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Resenha II: A imagem da cidade e seus elementos, de Kevin Lynch, aplicada

ao bairro Carlos Prates


A ideia geral de que a cidade é uma sobreposição de imagens públicas criadas por
cada indivíduo, não anula a complexa relação inerente a particularidade de cada
observador com os ambientes que o circundam, ao contrário, reforçam construções
mentais comuns, materializadas, conforme Lynch, por vias, limites, bairros,
cruzamentos e pontos marcantes.
As vias são definidas como canais percorridos pelos observadores, ao longo dos
quais importantes elementos do cenário urbano se inserem, tais como lojas,
supermercados, farmácias, centros médicos, escolas, praças, igrejas, residências,
residências de uso misto, entre outros objetos. Assim, a rua Padre Eustáquio é uma
importante característica-chave para a compreensão da dinâmica da região, pois
além de fazer parte do cotidiano de diversas pessoas, liga o bairro a outras
localidades da cidade, caracterizando-se como uma rua de grande acesso.
Por contar com uma variedade de objetos, como estabelecimentos comerciais e de
prestação de serviços, pontos de ônibus e a Praça São Francisco das Chagas,
muitos moradores recorrem a rua Padre Eustáquio para satisfazerem suas
necessidades, dirigindo-se ao centro, na maioria das vezes, apenas a trabalho ou
estudo. Os moradores da Vila São Francisco, predominantemente residencial,
recorrem ao comércio da Rua Padre Eustáquio e a Escola Estadual Melo Viana,
localizada na rua Bom Sucesso.
Trecho da rua Padre Eustáquio: passeios estreitos e próximos à via

Os passeios estreitos da rua Padre Eustáquio parecem valorizar o tráfego rápido e


de passagem de veículos, o qual ocorre também na Av. Pedro II, mas que por
abrigar muitas atividades do setor automobilístico, bem como carga e descarga de
veículos, apresenta passeios mais largos. Além disso, ambas as vias parecem ter
origens e fins claros para os observadores, estabelecendo a conexão do bairro com
o centro da cidade.
Vista da Av. Pedro II direção Centro, pelo mirante do bairro Carlos Prates

Quanto ao nome das vias, percebe-se que os moradores mais antigos e de maiores
faixas etárias possuem uma boa organização hierárquica do espaço tanto quando
contínua, pois utilizam os nomes e os limites das ruas, bem como percepções
sensoriais para se referenciarem no bairro. Entretanto, as pessoas de menores
faixas etárias, se orientam de maneira contínua, desconhecendo as configurações
formais do bairro.
Diferente das vias, os limites são os elementos lineares que funcionam como
fronteiras entre duas partes, por exemplo, a estação de metrô Lagoinha e o Viaduto
Itamar Franco.
No pátio do “Espigão” é possível observar a linha férrea e o Viaduto Itamar Franco

Os cruzamentos, por sua vez, são pontos estratégicos com intensos focos de
deslocamentos, marcados pela convergência de vias. Alguns cruzamentos são tão
relevantes que são denominados de “nós”, o que remete a ideia de um foco
temático. No bairro Carlos Prates destaca-se o cruzamento entre a avenida Pedro II,
a rua Padre Eustáquio e a avenida Nossa Senhora de Fátima, todas importantes
vias de tráfego e fortes no imaginário das pessoas. Outro cruzamento menor, mas
também relevante, por reunir o comércio local, ocorre entre as ruas Padre Eustáquio
e Bom Sucesso. Já o encontro entre as ruas Bom Sucesso e Três Pontas possui um
caráter mais interno, pois conecta duas regiões de uso residencial e de menores
fluxos.
Cruzamento entre a avenida Pedro II, a rua Padre Eustáquio e a avenida Nossa Senhora de
Fátima

Define-se por bairro uma região com características comuns e identificáveis, sendo
reconhecido por suas continuidades temáticas, nas quais o observador penetra para
dentro dessa realidade. Logo, o bairro possui pelo menos três áreas bem definidas:
as regiões de comércio e prestação de serviços locais, como a rua Padre Eustáquio,
que abriga, por exemplo, o Hospital Sofia Feldman; as regiões de comércio e
prestações de serviços mais específicas e abrangentes, como a Av. Pedro II e, as
demais áreas, que quanto mais afastadas das grandes vias, mais residenciais se
tornam.
Residências de diferentes níveis de verticalização são comuns no bairro, embora predominem
edificações baixas.

Ademais, consagrou-se a imagem do bairro Carlos Prates como um dos mais


antigos de Belo Horizonte, fato que se constata por meio dos padrões de diversas
edificações, embora muitas delas não se encontrem em seu melhor estado de
conservação. São comuns as residências de um único pavimento, jardins frontais e
detalhes coloridos nas fachadas. Similarmente, é possível encontrar alguns prédios,
condomínios e a Vila São Francisco, a qual possui uma conformação própria.
Casa de padrões antigos localizada na rua Bom Sucesso

Todos esses fatores, isto é, oferta de serviços públicos, áreas de vivência, como a
Praça São Francisco das Chagas e o mirante, o Hospital Sofia Feldman, a Escola
Estadual Melo Viana, os prédios religiosos, o comércio, as importantes vias, os
diferentes tipos de pessoas e usos do espaço, contribuem para que o bairro Carlos
Prates seja conhecido como uma região que “tem de tudo”.
Praça São Francisco das Chagas circundada por estabelecimentos comerciais e residencias

O último elemento citado por Lynch, são os pontos marcantes, ou marcos, que são
pontos externos destacados na paisagem, isto é, o observador não está dentro
deles, mas os utiliza como referências para se localizar espacialmente. Geralmente,
possuem alguma característica original, algum aspecto memorável e único no
contexto, se destacando dos demais elementos do cenário.
A Igreja São Francisco das Chagas é um dos principais marcos do bairro

Nesse contexto, o prédio apelidado de “Espigão”, por exemplo, evoca uma vívida
imagem sensorial criada pelos moradores do bairro, evidenciando a discrepância
existente entre a elevada verticalização do prédio quando comparada a tipologia
predominante do bairro,constituída por edificações baixas. Assim, o “Espigão” torna-
se um marco para muitas pessoas, cuja imagem é fortalecida por localizar-se em
uma importante via, a rua Padre Eustáquio, bem como em uma topografia que
favorece a visualização dos limites do bairro, como a linha férrea e o Viaduto Itamar
Franco.
A Praça São Francisco das Chagas e igualmente a igreja São Francisco das
Chagas, são outros importantes pontos de referência, localizados em um dos
lugares mais altos do bairro, de forma que podemos avistar a Igreja antes mesmo
de chegarmos à praça. Em contrapartida, o Hospital Sofia Feldman, localizado em
um passeio estreito e muito próximo a via, contribui para a sensação de um “aqui
estou”, principalmente para as pessoas que não possuem conhecimentos sólidos
sobre o bairro. Localizado linearmente ao lado de residências e estabelecimentos
comerciais, não há nenhuma continuidade que prenuncia a sua existência.
Verde, Igreja São Francisco e coreto na Praça São Francisco das Chagas

Ainda sobre os pontos mais elevados da rua Padre Eustáquio, é interessante


notar que para o observador que desconhece a região, a presença de
transportes públicos e do ponto de táxi na Praça São Francisco, assim como da
visão dos limites do bairro em direção ao centro, conferem legibilidade do bairro
em relação à cidade e consequentemente, aumentam a segurança emocional.
Vista do mirante: referenciamento do bairro em função da cidade

Conclui-se, portanto, que cada indivíduo estabelece suas próprias conexões e


modos de se referenciar no ambiente, oriundas de suas experiências e do nível
de interações com o mesmo, evidenciando certo consenso entre as imagens
formadas por cada pessoa. Finalmente, cada um desses elementos, vias, limites,
cruzamentos e marcos, estão intimamente relacionados, contribuindo para a
formação do próprio conceito de bairro.

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