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Dosagem de glicose sanguínea no diagnóstico e no tratamento do diabetes

A glicose é o principal combustível para o cérebro. Quando a quantidade de


glicose que chega até o cérebro é muito baixa, as consequências podem ser desastrosas:
letargia, coma, dano cerebral permanente e morte (ver Figura 23-24). Com a evolução,
os animais desenvolveram mecanismos hormonais complexos para garantir que a
concentração de glicose no sangue permaneça alta o suficiente (aproximadamente 5
mM) para satisfazer as necessidades cerebrais, mas não alta demais, já que níveis
elevados de glicose no sangue também podem ter consequências fisiológicas sérias. Os
indivíduos com diabetes melito dependente de insulina não produzem insulina
suficiente, o hormônio que normalmente atua para a redução da concentração de glicose
no sangue, e, se o diabetes não for tratado, os níveis de glicose sanguínea nesses
indivíduos podem elevar-se, ficando algumas vezes maiores do que o normal. Acredita-
se que esses altos níveis de glicose sejam pelo menos uma das causas das sérias
consequências de longo prazo no diabetes não tratado – insuficiência renal, doenças
cardiovasculares, cegueira e cicatrização debilitada –, de modo que um dos objetivos da
terapia é prover exatamente a quantidade de insulina suficiente (por injeção) para
manter os níveis de glicose próximos do normal. Para manter o balanço correto entre
exercício, dieta e insulina para cada indivíduo, a concentração de glicose sanguínea
deve ser dosada algumas vezes ao dia, e a quantidade de insulina injetada deve ser
ajustada de modo apropriado. As concentrações de glicose no sangue e na urina podem
ser determinadas por meio de um ensaio simples para açúcares redutores, como a reação
de Fehling, que por muitos anos foi o teste diagnóstico padrão para diabetes. Dosagens
modernas precisam de apenas uma gota de sangue, que é adicionada a uma fita de teste
contendo a enzima glicose-oxidase, que catalisa a seguinte reação:

D-Glicose 1 O2 glicose-oxidase D-Glicono-d-lactona 1 H2O2

Uma segunda enzima, uma peroxidase, catalisa a reação do H2O2 com um


composto incolor gerando um produto colorido, quantificado com um fotômetro simples
que mostra a concentração de glicose no sangue. Como os níveis de glicose sanguínea
variam com os períodos de refeição e exercício, essas dosagens em momentos
específicos não refletem a glicose sanguínea média ao longo de horas ou dias, de modo
que elevações perigosas podem passar despercebidas. A concentração de média glicose
pode ser estimada pelo seu efeito na hemoglobina, a proteína carreadora de oxigênio dos
eritrócitos (p. 163). Transportadores na membrana dos eritrócitos equilibram a
concentração de glicose intracelular e plasmática, de modo que a hemoglobina está
constantemente exposta à concentração de glicose presente no sangue, qualquer que seja
essa concentração. Uma reação não enzimática ocorre entre a glicose e os grupos amino
primários da hemoglobina (tanto a Val aminoterminal quanto os grupos amino « dos
resíduos de Lys; Figura Q-1). A velocidade desse processo é proporcional à
concentração de glicose; por isso, essa reação pode ser usada como base para a
estimativa do nível médio de glicose sanguínea ao longo de semanas. A quantidade de
hemoglobina glicada (HbG) circulante em qualquer momento reflete a concentração de
glicose sanguínea média durante o “período de vida” do eritrócito (cerca de 120 dias),
embora a concentração das últimas duas semanas seja a mais importante na
determinação do nível de HbG. A extensão de glicação da hemoglobina (chamada assim
para distingui-la da glicosilação, a transferência enzimática de glicose a uma proteína) é
medida clinicamente pela extração da hemoglobina de uma pequena amostra de sangue
seguida pela separação eletroforética de HbG e hemoglobina não modificada,
aproveitando a diferença de carga resultante da modificação do(s) grupo(s) amino.
Valores de HbG normais são cerca de 5% da hemoglobina total (correspondendo à
glicose sanguínea igual a 120 mg/100 mL). Em pessoas com diabetes não tratado,
entretanto, esse valor pode ser tão alto quanto 13%, indicando um nível de glicose
sanguínea médio de cerca de 300 mg/100 mL, ou seja, perigosamente alto. Um dos
critérios para o sucesso em um programa individual de terapia com insulina (quando
começar, frequência e quantidade de insulina injetada) é a manutenção dos valores de
HbG em cerca de 7%. Na reação de glicação da hemoglobina, a primeira etapa
(formação de uma base de Schiff) é seguida por uma série de rearranjos, oxidações e
desidratações da porção de carboidrato, produzindo uma mistura heterogênea de AGE
(produtos finais de glicação avançada; do inglês, advanced glycation end products).
Esses produtos podem deixar o eritrócito e formar ligações cruzadas covalentes entre as
proteínas, interferindo com a função normal delas (Figura Q-1). O acúmulo de
concentrações relativamente altas de AGE em pessoas com diabetes pode causar, pela
ligação cruzada de proteínas críticas, problemas aos rins, à retina e ao sistema
cardiovascular, sintomas que caracterizam a doença. Esse processo patogênico é um
potencial alvo para a ação de fármacos.

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