SAGGER
O míssil AT-3 Sagger (1), produzido no início da década de 1960, na URSS, fez parte da
primeira geração de armas teleguiadas. Era ligado por meio de fios a um “joystick”(2), o que permitia
a quem o disparasse (3), por meio de sinais elétricos, orientar o míssil até seu objetivo. Tinha um
alcance de 3.000 metros e foi utilizado nas guerra do Yom Kippur.

1 2

SOLDADO PRONTO
PARA EMPREGAR O
AT-3
3
lado, devido a características culturais, não se mostraram propensos a uma disciplina
rígida.
Desde a sua criação, a FDI é equipada com uma grande variedade de armas
e equipamentos, os mais modernos possíveis, procedentes dos Estados Unidos e da Eu-
ropa. Israel preocupa-se, no entanto, em produzir seus próprios equipamentos militares,
como o fuzil Galil 5,56mm e a metralhadora de mão UZI 9mm, que equipam a infantaria,
e os carros-de-combate Merkava, utilizados pelas unidades blindadas.
As forças armadas dos Estados árabes que combateram Israel tinham dife-
rentes organizações. As forças armadas do Egito, por exemplo, no início da década de
1950 tinham uma estrutura organizacional copiada dos ingleses. Nesse período eram
marcadas pela incompetência, pouca combatividade e pela enorme diferença social entre
oficiais e praças. A partir de 1954, Nasser procurou reformar as forças armadas. Para
isso, tornou o serviço militar obrigatório e implementou medidas para melhorar a instrução
e a disciplina da tropa. Procurou, ainda, incutir no soldado egípcio sentimentos nacionalis-
tas e de aversão ao Estado de Israel.
332
Da época de Nasser até a década de 1980, o Exército Egípcio contava com
equipamentos provenientes da URSS: fuzis AK-47, carros de combate T54/55, mísseis
antiaéreos SAM e anticarro AT-3 Sagger, entre outros. Nos anos de 1980, começou a
substituir os equipamentos militares soviéticos por outros, de origem predominantemente
norte-americana.
Depois de 1973, não houve mais nenhuma guerra entre muçulmanos e ju-
deus. No entanto, confrontos entre Israel e grupos de guerrilheiros tornaram-se comuns.
Israel realizou diversas intervenções no Líbano para destruir bases de guerrilheiros que
dali planejavam e realizavam ataques contra o Estado judeu. A principal delas ocorreu
em 1982 e resultou em sangrentos combates entre forças israelenses, apoiadas por
milícias locais cristãs, e membros da OLP, apoiados por sírios e libaneses muçulmanos. O
conflito chegou ao fim no mesmo ano, quando os combatentes da OLP deixaram o Líba-
no sob a supervisão de uma Força Multinacional.
A partir de 1987, os israelenses passaram a fazer frente a distúrbios genera-
lizados denominados “intifadas”, desencadeados por palestinos em territórios ocupados
por Israel. Em face disso e de pressões internacionais, o Primeiro-Ministro israelense,
Yitzhak Rabin, e o líder da OLP, Arafat, assinaram um acordo de paz em Oslo em 1993.
Por este acordo, Israel concedeu autonomia política aos palestinos na Faixa de Gaza e
em partes da Cisjordânia; em troca, a OLP reconheceu o direito de existência de Israel e
deixou de apoiar ataques contra este país.
Em 1996,Arafat foi eleito presidente daAutoridade Nacional Palestina, ins-
tituição estatal semiautônoma, criada para administrar a Faixa de Gaza e parte da
Cisjordânia. Grupos dissidentes, no entanto, continuaram a realizar atentados terroristas
contra Israel que, em represália, contra-atacava, deixando o ambiente tenso.
A morte de Arafat em 2004 e a vitória, nas eleições palestinas de 2006, do
Hamas, partido radical que não concorda com a existência de Israel, serviram para deixar
o ambiente ainda mais tenso. O controle de Jerusalém, cidade considerada sagrada para
muçulmanos, judeus e cristãos, e a questão de um Estado independente palestino, são
problemas ainda não solucionados, que tornam difícil o estabelecimento de uma paz defi-
nitiva na Palestina.

333
CAPÍTULO 27

A GUERRA DAS MALVINAS


“Às seis horas da manhã, a situação no Monte Longdon era por demais
crítica. O inimigo dominava as alturas a oeste e atacava pelo norte e sul.
Um foguete Milan passou perto de um muro de pedras de meu Posto de
Comando, explodindo um metro mais atrás. O comandante do Grupamento
Exército Puerto Argentino, me ordenou reunir os efetivos que me sobraram
e iniciar um assalto à linha de altura, 4 km a este de minha posição (...). Dos
278 homens que eu tinha inicialmente, nós só pudemos reunir 70. Caíram na
posição 200 homens, entre mortos e feridos (...).” 42
Major Carlos E. C. Salvadores, do Exército Argentino

O arquipélago das Malvinas ou Falklands situa-se no Atlântico Sul, a cerca de


480 km da costa argentina. Descoberto, em 1502, por Américo Vespúcio, foi disputado,
até o século XVIII, por ingleses, franceses e espanhóis. Em 1816, os argentinos, que
estavam consolidando a independência de seu país, declararam sua soberania sobre as
ilhas. Mais tarde, em 1833, os britânicos, tendo em vista estabelecer, no Atlântico Sul,
uma base estratégica para a marinha, invadiram as Malvinas, incorporando-as a seus
domínios coloniais. Os argentinos não aceitaram tal fato e passaram a reivindicar, junto
aos britânicos, a devolução das ilhas.
As duas principais ilhas do arquipélago são Soledad (Malvinas do Leste) e Gran
Malvinas (Malvinas do oeste). As Malvinas têm como capital Port Stanley e são pouco
desenvolvidas economicamente. A ilha de Soledad, única habitada, foi povoada, a partir
do século XIX, por britânicos, que ficaram conhecidos como ‘’kelpers’’(os nativos da
Patagônia denominavam kelp a uma alga comestível abundante nas Malvinas - os mari-
nheiros britânicos adotaram o termo utilizando-o para fazer referência aos habitantes
malvinenses). Os ‘’kelpers’’vivem predominantemente da criação de ovinos, atividade
que melhor se adaptou às condições fisiográficas locais.
A partir de 1965, por intermédio da ONU, argentinos e britânicos discutiram
sobre a posse das Malvinas; não obstante, as negociações mostraram-se infrutíferas. Isso
se deveu ao fato da soberania sobre estes territórios representar, para argentinos e britâ-
nicos, uma questão de orgulho e de credibilidade nacional, pois o arquipélago ocupa uma
posição estratégica, próxima da Antártica e do cabo Horn.
Em 1976, após um golpe de estado, uma junta militar passou a governar a Ar-
gentina. Os dirigentes militares argentinos implantaram um modelo econômico que não foi
42
apud BALZA, 1992, p. 83 e 84.
.

335
bem sucedido, fato que redundou em crises políticas e tensões sociais. Em 1982, o presi-
dente, general Leopoldo Fortunato Galtieri, resolveu desviar a insatisfação da população
argentina para com o regime militar fazendo voltar à tona a questão das Malvinas. Ele
acreditava que a luta pela reconquista das Malvinas despertaria o espírito patriótico, uniria
o povo e fortaleceria o regime vigente.
Os militares avaliaram que poderiam ser bem sucedidos em uma campanha
para conquistar as Malvinas, já que a defesa das ilhas estava a cargo de uma pequena
guarnição britânica. Paralelamente, os dirigentes argentinos esperavam ocupar as ilhas
Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, próximas das Malvinas, também reivindicadas por seu
país. Eles consideraram também que os britânicos não dariam uma resposta militar, pois
não teriam capacidade para travar uma guerra a milhares de quilômetros de suas princi-
pais bases e nem disposição para lutar por algumas ilhas remotas. Acreditavam, também,
que a Grã-Bretanha teria a mesma postura de Portugal, que não reagiu quando Goa, uma
de suas colônias, foi ocupada, em 1961, pelos indianos.
Desse modo, no dia 02 de abril de 1982, 150 fuzileiros navais do grupo tático
Buzo (tropa de elite argentina) foram transportados para as Malvinas, onde, em Port
Stanley, atacaram os 88 fuzileiros navais que compunham a guarnição britânica. Os solda-
dos britânicos resistiram, causando algumas baixas aos argentinos. Devido à
desproporcionalidade de forças, já que mais 2.800 soldados argentinos seguiram em apoio
ao grupo Buzo, o governador britânico, Rex Hunter, ordenou à sua pequena força que
depusesse as armas. No mesmo dia, 100 fuzileiros navais argentinos seguiram para as
ilhas Geórgia do Sul, as quais ocuparam, após alguns combates com os 23 fuzileiros
navais britânicos que lá se encontravam. Contingentes argentinos também se estabelece-
ram nas ilhas Sandwich do Sul. O sucesso da operação, propagandeado amplamente
pelo governo, foi recebido entusiasticamente por grande parte da população argentina.
Na Grã-Bretanha, porém, a população reagiu à invasão com indignação, pas-
sando a exigir da Primeira-Ministra Margareth Thatcher retaliações aos argentinos. A
Comunidade Econômica Europeia (atual União Europeia), a OTAN, a Comunidade Bri-
tânica das Nações (Commonwealth) e os EUA mostraram-se solidários aos britânicos.
Thatcher ordenou, então, a preparação de uma força-tarefa para a retomada das ilhas.
Tentativas de intermediações da ONU fracassaram e a força-tarefa britânica
foi deslocada para oAtlântico Sul. Surpreendidos pela pronta reação britânica, os argen-
tinos iniciaram a preparação militar para a defesa das Malvinas.
As forças que iriam se defrontar eram bastantes diferentes. As Forças Arma-
das Argentinas tinham como base a conscrição; estavam preparadas essencialmente para
ações de caráter interno e não tinham experiência em confrontos internacionais. Embora
os argentinos tenham empregado fuzileiros navais, tropa de elite, para a conquista das
ilhas, a ocupação destas foi deixada a cargo de soldados pouco qualificados, já que
as tropas mais adestradas foram deixadas na Argentina para um possível embate contra
os chilenos, com quem os argentinos haviam tido recentes atritos diplomáticos pela
336
posse do canal de Beagle. Sendo assim, cerca de 80% do efetivo argentino empregado
nas Malvinas era composto por recrutas, com no máximo um ano de treinamento.
De maneira geral, os soldados argentinos partiram para as Malvinas impreg-
nados pelo sentimento de que iriam defender um território legítimo de seu país. Eram
comandados por oficiais qualificados, mas que, muitas vezes, haviam sido desviados de
suas funções bélicas para atividades de caráter político, o que não contribuiu para seu
aprimoramento profissional.
O ExércitoArgentino equipava-se com fuzis 7,62mm (FAL); metralhadoras
MAG 7,62mm e 12,7mm; morteiros de 60, 81 e 120mm; canhões sem recuo 106mm;
obuseiros 105mm; lança-foguetes 88mm e minas. Possuía blindados do tipo Panhard
AML 90 e Kurdssier. Adefesa antiaérea compunha-se de canhões Bofors 40 mm; metra-
lhadoras Oerlikon de 20, 30 e 35mm e mísseis Blowpipe, Roland e Skyguard.AMarinha
Argentina tinha à sua disposição mísseis Exocet, capazes de causar grandes danos às
embarcações inimigas.
As forças empregadas pela Grã-Bretanha fundamentavam-se no alistamento
voluntário, estavam em condições de atuar fora do território nacional e tinham experiência
em conflitos externos. Foram destacadas para as Malvinas tropas de elite: SAS (Special
Air Service), SBS (Special Boat Squadron), gurcas (infantes nepaleses que tradicional-
mente integram tropas britânicas), paraquedistas e guardas galeses e escoceses. Os sol-
dados eram profissionais e passavam por rigorosa seleção e duro treinamento. Chegaram
às Malvinas dispostos a resgatar a honra da Grã-Bretanha, que consideravam ultrajada
pela invasão argentina.
As forças britânicas estavam equipadas com fuzis, metralhadoras, morteiros,
canhões e obuseiros semelhantes aos dos argentinos. Possuíam carros-de-combate
(Scimitar e Scorpion) e mísseis anticarro (Milan) e antiaéreos (Rapier e Blowpipe). Toda-
via, os britânicos dispunham de equipamentos de comunicações, de guerra eletrônica e
para combates noturnos em maior quantidade e superiores tecnologicamente aos dos
argentinos, o que lhes possibilitaria, durante os combates, coordenar suas operações,
obter dados e interferir nas ações adversárias com maior eficiência do que os oponentes.
Além disso, poderiam fazer uso de “satélites espiões” para buscar informações sobre o
inimigo.
Os comandantes britânicos deram ênfase na preparação logística, pois esta-
vam cientes das dificuldades que teriam para combater a milhares de quilômetros de suas
principais bases. Os argentinos, pelo contrário, somente preocuparam-se seriamente com
a logística quando perceberam que a Grã-Bretanha iria reagir à invasão das Malvinas, o
que deu margens a improvisações malsucedidas.
Em face da ameaça representada pela chegada da força-tarefa britânica,
os argentinos prepararam-se para defender as ilhas. Em Soledad foram posicionados
8.116 homens (7.135 em Port Stanley e 981 em Darwin-Goose Green), na Gran Malvina
1.885 (955 em Howard e 930 na Baía Fox), e nas ilhas Geórgia do Sul 150.
337
As operações militares de confronto realmente começaram em 25 de abril,
quando os britânicos retomaram as ilhas Geórgia do Sul, o que lhes proporcionou um
importante ponto de apoio terrestre (local a salvo da aviação argentina e das tempestades
do Atlântico Sul, e adequado para reparo de aviões e concentração de transportes de
tropas). Em 30 de abril, a Marinha Britânica declarou uma “Zona de Exclusão Total”
(ZET) de 200 milhas náuticas ao redor das Malvinas, dentro da qual qualquer navio ou
aeronave inimiga seria atacada sem prévio aviso.
Em 2 de maio, fora da ZET, um submarino britânico afundou o cruzador
General Belgrano (323 marinheiros argentinos perderam a vida). Tal fato teve grande
impacto sobre os comandantes navais argentinos, que ordenaram o retorno dos demais
navios da Marinha às suas bases (de onde não saíram até o final da guerra). Isso significou
o isolamento naval das tropas terrestres argentinas estacionadas nas Malvinas, que
doravante só poderiam ser reabastecidas por via aérea.
Os argentinos responderam ao afundamento do Belgrano por meio de sua
força aérea. Em 4 de maio, dois aviões Super Étendards, operando a partir de suas bases
naArgentina, lançaram mísseis Exocet que puseram a pique o destroier HMS Sheffield, o
navio mais moderno da Marinha Britânica (morreram 22 tripulantes). Sucederam-se vá-
rios pequenos embates em que ambas as partes sofreram diminutas perdas.
Em 18 de maio, o governo britânico autorizou o almirante John Woodward,
comandante da força-tarefa, a dar início às operações terrestres para a conquista das
ilhas (desde 1º de maio, elementos das tropas de elite britânicas SAS e SBS operavam
nas Malvinas, realizando coleta de informações e sabotagens).
MÍSSIL EXOCET
O Exocet é um míssil antinavio de origem fran-
cesa. Possui diferentes versões, que podem ser lançadas
por meio de helicópteros, aviões, navios e submarinos.
O Exocet tipo AM 39 foi empregado pelos ar-
EXOCET LANÇADO POR AERONAVE gentinos na Guerra das Malvinas. Lançados de aerona-
ves Dassault Super Etendard, os AM39 causaram o
afundamento do destroier Type 42 HMS Sheffield (D80)
e do navio Atlantic Conveyor. Um deles, disparado a
partir da terra por um lançador improvisado, causou da-
nos ao HMS Glamorganque.
O Exocet tipo AM 39 tem alcance de 70 km,
velocidade de 1.100 km/h, ogiva autoexplosiva de 165
kg e peso total de 655 kg. Seu sistema direcional é
autônomo e pré-programado, ou seja, a posição do alvo
e a trajetória a ser seguida pelo míssil são programados
antes do seu lançamento. Após o disparo, segue na
direção programada, utilizando um sistema de navega-
ção por inércia. Esse sistema é substituído a 12 ou 15 km
do alvo por um outro de navegação eletromagnética,
que dirige o míssil até o local de detonação.
.
338
Nesse momento, a situação das forças britânicas era boa, pois controlavam
as águas ao redor das Malvinas e tinha soldados prontos para a ofensiva. Os argentinos
que defendiam as ilhas, em contrapartida, encontravam-se numa situação difícil, já que
suas posições eram alvo de constantes bombardeios, lançados pelos canhões dos navios
e pelos aviões dos navios aeródromos britânicos. Além disso, as forças argentinas no
arquipélago encontravam-se desabastecidas, devido ao bloqueio naval e interferências
aéreas realizadas pelo adversário. Para complicar, os aviões da Força Aérea, que partiam
da Argentina, tinham pouco tempo para executar ações em apoio às tropas nas Malvinas,
pois a distância de ida e volta era longa demais.
Estando prontos, os britânicos escolheram a baía de São Carlos, situada 105
km a oeste de Port Stanley, para desembarcar tropas nas Malvinas. O local escolhido
oferecia praias adequadas para o desembarque e bons ancoradouros. Lá desembarca-
ram em 20 de maio, sem encontrar grande resistência argentina. Aoperação só não obte-
ve êxito total porque aviões argentinos afundaram os navios Atlantic Conveyor e Sir
Lancelot, nos quais se encontravam helicópteros e equipamentos importantes para as
futuras ações britânicas.
Estabelecida a cabeça de praia na baía de São Carlos, os britânicos iniciaram
uma marcha em direção a Port Stanley, feita por dois eixos. Pelo eixo norte, progrediram
a Brigada Comando 3 (formada pelo 40º, 42º e 45º Batalhões de fuzileiros navais) e o 3º
Batalhão Paraquedista, que tinham como objetivos a conquista das localidades de Douglas,
Teal Inlet e o monte Kent. Pelo eixo sul, seguiram a 5ª Brigada de Infantaria (constituída
pelo 1º Batalhão Galês, 2º Batalhão Escocês e 1º Batalhão do 7º Regimento Gurca) e o
2º Batalhão Paraquedista, tendo em vista a ocupação de Port Darwin, Goose Green,
Fitzroy e monte Challenger.
Para deter o avanço britânico, os argentinos estabeleceram, nas proximida-
des de Port Stanley, quatro linhas de defesa: a 1ª ligava o monte Estancia a Bluff Cove,
passando pelos montes Kent e Challenger; a 2ª estendia-se do rio Murrell a Port Harriet,
passando pelo montes Longdon e Two Sisters, a 3ª iniciava-se na serra Wireless e seguia
até o monte William, passando pelo monte Tumbledown e a 4,ª nas proximidades de Port
Stanley, tinha como ponto forte a colina Sapper.
Os britânicos, durante sua marcha para o leste de Soledad, atingiram todos
os seus objetivos. Nessas investidas, venceram os argentinos em vários combates, sendo
os mais sangrentos os ocorridos em Port Darwin e Goose Green. Ao se aproximarem de
Port Stanley, as forças britânicas encontraram abandonada a 1ª linha de defesa argentina.
Entre os dias 11 e 14 de junho, os britânicos empenharam-se em conquistar
os pontos fortes das linhas defensivas argentinas restantes. O 42º Batalhão capturou o
monte Harriet, o 45º Batalhão se apoderou de Two Sisters, o 3º Batalhão Paraquedista
conquistou o monte Longdon, o 2º Batalhão Escocês dominou o monte Tumbledown, o
1º Batalhão Gurca se apoderou do monte William, o 2º Batalhão Paraquedista se estabe-
leceu na serra Wireless e o 1º Batalhão Galês tomou a colina Sapper.
339
O AVANÇO BRITÂNICO RUMO A PORT STANLEY

ATLÂNTICO SUL
1

PORT SÃO
CARLOS
2
S DAS

DOUGLAS
TEAL INLET ESTANCIA
VI ITO

3
NA

HOUSE
AL E
M S TR

MONTE KENT
SÂO CARLOS TOP MALO
E

HOUSE MONTE CHALLENGER


PORT
STANLEY
BLUFF COVE
PORT DARWIN FITZROY
GOOSE GREEN

ESTREITO CHOISEUL

M O N TE
E ST AN C IA
RIO
6 M U R RE LL
E ST AN C IA 8
H O U SE
M O N TE
LONGDON SER R A
W IR EL E SS
M O N TE 5 M ONTE
K EN T
T W O SIS TE R T U M BL E D O W N S TA N L EY A ER O PO R TO

M O N TE
7 CO LIN A
M O N TE SA PPE R
M O N TE H A R RIE T
CH A L L E N G ER 9 W ILL IA M

10
4
B L U FF
COVE

FITZ RO Y

M ILH A S

LINHAS DEFENSIVAS ARGENTINAS


6 ATAQUE DO 3º BTL PQDT
1 DESEMBARQUE EM SAN CARLOS 7 ATAQUE DO 2º BTL ESCOCÊS
2 PROGRESSÃO BDA CMDO 3 E 3º BTL PQDT
8 ATAQUE DO 2º BTL PQDT
3 PROGRESSÃO 5ª BDA INF E 2º BTL PQDT 9 ATAQUE DO 1º BTL GURCA

4 ATAQUE DO 42º BATALHÃO 10 ATAQUE DO 1º BTL GALÊS

5 ATAQUE DO 45º BATALHÃO

340
A BATALHA DO MONTE LONGDON

LEGENDA
06
...
POSIÇÃO DEFENSIVA ARGENTINA
05
DESLOCAMENTOS ARGENTINOS
01
... 09
...

...
...
02 PELOTÃO ARGENTINO
07
08 04
...
... DESLOCAMENTOS BRITÂNICOS
03
COMPANHIAS BRITÂNICAS
Monte Longdon

Na noite de 11 para 12 de junho de 1982, no monte Longdon, nas proximidades de Port


Stanley, ocorreu um dos combates mais sangrentos da Guerra das Malvinas. O monte era um ponto
forte de uma linha defensiva argentina que se estendia do rio Murrell a Port Harriet. Para defender
Longdon, os argentinos destacaram 3 pelotões da 2ª Companhia do Regimento de Infantaria 7 e um
pelotão da Companhia de Engenharia 10. O comandante das tropas argentinas no monte Longdon,
major Carlos Eduardo Carrizo Salvadores, constituiu no local, um sistema defensivo em 360º; para
isso, posicionou o 1º Pelotão da 2ª Companhia no oeste (1), o 2º Pelotão no norte (2), o 3º Pelotão
no sul (3) e o 1º Pelotão de engenheiros no leste (4) da elevação que defendia. Os britânicos
designaram o tenente-coronel Hew Pike, comandante do 3º Batalhão Paraquedista, para conquistar
o monte Longdon. O 3º Batalhão Paraquedista tinha 3 companhias principais “A”, “B”, “C”. Os
argentinos contavam com 278 combatentes e os britânicos somavam 450 soldados. Às 22h00min, a
Companhia “B” Paraquedista (5) atacou o 1º Pelotão da 2ª Companhia argentina, enquanto a
Companhia “A” Paraquedista (6) assaltava o setor do 2º Pelotão (a Companhia “C” Paraquedista
ficou em reserva). A Companhia “B” Paraquedista obteve êxito: expulsou o 1º Pelotão da 2ª Compa-
nhia argentina e se apossou da crista do monte. O 1º Pelotão da 2ª Companhia argentina tentou
retomar a crista, mas foi detido pelos britânicos (7). Por volta das 23h00min, os britânicos passaram
a pressionar também o 3º e o 2º Pelotões argentinos. Uma hora mais tarde, Salvadores ordenou que
o 1º Pelotão de engenheiros repelisse os britânicos da crista (8). Houve pesados combates, mas os
britânicos mantiveram a sua posição. Salvadores, então, solicitou reforços ao comandante do Regi-
mento de Infantaria 7, que destacou, em apoio aos defensores do monte, o 1º Pelotão da 3ª Compa-
nhia. Salvadores ordenou ao comandante desse pelotão que contra-atacasse os britânicos. O con-
tra-ataque foi realizado às 02h00min, sem sucesso (9). Depois disso, os britânicos, reforçados,
retomaram a pressão sobre o inimigo. Às 06h30min horas, o comandante geral das forças argenti-
nas, general Menéndez, ordenou que as tropas do monte Longdon recuassem para a serra Wireless,
tendo em vista se reorganizarem. Com isso, os britânicos terminaram a ocupação da elevação,
saindo-se vencedores do embate. No combate, 23 soldados britânicos morreram e outros 47 foram
feridos; as perdas argentinas somaram 31 mortos, 120 feridos e 50 soldados feitos prisioneiros. A
vitória no monte Longdon permitiu aos britânicos prosseguirem rumo a Port Stanley.

341
FORMA USUAL DE COMBATE DOS BELIGERANTES

Os beligerantes da Guerra das Malvinas empregaram sofisticados armamentos em importan-


tes embates aéreos e marítimos. Foram, no entanto, as ações de suas forças terrestres que puseram
fim ao conflito.
As forças terrestres argentinas adotaram uma postura defensiva nas Malvinas. Estabelece-
ram uma série de pontos fortes em locais vantajosos, onde pretendiam deter o avanço dos britâni-
cos. Para manter os pontos fortes, os argentinos construíram fortificações no terreno, protegidas
por campos de minas. O solo pedregoso, as temperaturas gélidas e a ausência de materiais para a
construção de fortificações (a vegetação original foi substituída por pastagens) prejudicaram a
elaboração do sistema defensivo argentino. As unidades das linhas de frente contavam com o apoio
de fogo de outras unidades terrestres e, ocasionalmente, de aviões da força aérea. Esses aviões
tinham suas ações restringidas pelos britânicos e pela própria distância existente entre suas bases
na Argentina e as Malvinas. Os navios da Marinha Argentina não apoiaram as tropas terrestres,
porque se recolheram às suas bases logo no início das operações militares, ou mais precisamente,
após o afundamento do cruzador general Belgrano por um submarino britânico.
As tropas terrestres britânicas, para alcançarem seu objetivo final, Port Stanley, foram obri-
gadas a conquistar os pontos fortes argentinos. Para chegar a eles, os britânicos empreenderam
penosas marchas, já que muitos de seus helicópteros foram perdidos, quando caças argentinos
afundaram navios cargueiros britânicos na baía de São Carlos. Terminada a marcha, iniciavam o
assalto às posições argentinas, o que, muitas vezes, resultou em sangrentos combates corpo-a-
corpo. Diferentemente dos argentinos, contavam com um eficiente apoio de fogo naval e aéreo, o
que lhes foi de suma importância em momentos decisivos.

POSIÇÃO DEFENSIVA ARGENTINA

BRITÂNICOS EM MARCHA

342
Após passarem pelas linhas defensivas, as forças britânicas ficaram em con-
dições de realizar o assalto final a Port Stanley. Ao mesmo tempo, rumores sobre a eficá-
cia e a letalidade das tropas britânicas circularam entre os soldados argentinos que defen-
diam a capital, o que abateu o moral deles.
No dia 14 de junho, considerando-se sem condições de resistir ao inimigo, o
general Mario Benjamín Menéndez, comandante das forças argentinas nas Malvinas, se
rendeu ao general britânico Jeremy J. Moore. Aproximadamente 8 mil argentinos foram
feitos prisioneiros. Durante o dia 15, o restante das unidades argentinas presentes no
arquipélago entregou as suas armas. No dia 20, cinco navios britânicos chegaram às ilhas
Sandwich do Sul, onde a guarnição argentina se rendeu sem luta.
A guerra causou a morte de 225 soldados da Grã-Bretanha e 649 da Argen-
tina. Os britânicos venceram os argentinos porque planejaram melhor as ações de suas
forças, possuíam tropas qualitativamente superiores, dispunham de tecnologia superior e
estavam logisticamente mais preparados. O regime militar argentino, responsabilizado pelo
fracasso, caiu logo após o conflito, e a Primeira-Ministra Thatcher, que ordenou a recupe-
ração das ilhas, se fortaleceu.
A guerra das Malvinas testemunhou a importância dos mísseis, dos satélites
espiões, dos óculos de visão noturna e de outros equipamentos e armamentos, de ponta.
Menos de uma década depois, durante a Guerra do Golfo, com muito maior intensidade,
outras inovações tecnológicas se fariam presentes.

343
CAPÍTULO 28

AS GUERRAS NO GOLFO PÉRSICO

“Comandantes de vários níveis passaram a dispor da possibilidade de to-


mar decisões enquanto os acontecimentos se desenrolam, o velho sonho de
todo chefe militar. Em outras palavras, a informação em tempo real substi-
tui, na guerra moderna, o que era antes chamado de “colina do comandan-
te em chefe” – algum tipo de elevação do terreno de onde, em tempos anti-
gos, se podia ter uma visão de conjunto do campo de batalha.” 43
William Waack, jornalista

A estabilidade do Oriente Médio, onde se encontram grandes reservas pe-


trolíferas, vitais para os países industrializados, adquiriu crescente importância ao longo
do século XX. No início da década de 1990, um dos principais países dessa região, o
Iraque, governado pelo ditador Saddam Hussein, encontrava-se com sua economia debi-
litada. Tal fato decorria, em grande parte, dos gastos que esse país tivera para manter uma
desgastante guerra contra o Irã, no período de 1980 a 1988, devido à disputa por territó-
rios próximos ao rio Shatt al Arab. Durante o conflito, o Iraque recebeu apoio e emprés-
timos financeiros de diversos Estados ocidentais e árabes, que eram contrários ao regime
fundamentalista islâmico instalado no Irã, em 1979, por meio de uma revolução.
Terminada a guerra com o Irã, o Iraque, sem ter conseguido ganho algum,
passou a ser pressionado pelos países que o apoiaram, no sentido de que pagasse os
empréstimos contraídos durante o conflito. Saddam Hussein sentiu-se injustiçado com tal
atitude, pois considerava-se responsável pela contenção da expansão fundamentalista
islâmica, merecendo, portanto, receber melhor tratamento.
Outro fato desapontava o ditador iraquiano: ele esperava fazer uso das imen-
sas reservas petrolíferas iraquianas para estabilizar a economia de seu país, mas o preço
do petróleo estava em queda. Em julho de 1990, Saddam responsabilizou o Kuwait de
ser o causador das baixas no preço do petróleo, por vender maior quantidade do produto
do que a cota estabelecida pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Além disso, acusou o Kuwait de extrair ilegalmente petróleo de campos iraquianos. Neste
contexto, considerou ter razões suficientes para exigir do Kuwait o perdão de dívidas e
o pagamento de indenizações. Umantigo litígio entre os dois países pelos portos de Bubiyan
e Uarba contribuía para aumentar as tensões.
43 Apud História das guerras, 2006, p 460.

345
O governo kuwaitiano, entretanto, não cedeu às pressões de Saddam. Em
represália, o governante iraquiano ordenou que suas tropas ocupassem o Kuwait, o que
se deu em agosto de 1990, sem grande resistência das inexpressivas Forças Armadas
Kuwaitianas.
Saddam esperava que não houvesse uma forte reação internacional contra a
invasão do Kuwait, mas não foi o que aconteceu.As potências ocidentais, principalmente
os Estados Unidos (governado por George Bush), temiam pelas consequências que po-
deriam advir do fato de o Iraque passar a controlar boa parte da produção do petróleo do
Oriente Médio. O governo norte-americano levava em conta, também, que uma atitude
passiva das grandes potências encorajaria Saddam a desencadear ataques a outros paí-
ses do Oriente Médio, entre os quais a Arábia Saudita, maior produtora de petróleo da
região.
Os fatos repercutiram na ONU, onde os países membros do Conselho de
Segurança condenaram a agressão iraquiana e aprovaram resoluções que impunham boi-
cotes comerciais, financeiros e militares ao Iraque. O ditador iraquiano respondeu à deci-
são do Conselho de Segurança transformando o Kuwait em uma província do Iraque.
Imediatamente, tropas norte-americanas foram autorizadas a estacionar naArábia Saudita,
a fim de auxiliar as forças armadas deste país, em caso de uma agressão iraquiana (Ope-
ração Escudo do Deserto).
FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO
Depois da Primeira Guerra Mundial, houve forte domínio econômico, político e militar dos países
ocidentais sobre as nações islâmicas. Em decorrência disso, muitos muçulmanos passaram a crer que sua
identidade cultural e religiosa estivesse sendo ameaçada pela influência do pensamento ocidental. Surgiram,
então, grupos, ditos fundamentalistas, que se caracterizam pelo combate aos valores ocidentais e pela defesa
ardorosa dos dogmas islâmicos. Para estes grupos, o Islã é um poder superior aos demais (políticos, econômicos
e sociais), cabendo-lhe, por isso, controlar o Estado.
A vitoriosa Revolução Islâmica, realizada no Irã em 1979, por xiitas que rejeitavam qualquer ligação com
o Ocidente, ofereceu inspiração a muitos grupos radicais muçulmanos, que passaram a intensificar sua luta pelo
estabelecimento de Estados fundamentalistas islâmicos. Os Estados Unidos, principal potência ocidental, são
vistos como a maior ameaça a esse propósito, por apoiar regimes aos quais os fundamentalistas islâmicos se
opõem. Sendo assim, ações de combate, normalmente terroristas, contra os norte-americanos, são um dos
principais objetivos dos grupos fundamentalistas islâmicos.
O terrorismo, embora tenha muitas feições, é normalmente visto como um meio pelo qual, através da
violência física ou psicológica, indivíduos ou grupos contestam uma ordem estabelecida. As ações terroristas
podem ser desencadeadas seletivamente contra autoridades e órgãos governamentais, ou de forma indiscriminada
sobre populações que legitimam determinados governos. O objetivo principal dos terroristas é produzir com
seu ato um abalo psicológico no inimigo muito maior do que os danos materiais causados, o que dá notoriedade
à sua causa e enfraquece moralmente o adversário .
Os principais grupos fundamentalistas islâmicos em atividade no início do século XXI são o Talibã, no
Afeganistão; o Hezbollah, no Líbano; o Hamas, na Faixa de Gaza; e aAl-Qaeda, de cunho internacional.A este,
liderado por Osama Bin Laden, atribuem-se os ataques de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center, em
Nova Iorque; ao Pentágono, na Virgínia; e ao vôo 93 daAmericanAirlines, na Pensilvânia; dos quais resultaram
a morte de cerca de 2.900 pessoas. Em consequência, passou a ser objetivo militar número um do governo
norte-americano combater estes grupos e as entidades ou pessoas que os apóiam.

346
Em meio aos esforços diplomáticos para resolver a crise, o Conselho de Se-
gurança da ONU aprovou o uso da força, caso as tropas iraquianas não se retirassem do
Kuwait até 15 de janeiro de 1991. Como o Iraque não demonstrasse a intenção de deixar
o Kuwait, tropas de diversos países, liderados pelos Estados Unidos, começaram a se
deslocar para o Oriente Médio, principalmente para a Arábia Saudita, tendo em vista
formar uma coalizão contra o Iraque.
Em janeiro de 1991, o efetivo da coalizão somava aproximadamente 1.000.000
de homens, que contavam com cerca de 3.000 carros-de-combate, 200 navios de guerra
e 1.800 aeronaves de combate. O esforço principal foi dos Estados Unidos, que desloca-
ram para a Arábia Saudita cerca de 530.000 homens, 1.200 carros-de-combate, 100
navios de guerra (inclusive porta-aviões) e 1.300 aeronaves de combate.
Por motivos culturais, religiosos e políticos, as tropas terrestres da coalizão fo-
ram divididas em dois grandes comandos: o Central dos EUA e o das Forças Conjuntas
Árabe-Islâmicas. O Comando Central dos EUA, comandado pelo general Norman
Schwarzkopf, tinha como principais unidades de manobras 3 Corpos de Exército: o XVIII
(reforçado por uma divisão blindada leve francesa), o VII (reforçado por uma divisão
blindada britânica) e o I (fuzileiros navais). O Comando Central das Forças Conjuntas
Árabe-Islâmicas, comandado pelo tenente general saudita Khalid Ibn Sultan, tinha como
unidades de manobra o Corpo de Exército Norte e o Corpo de Exército Leste.
Para fazer frente à coalizão, Saddam contava com aproximadamente 570.000
soldados, 4.500 carros-de-combate, 2.900 veículos blindados e cerca de 500 aviões. As
unidades terrestres estavam divididas em divisões mecanizadas, blindadas e de infantaria.
A superioridade das forças da coalizão era expressiva, particularmente na área
tecnológica, devido, em maior parte, aos avançados armamentos e equipamentos que os
norte-americanos dispunham em seus arsenais. Como exemplos, podiam contar com sa-
télites e aeronaves AWACS (“Airborne Warning and Control System” - Sistema de Con-
trole e Alerta Aéreo), capazes de fornecer aos comandantes, em tempo real, uma gama
imensa de informações sobre o que se passava nos campos de batalha (localização de
tropas, de aeronaves, de instalações militares, de fortificações, entre muitos outros da-
dos). Tinham, ainda, caças F-117 Nighthawk “Stealth” (furtivo), quase imune a radares,
próprios para bombardeios estratégicos de surpresa, e carros-de-combate Abrams, de
blindagem, eletrônica e poder de fogo superiores aos do inimigo. Dispunham, também, de
“bombas inteligentes”, que, depois de lançadas, podiam ser guiadas até o alvo por meio
de satélites, câmeras e “laser”, e de mísseis de cruzeiro Tomahawk, de longo alcance,
capazes de serem programados e redirecionados para atingir determinado alvo e que
podiam ser armados com uma ogiva nuclear de 200 kt ou uma convencional de 450 kg.
Além disso, possuíam aparelhos de GPS (“Global Positioning System” – Sistema de
Posicionamento Global), que permitiam a qualquer combatente saber sua exata localiza-
ção e orientar-se, fazendo uso de informações provenientes de satélites.

347
ARMAMENTOS

AERONAVEAWACS CAÇA F-117 NIGHTHAWK


“STEALTH” (FURTIVO)

MÍSSIL TOMAHAWK “BOMBA INTELIGENTE”

MÍSSIL SCUD CARRO-DE-COMBATEABRAMS

348
Os iraquianos contavam com armamentos e equipamentos militares em gran-
de parte adquiridos na URSS, defasados tecnologicamente em relação aos dos norte-
americanos. Três aspectos do aparato militar iraquiano, no entanto, preocupavam com
maior intensidade as forças da coalizão: o Iraque possuía um sistema de defesa antiaéreo
bastante potente, armas químicas e mísseis SCUD (de longo alcance, mas imprecisos).
Estes tinham pouco valor nos campos de batalha, mas serviam para aterrorizar tropas e
populações que se encontravam em seu raio de alcance.
Outro fator que pesava a favor da coalizão era o melhor preparo de suas
tropas. Os soldados norte-americanos, britânicos e franceses, particularmente, eram pro-
fissionais, bem treinados e aptos a utilizar os meios mais avançados que existiam nos
arsenais de suas forças armadas. Partiram para a guerra confiantes e motivados em cum-
prir o que fora determinado pela ONU, ou seja, a expulsão das tropas iraquianas que
ocupavam o Kuwait.
Quanto aos combatentes iraquianos, muitos tinham experiência em combate,
pois haviam participado da guerra contra o Irã, mas isso não significava que estivessem
preparados para enfrentar adversários que dispunham de equipamentos de alta tecnologia.
Compunham o Exército Iraquiano dois tipos de soldados: os da Guarda Republicana -
cerca de 150.000 homens, profissionais, bem treinados e bem pagos-, e os das tropas
regulares - soldados pouco treinados, mal alimentados e pouco armados, recrutados en-
tre a população mais pobre. Cansados pelos oito anos de guerra contra os iranianos, não
entendendo muito bem os motivos pelos quais haviam invadido o Kuwait, a maioria dos
soldados iraquianos comuns estava pouco motivada para enfrentar inimigos que conside-
ravam poderosos. Para motivar seus soldados, Saddam chegou a declarar uma Jihad
(Guerra Santa) contra seus adversários e a proclamar que o território kuwaitiano perten-
cia legitimamente ao Iraque, mas o desenrolar da guerra demostrou que tais artifícios não
trouxeram grandes resultados.
Em relação ao comando, Saddam, temeroso de possíveis sublevações, cen-
tralizava as decisões sobre as ações a serem desencadeadas, o que resultava em quase
nenhuma liberdade decisória aos comandantes das tropas, fato que foi danoso aos
iraquianos no desenrolar do conflito. A mentalidade existente nos exércitos ocidentais
mais relevantes era totalmente diferente, valorizando e incentivando o espírito de iniciativa
e a tomada de decisões, em todos os escalões.
Enquanto se aproximava a data limite estipulada pela ONU para que o Iraque
desocupasse o Kuwait, os beligerantes preparavam seus planos para a guerra. Saddam
adotou uma postura defensiva com o objetivo de manter o Kuwait. Sendo assim, posicionou
grande parte de seus contingentes em uma linha defensiva na fronteira saudi-kuwaitiana,
fortificada com fossos anticarro, campos minados, trincheiras e extensas cercas de
arame farpado; destacou tropas para o litoral do Kuwait, a fim de fazer frente a um
possível ataque anfíbio; e estacionou tropas da Guarda Republicana à retaguarda, no

349
norte do Kuwait, como reserva. Deixou, no entanto, praticamente desprotegida a frontei-
ra entre o Iraque e aArábia Saudita, talvez por considerar improvável uma ofensiva inimi-
ga por aquela área, em grande parte arenosa e desértica.
Coube ao general Schwarzkopf a elaboração dos planos de campanha da
coalizão. Como um ex-combatente da Guerra do Vietnã, Schwarzkopf tinha ciência de
que os EUA não poderiam cometer nessa guerra os erros cometidos no Vietnã. Sendo
assim, ele concebeu uma manobra de flanco, a ser executada com grande rapidez, com
todos os meios disponíveis, para aniquilar as forças inimigas sem perda de tempo. Levou
em conta, também, que o número de baixas americanas deveria ser o menor possível,
para que a opinião pública não se voltasse contra a participação do país no conflito.
A Operação “Tempestade no Deserto”, como foi denominada a ofensiva
contra o Iraque, consistiria, inicialmente, de uma ofensiva aérea contra alvos estratégicos
no Iraque e no Kuwait, a fim de destruir os sistemas logísticos, de comando e de controle,
o que enfraqueceria e desorientaria as tropas inimigas. Em seguida, forças terrestres de-
sencadeariam uma manobra de flanco, cuja ação principal, visando ao cerco do inimigo,
seria realizada pelos XVIII e VII Corpos de Exército, que, partindo da Arábia Saudita,
adentrariam pelo território iraquiano, tendo como objetivos principais, respectivamente, a
cidade de Nazyria e a destruição das tropas da Guarda Republicana. Uma ação secundá-
ria seria realizada pelo I Corpo de Fuzileiros Navais e pelos Corpos de Exércitos Árabe-
Islâmicos, com a missão de realizar ataques para fixar o grosso das tropas iraquianas que
se encontrava posicionado ao longo da fronteira saudi-kuwaitiana, fechando o cerco ao
inimigo. Caberia às unidades blindadas, apoiadas por helicópteros e aviões de ataque,
abrir o caminho rumo aos objetivos.
Com o fracasso dos esforços diplomáticos, em 16 de janeiro de 1991, teve
início a ofensiva aérea da coalizão para desestruturar o inimigo. Os EUA, inicialmente
empregaram caças F-117 Nighthawk “Stealth”, equipados com “bombas inteligentes”, e
mísseis Tomahawk, lançados por aviões e navios, para destruir alvos de maior importân-
cia estratégica - unidades de defesa antiaérea, centros de comunicação, bases aéreas,
usinas elétricas e abrigos de aviões. Em seguida, juntaram-se aos F-117 muitas outras
aeronaves menos sofisticadas, para atacar outros objetivos - pontes, rodovias, fortifica-
ções, depósitos de suprimento, entre outros. Nas primeiras 36 horas, a coalizão lançou
mais de 2.000 ataques e 2.500 toneladas de bombas sobre alvos iraquianos. Navios
norte-americanos também contribuíram, bombardeando posições e instalações iraquianas.
No final de janeiro, a coalizão detinha o controle incontestável do espaço aéreo e havia
praticamente destruído os aparatos de logística, comando, controle e comunicações do
Iraque, deixando o inimigo desorientado e sem suprimentos.
Nesse meio tempo, Saddam ordenou o lançamento de mísseis “Scuds” sobre
Israel, para levá-lo à guerra. Caso isso acontecesse, o ditador iraquiano esperava que
muitos países árabes, historicamente inimigos do Estado judeu, passassem a apoiar o
Iraque, ou que pelos menos deixassem de fazer parte da coalizão. Os Estados Unidos
350
cederam a Israel mísseis “Patriot”, capazes de interceptar os Scuds, o que convenceu o
governo israelense a não adotar medidas em represália aos iraquianos. Outros mísseis
“Scud “ foram lançados contra a Arábia Saudita, e um deles atingiu instalações de tropas
norte-americanas, causando 28 mortes. Outra providência de Saddam foi mandar suas
aeronaves para o Irã, a fim de que não fossem destruídas pela força aérea inimiga, muito
superior.
Em 24 de fevereiro de 1991, seguindo o plano de campanha de Schwarzkopf,
teve início a ofensiva terrestre da coalizão. Os corpos de exército, em todos os eixos de
progressão, rapidamente dividiram e derrotaram as aturdidas e enfraquecidas tropas
iraquianas das linhas de frente, que ofereceram pouca resistência e renderam-se. Isso
acabou gerando um problema para Schwarzkopf, pois as tropas iraquianas que estavam
no Kuwait começaram a retirar-se mais depressa do que o esperado, podendo escapar
do cerco planejado antes que este fosse completado.
Em 26 de fevereiro, forças do XVIII Corpo de Exército chegaram ao rio
Eufrates, completando o cerco; em seguida parte delas convergiu para leste, a fim de
realizar novos ataques. No dia seguinte, tropas do VII Corpo de Exército arrasaram
diversas divisões da Guarda Republicana, enquanto tropas árabe-islâmicas entraram na
capital do Kuwait sem encontrar resistência. Também nos dias 26 e 27 de fevereiro,
comboios de tropas iraquianas que tentavam sair do cerco por uma rodovia que ligava o
Kuwait à cidade iraquiana de Basra foram interceptados e devastados com precisão pela
aviação da coalizão - o local ficou conhecido como “Rodovia da Morte”.
Em 28 de fevereiro, tendo-se atingido o objetivo de libertar o Kuwait, a ONU
estabeleceu um “cessar fogo”. Pouco depois, no início de março, representantes da coa-
lizão e do Iraque reuniram-se em Safwan para discutir a rendição do Iraque. Saddam,
derrotado, teve de aceitar os termos de várias resoluções do Conselho de Segurança da
ONU, os quais, entre outros aspectos, forçavam o ditador iraquiano a reconhecer a so-
berania do Kuwait, a pôr fim, sob supervisão de observadores internacionais, às armas
de destruição em massa, que teria em seu país e a não apoiar organizações terroristas.
Além disso, a ONU estabeleceu um forte embargo comercial ao Iraque, com o intuito de
forçar o cumprimento das resoluções impostas e estabeleceu zonas de exclusão aérea no
norte e sul do território iraquiano, onde não seria permitido o vôo de qualquer aeronave
militar, a fim de proteger as populações curdas e xiitas locais, que eram contrárias a Saddan.
Em consequência da guerra morreram cerca de 100.000 iraquianos, 30 mil kuwaitianos e
500 soldados da coalizão.
Nos anos seguintes, as relações entre os Estados Unidos e o Iraque conti-
nuaram tensas. Por diversas vezes, Saddam não cumpriu o previsto nas resoluções da
ONU. Ele expulsou observadores internacionais que inspecionavam locais onde suposta-
mente estariam sendo produzidas armas de destruição em massa, apoiou grupos terroris-
tas e reprimiu violentamente os xiitas do sul do território iraquiano, entre outros atos. Em
represália, os norte-americanos realizavam ataques aéreos contra o Iraque.
351
OPERAÇÃO TEMPESTADE NO DESERTO

Samawah
Nasyria
Rio Eufrates

Basra

GR

Cidade
do Kuwait
XXX

XVIII

XXX XXX
XXX
VII OFC
AIN

XXX
XXX
FN
AIL
EAL

X XX XXX

X V III XVIII CORPO DE EXÉRCITO A IN CORPO ÁRABE-ISLÂMICO NORTE GR GUARDA REPUBLICANA

X XX X XX

V II VII CORPO DE EXÉRCITO A IL CORPO ÁRABE-ISLÂMICO LESTE LINHA DEFENSIVA

X XX XXX

FN CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS OFC OUTRAS FORÇAS DA COALIZÃO

Em 11 setembro de 2001, terroristas fundamentalistas islâmicos realizaram


atentados nos Estados Unidos, que resultaram na morte de cerca de 2.900 pessoas e na
destruição das torres gêmeas do World Trade Center. Em decorrência desses ataques, o
presidente dos Estados Unidos, George W. Bush - filho de George Bush, o presidente
por ocasião da guerra de 1991 -, acusou o Iraque, juntamente com o Irã e a Coreia do
Norte, de apoiarem o terrorismo internacional e de terem armas de destruição em massa.
Pressionado, Saddam consentiu que os inspecionadores de armas de destrui-
ção em massa que havia expulsado, retornassem ao Iraque. Essa atitude, porém, não
impediu que, em março de 2003, Bush desse um ultimato ao ditador iraquiano: ele deveria
deixar o país em 48 horas ou os Estados Unidos atacariam o Iraque para depô-lo. Saddam
optou por permanecer no poder, o que fez o presidente estadunidense declarar guerra ao
Iraque.
Bush justificou a guerra declarando-a necessária para desarmar o Iraque de
suas armas de destruição em massa, e imprescindível para instaurar no país um regime
democrático. Havia, porém, suspeitas de que os propósitos principais do presidente nor-
te-americano estivessem ligados à exploração do petróleo no Oriente Médio e a expan-
são da área de influência geopolítica dos Estados Unidos. Discussões ocorreram
352
na ONU, onde os norte-americanos receberam apoio de importantes países como Grã-
Bretanha, Itália e Espanha, mas sofreram a oposição de outros também de peso no cená-
rio internacional, caso da França e da Alemanha.
Mesmo sem ter conseguido a aprovação do Conselho de Segurança da ONU,
Bush decidiu levar em frente seu plano de guerra contra o Iraque.Adisparidade de forças
era agora muito mais acentuada do que em 1991, pois os americanos contavam com
novos recursos tecnológicos -Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT), por exemplo -
e as forças iraquianas estavam enfraquecidas, devido ao embargo comercial que o país
sofria.
Em março de 2003, sob a liderança dos Estados Unidos, uma força multinacional
de 325.000 soldados - a maioria norte-americanos - encontrava-se no Kuwait e na Arábia
Saudita, pronta para desencadear uma operação denominada “Iraque Livre”. O objetivo
era a conquista da capital, Bagdá, e a deposição de Saddam, ações que os norte-ameri-
canos consideravam suficientes para desarticular todo o aparato defensivo iraquiano (as
forças iraquianas contavam com cerca de 375.000 soldados).

SOLDADOS NORTE-AMERICANOS NO IRAQUE

Os soldados norte-americanos, em 2003, no Iraque, basicamente portavam um


capacete de kevlar de 1,9 kg (com microfone integrado); visor noturno com alcance de
450 metros; óculos de proteção contra areia; colete com kevlar, fuzil M-4, calibre 5,56mm,
com lançador de granada; máscara contra gases M-40; fardamento camuflado para o
deserto, totalmente de algodão; protetores de joelho; e coturnos de couro impermeáveis.

353
A conquista de Bagdá ficou a cargo do V Corpo de Exército e do Corpo
Expedicionário de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Uma divisão do Reino Unido
foi incumbida de ocupar Basra, no sul. Outras unidades executariam missões em diversos
outros locais do Iraque, em apoio às ações principais.
Em 20 de março de 2003, foi desencadeada a operação “Iraque Livre”, ten-
do as tropas da força multinacional atingido com grande rapidez todos os seus objetivos,
sem encontrar grandes resistências das forças inimigas, que se desintegraram. Bagdá foi
ocupada em 09 de abril , mas Saddam não foi encontrado. Em seu lugar, um novo gover-
no, respaldado pelas tropas multinacionais, passou a dirigir o Iraque.
Em 1º de maio de 2003, o presidente Bush declarou a missão cumprida. Isso,
porém, efetivamente não havia acontecido, pois diversos grupos islâmicos, insatisfeitos
com a ocupação do Iraque, passaram a realizar ações terroristas, sequestros e ataques
menores contra as forças internacionais. Saddam acabou capturado em 13 de dezembro
de 2003 e enforcado em 30 de dezembro de 2006, após julgamento realizado em seu
próprio país, por autoridades iraquianas. Aexistência de armas de destruição em massa,
um dos motivos para a invasão, não foi comprovada.

OPERAÇÃO IRAQUE LIVRE

BASHUR

XXX

V V CORPO DE EXÉRCITO

BAGDÁ
XXX

FN CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS

XX

RU DIVISÃO DO REINO UNIDO

BASRA XX
OUTRAS FORÇAS
A
OUA
NORTE-AMERICANAS
FN
RU

V RODOVIAS

354
As guerras entre as forças lideradas pelos Estados Unidos e o Iraque demons-
traram o potencial dos mais modernos armamentos e equipamentos existentes na passa-
gem do II para o III milênio. No entanto, ainda não se mostraram suficientes para resolver
crises seculares e trazer paz. As vitórias das poderosas tropas norte-americanas conti-
nuaram a ser questionadas por grupos de homens, pouco equipados, mas disposto a
qualquer sacrifício para fazer valer seus interesses, sejam patrióticos, sejam religiosos,
sejam étnicos, sejam, até mesmo, econômicos. Em 2011, os Estados Unidos retiraram
suas forças do Iraque, porém ainda persistiram embates entre tropas governamentais e
grupos avessos à ordem estabelecida, sem haver perspectiva de solução a curto prazo.

355
CAPÍTULO 29

REFLEXÕES SOBRE A
GUERRA ATUAL E A FUTURA

“O desejo de paz tornou-se tanto mais angustioso e impera-


tivo quanto mais atrozes os meios de destruição. Mas a paz não se
aproximará de nós um só passo enquanto continuarmos a patinar
nas calhas seculares do pacifismo retórico e sentimental”. 44
Gaston Bouthoul, sociólogo francês

As mais devastadoras guerras que podem acontecer são as nucleares. Toda-


via, desde o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagazáki, há consenso em
evitá-las. Elas têm mais probabilidades de acontecer entre nações menos desenvolvidas,
como Índia e Paquistão, pois se travadas por grandes potências, como Estados Unidos e
Federação Russa, teriam alcance global, com efeitos catastróficos.
As guerras convencionais, travadas entre estados, por tropas regulares, por
meio de batalhas campais, são cada vez mais raras. Uma das razões é a disparidade do
poder militar das grandes potências em relação ao dos países mais pobres. Existe, porém,
um largo campo para as guerras não convencionais, única forma de países e atores não-
estatais, com poucos recursos bélicos, enfrentar as grandes potências, que dispõem de
alta tecnologia militar.
Mas de que forma países ou atores não-estatais defasados tecnologicamente
podem empreender uma guerra não convencional contra os Estados Unidos, a maior
potência mundial? A resposta passa pelo entendimento de que as Forças Armadas Nor-
te-Americanas passam por mudanças tecnológicas que muitos pensadores classificam
como uma RAM (Revolução emAssuntos Militares). Essa expressão foi cunhada pelos
soviéticos ao término da Segunda Guerra Mundial, ao não encaixaremos artefatos atômicos
na sua doutrina convencional. A partir de então, foi utilizada por diversos estudiosos ao
fazerem referência às mais importantes transformações que se sucedem na esfera militar
(tecnológicas, organizacionais, entre outras), como as mudanças do bronze para o ferro
e das hordas para os exércitos regulares.
44
BOUTHOU, 1966, p. 26.

357
Os principais princípios que caracterizariam as mudanças tecnológicas nas
ForçasArmadas Norte-Americanas são o amplo uso de armas inteligentes, o emprego de
sistemas de comando e controle de alta tecnologia, o máximo emprego de veículos não
tripulados, a minimização das baixas, a profissionalização dos soldados e a privatização
de algumas funções militares.
Para enfrentar a RAM que ocorre nas Forças Armadas Norte-Americanas,
os inimigos dos Estados Unidos poderão fazer uso da “Guerra Assimétrica”, que pode
ser definida como uma guerra irregular travada no espaço mundial, caracterizada por
inúmeras variações, quanto a atores, objetivos, meios, métodos, tecnologia e vontades.
O embate entre o país propulsor da RAM e um inimigo defasado
tecnologicamente se daria da seguinte forma: o primeiro buscaria empregar armas inteli-
gentes, capazes de causar baixos danos colaterais; utilizar sistemas de comando e contro-
le de alta tecnologia, capazes de oferecer aos comandantes militares grande transparência
no campo de batalha; fazer uso ao máximo de veículos não tripulados e armas inteligentes;
evitar baixas entre a tropa amiga (busca da morte zero); lançar mão de soldados profis-
sionais; e privatizar funções militares (privatização da guerra); o segundo contraporia com
a “guerra assimétrica”, delineada por ataques a objetivos indiscriminados, por “fronts”
indistintos, pelo emprego de engenhos civis como arma de guerra, pelo uso de combaten-
tes suicidas, e pela massificação da guerra.
Os conflitos que se desenrolam no Iraque e no Afeganistão, onde atores não-
estatais, com poucos recursos bélicos, enfrentam uma coalizão, liderada pelo Estados
Unidos, em linhas gerais exemplificam uma “GuerraAssimétrica”.
Uma outra perspectiva que se apresenta é a “Guerra de Quarta Geração”.
Para entendê-la faz-se necessário resgatar as três gerações anteriores. A “Guerra de Pri-
meira Geração”, na Idade Moderna, teria se caracterizado pelo uso dos mosquetes de
alma lisa que ensejavam formações em coluna e lineares. A “Guerra de Segunda Gera-
ção”, no século XIX, seria marcada pelo emprego dos fuzis raiados, das armas de
retrocarga e tiro curvo, da metralhadora e das fortificações no terreno, que predispunham
o uso de formações lineares. “A Guerra de Terceira Geração”, iniciada em 1918, com a
ofensiva alemã da primavera, caracterizaria-se pelo aumento do poder de fogo, que exigia
o emprego amplo de manobras e a adoção de dispositivos em profundidade.
A“Guerra de Quarta Geração” ainda não tem uma definição unânime.Alguns
estudiosos a vêem como a guerra de alta tecnologia e como a integração dos sistemas de
armas. Todavia ela poderia ser fortemente condicionada por ações psicológicas, ataques
não convencionais, atores não-estatais e embates culturais.
O terrorismo seria um importante elemento da “Guerra de Quarta Geração”
por permitir a países ou atores não-estatais fazer frente a inimigos com maior poder de
combate, já que seus agentes podem atuar com mínima dependência logística e grande
liberdade de ação. O principal objetivo das ações terroristas não é causar grande danos

358
materiais ou físicos ao inimigo, mas produzir efeitos que o enfraqueçam moralmente. Uma
dessas ações pode ser o ataque a alvos civis em território do adversário, como o ocorri-
do no World Trade Center, em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001, atribuído à Al-
Qaeda.
Atualmente os principais focos de tensão e a maioria dos conflitos encon-
tram-se no Oriente Médio, na Ásia e na África subsaariana. Entretanto, a paz de qual-
quer nação pode rapidamente ser ameaçada por inimigos das mais variadas matizes. Em
face disso, faz-se necessário às forças armadas, mesmo dos países mais pacíficos, seguir
o provérbio latino “Se vis pacem, para bellum” (“Se quiseres a paz, prepara a guerra”).

359
CRÉDITOS DAS IMAGENS

Foram feitos muitos esforços para se determinar a autoria e a origem das imagens contidas nesta
obra. Todavia, os autores farão as devidas correções caso encontrem ou sejam informados de créditos errados ou
incompletos.
Os créditos estão separados de acordo com as páginas nas quais aparecem as imagens. Os
números destacados referem-se as páginas.
Todos os mapas e esboços foram feitos por Elonir José Savian, e não constarão na relação abaixo.

Capa: detalhe de obra francesa alusiva à campanha do monarca Luís XII, na Itália, em 1499, exposta na Biblioteca Nacional, Paris,
França;
11. disponível em: <www.thesteelsource.com/images/r8224.jpg> acesso em 07 set. 2008;
15: HUMBLE, Richard; SCOLLINS, Richard.The soldiers. New York: Crescent Books, 1986. p. 14;
18: HUMBLE, Richard; SCOLLINS, Richard. The soldiers. New York: Crescent Books, 1986. p. 16;
25: História em revista: a elevação do espírito. São Paulo: Time-Life/Abril, 1993. p. 62;
26: História em revista: marés bárbaras. São Paulo: Time-Life/Abril, 1993. p. 96;
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58: (acima e à esquerda) disponível em: <www.wikimedia.org> acesso em 05 ago. 2007;
58: (acima e à direita) disponível em: <www.wikimedia.org> acesso em 05 ago. 2007;
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WEIR, William. 50 batalhas que mudaram o mundo: os conflitos que mais influenciaram o curso da História.
São Paulo: M.Books, 2004.
WOODHAM-SMITH, Cecil. A carga da brigada ligeira: anatomia de um desastre. Rio de Janeiro: BIBLIEX,
2005.
WRIGHT, Quincy. A guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1988.
YOUNG, Peter. A segunda guerra mundial. São Paulo: Círculo do Livro/Melhoramentos, 1980.

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


PEDROSA, Fernando Velôzo Gomes. Guerra assimétrica e guerra de resistência. Trabalho de Conclusão de
Curso de Especialização em Política, Estratégia e Alta Administração Militares - Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército, Rio de Janeiro, 2006.

REVISTAS
Military Review: Guerra do Golfo. nº 3, 3º Trimestre de 1992.
COTER, Exército Brasileiro: Segunda Guerra do Golfo. Ed. única, 2003.

CD-ROM
Atlas de história geral. São Paulo: Ática, 1996.
Estudo de história militar e geografia. Resende: AMAN/DE, 2001.

VHS
Civilizações perdidas. São Paulo: Abril Coleções, 1997.
Um século de guerras. São Paulo: Abril Coleções, 1998.

ENDEREÇOSELETRÔNICOS
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366
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Elaboraram este obra:

Paulo Henrique Barbosa Lacerda


Elonir José Savian

Colaboraram na produção:

Fernando Velôzo Gomes Pedrosa


Alexsander Soares Elias

Realizaram a revisão linguística:

Francisco José Vita


André Marcelo Souza de Araújo
Vânia Lúcia Lopes Chevalier
Cristiane Rosas Villardo
Regina Célia Gonçalves
Marcelo João Naves
Wagner Muniz de Andrade

Agradecemos também ao Sr. Luiz Ernani Caminha Giorgis, presidente da


Academia de História Militar Terrestre do Rio Grande do Sul, por pertinentes
observações que possibilitaram o aperfeiçoamento desta edição do livro.

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