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Conhecer o Passado, Pensar o Presente: Projetar o Futuro.

João Paulo Schwerz*

Quando se fala em planejamento urbano, a associação mental imediata


geralmente está associada às projeções de desenvolvimento de determinada
cidade ou região; uma previsão do futuro. Este não é um conceito errado, de
maneira nenhuma. Apenas não abrange todo o complexo processo de planejar. O
recente convênio entre a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o
Consórcio para o Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (CONDESUS)
para a realização dos Planos Diretores e, acima de tudo, de um Plano Ambiental
que norteie o desenvolvimento regional de todos os municípios envolvidos, é um
exemplo da dimensão que o planejamento urbano pode assumir. Por outro lado, a
primeira impressão que habitualmente se tem quando se fala em “patrimônio
histórico” é a de estarmos falando de passado somente. Este sim é um conceito
equivocado. Isso porque essa herança cultural tem – e muito – a ver com a cidade
que temos e com a cidade que queremos ter.
Muitas cidades do Rio Grande do Sul – algumas das principais – tiveram
sua origem no assentamento de imigrantes europeus não ibéricos que se
estabeleceram a partir de uma política de ocupação muito característica que
frutificou principalmente no sul do Brasil. Os imigrantes que aqui chegam, em sua
maioria alemães e italianos, a partir de 1824 e 1870 respectivamente, se
estabelecem em pequenas propriedades rurais contrariando a lógica de produção
e ocupação vigentes no Brasil desde o início de nossa colonização, baseado na
monocultura e grandes latifúndios. Esse fato, por si só, já seria suficientemente
importante para voltar nossos olhos para o que seria o início das cidades desta
região. Porém mais do que isso, os imigrantes trazem junto consigo um modo
peculiar de viver – comer, dançar, vestir, plantar, morar, construir, etc – que são as
referências que vão assegurar algum tipo de tranqüilidade nesse momento de
tantas incertezas e adversidades para quem chega numa terra desconhecida, com
língua, costumes e meios tão diferentes.
Durante os anos que separam a criação de uma vila, a fundação de uma
cidade, até os dias de hoje, os seus habitantes acompanham e participam da
criação de um patrimônio. São casas (mais ou menos elaboradas), praças, igrejas,
paisagens, que respondem às necessidades materiais, espirituais e sociais de
toda ordem que torna cada local único. Esse convívio é marcado por uma série de
signos, pontos de referência como casas, monumentos e paisagens singulares
que são apropriados e possibilitam a orientação, a leitura dessa cidade que foi
formada a partir de um modo de vida característico.
Deste modo, a casa, a rua, a praça, etc, são portadores de um sentimento
de pertencimento em relação a este lugar. Da mesma forma que os habitantes
reconhecem sua cidade, a cidade representa e identifica seus habitantes. Este é o
patrimônio histórico e cultural de uma cidade.“Patrimônio” porque é um tipo de
propriedade herdada, “histórico” porque é formado ao longo do tempo, e “cultural”
porque é resultado da interação muito específica entre o homem e o meio ao qual
ele está inserido, ou seja, o espaço natural e modificado (edificado) por ele
mesmo, conjuntamente com uma série de costumes, tradições e sentimentos
distintivos.Este diálogo muda ao longo do tempo, e isso nem sempre é ruim. Mas
perder certos valores culturais pode significar perder a memória de quem somos e
de todas as gerações que trabalharam e depositaram neste lugar todos seus
esforços na esperança de construir um lugar melhor de se viver. Por outro lado, ter
consciência e preservar essa identidade permite que sejamos bem menos
suscetíveis á imposição de culturas alienantes. Esse é o maior objetivo dos
trabalhos que estão sendo desenvolvidos pela equipe de patrimônio histórico e
cultural vinculada ao Plano Ambiental: valorizar a cultura local e genuína.
O primeiro passo é mapear esse rico patrimônio distribuído pela região.
Para isso, a equipe responsável está catalogando bens de interesse histórico e
cultural nas cidades da Quarta Colônia. Esse inventário técnico servirá para que
se conheça com mais precisão o patrimônio dessa região, a quantidade de bens e
onde estão concentrados. A partir do inventário poderemos conhecer mais sobre
nós mesmos. Outras ações deverão complementar esse trabalho, como projetos
de valorização deste legado, projetos de restauração e assistência técnica,
culminando num plano integrado de preservação cultural vinculado ao Plano
Ambiental e aos Planos Diretores, sempre com o objetivo de desenvolver a região
sem perder de vista as características que tornam a Quarta Colônia única.

Referências Bibliográficas:

DE BONI, Luis Antônio. Os italianos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST, 1984.

GUTIERREZ, Ester e GUTIERREZ, Rogério. Arquitetura e assentamento ítalo-gaúchos


(1875 – 1914). Passo Fundo: UPF, 2000.

SCHLEE, Andrey Rosenthal. Construtores De Sonhos: O Ecletismo Na Arquitetura Erudita


Da Quarta Colônia De Imigração Italiana. Santa Maria: FAPERGS, 2002. Relatório de
pesquisa.

* João Paulo Schwerz é arquiteto e urbanista formado pela UFSM. Atualmente é professor substituto nas disciplinas de
Patrimônio Histórico e Arquitetura Brasileira I e mestrando no Programa de Pós-graduação em Urbanismo, História e
Arquitetura da Cidade da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordena a equipe de patrimônio histórico e cultural do
Plano Ambiental da Quarta Colônia. (arq.schwerz@hotmail.com).

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