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Seminário EPD – 2ºsem – Direito Eleitoral

O STF e a Política
Resumo – Relatório do Acórdão da ADIn 4.650/DF

Relator: Min. Luiz Fux


Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Artigos impugnados: artigos 23, §1º, incisos I e II; 24; e 81, caput e § 1º, da Lei nº 9.504/97
(Lei das Eleições), e dos artigos 31; 38, inciso III; 39, caput e §5º, da Lei nº 9.096/95 (Lei
Orgânica dos Partidos Políticos).
Lei. 9.096/95:
“Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto,
contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de
qualquer espécie, procedente de:
I- entidades ou governos estrangeiros;
II- autoridades ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;
III- autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de
economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgão
ou autoridades governamentais;
IV- entidade de classe ou sindical.”
“Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é
constituído por:
........
III- doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários
diretamente na conta do Fundo Partidário”
“Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas
físicas e jurídicas para constituição de seus fundos.
....
§ 5º. Em ano eleitoral, os partidos políticos poderão aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os
recursos financeiros recebidos de pessoas físicas ou jurídicas, observando-se o disposto no
Parágrafo 1º do art. 23, no art. 24 e no Parágrafo 1º do art. 81 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro
de 1997, e os critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias.”
Lei 9.504/97:
“Art. 23. As pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas
eleitorais, obedecido o disposto nesta lei:
§ 1º. As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:
I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à
eleição.
II - no caso de candidato que utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido
pelo seu partido, na forma da lei.”
“Art. 24. É vedado a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em
dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, de:
I – entidade ou governo estrangeiro;
II - órgão da administração pública direta ou indireta ou fundação mantida com recursos
provenientes do Poder Público;
III - concessionário ou permissionário de serviço público;
IV - entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição
compulsória em virtude de disposição legal;
V - entidade de utilidade pública;
VI - entidade de classe ou sindical;
VII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior;
VIII - entidades beneficentes ou religiosas;
IX - entidades esportivas;
X - organizações não-governamentais que recebam recursos públicos;
XI – organizações da sociedade civil de interesse público.
Parágrafo único. Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as cooperativas cujos
cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços públicos, desde que não
estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art. 81.”
“Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do
registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do
faturamento bruto do ano anterior à eleição.”

Problemática apresentada ao Supremo pelo Requerente:


“A atual disciplina normativa de financiamento das campanhas eleitorais maximiza os vícios da
dinâmica do processo eleitoral, máxime porque gera uma intolerável dependência da política em
relação ao poder econômico. Tal modelo criaria também uma assimetria entre seus participantes,
de vez que exclui ipso facto cidadãos que não disponham de recursos para disputar em igualdade de
condições com aqueles que injetem em suas campanhas vultosas quantias financeiras, seja por
conta própria, seja por captação de doadores.”
Assim, “o modelo vigente de financiamento de campanhas eleitorais vulnera (i) o princípio da
isonomia (CRFB/88, art. 5º, caput, e art. 14), (ii) o princípio democrático (CRFB/88, art. 1º, caput
e § único, art. 14, art. 60, §4º, II), (iii) o princípio republicano (CRFB/88, art. 1º, caput) e (iv) ao
princípio da proporcionalidade, em sua dimensão de vedação à proteção insuficiente
(“Untermassverbot”).
O princípio da isonomia estaria comprometido na medida em que os ricos, por si ou pelas
empresas que controlam, tenham uma possibilidade maior de influírem nos resultados eleitorais
e, por consequência, nas deliberações coletivas e políticas públicas. Também há
comprometimento do princípio da isonomia na imposição de critério diferenciado para doações
de particulares que proíbe um indivíduo mais pobre de doar a mesma importância que o mais
abastado, mesmo se dispuser de recursos.
As normas impugnadas atentam contra o princípio democrático na medida em que “infundem
elementos fortemente plutocráticos na nossa jovem democracia, ao converter o dinheiro no
‘grande eleitor’”. Segundo o Requerente, “[o princípio democrático] não se compatibiliza com a
disciplina legal da atividade política que tenha o efeito de atribuir um poder muito maior a alguns
cidadãos em detrimento de outros”. “O funcionamento da democracia pressupõe que se
estabeleçam instrumentos que, na medida do possível, imponham uma prudente distância entre o
poder político e o dinheiro, tendo em vista a tendência natural deste último de se infiltrar sobre
os demais subsistemas sociais, dominando-os”.
Há também violação ao princípio republicano nas normas impugnadas pelo Requerente, na
medida em que a comprovada dependência do poder econômico para obtenção do sucesso na
competição eleitoral, os políticos tenderiam a favorecer os interesses de sus financiadores tanto
em suas funções políticas (elaboração de leis) quanto no uso da máquina administrativa (execução
do orçamento, licitações, contratos públicos).
Por fim, a ofensa ao princípio da proporcionalidade estaria delineado na faceta de proibição
de proteção insuficiente (“Untermassverbot”), uma vez que “não protegem de maneira suficiente
a igualdade, a democracia e o princípio republicano”. Assim, “sob a perspectiva dos interesses
constitucionais em conflito, o que se perde por força desta deficiência em proteção estatal não é
minimamente compensado pelas vantagens obtidas em razão da tutela insuficiente”. “A restrição
à liberdade econômica das pessoas que resultaria da vedação às suas doações a campanha eleitoral
ou a partido político seria muito reduzida”, não envolvendo qualquer restrição ao uso dos
recursos destas empresas para o desempenho das suas atividades negociais ou institucionais, mas
somente para o financiamento, direto ou indireto, das campanhas eleitorais,
Informações prestadas pela Consultoria-Geral do Ministério da Justiça (Presidência da
República) e Consultoria-Geral da União:
A presidência da República sustentou a impossibilidade de afastar as pessoas jurídicas do
processo político, na medida em que “são um segmento da sociedade e constituem a organização
dos fatores de produção dessa mesma sociedade”. Neste sentido, “a possibilidade de pessoas
jurídicas financiarem campanhas eleitorais por si só, não se configura em critério de desequilíbrio,
respeitadas as disposições legais no que concerne a limites máximos para os montantes dos
aportes privados e à qualidade do financiador”. As normas impugnadas, portanto, constituem “a
possibilidade de aporte privado às campanhas garantia de pluralismo partidário, na medida em
que evita uma hegemonia entre os partidos dominantes e de maiores representações sobre os de
menores adeptos”. Também sustenta que a discussão da interferência entre capital e sistema
político deveria gravitar em torno dos mecanismos de controle e transparência, visto que “as
normas, por melhores que sejam, se tornarão letra morta e as relações entre dinheiro e política se
desdobrarão por canais paralelos, à margem de todo controle”.

Informações prestadas pela Presidência da Câmara dos Deputados:


A presidência da Câmara dos Deputados manifestou-se no sentido de que os dispositivos
elencados pelo Requerente devem ser considerados formal e materialmente constitucionais, pois
foram processados dentro dos estritos trâmites constitucionais e regimentais inerentes à espécie,
bem como a decisão sobre o formato do financiamento das campanhas eleitorais não é dado
pronto e acabado contido na norma constitucional, extraível pelo hermeneuta habilidoso, mas
sim uma decisão política do Congresso Nacional.

Informações prestadas pela Presidência do Senado Federal:


O Senado Federal também defende a constitucionalidade dos dispositivos atacados pelo
Requerente, alegando que, muito embora as razões apresentadas na ADIn sejam efetivamente
verdadeiras, “constituindo-se em evidências prima facie da inadequação do regramento atual em
face às expectativas da população e aos objetivos do processo eleitoral”, o sistema eleitoral prevê
diversos mecanismos para equilibrar a disputa eleitoral, “como a fiscalização das contas, o limite
de gastos de campanha, a distribuição de recursos públicos, para todos os partidos e candidatos
etc.”. Por fim, advoga que “o desejo de um novo sistema não pode servir de base para considerar
o antigo como inconstitucional”, sendo “o Poder Legislativo o ambiente propício e
constitucionalmente adequado para a escolha e delimitação de um novo modelo de
financiamento de atividades partidárias e de campanhas eleitorais”. Corroborando tal afirmação,
menciona a existência de inúmeros projetos de lei e de Comissões em ambas as casas legislativas
para tratar da temática.

Manifestação do Advogado-Geral da União na qualidade de defensor legis:


Preliminarmente, o AGU pugnou pelo não-conhecimento parcial da ADIn, alegando a
impossibilidade jurídica de alguns dos pedidos por ofensa ao princípio da separação de Poderes e
inadequação da via eleita, por misturarem objetos de ADIn e ADIn por omissão. No mérito,
sustenta pela constitucionalidade da matéria dos dispositivos atacados, vez que não existe
fundamento constitucional que proíba as pessoas jurídicas de atuarem “de forma participativa em
algum modelo de financiamento de campanhas políticas, através de doações legalmente
contabilizadas”. Também sustenta que a Constituição Federal não apresenta em seu conteúdo um
sistema de financiamento que possa ser considerado como parâmetro, sendo prerrogativa do
Poder Legislativo a escolha por um dos modelos existentes, mediante edição de lei específica
sobre a matéria. Neste sentido, também defende que a utilização de recursos próprios dos
candidatos para financiar suas campanhas não viola a Constituição, mas, pelo contrário,
“homenageia os princípios da liberdade de participação política, da cidadania e do pluralismo
político”. A mera alegação de que um outro determinado modelo atenderia melhor aos anseios
constitucionais não pode, por si só, ser utilizado como argumento para declaração da
inconstitucionalidade dos dispositivos elencados.

Parecer do Ministério Público Federal:


O Ministério Público Federal opinou pela procedência dos pedidos constantes da ADIn,
acolhendo os argumentos apresentados na exordial.
Explicação:
Três enfoques: i) Financiamento de campanha por pessoa jurídica; ii) limitação das doações por
pessoas físicas; iii) financiamento pelo próprio candidato.
Joaquim Barbosa explica que, em seu entendimento, o enfoque central da ADIn é o da
possibilidade de pessoas jurídicas voltadas à produção econômica podem financiar as campanhas
políticas em condições de igualdade com o cidadão.
Voto Ministro Luiz Fux (Relator):
Panorama legislativo contemporâneo ao julgamento da ADIn:
1) As pessoas jurídicas podem fazer doações e contribuições até o limite de 2% do
faturamento bruto do ano anterior ao da eleição, ressalvados os casos definidos em lei
(Lei nº 9.504/97, art. 81, §1º);
2) As pessoas jurídicas também podem realizar doações diretamente a partidos políticos,
hipóteses em que as agremiações poderão aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os
recursos financeiros recebidos a candidatos, observados os limites impostos pela
legislação (Lei nº 9.096, art. 39, caput, e §5º, e Resolução TSE nº 23.376/2012, art. 20, §2º,
II c/c art. 25, caput e inciso II);
3) As pessoas naturais podem fazer doações e contribuições em dinheiro para campanhas
eleitorais, limitadas a até 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao pleito
(Lei nº 9.504/97, art. 23, caput, e §1º, I);
4) As pessoas naturais podem fazer doações e contribuições “estimáveis em dinheiro”,
relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o
valor não ultrapasse R$ 50.000,00 (Lei nº 9.504/97, art. 23, caput e §7º);
5) Se o candidato utilizar recursos próprios, o limite de gastos equivalerá ao valor máximo
estabelecido pelo seu partido, na forma da lei (Lei nº 9.504/97, art. 23, caput, e §1º, II);
6) As pessoas naturais também podem realizar doações diretamente para partidos políticos,
hipótese em que as agremiações poderão aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os
recursos financeiros recebidos, observados os limites impostos pela legislação (Lei nº
9.096/95, art. 39, caput, e §5º; e Resolução TSE nº 23.376/2012, art. 20, §2º, II c/c art. 25,
caput e inciso I).

Apresentado tal panorama, Fux passa para a análise de 3 pontos centrais para o debate em
questão: 1) Saber se o Poder Judiciário possui algum espaço legítimo para apreciar temas que
atingem o núcleo do processo democrático (como o tema do financiamento de campanhas
eleitorais); em havendo, 2) delimitar a exata extensão do controle jurisdicional de modo a afastar
indevida interferência judicial no âmbito de atribuições conferidas aos demais poderes políticos; e
3) definir se o eventual pronunciamento jurisdicional do STF tem caráter definitivo, interditando
futura rediscussão da matéria nas instâncias políticas e pela sociedade em geral.

Quanto ao primeiro ponto, Fux não afasta a compreensão de que no sistema democrático
idealmente idealizado seja prerrogativa do Poder Legislativo deliberar sobre questões políticas
fundamentais da sociedade, não devendo caber aos juízes não-eleitos e não responsivos à vontade
popular impor comportamentos e invalidar atos normativos emanados pelas autoridades
democraticamente eleitas.
No entanto, tal raciocínio tem como limite as situações em que se configura a necessidade de um
posicionamento mais incisivo por parte da Suprema Corte para salvaguardar os pressupostos do
regime democrático. Assim, configurado o inadequado funcionamento das instituições, estaria
legitimada a intervenção do Poder Judiciário nos atos emanados pelo Poder Legislativo. Para
exemplificar seu posicionamento, Fux apresenta trecho da obra de John Hart Ely (Democracy
and Distrust) em que o autor descreve o mau funcionamento do regime democrático:
“O mau funcionamento ocorre quando o processo não merece confiança, quando (1) os de dentro estão bloqueando
os canais de mudança política de modo a assegurar que continuarão no poder e que os de fora continuarão alijados,
ou (2) quando, embora ninguém seja, a rigor, excluído do processo, os representantes vinculados às maiorias
estejam sistematicamente prejudicando alguma minoria por conta de simples hostilidade ou recusa preconceituosa do
reconhecimento de interesses comuns, e, assim, negam àquela minoria a mesma proteção assegurada a outros grupos
pelo sistema representativo”.
Neste sentido, Fux argumenta que não é de se esperar que os atuais membros do Poder
Legislativo exerçam adequadamente suas funções de reformadores do sistema político,
notadamente no tocante à questão do financiamento das campanhas políticas, uma vez que são
eles próprios os beneficiários de tal sistema.
Dando o exemplo da questão atinente à fidelidade partidária, o Ministro Relator justifica a
posição mais expansiva e particularista do STF na problemática do financiamento de campanhas
por empresas privadas por ser autoevidente a manipulação e parcialidade do tratamento de tal
questão pelos parlamentares.
Sintetizando seu pensamento, diz Fux que as suas considerações, antes de advogar por uma
inversão dos papéis dos Poderes em uma República Democrática, servem para mostrar que
“qualquer visão de Separação de Poderes não prescinde de uma discussão sincera e realista acerca
das instituições existentes e dos incentivos a que elas são responsivas”.
Diante disso, há espaço para o controle jurisdicional do STF para as questões cernes do processo
político, uma vez que, na questão específica, tal órgão sustenta um grau de afastamento que lhe
permite realizar uma análise imparcial do caso.
Ultrapassada tal questão, Fux passa a discorrer sobre a delimitação da extensão da atuação do
STF, questão que passa por entender “em que medida o legislador ordinário se encontra limitado
pela Constituição na disciplina do sistema de doações e contribuições a candidatos e partidos
políticos”.

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