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SOURIAU, E. A arte ¢ as artes. In A correspondéncia das artes (elementos de Estética comparada) Traducao de Maria Cecilia Queiroz de Moraes Pinto e Maria Helena Ribeiro da Cunha. S40 Paulo Cultrix, 1983. pp. 35 ~ 52 Segunda Parte 4 ARTE E AS ARTES Cartruo VIL QUE £ ARTE? Para comparar as diferentes artes entre si, ¢ importante exami- -las, fazerches 0 inventério e, para tanto, procurar saber de inicio até onde vai a arte Que € arte? Se devemos dizer algo geral, a arte & atividade ins- tauradora. £0 conjunto de agbes orientades e motivadas, que ten- ddom expressamente a conduzir um ser (seri preciso acroscentar fac- ticio? discutiremos esse aspecto dagui 2 pouco) do nada ou de um ‘caps inicial até a exist2ncia completa, singular, concreta que se atesta ‘em presenca indubitével Mas compreendamos bem que se trata menos dessas ages m0 Pekin cating wr oo do ee ge tah, io 6, exatamente das razies de todos os atos pelas quai se produz essa anifora — esse erguimento progressivo de um ser, desde o nada até § exsténcia pene. A arte 6 0, que considera os eeios a serom produzidos e as causas que produziréo tais efeitos; a adequada dis- posigo das qualidades que deverio eclodir progressivamente na obra; 0 encaminhamento do ser, objeto de seus cuidados, para o ponto terminal e culminante, limiar de sua existéncia plena’ a reall- zagho, A arte nio & apenas 6 que faz a obra, ¢ aquilo que condur € orieata, Por essa razio, dizer da arte, com preciso embora em termos um tanto difieeis, que ela & a dialética da promogao anaférica, 38 ox, para wir um linguagom menos cstrca, que a ate & a tbe Praca bee mem sn oaths ‘sabedoria, que fala da aquisico intuitiva e da posse, do uso ativo ¢ ser Sent eee 5 om mas or ee rer oasis hove em rere oes Soe tee eee eee Sere aves creas are ee Ss Teo aaa ernst cs Sean eater aro on oe eee ane an Titans pt Me em antec, aioe 0 st. Ch pa te oe oe ¢ exe se a as So ea Sage tt’ ain co uni SS i eae sities ohn ent pt ee sSrae ire se mean, Eee Mae oe cat cna Caan eas a ran bate ter re 6s eer tar, de caminhar passo a passo na direcio da realizacéo, para a poctaan. Ti De tue 2 eee es snes nd ng deat erica ev iao ae” tes ea pe Sense eer gator SP ES 6 Saree Ste Stabe Beko art te betas tas Oe bier ecm SOLOUE SS 2 Suen ure Obs Pies te eee ey ebgleptmeeerira Scan couse sore Tate, ¢ car, do eamenion ingle rs. Uma. acl émncanent ness dus pan cl pats ue can faerie el mane ¢ Dequds fre rar © adie «bm Same Sy ri hove ga oct me te Menu We eis ap so ode sor rexastne apas U cepese veenees Shao ais "gran ee ie prams at at’ ues Pil pss un psn tec "ary 36 cenfim, no fato de o sltimo ato, todo negativo e de abstencdo — recusa de mais uma pincelada, 0 julgamento do acabado — repre- sentar por si $6, apreciagoes de eonjunto, avaliagao do sueesso, con- fronto da presenga com o sonho e do ideal com 0 real! ‘Tudo, esse encaminbamento, e358 decisio final, esse conjunto de atos motivados ¢ a dialética da arte, chave da promoeio anaférica dda obra, E todos os motivos que presidem a esses atos, e formam, fem seu sistema completo, uma espécie de saber diretor e promotor ‘ou de sabedoria instauradora, constituem a prépria arte no que ela tem de mais fundamental e essenci 37 Cariruro VIIT A ARTE E AS ATIVIDADES HUMANAS, Sob ceronatpecto, a arte msn defini, pertence a plnero da finldace, Mes isso nio que duet nada se for expeado Aue oe rata ce uma finadad de um ginetonckement parbeuss qua cuj trmo & uma existncia e mais precsament,e exinéna 4e-um ser; — de um ser single com tooo que n palais com, Por, o mesmo tempo, do neuer, orgnaldade’ fog aie de se Maller, deter insbssuiele presets Finaliade, digo, tlalnente orginal. Amora das ages hu snanas so oictadss nao para n prods dow sees ts pre'¢ Cor Aeotecincntos Un agi via ‘una eb, tm pesador prepa 8 isc para linguado, o cite de uur exci ou tm fonder Sea, rez combioam una’ manobre, wn fnancsta compen on vende val Fei o fim ato é nem a exsténda ca lee, nem ¢ do Hinged, nem ido tbat, mas oe aontecmentos da capra, da Wt tuo coriguecinents Iso diinge iniialmeote 4 ate da tonic, Embora $2 ss, or ves plava ate pars deg o conju Jo protien {os quo leva a tan eventos — diese ate Ue tro, age ear ae Inia’ (a do. prcador) — a palsra cota é wana coe erro de tnadade "snca", que tine alvdade insaradors, bit para dstingur of dois pon de atvidade. Som Gave, une copes com n ots; contndernse: Mas stamens sat pode Femos nalts, separ, conhecrthes a dosage. Pot be toda Ae em suas Unica, guise Yds wenca podo elevate te ate $0 finaidade do engctciro for, no aveia do 7 (acmtes: Mento, aG80), mas a propia ponte, eon realidade Quo Gat por te peamanece e afcma'o,com is cntornos, gst nebo, meno, sun perspecivas do arson resid Pla age ert prs de 1s cor; sua prensa su daraeao — eno, o conse € rsa, aquitt, Meso agile Tinancta do ba pooco ¢ um pou se 56 Sstrgar também por constr enqunto anne cine wns cpt ‘ie de organismo econémico e financeiro, monvmento cuje arquite- fara ele specie E, wa dito de pasagem, disinguimos também a arte o jogo, om o qual se estabelsem, ds Vez, associacoes fivola, tanto em tome ce um desinteresio comum (que Hem sempre eust Oa ats), Geanto de ume mesma interveagto da feplo (e que icedo Md na Soostruso de uina casa, ce vine gree; no fazer wma Anfora?). © Jogo exgoa-se em acontecimentos dos quals lo rela, como fea- Wide subscale, neon se esabelerdo ¢ sven. Nada € to Contriio hart, Se a arte Um jogo, tetase do jogo de Dernogogo, ue eriava mundos para se distal io de objelat: mes toca ze vilino,repesena-e uma pesa de teato eso 6 arte, embora aglo nfo eladora 8 consumic-se num fato trust, da aatwenn do acontecnento, Resposta: sci simplesmente wma ténica que visa & excoacio, segundo’ regra das operagoes estabelecidas por um argumento, se tak operas nfo tvessem como Gnlidade ¢ presentaeao teotin fh a relizagdo tual (8 gual & geniaidage’ do execulante da Um ‘imo toque de avabanento) de um ser verdadero ~~ o drama, & Sinfonia; pol de qualquer modo que se pretends conceber tbe & hancra de exists, » Sinjonia Fonttica ona Décina Segunda Note Ho sere — tio inividuas ¢ reais, seo mais, quanto muitos dav Gucls com quem femcs conto, na humanidade. Ouem no pere- Be ioo ato pode compreender nada de ate Um de meus amigos esti ao piano. Fico esperando, Bis os ues primers compassor da Patric. Embora a porta nio tena sido bert, alguém enrow. Somos ts aquls meu amigo, eu a Patdc. Assim, 00 caracterzar a arte por exe trago, poderiamos dizer de modo “empirico. sem divide © parentemene quate teva tera, na realdade sofiente epassivel de ser aprofundado: as Gries sto, denne as alividades Humanas, aquelas que, expressa Intenconalmente, fabricam clea ou, de modo mals ger, ses i= ules caja extibncla consini a Ynalidate des. © cleo rstco Eimeja a exséoca de uma Gaia de pote comms; ceramisa ee: 39, ada fnfora de Canosa, Davt, a da Divina Comédia e Wagner 2a Tevalogia,O trabotho dels cxplca-ie¢ expec inteiramente fos palaras (1. Hoje, eu aver acressentasse esa definko, que a arte fabrica eres suscatveis do etercerem uma aeio nos homens, simple, pelo aspect tensive wo nso modifica o fando Go peosamento, mas a precisfo que se 2 As coisas muitas vezes so apresentades de outro modo. Alguns cham que ¢ indispensivel inciuir a idéia do belo na defini¢éo de arte. Mas isso significa alterar 0 fato capital, pela adjungao de uma circunstincia subsidiiria, aliés eguivoca ‘e vage, ‘A palavra arte, diz 0 Vocabulério Técnico e Critico da Filosofia ‘v8, designa (no sentido em que se ope a técnica) “toda producio a beleza pela obra de um ser consciente”, Soja assim. Tratarse de aludir a ideias correntes, nem por iss0 menos desastroses, Nao insis- tamos na idéia de consciéncia, destinada a eliminar a obra da natu- reza. (E por que decidir a priori que a natureza nao pode ser artista, de modo algum? Por outro lado, néo se observa’ freqientemente algo de inconsciente na operagio do sénio? Deve-se afasiar 0 ele mento de genialidade no homem que faz a obra de arte?) F sobre- tudo a definicéo da arte, orientade para o belo, que consideramos ‘emeréria, embora quase’ universal. © que pretendeu o autor da Vigésima Quinta Masurca? © belo fem geral, e884 qualidade genérica e vaga, comum a mil seres, a mil ‘obras? Quis, mais especiaimente, o belo enquanto oposto 20 subl- ‘me, a0 bonito, a0 trigico, a0 gracioso, a0 poéiica? Isto nfo tem ntido. Nao desajou ele, expressa c exatamente, © encanto nico ¢ singular proprio da Vigésima Quinta Mazurca? Nio desejoa a grasa, morbides, a seducio, a emogio ou, se quiserem, © enervements «que fezem dela um ser & parte (apeser do ar de familia), no apenes fentre todos os seres musicals, ndo somente na obra de Chopin, mas centre as 51 mazurcas? Ora, essa forga particular de comover & menos a razio de set do que © mais vivo testemunho de existéncia desse ser tinico, colo. cdo li diante de n6s e, por essa presenga tio capaz de engendrar {emogo ou amor, atestado de modo mais real do que muitas outras Griaturas vag dette mundo do fantasmas inicado as espe E 6 dessa cxisténcia que musico, inicialmente, fez seu objeti- yo direto; existéncia entrevista numa bruma ou sugerida por um ‘motivo fragmentirio, por alguns acordes tipicos, e que ele se esforcou or realizar completamente, sem nada perder ou enfraquecer dessa Driginalidade constitutive, E geontece o mesmo com todas as ctlatu- as dessc tipo. O criador adivinhou-a no que'ela tem de unico, pes sents trangia cm elngto o um pouivel esto de senrelidade © ‘iting bem we au capo de objeto wilition Meu princi wets ae lea essa iting sem expla formminence (Rae 8-2 edgto) 40 soal — 0 que faz com que cla soja ela mesma; que seje isso enhuma outra coisa. Para ela e por ela, julgou-a digna de ser; digna ide merecer 0 esforgo realizador todos 0s cuidades, todos os trae balhos necessarios para dar-Ihe essa eclosio no mundo dos acompa ‘hamentos musicais. Que importa ser ela terna ou cruel, bizerra ou sublime, irritante ou engracada? Sera amada, dependendo ‘do caso, pela ternura ou crucldade, sublimidade ou bizarria. N&o acontece © ‘smo com todos os outros amores que tm por objeto todas as criaturas deste mundo? Entretanto, para serem 0 que sf0, belas ou fublimes, gracioses ou postices, é necessério primeiremente que se. jam, £ esse 0 grande problema. Consideremos, com efcito, a operayio da arte em toda a exten- so e, Se posso dizer, em toda’ a magnanimidade. As artes, dais nés,fabeicam cols. Gragas a elas, sto ei fdas a cated, as stuns, 5 sinfonia, os vaso, 0s quads as pops os cramas.Graras els ss ving sonora dow, oy sgssos dos corpos om movimento eduirem o valor de mosunesion Gragas a eas, 0s sonhos ou as enrevisSes vagas de umn alma ini saa ou fervorosa camihem pare um reutado conereio © scam por se efeivar om realidades oradouras e extenormete prescotes diane dos homens, Mas mecamos bem a grendera de fas realdades Certamente's tabalbo de um Vine de it Migus! Angelou de un ‘Wagnes no iguaia nem em vesteo, nem em rgueca ‘a de um Jeovd em seis dis, Mas le tem esecialmente a mesma natureza."A Pir fem nos Rochedos ou us Peregrinas de Emais, a cael de Rela ‘1c timulos dos Médicis, a Sinfonia com Coros ou o Encartamento 4a SextarFera Santa nHo 340 apenas grupos de cores um pano, 08 axames de notas que fazem vibra oa, 04 pedras emontoaes c Sess. Cea una dose cra @ sds todo mada, con buss dimenses espacas, temporal ¢ também suas dimensies pr Bai, com ocupares reais tu vituiy Tnaninados. ow anneal, umanos. ou Sobre-humanos; com o univers de_pecsamentos de espera e'mantém falguranics para os epitcs, Ee wm unierso ‘que velo simmutancamente a0 se presen Ora, tl universo existe qualquer gue seja © modo de existncia Mais ainda, come obre-prima, cle ip de wna cnitencla. pa fkularmente ines, Bikaner presto que satsizese Cov ue saistzesem por ele) a todas as condigies,gcrais ow particulates, dase eristnciaE ¢ isa a tarfa pofunda ¢ guase miacilosa ca are. Atstar somento 0 beeza,enfe esas condigoes. ¢ dizer bem Buco em face de um problems eu coatewco € tice, precsa, a variado 2, 20 mesmo tempo, téo profundamente situedo no Amago do ser. A beleza néo passa de um sinal global de todas as harmo nias, todos 08 desabrochamentos, todas as invencoes, todos os north. Kegios, todos os sorrisos © tovas as apoteoses, todss as boas exc. ccugdes © as reallzapbes nevessirias a esse resultado. E se ela designe somente a impressio afetiva que n6s, contemplaciores da ploniteds aleanee, Poi, efi, & real gu © calor com 0 (Gkzla no, 0 plntor com or nos, 0 posta e msico com & st ‘caneta, fazem um trabalho semelhante a0 de Jeové, Realizam, 20 criarem a Venus de Milo ou a Primavera, © Convite 2 Viagem ou a Paiétca, 0 que nem Deus, nem a natureza tinham feito. E 0 que nos ‘ensinam, quanto aos caminhos que levam de ‘ais realidades & ex ‘éncia, € a nica experiéncia auténtica que temos, 0 unico modo, diretamente atingivel para nossa observagio, da atividade instaurado- a pura, /— Por essa razdo, se, as nossas precedentes definighes da arte, | screscentarmos ainda o seguinte: a arte & 0 que hd de comum a wma Sinjonia ou a ume catedral, a wma estatua ea ume dnjora: é 0 que tora comparéveis entre si a pintura ou a poosia, a arquitenura ou a darga: * nio indicaremos apenas um bom e nobre assunto de estudo. ‘Mostramos, além disso, que esse estudo ultrapassa, em alcance, 0 simples imtecesse pelas coisas da beleza ou do génio; que discern, idades em si mesmas nobres e rolevantes para a condi¢io hi ‘mana, um principio que pode ultrapessar em valor, importincia ou | esséncia, © plano humeno, 1, Bala € nowse quia defigicSo da arte, Wé dese encontrar ainda tama Sena defngto. no capitulo XV. Teas, € ceo, concoctam © repreten ‘aim ames feltage, vita ge Aaguloeiferetes. 52

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