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O DIREITO FUNDAMENTAL DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

THE RIGHT KEY TO PARTICIPATE IN SOCIAL DEMOCRATIC STATE OF


LAW

Camila Santos da Cunha


Cristiane Epple
Maikiely Herath

RESUMO

O Brasil é um Estado Democrático de Direito, sendo que o primeiro artigo da


Constituição Federal aponta como seus fundamentos a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o
pluralismo político. Deste modo, tem-se que, para efetivar a democracia e a cidadania
ativa, é imprescindível a participação social ativa dos atores sociais, na medida em que,
a partir do momento em que o exercício da democracia fica restrito à democracia
indireta, com o exercício eventual do voto, tem-se o enfraquecimento do próprio Estado
Democrático de Direito e, por conseguinte, da Constituição Federal.

PALAVRAS-CHAVES: ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. CIDADANIA.


DIREITO FUNDAMENTAL. PARTICIPAÇÃO.

ABSTRACT

Brazil is a democratic state, where the first article of the Federal Constitution as its basis
points to sovereignty, citizenship, human dignity, the values of social work and free
enterprise and political pluralism. Thus, has been that for effective democracy and
active citizenship, social participation is essential to enable the social actors, in that,
from the time that the exercise of democracy is limited to indirect democracy, with the
exercise any of the vote, has been the weakening of itself a democratic state and
therefore the Federal Constitution.

KEYWORDS: DEMOCRATIC STATE. CITIZENSHIP. BASIC LAW.


PARTICIPATION.

INTRODUÇÃO


Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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Diz-se que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e tal concepção já é transcrita
no primeiro artigo da Constituição Federal, o qual aponta como seus fundamentos a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa e o pluralismo político. Ainda, no parágrafo único deste primeiro
artigo é estabelecido que: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

O que o presente estudo pretende abordar é, justamente, a questão da participação ativa


dos atores sociais, como forma de efetivar a democracia e o conceito de cidadania ativa,
na medida em que, a partir do momento em que o exercício da democracia fica restrito à
democracia indireta, com o exercício eventual do voto, tem-se o enfraquecimento do
próprio Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, da Constituição Federal.

Para melhor análise do tema, serão abordadas, de forma não aprofundada, questões
como o Estado Democrático de Direito e a cidadania, as novas dimensões os direitos
fundamentais, a previsão do direito de participação no direito comparado, o status
activius do cidadão e a participação social no Estado Democrático de Direito.

1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A CIDADANIA

Ao abordar o tema do direito de participação social no Estado Democrático de Direito,


imprescindível se faz a análise prévia do conceito de Estado Democrático de Direito, o
qual, sob a ótica do presente trabalho, está diretamente associado aos conceitos de
Democracia e Cidadania.

O Estado de Direito está relacionado à subordinação/vinculação do Estado à lei, ou seja,


é uma forma qualificada de Estado, Importante mencionar que, para Hans Kelsen,
defensor do positivismo jurídico, Estado e Direito são conceitos idênticos, e "na medida
em que ele confunde Estado e a ordem jurídica, todo o Estado, para ele, há de ser Estado
de Direito". A origem do Estado de Direito remonta à Idade Moderna, surgindo, pois,
em contraposição ao Estado Absolutista, no qual a figura do rei e a sua vontade eram
absolutas e no qual vigora o princípio rex facit legem (o rei faz a lei), o que gerava uma
insegurança ante a falta de previsão de como o Estado (ou seja, o rei) iria agir frente a
qualquer acontecimento. Ao abordar o tema Estado de Direito, Mônia Clarissa Hennig
Leal afirma:

Nessa perspectiva, o Estado passa a ter competências e atribuições bem delimitadas,


sendo que o melhor instrumento para ordenar esses regramentos é a lei, caracterizada
como sendo uma regra racional geral e impessoal, de caráter voluntarista, criada
segundo os interesses da vontade geral (de cunho representativo), ponto em que a
tradicional categoria teórica cunhada por Rousseau desempenha um papel fundamental.

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O Estado deixa, portanto, de ser algo à margem da lei (entendido tal aspecto no sentido
de vinculação à lei, pois a antiga lei do rei possuía um caráter personalista e manifestava
a vontade do próprio soberano, que, por via de conseqüência, não precisa se submeter a
ela), como acontecia no absolutismo monárquico, para estar agora dentro dela e, mais
do que tudo, submetido a ela, abrindo-se espaço, assim, para a noção e para o conceito
de Estado de Direito, em oposição ao modelo autoritário característico do regime
anterior.

Porém, é importante destacar que o Estado de Direito é Estado de Justiça, mas não
apenas porque é um sistema de leis, já que estas podem ser injustas, severas,
draconianas, tirânicas e cruéis e, inclusive, já legitimaram algumas ditaduras, e sim
porque o direito é justo porque é legítimo. Em alguns caso, o Estado das Leis e o Estado
das Constituições podem ser corrompidos e degradados pelo arbítrio, porém nunca o
Estado justo, feito precisamente do respeito à lei e à Constituição, à legalidade e à
constitucionalidade.

O Estado de Direito, assim, veio a propiciar uma maior segurança, na medida em que o
Estado passou a ser limitado pela lei, que é impessoal e obriga a todos. Como derivação
do Estado de Direito, vieram o Estado Liberal e o Estado do Bem-Estar Social (também
denominado Welfare State), que:

nada mais são do que versões, pautadas por fins e aspectos materiais e de conteúdo
diferenciados, da forma Estado de Direito surgida na Idade Moderna por ocasião da
consecução jurídica dos ideais burgueses na ruptura com o absolutismo, consolidadas e
institucionalizadas no primeiro. Desde então, a necessária vinculação de todos os
poderes estatais à lei constitui característica fundamental sobre a qual se assentam as
formas estatais subseqüentes aqui abordadas.

Referindo-se ao Estado Democrático de Direito e ao Estado Social, Bonavides ressalta


que se faz premente o surgimento de um novo modelo, o modelo do Estado
democrático-participativo, no qual:

(...) o povo organizado e soberano é o próprio Estado, é a democracia no poder, é a


legitimidade na lei, a cidadania no governo, a Constituição aberta no espaço das
instituições concretizando os princípios superiores da ordem normativa e da obediência
fundada no contrato social e no legítimo exercício da autoridade. Ao Estado liberal
sucedeu o Estado social; ao Estado social há de suceder, porém, o Estado democrático-
participativo que recolhe das duas formas antecedentes de ordenamento o lastro positivo
da liberdade e da igualdade. E o faz numa escala de aperfeiçoamento qualitativo da
democracia jamais dantes alcançada em termos de concretização.

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Assim, ruma-se a um outro modelo de Estado de Direito que é o Estado Social, o qual
se encontra ainda em fase de consolidação e expansão. Neste novo modelo, os direitos
sociais e os direitos de terceira e da quarta dimensões assumem grande importância e,
calcados num constitucionalismo aberto e democrático, darão origem à terceira
categoria de Estado de Direito, que é o Estado de Direito da democracia participativa e
direta, "estuário de todas as correntes que fluem para a libertação humana, e que tem
sido a utopia de todas as idades na palavra e na razão de grandes filósofos e
pensadores". Porém, sem estes direitos de terceira e da quarta dimensões, "sem um
Rousseau, sem um Montesquieu e sem um Marx, não teríamos alcançado as
emancipações parciais que concretizam a presença cidadã na obra de governo". Sobre o
Estado Social como uma adaptação da sociedade aos novos tempos do pós-industrial,
Leal comenta que:

Enfim, tratava-se mais, em princípio, da adoção de medidas corretivas dos efeitos


negativos de um sistema geralmente considerado como autorregulado (o mercado) do
que de uma ruptura na estrutura política, social e econômica. Este novo Estado -
também denominado de Estado de Bem-Estar - representa, portanto, neste aspecto, não
uma ruptura, mas sim uma mera adaptação do modelo liberal às necessidades sociais,
uma "concessão" que tem por fim último evitar que o exemplo revolucionário russo se
alastre por toda Europa. Em outras palavras: é preferível ceder e manter o poder do que
resistir e sucumbir ao socialismo.

A Democracia, por sua vez, é um vocábulo que tem origem grega e é composto de
demos, "do povo", e kartos, que significa poder.

Tanto quanto o desenvolvimento, é a democracia, por igual, direito do povo; direito de


reger-se pela sua própria vontade; e, mais do que de governo, se converte sobretudo em
pretensão da cidadania à titularidade direta e imediata do poder, subjetivado
juridicamente na consciência social e efetivado, de forma concreta, pelo cidadão, em
nome e em proveito da Sociedade, e não do Estado propriamente dito – quer o Estado
liberal que separa poderes, quer o Estado social, que monopoliza competências,
atribuições e prerrogativas.

A Constituição Federal contempla a democracia ao prever, no parágrafo único do artigo


1º, que "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição." Deste enunciado constitucional de
democracia já se percebe a menção à democracia direta e à indireta. Sobre a origem da
democracia Franco comenta:

Es en Grecia, y más precisamente en Atenas, en la época de Pericles en los siglos V y


IV A.C, donde se estableció la democracia directa, pero era la democracia de unos, no
de todos. La pretensión principal era impedir la tiranía, y otorgarle el poder político a la

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población, pero a una clase de población. Eran los ciudadanos, los únicos que podían
ejercer la Democracia directa. Los esclavos estaban excluidos de participación de los
asuntos de la cosa pública. Esa participación era ejercida en Asambleas Populares, en
las que sólo asistían los ciudadanos.

Segundo Paulo Bonavides, seriam quatro os princípios que compõem a estrutura


constitucional da democracia participativa: o princípio da dignidade da pessoa humana -
"que fundamenta a totalidade do direitos humanos positivados como direitos
fundamentais"-, o princípio da soberania popular - que é a "fonte de todo o poder que
legitima a autoridade e se exerce nos limites consensuais do contrato social. Encarna o
princípio do governo democrático e soberano, cujo sujeito e destinatário na concretude
do sistema é o cidadão"-, o princípio da soberania nacional e o princípio da unidade da
Constituição. Porém:

Os quatro princípios acima expendidos e declinados somente hão de prosperar numa


sociedade aberta, onde os instrumentos e mecanismos de governo não sejam
obrepticiamente monopolizados e controlados por uma casta política, cujos membros, à
revelia do povo, se alternam e permeiam no exercício da autoridade civil e governativa -
sempre a serviço de interesses concentrados e com esteio na força do capital.

Por fim, cidadania "é o pertencer à comunidade, que assegura ao homem a sua
constelação de direitos e o seu quadro de deveres. A cidadania não está mais ligada à
cidade nem ao Estado Nacional, pois se afirma também no espaço internacional e
cosmopolita". Cabe ressaltar que, no Brasil, a cidadania é um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso II, da Constituição Federal), o que já
demonstra a estreita ligação entre estes dois conceitos. Sobre a cidadania ativa na
realidade brasileira, Leal faz importantes colocações:

Uma Constituição como a brasileira, que estrutura não apenas o Estado em sentido
estrito, mas também a própria esfera pública, dispondo sobre a organização da própria
sociedade e sobre setores da vida privada, outorga à cidadania um status formal e
material de sujeitos da própria história, co-responsáveis pela construção cotidiana de um
projeto de vida que também se encontra normatizado pela Carta Política de 1988.

Em face desta realidade, é impossível imaginarmos ações públicas e governamentais


divorciadas dos interesses públicos que afetam esta cidadania, principalmente aquelas
que dizem respeito ao seu maior número, o que implica reconhecermos a premência de
abertura dos instrumentos e mecanismos decisionais na esfera do político e mesmo do
jurídico, com o fito de sensibilizá-los para uma democracia efetivamente real e afinada
com o novo modelo de sociedade democrática de direito que se espera deste país.

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Modernamente, então, cidadania pressupõe um conceito de participação ativa, já que
não mais se concebe a figura do "cidadão" que apenas exerce a democracia através do
voto, sem, sequer, sopesar as conseqüências do seu ato de votar, pois "los ciudadanos no
deben ser sólo sujeitos pasivos de las potestades públicas, sino que deben aspirar a ser
legítimos colaboradores y protagonistas de la propia Administración para la gestión de
los intereses que les afectan".

Enfim, o cidadão não pode ser concebido como um conceito abstrato e meramente
formal, como quer o normativismo jurídico vigente, com sua lógica interna, inscrito em
um ordenamento de condutas e comportamentos que deve ser observado, em nome da
ordem e da estabilidade social/global, mas, dialetizando seus possíveis significados - e
com isso afirmamos que se trata de um signo polifônico e polissêmico, deve-se
compreendê-lo como componente orgânico de formação social, jurídica, política e
econômica, enquanto ser de cultura e de conhecimento.

Assim, embora no Brasil, comumente, quando se fala em Estado de Direito já lhe


relacione a Estado Democrático de Direito (na medida em que o artigo 1º da
Constituição Federal dispõe que: "A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito" estes conceitos não estão atrelados, pois o conceito de Estado
Democrático de Direito é, justamente, a conjugação dos conceitos de Estado de Direito
e Estado Democrático.

O Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do


Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque,
em verdade, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um
comportamento revolucionário de transformação do status quo.

E como característica do Estado Democrático de Direito contemporâneo pode-se citar:


"a) império da lei: lei como expressão da vontade geral; b) divisão dos poderes:
Legislativo, Executivo e Judiciário; c) legalidade da administração, atuação segundo a
lei e suficiente controle judicial; d) direitos e liberdades fundamentais: garantia jurídico-
formal e efetiva realização material".

Porém, como destaca Leal:

a idéia de Estado Democrático de Direito, como o próprio tema da Democracia, passa


pela avaliação da eficácia e legitimidade dos procedimentos utilizados no exercício de
gestão dos interesses públicos e sua própria demarcação, a partir de novos espaços
ideológicos e novos instrumentos políticos de participação (por exemplo, as chamadas

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organizações populares de base), que expandem, como prática histórica, a dimensão
democrática da construção social de uma cidadania contemporânea, representativa da
intervenção consciente de novos sujeitos processo.

Desta forma, só poderemos realmente falar em Estado Democrático de Direito e


Cidadania se tivermos a participação efetiva da sociedade civil e dos atores sociais,
porque a participação eficaz acaba, inclusive, por legitimar as decisões dos governantes.
Em razão disto, passa-se à análise do direito fundamental de participação.

2. DIREITO FUNDAMENTAL DE PARTICIPAÇÃO

Dentre as normas constitucionais que recebem especial proteção constitucional, estão os


direitos fundamentais. Dogmaticamente, diz-se que os direitos fundamentais recebem
especial proteção da Constituição Federal basicamente porque, por força do disposto no
artigo 5º, § 1º, têm aplicação imediata e porque estão inseridos dentre as cláusula
pétreas (artigo 60).

A concepção etimológica da expressão direitos fundamentais já originou grandes


discussões jurídicas, sendo que outras expressões como direitos humanos, direitos
individuais, direitos do homem, direitos humanos fundamentais, também são
largamente utilizadas. Segundo ensina Sarlet, os direitos humanos estariam ligados ao
jusnaturalismo, relacionando-se a uma espécie de moral jurídica universal, tendo,
portanto, uma concepção mais ampla e imprecisa que direitos fundamentais. Estes, por
sua vez, "possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o
conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo
direito positivado de determinado Estado".

A par desta diferenciação, cabe mencionar a estreita ligação entre os direitos humanos e
os direitos fundamentais, principalmente pelo fato de que boa parte das constituições
modernas tiveram, na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, uma fonte
de inspiração.

Outrossim, não se pode esquecer que, em que pese a Constituição Federal de 1988 já
tivesse previsto, originalmente, que: "Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte." (artigo 5º, § 2º), a Emenda Constitucional n.º45/2004 incluiu o § 3º ao artigo 5º,
estabelecendo que: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.", o que acaba por aproximar ainda mais os direitos fundamentais dos
direitos humanos. Assim:

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Pode-se afirmar que, como referencial jurídico, a carta de 1988 alargou
significativamente a abrangência dos direitos e garantias fundamentais, e, desde o seu
preâmbulo, prevê a edificação de um Estado Democrático de Direito no país, com o
objetivo de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Nesta linha, então, tem-se que o direito é considerado fundamental em razão de seu
caráter de essencialidade, tanto para o homem, individualmente considerado, quanto
para a sociedade e, em razão disto, é inserido dentre as cláusulas pétreas, de modo a
protegê-lo das reformas legislativas. Martins Neto aponta algumas propriedades dos
direitos fundamentais, como a relatividade e historiedade, em razão de serem variáveis
no tempo e no espaço; a universalidade quanto à sua titularidade; incidência de forma
igualitária, destinando-se a uma fruição em igual medida pelos titulares e a
inalienabilidade, justamente em decorrência de serem vitais à dignidade da existência
humana.

E, doutrinariamente, os direitos fundamentais possuem, reconhecidamente, três


dimensões, sendo que alguns doutrinadores já falam em quarta e até quinta dimensão. A
primeira dimensão tem caráter nitidamente negativo - já que teve por origem o
pensamento liberal–burguês dos séculos XVII e XVIII - , consistindo na proteção dos
direitos do indivíduo frente ao Estado. Dentre eles, podem ser citados o direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à propriedade, ao voto e algumas liberdades coletivas. São, em
verdade, os direitos civis e políticos. Já os direitos fundamentais de segunda dimensão
referem-se a prestações do Estado, como a assistência social, a saúde e a educação,
referindo-se a direitos positivos e liberdades sociais. Tais direitos, que tiveram por base
os problemas sociais decorrentes da Revolução Industrial, originaram a teoria dos
deveres de proteção.

Diferentemente do que ocorre na incidência vertical, onde os direitos fundamentais


constituem-se direitos de defesa, impondo-lhes limites negativos ao Estado, nesta teoria,
ao imporem deveres de proteção, determinaram ao Estado uma atuação positiva,
obrigando-o a intervir, de forma preventiva ou mesmo repressiva, inclusive quando se
tratar de agressão oriunda dos particulares.

Por sua vez, os direitos fundamentais de terceira dimensão são denominados direitos de
fraternidade e de solidariedade, nos quais se tem deslocado o eixo de incidência da
proteção ao indivíduo, para a proteção de entes coletivos. Podem ser citados como
exemplos de direitos de terceira dimensão a paz, o meio ambiente sadio e a qualidade de
vida. Por fim, parte da doutrina defende a existência da quarta dimensão dos direitos
fundamentais, resultados da globalização da economia e dos direitos fundamentais e da
universalização destes, como o direito à democracia, à informação e ao pluralismo.

Referindo à democracia e ao direito de participação, Bonavides destaca que:

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Da mesma maneira que se proclamou o desenvolvimento de um direito da terceira
geração, também a democracia, por sua vez, há de elevar-se à categoria de direito novo,
mas da quarta geração, e, como tal, recomendada, postulada, exercitada. Nessa condição
é a democracia do Estado social, por conseguinte, o mais fundamental dos direitos da
nova ordem normativa que se assenta sobre a concretude do binômio igualdade-
liberdade; ordem cujos contornos se definem já com desejada nitidez e objetividade,
marcando qualitativamente um passo avante na configuração dos direitos humanos.

E ao abordar as questões sobre direitos fundamentais, a doutrina costuma identificar


várias funções, o que origina diversas classificações, abandonando-se a concepção de
que os direitos fundamentais têm por finalidade meramente o controle da atividade do
Poder Público. Atualmente, dentre as funções dos direitos fundamentais podem ser
citadas: a) direito a prestações sociais, visando conferir à sociedade os meio
imprescindíveis aos seu justo desenvolvimento, b) direito à proteção, no intuito de
proteger os direitos de um particular contra o outro e, c) direito à participação, com a
estruturação de vias para que o cidadão possa participar de forma direta na
reivindicação de seus direitos.

E, justamente, quanto se aborda esta multifucionalidade dos direitos fundamentais,


principalmente no que concerne à função do direito à participação, pode-se perceber que
através da participação efetiva dos atores sociais, a qual é constitucionalmente
reconhecida, é possível falar em Estado Democrático de Direito. Aliás, pode-se dizer,
até mesmo, que a Constituição Federal é rica em instrumentos de participação e
exercício direto da democracia (ao lado, evidentemente, da democracia indireta,
exercida através do voto), já que prevê, entre outros, formas de consulta popular (como
o referendo e o plebiscito), a ação popular, a ação civil pública, o controle difuso de
constitucionalidade, a iniciativa legislativa e, porque não, a soberania do Júri Popular,
que pode também ser considerada como uma forma de participação do cidadão.

Em outros países, algumas constituições prevêem, expressamente, o direito de


participação, outras a fazem de forma indireta. A Constituição Uruguaia, por exemplo,
não prevê, explicitamente, o direito de participação, mas o faz de forma indireta,
conforme menciona. Peluffo:

La Constitución uruguaya no consagra explícitamente el "derecho a la participación" de


las habitantes o de las ciudadanos, como posibilidad jurídicamente regulada de que
quienes serán eventualmente afectados por una decisión determinada de una autoridad
pública tomen parte en el procedimiento previa a su dictado o en su perfeccionamiento;
consecuentemente, la doctrina no ha examinado la existencia de un derecho con ese
contenido, ni de un principio general que lo consagre o reconozca.

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A Constituição Colombiana prevê e até estimula a participação dos cidadãos, tanto que,
em vários dispositivos, faz menção expressa à participação no que concerne, por
exemplo, à seguridade social, ao serviço de saúde, à prestação de serviço público, ao
meio ambiente, entre outros. E coloca, dentre os fins essenciais do Estado "facilitar la
participación de todos en las decisiones que los afectan y en la vida económica, política,
administrativa y cultural de la Nación" (artigo 2º). Da mesma forma, no capítulo do
Direitos Fundamentais, enuncia que "Todo ciudadano tiene derecho a participar en la
conformación, ejercicio y control del poder político. Para hacer efectivo este derecho
puede: (...) 2.Tomar parte en elecciones, plebicitos, referendos y consultas populares y
otras formas de participación" (artigo 40). E, ainda, dispõe que: "En todas las
instituciones de educación, oficiales o privadas, serán obligatorios el estudio de la
Constitución y la instrucción Cívica. Así mismo, se fomentarán prácticas democráticas
para el aprendizaje de los principios y valores de la participación ciudadana. El Estado
divulgará la Constitución." (artigo 41).

Já, no que se refere à participação na vizinha República Argentina, Ivanega comenta:

En la República Argentina, la metodología participativa ha estado asociada básicamente


a dos tipos de actividades: a) la participación en organizaciones no gubernamentales que
abogan ante el poder político (especialmente los poderes ejecutivos y legislativos)
ejerciendo presión, b) la participación en los procesos de toma de decisiones del
gobierno, mediante mecanismos que permiten a la ciudadanía a expresarse en ese
sentido y que, a veces, le otorgan el poder de decidir colectivamente sin intermediación
alguna (audiencias públicas, referendum, plebiscito, iniciativa popular, etc).

Na Constituição de Portugal, por sua vez, vários são os dispositivos que asseguram (ao
menos formalmente) o direito de participação, tanto que, no artigo 9.º, que trata das
tarefas fundamentais do Estado consta: "São tarefas fundamentais do Estado: c)
Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos
cidadãos na resolução dos problemas nacionais.". Ainda, o capítulo II traz como título:
"Direitos, liberdades e garantias de participação política", disciplinando questões como
a participação na vida pública; o direito ao sufrágio; o direito de acesso aos cargos
públicos, às associações e aos partidos políticos; o direito de petição e o direito à ação
popular. Por fim, ao tratar da Administração Pública, a Carta Magna dispõe, no artigo
267, que: "1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a
burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação
dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de
associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação
democrática.", (Grifou-se) bem como que: "5. O processamento da actividade
administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a
utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou
deliberações que lhes disserem respeito." (Grifou-se)

A Constituição Peruana refere o direito à participação de forma expressa, possuindo


semelhança com a Constituição da Espanha, em razão de que a Assembléia Constituinte
Peruana, ao elaborar a Constituição, utilizou-se do projeto da Constituição Espanhola.

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Porém, a semelhança, quanto ao direito de participação, limita-se à redação do
dispositivo, já que, enquanto na Espanha grande parte da doutrina entende que a
participação constitui um princípio constitucional relacionado com vários aspectos da
vida do cidadão, tais como política, econômica, cultural e social, no Peru a doutrina
costuma interpretar de forma restritiva o dispositivo, limitando-o ao direito ao sufrágio.

Mas, em que pesem as inúmeras formas de participação social disponíveis, o


comodismo e a apatia dos atores sociais é evidente. Prova disto é o escasso número de
ações populares ajuizadas, em uma nítida demonstração de que a coisa pública – a res
publica – geralmente, não é considerada pelos cidadãos como pertencente a todos. Ao
contrário, apresenta-se difundida a percepção de que o "público" é do "governo", da
"administração pública", competindo ao administrador público gerenciá-lo. Em razão
disto, tem-se o enfraquecimento da participação social e, por conseqüência, do conceito
de cidadania no Estado Democrático de Direito e da própria Constituição Federal.

3. A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A CIDADANIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO


DE DIREITO

Atualmente, então, o que se tem visto é uma total apatia dos atores sociais, que limitam
a sua participação meramente ao exercício do voto. Sobre a participação do cidadão na
condução dos assuntos políticos, Leal menciona que:

Ocorre que a concepção hegemônica no âmbito daqueles direitos civis e políticos tem
sido restringida a uma dimensão meramente institucionalista e minimalista, haja vista
que se contenta com espaço minúsculo de ação social, sem maior reflexidade e
mobilização política das comunidades, adotando, por exemplo, o voto como o grande e
quiçá único instrumento e momento de participação no governo e nos interesses
públicos.

O problema é que se se tomar o conceito de cidadão apenas no aspecto


negativo/passivo, estar-se-á restringindo o conceito de democracia e, quiçá, até o
desnaturando. A não-participação direta e efetiva do cidadão acaba por afastá-lo das
decisões que lhe são diretamente relacionadas e, conseqüentemente, do governo. Como
outra face do problema, tem-se que tal falta de participação também determina que os
governantes, no trato das questões que lhes são afetas, prescindam de considerar como
precípuo o interesse dos governados.

Hoy, la nueva Doctrina es pretender una participación directa de la ciudadanía,


básicamente en determinados asuntos que son socialmente importantes, no obstante la
misma resulta incipiente. Es un intento válido, para lograr algún día una forma más
sistematizada, más real, más cierta, a fin de lograr que el Gobierno sea para el pueblo y
por el pueblo, porque los intereses del participante siempre son coincidentes del Estado

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para lograr una sociedad igualitaria y solidaria, bajo los principios del respeto al
derecho o sea a la justicia.

Por esta visão, o Estado só tem sentido e valor como um garantidor de direitos, com um
cunho meramente assistencialista. Parece que o cidadão (que, nestes moldes, já não
mais pode ostentar o título de cidadão) se esquece que toda a relação jurídica, e não é
diferente na relação governo-sociedade, é calcada em direitos e deveres, e que o não
exercício dos deveres, pode levar à perda dos direitos.

O resultado de tudo isto é perceptível no atual estado da arte da Administração Pública


brasileira, fechada em circuitos de poderes institucionais (Executivo, Legislativo e
Judiciário), como únicos espaços legítimos de deliberação e execução do interesse
público, o que não mais ocorre em razão da própria falência do modelo endógeno da
representação política tradicional vigente até hoje.

Por outro lado, para quem governa sem a ética intenção de fazer o bem coletivo, mas
apenas de defender meros interesses privados, a omissão popular é providencial, já que,
quando não há cobranças ou participação/fiscalização, os administradores atuam ao seu
bel-prazer, enquanto que os administrados assistem a tudo de forma apática. Isto acaba
por fortalecer o caráter assistencialista dos governos, de modo que enquanto todos
tiverem "pão e leite", ninguém irá cobrar mais nada. Porém, esta concepção, de mera
participação passiva, como dito, enfraquece a democracia. Neste aspecto Gorczevski
menciona:

Cidadania pressupõe democracia, liberdade de manifestação, contestação, respeito ao


indivíduo, à sua cultura e à sua vontade. Mas não só os modelos autoritários inibem a
cidadania. Nas democracias, o assistencialismo, o paternalismo e a tutela do Estado,
aceitos que são pela maioria das pessoas por comodismo, também não permitem o
desenvolvimento de uma cidadania plena, porque cidadania plena não pode ser dada ou
outorgada, só é alcançada pela participação, pela luta e pelo empenho dos próprios
indivíduos interessados.

Contudo, é importante destacar que a falta de participação do cidadão ocorre, também,


por (des)interesse dos governantes, que, muitas vezes, propositadamente, não propiciam
e estimulam a participação real das pessoas na tomada das decisões públicas. Isto
ocorre, por exemplo, nos casos em que as consultas populares são pouco divulgadas e as
reuniões ocorrem em dias úteis, em horários de expediente, o que acaba por limitar a
participação de muitas pessoas. Com isto, tem-se uma participação formal da
comunidade envolvida, sem, contudo, se conseguir captar a real vontade daquela
comunidade.

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Por outro lado, pode-se atribuir a ausência de participação social à falta de cultura
constitucional existente em países como o Brasil. Tal fato ocorre, inclusive, entre os
operadores do direito, na medida em que, já nos bancos acadêmicos, há o estimulo para
o estudo das questões civis, penais, trabalhista, sendo que o estudo do direito
constitucional é relegado a segundo plano.

O que é necessário, então, para que se possa dizer que o Brasil é um Estado
Democrático de Direito é, sem sobra de dúvida, conscientizar o cidadão para que passe
a exercer a democracia de forma ativa, não apenas exigindo do Estado o que considera
serem seus direitos (na concepção que se tem do Estado paternalista), mas,
principalmente, exercendo seus deveres como cidadão pró-ativo. Isto passa pela
necessidade da releitura do direto fundamental de participação sob um tríplice enfoque.

Primeiramente é necessário que o próprio cidadão, como o principal agente social


envolvido, e a sociedade civil em geral, tenham interesse em participar das decisões
públicas, de buscar a melhor forma de gerir o que é público já que a gestão pública deve
ser compartida. Pois, conforme questiona Bonavides:

Quem é o povo, e onde está o povo, nessa forma de organização em que o ente político
é objeto e não sujeito, e se viu privado, pela extorsão política, da titularidade de suas
faculdades soberanas? Ninguém sabe responder. Saber quem é o povo tem enorme
importância e atualidade nesta ocasião em que a soberania, clamando por socorro,
agoniza nos países do Terceiro Mundo.

Então, para perfectibilizar seus direito de participação, o cidadão, deve utilizar-se dos
diversos instrumentos de participação previstos na Constituição Federal e,
principalmente, através da busca pela defesa e implementação dos Direitos Humanos e
Fundamentais, fazer valer sua condição de integrante das mudanças sociais e decisões
sobre o bem público. Nesta linha, importante são as palavras de Rogério Gesta Leal, o
qual defende que, a partir dos Direitos Humanos e Fundamentais, é possível alinharmos
algumas contribuições à definição de uma comunicação política que seja capaz de
viabilizar uma proposta de gestão pública de demandas amplas e tensionais. Nesse
sentido, a participação surge como fundação na ação de gestar a cidade e a
responsabilidade de gestão dos interesses comunitários, uma vez compartilhadas, devem
ser o resultado direto de políticas públicas integradoras e de inclusão social.

Conseqüentemente, caberá ao Estado estimular a participação do cidadão e fazer com


que ele se sinta valorizado, criando-se uma cultura de participação. Já não há espaço
para o modelo centralizado, no qual todas as decisões são de responsabilidade exclusiva
dos administradores. Mister se faz que o Estado estenda às entidades sociais a
responsabilidade pelas decisões e gerência do erário.

Na verdade, enquanto os direitos civis e políticos à autodeterminação foram aplicados


somente à esfera do governo, a democracia esteve restrita ao voto periódico ocasional,

988
contando pouco na determinação da qualidade de vida das pessoas. Para que a
autodeterminação possa ser conquistada, aqueles direitos humanos e fundamentais
precisam ser estendidos do Estado a outras instituições centrais da sociedade, pois a
estrutura do contemporâneo mundo corporativo internacional torna essencial que as
prerrogativas civis e políticas dos cidadãos sejam ampliadas permanentemente por um
conjunto similar e variado de deveres, centrados na idéia de responsabilidade coletiva
que marca a gestão dos interesses comunitários. Por tais razões, é certo sustentarmos a
tese de que ao lado desses direitos há deveres igualmente importantes a serem
observados, tais como: (a) o da solidariedade; (b) o da tolerância; (c) o do envolvimento
orgânico e efetivo da cidadania nos assunto público; (d) o controle da administração
pública, dentre outros.

Mas o Estado não deve ser compreendido apenas como o Poder Executivo, mas também
como o Poder Legislativo e Judiciário. Ao Poder Legislativo compete criar lei lato
sensu que vise a aumentar e facilitar as formas de participação, ao passo que ao Poder
Judiciário cabe, através de suas decisões, fomentar e priorizar as ações que tenham por
mote o fim social e a participação popular, já que: "O juiz da democracia participativa
não será, como no passado, ao alvorecer da legalidade representativa, o juiz ‘boca da
lei’, da imagem de Montesquieu, mas o magistrado ‘boca da Constituição’ e do contrato
social; aquele que figuraria decerto na imagem de Rousseau redivivo".

Dado o estado de fragilidade econômica e cultural por que passa a maior parte da
sociedade brasileira, e em face da capacidade e estágio de organização e mobilização do
mercado neo-capitalista que se fortifica a cada momento no país, impõe-se ao Estado
(parlamentar, executivo e judicante) a tarefa nuclear de criar condições objetivas e
subjetivas à realização das prerrogativas e promessas constitucionais vigentes,
notadamente a partir de procedimentos democráticos de inclusão social em todas as
esferas e momentos da ação política gestacional das demandas comunitárias.

Significa dizer que, no caso do Poder Executivo, para o exercício de seu mister, deve
contar com instrumentos de acesso da cidadania à administração, desde seu momento
conceitual até o operacional, seja através dos conselhos municipais, seja através da
consulta pública, audiência pública, plebiscito, referendo, etc., propiciando todas as
formas possíveis de diálogos com os detentores da soberania matricial de todo o poder
instituído, sob pena de agravamento capital da sua própria autoridade (de)posta.

Então, ao Poder Executivo compete estimular a participação através de mecanismos


como a consulta popular, chamando os atores sociais a tomarem parte das decisões
atinentes à administração pública, fazendo com que, através do engajamento, ele se
sintam responsáveis pelas implementação das decisões tomadas.

989
se as pessoas sabem que existem oportunidades para participação efetiva no processo de
tomada de decisões, elas provavelmente acreditarão que a participação vale a pena;
provavelmente participarão ativamente e provavelmente considerarão que as decisões
coletivas devem ser obedecidas, tudo isto dependendo, é claro, de condições objetivas e
subjetivas viabilizadoras da participação.

Leal, ainda, destaca que "o espaço institucional do estado Administrador Democrático
de Direito é privilegiado para os fins de fomentar, e mesmo viabilizar, uma maior
articulação de possibilidades implementadoras das condições objetivas de interlocução
social reflexiva." E ressalta que quando o Estado não estimula a participação e não faz
com que as pessoas se sintam parte do processo decisório "há uma agudização na crise
de identidade, legitimidade e eficácia das instituições representativas e mesmo do poder
instituído".

O que é necessário, realmente, é que volte a se desenvolver o sentimento de pertença,


que os cidadãos passem a se sentir responsáveis pela coisa pública, que a sociedade civil
se organize não apenas como uma opção para quando o Estado for omisso, mas como
uma aliada do Estado para o desenvolvimento do bem comum. Conforme ensina Leal:

Na verdade, para se manterem, as sociedades precisam de um sentido de valores


comuns, não substanciais, como a religião, mas tênues, como o conceito de união em
torno de cidadania, o qual favorece a identificação com grupos diferentes de uma
mesma sociedade. Tal união, entretanto, não toma como parâmetro o conjunto de
pretensões deduzidas pelos poderes instituídos estatais, principalmente os da
representação legislativa, mas devem atender a uma expectativa real da maior parte
quantitativa dos cidadãos envolvidos e atingidos por qualquer política ou ação pública
cotidiana.

Por fim, necessário que se crie uma consciência constitucional, atribuindo aos direitos
fundamentais sua real importância, de modo que estes não se restrinjam a meras
previsões constitucionais. "A teoria constitucional da democracia participativa é,
portanto, o artefato político e jurídico que em termos de identidade há de criar entre nós
o Brasil do povo, o Brasil da democracia nacional e nacionalista, o Brasil que nos
sonegaram". É necessário que os operadores do direitos e os formadores de opinião
estimulem o exercício do direito de participação. Nesta linha, a utilização de institutos
como a Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo, a Ação Civil Pública, os
quais estão elencados dentre os direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição
Federal, bem como a organização da sociedade civil levará a maior efetividade destes
direitos e ao reconhecimento de que a Carta Magna de 1988 pretendeu que se desse
maior atenção e proteção aos direitos fundamentais, pois, como bem abordado por Leal:

990
Na verdade, em termos de história, passada e presente, o Brasil se manteve distanciado
e relutante na adoção material de institutos e mecanismos de implementação dos
Direitos Humanos e Fundamentais de sua cidadania, bem como da abordagem e
preocupação teórica deste tema, embora a Constituição Brasileiro de 1988 assevere que
os Direitos Humanos são objetos de proteção nacional; entretanto, como já afirmado,
tais direitos não têm recebido a devida atenção dos operadores jurídicos e das
instituições oficiais (especialmente da tutela jurisdicional do Estado), por diversas
razões e, principalmente, porque inexiste no universo reflexivo dos operadores do
direito uma hermenêutica que leve em conta os seus significados multifacetados e sua
importância social. Disto decorre não conceberem que o Estado Democrático de Direito
deve servir de instrumento, leitura e aplicação dos ordenamentos jurídicos nacionais e
internacionais, visando a estimular, implementar e garantir, materialmente, a realização
daquelas prerrogativas.

Assim, a implementação do direito fundamental de participação pressupõe a


participação ativa, efetiva e legítima dos atores sociais, para que estes possam ostentar o
título de cidadão. Esta implementação prescinde da formação da cultura constitucional
de participação, mas, também, do interesse dos próprio integrantes da sociedade, através
da participação de forma individual, ou até mesmo da organização da sociedade civil e,
ainda, fundamentalmente, do incentivo do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário),
estimulando e fomentando a participação dos cidadão para que, através da real
participação, tenham a verdadeira legitimidade de seus atos.

CONCLUSÃO

Sem dúvida nenhuma, vive-se em um estado de apatia social. Fala-se em Estado


Democrático de Direito, em cidadania, em direito à participação social, mas não se
busca o verdadeiro sentido destes conceitos. Trabalha-se, em geral, com conceitos
formais.

Com isto, desde o Preâmbulo da Carta Magna já se fala em "instituir um Estado


Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos". Porém, no
mais da vezes, isto não passa de um discurso falacioso.

Diz-se que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, e isto já consta da própria


Constituição Federal. Vive-se, sim, em um Estado de Direito, já que é a lei lato sensu
que norteia, ou deve nortear, os atos dos governantes e dos governados, mas isto, como
já mencionado, não assegura o cunho de justiça no trato das relações. Já, no que
concerne a se viver em um Estado Democrático, podem, os mais positivistas, assegurar
que vivemos, porém o Estado Democrático que se tem é basicamente formal, já que,
excetuados alguns poucos exemplos, a democracia efetiva restringe-se ao exercício do
voto.

991
A Constituição Federal dispõe de meios para participação política, mas os atores
sociais, ante o enfraquecimento do sentido de pertença da coisa pública, preferem não
os utilizar. Diante da frustração de um plano de governo, as pessoas parecem se eximir,
mencionado apenas: "eu não votei nele", como se qualquer fracasso nas estratégias
governamentais não representasse o próprio fracasso da sociedade.

Atualmente, com a cultura do Estado paternalista que temos, o que as pessoas esperam
do Estado são auxílios que traduzem apenas um Estado assistencialista. Os que recebem
estes auxílios são omissos, porque acreditam que o Estado está cumprindo o seu papel
de "ajudar os menos favorecidos", já os que não recebem, apenas criticam tal postura
estatal, mas também são omissos, porquanto nada fazem para que a situação seja
diferente, preferindo que os governantes, e apenas eles, decidam qual é a melhor forma
de aplicação para o dinheiro público.

É mister, então, que se desenvolva o sentido de participação e responsabilidade dos


atores sociais, fazendo com que, através da participação ativa e efetiva, passem a
desenvolver o sentimento de que o que é público é de todos e não dos governantes, bem
como que todos o cidadãos são responsáveis pela gerência e gestão da res pública,
visando, sempre, ao bem coletivo.

Desta forma, não mais podemos conceber a apatia social e compreender que cidadão é
quem exerce o direito de voto. Necessário se faz que se desenvolva uma cultura de
participação pró-ativa, que deve tanto ser fomentada pelo Estado, como ser buscada pela
sociedade, porque só quanto se alcança um nível satisfatório de participação, poder-se-á
se dizer que se vive em um Estado Democrático de Direito.

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