Você está na página 1de 86

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

PAULO VITOR ROCHA MENDES

A INSERÇÃO DA PROPAGANDA NOS MOLDES DOS JOGOS DIGITAIS


FORTALEZA
2013
PAULO VITOR ROCHA MENDES

A INSERÇÃO DA PROPAGANDA NOS MOLDES DOS JOGOS DIGITAIS

Trabalho apresentando a Universidade Federal


do Ceará como exigência parcial para
obtenção do diploma de graduação em
Comunicação Social com habilitação em
Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Tadeu Feitosza.


FORTALEZA
2013

PAULO VITOR ROCHA MENDES

A INSERÇÃO DA PROPAGANDA NOS MOLDES DOS JOGOS DIGITAIS

Trabalho apresentando a Universidade Federal


do Ceará como exigência parcial para
obtenção do diploma de graduação em
Comunicação Social com habilitação em
Publicidade e Propaganda.

Aprovado em __ /__ /__

BANCA EXAMINADORA

__________________________________
Prof. Dr. Luiz Tadeu Feitrosza

__________________________________
Prof. Dr. Gustavo Pinheiro

__________________________________
Prof. Ms. Rafael Rodrigues da Costa

FORTALEZA
2013

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Tadeu Feitosa, professor que me orientou e acreditou em mim quando ninguém
mais acreditava; a minha querida amiga Lia Martins que teve paciência de ler e revisar todo o
texto presente neste trabalho; a todos os sócios e funcionários da Fan Desenvolvimento de
Jogos Digitais, que sempre me atenderam com presteza no decorrer desta produção; e ao meu
amigo Victor Dourado, que primeiro me ajudou na idealização deste trabalho e que
infelizmente não estará conosco hoje devido ao seu falecimento em 2010.
RESUMO

Este trabalho acadêmico visa analisar o anúncio publicitário feito por meio da utilização de
jogos digitais. Fazendo um levantamento bibliográfico no intuito de explorar os conceitos de
jogo estabelecidos por Huizinga e Caillois, este texto discorre sobre como o jogo permeia
diversas atividades do cotidiano, tornando-se intrínseco ao indivíduo, criando imagens que
comporão seu imaginário e posteriormente o de outros que também jogam, criando uma
comunidade de jogo. A capacidade do jogo de interferir no imaginário coletivo traz consigo a
possibilidade de modificar pensamentos e comportamentos, com base nas proposições de
Laplantine e Mafesoli. Esta possibilidade é absorvida pelo mercado, como explica Trout ao
explicitar que os produtos mais lembrados são também os mais vendidos. Com base nessas
visões, observam-se quatro exemplos de jogos digitais feitos por encomenda para empresas
que desejavam fixar sua marca e seus produtos na mente do consumidor, bem como os
sucessos e falhas dessas campanhas.

Palavras-chave: Jogo Digital; Imaginário; Publicidade.


ABSTRACT

This academic work analyzes the commercial done through the use of digital games.
Following the game concepts established by Huizinga and Caillois, he talks about how the
game permeates several daily activities, becoming intrinsic to the individual, creating images
that will make up for it its imaginary, and then the others who also play, creating a community
of game. The ability of the game to interfere in the collective imagination brings the
possibility of changing thoughts and behaviors, based on propositions and Laplantine
Mafesoli. This possibility is absorbed by the market, Trout explains it on clarifying that the
most memorable products are best sellers. Based on these visions, it analyzes some examples
of digital games custom made for companies wishing to secure their brand and products in the
consumer's mind, as well as the successes and failures of these campaigns.

Keywords: Digital Game; Imaginary; Advertising.


INTRODUÇÃO 08
1 O JOGO E O JOGADOR. 09
1.1 Conceituação de Jogo. 09
1.1.1 Jogo, Memória e Cultura. 23
1.1.2 O jogador e os que jogam com ele. 25
1.2 Os jogos na era da tecnologia. 28
1.2.1 O jogo digital em sua complexidade. 30
1.2.2 Narratologia e Ludologia. 31
1.2.3 Das tipologias dos jogos digitais. 33
2 O JOGO E A PUBLICIDADE 38
2.1 Prendendo pela interatividade. 38
2.1.1Desvendando o Imaginário 41
2.1.2 Share of mind, Top of mind. 46
2.1.3 Sedução, Persuasão e Empatia 49
2.1.4 De cliente a freguês. 52
2.2 Como a publicidade se encaixa era digital 55
3 JOGANDO COM O CLIENTE 60
3.1 O anúncio do jogo digital 60
3.2 Fan Desenvolvimento de Jogos Digitais Ltda. 64
3.2.1 Cultura e Culinária 66
3.2.2 A Empatia na Doação de Sangue. 70
3.3 Uma corrida para o imaginário do consumidor 72
3.4 Hérois da telona para a telinha 75
3.5 Outros exemplos 79
3.6 Considerações finais 80
CONCLUSÃO 81
INTRODUÇÃO

Os jogos digitais são um fenômeno contemporâneo que permeiam o cotidiano nas


diversas interfaces eletrônicas usadas (celulares, televisões digitais, consoles de vídeo games,
tablets, computadores etc.) e como a publicidade tende a se estender por toda possibilidade de
mídia, também não é diferente com estes jogos. Entretanto, inserir-se em jogos digitais não foi
o bastante para a publicidade, levando-a a criar jogos próprios para si, bem como ocorreu com
a televisão e os canais de vendas.

Este trabalho acadêmico tem por objetivo tratar de como ocorre a comunicação de uma
determinada mensagem através de um jogo digital. O estudo se dá desde o momento da
criação do jogo, suas bases estruturais de como foi escolhida a mensagem, a forma de passar
esta mensagem, a elaboração do jogo em si, suas nuances e se possível vislumbrar o a
recepção desta mensagem por parte dos jogadores do determinado jogo.

O trabalho consiste em fazer um levantamento bibliográfico sobre o jogo, em seu


sentido antropológico, a atualização de seu conceito para o jogo digital bem como a interação
deste com os conceitos de imaginário, comunidade, interatividade, identidade e identificação.
Com estes conceitos bem delimitados, bem como a sua importância para o mercado e para a
publicidade em si, observam-se quatro jogos, dois produzidos pela Fan Desenvolvimento de
Jogos Digitais Ltda., produtora local, um jogo de nível nacional lançado pelo O Boticário, e
por fim um jogo de nível mundial lançado pela PlayDoom e Marvel. Nesta observação
percebe-se nos jogos, não apenas as características explicitadas no levantamento
bibliográfico, como também a intenção de que estes conceitos estejam presentes por parte dos
produtores ao criarem um novo jogo. Esta avaliação qualitativa nos levará as deduções que
desejamos elucidar quanto a esse formato usado pela publicidade.

Portanto, antes de iniciar-se a dissecação de todo o processo da criação e elaboração


do jogo, é necessário conceituar o próprio termo jogo, para que se possa entender melhor de
que variadas formas a utilização de um jogo dentro da publicidade pode ser útil no momento
de passar a mensagem ao público.

1 O JOGO E O JOGADOR.
8
Capítulo 1
1.1 Conceituação de Jogo

Este trabalho acadêmico tem por objetivo tratar de como ocorre a comunicação de uma
determinada mensagem através de um jogo digital. O estudo se dá desde o momento da
criação do jogo, suas bases estruturais de como foi escolhida a mensagem, a forma de passar
esta mensagem, a elaboração do jogo em si, suas nuances e se possível vislumbrar o a
recepção desta mensagem por parte dos jogadores do determinado jogo.

Antes, contudo, de iniciarmos a dissecação de todo o processo da criação e elaboração


do jogo, é necessário conceituarmos o próprio termo jogo, para que possamos entender
melhor de que variadas formas a utilização de um jogo dentro da publicidade pode ser útil no
momento de passar a mensagem ao público.

Dado que a idéia ideia de jogo em si possui uma polivalência muito grande, vemos na
introdução de Homo Ludens, livro de Johan Huizinga, a necessidade de tratar do próprio
significado do termo jogo, delimitando suas características e debatendo sobre a sua essência.
Teorizadondo sobre de que maneiras o jogo está interligado com os estudos culturais e com a
própria cultura, por meio a analogia com ritos religiosos e outras manifestações culturais.
Neste capitulo tratar-se-á não apenas do conceito de jogo como sua atualização conceitual
para os jogos digitais e de sua interação com outros conceitos teóricos interessantes para o
estudo como imaginário, comunidade, identidade e identificação.

1.1 Conceituação de Jogo.

Tem-se É sempre óbvia a primeira impressão que se tem do jogo como um componente da
cultura de um povo, mostrando um de seus hábitos como se não passasse de um elemento
interno a cultura, entretanto “O jogo é fato mais antigo que a cultura.” (Huizinga. 2000,. pag.

9
5). O jogo preexiste à civilização humana, portanto não pode ser comportado dentro do que
chamamos de cultura. Ele já existe em outros níveis na natureza, mesmo os filhotes de
animais que através de um montante de gestos e atitudes demarcadas brincam entre si,
mostrando claramente diversas características presentes no jogo como o vemos. No entanto,
mesmo sem estar unicamente interno à cultura, o jogo tem função biológica e social, ele
prepara o jovem para situações reais no futuro. Através das experiências adquiridas dentro da
brincadeira os filhotes aprendem a ter reflexos e coordenação na hora de caçar ou de fugir de
um predador. Uma criança que joga xadrez tem estimulados estimuladas suas percepções, a
utilização do raciocínio lógico e a capacidade de tomada de decisão,; um bom jogador de
futebol consegue correr e ganha habilidade na hora de chutar a bola,; o adolescente que anda
de skate ganha equilíbrio e agilidade, etc.

O jogo possui em si mesmo um sentido, é significante, há na sua essência algo de


imaterial, o intangível. Tem um caráter estético e sensível. O jogo prende seus espectadores e
abduz os seus participantes, tais características não podem ser explicadas como meros
fenômenos biológicos. Quando se está jogando passa-se por um processo de imersão ao jogo,
dentro das suas regras e normas, do seu universo particular. Este universo particular é também
intangível ou é parte do intangível do jogo. É por essa imersão nas regras e no mundo do
próprio jogo que este é de fato uma simulação real da vida ou de como poderia ser a vida,
quando se está imerso no jogo aprende-se lições para a vida fora desta imersão.

Contudo, o jogo não possui fundamentos racionais; mesmo em suas regras, não é
possível determinar quais as razões delas mesmas, senão justificando-as pelo próprio jogo.
Por exemplo, em uma partida de futebol os jogadores de linha não podem tocar a bola com as
mãos, não se podendo explicar isto senão pelo fato de que essa regra surgiu do próprio jogo.
Eis mais um ponto que mostra a necessidade desta entrega que o jogo exige dos jogadores:
dentro do jogo, deve-se jogar pelas regras do jogo, esquecendo o que há fora dele. Quando se
ignoram as regras, o jogo se torna desordenado e o universo do jogo é quebrado, tornando
inviável o jogo em si; portanto, é necessária, ao jogar, a entrega total ao mundo do próprio
jogo.

Isso ocorre porque o jogo tem sua base na utilização de imagens, pode-se dizer que na
própria imaginação de uma realidade. Para compreender o jogo tem-se que entender o
significado dessas imagens, nessa realidade criada. Assim como um conjunto de regras e
normas, há também uma semiótica do jogo interna a ele próprio, compreensível apenas aos
10
que conhecem o jogo e significativa apenas aos que estão jogando. Dentro do jogo cria-se um
conjunto de signos para que seja possível jogá-lo. Até mesmo os participantes do jogo ganham
significados diferentes, bem como em um combate no UFC (United Ultimate Fight
ChampionshipCampionishment) o juiz, mesmo sendo por vezes menor e mais fraco do que os
lutadores, tem poder sobre eles e é obedecido como se aquele fosse superior em força sem em
se opor às decisões do mesmo, podendo ser punidos por ele caso o façam.

Entretanto, há aí uma relação dicotômica que se deve sempre ter em foco quando se
trata de jogo. Mesmo com o viés lúdico e imaginativo, o jogo pode tomar formas tão sérias
quanto a própria vida. O lutador, em um campeonato, não pensa no tamanho do seu adversário
ou no quanto ele pode se machucar durante o combate. Do primeiro ao último soar do gongo
ele apenas pensa em finalizar seu adversário. Dentro da imersão e da entrega que o jogador
tem durante a partida de futebol, ele se mostra unicamente interessado no seu objetivo, o gol,
não se importando com o cansaço, a dor, e com o grau de dificuldade dos obstáculos entre ele
e o seu objetivo. Quando não consegue atingir este objetivo por qualquer motivo que seja,
como por exemplo um erro de arbitragem, o jogador se frustra, se irrita e reage como se o que
tivesse perdido não fosse apenas um valor intrínseco a um mundo que dentro em poucos
minutos irá se desfazer e perder sua importância. Naquele momento a imersão transforma,
para o jogador, o erro do árbitro no pecado mais impensável e imperdoável já cometido pelo
homem. Sendo assim, pode-se tomar o jogo como uma das bases da civilização, que é um
fator cultural da própria vida.

Segundo Huizinga, algumas características que podemos ressaltar dessa forma de


interação que chamamos de jogo são que ele é uma atividade voluntária, antes de mais nada,
portanto presume-se que o jogador conhece as regras e os signos propostos e está disposto a
imergir no mundo que o jogo cria; Não se pode defini-lo com exatidão em termos lógicos,
biológicos ou estéticos, sua natureza é intrínseca a ele mesmo e sua lógica é interna, não
necessitando que ele tenha um sentido fora de si; Mesmo com viés estético, a beleza não é
inerente ao jogo, embora ele tenha tendência a ser belo, tanto para os seus participantes como
para os expectadores espectadores que se prendem a ele. O Belo belo não é uma prioridade
para os jogadores ou para o próprio jogo, entretanto os que o apreciam conseguem reconhecer
nele o valor de beleza e estética, como em um gol de bicicleta ou em um ace indefensável; E
como uma de suas principais características Huizinga destaca que “o prazer por ele provocado
o transforma numa necessidade” (Huizinga. 2000. pág. p.10). Esta talvez seja a característica
11
mais interessante pela visão da publicidade. O jogo causa prazer aos jogadores, a imersão e a
sensação de adrenalina na sua simulação de vida real, torna o ato de jogar algo prazeroso, algo
que o jogador irá buscar mais vezes. Mesmo o jogador que não obteve êxito no jogo, irá
procurar jogá-lo novamente para sentir sua própria superação. Sendo assim o jogo causa um
prazer viciante, ou pode-se dizer que o jogo, em si, é viciante.

O jogo não é efetivamente real, possui limites previamente determinados, sejam


temporais e/ou espaciais. Sejam noventa minutos no futebol ou até a primeira equipe fechar
vencer três sets no vôlei, o jogo tem delimitações previamente definidasprévias. Ele é uma
pausa no cotidiano e uma imersão em um novo mundo, com novas regras. O ser humano tem
a necessidade de imergir nesse outro mundo para poder conviver melhor no seu próprio dia-a-
dia, uma espécie de libertação mental e física do ‘ser o mesmo ser’ em todos os momentos da
vida. Para a sociedade, seu valor está em ensinar ao indivíduo valores e prepará-lo para as
situações que ele realmente poderá encontrar, como já vimos anteriormente.

Para Huizinga, Oo jogo é como um rito, um culto sacralizado, dentro dele suas regras
são absolutas e nada deve ser questionado. Durante o período do jogo e dentro de seu espaço,
as regras são as regras do jogo, os símbolos vigentes são os seus, a sua ordem prevalece.
Nesse valor de imersão e de ritualística do jogo, podemos considerá-lo como no âmbito do
sagrado. O jogo deve ser respeitado tanto pelos que estão jogando quanto pelos que ao
assistem, por isso as torcidas ficam nas arquibancadas e não podem atuar dentro do jogo.
Quando algo diferente disto ocorre o mundo do jogo é quebrado, o jogo é paralisado e o
mundo real volta a atuar, com suas regras e signos.

A tensão é outro elemento do jogo. Quanto maior o valor de competição e quanto mais
há ‘em jogo’, mais interessante e viciante ele se torna-se o jogo. Bem como uma substância
química injetada no corpo, o jogo vicia pelo prazer. Faz-se a necessário deixar claro que “a
finalidade a que obedece é exterior aos interesses materiais imediatos e à satisfação individual
das necessidades biológicas” (Huizinga. 2000. pág. p.11). Durante a imersão no jogo, apenas
os seus valores internos são interessantes para os jogadores. Isto quer dizer que fome, sede,
saciedade ou qualquer valor de recompensa ou punição biológico ou social não são pensados
dentro do jogo, quando se está imerso nele. Em um simples jogo de ‘não piscar’, mesmo
quando os olhos já estão ardendo e irritados, o jogador se sente bem apenas por ainda estar

12
jogando. Ou em um jogo em rede, como Ragnarok1¹, os dados que correspondem ao
personagem do jogador e seus itens possuem um grande valor, que não teriam se não fizessem
parte do jogo.

O caráter agonístico, competitivo, é o que dá a tensão aos jogos em grupo. O valor


antitético criado nesse tipo de competição fornece aos seus jogadores uma profunda sensação
de demonstração de valores que iriam para além do jogo. Talvez por essa sensação de um
valor que se estende para fora do jogo, vejamos tantas vezes em diferentes esportes e
competições a briga entre torcidas, que se sentem pessoalmente ofendidas quando há a derrota
de seu time. Enquanto que a tensão nos jogos de azar é dada para o jogador e não se estende
ao espectador da mesma maneira. O rolar dos dados em um cassino pode parecer durar horas
para quem os jogou, mas é instantâneo para quem não possuía nada ‘em jogo’.

É muito comum que os jogadores sintam mais prazer com o jogo quando estão sendo
assistidos, sobretudo aqueles que jogam competitivamente. Jogos entre grupos e de caráter
agonístico em geral, sejam competições de força, destreza, inteligência, honradez, todos estes
jogos têm um forte caráter demonstrativo, no que tange ao ‘mostrar-se para alguém’. O prazer
do jogo assistido é muito superior, para o jogador, do que se ninguém visse suas proezas.

Toda vitória representa, isto é, realiza para o vencedor o triunfo dos poderes
benéficos sobre os maléficos, e ao mesmo tempo a salvação do grupo que a obteve.
A vitória não se limita a representar essa salvação, mas torna-a algo de efetivo. De
onde se segue que o resultado benéfico tanto possa vir dos jogos de pura sorte como
dos jogos cujo resultado é decidido pela força, a habilidade ou a esperteza.
(HUIZINGA. 2000. pág. p.44)

Suas regras, pois, são elemento de ordem e consequentemente elemento ético dentro
do jogo. A moral dentro do jogo é estabelecida dentro dele próprio e exclui-se ao mundo
exterior. Quando se joga Mario Kart2, t, por exemplo, é possível deixar na pista de corrida
armadilhas para que os adversários se atrasem ou atirar diversos tipos de projéteis neles para
que saiam do caminho. Isto, pois, é tido como natural dentro do jogo, dado que o próprio
jogo permite isto, não sendo visto com antiético ou amoral o fato de atrasar o oponente
utilizando ‘a força’ em uma corrida. Entretanto, uma simples tapa na mão do adversário
poderia fazê-lo perder o controle, mas isto não seria ético dentro do jogo dado que esta
1
Jogo digital online inspirado na mitologia nórdica, lançado na Coreia do Sul em 2002 e que chegou ao Brasil
em 2004, permanecendo ativo até agora.
2
Jogo criado pela Nintendo, no qual personagens de diversos outros jogos, sobretudo de Mário Bros competem
em uma corrida de carros.
13
possibilidade não está inclusa nas regras, sendo assim o jogador aprende a jogar pelas regras e
aprende até onde pode ir e o que pode fazer para obter sucesso.. O senso comum diz que
aquele que joga pelas regras dentro do jogo, via de regra também saberá agir com ética na
vida.

O jogo cria vínculos externos ao próprio jogo. Assim como torcidas e times se unem e
criam laços, todo jogo cria ligação entre os seus participantes e seus exspectadores. Eles
sentem no jogo o sentimento de união, ainda que estejam separados ou em times opostos,
como se tivessem participado de um momento único na vida de cada um deles. O sentimento
de ‘ser outro’ inerente ao jogo, estar em uma situação extraordinária, cumprir um papel mais
importante do que o que se está habituado a exercer, tudo isto cria nos participantes e
espectadores do jogo um sentimento de vínculo.

O vinculo que é estabelecido nos participantes entre si também pode ser visto entre os
participantes e o próprio jogo. Cada esportista ‘vive’ seu esporte, assim também todo jogador
cria um laço intangível com seu jogo. Bem mais do que um mero momento passageiro e
etéreo, o jogo se instala no âmago do jogador. Depois de ensiná-lo e prepará-lo para situações
reais do dia-a-dia, após dar-lhe vínculos com pessoas reais no mundo real, e quando se mostra
permeando as noções de ética e moral dentro do próprio jogador, vê-se claramente a ligação
estreita entre o jogo e o jogador, mesmo no mundo real.

Huizinga define o jogo como “uma atividade livre, conscientemente tomada como
‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de
maneira intensa e total.” (2000. pág. p.13). Ou seja, Oo jogo não cria apenas uma ‘realidade
falsa’, mas produz uma nova realidade, através de um processo ritualístico com signos
determinados. Essa nova realidade é viciante e uma necessidade intrínseca do indivíduo.

Apesar do caráter ‘não-sério’ do jogo, sua natureza ambígua o permite ter


internamente um caráter sério. Mesmo uma criança que leva suas brincadeiras muito a sério
sabe, enquanto brinca, que está apenas brincando. Seu mundo de faz-de-conta é levado muito
a sério internamente, entretanto sabe-se o tempo todo que aquele não é o mundo real, mesmo
que por vezes ‘esqueça-se’ isto para poder ter uma imersão mais forte no jogo. A mente do
jogador funciona do mesmo jeito. Mesmo os meninos que jogam futebol na rua param o jogo
ao verem que o carro irá passar, pois, à vista de um perigo do mundo real, o jogo e o mundo
por ele criado se tornam menos importantes e a imersão acaba. Assim também ocorre ao

14
esportista quando a torcida invade o campo ou ao jogador de jogos eletrônicos quando algo
requer sua atenção: o jogo é parado e reiniciado quando for oportuno.

Isto denota uma forte instabilidade do mundo criado durante o jogo, pois a qualquer
sinal de interferência externa ele se desfaz em detrimento do mundo real, por ser este mais
importante que aquele, na realidade. A instabilidade do jogo, deste faz-de-conta que se pode
desfazer a qualquer instante que o mundo real chame seu jogador, é constante, podendo ser
considerada como mais uma de suas características.

Huizinga demonstra ainda no jogo o caráter do sagrado, ressaltando a afinidade entre


estes dois. Em diversas culturas por ele citadas, resultados banais de atividades aleatórias
podem determinar, prever ou explicar situações do cotidiano. Por exemplo, o jogo de búzios
no candomblé ou o jogo de cartas em culturas pagãs. De acordo com o resultado aleatório
destas atividades determina-se o destino dos homens. Poderíamos dizer ainda que até mesmo
a leitura das mãos em culturas ciganas é um jogo de demonstração de valor do próprio homem
em suas características físicas e biológicas, o que é interpretado por aquela cultura específica
como uma determinação divina, incluída no que se entende como sagrado. Dado isto, mostra-
se mais uma vez a forma como o jogo serve para demonstrar valor, ainda que um valor
totalmente intrínseco e subjetivo ao próprio jogador. O caráter competitivo se apresenta
também nesse âmbito do sagrado, mostrando através do jogo aquele ou aquela que foi
escolhido(a) por uma divindade ou pelo próprio destino.

Na busca por essa qualidade semidêitica dos homens na antiguidade e em alguns


momentos da Idade Média, vemos por diversas vezes aparecerem valores subjetivos como a
honra, a virtude, a nobreza, a glóoria, dentro da competição. Seja por proezas ligadas ao
físico, à inteligência, à sorte ou ao abstrato da arte (presente na ideia de jogo pelos ‘jogos’ que
se faziam entre os poetas que louvavam os feitos de seus amos ou de si mesmos), o homem
procurou sempre ser o ‘vencedor’ perante seus iguais. Entretanto, há um determinado
momento no desenvolvimento de uma civilização em que o heroísmo dá lugar à agonística.
Ou seja, no decurso do desenvolvimento civilizacional há um período tido como heroico e
caracterizado pela guerra, seguido de um período onde a guerra não se faz mais necessária ou
interessante e o que se vê é a evolução agonística da sociedade, onde os jogos e as
competições substituem a emoção da batalha real.

15
Cabe aqui abrir um parêntese na dissertação que está sendo feita para lembrar o caso
de Roma, em que vimos surgir os duelos de gladiadores como política de pão-e-circo para que
a população se mantivesse submissa. Contudo, não eram os soldados do império romano que
lutavam nestes duelos e sim os escravos que eram postos a lutar uns contra os outros ou contra
feras capturadas nas diversas províncias e trazidas até o coliseu. Podemos ver nisso a
semelhança com os jogos de esportes modernos, em que a torcida imerge no jogo quase tanto
quanto o jogador, dado que a emoção do combate é transferida para os espectadores, que viam
extasiados a luta entre os homens e as feras.

Ora, se pensarmos que os bárbaros, como eram chamados os povos que não faziam
parte do império romano, não eram tidos como seres humanos, ou pelo menos não como
iguais aos homens de Roma, e se nos afastarmos da ideia de abominação discriminatória e
escravista, o que se dava era uma emulação de combate, na qual o jogador escolhe um
personagem semelhante ao que se tem nos vídeo games, nos quais os personagens, embora
sejam controlados pelos jogadores e transmitam a mesma emoção de combate, de fato existem
apenas numa emulação. Bem como em rituais de sacrifício da antiguidade, nos quais era
escolhida uma figura que representaria a comunidade, fosse esta figura humana, animal ou
inerte, a emulação era sempre presente, um exemplo claro disto é o sacrifício do cordeiro para
se apagar os pecados dos homens, como está transcrito na bíbliaBíblia. Logicamente vale
ressaltar a grande distância entre se ‘jogar’ com vidas reais e se jogar com vidas de
personagens fictícios e eletrônicos.

Seguindo com esta a dissertação de Huizinga em uma exposição sobre algumas das
idéias de Ehrengerg, o autor sustenta que as sociedades modernas surgiram com as mesmas
bases criadas na Antiguidade e na Idade Média, com a evolução da batalha para o jogo,
mostrando o quanto o caráter antitético está presente no jogo e na competição, que formam
bases para a formação de uma sociedade. “O espírito da sociedade está constantemente
procurando uma forma de evasão nas belas imagens de uma vida heróica que se realiza na
dignidade do combate e se situa no domínio ideal da honra, da virtude e da beleza.”
(Huizinga. 2000. Pág 76)

Huizinga segue ainda dizendo: “Mesmo numa sociedade completamente desintegrada


pelo colapso de todos os vínculos jurídicos o impulso agonístico não se perde, pois é inato”
(2000. Pág 76). O que é interessante ressaltar aqui é o fato de haver dentro da própria
concepção do homem, em sua conceituação inata, o jogo.
16
Quando se pensa no homem da Antiguidade grega, vê-se uma outra idéia que deve
estar sempre presente quando se pensa a respeito do jogo. Os deuses da Arte e da Festa (ou
seja, do ritual), respectivamente Apolo e Dionísio, são os mesmos deuses que caracterizam os
jogos, sejam os agonísticos que se ditam seja pelo físico e pelo intelectual, sejam os ditados
pela sorte. Huizinga faz uma citação sobre a história do jogo, como é dita por Platão:

“Como todas as criaturas jovens são incapazes de conservar em repouso seus corpos
e suas vozes, como precisam movimentar-se constantemente e fazer ruídos de
alegria, precisam correr, saltar, dançar e emitir toda a espécie de gritos. Mas,
enquanto todas as outras criaturas desconhecem a distinção entre a ordem e a
desordem, aos homens, [...]foram dados [...]a percepção do ritmo e da harmonia, a
qual é invariavelmente acompanhada de prazer”. (Huizinga. 2000. Pág116)

Podemos dizer que o homem é o homem que joga. E, se podemos entender a ‘guerra
civilizada’ como um jogo mortal, no qual existe o respeito a certas regras, como declaração
oficial da guerra e limite dos campos de batalha etc. Podemos acrescentar a afirmação “Jamais
à superfície da terra surgiu uma grande arte que não fosse numa nação de soldados”
(Huizinga. 2000. Pág 77) também jamais houve uma grande arte que não fosse relacionada
diretamente a um jogo, ou pelo menos que não se pudesse relacionar com um.

Cabe aqui abrir umoutro parêntese, aberto também por Huizinga, para excluir a
civilização grega deste tipo de evolução. Segundo ele, esta transição não ocorreu na formação
da sociedade grega, embora esta não tenha escapado de ser formada por um jogo, bem como
todas as outras. A característica lúdica, agonística e antitética sempre foi presente na Grécia
antiga, em muitas formas de jogo e mesmo na filosofia, como veremos mais adiante.

Bem como os poetas e filósofos antigos competiam entre si em um jogo de retórica ou


de exaltação/humilhação, assim perdura-se até hoje em batalhas de repentistas ou de rappers e
também de comediantes, nas quais o ato artístico se torna também um ato competitivo. Assim
como na música e na poesia, também na dança é possível ver as características do jogo em
certos momentos. Nas batalhas de B-boys, ou em competições e torneios de dança, o ato de
demonstrar uma proeza do corpo, seja puramente física, seja buscando a beleza artística: é
claramente um jogo. A sede de ser declarado melhor do que os outros, ou o vencedor em
determinada atividade, se dá de tantas formas quanto for possível dentro das regras sociais e
fortalece essas mesmas regras sociais, demonstrando a relação estreita entre jogo e
civilização.

17
Este tipo de competição é mais difícil de visualizar-se dentro das artes plásticas, talvez
pelo seu caráter contemplativo e pela dificuldade de observar a ‘ação’, que é característica
inerente ao jogo, dentro da conceituação do ‘plástico’ da arte. Isto será retomado quando
falarmos das peças publicitárias tradicionais que vemos hoje em dia, com caráter
majoritariamente plástico e reprodutível, sem demonstrar a ação de movimento e a
interatividade entre peça e público.

Mesmo o modo como era construída a filosofia em seu início mostrava-se muito
aparentado de a um jogo, que seria de perguntas e respostas, para provar qual dentre os
filósofos seria o mais sábio. As perguntas feitas de um para o outro e às vezes para si mesmos
em uma clara tentativa de se auto-desafiar e de desafiar qualquer um a encontrar a resposta,
bem como um recorde gravado. Não por acaso a característica antitética das competições
também era presente na filosofia.

Vimos até aqui a forma como Johan Huizinga entende o jogo, entretanto não podemos
nos ater apenas a esta visão se quisermos entender o jogo de forma mais completa e ampla.
Para servir de apoio às ideias expostas em Homo Ludens, usaremos aqui o discurso de Roger
Caillois em seu livro Os Jogos e Os Homens.

Caillois inicia sua exposição argumentando sobre a visão de Huizinga, o que é para
nós, certamente, interessante no tocante ao conflito das diferentes visões dos dois autores. Em
Os Jogos e Os Homens diz-se que a obra do primeiro autor aqui exposto nada mais é que uma
pesquisa sobre a fecundidade do espírito do jogo na cultura, não um real estudo sobre os
jogos. Logo se vê que a visão deste vem na tentativa de se sobrepor ao modo de ver do mais
antigo. Entretanto, a definição de jogo que este usa é demasiado parecida com a anteriormente
usada. As diferenças são expostas no momento em que Caillois começa a discorrer a cerca de
suas visões sobre os postulados de Huizinga.

A priori a visão de Huizinga estaria errada porque nem todo jogo estaria livre de
interesses materiais, dado que nos jogos de azar e nas apostas em geral há sempre um valor,
especificado, via de regra, monetariamente, que tange ao mesmo tempo o jogo e o ‘mundo
real’. Contudo, o próprio autor se corrige e repensa o caso dos jogos de azar, prosseguindo seu
raciocínio. “Em algumas das suas manifestações o jogo é lucrativo ou ruinoso em extremo, e
está até destinado a sê-lo. Isso não impede que esta característica se associe ao facto de o jogo
permanecer rigorosamente improdutivo.” (Caillois, 1990. pag 25)

18
Em outras palavras, o jogo em si não traz o objetivo imediato do ganho ou da perda do
dinheiro e de um valor externo ao próprio jogo. Talvez por isso por vezes um jogo de poker
apostando feijões, torna-se muito mais emocionante do que um jogo onde se aposta dinheiro,
não pelo valor de uma aposta ou de outra, entretanto pela imersão real dos jogadores dentro
do jogo. Esta importância de substituição de valores reais por valores existentes apenas dentro
do jogo, como o árbitro de uma partida de futebol ou a bandeira no jogo de ‘pega bandeira’,
são expostos por Huizinga, entretanto sem citar, de fato, que os jogos de azar que utilizam
valores também presentes no mundo exterior ao jogo não possam ser considerados jogo
apenas por isto.

É, com efeito, o próprio Caillois que menciona no decorrer de sua exposição sobre a
corrupção dos jogos que, ao passo que um jogo adquire um valor real externo mais importante
do que os valores e regras internas a ele mesmo, o jogo já não pode ser definido como tal.
Este termina ainda por dizer que mesmo nos jogos de azar não há de fato a produtividade,
apenas uma transferência de propriedade de um jogador a outro, como é exposto por Huizinga
nas sociedades primitivas nas quais o ‘jogo’ era desafiar o oponente fazendo uma grande
doação a ele e esperando a sua retribuição que deveria ser ainda maior, permanecendo todos
os bens dentro da mesma sociedade, apenas passando de um dono a outro dentro de um jogo
com regras pré-determinadas.

Ambos os autores concordam no que se diz a respeito da incerteza que o jogo deve ter
em si mesmo, da dificuldade de precisar, com tom de exatidão absoluta, o que ocorrerá e
como. Mesmo nos jogos de adrenalina, como o paraquedismo, não há uma certeza absoluta do
que ocorrerá. Há sim uma previsão de que não haverá danos para os participantes do esporte,
entretanto as sensações, as brincadeiras na queda-livre e as correntes de ar que levarão o
paraquedas a passar mais ou menos tempo no ar, antes de chegar ao solo, estas são coisas que
não se podem prever de fato e mesmo que se possa por vezes aproximar ao máximo os
resultados esperados à realidade, o corpo não interpreta esses resultados da mesma maneira,
portanto a sensação de adrenalina fluindo nas veias, vinda da incerteza e da insegurança,
permanece presente para os jogadores.

Portanto, vemos que, segundo esta definição, o jogo tem seis características básicas
para determiná-lo como tal. O jogo é livre, no que toca ao seu caráter voluntário. O jogo é
delimitado, como já havia sido exposto anteriormente, ele precisa de tempo e espaço
delimitados, regras e por vezes é destruído quando estas regras são quebradas ou quando algo
19
do mundo exterior invade as delimitações do jogo quebrando a imersão dos jogadores. O jogo
é incerto, seus resultados não podem ser pré-determinados em absoluto, há sempre que haver
um valor de inexatidão. O jogo é improdutivo, dele não se pode criar nada que se valha
pragmaticamente para o mundo exterior a ele, senão, por vezes, lições aprendidas pelo
simulacro que o jogo tem com a vida. O jogo é regulamentado, suas regras, durante a imersão,
superam as regras do mundo exterior, como também já foi exposto por Huizinga. O jogo é
fictício, não se pode viver o jogo senão pela imersão completa em sua realidade paralela e em
suas regras internas.

Caillois afirma que estas duas regras se excluiriam mutuamente, contudo se pode ver
claramente, pela visão do autor primeiramente requisitado, que estas características na
verdade se complementam. Ao passo que as regras do jogo só existem dentro dele, são por si
mesmas regras fictícias tratadas como regras sérias e absolutas quando se está imerso no jogo.
Ora, se a natureza do jogo é também frágil, como dito por Huizinga, as regras da vida
quotidiana e suas situações, por vezes mais urgentes e importantes, quebram facilmente os
valores internos do jogo. As duas últimas características, portanto, não se excluem em
nenhum momento, entretanto tornam o jogo algo frágil e submisso, no geral, ao mundo
quotidiano externo a ele.

É neste momento que a metodologia de Caillois começa a se apresentar de maneira


clara e proveitosa para este trabalho e para muitos outros. Após uma breve definição
simplificada, vimos uma conceituação do termo através de cada uma de suas características e,
com base nelas, não apenas uma exposição crua, mas uma perspicaz classificação dos tipos de
jogo. Isto não apenas é interessante no que toca a ser uma nova forma de ver, como também
facilita o entendimento e a delimitação de que tipo de jogo será trabalhado mais a frente.

Caillois divide os jogos em quatro grupos distintos, cada qual com um foco diferente
para gerar divertimento. Agôn, Alea, Mimicry e Ilinx. Agôn são os jogos de força, destreza,
astúcia e/ou perspicácia do jogador, aqueles que dependem unicamente das suas capacidades
individuais, ou sob forma de grupo, entretanto contam as ações e as estratégias criadas para
atingir o objetivo do jogo. Alea seria o exato oposto do Agôn: enquanto este depende das
habilidades do jogador, aquele depende de fatores aleatórios e totalmente incertos. É como se
classificam os jogos de azar. O jogador espera passivamente a decisão de um fator randômico
sobre o resultado do jogo, este fator randômico é o jogo em si, ao qual o jogador assiste
passivamente. Caillois define o Alea como um tipo de jogo essencialmente humano, pois de
20
todos os outros tipos de jogo os animais também podem se apropriar. Entretanto, os jogos que
exigem uma passividade diante de um fator randômico totalmente abstrato como a ‘sorte’ ou o
‘azar’ são demasiado complexos para o nível dos animais. Deste mesmo modo os bebês se
aproximam dos animais enquanto jogam, pois ainda não têm a noção dessas ideias abstratas.
Falando destes dois tipos de jogo, Caillois diz “...traduzem atitudes opostas e de certa forma
simétricas, mas obedecem ambas a uma mesma lei: a criação artificial entre os jogadores das
condições de igualdade absoluta que a realidade recusa aos homens.” (Callois, 1990. pag. 39)

O Mimicry trata de quando o jogo se resume à interpretação de papéis, desde o jogo


das meninas que fingem que suas bonecas são realmente damas da alta sociedade tomando
chá, até o jogo proposto pelo teatro enquanto arte. O simples fato de se por, imaginariamente,
no ‘corpo’ e na ‘vida’ de outro apenas pelo divertimento que isto possa trazer já caracteriza
este tipo de jogo. Porventura em certos casos deste tipo de jogo evidencia-se uma afinidade
pela ausência de regras. Este jogo joga puramente pelos instintos do que ‘se quer fazer’ e do
‘quem se quer ser’, sem que haja na realidade uma delimitação, como nos casos agonísticos e
aleatórios anteriormente citados. Definem-se bem as delimitações de regras para esse tipo de
jogo em Os Jogos e Os Homens: “A regra do jogo é uma só: para o actor consiste em fascinar
o espectador evitando que um erro o conduza à recusa da ilusão.” Caillois prossegue “para o
espectador consiste em prestar-se à ilusão sem recusar a priori o cenário, a máscara, o
artifício em que o convidam a acreditar [...] como um real mais real do que o real”. (Caillois.
1990. Pág.43)

Por fim temos o Ilinx, o jogo da adrenalina, por assim dizer. Nele não há como se por
no corpo de outro, entretanto o jogador põe-se em uma situação extrema, totalmente não
habitual. Geralmente essas situações envolvem algum tipo de perigo, algo que desperte a
vertigem. Desde se equilibrar pelo meio-fio da calçada às complexas acrobacias dos
trapezistas de circo.

De fato, Caillois tenta delimitar de maneira peremptória e demarcada estes quatro


tipos de jogo:

“Tendo bem presente essa intenção, tentei inserir em cada rubrica os jogos
aparentemente mais diferentes, a fim de realçar melhor as suas semelhanças
fundamentais. Combinei os jogos do corpo com os da inteligência [...] No interior de
cada classe também não fiz distinção entre os jogos das crianças e os dos adultos e,
sempre que pude, procurei comportamentos análogos no mundo animal. Tratava-se
desta feita de evidenciar o próprio princípio da classificação proposta, pois ela teria

21
muito menos alcance se não fosse nítida a correspondência entre as divisões e
impulsos essenciais e irredutíveis.” (Caillois. 1990. pag. 33)

Entretanto, é simplista demais a visão crua de que se possam traçar linhas tão bem
demarcadas, tal qual se os jogos estivessem em caixas que pudessem sem empilhadas por tipo
de jogo descrito na própria embalagem, como numa loja de brinquedos. De fato, não há
indícios de que seja assim, pois mesmo no jogo agonístico há a elevação da adrenalina, como
no Ilinx, não apenas pelo esforço físico puro, mas pela própria reação catártica do jogo. A
tensão, característica citada por Huizinga, causa nos jogadores este mesmo efeito de indução
de adrenalina. Ora, o paraquedista sabe, ou pelo menos acredita piamente, que seu paraquedas
abrirá e que chegará ao solo a salvo, então por que seu coração acelera e seu corpo reage
àquela emoção da queda-livre, se esta não passa de um simulacro?

É verdade que mesmo em um jogo de poker deveras interessante há um sentimento


muito forte de tensão e descarga de emoções, similar ao de quem pula de paraquedas ou ao de
quem se prepara para dar um xeque-mate no xadrez, ou mesmo, de quem está prestes a ouvir
o tiro antes de correr os cem metros rasos. Até mesmo nos jogos de azar existe a possibilidade
de se vislumbrar um mínimo de raciocínio lógico ou de destreza e não apenas uma entrega
total ao acaso, como nos blefes do poker ou na estratégia do War, que tem seu vencedor
fatalmente determinado pelo sucesso nas jogadas de dados. Da mesma maneira, no xadrez, a
simples escolha de quem ficará com as peças brancas, ou seja, quem começará o jogo, é feita
aleatoriamente pela escolha dos próprios jogadores ou por um outro fator randômico qualquer.
É realmente irrelevante aquele que faz a primeira jogada ou seria impossível eximir
completamente o fator sorte dos jogos agonísticos? Em uma partida de futebol, para que lado
o vento sopra pode alterar a direção da bola, isto não seria também um fator determinado
unicamente pelo acaso? Mesmo um jogador de loteria poderia perder o prêmio se não
estivesse atento para o sorteio, ou seja, se suas qualidades intelectuais não fossem aguçadas o
suficiente para que ele visse o sorteio ou lembrasse onde guardou o bilhete premiado. Mesmo
o Mimicry guarda características do agonístico no que toca à expressão corporal dos atores, ou
características do Alea no que tange a improvisação extremamente presente no âmago do
Mimicry. Ainda podendo ser comparado ao Ilinx no que tange às acrobacias e aos exercícios
vertiginosos do teatro, ao passo que o Ilinx guarda muito do Mimicry no que toca às
demonstrações de acrobacias e afins.

22
Esta idéia ideia de que os jogos podem ser devidamente separados em grupos, como
proposto por Caillois, é facilmente questionável, entretanto não vem ao caso aqui nos
determos nesse tipo de temadiscussão. Apenas fFoi interessante fazer notar que a isenção
absoluta dos quatro tipos de jogos não existe, ou pode ser questionada. A realidade propõe que
cada jogo, individualmente, guardaria características de cada um dos tipos citados, entretanto
penderia mais para um deles, não obstante sem se desvencilhar completamente dos outros.
Este questionamento, entretanto, deve ser guardado para uma pesquisa futura, mais cuidadosa,
ao longo da qual nos debruçaremos sobre estas questões.

Estranhamente, após esta demarcação firmada, Caillois prossegue firmando dois graus
de manifestação dos jogos. Graus estes que não têm por função delimitar em tipos, como faz a
classificação anteriormente explanada, mas apenas mostrar dois pontos opostos dos quais
cada jogo se aproxima alternadamente de acordo com sua ‘função’. Estes dois graus extremos
são a Paida e o Ludus. A primeira representa os jogos de crianças e os jogos entre animais,
são, via de regra, mais simples e livres de muitas regras complexas. Sua função é
majoritariamente divertir, pela pura e simples diversão. O Ludus, por sua vez, é o tipo de jogo
mais complexo, com mais regras, geralmente praticado por adultos. Nele há a necessidade
inerente de dificultar o jogo para aumentar a diversão, como se o acréscimo de regras, o que
complica o jogo, tornasse-o mais atrativo para os jogadores, que se sentem mais desafiados e
ao superarem os desafios sentem-se mais importantes no mundo interior ao jogo ou na
comunidade por ele criada. Entre a turbulência e a regra, termos usados pelo autor, existe uma
gama de níveis diferentes aos quais se integram os quatro tipos de jogo. Como uma teia
permeada ou como um tapete trançado, cada um dos tipos de jogo tem versões mais voltadas à
paida ou versões mais lúdicas.

Para este estudo o ludus será mais explorado adiante do que a paida, não apenas por
ser considerado mais complexo, porém por representar, no jogo, o elemento cujos alcance e
fecundidade culturais são mais surpreendentes (Caillois, 1990. pág 54)

Sendo assim, perguntemo-nos qual das duas visões sobre jogo seria mais útil para esta
pesquisa. A resposta pode parecer absurda, mas é, de fato, bem óbvia. As duas visões não
divergem por completo, como possa porventura parecer a princípio. É possível dizer inclusive
que a exposição de Caillois é apenas uma continuação ou um aprofundamento da visão de
Huizinga, corrigindo algumas pontas soltas e aprimorando-a em termos de classificação.

23
Portanto, quando estivermos, daqui em diante, falando de jogo, usaremos as definições de
Huizinga, acrescidas dos comentários de Caillois aqui expostos.

Posta esta visão, começaremos a contextualizá-la para dar forma à análise aqui
pretendida. De início tomaremos como a ideia de jogo antropológico se relaciona com a
memória e a cultura.

1.1.1 1.1.1 Jogo, Memória e Cultura.

Como já vimos anteriormente, o Jogo é predecessor da Cultura, mas é necessário saber


de que Cultura falamos quando fazemos essa afirmação. A própria palavra relaciona-se com
culto e colonização, advindas do latim colo, cultus, culturus.Colo na Roma antiga referia-se a
moradia, terra ocupada, cultivada, lugar de onde se fixam raízes, reais e metafóricas. Cultus
por sua vez, atribuía-se ao campo que já fora semeado por várias gerações, podendo-se dizer
que uma população que tem este cultus tem também memória, dado que o termo pode-se
referir também aos antepassados enterrados no lugar, como forma primária de religião ou
religiosidade. Culturus, segundo Alfredo Bosi (1992. Pág. P.16) em seu livro A Dialética da
Colonização, refere-se tanto ‘às labutas do solo, a agri-cultura, quanto ao trabalho feito no ser
humano desde a infância.’ Por isso define Cultura como as práticas, técnicas, símbolos e
valores que são passados às novas gerações ‘para garantir a reprodução de um estado de
coexistência social’.

Nisto também o jogo opera constantemente, sendo não apenas no agônico, como no
ritualístico do religioso, na arte e na preparação das crianças, por meio de processos lúdicos,
para a vida adulta e as responsabilidades da chamada coexistência social. Estes processos
lúdicos têm finalidade específica na manutenção dessas práticas e, como veremos à frente, na
sua função de ‘cimento social’, por ter alta capacidade de retenção de mensagens na memória
do jogador. Bergson (19929. Pág 88) entendia o processo mnemônico permeado por imagens,
divididas entre imagens-lembrança e imagens-ação. A primeira tinha por função o
reconhecimento e a apreensão de objetos e fatos, transformando-os em signos, criando
comunicabilidade, a segunda advinha da necessidade de rememorar percepções do passado,
não apenas através de reconhecimento, mas criando uma memória sensível. Ora, se a memória

24
está diretamente ligada a imagens, representações e fixação de determinadas emoções, o
lúdico torna-se a mais precisa forma de criação de lembranças. Segundo estudos de Maurice
Halbwachs, ‘A duração de uma tal memória era então limitada, pela força das coisas, na
duração do grupo’ (Halbwachs, 1990. pág 30) com isso explicitando que o valor da memória
individual é inferior frente ao da memória coletiva e que fatos, signos e imagens têm, via de
regra, maior ou menor importância para o indivíduo na mesma medida que para um
determinado grupo que detêm aquela mesma lembrança. Portanto, a criação de grupos para a
construção de uma lembrança forte na mente das pessoas, como a de uma notícia jornalística
ou campanha publicitária, é de grande valia se há o desejo da permanência da mensagem na
mente do receptor.

São inúmeras as vantagens do Jogo na fixação de lembranças, tão ligados são o lúdico
e a memória que seria exaustivo discorrer sobre todos os pontos. Cabe aqui, no entanto,
salientar que um jogo como o ‘Degustação Cultural’ ou o ‘Hemocionando’ mantém na mente
do jogador/receptor a mensagem passada pelo jogo, o sentimento transmitido pela campanha e
a vontade de criação de um ‘grupo jogador’ que fortalecerá a memória de cada um, bem como
intensificará a campanha, a marca e a mensagem a ser passada, contudo analisaremos isto
detalhadamente no terceiro capítulo. Bergson (19929. Pág 83), vai ainda mais longe e nos diz
que ‘É, portanto, na forma de dispositivos motores, e de dispositivos motores somente, que
ele (o corpo) pode armazenar a ação do passado’, portanto quando se joga, não apenas as
imagens são apreendidas, mas o corpo adquire memória intrínseca, tornando a experiência
mais intensa e mais viva na mente do jogador, do que seria se ele apenas assistisse sem
interagir.

Estes conceitos nos fazem recair sobre o papel do jogo na função social de
identificação entre os seus jogadores e de parte importante na construção da identidade do
sujeito, dado que através das memórias criadas através dele e da cultura advinda dessas
memórias, o indivíduo poderá se reconhecer a si mesmo e então reconhecer partes de si
mesmo no outro.

1.1.2 1.1.2 O jogador e os que jogam com ele.

25
O homem joga, joga para o outro e joga com o outro, isso já ficou bem claro nas
proposições feitas até o momento. O jogo cria lembranças, define memória e forma cultura. O
jogo forma grupos através da identificação entre um jogador e outro jogador, bem como entre
o jogador e o espectador. No entanto, para entendermos de que forma se dá essa identificação,
é necessário primeiro vislumbremos o que é a própria identidade.

Este conceito já foi bastante teorizado e muito ainda se tem a falar sobre ele,
entretanto, no intuito de não alongar mais do que o necessário esta discussão, entraremos
apenas no básico para tornar a pesquisa em questão o mais objetiva quanto possível.

Em termos rasos, pensa-se identidade como o oposto da diferença, dado que todo
termo é, em essência, definido por sua oposição, ou seja, uma coisa é tudo aquilo que o resto
das coisas não é. Assim também identidade é um conceito relacional, depende de algo para
além dela para existir, e cada indivíduo, portanto, é aquele que não é nenhum dos outros.
Porém esses termos simples, por si, não definem com precisão um dos elementos
fundamentais desse estudo.

Zygmunt Bauman nos diz que ‘identidade significa aparecer’ (2003. pág. p.21). Esta é
uma substituta da Comunidade, que é a verdadeira compreensão compartilhada do tipo
“natural”. O autor vê nessa identidade a formação de grupos, através da identificação, estes
grupos são formados por uma parcela da sociedade e absorvidos pelo restante dessa mesma
sociedade. Citando grupos como ‘gays, mulheres, negros, etc’ ele nos faz lembrar que estas
categorias também são usadas na segmentação de mercado dos estudos de marketing que
veremos mais à frente. Ainda que, diretamente para benefício próprio, a sociedade de
consumo cria estes grupos de identificação, ou ao menos se aproveita deles, criando, por
conseguinte, uma ‘comunidade’ na mente e no pensamento dos indivíduos através das suas
identidades.

Greimas e Courstés (1979) definiram defininem identidade como sendo o oposto de


alteridade, ou o(s) traço(s) pelo(s) qual(is) dois objetos podem ser vistos em relação mútua.
Aprofundando mais, disseram dizem que identidade é um “princípio de permanência” que
permite ao ser a continuidade de sua essência, apesar das transformações. Por fim delimitaram
delimitam ainda a possibilidade de ver identidade como o procedimento pelo qual um sujeito
assume o universo discursivo de outro como sendo o mesmo que o seu próprio. Por estes
26
princípios vemos que durante a vida nos são dados artefatos de identidade (nome, apelido,
RG, cargos, etc.) e na sensação, ainda que falsa, de comunidade, buscamos cada vez mais a
nossa própria identidade, para que tenhamos o sentimento positivo de permanência e conforto
que Greimas e Bauman nos descrevem.

Identificação, por sua vez, designa a equivalência de traços entre dois objetos distintos.
Ora, portanto, há sempre identificação entre dois jogadores de um mesmo jogo, dado que, a
princípio, o fato de jogarem o mesmo jogo traz um traço idêntico entre os dois. Ademais isto,
cada jogo também traz características inerentes em si mesmo, como formador de memória e
emoções, tendo sua própria ética e estando sempre embutido de mensagem o jogador encontra
os traços do jogo que correspondem aos seus para se afeiçoar ao jogo. Freud via a
identificação como sendo a identidade incompleta, dado que nunca existirá identidade
absoluta entre dois seres, pois se houvesse eles seriam o mesmo. Na ligação emocional com o
outro se tem uma busca por identificação, bem como se poderia dizer que na identificação
com o outro cria-se uma ligação emocional.

Há ainda o viés da psicanálise, que estabelece que, durante a infância, a identificação


se cria na incorporação oral do outro. Assim como o bebê sorve o leite da mãe, ele também se
torna a mãe, identificando-se com ela e criando vínculos emocionais. Por essa análise,
poderíamos dizer que o consumo de uma determinada marca ou ideia cria diretamente a
identificação do consumidor com o produto. O consumidor tem a necessidade de se identificar
com a marca, com a propaganda, com a ideia que lhe dá prazer. Apenas neste consumo ele
poderá se sentir verdadeiramente identificado com aquela marca, caso contrário o máximo
que haverá é a intenção desta identificação. É necessário que a marca se faça, de alguma
forma, consumida pelo público, para que se crie o vínculo emocional entre produto e
consumidor.

No jogo, esse consumo se dá por completo, pois durante o tempo mítico o jogador faz
parte do jogo, tanto quanto o jogo está no jogador. Sendo completamente identificáveis um no
outro, cria-se o vínculo emocional, interno à imersão já referida, criando uma experiência
intensa, gravada na memória e constituinte de cultura.

Suely Rolnik (1997), em seu texto “Uma insólita viagem à subjetividade” nos fala
ainda de uma ‘toxicomania de identidade’, afirmando que, nos dias de hoje, há uma
ininterrupta e viciante busca pela autoafirmação de uma identidade. Segundo a autora, o

27
sujeito não ‘deixa vibrar em sua pele, de todas as intensidades do fora, apenas aquelas que não
ponham em risco sua suposta identidade’ (pág. p.4) referindo-se ao constante esforço do
indivíduo em receber positivamente mensagens com as quais ele não encontra identificação.
Para além do posicionamento da autora sobre a busca da identidade na contemporaneidade,
assunto que não cabe ser refletido a fundo no presente estudo, é válido atentar para este fato.
Há que haver, a priori, na própria mensagem a ser transmitida por qualquer jogo, algo que em
si já crie identificação com o possível jogador. Mesmo sabendo que é impossível impedir
completamente a recepção de uma mensagem direta, é mais interessante para que o jogo
transmita uma determinada mensagem, que esse tenha alguma identificação direta com o
jogador em potencial ou público-alvo da mensagem nele embutida.

Ora, portanto, o jogo ‘Hemocionando’ é direcionado a usuários de internet (e por


consequência o computador) que têm, ou podem ter, algum interesse pelo assunto doação de
sangue. Bem como o jogo ‘Degustação Cultural’ tem por objetivo promover a paixão
culinária cearense, especialmente em crianças, dado que o jogo é voltado para alunos do
ensino fundamental de escolas públicas, portanto seus mecanismos são desenhados
especificamente para desenvolver neste público aquele interesse.

1.2 1.2 Os jogos na era da tecnologia.

Fez-se esclarecido até o momento a importância do jogo para a sociedade e para o


indivíduo no seu âmbito mais geral. Entretanto, agora convém afunilar nossa visão para
focalizarmo-nos mais próximos do nosso objeto. O jogo digital é ainda mais multifacetado do
que o jogo em si, pois, além das facetas que jogo geral tem, ele ainda apresenta características
específicas e diversas interdisciplinaridades não previstas em sua visão geral. O jogo digital
trata-se de um jogo que é mediado por uma interface composta por uma parte física e uma
parte em programa binário, ou seja, digital. Ele cria uma interação homem-máquina, através
de comandos que o jogador fornece ao aparelho, apertando botões ou de qualquer outra forma
prevista, e este responde aos comandos mostrando as reações através da interface.
Entendemos, então, nesta pesquisa, o jogo digital como um ato comunicativo, cuja resposta
aos movimentos do jogador configuram um importante papel interativo que será melhor
explanado mais adiante.
28
Os jogos digitais, durante uma boa fatia da sua história, foram relegados às áreas da
informática e tecnologia, sendo considerados apenas sequências binárias que formavam regras
e programas, tendo seus estudos e desenvolvimento intimamente ligados com as engenharias.
Entretanto, já não é de hoje que diversos estudos são feitos sobre esses jogos, não apenas no
campo da comunicação, como também na seara de estudos da linguagem, pedagogia, estudos
artísticos, etc. Isto porque o jogo digital também se desenvolveu nas últimas décadas
incrementando-se de todas essas disciplinas para tornar-se mais interessante para seus
jogadores. Na tese de doutorado Apontamentos para uma aproximação entre jogos digitais e
comunicação, Cristiano Max Pereira Pinheiro diz que ‘a natureza do jogo digital permite de
forma clara e imediata verificar a comunicação reativa’. (2007. pág.21), e segue com a
definição ‘Jogos digitais são (...) todos que em sua construção sejam produzidos por
linguagem computacional (binária).’(2007. pág. p.25)

É somente através dela que se podem construir as regras e as formas finais do jogo.
Através disso Pinheiro entende o jogo como sendo intimamente ligado à teoria matemática da
comunicação. Contudo, no que toca ao assunto, a grande expansão de possibilidades
relacionais entre os jogadores amplia as possibilidades sociabilizadoras e por isto pode-se
concluir que também aumentam as possibilidades comunicacionais. O constante uso da
internet, que coloca os jogos cada vez mais em rede cria amigos virtuais dentro do próprio
jogo e relações de interação que antes eram impensáveis para este tipo de produto. Pinheiro
salienta que o contexto lúdico torna ainda mais rico o ato comunicativo.

O jogo digital permeia nossas vidas por ter se inserido paulatinamente na sociedade,
não apenas nos consoles caseiros, como também nos arcades, nos videogames portáteis, nos
aparelhos de transmissão de TV a cabo e, sobretudo, nos jogos embutidos em celulares,
tablets, computadores e todo quase aparelho eletrônico desenvolvido atualmente. E é nestes
últimos que hoje se apoiam o Jornalismo e a Publicidade para estarem cada vez mais
próximos e mais constantes no dia-a-dia de seus consumidores, algo de que os
desenvolvedores de jogos também tendem a se aproveitar. Numa sociedade permeada por
aparatos tecnológicos de interface digital e pela criação de uma cibercultura cada vez mais
presente no dia a dia, é inegável a importância que esses jogos vêm tomando e a absorção que
eles tomam de cada nova tecnologia que aparece, quando não são estes mesmo que as criam.

Os consoles de videogame são elementos da cultura permeada por aparelhos


cibernéticos na qual se vive atualmente cibercultura por exercerem fascínio através da
29
interatividade e por pertencerem a uma microinformática. Pinheiro acredita que a
interatividade e a telepresença são os fatores que tornam a imersão neste tipo de jogo tão
intensa. O autor cita ainda as relações com a tecnologia e com o mercado de entretenimento
como sendo uma característica que aproxima os videogames com o campo da comunicação.
Ora, isto poderia ser ainda mais facilmente explicitado pelo fato de que os videogames são
meio de mensagem, têm essa capacidade intrínseca ligada, ainda que não a usem em todos os
casos, como nos jogos mais primitivos. Entretanto, é difícil encontrar um jogo produzido nas
últimas décadas que não carregue em si mesmo uma narrativa, uma história, signos e
símbolos próprios que se tornam, ou podem tornar-se, ícones da cultura pop e da cibercultura
desses videogames, como o famoso cogumelo do jogo Mario Bros, ou o próprio personagem
de Pac-man. Esses símbolos externado a partir de um jogo que se populariza criam uma gama
possibilidades para os profissionais de comunicação. O jogo digital torna-se mídia, cria
linguagem e símbolos de identificação do grupo jogador.

Na sequência desse estudo faremos uma breve explanação da complexidade dos jogos
digitais proposta por Pinheiro para então comentarmos as principais correntes teóricas que se
debruçam sobre o tema atualmente. Faz-se necessário aqui delimitarmos que ‘videogame’ é o
termo usado no Brasil para designar genericamente qualquer console, entretanto no original
esta palavra se refere ao jogo que é jogado em um console. Dado isto ateremo-nos a usar esta
expressão o mínimo possível para não criar confusão entre as possibilidades do termo.

1.2.1 1.2.1 O jogo digital em sua complexidade.

Como dito acima, a expansão tecnológica permitiu a criação de jogos com números
extraordinários de jogadores. Há certos jogos em rede com mais de cem mil jogadores
conectados uns aos outros e com possibilidade de interação de todos com todos, ou um jogo
de tremendas possibilidades como Great Theat Auto V, no qual o seu personagem pode, além
de todas as missões do jogo, passar o tempo em uma partida de tênis ou pulando de
paraquedas, tudo isso sem nenhuma relação com a trama principal do jogo. É, portanto,
impossível de pensar que um jogo desta natureza tenha uma fácil definição ou se enquadre
facilmente nas proposições feitas por Caillois. De fato, o ponto aqui é que aquele está,
simultaneamente, em todas as classificações do autor, dependendo apenas de que parte do
30
dele estamos observando ou jogando. ‘O jogo digital parece seguir realmente um caminho de
hibridação’ (Pinheiro., 2007. pág. p.40). Essa complexidade traz consigo a emergência de uma
cibercultura debaixo de si. Através disto podemos perceber a força socializante que este novo
instrumento de comunicação tem.

Para remontar a complexidade dos jogos digitais, Pinheiro vai até o momento da
criação de um deles, pensando o jogo como uma interação entre uma ideia narrativa, ou
comunicativa, e passando por produção de um roteiro, estudo das possibilidades da
jogabilidade, arte inerente a sua produção e parte matemática computacional presente na
programação. O sistema de jogo é essencialmente uma sintonia precisa entre todos esses, e
por vezes outros, aspectos. É por esta sintonia bem pensada que este objeto tem efeitos que
vão para além de sua natureza, influenciando inclusive o modo de pensar de um jogador. Este
papel é explicitado no incremento do nível de dificuldade cognitiva dos jogos, conforme eles
foram se estabelecendo na sociedade. Ora, jogos demasiado simples e de conteúdo
simplificado não mais interessam tanto aos jogadores atuais quanto os jogos permeados por
conteúdo e possibilidades que vêm sendo oferecidos com frequência cada vez maior.

Os próprios gamedesigners, profissionais responsáveis pela construção dos jogos, não


criam mais esses jogos, senão quando não têm recursos para criar jogos mais complexos. Isto
se dá porque a busca do consumidor por um produto cada vez mais desenvolvido, em sua
jogabilidade e enredo, modifica o modo de produção dos jogos digitais, bem como os jogos
digitais modificam a mente do jogador, demonstrando um sistema retroativo de comunicação
entre os criadores de jogos e seus consumidores. As grandes corporações de jogos digitais são
os principais agentes transformadores dessa revolução, a cada vez que lançam uma nova
geração de consoles, com novas tecnologias e possibilidades para a criação dos jogos, tendo
seu produto como um fenômeno cultural. Esta busca constante por novos consoles e novos
jogos envolve quase toda a cultura pop e a indústria de entretenimento, dado que, não de hoje,
praticamente todo filme de ação, animação, história em quadrinhos, livro, etc. ganha também
sua versão de jogo digital.

Devido a esta complexidade já exposta convém uma atualização do conceito de jogo


para jogo digital, pois um jogo de futebol não é a mesma coisa que um videogame que simula
um jogo de futebol. O simples fato de o computador controlar as regras e todos os
personagens que o jogador não controla, já seria diferença o bastante para dizer que os dois
não são a mesma coisa e, portanto, devem ser estudados de maneira diferente. Os conceitos
31
propostos por Caillois, como já foi dito, enquadram os jogos digitais, entretanto, os jogos
digitais se enquadram em todos os modelos da classificação de Caillois, ao mesmo tempo em
que precisam de uma outra classificação interna para serem analisados como objeto
independente. No momento atual se faz necessária uma teoria própria dos jogos digitais, dado
que as teorias lúdicas, anteriores a sua criação, não tem a possibilidade de embasá-lo
propriamente.

1.2.2 1.2.2 Narratologia e Ludologia.

Os estudos sobre os jogos digitais são, obviamente, ainda mais recentes que o objeto
em si. As primeiras pesquisas surgiram na década de 1970, entretanto apenas na década de
1990, com o crescimento da importância econômica deste objeto, a pesquisa se fortaleceu.
Entre as principais teorias de gamestudies, nome designado para os estudos de jogos digitais,
temos a dualidade entre a Narratologia e a Ludologia.

Como os próprios nomes sugerem, uma das linhas se foca no estudo segundo preceitos
estabelecidos pelos estudos narrativos e vê no viés narrativo do jogo o seu principal enfoque,
enquanto a outra foca na proposição de uma nova área do conhecimento para estudar esses
fenômenos específicos, ligando-se muito mais ao jogo em si do que a qualquer um dos seus
aspectos contribuintes. Não existe ainda um consenso entre essas duas linhas e a maioria dos
pesquisadores do assunto se posiciona em uma das duas correntes, mas não encontraram
argumento definitivo que encaminhe os estudos para uma ou outra linha.

Os jogos digitais contemporâneos tendem a seguir uma cronologia dos fatos que se
pode entender como narrativa. Renata Gomes, pesquisadora do campo e bem fundamentada
na narratologia, diz que mesmo em jogos de mundo aberto (termo popular para jogos nos
quais não existe uma linearidade obrigatória a ser seguida e o jogador pode escolher quais
fatos irão acontecer ou não e a ordem destes fatos dentro das possibilidades previstas na
programação) há uma criação de narrativa. (Gomes, 2009. Pág 184).

Os ludologistas, por outro lado, como explicita Pinheiro, veem o sistema como
principal determinante do jogo e a sua narrativa como incidental. Tal não fosse, jogos como
Tetris, nos quais não há nenhuma sequência narrativa, não poderiam existir ou não se
32
qualificariam como jogos digitais. Para estes estudiosos, a narrativa, ainda que
constantemente utilizada hoje em dia, é incidental ao jogo.

Gomes defende a narratividade dos jogos segundo os preceitos de que para um texto
ser considerado narrativo ele deve criar um mundo e povoá-lo com personagens, o mundo
deve sofrer mudanças causadas por eventos extraordinários e o texto precisa construir uma
rede interpretativa de objetivos, planos e relações causais e motivacionais. Dado que os jogos
atuais atendem a esses requisitos, o jogo digital atual deveria ser considerado como um texto
narrativo. Para Gomes, ‘ser uma narrativa é propriedade de construções semióticas que
arranjam sua linguagem de forma a intencionalmente provocar scripts narrativos na mente de
seus leitores’ (Gomes, 2009. Pág 185). À luz desses esclarecimentos, a autora entende a
narrativa interna ao jogo como sendo tão importante quanto seu viés lúdico, obviamente
entendendo o jogo digital como uma narrativa demasiado diferente de qualquer outra, como
um filme, dado que neste objeto o jogador por controlar as ações dos personagens internos à
trama.

Do mesmo modo, os ludologistas não negam a presença da narrativa, mas, encarando


esta como incidental, tendem a ver que esta narrativa apenas cria um novo sistema de jogo e,
dessa forma, construindo um novo esquema para o jogo digital, mas não se tornando tão
importante quanto o elemento lúdico ao qual a narrativa se agregou. É fato que, como
proposto por Pinheiro, ‘quanto maior a apropriação cultural, melhor o jogador terá
desempenho no jogo’ (2007. pág. p.131). Ora, é lógico que ao jogar “The Lord of the Rings”
para Playstation 2 meu conhecimento sobre os livros de Tolkien e sobre os filmes de Peter
Jackson me dão vantagem clara em antecipar os fatos a serem ocorridos na trama do jogo,
bem como em reconhecer os seus signos e personagens. O processo inverso também ocorre,
dado que conhecer algo em um jogo implica na possibilidade de aprendizagem pelo próprio
jogo e isto será visto no próximo tópico.

A discussão é grande e não é intuito deste trabalho por um fim a ela, ou posicionar-se
de maneira peremptória, atribuindo juízos de valor a uma ou a outra linha de pensamento.
Eentretanto, para vias de estudo, trataremos de jogos onde nos quais a narrativa é um
elemento importante, dado que a transmissão de uma mensagem através do jogo digital é o
foco deste estudo.

33
1.2.3 1.2.3 Das tipologias dos jogos digitais.

Aqui, faz-se também necessário necessária uma delimitação das tipologias que esses
estudos nos oferecem, de modo a podermos segmentar os jogos digitais em suas próprias
respectivas subcategorias. É verdade que o próprio mercado de jogos cria para si uma
classificação própriaparticular, entretanto seria imprudente para um estudo acadêmico se ater
somente às determinações do mercado para classificar o seu objeto de estudo. Pinheiro propõe
então uma tipologia dos jogos, pautada em uma tríade que ele expõe como: narrativa,
interface e tecnologia.

A narrativa, ponto essencial para o jogo digital como o que queremos analisar, traz
consigo pontos elementos elementares internos e externos ao jogo digital. Mesmo em
situações não aparentes, como em Tetris ou Pac-man, há uma carga cultural agregadaa, nos
valores e habilidades que cada um dos jogos explora no desenvolvimento de suas partidas.
Assim como a visão de que raciocínio rápido e predição estatística de peças são importantes
no primeiro, reflexos ágeis e estratégia de fuga são necessários no segundo. Acima de tudo,
pode-se dizer que os valores de superação, crescimento de dificuldade dos desafios, e
persistência após uma possível derrota, são valores culturais que estes jogos implantam em
quem os joga, devido à ideia narrativa inerente a eles, ainda que esta não seja verbalizada
durante o jogo. Assim, conclui Pinheiro, ‘a narrativa sempre é uma dimensão presente’ (2007.
pág. p.166).

Acima disso convém explicitar que um jogo digital permite uma narrativa
demasiadamente complexa, em jogos como Valkyrie Profile, onde no qual o jogador utiliza
uma Valquíria (deidade menor nórdica) para resgatar diversos guerreiros caídos em batalha
para com objetivo enfrentar os inimigos de Odin. Conforme a escolha de resgatar ou não cada
um dos guerreiros que o jogador encontra, temos uma gama de possibilidades para o
desenvolvimento e desfecho da história. Essas experiências vivenciadas na construção dessas
de tais narrativas afetam a psique de quem as joga, criando elementos para fora do jogo e por
vezes se utilizando de elementos de fora do jogo para fortalecer os seus signos internos. Ora,
não é a toa que o personagem principal de Mário Bros cresce em tamanho ao comer um
cogumelo, mas para o jovem atual é muito mais fácil fazer a associação do cogumelo com o
encanador italiano, do que com a jovem Alice de Lewis Carroll.

34
O segundo ponto da tríade que Pinheiro descreve é a interface, uma união entre
narrativa e interatividade que assim cria uma experiência para o jogador. Para explicitar o que
seria essa interface, precisamos tomar o conceito de tele-presença, a presença digital que o
jogador sente como real. Está Esta tele-presença se evidencia, por exemplo, quando o
personagem controlado pelo jogador cai em um dos precipícios da fase, contudo é o ‘jogador
que morre’’., Aa afirmação comum por parte do jogador é dizer que ele mesmo morreu, ele
mesmo caiu, ele mesmo venceu, ele mesmo viveu o jogo. Pinheiro cita Steuer ao dizer que
esta dada tele-presença está ligada à vivacidade e à a interatividade.

A vivacidade é ligada à imersão, definida pela amplitude dos sentidos imersos


(audição e visão prioritariamente, entretanto não é de hoje que os controles vibram e estão
cada vez mais sensíveis ao toque) e pela profundidade com em que esses sentidos são
imersos, dados mais ligados à qualidade do áudio, vídeo e das tecnologias em geral usadas.

A interatividade, ponto mais interessante de ser explicitado nesse momento, é ligada a


à velocidade, demonstrada no tempo de resposta do ambiente digital aos estímulos fornecidos
pelo jogador; o alcance que diz respeito às possibilidades de ação disponibilizadas, ou o que
chamamos de jogabilidade; e o mapeamento que permite que o sistema evolua de acordo com
o contexto criado pelas ações do jogador. Ora, quanto mais veloz é a resposta do jogo às
minhas ações, quanto mais possibilidades de ações o jogo me oferece e quão quanto mais
essas ações geram consequências dentro do jogo, mais real ele se torna, portanto mais
interativo, pois minhas ações se tornam mais importantes para a construção da partida. ‘Essa
vinculação com a interatividade permite explorar a capacidade de comunicação deste objeto’
(Pinheiro. 2007. Pág 15). Vários autores defendem a interatividade como sendo o ponto
principal de identificação do jogo digital. Apenas através por meio do desenvolvimento das
possibilidades de interação através das interfaces o jogo cresceu em presença na sociedade.
Essa dimensão do jogo é tão significativa que, graças a ela, desenvolveram-se as mais
diversas possibilidades narrativas dentro dos jogos digitais. Jogos que antes tinham comandos
demasiado reduzidos, hoje tem têm uma infinidade de possibilidades dentro inerentes daa sua
jogabilidade, tudo isso por conta da busca dos gamedeisigners pelo aumento da amplitude da
interatividade. A união da necessidade de melhores interfaces para que se possam ser
desenvolvidas melhores temáticas e vice-versa, torna o jogo um processo comunicativo que
vai se aprimorando, a passos largos e cada vez mais rapidamente, se apropriando de cada nova
tecnologia desenvolvida, como veremos a seguir.
35
A tecnologia é o terceiro ponto de definição do jogo digital, entretanto foi o primeiro a
ser percebido na cronologia dos videogames, dado que os primeiros jogos digitais foram
criados com o único intuito de testar o funcionamento de computadores. Contudo, hoje em
dia, são criados computadores específicos para jogos digitais, os chamados consoles. Estes
tem têm papel determinante no viés tecnológico de cada jogo, aprimorando-se de tempos em
tempos, com todas as empresas lançando suas inovações nas mesmas épocas, quase como se
lançam carros todos os anos, a cada período de cinco ou seis anos aparecem novas gerações
de consoles. É interessante notar que nem a TV, nem o rádio, nem toda a mídia impressa, nem
mesmo a internet sofreu tantas mudanças midiáticas fundamentais em tão pouco tempo.

Esta tecnologia divide-se em hHardware e sSoftware, sendo o primeiro a parte


máquina e o segundo a parte programação dos jogos. Dentro do hardware temos não apenas
as inovações de consoles, com evolução dos gráficos, velocidade e armazenamento, como
também as inovações de periféricos. Controles mais modernos, mais rápidos, precisos, com
respostas de vibração e em diferentes formatos como tapetes, armas, volantes e instrumentos
musicais; fones de ouvido e microfones para que os jogadores possam se comunicar uns com
os outros à distância, e na era dos jogos online isso se faz cada vez mais interessante,
fornecendo toda uma nova noção de interação social mediada pelo jogo; sensores de
movimento que permitem ao console captar cada movimento do jogador sem que haja a
necessidade de um controle. Os softwares evoluem principalmente nada qualidade de seus
gráficos, imagens, narrativas e jogabilidade individual de cada jogo. Cada jogo tem por
objetivo ampliar as experiências dos jogadores, portanto devem se diferenciar dos seus
predecessores ou evoluir possibilidades já exploradas, como na versão de The legend o f
Zelda para Nintendo DS onde na qual a única maneira de apagar uma determinada vela que
bloqueia uma passagem é soprando na tela do console, cuja sensibilidade permite perceber o
sopro e responder apagando a vela. Outra possibilidade criada pelas inovações tecnológicas e
a forte presença de conexão à internet em todos os consoles atuais,s é a integração de várias
mídias em um mesmo aparelho, característica de hibridez própria dos jogos digitais e por eles
desenvolvida. Essas mudanças são a base para mudanças inovações em interface e narrativa,
com o incremento de possibilidades tecnológicas criam-se as revoluções nos jogos digitais.

É interessante entender que essas três faces trabalham juntas e apenas assim
funcionam,. eElas não segmentam em exatidão o jogo, dado que, se determinada peça
importante para a narrativa é usada de como forma de comunicação entre o jogador e o jogo,
36
também será considerada de interface. A narrativa é influenciada pela interface, ao passo que
esta é determinada pela tecnologia na promoção de novas experiências, e a dimensão
tecnológica e influencia pela necessidade da narrativa de aumentar a imersão do jogador no
fortalecimento da interatividade.

A menor parte constitutiva de um jogo digital, em que ainda se pode evidenciar cada
uma das suas dimensões, é chamada ludema. Ele funciona como componente de atualização,
durante o jogo. É somente sendo somente através da presença destes que o jogo ocorre.,
Ludemaseles são como orações em um texto, através deles percebe-se que função o discurso
narrativo do jogo pretende tomar. Eles convertem todas as características supracitadas em
unidade integrada, criando um discurso híbrido característico do jogo digital. Pinheiro cita
quatro tipos diferentes de ludemas: os básicos se referem aos comandos realizados pelos
personagens controlados pelos jogadores durante todo o jogo, ou seja, correr, andar, pular,
falar, etc; ludemas específicos são aqueles que atualizam os ludemas básicasbásicos, ativação
de novas habilidades, ações contextuais, como por exemplo acelerar ou frear um carro;
ludemas de performance física são aqueles que se referem a à precisão de movimentos do
jogador, onde em que há necessidade de utilizar agilidade, reflexos e atenção para realizar
determinado efeito dentro do jogo; por fim, os ludemas de performance cognitiva envolvem a
resolução de quebra-cabeças, a interpretação de textos e contextos narrativos e, por vezes, a
criação de uma estratégia específica para realizar uma missão. Pinheiro cita ainda um ludema
descritivo, que envolve a capacidade contemplativa do jogador perante o viés artístico, seja
ele épico e grandioso ou sutil e sublime., Ddando ao jogador uma maior apreciação do jogo
digital, este traz consigo a possibilidade de entender a narrativa em sua forma mais subjetiva.
Todas essas partes constitutivas, quando bem trabalhadas, em conjunto, formam um jogo
completo e complexo, permeado pelas mais profundas formas de interação com a narrativa
presente no jogo e seus outros possíveis jogadores, mediante às as interfaces tecnológicas.

37
2 O JOGO E A PUBLICIDADE

Até aqui vimos como o jogo de insere na sociedade, na mente e no cotidiano: seus
estudos desde a visão mais geral até os estudos específicos do jogo digital. Agora
afunilaremos ainda mais nossa visão e estaremos mais próximos do objeto de estudo. Já vimos
o jogo como processo comunicativo. Posto isso, veremos adiante o jogo como peça
publicitária. Para tanto se fazem necessários alguns esclarecimentos de cunho específico da
publicidade. Para isso teremos em mente que um jogo não é como um anúncio tradicional que
explicita o objetivo de venda diretamente, e sim algo que seduz o jogador de maneira
subliminar, incutindo nele símbolos e signos que não existiam ou tinham valor diferente, mas
que, na criação de uma nova cultura, se modificam.

2.1 Prendendo pela interatividade.

É fato sabido que a publicidade busca o tempo inteiro novos espaços e novas mídias.
Os profissionais dessa área estão sempre a procura de um ponto onde colocar um anúncio,
ainda não pensado pelos seus colegas. Seja nos adesivos postos na escada rolante, seja calção
do esportista, seja como patrocinador de um quadro no programa de sábado à tarde, o
importante é tomar todos os espaços da vida do consumidor. A publicidade não se satisfaz
mais com a ideia de um intervalo em um programa de TV para aparecer na tela. Ela precisa
estar na camisa do apresentador, no dia a dia da personagem da novela, na barra de

38
apresentação do nome do filme. Lipovetsky (1987) já previa que a publicidade entraria no
cinema e na arte, mas talvez não imaginasse um filme onde os protagonistas fossem carros,
como a trilogia Transformers, que também virou jogo, diga-se de passagem. A publicidade
seduz paulatinamente o consumidor através de cada espaço comprado ou produzido para
mostrar seus produtos e as qualidades destes, ainda que essas qualidades sejam
completamente imaginárias, alheias à realidade, como o Camaro amarelo, que é um dos
personagens principais do filme supracitado, e tem como uma de suas qualidades ‘ser o
personagem do filme’, sendo o filme uma vitrine mundial para que o consumidor passe duas
horas inteiras olhando para o carro em ação, coisa que nenhuma inserção na televisão faria.

Lipovetsky nos diz que “a evasão era a necessidade primordial a sustentar o consumo
cultural” (1987. pág 221) a cada nova invenção midiática, a publicidade corre a permear suas
entranhas e se estender em suas máximas capacidades e possibilidades. Foi assim também no
jogo, desde muito cedo, entretanto apenas recentemente, com a popularização da internet nos
aparelhos de celular e aplicativos de smartphones, os jogos vêm sendo tomados de maneira
mais séria como mídia, já havendo jogos feitos especificamente para determinadas marcas. A
publicidade se aproveita do entretenimento, em sua característica clássica de arrebatamento da
realidade, e através desta suspensão o entretenimento torna leve e sutil qualquer mensagem
que a publicidade tenha por finalidade incutir na mente do espectador. Ora, essa característica
de arrebatamento e suspensão é exatamente a imersão descrita por Huizinga, traço
componente marcante do jogo.

Lipovetsky ainda nos descreve como a cultura de massa orienta as atitudes dos
indivíduos, tanto no âmbito pessoal quanto no coletivo, para difundir novos padrões de vida.
Isso é característica da publicidade ou do jogo? De ambos. Vemos assim que, em seu jogo de
sedução e convencimento, a publicidade em muito pouco se difere do jogo antropológico
descrito por Huizinga, e que o jogo digital, em sua faceta de mídia, é um meio ideal para a
difusão de novos estilos de vida fundados no divertimento e no consumo, como Lipovestky
previa a evolução da publicidade.

A socialização dos seres por intermédio da tradição, da religião, da moral cede


terreno cada vez mais à ação da informação midiática e das imagens (...) um tipo de
socialização completamente inédito, soft, plural, não-coercitivo, funcionando na
escolha, na atualidade, no prazer das imagens (Lipovetsky. 1987. Pág. P.226)

Vemos nesta citação que as ideias de Lipovestky sobre a mídia e a publicidade se


confundem com os conceitos de jogo que Huizinga expõe e cada vez mais se aproximam das
39
formas de jogos digitais que vemos nos dias de hoje. Os jogos online estão cada vez mais
presentes, sobretudo no cotidiano dos adolescentes de classe média, talvez o grupo mais
influenciado pela sociedade de consumo. Esses jogos criam grupos sociais, agregam os
jogadores entre si, funcionam como cimento social, são representantes de preferências e, por
consequência, de personalidade e individualidade. São essas escolhas, que funcionam como
escolhas de consumo, que representam a identidade de cada jogador e a identificação deste
com os outros e com o próprio jogo. Grupos coesos, como jogam sempre no mesmo horário,
com os mesmo parceiros, que por vezes tendem a interagir no mundo externo à mídia, acabam
por se tornar grupos de consumo segmentando mercados, já conectados espontaneamente a
uma nova mídia, potente e sutil. Lipovetsky já dizia que a evolução das mídias traria uma
maior individualização e homogeneidade cultural. O que vemos nesses jogos online não é
diferente dessas previsões, desde a criação de um personagem próprio para cada jogador à
aproximação cultural que ele tem com cada outro jogador. Nesse novo contexto, a publicidade
vai aos poucos mostrando sua sedução inerente, absorvendo essas características midiáticas
para absorver também o consumidor.

...quanto mais há livre escolha e individualização, mais a capacidade de integração é


grande, mais os indivíduos têm possibilidades de reconhecer-se em sua sociedade,
de encontrar na mídia o que corresponde a suas expectativas e seus desejos.
(Lipovetsky. 1987. pág. p.228)

Não há dúvida aqui da similaridade que o jogo tem com a proposta do autor se
identifica com os jogos digitais contemporâneos: com todos os consoles colocados em rede,
não existe mais jogador sozinho, mas comunidades de jogadores. Não se trata apenas de
manter uma sociedade e uma cultura instituída, mas de criar e formar novas a cada
lançamento de jogo, console, tecnologia, etc. Uma massa social que absorve as mensagens
enviadas por essa indústria, através do empirismo e da vivência das situações através do jogo
e de suas ressignificações.

“Olha-se a tevê de fora, escuta-se distraidamente, desliza-se sobre as imagens, salta-se


de canal em canal: tudo menos engajamento intenso.” (Lipovetsky. 1987. pág. p.230) decerto
não podemos dizer o mesmo dos jogos digitais. Lipovestky diz que através das mídias de
massa, como a TV, as mensagens são cada vez menos assimiladas em profundidade, que a não
racionalização dessas mensagens é o que torna potente a transformação que elas criam. Seria
possível concordar em absoluto com ele, não fosse a imersão que o jogo propõe, criando uma
obrigatoriedade de entrega do jogador. Quando a mensagem é transmitida através desta mídia,

40
em contraposição ao comercial comum e unilateral, a interatividade pede do receptor que
esteja atento para responder aos estímulos e assim estimulado de volta ele cria um prazer
lúdico que facilita a absorção da informação.

As vantagens desse tipo de mídia, no entanto, não estão totalmente exploradas nessa
introdução. Para isto deveremos nos debruçar sobre o processo de formação do Imaginário,
para então analisarmos que benefícios isso terá para a publicidade e a sociedade de consumo.
Só então poderemos passar adiante e nos atermos ao nosso objeto.

2.1.1 Desvendando o Imaginário

Vimos até agora que o jogo tem caráter ritualístico, criando uma atmosfera de imersão
através de signos próprios e lógica interna. Explanamos através das elucidações de Huizinga
que o jogo tem a função social de moldar o indivíduo para a vida externa a ele, portanto
podemos concluir que os signos do jogo podem, e são, por muitas vezes, levados para a vida
externa ao jogo. Assim estabelecemos uma relação de comunicação do jogo com o indivíduo
através desses simbolismos.

Michel Maffesoli nos diz, em seu texto A Comunicação Sem Fim, que comunicação é
o cimento social que liga os indivíduos através desses mesmos simbolismos. Remetendo ao
significado etimológico de ‘compreender’, ele nos leva a pensar nesta palavra como ‘pegar
com, tomar junto, reunir’ e remetendo à palavra ‘vibrar’ por diversas vezes nos faz pensar que
a compreensão vem da ideia de vibrar na mesma frequência que o outro, bem como dois
rádios caseiros que sintonizados na mesma frequência conseguem criar comunicação entre si.
Em sequência nos fala da ideia de informação, que por sua etimologia significa ‘ser formado
por’, e segue com “Numa era da informação,[...] não se pensa por si mesmo, mas se é
pensado, formado, inserido numa comunidade destino” (Maffesoli, 2013. Pág 14).

Ora, é impossível, pensando nessas informações expostas em conjunto, não concluir


que o jogo, criando ligações como forma de comunicação, permeado por informações
inseridas em seus signos, seja formador e por conseguinte possa induzir comportamento como
qualquer anúncio publicitário tradicional. François Laplantine, em seu livro O que é
imaginário, acrescenta que “...a imagem da divindade ou os seus ornamentos e relíquias são
41
interpretados como a presença dessa divindade no convívio dos homens”. Pelo mesmo
raciocínio poderíamos dizer que o anúncio de uma determinada marca é a presença dessa
marca na vida cotidiana do seu público-alvo. Dado isto, podemos concluir também que quanto
mais eficaz for o contato de ritualização dessa marca através de seu anúncio, maior será a
eficácia da propaganda em seduzir o cliente; e quanto mais presente for o anúncio na vida
cotidiana do consumidor em potencial, maiores as chances de se criar o vínculo entre o
produto e este consumidor.

Continuando o estudo, Maffesoli nos apresenta a uma visão que hoje, devido aos
grandes avanços da tecnologia de informação, já nos parece antiquada. “No fundo, o leitor
interessa-se pelo que lhe diz respeito. [...] Mesmo na internet o aspecto interativo predomina
sobre o utilitário”. O pensamento parece óbvio em um mundo permeado por redes sociais e
interações cada vez mais virtuais, porém em seu texto ele se detém muito mais nas mídias
tradicionais, como o jornal impresso, cujos cadernos mais lidos são os que dizem respeito
especificamente ao que acontece na cidade em que seus leitores estão, por mais que sempre
traga notícias mundiais sobre geopolítica e economia às quais é dada maior importância por
parte do próprio jornal. Segundo este autor, as pessoas têm desejo de serem vistas e ouvidas
na mídia que consomem e de se identificarem com o que está sendo exposto. Transpondo isso
que foi mostrado sobre o jornalismo para a publicidade, vemos a necessidade de um anúncio
cada vez mais interativo, algo que diga respeito não apenas ao produto como também ao seu
consumidor e sobretudo ao seu público-alvo, o seu consumidor potencial.

O receptor de qualquer comunicação tende a receber melhor aquilo que lhe interessa,
que lhe diz respeito, que pode ser tomado por ele como parte relativa a si mesmo. Isso nos
lembra o que foi dito parágrafos atrás: comunicação é aquilo que faz vibrar na mesma
frequência. “A informação é qualificada em função da sua capacidad e de gerar proxemia”
(Maffesoli, 2003. Pag 16) A palavra a ser destaca da citação é ‘qualificada’. Posto isso, vemos
que a melhor informação é aquela que gera aproximação entre emissor e receptor. Em um
mundo de informação, onde se recebe todo tipo de mensagem a todo momento e em todo
lugar, qualificar a informação e o como se transmite essa informação é de vital importância
para todo e qualquer comunicador. Tão facilitado é o acesso à informação quanto é também a
sua perda de solidez, na medida em que tudo se torna mais efêmero aos olhos do receptor.

A comunicação é cada vez mais segmentada, dirigida a um público-alvo. De


qualquer maneira, os interessados, ainda que teorizem sobre isso, não possuem os

42
instrumentos teóricos para pensar os seus alvos. Conseguem esboçá-los para
oferecer produtos, mas não percebem que algo escapa, justamente a dimensão pós-
moderna do fenômeno, o aspecto tribal. A informação e a comunicação, no sentido
da partilha de emoções e de sentimentos, só podem dirigir-se a tribos que comungam
em torno de um totem. (MAFFESOLI, 2003. Pág 16)

Aqui há talvez um dos pontos mais importantes que iremos tocar nesse estudo: há a
necessidade de se criar totens. Um objeto, marca ou ideia, quando sacralizado e transformado
em totem, cria um público-alvo que se reconhece como grupo e que comunga em torno
daquele. Por meio deste recurso se faz de maneira eficaz e qualificada a fixação de uma
mensagem em um público receptor cada vez mais disperso em um mundo de informação
fluida e efêmera.

Essa relação de empatia criada entre emissor e receptor é essencial para a formação da
comunicação e, por conseguinte, para a formação da própria sociedade, dado que a
comunicação é o cimento que mantém ligados os diferentes segmentos da sociedade e seus
indivíduos. Essa sensação de vibrar junto ultrapassa o próprio conteúdo, a própria mensagem,
e torna-se mais importante para a comunicação, pois sem ela mensagem nenhuma é
transmitida. Ou seja, retirada a empatia que gera a comunicação e que liga os indivíduos,
nenhuma comunicação é possível.

“A informação serve, então, para fornecer elementos de organização do puzzle de


imagens dispersas. Assim, as tribos de cada cultura, partilhando pequenas emoções e imagens,
organizam um discurso dentro do grande mosaico mundial” (Maffesoli, 2003. Pág. P.17). O
jogo, como forma de comunicação, encaixa-se perfeitamente no que Maffesoli diz sobre o
jogo de imagens dispersas que se organizar através da informação. Como prática cultural, ele
cria tribos que partilham das mesmas emoções, imagens e experiências, criando um mosaico
compartilhado, a este ele chama de Imaginário.

O Imaginário é uma partilha da mesma visão de uma fração da realidade. Uma visão
criada e adquirida em conjunto, através de um jogo de experiências ou das experiências de um
jogo. Para Laplantine, “Os indivíduos produzem seus sonhos coletivos (mitos) e sonhos
pessoais utilizando imagens que são registros transfigurados e sublimados de suas
experiências individuais” (2003. P.5). Assim vemos o Imaginário, sonho coletivo, se
formando a partir de significados registrados através de experiência e escondidos na mente.
Ora, pois, a conclusão é que sem experiência não há imagem e, portanto, não se cria

43
Imaginário, bem como somente através da criação de uma experiência, podemos inserir uma
nova imagem no imaginário individual e coletivo.

Laplantine nos diz ainda que os símbolos contêm significações que afetam o
emocional e, portanto, podem e vão mobilizar ações e comportamentos na vida social de cada
um, bem como quando a publicidade se propõe a seduzir o público criando um
comportamento de consumo. Entretanto, há que se tomar cuidado com os símbolos utilizados
na construção de um sentido, pois aqueles são polivalentes e polissemânticos, podendo causar
em efeito ineficaz ou adverso ao que se pretendia.

Dado que as imagens vêm se tornando cada vez mais inconstantes e se perdendo cada
vez mais rápido (e isso veremos em breve neste estudo), e são essas imagens que afirmam a
ligação entre a comunicação e o imaginário. Cria-se assim uma ‘comunidade de espírito’, uma
tribo que vive, virtualmente, ao redor de um mesmo totem, uma corrente de comunicação com
a qual se vibra. Ainda que esta comunicação se dê de modo casual, sem objetivo
predeterminado, ela cria um grupo de afinidade mediante o compartilhamento de emoções e
experiências dos seus participantes através dela mesma, gerando um ciclo virtuoso.

Michel Maffesoli acredita que a principal função da comunicação é divertir, distrair,


entreter. Acrescenta que, no sentido pascaliano, divertir significa tudo aquilo que se opõe à
angústia da morte, ou seja, tudo aquilo que absorve o indivíduo em imersão e o afasta da vida
real, no entanto sem que este viés seja obrigatório ou definitivo. Ora, essa definição se
assemelha bastante à que Huizinga dá para o Jogo. Mais uma vez o Jogo aparece como forma
de comunicação e não apenas isso, como sendo uma das mais importantes formas de
comunicar.

Enquanto muitos comunicólogos enxergam a comunicação de massa, sobretudo a


publicidade, como manipulativa e alienante, há que se pensar na resistência silenciosa que por
muitas vezes se manifesta nos momentos mais inesperados. Foi o que observamos durante a
escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Na época da candidatura
do país e mesmo quando este foi escolhido, não houve reação negativa por parte da
população, mesmo que pudesse se ver suspeita silenciosa por parte de muitos populares.
Entretanto, quando da Copa das Confederações, ocorreram inúmeras manifestações sociais
nas ruas, a grande maioria sem caráter político ou sistema organizacional, apenas a comunhão
em um totem de justiça e cobrança das irregularidades e insatisfação com gastos das obras

44
referentes aos estádios. Nos primeiros dias a imprensa, que havia vibrado com a notícia da
escolha do país como sede, foi contra as manifestações, contudo tão logo se viu que essas não
cessariam e não se calariam frente à voz das grandes mídias, a imprensa passou a apoiá-la,
ainda que relutante. “Na vida social, com frequência, as pessoas fazem de conta que são
alienadas, embora, no íntimo, permaneçam atentas, reservadas, desconfiadas” (Maffesoli,
2003. Pág 19). Essa é uma lição valiosa para qualquer um que pense poder manipular
facilmente a opinião pública.

A comunicação é feita de partes que se opõem e se complementam, montada como um


jogo e permeada por sentimentos. Pensar nisto como se pudesse haver uma manipulação pura
é ignorar décadas de pesquisa e aprendizado da ciência da comunicação e não ver que grande
parte do fenômeno se dá por parte do receptor da mensagem.

Laplantine nos diz que as novas tecnologias não criaram a necessidade de um novo
imaginário para essas mídias televisiva e computadorizada. Por sua vez, elas apenas
realizaram o transplante das imagens tradicionais da cultura ocidental. Nas sociedades atuais
ainda resistem os antigos arquétipos formados séculos antes, como os mitos dos deuses e
heróis gregos, as alusões à fauna e à flora para reforçar características específicas, etc.
Quando há modificação, esta não passa de uma transposição de um mito já instaurado para
uma correlação com um fato atual, como a deificação dos artistas de cinema e astros da
música. Do mesmo modo, o comportamento das pessoas continua ritualístico, ainda que agora
em medida bem menos evidente. A vida moderna continua a ser simbólica, permeada por
rituais, como o corte de cabelo ‘pós-vestibular’ e a formatura na faculdade.

Laplantine prossegue afirmando que o simbólico presume a capacidade de raciocínio e


define o imaginário como “a solução fantasiosa das contradições reais” (2003. pág. p.27). O
autor sugere que a importância ganha por estas imagens depende intrinsecamente de como se
dá essa identificação entre homem e signo, podendo variar de entre o entretenimento fútil e o
rito sagrado. Entretanto, essas imagens são conscientemente consideradas como
representações de algo real dentro de um universo simbólico. O autor segue dizendo que as
imagens contidas nesse imaginário têm um caráter sagrado, devido a virem do inconsciente,
elas não são questionadas. Ora, pois o Isopor não é um poliestireno expandido, mas o
poliestireno expandido que é o Isopor. As representações e ressignificações são constantes na
produção deste imaginário e o modo como a publicidade se aproveita dele é evidente nos
pequenos detalhes do cotidiano.
45
Através desses sistemas de imagens que compõem todo imaginário, há um sistema de
valores interno, algo que o permeia, mas ainda se exterioriza, criando novos signos no próprio
cotidiano. Pequenas experiências, hábitos e escolhas tornam-se sagradas todos os dias numa
espécie de ritualização que transcende a religião. O horário do futebol ou da novela, o uso da
marca que é ecologicamente responsável e a criação dos novos oráculos da internet que
possuem todas as respostas. “A vida social é impossível, portanto, fora de uma rede
simbólica” (Laplantine. 2003. pág. p.5). Assim, apenas através da atribuição de significado a
tudo que vê e principalmente a tudo que cria, o homem forma a sua sociedade, na
identificação desses signos por outros homens, recortando a visão comum da realidade e
transformando este real em um novo real, agora permeado por significados. Portanto,
Laplantine conclui que tudo que está ligado ao imaginário faz parte do fantasioso, da evasão e
do prazer. Essas características do imaginário que tanto se aproximam das características do
jogo, sobretudo do jogo digital, recaem sobre a citação de Pinheiro:

A abstração causada pela imersão em um universo de jogo facilita a apreensão, sem


percepção, dos mais diversos tipos de conteúdo. Crianças, jovens e adultos
apreendem símbolos referentes a corridas de carro, armamento, lutas históricas,
enigmas policiais, folclores, romances e outros. O processamento desses símbolos
apreendidos de forma consciente ou inconsciente será exercido na medida da
necessidade. O imaginário construído a partir das operações lúdicas parece ser
apreendido de forma diferente pela pessoa que joga. Podemos perceber que a
operação lúdica possui características que vão de maneira hibrida se relacionar com
o jogo digital, somando-se ao fascínio tecnológico. (Pinheiro. 2007. Pág 28).

Visto isso, identificamos rapidamente a importância do jogo na construção deste


Imaginário e vislumbramos sua função no processo lúdico a ser citado mais à frente. “Nesse
sentido, o imaginário é um processo cognitivo no qual a afetividade está contida, traduzindo
uma maneira específica de perceber o mundo, de alterar a ordem da realidade.” (Laplantine.
2003. pág. p.27).

2.1.2 Share of mind, Top of mind.

É um erro pensar que o mercado está alheio a esses conceitos teóricos. Desde estudos
aprofundados e conceitos teóricos específicos a premiações e análises por parte das empresas,
a atenção para a ideia de presença da marca na mente e no imaginário do consumidor em
muito interessa a toda a sociedade de consumo.

46
Jack Trout nos descreve em vários de seus livros, como As 22 consagradas leis do
marketing e Estratégia de marketing – estratégia de marcas. Capturando mindshare.
Conquistando mercados, como o marketing é uma batalha de percepções, em que a marca que
é percebida como melhor é a mais vendida e não a marca que tem o melhor produto. Trout diz
que para que um produto domine o mercado ele deve ser o primeiro de sua categoria e não o
melhor, fazendo analogia a grandes feitos como ‘quem foi o primeiro homem a atravessar o
atlântico em um voo solo?’. Usando o pensamento de que apenas o primeiro de uma categoria
é, de fato, lembrado ou pelo menos tem uma maior presença na mente e no imaginário, o
autor explica que assim também funciona com as marcas. A primeira marca a se lançar sobre
uma categoria de mercado será também a primeira a ser lembrada pelo consumidor, ou a que
tem mais chances disto. A Gillete é conhecida como sinônimo de lâmina de barbear, por ter
sido a primeira a ser lançada no mercado. O Velcro também não é o produto em si, mas a
marca patenteada. Toda fotocopiadora é comumente chamada de Xerox e toda fita adesiva é
chamada, no Brasil, de Durex. Não apenas a primeira marca é geralmente a líder, como a
ordem em que as marcas foram criadas delimita a sequência de sucesso de vendas das
empresas. O melhor produto em nada garante esse sucesso, pois as pessoas percebem o
produto que primeiro lhes vem à mente como sendo o melhor, independentemente de isto
corresponder ou não à realidade. Essa importância é tão grande que Trout sugere que, se uma
empresa não puder ser a primeira em lançar um produto, deve criar uma nova categoria para
seu produto ser o primeiro. Contudo, não iremos adentrar nessa ideia, a qual não nos é útil
para este estudo.

Trout então faz uma ressalva interessante: a mente do consumidor pode e irá deformar
a ordem de lançamento dos produtos. Ser o primeiro na mente em vez de o primeiro no
mercado é mais interessante do que o inverso. Esta sim é a maior importância mercadológica
que um produto pode ter. Ser o primeiro na mente do consumidor, ser lembrado primeiro,
pensado como primeiro, senão como único, é o que pode diferenciar o sucesso de vendas ou o
ostracismo mercadológico. A mente tem precedência sobre o mercado. A grande problemática
do marketing, então, é colocar o produto na mente de seu consumidor em potencial.

É fácil pensar que um grande número de inserções em diversas mídias faria com que
uma marca passasse de desconhecida para líder de mercado. Embora isso seja verdade,
também pode ser um grande desperdício de recursos. Mudar a mente de um cliente é tarefa
árdua e quase impossível para os estudiosos do mercado, entretanto vimos aqui que o jogo
47
pode ser uma valiosa ferramenta nessa empreitada. Trout discorre em seus livros sobre como a
maneira correta de se inserir na mente do consumidor deve ser rápida e precisa. Para ele, não
existe uma maneira lenta de estabelecer uma opinião na mente do consumidor, por isto
sempre temos a sensação de que as coisas entram na moda da noite para o dia. As pessoas não
gostam de mudar de ideia, por isso a publicidade deve invadir a mente.

A percepção de mercado que o público tem de um determinado produto é chamada de


Mind Share e a posição de produto mais lembrado é chamada de Top of Mind. Essa percepção
é a realidade do mercado: o produto que é primeiramente lembrado será sempre considerado o
melhor, o mais vendido e mais confiável. Ora, esse conceito de Mind Share em muito se
aproxima da própria ideia de imaginário. O produto que ocupa melhor posição no imaginário
coletivo será considerado o melhor, o mais vendido e o mais confiável.

Um exemplo que Trout nos dá é o da Honda, que é tida como uma marca de carros
confiáveis nos EUA. Entretanto, no Japão, seu país de origem, ninguém compra seus carros
por entenderem a marca como uma fabricante de motocicletas, encerrando-a nesta categoria
não se interessando em testar seus carros, assumindo previamente que eles não terão a mesma
qualidade de outras marcas especializadas em carros. Muitas pessoas que pensam assim
sequer têm algum indício ou evidência desses fatos, apenas mantêm essa ideia na mente por
se tratar de um pensamento corrente. O grupo social a que elas pertencem pensa desta
maneira, portanto elas devem pensar também. O Mind Share e o imaginário coletivo
transformam a realidade do mercado, independentemente da qualidade dos produtos. A
disputa de mercado, portanto, se faz por meio da percepção do público-alvo e não na
qualidade dos produtos.

Em tempos de informática, internet e redes sociais, as reviravoltas de mercado podem


se dar em um piscar de olhos. Recentemente vimos que uma grande empresa de refrigerantes
teve sua imagem arranhada, para dizer o mínimo, e teve que dar ao público informações
detalhadas de seus processos de controle de qualidade. A velocidade com que a informação a
respeito do público alvo chega às empresas vem se tornando cada vez mais importante. A
instantaneidade se tornou um dos valores primários de qualquer informação.

A concorrência é um fator que só agrava essa situação. Ao perceber que seus


concorrentes monitoram a opinião do público-alvo a todo o momento, faz-se necessário que
também se faça isso de maneira ainda melhor e mais eficiente, o que cria uma escalada

48
infinita. A urgência da constante atualização acerca do pensamento dos clientes e dos
resultados da comunicação publicitária se faz em nível de síndrome a partir da aceleração
advinda dos meios eletrônicos. Entretanto, isso será melhor explicitado à frente.

Agora, esclarecidos estes conceitos, vem ao caso explicitar que métodos a publicidade
usa para galgar posições na mente de seu consumidor, através de seus truques de sedução
midiática, na prática diária.

2.1.3 Sedução, Persuasão e Empatia

É fácil pensar, a priori, que a publicidade influencia através de conceitos racionais: o


preço mais barato, os melhores benefícios, o melhor sabor, a melhor localização, a melhor
qualidade. Entretanto, isso não poderia estar mais distante da verdade. As emoções são muito
mais presentes nos anúncios do que se percebe no primeiro olhar. Em uma simples
exemplificação de alguns slogans, percebe-se isto: “viva o lado Coca-cola da vida” (Coca-
cola), “amo muito tudo isso” (McDonalds), “Conectando pessoas” (Nokia), “Lugar de Gente
Feliz” (Pão de Açúcar), “A Gente Se Liga em Você” (TV Globo). A publicidade busca atingir
pela emoção, de maneira que o consumo se torne inconsciente, enraizado, inadvertido, como
uma evasão da realidade por meio dos sentimentos que este consumo pode trazer.

Joan Ferrés, em seu livro A Televisão Subliminar, analisa não apenas como se dá a
comunicação de mensagens inconscientes que a televisão oferece, como também o processo
de sedução por parte da publicidade televisiva. Entendendo o jogo digital como um meio
híbrido entre a televisão e o computador, segundo a visão de Pinheiro (1998. Pág 140),
convém usar alguns dos conceitos de Ferrés no presente estudo.

Ferrés define o subliminar como ‘todos aqueles estímulos que não são percebidos de
maneira consciente porque estão abaixo do umbral sensorial mínimo ou acima do umbral
sensorial máximo’ (1998. pág. p.14). Isso em nada tem a ver com os estudos realizados por
James Vicary com imagens ultrarrápidas de produtos durante a exibição de filmes, nem com
as interpretações leigas que veem a mensagem subliminar como uma hipnose mágica. Na
realidade, vemos essas mensagens como estímulos camuflados pelo emissor, e nisto uma das
situações propostas por este autor é a forma de comunicação indireta que acaba por ser aceita
49
de maneira inadvertida. No filme Transformers (2007), que já foi citado, o carro que aparece é
um Camaro, mas poderia ser qualquer outro e o espectador sabe disso de maneira consciente,
mas seu inconsciente capta apenas o fato de ser o Camaro o carro do filme. Todos os
sentimentos de excitação, êxtase, aventura e glamour passados pelo filme são ligados ao carro
no subconsciente deste espectador. Tudo isto sem que haja percepção consciente, tornando a
mensagem subliminar.

Ferrés nos diz que a comunicação persuasiva é regida por duas vias, a via racional e a
via emotiva. A segunda advém de pensamentos associativos, não argumenta no sentido estrito
do termo, atua por transferências emotivas, por proxemia e associações simbólicas. Utilizar
disto implica em unir o produto e/ou a marca através de laços emocionais, valores abstratos, o
que acarreta por vezes na ausência de uma lógica direta. Justamente por isso, este tipo de
comunicação acaba por ocorrer por meio do inconsciente do receptor, através de uma
transferência de qualidades abstratas que não poderiam ser inerentes a um produto.

A transferência afetiva realizada nesse tipo de publicidade se dá através de um


‘mecanismo pelo qual se transporta atitude afetiva, positiva ou negativa, de uma pessoa ou
coisa para outra pessoa ou coisa com a qual se encontra em relação’ (Ferrés. Pág. P.51). Essa
transferência se dá por duas vias: contiguidade e semelhança. O produto, a marca ou a
empresa apresentada ao consumidor em potencial demonstra ter qualidades que outros signos
previamente conhecidos já teriam. “Desperta o Tigre que Há em Você” é a frase chave para a
venda do cereal matinal da Kellog’s. Aliado a um tigre animado como mascote, diretamente
focando o público infantil, a empresa fortalece sua marca associando o seu cereal com os
atributos do tigre. A força física, a energia, a voracidade, a velocidade, tudo isso está ali
representado no signo que já se conhece, o animal selvagem. Ligar o tigre animado com
traços infantis ao cereal faz com que se pense que a criança que come o cereal ganha as
características do tigre, mas não do animal feroz, e sim do tigre infantilizado que está
estampado na caixa do produto. Este tipo de situação é o modo pelo qual a publicidade e a
sociedade de consumo recriam signos dentro do imaginário coletivo.

A publicidade perdeu seu tom informativo, não se faz mais pela força dos produtos em
si, mas pelo jogo de sedução que se dá entre a marca e o público-alvo. A publicidade não se
centra mais nos produtos e sim no consumidor, a mensagem foca-se no receptor, numa clara
função apelativa da linguagem. O modo como posicionar o produto em relação ao consumidor
é a base do sucesso da publicidade contemporânea, “a maioria dos produtos não são
50
comprados para satisfazer necessidades físicas, mas psicológicas, emotivas” (Ferrés. pág.
p.203). Este posicionamento se dá de maneira muito mais eficaz quando é irracional.

As técnicas do posicionamento têm como objetivo vincular as necessidades,


geralmente psíquicas, do receptor, conferindo personalidade ao produto.
Com frequência, isso é alcançado criando para o produtor alguns contextos
que não tem nenhuma relação objetiva com seu valor de uso. De forma
inconsciente, o receptor transfere ao produto os valores do contexto. (Ferrés,
1998. Pág 205).

A publicidade busca dar personalidade aos seus produtos, torná-los amigoos de seu
consumidor, pois através do relacionamento emocional, este não esquecerá aqueles. Conforme
estes produtos adquiram personalidade, cada consumidor poderá se identificar com eles,
torná-los parte de sua identidade. Tornar o produto um símbolo, permite inseri-lo no
imaginário coletivo, transformá-lo em um sonho, transcendendo necessidades materiais.

A criação da personalidade da marca por vezes vem através de estratégias diferentes


do anúncio comum. O patrocínio de cantores, atores, esportistas, filmes, programas de
televisão e eventos esportivos é um método muito comum que tende a criar a transferência
afetiva entre a marca ou o produto e seu patrocinado. Principalmente quando o patrocinado é
um indivíduo, há uma ligação muito íntima entre as qualidades do produto e as qualidades do
objeto de patrocínio, podendo desencadear por vezes uma relação negativa, se o esportista
obtiver uma derrota significativa ou se o artista se envolver em algum escândalo que manche
a sua imagem pública. Embora não haja nenhuma relação direta entre as qualidades e defeitos
de um ou de outro, a ligação irracional pode afetar tanto para o lado positivo quanto para o
negativo, dado que este pensamento é prioritariamente associativo, não há nenhuma questão
racional envolvida. O fator é completamente referente à sedução, ao indutivo, ao subliminar:,
os valores que o famoso representa no imaginário ficarão ‘para sempre, vinculados ao
produto’ (Ferrés, 1998. pPág 214). Portanto, para a publicidade,e podemos dizer que a via de
comunicação emotiva é mais importante que a racional.

Outra forma de causar essa transferência, e esta será a mais importante para este
estudo, é a transferência através da estrutura narrativa. É sabido que a maioria dos anúncios
publicitários, sobretudo os televisivos, tenta passar uma ideia de narrativa, por muitas vezes
anedótica, mas o tempo de suas inserções é curto demais para contar uma história elaborada e
ainda assim fixar as qualidades e informações básicas do produto. Ferrés vai ainda mais longe
e diz que a final feliz desses anúncios é dado pela irracionalidade, premiando a compra ou o

51
consumo, trazendo em si uma significação despercebida, típica da sedução. Salvo raras
exceções como o famoso VT ‘O Primeiro Sutiã’, que conta de maneira bastante detalhada,
para os padrões da publicidade, uma história com enredo significativo, a publicidade tende a
ser cada vez mais rápida, dado que a compra de um bloco ininterrupto de programação seria
demasiado caro. Uma solução alternativa, já citada, é o posicionamento do produto em
situações corriqueiras dos filmes e programas, tanto de ficção quanto de realidade. Entretanto,
a constante repetição impertinente do aparecimento dessas mensagens pode causar uma séria
rejeição por parte do exspectador, que não entende aquilo como parte da narrativa que ele se
propôs a assistir, mas como um ruído publicitário.

Em meio a todas essas possibilidades de falha diante do público-alvo, pergunta-se, há


possibilidade de atingir de maneira eficaz esse público e, ao mesmo tempo, fidelizar o
consumidor? Para isso é necessário que entendamos como manejar a atenção desde
consumidor e de que maneira o jogo pode-nos ser útil nisto.

2.1.4 De cliente a freguês.

A sociedade de consumo atual trabalha com uma crescente oferta de produtos e marcas
que se tornam a cada dia mais atraentes, transformando o ato do consumo em uma experiência
de novidade e satisfação única para o consumidor. Essa crescente oferta de possibilidades de
satisfação e prazer mediante o consumo de um novo produto ou marca tem tornado os
consumidores cada dia mais infiéis às suas marcas, criando a necessidades de as empresas
transformarem seus produtos em hábitos de consumo.

O público passa a ser mais consciente de que as marcas estão em guerra tentando
ganhá-lo a todo custo, notando assim que a fidelidade a uma marca pode significar a perda de
uma experiência, possivelmente mais prazerosa, que outra poderia lhe proporcionar. Por conta
disto, vemos um aumento diário no bombardeio publicitário, tornando o individuo um alvo
constante das mais diversas e inusitadas mensagens publicitárias que por vezes acabam por se
tornar paisagem no dia a dia. Tanto nas ruas quanto nos meios de comunicação, e em lugares
cada vez mais imprevistos, vemos anúncios que tentam nos ater a sua mensagem; entretanto,
isto pode induzir o consumidor a criar aversãorepulsa pela insistência dessa comunicação, ou

52
fazê-lo perder uma mensagem em meio a tantas em um mercado de comunicação saturado
pela propaganda.

Procurando gerenciar a atenção do consumidor, criam-se diversas técnicas e teorias a


respeito. Sabe-se que um dos fatores mais determinantes para isso é a noção de presença na
mente do consumidor como foi discutido no tópico anterior. Entretanto, também é importante
notar a empatia que a marca cria com seu público, tendo em vista que as marcas tendem a se
personificar para seu público, como já foi visto neste estudo. Os anúncios não podem apenas
informar ou se prender à mente do consumidor por conceitos e anedotas, eles precisam
emocionar e criar sinergia com os seus consumidores em potencial.

O anúncio não pode mais se dar ao luxo de ser meramente visualizado pelo público, -
ele precisa tocá-lo, emocioná-lo, manter-se em sua mente e espírito, criar a tão falada
identificação com a marca, gerando não apenas um grupo de consumidores, mas um grupo
social formado por aqueles que detêm as características buscadas no consumo daquele
determinado produto. A publicidade, em seu viés de comunicação de massa, também é
cimento social. Os produtos, por sua vez, personificam-se, criam relacionamentos entre a
marca e o cliente. Estes relacionamentos buscam durabilidade, prazer e afeto. Através da
mobilização emocional, a publicidade, bem como toda a comunicação de massa, clama por
gerar empatia.

Por meio da personificação das marcas, o indivíduo é levado a criar estreita relação
entre aquelas que mais lhe rendem identificação. Quanto mais firme for o conceito que a
marca cria de si mesma, maior será a presença dela na mente de seu consumidor. Se a marca é
abstrata, tem baixa representação, o seu conceito se torna abstrato e se esvai rapidamente do
imaginário, dadoa a sua não significação.

Em A Mídia e Seus Truques, Nilton Hernandes nos fala que o jornalismo, e por
issotratar-se da comunicação social estenderemos seus conceitos à publicidade, trabalha em
um eixo de dois extremos, a representação icônica e a representação abstrata.

A iconicidade é uma de suas principais estratégias de elaboração de efeitos


de realidade. O que podemos chamar de projeção empática do enunciatário
está diretamente relacionada à manipulação de elementos. (Hernandes. 2006.
Pág 67).

Apenas por meio da representação icônica, emotiva, sedutora, teremos uma relação
empática real. A representação abstrata, segundo o autor, leva à racionalização, à procura de
53
uma versão inteligível da realidade, enquanto o uso de ícones e imagens nos remete à emoção
que estas nos causam. Quanto maior a identificação maior será a empatia; cria-se uma
transformação de estado de espírito do público, um sentimento catártico que o faz sentir-se
agindo, ainda que não esteja – como se o consumo do produto o tornasse parte dos conceitos
que aquela marca encerra em si. Ora, portanto, através de uma representação criada
emocionalmente pela propaganda e efetivada mediante o consumo, temos uma relação
empática de espectador e personagem idêntica à que vemos no jogo digital, não fosse pela
amplitude maior que esta relação toma no segundo caso. Não seria possível, então, dizer que,
em um anúncio em formato de jogo, no qual o público é ao mesmo tempo espectador e
personagem ativo, criar-se-ia uma relação empática muito mais poderosa em relação à marca?
Deixemos as exemplificações do próximo capítulo responderem esta pergunta.

O fFato é que os anúncios que arrebatam seus espectadores e os mantêm fora de sua
realidade, instaurando, emocionalmente, imagens em suas mentes, acrescem em muito o
share of mind de suas marcas. A fidelização do consumidor é cada vez mais buscada pelo
marketing e mostra a preocupação das empresas em ter um relacionamento contínuo com seus
consumidores. Nisto buscam chamar a atenção de seu público constantemente, entretanto já
foi dito que isto pode ser uma faca de dois gumes, devido à saturação da publicidade sobre o
indivíduo. O que se busca é “o poder de transformar a obrigação cotidiana de informação em
mais uma fonte contínua de prazer para o sujeito” (Hernandes, pág73), assim, “o público
realiza a ação de consumo e é recompensado” pelo próprio consumo, mediante a afirmação de
uma identificação. A repetição deste consumo gera um crescimento da empatia, um maior
contato com a marca e o sentimento de confiança e familiaridade.

Esta fidelização tem pré-requisito na identificação: apenas através disto cria-se uma
satisfação que pode se tornar contínua, gerando um hábito. A fidelização, no entanto, é
totalmente dependente do arrebatamento inicial do anúncio, sobretudo para o produto que está
se inserindo no mercado. Pensando neste arrebatamento e no hábito, remetemo-nos de pronto,
novamente, ao jogo como um construtor cultural, que usa do arrebatamento e da fidelização
do jogador para criar hábitos. O hábito é o último ponto no processo de fidelização, – se um
produto é utilizado ritualisticamente pode-se entender que o seu público é fiel. A marca se
torna presente e temadquire significação para o indivíduo, que se reconhece no significado
desta marca. “A atenção incessante, de longo prazo, reverte-se em sustentação financeira das
empresas” (Hernandes. 2006. Pág74).
54
É interessante aqui fazermos uma pausa no fluxo do texto para notarmos a diferença
entre hábito e rotina. Hábito é um comportamento que se repete assiduamente, mas de
maneira voluntária e com resultado prazeroso para o sujeito. Rotina é um conceito
dessemantizador, que torna as ações repetitivas em obrigações, que por sua vez são não
prazerosas e/ou não voluntárias. A rotina tem valores negativos, geralmente disfóricos,
enquanto o hábito tem valores positivos e eufóricos.

Hernandes pensa o cotidiano como uma categoria complexa que pode ser considerada
como uma rotina permeada por interrupções; aquelas prazerosas que se repetem com
frequência são os hábitos. Ora, é inevitável pensar que o jogo é hábito, devido a ser uma
interrupção voluntária da realidade, com virtude de gerar prazer. O hábito é ainda o momento
em que o sujeito manifesta propositalmente uma pausa em sua rotina para uma suspensão em
uma dimensão de prazer. Ora, se um anúncio pode tomar a forma de um jogo, gerar prazer e
tornar-se hábito, ele cria um relacionamento entre o indivíduo e a marca presente neste
anúncio, gerando empatia e fixando essa marca em seu imaginário, aumentando o seu share
of mind. “A estratégia de fidelização maneja essa possibilidade de o sujeito (...) viver um
hábito, uma forma de fruição que ele pode administrar para criar essas ressemantizações
cotidianas.” (Hernandes. 2006. Pág 76).

Até aqui notamos que tipo de estratégias a publicidade usa para criar, cativar e manter
seu público-alvo de maneira geral. Agora iremos procurar entender como a publicidade se faz
em seu meio digital, dado que nosso objeto está totalmente inserido neste meio e é
interessante saber com o que ele está competindo neste campo, o que deste meio pode ser
vantajoso e que possibilidades se abrem dentro desse novo mundo.

2.2 Como a publicidade se encaixa era digital

A publicidade online se dá a priori nos sites que as próprias empresas criam para marcar
presença nesse admirável mundo novo que se cria aà nossa frente. Oferecer todos os seus
serviços habituais em rede é, hoje em dia, essencial para qualquer empresa de qualquer área,
dado que cada dia mais se vive online pelo computador pessoal, notebook, tablet e celular.
Manter-se interagindo com o consumidor mediante essa rede de informações, aparecendo em

55
outros portais através de banners e links, se torna-se fundamento básico para todoa e qualquer
modo de publicidade na internet.

J.B. Pinho, em seu livro Publicidade e Vendas na Internet, vislumbra algumas mudanças
que as novas tecnologias trarão para o fazer publicitário:. “A antiga predição de que, no
futuro, os consumidores serão conhecidos pelos seus nomes, torna-se mais próxima com o
advento da Internet.” (Pinho. 2000. pág 101). Vemos então que este momento predito é o que
vivemos hoje.

Não é necessário fazer digressões contando toda a história do surgimento da internet e


posteriormente da publicidade online. O conhecimento de que sempre se buscou que os
internautas clicassem nos banners publicitários colocados nos portais, os links patrocinados
dos sites de busca, os sites como demarcação de território online e toda a série de novas
formas de anúncio que foram criadas durante essa evolução da publicidade neste meio, não
sãoé o foco deste estudo, portanto não nos ateremos a isto. Entretanto convém especificar
algumas das possibilidades atuais que este meio nos traz e que vantagens ele tem sobre as
demais mídias.

As recentes tecnologias desenvolvidas para Web (...) são altamente


promissoras para que a publicidade cumpra, de maneira cada vez mais
eficiente, o seu papel na construção de marcas e no estabelecimento de um
relacionamento estável e duradouro com os consumidores e demais públicos-
alvo. (Pinho, 2000 Pág 101).

Quando disse isto, Pinho certamente nem fazia ideia das ainda mais grandiosas
possibilidades que viriam a seguir. A cada dia a web ganha vantagem em relação aos anúncios
veiculados em outras mídias, tanto que estas vêm procurando integrar-se àa web para
melhorarem seu relacionamento com o espectador. O advento da TV digital interativa, a
criação de rádios online, os portais de notícias dos jornais físicos, etc., tudo isto mostra o
quanto a web vem ganhando importância diante das demais mídias.

É fato que a televisão tem um grande alcance, forte presença e possibilidade de


segmentação de público, embora seus custos de produção e veiculação sejam altos e ela venha
perdendo espaço para o computador. O rRádio, por sua vez, tem a possibilidade de pegar o
espectador desprevenido em um veículo ou outro lugar inesperado, embora tenha um alcance
muito mais regional e seja limitado à percepção sensorial auditiva. O cCinema tem forte
impacto no público, devido à dimensão da tela e àa ausência de distrações, porém é pouco

56
utilizado devido às limitações que as próprias salas de exibição impõem. A revista possui um
direcionamento muito preciso e a possibilidade de segmentação através de encartes regionais,
além de uma excelente qualidade gráfica no resultado do anúncio, mas não atinge uma
variação grande de classes sociais. O jornal impresso tem forte regionalização do público,
grande agilidade em sua utilização, é consumido por todos os públicos e fornece sua
credibilidade ao anúncio.

Todas essas mídias temTodas essas mídias têm suas diversas vantagens, contudo a web
combina o grande alcance, podendo chegar a se tornar internacional, ea grande velocidade de
ação e resposta, que ganha importância exponencialmente no atual contexto de urgência por
informação que as empresas vivem, aà possibilidade de rastrear o cliente em potencial,
sobretudo com o advento das redes sociais., A web apresenta ainda a grande potencial de
acessibilidade dado que o anúncio estará presente a qualquer momento que um internauta
queira acessá-lo e sobretudode a interatividade, o que nenhum dos outros meios traz consigo.
Mesmo podendo ser bastante dispendiosa, a relação de custo-benefício da publicidade online
tem se mostradoapresentado a cada dia mais vantajosavantagens.

Isto não serve para dizer que a publicidade online deva substituir as demais. Muito
pelo contrário, ela deve se integrar com as outras mídias, como vem sendo feito. Através da
expansão do conteúdo online, as empresas têm anunciado em outras mídias com apontamento
para seus sites e hotsites onde elas podem explicar mais detalhadamente sua campanha
publicitária e mostrar melhor seus produtos, possibilitando ainda, em alguns casos, a compra
imediata. Para o cliente, a publicidade online e a presença das empresas na internet também é
mais vantajosa, dado que ele pode pesquisar sobre o produtos, se informar-se sobre
promoções, reclamar à empresa, expressar seu gosto pela marca e interagir com outros
consumidores, tudo isso em tempo real e com a maior comodidade.

Pinho vê a publicidade na internet como um tripé entre as empresas que compram


espaço para anunciarem seus banners e outras peças publicitárias, os sites e portais que
vendem esses espaços e as empresas que criam essas peças publicitárias interativas para a web
e realizam a manutenção quando necessário.

Os portais são grandes sites cheios de informação, com várias páginas e que fornecem
serviços a seus usuáriosusuários., Ddevido ao grande tráfego de internautas, eles tendem a
concentrar uma parte significativa das vernbas de publicidade para a internet. Os anunciantes

57
investem nos espaços oferecidos pelos portais no intuito de divulgar institucionalmente as
suas empresas e apontardirecionar, através de links, o seu público-alvo para o seu próprio site.
Embora a maioria das empresas já tenha um profissional interno específico para cuidar de seu
site, sua imagem na internet e suas redes sociais, ainda se faz necessáriao, ocasionalmente, a
contratação de uma empresa terceirizada para a criação de um anúncio interativo mais
elaborado e para a construção e manutenção de seu site ou de um hotsite.

Muitas agências se concentram na formulação de estratégias, conceitos,


negócios e programas de relacionamento interativo para Web e deixam a
produção dos sites e banners a cargo de empresas especializas. Essas
produtoras atendem, ainda, a empresas de marketing direto e promoção no
desenvolvimento de projetos interativos. (Pinho, 2000 Pág 113).

Este é o caso da Faun, empresa cujos jogos serão analisados no próximo capítulo.,
Eembora hoje apenas trabalhe com jogos digitais, ela já realizou serviços similares de
construção e manutenção de sites e publicidade na web em geral.

A mesma publicidade que gera este tripé tem como principal objetivo disseminar as
informações, orientando o comportamento de consumo do público para uma determinada
marca ou produto. A interatividade como característica diferenciadora das publicidade que é
feita em outras mídias torna a presença das empresas neste meio ainda mais vital.

DasEntre as formas mais comuns de se posicionar na meio digital, temos o site, do


qual já falamos. Este deve ser usado para combinar informação, entretenimento e
aproveitamento dos recursos tecnológicos possibilitados pelo meio, assim criando um vínculo
entre a marca e o consumidor. É também interessante que ele possibilite os serviços de pós-
venda, como atendimento ao consumidor e esclarecimento de dúvidas. O site não deve ser
apenas uma vitrine para os produtos, mas uma extensão da própria marca.

Os hotsites são sites curtos e que teêm seus domínios expirados em pouco tempo, ou
seja, saem do ar. O seu foco está em vender um produto de curto prazo, anunciar uma
promoção ou evento, etc. Sua linguagem é mais simples e sua navegação é mais intuitiva.
Geralmente devem permitir a compra imediata do produto em questão. Dado que não terão
muito tempo de veiculação é necessário que se faça uma comunicação integrada que aponte
parea ele.

Os banners de patrocínios, são também muito comuns na internet, tendem a ser


interativos, geralmente possuempossuindo um link embutido para que o clique leve a o site da
58
empresa ou a um site de vendas do produto em questão. O patrocínio é uma área locada por
uma empresa dentro de um portal. Podendo ser o fundo do site ou uma aba específica, ele usa
o servidor do portal para veicular uma mensagem mais extensa e complexa de um produto
externo. PorComo exemplo, Pinho cita a Nescau, que se utilizou do site da MTV para criar o
espaço Desafio Nescau, onde diversos jogos eram oferecidos para qualquer usuário que se
cadastrasse. Como ambas as empresas partilham um público-alvo jovem e ativo, em pouco
tempo a Nescau teve 35 mil inscritos que visitaram regularmente, por um período, o Desafio
Nescau no site da MTV.

As redes sociais também se tornaram imprescindíveis a qualquer empresa, dado que


este é o canal de comunicação direto dos clientes com as empresas. A facilidade de qualquer
empresa criar um perfil em uma dessas redes torna ainda mais necessárioa à aquisição dessa
mídia gratuita. Embora ela traga uma relação mais estreita com o cliente, o que pode gerar um
tratamento mais informal, elatal mídia deve ser vista com bastante seriedade, pois já são
inúmeros os casos de empresas que tiveram sérios problemas de imagem por não tratarem
devidamente seus clientes em redes sociais.

Há ainda outras formas mais diversificadas, como o link patrocinado em sites de


busca, a inserção de um comercial antes da visualização de um vídeo de interesse do
internauta, a compra de publicações de famosos em redes sociais, a criação de aplicativos para
smartphones e tablets, etc. O mais importante aqui é notarmos a semelhança que determina a
interatividade e a utilização dos novos recursos tecnológicos para o melhor aproveitamento da
publicidade na internet. Portanto, notar o que o jogo digital na web, no celular e nos consoles
(já sabendo que hoje todos podem ser conectados a internet) podem trazer de vantagem para
as marcas.

59
3 2.3 O anúncio do jogo digital é também professor.

Visto então tudo que tangencia o jogo digital e suas possibilidades como publicidade, nos vem
a pergunta principal, qual a vantagem que um anúncio deste modelo pode trazer? Ainda que a
resposta tenha sido vislumbrada diversas vezes no decorrer deste estudo, vamos agora
explicitá-la de maneira mais clara. O lúdico está intimamente ligado ao aprendizado. Pinheiro
nos diz que o jogador aprende de várias formas durante uma partida de qualquer jogo digital.
Por meio da experiência pela qual ele está passando, pela ampliação da união e colaboração
de grupos de afinidade, pelo desenvolvimento de habilidades úteis para o futuro (proposto
também nos estudos de Huizinga) e sobre as relações simbólicas propostas dentro do jogo.
Todas essas modalidades de aprendizado se encerram em todos os jogos, nos mostrando sua
multi-disciplinaridade. “A cognição e a educação estão presentes como características do jogo
em qualquer que seja a esfera” (Pinheiro. 2000. Pág 133).

Outra vantagem é que a função lúdica carrega em si uma conotação prazerosa, como também
já foi dito, portanto progride em forma hábito, torna recorrente o ato de jogar. Todas as
características citadas no parágrafo anterior nos fazem perceber que o jogo exerce função
essencial no imaginário do ser humano, construindo-o na inserção de cada uma de suas
imagens na mente de seus jogadores. Luis Nogueira em seu livro Narrativas fílmicas e
videojogos nos mostra que:

se as emoções são uma consequência dos procedimentos levados a cabo, a


percepção cognitiva do texto lúdico ou do texto narrativo é uma condição
desses mesmos procedimentos. É na medida em que o sujeito efectua um
conjunto de operações cognitivas que ele pode delinear um programa lúdico.
(Nogueira, 2008. Pág 343).

Vemos novamente que a ligação emotiva, a empatia entre jogo e jogador, pode transpassar
mensagens e imagens para a mente deste. A narrativa lúdica que acompanhamos na maioria
dos jogos digitais contemporâneos exerce função de construção de imaginário, facilmente
aproveitável pela publicidade. De maneira eficaz e eficiente a publicidade pode utilizar-se
destes modelos de jogo digital inseridos no contexto de informática e publicidade na web que
vimos, para criar uma forma de anúncio poderoso, que insere na mente de público imagens,
que se faz voluntariamente pelo consumidor e que atua como processo cognitivo para o
indivíduo, transferindo qualquer mensagem desejada, quando feito da forma correta.

60
O jogo atua de forma diferente em relação às outras mídias, não há forma passiva de recepção
da mensagem. O jogo é voluntário, pela definição de Huizinga, portanto o jogo em forma de
anúncio não permite que seu público o perceba de maneira passiva. Ao passo que isto é
desvantajoso por exigir que o público separe uma parte de seu tempo para jogar, para que
possa haver a suspensão de realidade que o jogo pede, também existe a grande vantagem de
ocupar a mente do jogador como prioridade, ainda que apenas naquele momento. O jogador
precisa pensar sobre o jogo, tomar decisões, controlar e interagir, isso torna a transmissão da
mensagem muito mais eficiente. O jogo intriga automaticamente qualquer jogador no intuito
de fazê-lo querer entender a sistemática do jogo, a partir do momento que é fisgado o jogador
se entregará totalmente aquele mundo de signos e imagens novas. Sobretudo nos jogos
digitais, onde as regras nem sempre são explicadas previamente, deve-se aprender jogando, o
que resulta em um maior interesse do jogador dentro do jogo e, portanto, uma maior atenção
às mensagens que o jogo transmite. O jogador apreende o jogo de maneira ativa, adquirindo
através da experiência os signos daquele novo domínio semiótico e criando relações com
todos os outros que dominam aquele universo como ele.

Outro ponto que nos ajuda a ressaltar essas características é a diferença que Nogueira faz
entre avatar e personagem. Embora não tenhamos até aqui usado essa nomenclatura, é
interessante notar que de fato existe essa diferença. O jogo digital pressupõe um avatar, um
elemento interno ao jogo que representa o jogador, aumentando a sua empatia com o jogo
através das interações que o jogador tem no mundo do jogo mediante ao controle de um
personagem, seu avatar. Do mesmo modo que o ator ao interpretar o personagem terá maior
catarse com este do que qualquer espectador ao assisti-lo, o jogador que usa seu corpo para
interagir e assumir a posição de um avatar terá mais empatia com a narrativa do jogo do que
se a assistisse de modo passivo.

“A necessidade de intervenção por parte do jogador (isto é, a manipulação do avatar) é traço


que distingue o avatar de outras representações do sujeito.” (Nogueira, 2008. Pág 204).
Mediante o uso deste avatar o jogador poderá ter influência sobre os processos lúdicos com os
quais ele irá se deparar, enquanto a relação entre o espectador e um personagem exigem um
nível de passividade e abstração muito maiores, o que dificulta a ligação empática e
emocional de ambos. Tanto que mesmo em jogos digitais existem entidades que o jogador não
pode controlar, essas são como qualquer personagem e justamente por isso são considerados
imediatamente como o outro, não gerando empatia imediata por parte do jogador.
61
Veremos então no próximo capítulo exemplos concretos que vem ocorrendo em nossa
realidade para que possamos atestar essas teorias na prática.

3 JOGANDO COM O CLIENTE

Visto então tudo que tangencia o jogo digital e suas possibilidades como publicidade,
nos vem a pergunta principal: qual a vantagemdiferença que um anúncio deste modelo pode
trazer? Ainda que a resposta tenha sido vislumbrada diversas vezes no decorrer deste estudo,
vamos agora explicitá-la de maneira mais clara. Por meio da observação de jogos criados com
este objetivo, se podem expor os conceitos da pesquisa bibliográfica até então explicitada
neste estudo. Com esta observação deseja-se analisar estes conceitos na prática e deduzir de
que maneira estão sendo pensados estes jogos, segundo o ponto de vista dos gamedesigners
locais, e como jogos de maior alcance atuam no mercado, suas estratégias e sua abrangência.

O lúdico está intimamente ligado ao aprendizado. Pinheiro nos diz que o jogador
aprende de várias formas durante uma partida de qualquer jogo digital. Por meio da
experiência pela qual ele está passando, pela ampliação da união e colaboração de grupos de
afinidade, pelo desenvolvimento de habilidades úteis para o futuro (o que é proposto também
nos estudos de Huizinga) e pelas relações simbólicas propostas dentro do jogo. Todas essas
modalidades de aprendizado se encerram em todos os jogos, nos mostrando sua
multidisciplinaridade. “A cognição e a educação estão presentes como características do jogo
em qualquer que seja a esfera” (Pinheiro. 2000. Pág 133).

Ora, é inevitável pensar que o jogo é hábito, devido a ser uma interrupção voluntária
da realidade, com virtude de gerar prazer. Este hábito é o momento em que o sujeito manifesta
propositalmente uma pausa em sua rotina para uma suspensão em uma dimensão de prazer.
Dado que um anúncio pode tomar a forma de um jogo, gerar prazer e tornar-se hábito, ele cria
um relacionamento entre o indivíduo e a marca presente neste anúncio, gerando empatia e
fixando essa marca em seu imaginário, aumentando o seu share of mind. “A estratégia de
fidelização maneja essa possibilidade de o sujeito (...) viver um hábito, uma forma de fruição
que ele pode administrar para criar essas ressemantizações cotidianas.” (Hernandes. 2006. Pág
76).

62
3.1 3.1 O anúncio do jogo digital

Uma das vantagens do anúncio nos moldes do jogo digital é que a função lúdica
carrega em si uma conotação prazerosa, como também já foi dito, portanto progride em forma
hábito, torna recorrente o ato de jogar. Todas as características citadas no parágrafo anterior
nos fazem perceber que o jogo exerce função essencial no imaginário do ser humano,
construindo-o na inserção de cada uma de suas imagens na mente de seus jogadores. Luis
Nogueira, em seu livro Narrativas fílmicas e videojogos, nos mostra que:

se as emoções são uma consequência dos procedimentos levados a cabo, a


percepção cognitiva do texto lúdico ou do texto narrativo é uma condição
desses mesmos procedimentos. É na medida em que o sujeito efectua um
conjunto de operações cognitivas que ele pode delinear um programa lúdico.
(Nogueira, 2008. Pág 343).

Vemos novamente que a ligação emotiva, a empatia entre jogo e jogador, pode
transcender mensagens e imagens para a mente deste. A narrativa lúdica que acompanhamos
na maioria dos jogos digitais contemporâneos exerce função de construção de imaginário,
facilmente aproveitável pela publicidade. De maneira eficaz e eficiente a publicidade pode
utilizar-se destes modelos de jogo digital inseridos no contexto de informática e publicidade
na web, para criar uma forma de anúncio poderoso, que insere na mente do público imagens,
que se faz voluntariamente por parte do consumidor e que atua como processo cognitivo para
o indivíduo, transferindo qualquer mensagem desejada, quando feito da forma correta.

O jogo atua de forma diferente em relação às outras mídias: não há forma passiva de
recepção da mensagem. O jogo é voluntário, pela definição de Huizinga, portanto o jogo em
forma de anúncio não permite que seu público o perceba de maneira passiva. Ao passo que
isto é desvantajoso por exigir que o público separe uma parte de seu tempo para jogar, para
que possa haver a suspensão de realidade que o jogo pede, também existe a grande vantagem
de ocupar a mente do jogador como prioridade, ainda que apenas naquele momento. O
jogador precisa pensar sobre o jogo, tomar decisões, controlar e interagir, isso torna a
transmissão da mensagem muito mais eficiente. O jogo intriga automaticamente qualquer
jogador no intuito de fazê-lo querer entender a sistemática do jogo. A partir do momento em
que é fisgado, o jogador se entregará totalmente àquele mundo de signos e imagens novas.
Sobretudo nos jogos digitais, nos quais as regras nem sempre são explicadas previamente,

63
deve-se aprender jogando, o que resulta em um maior interesse do jogador pelo jogo e,
portanto, em uma maior atenção às mensagens que o jogo transmite. O jogador apreende o
jogo de maneira ativa, adquirindo, através da experiência, os signos daquele novo domínio
semiótico e criando relações com todos os outros que dominam aquele universo.

Outro ponto que nos ajuda a ressaltar essas características é a diferença que Nogueira
(2008) faz entre avatar e personagem. Embora não tenhamos até aqui usado essa
nomenclatura, é interessante notar que de fato existe essa diferença. O jogo digital pressupõe
um avatar, um elemento interno ao jogo que representa o jogador, aumentando a sua empatia
com o jogo através das interações que o jogador tem no mundo do jogo mediante o controle
de um personagem, seu avatar. Do mesmo modo que o ator ao interpretar o personagem terá
maior catarse com este do que qualquer espectador ao assisti-lo, o jogador que usa seu corpo
para interagir e assumir a posição de um avatar terá mais empatia com a narrativa do jogo do
que se a assistisse de modo passivo.

“A necessidade de intervenção por parte do jogador (isto é, a manipulação do avatar) é


traço que distingue o avatar de outras representações do sujeito.” (Nogueira, 2008. Pág 204).
Mediante o uso deste avatar, o jogador poderá ter influência sobre os processos lúdicos com
os quais ele irá se deparar, enquanto a relação entre o espectador e um personagem exige um
nível de passividade e abstração muito maiores, o que dificulta a ligação empática e
emocional de ambos. Tanto que mesmo em jogos digitais existem entidades que o jogador não
pode controlar – estas são como qualquer personagem e justamente por isso são considerados
imediatamente como o outro, não gerando empatia imediata por parte do jogador.

O advergame, como é chamado o uso de reclames publicitários em jogos digitais, por
muitas vezes limita­se a um Outdoor do lado da estrada em um jogo de corrida. De fato este é
o tipo de publicidade que encontramos em jogos, via de regra, mas nem de longe é o melhor
uso destes jogos pela publicidade. Tornar a marca elemento central de todo o jogo também é
possível.  Jogos   como  Tony   Hawk’s   Pro   Skater,   além   de   promover   a   carreira   do   próprio
esportista que assina o jogo, também possibilitam a presença de diversas marcas de skates e
produtos para esse tipo de esporte. 

Imagem 1 ­ Capa do Jogo Tony Hawk’s Pro Skater

64
Imagem 1 ­ Capa do Jogo Tony Hawk’s Pro Skater
Fonte: Imagem Divulgação

A Pepsico lançou em 1999 o jogo Pepsiman com um herói homônimo cujo objetivo
era recolher o maior número de latas de Pepsi possível, enquanto desviava de obstáculos. Vale
ressaltar que o grande vilão que perseguia o herói era um caminhão completamente vermelho.

Imagem 2 – Jogo Pepsiman

Imagem 2 – Jogo Pepsiman
Fonte: Imagem Divulgação

Exemplos não faltam também de marcas que se aproveitaram de jogos de sucesso para
se promoverem mais diretamente,  e  como a Árvore de Chocolate Bis que foi criada para o
jogo Colheita Feliz, a versão de  Angry Birds  feita para o lançamento do filme  Rio  da  20th
Century Fox Animation. Embora alguns anúncios deste tipo tenham surtido grande efeito,
outros não, portanto é válida a análise de onde estão os acertos e erros em cada caso.

Imagem 3 – Jogo Angry Birds: Rio

65
Imagem 3 – Jogo Angry Birds: Rio

Fonte: Imagem Divulgação

A seguir analisaremos, individualmente, com mais cuidado e  à  luz de cada uma das


teorias aqui expostas,  observações feitas dos  anúncios em formato de jogos produzidos no
cenário local. Para isso se utilizarão alguns dos trabalhos produzidos por uma empresa de
jogos digitais local, com trabalhos sendo veiculados atualmente para empresas regionais, para
a Prefeitura Municipal de Fortaleza e outras instituições governamentais.

Por   fim  veremosserão   expostas  observações   de  outros   exemplos   de   sucesso   do


mercado nacional e internacional,  para que possamos ter uma visão completa do assunto.
Usaremos o jogo lançado pela marca de perfumes O Boticário, o Desafio Quasar Quest, e o
jogo Marvel: Avengers Alliance que tem fidelizado os clientes da Marvel por todo o mundo.

Espera­se   que   com   esta  análise  s   análises  se   possam  ver   as   reais   vantagens   e
problemáticas do uso do jogo digital como anúncio publicitário, e como isto vem sendo feito
por empresas locais e internacionais, fornecendo a possibilidade de um apontamento para uma
nova mídia publicitária a ser ainda melhor explorada.

3.2 3.2 Fan Desenvolvimento de Jogos Digitais Ltda.

A Fan Desenvolvimento de Jogos Digitais Ltda. é uma microempresa fundada em 4 de
outubro de 2010 por quatro sócios: Thiago Attianesi, Ítalo Sampaio, Davi Sabino e Breno
66
Pinheiro. Ela  é focada, como o próprio nome diz, em  desenvolvimento  de jogos  digitais.
Trabalham nela oito pessoas, entre roteiristas, designers, programadores e, sonoplastas., etc.

A  Fan, como é chamada pelos seus colaboradores, tem crescido aos poucos dentro do
mercado   cearense.   Um   de   seus   jogos   mais   promissores   é   chamado  Amazing   Goblin’s
Workshop, uma espécie de  tetris, contudo mais complexo  devido ao acréscimo de regras  e
muito divertido. Foi produzido todo em língua inglesa.  e possui a licença para ser lançado no
console  X­box  da  Microsoft.  O   jogo   é   envolvente   e   interessante,   o   que   é   uma   forte
característica  nos  trabalhos  desta  empresa:  o esmero em  prender o jogador  nos  pequenos
detalhes do jogo.

Imagem 4 – Foto Divulgação do jogo Amazing Goblin Workshop

Imagem 4 – Foto Divulgação do jogo Amazing Goblin Workshop

Fonte: http://www.fanstudios.com.br/

Embora sua especialização e seu foco, segundo os sócios, seja a criação, o lançamento
e a venda de jogos digitais, nem só desse serviço se faz a receita da empresa. Como muitas
vezes a criação de um jogo pode ser muito dispendiosa, tanto quanto mais complexo ele for,
sobretudo para uma equipe tão reduzida, a Fan já realizou outros serviços, como programação
e manutenção de portais, animações em computação gráfica e jogos digitais para empresas, o
que será o foco do nosso estudo.

67
Já tendo sido procurada por algumas empresas, que não sabiam ainda como tratar essa
nova mídia, dado que o mercado ainda não a absorveu por completo, a Fan segue o seguinte
processo quando trata com um novo cliente: primeiramente, faz­se uma reunião de briefing
para  averiguar  quais são as requisições desse cliente e suas reais necessidades;  após isto a
empresa se reúne e discute como transformar o atendimento dessas demandas em um jogo
divertido e funcional;  em seguida, faz­se  uma nova reunião  para  apresentar  ao cliente em
potencial a proposta da empresa, com orçamento baseado na quantidade de horas de trabalho
a serem destinadas à construção deste jogo. Assim que o serviço é firmado, começa­se então a
produção do jogo.

Os   roteiristas   finalizam   o   roteiro   determinando   o   tamanho,   as   motivações,   os


personagens e avatares do jogo. Os gamedesigners tratam da programação do jogo em si, sua
jogabilidade,   suas   possibilidades   para   o   jogador.   Após   isso   finalizam­se   os   detalhes,   não
menos importantes, como trilha sonora, hospedagem em um domínio na internet, caso seja
necessário, etc. Então, o cliente recebe o resultado final e as ferramentas para administrá­lo.
Na grande maioria das vezes, como os jogos são hospedados em sites, é da responsabilidade
do cliente fazer sua manutenção, pagando sua hospedagem. A Fan também realiza qualquer
manutenção necessária, caso seja encontrado algum problema – uma espécie de garantia do
produto que ela está vendendo.

RecentementeJá no seu início, a empresa venceu um edital da Prefeitura Municipal de
Fortaleza com a proposta de produção de um jogo que envolvesse cultura e que seria lançado
nas escolas públicas e em algumas escolas particulares da cidade. A ideia original do jogo
baseia­se em um click and drop, termo usado para jogos que consistem em utilizar o mouse
para mover objetos dentro do cenário.   O jogo, feito no programa  EngineConstruct, muito
semelhante ao RPGmaker, foi chamado de Degustação Cultural.

Outro   de   seus   trabalhos   promissores   é   o   jogo   Hemocionando   feito   para   o   site   do


HEMOCE (Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará). O jogo consiste em encontrar,
dentro   de   um   cenário   proposto   no   jogo,   pessoas   para   se   tornarem   doadoras   de   sangue.
Fazendo isso através de um clique sobre o personagem, ele receberá um adesivo de doador e o
jogador ganha novas bolsas de sangue. No intervalo de cada uma das fases do jogos, ou seja,

68
dos diferentes cenários, o jogador recebe informações de como chegar no centro de doação de
Fortaleza e uma mensagem falando das facilidades e benefícios da doação de sangue.

3.2.1 3.2.1 Cultura e Culinária

Degustação Cultural trata de comidas típicas de vários estados do nordeste brasileiro.
O jogador faz o papel de um cozinheiro em uma barraca de festa junina. Ele deve procurar
com o mouse dentro da barraca os utensílios e os ingredientes que serão usados em cada uma
das receitas pedidas. Os clientes são personagens caricatos  que representam os estados de
onde se originam as comidas. Escolhendo com a seta os ingredientes o jogador faz a receita,
habilitando assim que aquela receita seja sempre usada novamente e podendo acessar na tela
de seleção a opção ‘receitas’, onde se encontra a receita real daquele prato – assim ele pode
experimentar a sensação de cozinhar tanto no jogo, de uma maneira lúdica e simples, quanto
na vida real. Embora o jogo seja voltado para crianças e adolescentes, seus desenvolvedores
acreditam que os jogadores criarão interesse por esses pratos típicos e poderão, com a ajuda
dos pais, prepará­los em casa utilizando as receitas reais.

Imagem 5 – Foto divulgação do jogo Degustação Cultura

69
Imagem 5 – Foto divulgação do jogo Degustação Cultura

Fonte: http://www.fanstudios.com.br/

O tempo de produção do jogo foi de oito meses no total.  Ele  traz  vinte e dois tipos


diferentes de comidas típicas, e todas possuem as receitas reais disponíveis no jogo. Ele será
distribuído nas escolas em CDs e os alunos  tanto  terão acesso ao jogo no colégio quanto
poderão levar o CD para casa, caso desejem. O objetivo do jogo é influenciar as crianças e os
adolescentes a saírem do consumo exagerado de fast food e comidas prontas e mostrar quanto
é rica a culinária regional. O jogo ainda incentiva as crianças a cozinharem esses pratos e cria
nelas o desejo de experimentá­los na vida real.

Pensando   que   o   jogo   prepara   o   jovem   para   situações   que   ele   encontrará   na   vida,
também   seria   correto   afirmar   que   o   jogo   pode   causar   o   interesse   em   encontrar   na   vida
situações pelas quais se passou no jogo. Através da vivência obtida na imersão configurada no
jogo, podemos notar a influência dele sobre o mundo vivido pelo jogador. Este jogo cria uma
relação entre ele o jogador e transmite uma mensagem:  os pratos típicos são sinônimo de
diversão e uma opção válida para uma refeição saborosa. O jogador cria identificação com o

70
cozinheiro, sente­se próximo dele, aos poucos ressignificando para si aquelas comidas e seus
ingredientes. Não se trata apenas de um passatempo para as crianças, mas de uma forma de
incutir   em   seus   imaginários,   como   proposto   por   Laplantine  (1996),   novos   signos   e
significados novos para antigos significantes. Para a criança que jogou Degustação Cultural,
arroz doce não é mais um conceito distante que ela demora a imaginar como seria; a palavra
tem forma e conteúdo em sua mente, se esta forma resume­se à que ela presenciou no jogo,
desperta nela a curiosidade de descobrir qual a correspondência real que aquele símbolo do
jogo tem na realidade, graças à identificação que ela adquiriu com seu avatar dentro do jogo.

Ademais  isto, este jogo atua em  seu viés  escolar como cimento  social, ligando  as


crianças por meio do ato de jogar o mesmo jogo, ainda que separadamente. A integração por
meio do ato lúdico,  fortalece o sentimento de grupo social que aquelas crianças tem devido às
suas   aulas   em   conjunto,  contribuindo   também   para   a   união   entre   crianças   de   diferentes
instituições de ensino público.

A interatividade é preceito primordial nos resultados pensados nesse jogo. Como foi
dito anteriormente, a maioria das crianças pouco tem contato com esse tipo de prato típico,
não sendo em alguma viagem ao interior do estado ou em uma rara oportunidade de festa
junina, mais difícil ainda seria a oportunidade de preparar um destes. A possibilidade de fazê­
lo, ainda que virtualmente, e vislumbrar a possibilidade da concretude da situação, torna o ato
não apenas convidativo, mas mais efetivo quando comparada a livros de história e geografia
que meramente citam ou mostram figuras estáticas desses objetos. A mensagem é melhor
recebida devido à interatividade do jogo. O seu suporte digital já o torna mais atrativo para as
novas gerações. Sem perder em nada a essência do regionalismo, tecnologias evoluem, mas
não interrompem tradições, pelo contrário, ajudam­na a manter­se.

Degustação Cultural, portanto, não apenas ensina a preparar os pratos, mas seduz a
criança de maneira subliminar a participar de uma tradição cultural de sua região, apreendê­la,
compreendê­la e replicá­la, coloca esses alimentos em evidência na mente do seu jogador. 

Contudo, não havendo clareza de resultados específicos, a medição torna­se complicada de
ser feita. Não há, neste caso, como definir com precisão quantas crianças estão desfrutando,
de fato, do jogo, ou quanto tempo passam jogando. Podemos meramente estipular isso com
base em quantos exemplares foram produzidos. Não há também, neste caso, a possibilidade
71
de receber dados instantaneamente, dado que as crianças jogam através de um CD que lhes é
dado. O retorno mercadológico também não pode ser visto a princípio, dado que as crianças
não passarão a desejar um produto específico por conta do jogo, e não existe avaliação do Top
of Mind  de comidas  típicas.  Poder­se­á perceber isto no interesse das crianças  por pratos
típicos em festas juninas e nas tradições regionais, mas isto ainda é muito pouco para se aferir,
o que conta como ponto negativo deste jogo.

Entretanto, vale ressaltar que o jogo é também ferramenta de comunicação e neste
caso, ferramenta da cultura, não atuando com viés mercadológico. O jogo faz parte da cultura
e tem por objetivo mantê­la e replicá­la. Em Degustação Cultural podemos ver a função do
jogo como a de manter a regionalização, não apenas através das comidas típicas apresentadas,
mas também na caracterização dos personagens, no clima de festa junina e no design do jogo
como um todo, que visa à construção de figuras no imaginário coletivo e à manutenção dessas
imagens, não permitindo que elas se percam ou sejam substituídas por comidas de fast food
industrializadas e sem nenhuma forma de regionalização. O jogo se torna um ritual pelo qual
se perpetuam memórias e imagens, que compõem uma cultura regional e o imaginário desta
cultura. Interessante notar que o ato de preparar a comida é um dos primeiros rituais que o ser
humano criou para si, e agora a preparação de uma comida virtual pode­se tornar uma nova
forma do mesmo ritual.

3.2.2 3.2.2 A Empatia na Doação de Sangue.

Os   bancos   de   sangue   do   HEMOCE,   atualmente,  não   estão   em   seu   estado   ideal.


Constantemente vemos casos próximos de pessoas que por algum motivo precisam receber
doações e  têm  de pedir a parentes ou amigos que façam doações, dado que as reservas dos
bancos estão em baixa. Isso não se dá por não haverem doadores, mas por esse número ainda
ser bem menor do que deveria. Pode­se perguntar a importância dessa diferença, e a resposta
na   verdade   é   bem   simples.  Os   doadores   regulares   do   HEMOCE   não   convencem   outras
pessoas a se engajarem e se tornarem doadores também.

Imagem 6 – Foto divulgação do jogo Hemocionando
72
Imagem 6 – Foto divulgação do jogo Hemocionando

Fonte: http://www.fanstudios.com.br/

Neste caso a Fan criou o jogo Hemocionando, onde o jogador deve encontrar novos
doadores para os bancos de sangue do HEMOCE, mantendo as reservas de sangue sempre
cheias e pontuando conforme a quantidade de pessoas que encontrar para a doação. O jogador
realiza essa tarefa em uma visão em primeira pessoa que percorre um cenário em busca de
pessoas   que   hora   aparecem,   hora   se   escondem,   e   clicando   sobre   elas,   com   o   cursor
personalizado para o jogo, as marca com um adesivo do Centro de Hemoterapia. Assim que a
pessoa é marcada com o adesivo, podem­se ver as reservas de sangue crescer e ao fim de cada
etapa,   vê­se   a   pontuação.   Entre   uma   etapa   e   outra,   temos   a   possibilidade   de   visualizar
informações de local e horário de funcionamento do Centro.

A mensagem transmitida por esse jogo está na empatia que ele causa, não tendo sido
feito   apenas   para   o   não­doador   que   não   teria   por  que   criar   o   hábito   de   encontrar   novos
doadores, mas principalmente foi feito para os doadores assíduos que não têm por costume
ajudar no aumento do número de doadores. Talvez pelo fato de ser um assunto que gere
73
tensão, pelo envolvimento de agulhas, por estar, quase sempre, relacionado a algum acidente
ou doença, quando se chama alguém para doar sangue, embora o resultado seja por vezes
positivo,   o pensamento  das  pessoas  sobre  o assunto  é  sempre   permeado  por  tensão.  Não
retirando a importância e a seriedade do assunto, torna­se óbvio que para uma maior aceitação
é interessante uma abordagem menos agressiva, menos carregada de situações negativas ao
seu entorno. Dado que o jogo é sempre permeado por imagens e signos, segundo Huizinga, e
essas imagens compõem  ­no imaginário coletivo, que permearão as mentes dos jogadores,
segundo Laplantine e Mafesoli,  causando consequências vistas em suas ações cotidianas é
necessário mudar no imaginário as ligações que se fazem com doação de sangue e acidentes
ou doenças. Doação de sangue trata­se de salvar vidas e é isto que o jogo ensina.

A proposta do jogo é que  O conceito dea  propagação internalizea­se aos poucos na


mente do doador que joga, e a ideia de doação mantenhaém­se na mente daquele jogador que
não doa. Pois como explicitado no primeiro capítulo, Huizinga caracteriza o jogo como uma
imersão   que   ensina   para   a   vida   externa   ao   jogo.  Ideias   que   causariam   impacto   e
estranhamento a priori assentam­se calmamente sem que se note no imaginário dos jogadores,
como nos fala Laplantine ao ressaltar o poder do imaginário coletivo. O próprio assunto de
sangue, que sempre soa mórbido quando se fala ou se lê, aparece de maneira lúdica de modo a
demonstrar a leveza com que o assunto deve ser tratado para melhor penetrar na mente das
pessoas.   O   aprendizado   é   paulatino   e   por   isso   tende   a   tornar­se   hábito   de   jogo,   que
ocasionalmente  será  levado  para   a   vida   cotidiana,   lembrando   o   que     Bergson   nos   diz   a
respeito da fixação de memórias, que são incrivelmente reforçadas através dos dispositivos
motores, ou seja, a interatividade.

Outra consequência interessante a ser analisada é a possibilidade de recomendação do
jogo por meio de redes sociais, tornando­o não apenas um mecanismo de ampliação da rede
de jogadores, mas da própria rede de doadores. Uma maneira fácil, rápida e sutil de apresentar
o trabalho do HEMOCE de modo a não assustar qualquer desavisado. O tom do fúnebre, do
fatalismo, se perde no tom lúdico da peça publicitária. Cria­se, portanto, um grupo gregário de
jogadores e doadores, que nem sempre acontece pela simples doação de sangue, mas que o
jogo permite e permeia em sua capacidade de ser cimento social. Os jogadores procuram
novos   jogadores   para   aumentar   este   grupo   e   com   isso   aumentam   a   propagação   das

74
informações que o Centro de Hemoterapia deseja repassar por meio dos signos propostos no
jogo digital apresentado.

Dois fatores tornam o Hemocionando uma ferramenta  poderosa  no crescimento do


número de doadores de sangue: a facilidade, através da interatividade e da grande velocidade
de informação que sustenta o meio digital, de se espalhar uma informação (da existência do
jogo), e a forte presença incutida na mente do jogador, aos poucos, pelo processo do jogo.
Isso se dá porque foi usada uma estratégia diferente das abordagens comuns de campanhas de
doação de sangue, que buscam o estimulo racional de ‘fazer a coisa certa’ ou de ‘um dia pode
ser você’, não tem o mesmo valor de um apelo emocional de uma campanha cheia de sorrisos
que passa mensagens como ‘doar sangue  é algo bom’ e ‘todos se sentem melhor doando
sangue’, essas mensagens podem ser vistas de maneira subliminar pela mudança na expressão
de cada um dos personagens assim que são clicados e se tornam doadores, todos passam a
sorrir.

A ferramenta estando colocada no site do Hemoce gera não apenas mais visitações
para a página, como também a aferição imediata de quantas pessoas estão navegando por ela,
jogando aquele jogo, o tempo de contato com aquela mensagem, etc. Isso é muito importante
para decisões mercadológicas nas mudanças de modo de comunicação do HEMOCE. É óbvio
que o Centro de Hemoterapia não se encaixa nos padrões habituais de mercado, mas ele tem
necessidade   de   conseguir   novos   doadores,  como   qualquer   empresa   tem   a   necessidade   de
conseguir novos clientes. Posto isso, podemos perceber que os clientes do HEMOCE não são
os que utilizam as bolsas de sangue, mas sim os que doam. Convencer uma pessoa a doar e
um doador a continuar doando são as metas padrões para que este centro cumpra sua missão. 

Entretanto   talvez   ele   ainda   não   seja   o   exemplo   mercadológico  mais   apropriado
perfeito  de que precisamos para analisar o jogo como peça publicitária. Como já foi dito, o
mercado   cearense   ainda   cresce   lentamente   em   comparação   com   os   mercados   nacional   e
internacional, dado que ainda são poucas as empresas que visualizaram seu potencial. Para
análises   a   seguir   tomaremos   como   exemplos   os   jogos   lançados   pela  O  Boticário   e   pela
Marvel.

75
3.3 3.3 Uma corrida para o imaginário do consumidor

Em julho de 2013 a empresa de perfumes  O  Boticário lançou um jogo para internet


chamado  Desafio Quasar Quest,  muito similar com o jogo lançado pela Pepsico em 1999.
Neste   o   avatar   é   um   rapaz   que   corre   pelas   ruas   de   uma   cidade   recolhendo   moedas   que
melhoram sua pontuação, e o jogador usa as setas do teclado do computador para desviar de
obstáculos para a direita, esquerda, pulando para cima ou se esgueirando por baixo. Caso o
avatar esbarre nos obstáculos três vezes a partida encerra e pode­se jogar uma nova partida do
início do circuito. O jogo ainda permitia que você marcasse sua pontuação no próprio site
destinado para ele. A cada semana os dois melhores jogadores ganhavam um kit com produtos
Quasar,   como   perfume,   desodorante   e   espuma   para   barbear.   Além   disto,   o   site   também
continha uma área para os homens, público­alvo do produto, com dicas de beleza masculina.

Imagem 7 – Foto nas redes sociais divulgando o jogo Desafio Quasar Quest

Imagem 7 – Foto nas redes sociais divulgando o jogo Desafio Quasar Quest

Fonte: https://www.facebook.com/DesafioQuasarQuest

A sistemática simples, a adrenalina da velocidade e a necessidade de bons reflexos são
características   básicas   que  prendem   fortemente  a   atenção   do   jogador.   A   facilidade   de
76
melhorar os resultados a cada partida torna o jogo viciante, dado que a cada partida cria­se o
desejo da próxima. A criação de um prêmio para os que melhor pontuarem também faz com
que o jogo ganhe mais importância na mente do jogador. O jogo digital na internet permite
não apenas que o nível de atenção do público seja medido com maior precisão, como também
possibilita a venda direta do produto, dado que no próprio site do jogo já se podia comprar o
produto e recebê­lo em casa. O jogo não mostra que o produto tem um cheiro melhor ou
mesmo agradável ao cliente, mas,  como já vimos nas regras do  Marketing  de Trout, nem
sempre o mais vendido é o melhor, mas o primeiro a ser lembrado é.

A relação que se cria, portanto, com o produto não tem a ver com suas qualidades
inerentes, mas com o que ele representa. Quasar é o perfume do homem que vive uma vida
corrida, cheia de obstáculos, que não pode parar, que está sempre se superando, vencendo,
melhorando a si mesmo e que nunca perde o seu cheiro, dado que o personagem virtual não
transpira.   Novamente   ressalta­se   que   essa   capacidade   comunicativa   se   dá   de   maneira
subliminar.  Essas   informações   não   são   óbvias,   ditadas,   racionalizadas   pelo   público,   mas
sutilmente embutidas em sua mente pelo processo lúdico que se cria no anúncio. O poder de
comunicar, mantendo o consumidor em contato com a marca, criando um relacionamento
divertido   e   prazeroso,   fortalecendo   a   imagem   do   produto   no   imaginário,   através   de   uma
possibilidade que apenas a tecnologia digital nos fornece, com uma verificação imediata do
alcance dessa comunicação. 

O poder gregário surge não apenas no teor agonístico da premiação, que cria uma
relação direta entre todos os jogadores, mas principalmente na possibilidade de publicação
dos próprios resultados por meio de redes sociais. Essa ferramenta cria uma comunidade de
jogadores, que não apenas entram em contato com a marca, como também direcionam outras
pessoas a esse contato, de modo que a própria existência do jogo cria novos jogadores a todo
o momento, bem como o surgimento de novos jogadores sustenta o próprio jogo em um ciclo
virtuoso de comunicação e comunidade. A presença de matérias sobre o anúncio em diversos
blogs de curiosidades, moda e publicidade demonstra a força que essa promoção teve e sua
eficácia.

Entretanto   é   válido   ressaltar   que   esta   campanha   poderia   ter   obtido   resultados
significativamente melhores se a empresa tivesse investido melhor na propagação do jogo. De

77
fato, como o jogo foi lançado para internet, mas não houve preocupação da empresa em fazer
o consumidor saber a respeito, o número de jogadores foi menor do que poderia. Vemos isso
pela página do jogo no site de relacionamento facebook, a qual possui pouquíssimos afiliados,
que  tendo realizado  publicações  apenas no período da primeira semana de lançamento do
jogo. Isto, com certeza, dificulta o crescimento da comunidade jogadora, já que não há por
parte da empresa nenhum reforço  significativo  inicial para criar essa comunidade, e o jogo
não poderia fazer isso sozinho.

Então cria­se o questionamento imediato: além do investimento na produção do jogo,
também há que se investir na propaganda do jogo, o qual já deveria ser um anúncio por si só?
Sim, mas isso  é menos  desperdício de investimento do que pode parecer a princípio. Do
mesmo modo que uma determinada empresa cria seu site e utiliza outras mídias, digitais ou
não, para criar apontamentos para esse site, quando se cria um jogo não se pode esperar que o
público o descubra sozinho. É preciso que o jogo apareça no site da empresa, em algum ponto
de sua comunicação, além de requerer mecanismos para que ele se propague por si mesmo,
como o compartilhamento do jogo em redes sociais, e o ganho de vantagens internas ao jogo
com a aquisição de novos amigos jogadores, como veremos a seguir no exemplo do Marvel:
Avengers Alliance.

3.4 3.4 Hérois da telona para a telinha

Com o sucesso dos filmes da  Marvel Studios  e o iminente recorde de bilheteria que


viria do filme  Os Vingadores  (2012) a Marvel resolve lançar, em janeiro de 2012, um jogo
que se tornou um recorde de acessos no facebook, Marvel: Avengers Alliance. Produzido pela
Playdoom, empresa do conglomerado Disney bem como a própria Marvel, o jogo consiste na
mesma   sistemática   das   histórias  em   quadrinhos   de  onde  se  trouxeram   os  personagens.  O
jogador   utiliza   um(a)   agente   de   uma   organização   fictícia   que   protege   a   humanidade   de
terríveis   vilões,   para   isto   ele   deve   encontrar   e   recrutar   heróis,  e  pessoas   com   poderes   e
habilidades especiais. 

Imagem 8 – Foto Divulgação do jogo Marvel: Avengers Alliance
78
Imagem 8 – Foto Divulgação do jogo Marvel: Avengers Alliance

Fonte: https://www.facebook.com/avengersalliance

Conforme as etapas do jogo passam, mais heróis de quadrinhos podem ser recrutados,
mais itens o avatar pode adquirir e mais interessantes e perigosas se tornam as missões. Por
vezes   também   aparecem   missões   especiais,   com   premiações   tão   especiais   quanto,   e   a
possibilidade de recrutar um herói novo. Essas premiações, bem como o personagem a ser
recrutado, só estarão presentes nessa missão e esta só estará disponível por pouco tempo,
portanto é preciso manter um ritmo de jogo para aproveitar essas oportunidades. Embora haja
um limite diário de missões, dado que se perde uma quantidade de energia e esta demora a ser
recuperada, esse limite pode ser aumentado pelo jogador com o uso de itens.

Também   é   possível   utilizar   seus   personagens   recrutados   para   enfrentar   outros


jogadores,   em   uma   espécie   de   torneio   com   premiações   de   itens   valiosos   para   o   jogo,
entretanto não é possível desafiar diretamente um amigo. Os embates são aleatórios e também
possuem uma quantidade limite diária, que pode ser aumentada com o uso de itens.

A página oficial do jogo no  Facebook  já possui quase quatro milhões de afiliados,


produz   conteúdo   diariamente,   organiza   promoções,   premiações   e   comunicados,   tudo
internamente ao jogo, sem que haja custo físico para a marca. Isto porque, segundo a própria
Playdoom, este é um social game. Pode­se entender isto como um jogo que carrega valores
presentes nas mídias  sociais  e as usa como suporte. O jogo ainda reforça esse valor pela
possibilidade de se tornar aliado de um outro jogador, mesmo que não o possua em suas redes
sociais, e com isso adquirir mais itens, pontos e vantagens diversas durante o jogo. Portanto,
cada vez que se joga, deseja­se não apenas jogar mais, mas que mais pessoas joguem junto. O

79
sentimento de comunidade e o valor gregário da comunicação são elementos essenciais deste
jogo.  O  cimento   social   comunicativo   fortalece   o   avatar,   torna   o   jogo   mais   interessante,
expande possibilidades, acresce em diversão.

A narrativa segue linhas semelhantes às de histórias em quadrinho – vilões aparecem e
reaparecem, tornam­se aliados, ao passo que certos aliados tornam­se vilões. Exploram­se
possibilidades   diversas,   pontos   de   vistas   diferentes,   e,  na   construção   da   narrativa,  com
assistência do jogador, criam­se novas histórias. Este sentimento de interatividade é singular
neste tipo de jogo, por usar personagens já presentes no imaginário, por conta de filmes, séries
e   quadrinhos,   e   permitir   que  o  jogador   crie   uma   história   com   eles.   Exemplo   disto   foi   o
lançamento   da   saga   ‘Vingadores   VS   X­men’   nas   revistas   que   se   transpôs   para   o   jogo,
permitindo ao jogador  escolher de que lado se posicionaria neste embate e assim receber
vantagens no uso de determinados personagens.

Este   sistema   de   jogo   com   constante   criação   de   conteúdo   pode   parecer   um   trabalho
dispendioso, mas, pensando que sempre que há o lançamento de um novo produto da Marvel,
como um novo filme, por exemplo, há também, em primeira mão, a exibição do trailer do
filme aos jogadores, antes de começar uma partida e com uma recompensa por tê­lo assistido.
O jogador tende a se interessar cada vez mais pelos produtos que a empresa comercializa.
Notar   que   uma   determinada   história   está   se   passando,   simultaneamente,   no   jogo   e   nas
revistas, o faz querer ler a revista para complementar sua visão do jogo e vice­versa, ao passo
que a empresa também pode utilizar o jogo para o lançamento de um novo personagem ou
para a revalorização de um personagem que estava em baixa, retroalimentando assim a venda
de produtos relacionados; brinquedos, filmes, séries, etc.

Não apenas neste, mas citando­o como principal exemplo, podemos perceber todos os
fatores tocados nos capítulos anteriores: o caráter agonístico criando e fortalecendo vínculos,
como proposto por Huizinga, que não se encerram na competitividade, mas estão presentes na
possibilidade de aliança; a utilização imagética ao seu máximo, criando e reforçando símbolos
que   tem   relação   com   a   empresa,   em   cada   personagem,   item   e   avatar   utilizado;   a   forte
identificação, dado a possibilidade do jogador assumir a identidade de um personagem ativo
no enredo das narrativas da empresa, esta identidade tem por consequência a sensação de
equalização do indivíduo com a marca, fazendo­o sentir­se parte dela, se  podemos assumir

80
que identificação não está no ser, mas no parecer ser, como proposto por Bauman, o jogador
funde sua identidade a da marca, sendo um virtualmente um personagem da Marvel.

Há ainda a possibilidade de enxergar este anúncio como uma mídia, como foi feito
pela Marvel com o lançamento de uma promoção da Netflix (empresa de exibição de filmes e
séries   online),   na   qual  a  aquisição   de   uma   assinatura   desta   resultaria   em   uma   série   de
vantagens exclusivas para o jogo. Ou seja, a Marvel criou um jogo para promoção de seus
produtos e com o sucesso deste jogo conseguiu vender espaço publicitário  dentro de seu
próprio anúncio, caracterizando um exemplo raro dentro da publicidade.

É verdade que não é de hoje que empresas com produtos essencialmente narrativos (filmes,
livros, séries, quadrinhos, etc.) lançam jogos para fortalecerem essas marcas, mas a grande
vantagem deste sobre os outros é a possibilidade de atualização instantânea, pois, se a Marvel
lançar um filme de um determinado herói, este mesmo se incorporará ao jogo ou, se já estiver
presente, ganhará novas habilidades. É fato que, para empresas que possuem esses produtos
narrativos, o uso de um jogo digital como reforço midiático de vendas é demasiadamente mais
fácil,   dado   que   para   outro   tipo   de   produto   iria   requerer­se   que   ele   primeiro   criasse  uma
narrativa para só depois transformar essa narrativa em jogo. Entretanto,  isso nunca impediu
grandes marcas de o fazerem, como citamos O Boticário e a Pepsico. Tornar o público­alvo
um jogador, cria não apenas um vínculo entre o individuo e a marca, mas também uma nova
identidade para a sua mente e uma nova imagem para seu imaginário, fazer do jogo um hábito
cria   um   ritual   que   se   aproxima   em   vários   aspectos   do   sagrado,   como  foi  proposto   por
Huizinga.

3.5 3.5 Outros eExemplos não faltam.

Pensando sobre o jogo, Pinheiro nos diz que “se ignoramos os quase cinquenta anos de
desenvolvimento   deste   meio,   também   podemos   ter   deixado   de   pensar   em   formatos   que
aproveitem seu potencial, não apenas para entretenimento, mas como gramática para outros
produtos de mídia” (PINHEIRO. Pág 146), e é difícil acrescentar uma visão diferente desta.

81
A visão de oportunidade para a publicidade interna ao jogo já foi visitada há tempos – seja
no  Moonlander  (1972) onde aparece uma  loja do McDonalds  na Lua, no famoso  Chester
Cheetah: Too Cool to Fool cujo personagem principal era mascote da Cheetos ou no menos
conhecido Spot: The Cool Adventure com o Cool Spot do refrigerante 7up.

Imagem 9 – Jogo Chester Cheetah: Too Cool to Fool

Imagem 9 – Jogo Chester Cheetah: Too Cool to Fool

Fonte: Chester Cheetah: Too Cool to Fool

Entretanto,  ainda   há  muito   que  se  explorar   e  conhecer  desta   área.   É   visto  que  há
exemplos promissores e outros que não funcionaram bem, mas por falhas que poderiam ter
sido evitadas ou corrigidas. Porém:

O game, de forma inovadora em relação tanto ao cinema e à literatura,


quanto aos jogos pré-digitais, tem, reconhecidamente, a capacidade de fazer
seu interator imergir fisicamente no mundo do jogo dando-lhe sensação de
(tele)presença nunca antes sentida. [...] tal sofisticação já implementa
conceitos abstratos, de modo que nossa vivencia desses mundos é, sem si
mesma, a apreensão de conceitos, numa renovação do que de melhor foi
feito por escritores como Kafka, Dostoiévsky e Machado de Assis, nos quais,
penetrar na narrativa dos romances implica internalizar uma rede sofisticada
de crenças e valores. Agora, contudo, no game, o ato mesmo de jogar
implica mais ainda a construção conjunta desse sentido. Por fim, de forma
realmente inédita, os personagens autônomos dos games trazem ao interator
uma nova experiência empática (GOMES. 2009. p.188)

3.6 Considerações finais

82
A análise do custo benefício para cada empresa que pense em anunciar desta maneira
deve ser feita individualmente e com cuidado. Contudo vale ressaltar que, sobretudo para as
grandes marcas que intentam liderar o mercado, marcar a presença na mente do público­alvo e
fidelizar o consumidor é fator decisivo no cumprimento deste objetivo. Em um mundo onde o
individuo   é   cada   vez   mais   bombardeado   por   informações,   sobretudo   publicitárias,
desenvolvendo um crescente repúdio a esses reclames, cria­se um cenário desfavorável para
mídias não criativas e pouco atraentes. O uso como mídia de um ato tão entranhado na própria
cultura, pode ser uma excelente opção para lutar contra essa profusão que se cria no entorno
do sujeito, fazendo­o assim escolher visualizar a sua marca todos os dias e por quanto tempo
quiser.

CONCLUSÃO

Este trabalho atende ao que se propôs de início, uma análise de como a publicidade se
apropria dos moldes  dos jogos digitais  para criar uma determinada espécie de anúncio, a
análise de suas vantagens e desvantagens, por meio do estudo de exemplos que obtiveram
sucesso e outros que falharam em certos aspectos. Contudo ainda são poucos os estudos que
se debruçam a respeito deste tipo de publicidade e ainda são diversas as dúvidas  sobre  sua
viabilidade e retorno para as empresas. Coube, portanto, à pesquisa a averiguação, sob à luz
dos estudos de diversos campos, desta prática de mercado. 

83
Se houve uma conclusão definitiva, esta foi quanto ao poder que o jogo exerce sobre o
homem, em seu imaginário e sua identidade,  logo se conclui que  o aproveitamento  deste
molde ainda é demasiado mal aproveitado por parte do mercado publicitário. Contudo, com
reforço nos investimentos, tanto  na pesquisa e formação  por parte das universidades, como
por parte das empresas na criação de novos mercados, este tipo de anúncio tem um apelo
singular e impactante fazendo do consumidor em potencial um cliente fiel. 

Este estudo tem uma importância para o cenário local de desenvolvimento de jogos
digitais, que ainda é caminha a passos demasiado curtos. Também poderá se unir a outros
estudos em virtude de impulsionar o uso dos jogos digitais como mídia, tornando os estudos
nessa área norteadores de um novo caminho possível para a comunicação social, sobretudo
em virtude das novas tecnologias e interfaces que se apresentam todos os dias.

Há ainda que se estender a pesquisa de forma mais quantitativa para que possamos
entender plenamente como se dá o retorno deste tipo de anúncio em número de clientes novos
e se possível, futuramente, um estudo de caso onde se possa constatar o aumento do share of
mind  de um produto mediante a utilização de um anúncio deste tipo. Outras possibilidades
envolvem o estudo aprofundado da recepção de mensagens por meio dos jogos digitais  e
como os jogadores são afetados por estes. Se possível identificar mudanças de hábitos de
consumo influenciadas diretamente por exposição a um determinado jogo.

84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE,   Rafael   Marques   de;   FIALHO,   Francisco   Antônio   Pereira.   A


interatividade e o potencial de aprendizagem através dos jogos eletrônicos. Diseño em
Palermo, Encuentro Latinoamericano de Diseño. 2010.

AMADORI, Rosane; MARQUES, Márcia Gomes. A instantaneidade e a construção da
notícia no jornalismo online. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Zahar. Rio
de Janeiro, 2003.

BEIVIDAS, Waldir. RAVANELLO, Tiago. Identidade e identificação: Entre semiótica
e psicanálise. São Paulo. 2006.

BERGSON, Henri. Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito.
São Paulo, Martins Fontes, 1999.

BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. 1ª Reimpressão da 3ª Edição. Companhia das
Letras. 1992.

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Tradução de José
Garcez Palha. Lisboa: Cotovia, 1990.

FÉRRES, Joan. Televisão subliminar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 

GOMES,   Renata.   Narratologia   &   Ludologia:   um   novo   round.  VIII   Brazilian


Sumposium on Games and Digital Entertainment. Rio de Janeiro. 2009.

GREIMAS. A. J. COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Cultrix. 1979.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos
Tribunais, 1990.

HERNANDES, Nilton. A Mídia e seus truques. Editora Contexto, 2006

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 4ª Edição. São Paulo. Editora Perspectiva SA. 2000.

LAPLANTINE, François; TRINDADE, Liana. O que é imaginário. 1ª Reimpressão da
1ª Edição de 1996. São Paulo: Editora Brasiliense. 2003.
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

MAFFESOLI, Michel. A comunicação sem fim (teoria pós­moderna da comunicação).
Porto Alegre. Revista FAMECOS – nº 20. Abril 2013.

NOGUEIRA, Luis.  Narrativas Filmicas e Videojogos. Universidade da Beira Interior.
LabCom, 2008.

PINHEIRO, Cristiano Max Pereira. Apontamentos para uma aproximação entre jogos
digitais  e comunicação. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2007.

PINHO,   J.B.  Publicidade   e   Vendas   na   Internet:   Técnicas   e   Estratégias. São   Paulo:


Summus, 2000.

ROLNIK,   Suely.   Uma   insólita   viagem   à   subjetividade:   fronteiras   com   a   ética   e   a


cultura. In: LINS, D (Org.). Culgura e subjetividade: saberes nômades. Campinas, SP:
Papirus, 1997. p. 25­34

SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000.

TROUT, Jack. As 22 consagradas leis do marketing. São Paulo: Makron Books, 1993.

Você também pode gostar