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DESCENTRANDO OS ESTADOS UNIDOS

NOS ESTUDOS SOBRE NEGRITUDE


NO BRASIL*

Patricia de Santana Pinho

Entre o passado africano e o futuro canidade (africanness ou africanity) dos negros


norte-americano brasileiros, ou seja, sua suposta capacidade de re-
tenção da cultura “original africana” (Walker, 2002).
A noção de que a experiência negra dos Es- Se Walker (Idem) defende explicitamente a troca
tados Unidos seria mais “moderna” que a brasilei- de blackness por africanness e Christmas (1992) se
deslumbra com o rico “cardápio” de tradições afri-
ra encontra respaldo nas formulações teóricas de
canas “preservadas” pelos negros no Brasil, há au-
cientistas sociais brasileiros e norte-americanos.
tores afro-americanos que, ao contrário, não só
Discute-se até mesmo a idéia de que os afro-ame-
não se entusiasmam com o que vêem como “ex-
ricanos dos Estados Unidos deveriam intercambiar
cesso” de culturalismo na negritude brasileira
sua negritude (blackness) – representada por uma
como ainda recomendam o aprendizado nos mol-
identidade racial politizada e moderna – pela afri-
des da negritude estadunidense moderna (Han-
chard, 1994; Gilliam, 1992).
* Uma primeira versão deste artigo foi apresentada Essas argumentações variadas possuem em co-
no seminário temático “Da modernidade global às mum as dicotomias tradição versus modernidade,
modernidades múltiplas: descentrando a teoria so- cultura versus política, atraso versus avanço, além de
cial”, coordenado por Josué Pereira da Silva (Uni- uma (implícita) noção evolucionista de negritude. A
camp) e Sérgio Costa (FU-Berlin), no XXVIII En- abundância de recursos materiais e intelectuais da
contro Anual da Anpocs, 2004. academia estadunidense explica, em grande parte, a
Artigo recebido em novembro/2004 presença e o predomínio das suas idéias nos meios
Aprovado em agosto/2005 acadêmicos latino-americanos. Contudo, é necessá-

RBCS Vol. 20 nº. 59 outubro/2005


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rio levar em conta também a relação entre a posição Brown descreve o caráter traumatizado dos
de cada país na configuração global de poder e a desejos existentes nas identidades politizadas,1 afir-
capacidade de alcance e influência da suas idéias e mando que as demandas reguladoras do Estado
teorias. Essa desigualdade de acesso às correntes encorajam a formação das identidades fundadas na
mundiais de poder explica, ao menos em parte, a ten- dor, estimulando as categorias marginalizadas que
dência de se comparar o Brasil aos Estados Unidos. teriam o status da ferida, reforçando, por conse-
Dessa maneira, embora o Brasil tenha muito mais em guinte, o ideal masculino burguês de igualdade,
comum com outros países latino-americanos – a que tem como referência o homem branco heteres-
exemplo de Cuba e Venezuela, que também possuem sexual. Nesse sentido, enquanto a igualdade for
narrativas de miscigenação e de “mitificação da misci- compreendida a partir dos moldes limitados do li-
genação” –, a política racial brasileira ainda é predo- beralismo, as identidades politizadas não realizarão
minantemente comparada com a norte-americana. a crítica do capitalismo, atuando, em vez disso, no
Na construção das organizações negras bra- sentido de fortalecê-lo, uma vez que brigam pelas
sileiras, há uma forte influência do movimento ne- migalhas que caem da mesa do “poder central”.
gro dos Estados Unidos e do modelo separatista Desde a década de 1970, percebe-se nos dis-
norte-americano de contestação. Contudo, o mo- cursos do movimento negro brasileiro contempo-
delo de sociedade multiculturalista colocado em râneo2 uma grande influência exercida pelo movi-
prática nos Estados Unidos tem sido criticado por mento negro estadunidense. A tentativa de adoção
estabelecer “identidades enlatadas e comercializá- de uma classificação racial bipolarizada, em voga
veis dos étnicos como consumidores rotuláveis” nos Estados Unidos,3 é um dos exemplos mais em-
(Segato, 1998), em que o valor social do cidadão e
blemáticos dessa influência nada recíproca. Evi-
do consumidor nem sempre convergem. Segato ex-
dentemente, buscar essa classificação racial binária,
plica ainda que autores como Bhabha (1992) têm
que opõe negros e brancos, e exclui a possibilida-
apontado para o regime forçado, e de certa forma
de de variação cromática entre os dois extremos,
vazio, da etnicidade norte-americana, e outros têm
tem representado uma tentativa de combater a ce-
enfatizado como a classificação norte-americana de
lebração da mestiçagem brasileira, entendida – a
linhagens em termos de etnicidade serve para man-
meu ver, indevidamente – como “máscara” que
ter as fronteiras no lugar, consistindo em um mode-
procuraria esconder os conflitos raciais.4
lo liberal de multiculturalismo, em que a idéia de
A reivindicação de movimentos negros brasi-
diversidade é inerte.
Para a filósofa Wendy Brown (1995), a proli- leiros para que se adote uma classificação racial ins-
feração e a politização das identidades não refle- pirada no modelo posto em prática nos Estados Uni-
tem escolhas políticas ou morais, mas uma com- dos tem importantes conseqüências políticas. Há
plexa produção histórica que tem construído a uma grande controvérsia entre os estudiosos da
maioria de nós como marginais, desviantes ou su- questão racial no Brasil a respeito da adoção ou não
bumanos. A construção das nossas identidades como da classificação binária norte-americana. Alguns au-
sendo marginais é constitutiva da centralidade e da tores, como A. S. Guimarães (1995) e Hanchard
legitimação do poder do próprio centro. Para (1994), defendem que o Brasil se inspire mais nos
Brown, é o poder disciplinador, explicado por Fou- modelos dos Estados Unidos, visto que aqui a cor
cault (1999), que produz as identidades sociais no também seria uma categoria racial central.5
contexto do Estado liberal. O exemplo mais emble- Por outro lado, há intelectuais que se posi-
mático dessa produção regulada das identidades cionam de forma contrária à adoção do modelo
poderia ser encontrado na sociedade estaduniden- racial norte-americano no Brasil (Fry, 1995; Sega-
se dominada pelo welfare, que cria welfare subjects, to, 1998). Sobre a bipolaridade reivindicada pelo
subdividindo-os nas categorias “raça”, “gênero”, movimento negro, por exemplo, Fry (1995/1996)
“geração”, “orientação sexual” etc. Dessa maneira, explica que se trata de uma idéia impositiva e con-
as identidades políticas seriam produzidas não ape- trária àquilo que ele define como “o modo múlti-
nas através dessas categorias, mas enquanto essas plo de classificação” brasileiro. Este possibilita que
categorias, reduzindo assim as identidades ao âm- indivíduos possam ser classificados de distintas
bito dos interesses. maneiras, a depender da situação, o que, para Fry,
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permite uma “desracialização” da identidade indi- servido como modelo para estudiosos da negritude
vidual. É uma forma de classificação que se baseia no Brasil. O antropólogo Kabengele Munanga, por
na aparência física da pessoa e não necessaria- exemplo, afirma que a promoção de uma consciên-
mente na sua ascendência, confirmando a teoria cia étnica e política mobilizadora na população ne-
de Oracy Nogueira (1985) de que no Brasil se pri- gra brasileira só é possível mediante uma autodefini-
vilegia mais a “marca” do que a “origem”, quando ção que se baseie na herança africana (história,
se trata de classificar racialmente as pessoas. cultura, religião etc.) e numa distinção clara entre ne-
Ironicamente, a definição pela “marca”, isto é, gros e brancos. Para Munanga, “essa identidade pas-
pela aparência – acima de tudo pela cor – para afir- sa por sua cor, ou seja, pela recuperação de sua ne-
mar quem é negro no Brasil é um ponto de consen- gritude, física e culturalmente” (1998, p. 14). A seu
so mesmo dentro da maioria das organizações negras ver, portanto, o negro precisa reafirmar a sua identi-
brasileiras. Embora o movimento negro reivindique o dade a partir do passado africano e com vistas a um
mulato para as suas fileiras, o próprio movimento exi- futuro que, no meu entender, se assemelha com o
ge que ele tenha pele escura, ao contrário do que presente norte-americano. Podemos afirmar que o
ocorre nos Estados Unidos, onde mestiços afrodes- projeto de grande parte do movimento negro brasi-
cendentes de pele clara são considerados negros e leiro se situa entre um “passado africano” e um “fu-
onde a expressão light skinned blacks (negros de pele turo norte-americano”.7
clara) não soa como uma contradição em termos. É A antropóloga Rita Segato (1998) critica a obe-
compreensível, contudo, que o movimento negro no diência brasileira aos padrões norte-americanos,
Brasil não visualize os mestiços e mulatos de pele cla- questionando se as identidades transnacionais que
ra como sendo negros, afinal esses indivíduos sofrem estão surgindo sob as pressões da globalização se-
infinitamente menos discriminação do que aqueles de riam mesmo representativas das formas de alterida-
pele mais escura. No entanto, essas formas de classi- de que existem fora dos grandes centros difusores.
ficação confirmam o argumento de que, acima de Para a autora, os Estados Unidos têm ditado para o
tudo, é o racismo que determina a “raça” do indiví- resto do mundo suas políticas de multiculturalismo,
duo, além de apontar para a dificuldade de estabele- mas nós não precisamos segui-las. Podemos acredi-
cer classificações que privilegiem a “origem racial” em tar que existem outras formas de produção de sub-
um contexto predominado pela “marca”. jetividades relacionadas à África e que há muitas es-
Vários intelectuais brasileiros lamentam que, tratégias para defender a reprodução da África no
entre nós, os papéis raciais não sejam tão definidos Novo Mundo.
quanto nos Estados Unidos, onde a colonização bri- No mesmo sentido está a crítica de Fernando
tânica implantou uma separação drástica entre ne- Rosa Ribeiro (1997), ao afirmar que há um fio que per-
gros e brancos. Até mesmo as formas de expressão passa a maior parte da imensa literatura sobre a ques-
do racismo variam muito dos Estados Unidos para tão racial no Brasil, qual seja, a comparação, explícita
o Brasil, também, em parte, como decorrência dos ou implícita, com a sociedade norte-americana, quase
tipos diferentes de colonização. Nos Estados Uni- sempre acompanhada de um teor valorativo sobre as
dos, existe uma definição socialmente sistematizada formas norte-americana e brasileira de tratar a questão
dos grupos étnicos, e quem tiver a mais leve ascen- racial. Essa perspectiva comparativa e valorativa está
dência negra é considerado negro, pois lá “a gené- presente nas discussões sobre as mais variadas temáti-
tica cedeu lugar a uma fantasia racial rigorosamen- cas das relações raciais no Brasil, onde existiriam dois
te dicotômica” (Risério, 1995, p. 103). Em outras discursos distintos sobre a questão racial. A seu ver,
palavras, ainda segundo Risério, os afro-americanos discursos antagônicos e excludentes – o essencialista
constituem, biologicamente, o grupo mais hetero- do movimento negro, pautado sobretudo na apologia
gêneo dos Estados Unidos, mas talvez sejam, social- ao negro norte-americano, e o acadêmico, predomi-
mente, um dos mais homogêneos; ao menos apa- nantemente antiessencialista e antinorte-americano.
rentemente, já que há também grandes Se é importante evitar cair na armadilha do es-
desigualdades internas ao grupo, sobretudo em sencialismo, não se deve, por outro lado, chegar ao
função das diferenças de classe.6 extremo oposto e concluir que qualquer dinâmica de
Até mesmo a segregação norte-americana tem unificação das culturas negras contemporâneas seria
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incorreta. A particularidade negra deve ser reconhe- Salvador da Bahia como “cidade
cida e valorizada nas análises, pois são definidas por mundial” negra
práticas culturais e agendas políticas que conectam os
negros na diáspora. Dessa forma, é importante valo- A fim de fazer uma reflexão teórica que vise
rizar as tentativas de localizar as práticas culturais que a superar a centralidade dos Estados Unidos nos
vinculam os negros dispersos no Novo Mundo, na estudos sobre negritude, acredito ser importante
Europa e na África. Para Paul Gilroy (1993), a noção recuperar a noção de diáspora africana como con-
de diáspora ainda é imprescindível para se conhecer figuração multicentralizada. Para tanto, examino a
as dinâmicas éticas e políticas da história inacabada posição de Salvador da Bahia enquanto um centro
dos negros no mundo moderno. Para o autor, conti- de produção cultural negra importante para o de-
nua sendo fundamental pesar as similaridades e as di- senvolvimento de relações negras transnacionais
ferenças entre as culturas negras diaspóricas. no continente americano. Analiso as funções espe-
Valorizar essas conexões, contudo, não sig- cíficas exercidas por Salvador como uma cidade
nifica que as políticas de identidade devam ser mundial negra, não apenas no estágio atual da
iguais para grupos negros de diferentes países, ou globalização – em que a Bahia tem adquirido o
mesmo dentro de um único país. Se já é proble- status de “Meca da Negritude”, atraindo um núme-
mático pensar em um passado comum para todos ro cada vez maior de turistas afro-americanos –,
os negros da diáspora, mais complicado ainda é mas também o papel dessa cidade na formação do
acreditar que o futuro será resolvido da mesma mundo moderno.
maneira em todos os lugares. É certo que os mo- Acredito que a Bahia pode ser considerada
vimentos negros norte-americanos obtiveram uma “cidade mundial” por haver ocupado na épo-
grandes conquistas durante as lutas pelos direitos ca colonial um espaço urbano de central impor-
civis, com o estabelecimento de leis como as das tância no mundo. As cidades mundiais definem-
ações afirmativas, mas lidam também com gran- se como centros de poder cultural e político na
des dificuldades e, acima de tudo, situam-se em constituição do sistema de mundo moderno. Pos-
um contexto bastante distinto da realidade socio- suem diversos significados e uma grande varieda-
racial brasileira. de de papéis, mas são, acima de tudo, zonas de
Parece-me que o presente brasileiro não pos- contato, onde variados grupos se encontram e en-
sui nem o conforto ilusório do passado mítico afri- tram em conflito. Diferentemente das “cidades
cano nem a segurança, igualmente ilusória, do mo- globais” (Sassen, 2001), conceito que enfatiza os
delo de sociedade “multirracial” dos Estados papéis econômicos das megalópoles, as cidades
Unidos. A formação das idéias de diversidade, et- mundiais caracterizam-se por sua capacidade de
nicidade e “raça”, bem como das operações cogni- interferir na hierarquia global da concentração de
tivas pelas quais o racismo é exercido, se dá den- poder e produção do conhecimento, o que Ani-
tro do contexto específico de cada nação. Se há bal Quijano (2000) denomina “colonialidade do
um forte componente transnacional nas identida- poder”. Além disso, enquanto o termo “cidade
des negras da diáspora, há também especificidades global” geralmente é usado para definir os centros
regionais e nacionais que criam formas distintas de econômicos do estágio atual da globalização,
racismo e, por conseguinte, de identidades que se marcado pelo aumento do capital financeiro des-
constituem em grande parte a partir do racismo de a década de 1970, as “cidades mundiais” têm
existente. Sabemos que o próprio processo de for- sido centrais para o mundo moderno desde o co-
mação da nação é, em si, um processo de defini- meço da história do capitalismo.
ção das “raças”,8 portanto as estratégias e as políti- Dentre os muitos lugares da diáspora negra mar-
cas públicas de combate ao racismo precisam ser cados por forte presença cultural africana, a Bahia tem
formuladas de acordo com tais especificidades. se destacado por possuir um grande legado de africa-
nismos. O antropólogo Melville Herskovits, nas déca-
das de 1940 e 1950, encantando-se com o manancial
de “reminiscências” e “retenções culturais” africanas
na Bahia, classificou-a em alta posição na sua “escala
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de africanismos”. O candomblé, os ritmos musicais, a brasileiros como por estrangeiros para se referir à ci-
capoeira e a culinária do dendê são os principais dade de Salvador da Bahia de Todos os Santos, a ca-
exemplos de expressões culturais de origem africana pital do estado da Bahia. Devendo seu nome à baía
reelaborados em solo baiano e que têm servido para em torno da qual se localiza o Recôncavo, bem como
caracterizar a Bahia como “negra” e “africana”. à data de todos os santos, quando foi descoberta e
Contemporaneamente, além do “estoque de batizada pelos portugueses em primeiro de novem-
africanismos” que comprovariam a continuidade his- bro de 1501, a cidade que aí cresceu tornou-se co-
tórica com a “Terra-Mãe”, a aura de negritude da Ba- nhecida como Bahia. Tanto para os que vivem no in-
hia tem resultado também da busca pela reafirmação terior do estado, quanto para aqueles que vivem no
dos laços com a África, através de um movimento exterior do país, Salvador tornou-se internacional-
iniciado nos anos de 1970, quando eram veiculadas mente conhecida como “Bahia”, segundo Pierre Ver-
as notícias das lutas pró-independência das então co- ger (1999a) “como se outras baías não existissem”.
lônias africanas, e quando ainda ecoavam as mensa- Baseando-me nesta designação previamente estabe-
gens da soul music norte-americana. Foi neste con- lecida, tomo a liberdade de utilizar aqui o nome “Ba-
texto que os movimentos negros no Brasil hia” para me referir a Salvador e às cidades também
começaram a buscar o fortalecimento de seus víncu- negras do Recôncavo.
los com a África, ainda que isso tenha se dado mais A majoritária população negra da Bahia con-
no plano do imaginário e da produção cultural do tribuiu para que viajantes e exploradores que vi-
que na esfera da política internacional ou da diplo- sitaram a cidade durante os séculos XVIII e XIX a
macia. Os elementos culturais afro-brasileiros foram descrevessem como uma cidade negra, apelidan-
então ressignificados com o intuito de reafirmar a li- do-a de “Nova Guiné” e “Negrolândia” (Verger,
gação com a África-Mãe. 1999a). Mais tarde, a Bahia recebeu ainda os títu-
No interior do sistema internacional de trocas los de “Roma Negra” e “Meca da Negritude”, de-
de símbolos, idéias e imagens, há vários centros signações que apontam para sua condição central
emanadores de “negritude”, além da própria África e na rede de circulação de povos e símbolos ne-
dos hegemônicos Estados Unidos. Ainda restrita a gros. “Roma Negra” e “Meca da Negritude” são
um pequeno raio de alcance, mas destituída de qual- termos que enfatizam claramente o caráter da Ba-
quer grau de timidez, a Bahia tem despontado como hia como uma cidade-mundial, primeiro porque
um pólo produtor de símbolos negros, que aos pou- destaca sua centralidade no Atlântico Negro –
cos começa a ganhar espaço e afirmar sua posição que, como vimos, é um sistema que permite a
nas rotas do Atlântico Negro. existência de muitos centros em sua configuração
A posição da Bahia como um dos centros do diaspórica – e, conseqüentemente, porque carac-
Atlântico Negro teve início ainda durante o perío- teriza a Bahia como um ponto de convergência,
do colonial, quando o tráfico de escravos inseriu contato e peregrinação.
definitivamente o Brasil nas redes do comércio Ao longo do século XIX, alguns negros baia-
transatlântico. Análises recentes têm mostrado nos emancipados passaram a participar do comér-
que a formação do Brasil se deu muito mais em cio com a África. Entre as muitas mercadorias trazi-
função da sua relação com a África do que com das do golfo do Benin para a Bahia, destacavam-se
Portugal. Luís Felipe de Alencastro (2000), por produtos usados no candomblé. Penas vermelhas,
exemplo, demonstra que a Bahia e o Rio de Janei- tinturas e tecidos eram algumas das mercadorias co-
ro estavam mais conectados a Luanda e Bengue- biçadas por praticantes do candomblé na Bahia,
la do que a outras cidades brasileiras do período. junto com a troca de recados pessoais e segredos
Os portos baianos negociavam com navios estran- religiosos que conectava pessoas dos dois lados do
geiros muito antes da abertura oficial dos portos Atlântico. O intercâmbio transatlântico feito inicial-
brasileiros. No final do século XVIII, negociantes mente por comerciantes ganhou novos mediadores
brasileiros já dominavam o tráfico de escravos, com a entrada, no século XX, de pesquisadores,
que passou então a ser organizado a partir da Ba- dentre os quais Pierre Verger tornou-se o mais co-
hia, e não mais a partir de Lisboa. nhecido. Transportando presentes, mensagens, ob-
O nome “Bahia” tem sido utilizado tanto por jetos e segredos e servindo como um intermediário
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entre a Bahia e a África Ocidental, Verger agradou ra, cujos mestres associam o seu aprendizado aos
os praticantes mais puristas do candomblé, ansiosos velhos capoeiristas baianos como forma de confe-
em se reconectar com a fonte original africana, ao rir legitimidade ao seu jogo. Da mesma maneira,
mesmo tempo em que desagradou os pesquisado- os fundadores dos primeiros blocos afro têm em-
res igualmente puristas, que acreditavam que o le- prestado seus conhecimentos de cultura afro-baia-
gado de “sobrevivências africanas” no Novo Mundo na mediante serviços de consultoria a grupos cul-
deveria ser cuidadosamente preservado de modo a turais negros situados em outros estados do Brasil.
ser, por intermédio de suas pesquisas, descoberto e A aura de negritude da Bahia, apesar de originada
mapeado. Melville Herskovits, por exemplo, havia em tempos coloniais, tem sido constante e inten-
ficado bastante incomodado com as perambulações samente reelaborada. A década de 1970 inaugurou
de Verger e por este ficar carregando tradições de o processo de reafricanização nas esferas do car-
um lado ao outro do Atlântico, bagunçando assim naval, da música, da dança e da estética, estabele-
os pedaços de seu gigantesco quebra-cabeça: seu cendo a Bahia como a “Meca da Negritude”, rea-
laboratório de retenções e sobrevivências culturais. tualizando assim seu significado como centro
Atualmente, mães e pais de santo fazem, eles mes- cultural no Atlântico Negro.11
mos, suas próprias viagens “de volta” à África em Gilroy defende que o processo que criou o
busca das tradições perdidas. Por outro lado, reli- negro produziu suas próprias e específicas contra-
giosos do continente africano, especialmente de dições. Assim, a música negra, as artes negras e o
cultos bantu, também viajam para a Bahia para en- pensamento negro radical, seja ele político seja re-
contrar tradições que se perderam na África mas ligioso, seriam expressões da vertente contracultu-
que foram preservadas nos candomblés baianos.9 ral crítica do Atlântico Negro, a partir do qual se
Segundo Vivaldo da Costa Lima, o termo “Roma teria gerado uma contra-interpretação da moderni-
Negra” teria resultado da expressão “Roma Africana”, dade. Esta vertente tem suas genealogias e pode
cunhada por Mãe Aninha, fundadora do terreiro Ilê ser mapeada historicamente, reconstruindo laços e
Axé Apô Afonjá. A famosa ialorixá havia declarado à pontos de articulação. Um dos principais aspectos
antropóloga Ruth Landes nos anos de 1940 que a Ba- dessa contracultura é a fusão de ética com estéti-
hia era a Roma Africana, não apenas por seu grande ca, estimulando um contra-discurso que se posi-
número de terreiros de candomblé, mas principal- ciona para além do pressuposto ocidental da dua-
mente pela sua centralidade no culto transatlântico lidade entre arte e política.12
dos orixás. A metáfora, inspirada pela fé católica da Para visualizar a Bahia no Atlântico Negro, é
ialorixá, expressava que, se Roma seria o centro do necessário considerá-la tanto como receptora quan-
catolicismo, Salvador seria o centro do candomblé, to como emissora de objetos, símbolos e idéias
portanto uma Roma africana. O termo teria sido tra- que circulam por estas rotas. Os blocos afro ofe-
duzido para a língua inglesa por Ruth Landes em Ci- recem um bom exemplo dessa “via de duas
dade das mulheres, como Negro Rome e depois re- mãos”, já que surgiram no bojo do processo de
traduzida para o português como “Roma Negra”.10 formação de uma cultura negra internacional con-
O título de “Meca da Negritude” também temporânea, buscando as nações africanas como
deve muito à religião dos orixás e não, como po- referência histórico-simbólica. Os blocos afro, as-
deria parecer, à grande presença de escravos mu- sim como vários grupos produtores de cultura ne-
çulmanos trazidos à Bahia. Trata-se de um termo gra, utilizam símbolos importados da arena inter-
mais recente e que tem sido promovido principal- nacional de maneiras diferentes, atualizando seus
mente por militantes negros e produtores culturais significados e modificando suas mensagens. Como
de outros estados do Brasil que consideram a Ba- em outros contextos, processos de produção con-
hia a principal fonte de cultura africana do país. tra-discursiva realizam discursos estruturados de
Pais e mães de santo de São Paulo e do Rio de Ja- elaboração de experiência da alteridade, a partir
neiro freqüentemente vinculam a ancestralidade da ressignificação de elementos da cultura popu-
de seus terreiros, bem como a sua “feitura” religio- lar transnacional.
sa, a terreiros e ialorixás baianos. O mesmo acon- É o que parece ter sido preservado da África na
tece com grande número de academias de capoei- Bahia, que tem atraído um número cada vez maior
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de turistas negros dos Estados Unidos. Desde a dé- compõem as narrativas dos blocos afro certamente
cada de 1970, os afro-americanos têm viajado à Ba- foram influenciados por discursos e símbolos que
hia para encontrar “africanidade”. O que começou atravessaram o Atlântico Negro, mas é fundamen-
como uma viagem informal de um grupo de amigos tal perceber que, assim como recebem influências,
se transformou ao longo das últimas décadas em um os blocos afro também recriam, ressignificam e
mercado estruturado e organizado que inclui agên- produzem elementos novos que participam do ce-
cias de turismo do Brasil e dos Estados Unidos. Cha- nário negro contemporâneo e internacional. Os blo-
mo este fenômeno de “turismo de raízes”, porque é cos estão criando novos objetos de negritude que
desenvolvido por pessoas que viajam para encontrar têm o gosto do passado, da tradição, da africanida-
suas “raízes africanas”, estejam elas localizadas no de, correspondendo imediatamente ao que é bus-
continente africano ou em países da diáspora com cado pelos turistas afro-americanos.
significativas populações negras. Os “turistas de raí- Exatamente por se tratar de uma troca sim-
zes” afro-americanos buscam conhecer culturas ne- bólica transnacional, não podemos ignorar que a
gras diaspóricas e estabelecer uma conexão com po- Bahia não apenas importa elementos da cultura
vos afrodescendentes de outras partes da diáspora. negra universal para incorporá-los e atribuir a eles
Eles visitam a Bahia a fim de conhecer de perto o novos significados, mas está inserida no contexto
que afirmam ser suas “tradições perdidas”. É comum da cultura negra mundial também como criadora
encontrá-los, com suas roupas africanizadas, tranças e exportadora de símbolos étnicos negros. Nesse
e turbantes, nos ensaios dos blocos afro, nos terrei- contexto, a cidade de Salvador tem se tornado um
ros de candomblé e nos locais onde as expressões referencial de africanidade para negros de outros
culturais afro-baianas acontecem. países da diáspora africana. Se, por um lado, a
Esses turistas negros vêm à Bahia com a in- Bahia busca objetos negros modernos no merca-
tenção de reencontrar suas “raízes africanas”, que do internacional, por outro, especializa-se em ven-
não estariam apenas na África, mas em todos os der tradição.
lugares da diáspora onde a África tem sido recria- Pode-se considerar a presença cada vez mais
da. A autora afro-americana Rachel J. Christmas, constante dos “turistas de raízes” como uma impor-
ao descrever uma dessas visitas, descreve o “pul- tante rede de circulação dos objetos da cultura ne-
so africano” que a Bahia oferece para os afro- gra, já que eles conferem status de modernidade e
americanos: de etnicidade a expressões da cultura afro-baiana.
Algumas expressões tornam-se mais étnicas do que
Nós sentimos o pulso africano na batida do sam-
nunca em função do carimbo batido por esses tu-
ba, conhecido como semba em Angola; engolimo-
ristas sequiosos por encontrar suas raízes. Eles tra-
lo com a comida condimentada, feita com casta-
nhas, leite de coco, gengibre e quiabo, também
zem formas de vestir, de falar e de pensar que se-
usados na cozinha africana; testemunhamo-lo nas duzem boa parte dos negros brasileiros, e muitos
cerimônias de Candomblé, enraizado na religião fazem essas viagens com o intuito de trocar sua
dos iorubás da Nigéria; ouvimo-lo no musical so- “modernidade” – representada principalmente pe-
taque iorubano do português falado no estado da las conquistas obtidas pelos movimentos dos direi-
Bahia. [...] Hoje, os baianos estão muito mais tos civis – pela “tradição” africana da Bahia – en-
conscientes de suas origens do que estão os afro- contrada nas expressões culturais afro-baianas –,
americanos (Christmas, 1992, pp. 253-254).13 como foi explicitado por vários deles.14 Exemplo
disso pode ser conferido na seguinte afirmação fei-
Por meio de sua produção cultural, os blocos ta por uma turista afro-americana em uma de suas
afro exercem um papel fundamental nas novas for- roots-trip a Cachoeira:
mas tomadas pelo movimento negro contemporâ-
neo, contribuindo para moldar a imagem da cida- Nós (negros americanos e negros brasileiros) temos
de da qual fazem parte e servindo como referência uma grande gama de coisas para trocar uns com os
importante para outras organizações negras do outros. Quando nós vimos para a Bahia, estamos
Brasil e de outras partes do mundo. A estética, os aqui para aprender sobre a nossa própria história e
ritmos musicais e diversos outros elementos que nossa origem comum, porque as tradições africa-
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nas foram capazes de sobreviver aqui. Mas vocês América Latina. Contudo, apesar das ideologias de
também têm muito que aprender conosco, sobre a pureza, as formas culturais diaspóricas não podem
nossa história de direitos civis, porque, nesse pon- ser antimodernas, porque sua existência pressu-
to, estamos muito à frente de vocês.15 põe redes transnacionais construídas a partir de
múltiplos anexos formados na modernidade.
É importante ressaltar que embora os afro- Como indica Eisenstadt (Idem), a incorpora-
americanos venham ao Brasil em busca do seu ção das chamadas “idéias importadas” não preci-
“passado”, das suas “tradições perdidas”, o proces- sa ser vista como imitação, já que tem possibilita-
so mesmo de “invenção das tradições” representa do importantes inovações. Dessa maneira, os
um exemplo que caracteriza a construção das iden- programas culturais da modernidade são reinterpre-
tidades como inseridas na modernidade.16 Quando tados por grupos que elaboram os seus próprios
uma tradição é invocada, como no caso das “tra- discursos, construindo-se assim múltiplas moder-
dições africanas”, torna-se evidente que já se está, nidades. Esses movimentos têm dissociado mo-
pelo menos parcialmente, fora dela. Ela se torna dernidade de ocidentalização, rejeitando o mono-
um objeto a ser retrabalhado e reinvocado. Os es- pólio ocidental sobre a modernidade e retirando
tudos sobre “invenções de tradições”, primeira- o programa cultural ocidental do posto de epíto-
mente sistematizados por Hobsbawm e Ranger me da modernidade. Da mesma maneira, é possí-
(1984) e Benedict Anderson (1989),17 têm mostra- vel dissociar a modernidade ou, no nosso caso, a
do que as tradições são criadas no presente, refle- negritude moderna, do monopólio estadunidense
tindo muito mais os interesses de um dado grupo sobre a negritude.
do que uma suposta “essência cultural”.18 É importante ressaltar que na troca de obje-
Os movimentos negros nas Américas situam- tos e símbolos no sistema Atlântico Negro, há
se em um contexto de emergência de novas iden- uma hierarquia que não pode ser ignorada. O
tidades coletivas que não se limitam necessaria- Brasil importa objetos negros que têm aura de
mente ao modelo dos Estados-nação. Muitas dessas modernidade e exporta objetos negros que têm
identidades, até então acanhadas, moveram-se para aura de tradição. A globalização centra-se mais
o centro das sociedades às quais pertencem e, fre- sobre trocas verticais do que horizontais.
qüentemente, para a arena internacional. As novas
identidades contestaram a hegemonia das identida- Não obstante, por enquanto, em termos de fluxos
des dominantes e passaram a exigir um espaço nas globais de símbolos e mercadorias na base da
arenas institucionais, redefinindo o conceito de ci- cultura negra internacional, Salvador mantém
uma posição periférica. Em relação aos centros
dadania e dos direitos (Eisenstadt, 2000). Embora
de produção e transmissão da maioria desses sím-
muitas vezes baseiem seu discurso na tradição, es-
bolos e dessas mercadorias, Salvador pertence ao
sas identidades são modernas, já que pregam a re- extremo da recepção, aos enormes interiores do
construção da personalidade e das identidades in- Atlântico Negro. Os centros estão situados no
dividuais e coletivas por meio da ação humana mundo anglófono [...] (Sansone, 2000, p. 14).
consciente, da agency, vista como capaz de trans-
formar o indivíduo e a sociedade e de estabelecer Os principais motivos disso são a fraca posi-
uma nova ordem social. ção do Brasil na economia mundial e na geogra-
Eisenstadt comenta sobre o lugar comum de fia do poder e o domínio norte-americano e eu-
entendermos as influências ocidentais em países ropeu sobre a circulação mundial dos paradigmas
como Índia ou China como sendo a própria “che- científicos sobre “raça”, numa globalização em
gada da modernidade”. Confundimos assim Oci- que o Brasil ainda representa muito mais uma pe-
dente com modernidade. É possível fazer uma riferia consumidora (Idem).
analogia e afirmar que, da mesma maneira, toma- Ainda assim, é preciso levar em conta que
mos “negritude estadunidense” como sinônimo de uma das principais contribuições da teoria do siste-
“negritude moderna”, em contraposição a outras ma Atlântico Negro tem sido a de revelar que a diás-
formas de negritude, tidas como tradicionais, a pora negra não tem um único centro emanador
exemplo das negritudes existentes na África e na de símbolos, imagens e idéias. Além da nobreza do
DESCENTRANDO OS ESTADOS UNIDOS... 45

Egito e da Etiópia, e do “conhecimento fundamen- Conclusão


tal” dos povos “tribais” do Oeste africano, existem
outros pólos de africanidade ou, ao menos, de ne- A intenção deste artigo é contribuir para o es-
gritude, e eles estão localizados fora da África Mãe, tudo da negritude no Brasil a partir de uma pers-
ou para além da hegemonia do mundo anglófono. pectiva que teoriza a negritude em suas muitas e
É importante considerar que os caminhos estão sen- variadas versões, rejeitando a noção de que have-
do abertos e que os canais de comunicação e circu- ria uma fórmula exclusiva – ou mais avançada – de ne-
lação estão constantemente se criando para novas gritude. A diáspora africana moderna é marcada
direções. Nas novas rotas que têm sido trilhadas por pela existência de vários centros emanadores de sím-
aqueles que buscam signos de negritude para com- bolos, objetos, idéias e teorias. Se conseguirmos
por suas identidades, a Bahia confirma sua condição teorizar para além da unicentralidade, nossos estu-
de centro emanador de cultura negra na diáspora dos possibilitarão substituir relações hierarquizadas
africana, reatualizando uma posição que, como vi- por diálogos mais equilibrados.
Para Carole Boyce Davies (1999), a unicentra-
mos, teve início ainda no período colonial.
lidade dos movimentos negros afrocentristas, isto
A radiação externa da Bahia como uma cida-
é, a crença de que haveria um único centro do
de mundial negra deve ser examinada então sob
qual tudo emana, centraliza algumas experiências
uma perspectiva histórico-mundial que leve em
e marginaliza outras, sendo, portanto, passível de
consideração os elementos de continuidade e rup-
se transformar em projetos colonialistas e mesmo
tura em relação às hierarquias modernas de poder, fascistas, já que a crença num único centro permi-
riqueza, valorização e reconhecimento, examinando te o domínio e o controle.19 Eisenstadt (2000) tam-
como esses elementos afetam os contextos especí- bém aponta para o fato de que, em vários movimen-
ficos dos locais distintos em que vivem as comuni- tos tidos como “pós-modernos” ou “multiculturais”,
dades negras. O estudo das relações negras trans- têm se desenvolvido orientações fortemente totali-
nacionais deve considerar o quanto a configuração tárias, a exemplo do patrulhamento do “politica-
global do poder interfere nas relações entre ne- mente correto”.
gros que vivem nos países superpoderosos e A solução para evitar o totalitarismo seria en-
aqueles que vivem nas periferias e semiperiferias. tão a defesa das variadas escolhas de pensamento
Por isso mesmo, ao analisar as relações entre ne- e a abertura para a criação de novos paradigmas
gros brasileiros e afro-americanos dos Estados Uni- que levem em conta as desigualdades históricas,
dos, levo em consideração a dominação deste país por meio de análises radicais das relações de po-
como principal centro emanador de negritude na der. Para tanto, é preciso livrar-se da superficiali-
diáspora, além de ponderar sobre os acessos desi- dade e do maniqueísmo que geralmente imperam
guais ao poder por aqueles localizados no centro nos usos de expressões importantes como multi-
e nas margens. Por outro lado, considero o turis- culturalismo, diversidade e multicentralidade.
A inversão de valores não significa necessa-
mo de raízes um canal de comunicação e troca
riamente a transformação das relações de poder,
que desafia, ao menos em parte, a supremacia dos
já que o afrocentrismo, como “oposição imediata”
Estados Unidos na diáspora africana, já que pro-
ao eurocentrismo, não desloca os Estados Unidos
move a existência de outros centros de negritude
da posição de centro hegemônico mundial. Ou
e africanidade. Como conseqüência, Salvador da seja, se o maior herdeiro do eurocentrismo é o
Bahia, situada num país lusófono do hemisfério “US-centrismo” (Davies, 1999), este é também o
Sul, re-emerge como uma “cidade mundial”, ex- principal beneficiado do próprio afrocentrismo, já
pandindo o mapa do Atlântico Negro ao mesmo que ambos utilizam os mesmos instrumentos (mí-
tempo em que desafia a hierarquia de sua confi- dia e mercado) para garantir aos Estados Unidos
guração. É exatamente esta habilidade de pertur- ser o centro emanador das narrativas. Um dos
bar a colonialidade do poder que confirma seu principais desdobramentos disso pode ser perce-
status de cidade mundial. bido nas análises feitas sobre o racismo e as rela-
46 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

ções raciais no Brasil, nas quais a sociedade esta- da atividade dos indivíduos e dos grupos. Na mo-
dunidense aparece freqüentemente como o mo- dernidade, a definição de “bem comum” está su-
delo a ser seguido, como o lugar onde os negros jeita a múltiplas interpretações e é passível de ser
seriam mais “evoluídos”, seja em termos de direi- influenciada por grupos distintos. Além do fortale-
tos civis, seja mesmo pelo fato de constituírem a cimento da arena política, a modernidade caracte-
maior classe média negra no mundo.
riza-se também por um modo distinto de definição
Ao criticar as teorias unicentristas, Paul Gil-
das coletividades e das identidades coletivas (Ei-
roy (1993) defende que a diáspora negra, em vez
de centrada na África como terra-mãe, ou nos Es- senstadt, 2000). Inicialmente imaginadas como de-
tados Unidos como pólo exportador dos modelos limitadas às fronteiras nacionais, as identidades
de etnicidade, possui vários centros espalhados coletivas multiplicaram-se e expandiram-se (ou re-
pelo Atlântico Negro. Em seu livro, The Black conheceram sua expansão) para além dos limites
Atlantic: modernity and double consciousness, o da nação. As conexões negras transnacionais são,
autor desenha uma diáspora negra multicentrada no meu entender, um exemplo disso.
e constituída por infinitas variações de cultura ne- Embora não pretenda transpor na íntegra o
gra, impossíveis de serem reduzidas a tradições conceito de “modernidades múltiplas” de Eisens-
étnicas ou nacionais, combatendo, dessa forma, tadt, para quem foram desenvolvidos “tipos alter-
os paradigmas do “absolutismo étnico”, bem
nativos” de modernidade para além do Ocidente,
como a centralidade dos discursos afro-america-
parece-me apropriado aproveitar, para o assunto
nos. A noção de Atlântico Negro representa, por-
tanto, uma nova maneira de se pensar a diáspora aqui tratado, a noção de que as diferentes expe-
africana em sua relação com o pensamento, a riências vividas (neste caso, por afrodescendentes
economia e a cultura ocidental. em pontos distintos da diáspora) têm possibilita-
Uma das principais contribuições desta teo- do variadas modernidades no interior do próprio
ria é a maneira alternativa de se entender a “diás- mundo ocidental. A eleição da negritude estadu-
pora”, concebida como algo dinâmico que propor- nidense como referência máxima para se pensar
ciona o surgimento de contra-poderes, os quais a negritude no Brasil deve ser analisada como
têm desafiado soberanias territoriais e crenças em parte da nossa tendência de nos vermos a partir
identidades absolutas. Entendido dessa maneira, da margem; a princípio à margem da Europa e, con-
o conceito de diáspora permite que se possa ir
temporaneamente, à margem dos Estados Unidos.
além da geografia e da genealogia, da natureza e
Evidentemente, a inclinação dos Estados Unidos em
da cultura, porque rejeita a crença em nacionali-
dades e racialidades que seriam geradas esponta- verem-se a si mesmos, e cada vez mais, como o
neamente, oferecendo-se como uma alternativa à centro da modernidade no mundo contemporâ-
noção metafísica de uma “raça” que determinaria neo também deve ser levada em conta na análise
uma suposta cultura inscrita no corpo e na cor da hegemonia norte-americana nas teorias sobre
(Gilroy, 2000, p. 123). Assim, os sentidos dinâmi- negritude no Brasil.
cos de rede de multiplicidade, comunicação e in- Se modernidade, contudo, envolve dessacra-
teração tornam as identidades negras explicita- lização, por que haveríamos de tornar sagrados al-
mente contrárias aos pensamentos nacionalistas guns modelos e experiências em detrimentos de ou-
ou aos que invocam um único centro emanador tros? É preciso insistir no reconhecimento da
de negritude, autenticidade e verdade.
diversidade de experiências no interior da diáspo-
A própria idéia de modernidade carrega em
ra africana. Se seus pontos comuns asseguram
si a noção de que há muito mais espaço para a
agency humana e que, portanto, há muitos futuros uma certa unidade, por outro lado, as diferentes
possíveis. A atividade humana consciente é, então, histórias vivenciadas por afro-descendentes em
vista como sendo capaz de formar e interferir na lugares distintos indicam a necessidade de um
sociedade, fortalecendo a crença da realização das maior e mais equilibrado diálogo, em lugar de
utopias e da construção do bem comum por meio uma padronização linear.
DESCENTRANDO OS ESTADOS UNIDOS... 47

“cultura negra/africana” que seria compartilhada


por todos os negros na diáspora. As tradições in-
ventadas, importadas da Europa, ofereceram não
Notas
apenas modelos de comando aos brancos, mas for-
neceram a muitos africanos modelos de comporta-
1 “Wounded character of politicized identity’s desire”
mento moderno.
(Brown, 1995, p. 15).
8 No caso do Brasil, de uma “raça mestiça” fundada
2 Utilizo a expressão movimento negro contemporâ-
na “fábula das três raças” (Da Matta, 1984). Esse
neo para me referir às organizações negras que
mito brasileiro pode ser considerado um paradig-
surgiram no Brasil a partir da década de 1970 e que
ma de inclusão, que emana tanto por parte dos
têm na “raça negra” o seu caráter mobilizador e or-
que controlam o Estado, como por aqueles que são
ganizador. Não me refiro, portanto, a uma entida-
oprimidos por ele.
de negra em particular, mas às organizações negras
brasileiras contemporâneas de uma maneira geral. 9 Membros da ACBANTU (Associação Cultural de
Preservação do Patrimônio Bantu), ONG baiana
3 É importante lembrar, contudo, que a bipolaridade
que tem por objetivo principal contribuir para o
(negros versus brancos) não foi sempre o padrão na
resgate das tradições de origem bantu e manter in-
política racial estadunidense. Dois censos realiza-
tercâmbio com entidades congêneres no âmbito
dos no final do século XIX incluíam as classifica-
nacional e internacional, comentaram sobre a vin-
ções: “mulatto”, “quarteroon” e “octoroon”. Além
da de angolanos para a Bahia, em busca de tradi-
disso, a designação “latino”, existente desde a déca-
ções bantu que foram “perdidas” na África, porém
da de 1960, trouxe mudanças significativas para o
“preservadas” na Bahia.
sistema de classificação racial dos Estados Unidos.
Agradeço ao historiador Darien Davis por estas in- 10 Correio da Bahia, 10 mar. 2004 (Andréia Santana).
formações. 11 A construção de uma imagem negra e africana da
4 Para uma crítica à noção da democracia racial Bahia também contou com a participação de pes-
como “máscara”, ver Peter Fry (1982, 1991, 1995, quisadores e escritores. Sobre a importância de Gil-
1997, 2000). berto Freyre e Jorge Amado na formação da baia-
nidade, ver Pinho (no prelo). Mais recentemente, a
5 “A importância variada da cor nas diversas regiões
imagem negra da Bahia tem sido produzida tam-
do Brasil assim como a sua percepção e categoriza-
bém, de modo estratégico, pelo próprio Governo
ção, seja no mercado de trabalho, seja nos locais de
do Estado (ver Pinho, 2004).
residência e de trabalho, mostram justamente que a
cor nada mais é que a marca corpórea da raça, ou, 12 A música e as práticas culturais e sociais de origem
para dizer de outro modo, a sua codificação. A im- africana na diáspora são portadoras, ao mesmo
portância da cor parece variar justamente em função tempo, da utopia de um mundo melhor e de uma
do peso demográfico dos negros nas diversas re- crítica profunda ao capitalismo e ao Ocidente. O
giões e nas diversas situações em que competem que se verifica de diversas formas, em diversos
com os brancos” (Guimarães, 1995, p. 57). pontos do Atlântico Negro seria, então, uma inter-
pretação baseada na separação entre política e cul-
6 A esse respeito, ver Hooks (2000), Gilroy (2000) e
tura, forjada no pensamento europeu, porém dis-
Appiah (1997), entre outros.
tante da realidade da diáspora. O Caribe, a África,
7 Sobre o passado africano, vale lembrar que os in- a América Latina e a América do Norte contribuí-
telectuais do pan-africanismo foram os primeiros a ram para que se pudesse formar uma identidade
veicular em larga escala a idéia de que os negros racial negra transnacional. O contexto urbano, no
do mundo compartilhariam de uma mesma origem qual suas expressões culturais foram criadas, pro-
e, portanto, de um passado africano comum. Con- piciou o apelo estilístico em que se baseiam as
tudo, embora se posicionassem como contrários ao identificações étnicas locais. A criação e as trocas
pensamento ocidental, os pan-africanistas adota- transnacionais dos símbolos étnicos negros repre-
ram as mesmas armas do Ocidente para criar uma sentam peças fundamentais para a constituição das
48 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

narrativas e dos discursos de negritude com os 18 Embora amplamente adotada pela academia, a teo-
quais os grupos negros expressam suas lutas e ex- ria da “invenção das tradições” tem recebido críticas
periências (Gilroy, 1993). também por parte de alguns estudiosos, que ques-
tionam, sobretudo, a autoridade do pesquisador
13 A idéia de que os negros na Bahia ou no Brasil te-
para afirmar a “veracidade” ou não de uma tradição.
riam mais consciência (awareness) sobre a sua ori-
Para o antropólogo Charles Briggs (1996), por
gem africana está bastante presente no imaginário
exemplo, o pesquisador não tem o direito de tirar o
do militante negro norte-americano, como pode
poder do nativo de se autodefinir e de decidir sobre
ser percebido no depoimento do rapper M1, da
como se deve agir política e culturalmente.
banda norte-americana Dead Prez: “Quando eu
penso no Brasil, penso em gente preta falando 19 Sobre o unicentrismo em movimentos negros, Gil-
português, entendeu? Eu penso em africanos, pen- roy afirma: “Temos visto que as formações autoritá-
so na África [...]. Eu sinto que eles estão mais pró- rias e proto-fascistas da cultura política negra do sé-
ximos ou mais conectados à África. Eu vejo um culo XX têm sido constantemente estimuladas por
passo ganho na força do povo preto. Na espiritua- um desejo intenso de recuperar as glórias perdidas
lidade do povo de lá eu vejo um passo ganho na do passado africano. O desejo de restaurar essa
resistência contra a dominação colonial, no enten- grandeza longínqua nem sempre tem coincidido
dimento da importância da África, vejo uma estra- com um entusiasmo equivalente em remediar a si-
tégia a menos de lavagem cerebral que tem sido tuação difícil da África no presente” (2000, p. 323).
aplicada aqui [...]”, Revista Rap Internacional, 1 (3),
2001.

14 Conforme mencionado anteriormente, a noção de


BIBLIOGRAFIA
que a experiência negra dos Estados Unidos seria
mais “moderna” do que a brasileira encontra res-
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paldo também em algumas formulações teóricas
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norte-americanas, a exemplo de Walker (2002).
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15 Informações colhidas em entrevistas com turistas tras.
afro-americanos em Cachoeira – BA, ago. 2000.
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16 Há que se reconhecer, portanto, os significados po- cia nacional. São Paulo, Ática.
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APPIAH, Kwame Anthony. (1997), Na casa de
dições e se recria o passado. “O passado continua
meu pai: a África na filosofia da cultu-
a nos falar. Mas já não é como um simples passado
ra. Rio de Janeiro, Contraponto.
factual que se dirige a nós, pois nossa relação com
ele, como a relação de uma criança com a mãe, é BHABHA, Homi. (1992), “A questão do ‘outro’: di-
sempre já ‘depois da separação’. É construído sem- ferença, discriminação e o discurso do
pre por intermédio de memória, fantasia, narrativa colonialismo”, in Heloísa Buarque de
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logy, 11 (4): 435-469.
com nenhuma garantia absoluta numa ‘lei de ori-
gem’ sem problemas, transcendental” (Hall, 1996, p. BROWN, Wendy. (1995), States of injury. Prince-
70). ton, Princeton University Press.
17 Respectivamente, A invenção das tradições e Co- CHRISTMAS, Rachel. (1992), “In harmony with Bra-
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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 165

DESCENTRANDO OS ESTADOS TAKING THE UNITED STATES LA DÉCENTRALISATION DES


UNIDOS NOS ESTUDOS OFF THE CENTER IN STUDIES ÉTATS-UNIS DANS LES
SOBRE NEGRITUDE NO BRASIL ON NEGRITUDE IN BRAZIL ÉTUDES À PROPOS DE LA
NÉGRITUDE AU BRÉSIL

Patricia de Santana Pinho Patricia de Santana Pinho Patricia de Santana Pinho

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Negritude; Modernidade; Bahia; Negritude; Modernity; Bahia; Négritude; Modernité; Bahia;
Cidade mundial; Turismo de raí- World city; Roots tourism. Cité mondiale; Tourisme des ra-
zes. cines.

A predominância das perspecti- The predominance of Eurocentric La prédominance, dans les scien-
vas eurocêntricas ou estadunido- or US-centric perspectives in the ces sociales, des perspectives euro-
cêntricas nas ciências sociais tem social sciences has strengthened péennes ou américaines, renforce
fortalecido a noção de que há um the belief that there is an exclu- l’idée de l’existence d’un modèle
modelo exclusivo de modernida- sive model of modernity, experi- exclusif de modernité, vécu tout
de, vivido primeiramente nos cen- enced firstly in the economic cen- d’abord dans les centres écono-
tros econômicos e, em seguida, ters of the world, and only later miques et adopté, ensuite, par les
adotado nas “periferias”. Esta mes- adopted in the ‘peripheries.’ The «périphéries». Cette même logique
ma lógica pode ser encontrada same logics can be found in stud- peut être retrouvée dans les étu-
nos estudos sobre negritude no ies of blackness in Brazil which des sur la négritude au Brésil. Ces
Brasil, que freqüentemente carac- have frequently characterized the études caractérisent, fréquem-
terizam a experiência negra esta- black experience in the U.S.A. as ment, l’expérience des Noirs aux
dunidense como a mais “moderna” the most ‘modern’ within the États-Unis comme la plus «moder-
da diáspora africana. Neste artigo, African Diaspora. In this article, I ne» de la diaspora africaine. Dans
procuro fazer uma reflexão teórica attempt a theoretical reflection cet article, l’auteur présente une ré-
que vise a superar a centralidade which aims to overcome the cen- flexion théorique qui tente de sur-
dos Estados Unidos nos estudos trality of the United States in the passer le centralisme des États-
sobre negritude, recuperando a studies of negritude, recovering Unis dans les études sur la
noção de diáspora africana como the notion of the African Diaspora négritude, en récupérant la notion
configuração multicentralizada. as a multi-centered configuration. de diaspora africaine en tant que
Para tanto, examinarei a posição In order to do so, I examine the configuration multicentralisée.
de Salvador, Bahia, como centro position of the city of Salvador da L’article analyse également la situa-
importante para a formação do Bahia as an important center for tion de la ville de Salvador de Ba-
mundo moderno, bem como the formation of the modern hia, en tant que centre important
para a construção de identidades world, as well as for the con- pour la formation du monde mo-
negras contemporâneas. struction of contemporary black derne, et pour la construction
identities. d’identités noires contemporai-
nes.

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