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Globalização: Anthony Giddens “O Mundo na Era da Globalização”

“Nunca conseguiremos ser os donos da nossa própria História, mas é obrigatório que encontremos os meios de
colocar este nosso Mundo “desvairado” no rumo certo”, reflete Giddens. A globalização, de acordo com a visão do
autor, é uma rede complexa de processos que envolve transformações de teor cultural, político, económico e
tecnológico. Entendida na França como mondialisation, na Espanha e na América Latina como globalización e na
Alemanha como globalisierung, ninguém pode ignorar a globalização. A globalização cruza-se com o cosmopolitismo,
na medida em que se adota uma complexidade cultural e o fundamentalismo vê esta complexidade cultural como
uma ameaça aos nossos dias. É certo que, até aos anos 80, a globalização era praticamente algo inexistente nas
sociedades, surgindo na nossa vida de uma forma repentina. Hoje em dia, ela é indispensável em qualquer discurso
político. Na verdade, muitos teóricos tendem a encarar a globalização apenas sob o ponto de vista económico,
surgindo duas teses acerca deste fenómeno: a tese dos céticos e a tese dos radicais. Os céticos vêm a globalização
como algo que não passa de conversa. O Mundo continua o mesmo, bem como a economia global, que não é assim
tão diferente de até há uns anos atrás. Para além disso, as trocas comerciais são feitas sobretudo entre regiões, não
implicando um verdadeiro sistema de comércio a nível mundial (União Europeia e Ásia-Pacífico, por exemplo). Pelo
contrário, a visão dos radicais aborda uma forte carga ideológica, na medida em que a globalização é um facto bem
concreto, cujos efeitos se fazem sentir por toda a parte. O mercado global está muito mais desenvolvido e é
indiferente às fronteiras nacionais. Os radicais defendem ainda que os Estados-Nação perderam a sua soberania,
bem como a capacidade de influenciar os acontecimentos. Sob estas duas égides, a razão estende-se aos radicais,
já que a economia do mundo atual não tem paralelo com a das épocas anteriores. É, de facto, um erro pensarmos
que a globalização apenas se estende a grandes sistemas; ela é também um fenómeno interior, que influencia
aspetos íntimos e pessoais das nossas vidas. De acordo com o sociólogo Daniel Bell, a globalização pode ser
descrita como o facto de os países se tornarem demasiado pequenos para resolverem problemas grandes, mas
também demasiado grandes para resolverem problemas pequenos. A globalização é o que leva ao reaparecimento
das identidades culturais em diversas partes do Mundo. Ainda assim, a globalização não só empurra para cima,
como também puxa para baixo, tendo efeitos contraditórios nas sociedades. A respeito destes efeitos, vivemos numa
sociedade de riscos, onde a desigualdade é cada vez mais acentuada. Esta desigualdade é, maioritariamente,
observada sob o ponto de vista económico. “Somos a primeira geração a viver nesta sociedade, cujos contornos
ainda mal conseguimos vislumbrar. É ela que está a agitar a nossa atual forma de viver, qualquer que seja o local em
que habitamos. Porque a globalização não é um incidente passageiro nas nossas vidas. É uma mudança das
próprias circunstâncias em que vivemos. É a nossa maneira de viver atual.” Zigmunt Bauman também perspetiva a
globalização como uma “modernidade líquida”, que se opõe à modernidade sólida (soberania do Estado-Nação,
valores universais e relações duradouras), na medida em que se vive uma época de incerteza, de fragmentação. A
globalização é vista, portanto, como uma colonização ao contrário. Estamos a assistir a um retrocesso civilizacional
marcado pelo protecionismo externo e por uma era de incertezas (há uma exploração dos países do Norte pelos
países do Sul; a cultura popular sobrepôs-se às outras).

9. Globalização

Há autores que dizem que ela começou com os Portugueses e Espanhóis (Descobrimentos). Ela alterou-se no
último século devido à tecnologia (revolução das comunicações e meios de transporte; e mercado), permitindo a
comunicação instantânea, lazer… Alguns dos factores que concorrem para a Globalização são: liberalização dos
mecanismos de regulação do Estado; mobilidade de capitais (interconexão económica); política substituída pelo
mercado (política: interesse geral; economia: interesse particular. Há uma subjugação da política à economia).

Em 1945 surge uma nova percepção da dinâmica geopolítica. Nessa altura, a Globalização era produto do estado
do ordenamento. Vejamos as características da sociedade contemporânea. No plano interno há a predominância
do liberalismo económico das nações e a intervenção social. No plano exterior há a mobilidade de capitais e a
interconexão económica: emergem os Cosmópolis (global cities) – grandes metrópoles “globais”; cosmoeconomia;
neocapitalismo; cidadania transnacional; emergência da sociedade do bem-estar (depois da Segunda Guerra Mundial
até aos anos 80); fim do Comunismo (queda do muro) e a influência do mundo ocidental (em 1989 dá-se a queda do
Muro de Berlim e a quebra dos 2 blocos: EUA e URSS. Há a perda das grandes ideologias/ metanarrativas e o fim da
Guerra Fria); fim do estado-nação; emergência de blocos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) como novas potências
do séc. XX; crise do meio ambiente (origina uma sociedade de risco); dissociação estrutural norte-sul.

Deu-se várias transformações a nível cultural: ciência, astronáutica, técnica; mass media; imagem; inteligência
artificial; realidade virtual; pluralismo religioso; cultura de massas; segmentação sociocultural. Globalização/

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modialisation/ Globalización/ Globalisierung são diferentes nomes para o mesmo conceito (não há um consenso
nem para o nome nem para a data, e há um debate mundial a favor e contra a Globalização). Ela transporta uma
multiplicidade de sentidos: Manuel Castells fala em “idade de transformação” (estamos numa sociedade em rede, de
fluxos, novas técnicas de informação, novos modos de vida, de estar e de ver o mundo); Marshall McLuhan com
“aldeia global”; Habermas com “sociedade mundial”; René-Jan Dupuy com “cidade terrestre”; Alain Touraine com
“sociedade pós-industrial”; Zygmunt Bauman com “modernidade líquida” (época de incerteza, há uma fragmentação);
Ulrich Beck com “sociedade de risco”; Samuel Huntington com “choque de civilizações”.

Anthony Giddens (O Mundo na Era da Globalização): “temos de admitir que a globalização não é um processo
simples, é uma rede complexa de processos. E estes operam de forma contraditória ou em oposição aberta. Para a
maioria das pessoas, a globalização é apenas uma “troca” de poder ou de influência das comunidades locais ou das
nações para a arena global. É certo que os países perdem algum poder económico que tinham, mas também há o
efeito contrário. A globalização não se limita a empurrar para cima, também puxa para baixo, criando novas pressões
para a concessão de autonomias locais”.

Note-se, ainda, vários paradoxos/ tensões: valores da modernidade (igualdade, prosperidade económica,
liberdade), mas há desigualdade real (económica); integração económica, mas fragmentação cultural e política
(ressurgimento de identidades nacionais, e mais países/ estados-nação; perdas de sentido). Para Daniel Bell, os
Estados tornaram-se pequenos demais para resolver problemas mundiais. O estado-nação perdeu poder,
importância política e soberania interna e externa. A globalização é económica (ex: McDonald’s), política e social.
Segundo Sami Nair, a Globalização dá-se a partir dos anos 70 com a crise económica (desequilíbrio entre oferta e
procura). A partir da estagnação económica de 1970, as empresas procuraram novos mercados para além fronteiras
e colocaram o seu processo de fabrico em países mais baratos. As empresas desnacionalizaram-se para seu
benefício (ex: Coca-Cola). O autor afirma que “o indivíduo, como uma abelha, circula na sua gaiola de vidro. Pode ver
longe. Mas não pode sair”. David Held fala em “global transformativo” (a globalização traz a extensividade, impacto,
velocidade e intensidade). Globalização ou Hiper-Regionalização? Estamos a assistir a um retrocesso civilizacional
marcado pelo proteccionismo externo e por uma era de incertezas.

10. Cultura Global e Multiculturalismo

A Globalização não é sentida em todos os lados da mesma forma, sobretudo no sul. O Norte colonizou o Sul a
partir de 1500, mas este agora “invade” o Norte através da imigração. Há novas dinâmicas culturais: cultura
transnacional, difusão de um espírito cosmopolita, tendências culturais homogeneizantes; mas também uma
multiplicidade das formas e representações culturais. Castells fala-nos de uma tendência globalizante.

Roland Robertson (1992), por exemplo, após haver indicado como característica própria da cultura global, a
actual difusão de imagens do mundo comuns, reconhece, ao mesmo tempo, que a globalização e cultura global “não
significam desenvolvimento de uma unidade funcionalmente estruturada, nem normativamente coesa, mas difusão de
um modo geral de afirmar o discurso sobre o mundo, sobre a sua unicidade e contemporânea variedade”.

Note-se os paradoxos da era moderna: por um lado, há uma cultura homogeneizante que tende a impor-se
(através do cinema, produtos…); por outro, há uma proliferação/ multiplicação de identidades culturais (novas etnias
e estados-nação). Nunca na História houve uma tão grande integração económica promovida por organizações
transnacionais (ex: FMI, UE), mas há mais países do que alguma vez houve. Os desafios da era contemporânea
prendem-se com a imigração e a diversidade cultural. Existem dois dilemas dos Estados-nação. Primeiro, a
capacidade de admitir o Outro numa dada comunidade nacional através da cidadania afigura-se como uma ameaça
para a coesão e a identidade nacionais. Segundo, a possibilidade de partilhar um bolo social cada vez mais reduzido
com outros grupos novos revela-se uma ameaça às condições dos trabalhadores locais. Pode-se obter a cidadania
por nascimento, permanência longa no país, ou por descendência. Tanto em países onde os imigrantes obtêm a
cidadania (ex: EUA), como em países onde não a obtêm (ex: Alemanha) há alguma marginalidade e difícil integração
nas culturas por parte dos imigrantes. Há uma grande fuga de população pobre do sul para os países ricos (ex: em
África). Para contornar a exclusão, os imigrantes formam comunidades, pois os residentes temem, muitas vezes, que
os imigrantes lhes “roubem” o trabalho, sendo estes vistos como “ameaças” (xenofobia), mas, às vezes, os
imigrantes contribuem mesmo para a segurança social.

Destaque-se o movimento rumo ao multiculturalismo. No passado, os Governos achavam que a imigração não
causaria uma mudança cultural significativa. Nos anos 70 (até 70 a imigração era bem aceite) os migrantes estavam
espalhados por toda a parte, desempenhando os trabalhos menos desejados e mais mal pagos, o que levou a
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processos de segmentação do próprio mercado laboral. Os migrantes responderam através da criação de
comunidades étnicas com infraestruturas culturais, socioeconómicas e políticas próprias (ex: no Canadá e na
Austrália – atenção às necessidades e aos valores das comunidades étnicas). Há, então, a ascensão do
multiculturalismo como estratégia de governação capaz de combinar os princípios da diversidade cultural e da
igualdade social. A partir dos anos 90, há um aumento da hostilidade pública. Os partidos de direita, bem como
algumas secções dos media, têm retratado a imigração e o multiculturalismo como ameaças à coesão social e à
identidade nacional. A partir de 11 de Setembro de 2001 os imigrantes e refugiados são retratados como potenciais
terroristas, como ameaça à segurança nacional (Castells, “A nação e o império” – Cidadania no pensamento político
contemporâneo).

Loïc Wacquant critica os EUA (que estão na frente da Globalização e da cultura homogeneizante), afirmando que
estes têm a maior população presidiária. Não têm um estado social, mas têm uma organização da sociedade civil que
compensa a ausência do estado social. Os EUA apostam mais na punição (ex: departamentos de imigração), em vez
de apostarem no estado social. A sociologia deve “desnaturalizar” e “desfatalizar” as coisas. Deve ter uma atitude
crítica e abrir as possibilidades que a História nos reserva.

 Porque é que surgem novas identidades cultuais para contrariar a homogeneização? Note-se, desde já, que o
Estado perdeu muita força transnacional, não conseguindo resolver problemas mundiais sozinho (e é incapaz
de resolver alguns problemas locais).

A nível do debate sobre o multiculturalismo, destaque-se Crespi (Manual da Sociologia da Cultura), que vê o
multiculturalismo como “princípio de que em qualquer sociedade coexistem grupos culturais diversos, relativamente
aos quais nenhuma forma cultural tem legitimidade para se constituir como cultura dominante, donde a necessidade
do estabelecimento de regras para a convivência entre tais grupos, numa base de absoluta paridade e recíproco
reconhecimento”. Para a Sociologia da Cultura, a questão do multiculturalismo pode ser vista como resultado da
acrescida consciência da importância da cultura, isto é, do aumento do grau de auto-reflexividade desta e dos
consequentes efeitos de relativização e de crises dos fundamentos absolutos, que anteriormente referimos como
uma das características da época contemporânea.

Charles Taylor (Multiculturalismo – 1994) fala no multiculturalismo e esfera pública. Defende a neutralidade da
esfera pública e afirma que a nossa liberdade e igualdade como cidadãos refere-se apenas às nossas necessidades
universais, independentemente das nossas identidades culturais próprias e de “bens primários” como o rendimento,
liberdade religiosa, cuidados de saúde, educação… Refere também as políticas de reconhecimento: a política de
universalismo (dignidade igual para todos os cidadãos), e a política da diferença (todas as pessoas devem ser
reconhecidas pelas suas identidades únicas). Segundo Taylor, a identidade humana é criada dialecticamente como
reacção às nossas relações. Uma sociedade que reconhece a identidade individual é democrática, porque a
identidade individual é, em parte, constituída por diálogos colectivos. O aparecimento de identidades culturais novas
são lutas sociais (ex: lutas sindicais) por reconhecimento (ex: de valores). Taylor (e Honneth – 3ª Geração da Escola
de Frankfurt) fala-nos do reconhecimento do Outro como ser de igual valor. Afirma que até 70’ tínhamos uma política
de tolerância para com o Outro/ imigrante, mas a tolerância não é tratar o Outro como alguém de igual valor. As lutas
étnicas lutam por uma política de reconhecimento (vs política de tolerância). Fala-nos também de lutas por
redistribuição (sobretudo de rendimento). A prosperidade económica de alguns países é transmitida pelos media,
fazendo surgir lutas por parte de quem não tem acesso a tal prosperidade. Uma Democracia Constitucional que
inclua todos os grupos é o desafio da sociedade moderna. Os Direitos Humanos são uma tentativa de criar direitos
universais, mas são criticados pelos islâmicos (por ex.) por serem uma visão ocidental. Habermas e Appiah
defendem uma Democracia Constitucional que proporcione uma política de reconhecimento que não seja baseada na
classe, género, etnia ou nacionalidade, mas sim numa cidadania democrática de liberdades, oportunidades e
responsabilidades iguais para os indivíduos.

Há várias reacções culturais ao novo paradigma, tais como: particularismo cultural; reivindicações de tipo
nacionalista; defesa da identidade de minorias étnico-raciais ou de categorias sociais específicas, definidas com base
na idade (jovens), no sexo (mulheres, homens), nas preferências sexuais (heterossexuais, homossexuais, bissexuais,
transsexuais), nas convicções religiosas, etc.

Segundo Robertson e Giddens (1990), as tendências de tipo particularista não seriam contraditórias
relativamente ao conceito de cultura global, porquanto a expansão do modelo ocidental de sociedade, que se
encontra na base da difusão de estilos de vida e de representações homogéneas com base planetária, teria também

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universalizado o princípio da igualdade e a ideia do direito de cada um à sua própria diferenciação. Giddens afirma
mesmo que as sociedades de pequena dimensão como as dos “caçadores recolectores” tendem a ser monocultuais
(culturalmente uniformes). A maioria das sociedades industrializadas é cada vez mais multicultural (processos como
a escravidão, o colonialismo, guerra ou a globalização contemporânea levaram a que as populações iniciassem
processos de migração e se instalassem em novas localizações.

Habermas afirma que não se deve cair no equívoco de querer proteger, a todo o custo, determinadas culturas,
como se fossem espécies biológicas em risco… Em Uma política de civilização (1997), Morin & Nair dizem: “será
este o fim de século o do retorno das identidades étnicas, religiosas e culturais? A questão da identidade nacional:
tratar-se-á de uma reacção moderna, defensiva e de recuo esquizofrénico face à exploração tecnológica, económica
e cultural trazida pela mundialização?”.

11. Cosmopolitismo Cultural

Giddens (O mundo na era da globalização) mostra que na Globalização há dois tipos de luta: as lutas entre a
dependência e a autonomia; e as lutas entre o fundamentalismo e o cosmopolitismo (dualidades). O
fundamentalismo está fechado à abertura de horizontes, funda-se no ritual, e pode ser étnico, religioso… Defende a
tradição, pois nele não há lugar para perceber o porquê das coisas: deve-se aceitar o sagrado sem o questionar.
Baseia-se em valores sagrados, e pode originar violência, choque de culturas, abrandamento do desenvolvimento.

Hibridismo cultural: a palavra “hibrido” (vem do grego) significa mistura e tem um sentido pejorativo, pois referia-
se aquilo que era impuro, contra as leis naturais (ex: mestiçagem não era vista como uma igualdade entre raças).
Agora, o conceito já não deve ser visto no âmbito do puro/ impuro, mas como um processo de enriquecimento mútuo.

Boaventura de Sousa Santos fala em dois tipos de Globalização: globalização hegemónica (ex: Banco Mundial,
UE, G8, NATO – organizações que tentam impor um padrão) e globalização anti-hegemónica (ex: Fórum Social
Mundial – lutas de baixo para cima). Considera os Direitos Humanos uma forma de globalização hegemónica e fala-
nos numa política de tradução (nenhuma cultura está acima da outra). O cosmopolitismo defende valores de
abertura ao diálogo, tolerância e respeito pelo outro. Honneth (A luta pelo reconhecimento) e Charles Taylor (Ética da
autenticidade) falam-nos do reconhecimento. A tolerância não implica uma relação de igualdade (não é uma relação
igualitária), enquanto o reconhecimento implica reconhecer o outro como ser de igual valor. Há várias abordagens
sobre o cosmopolitismo: Kant (Paz Perpétua – 1795), U. Beck (O olhar cosmopolita – 2004), Seyla Benhabid
(Another Cosmopolitanism – 2006), Martha Nussbaum (Cultivating Humanity: a Classical Defense of Reform in
Liberal Education – 1999).

11.1. Divisão Étnico-Religiosa e Político-Cultural ou Hibridação Cultural na Era Global

Giddens (O mundo na era da globalização) mostra a luta entre cosmopolitismo e fundamentalismo. Huntington
(O choque de civilizações) avalia a questão das civilizações, de sua multiplicidade e de suas diferenças. Afirma que o
choque de civilizações irá dominar a política global e que os novos conflitos serão de índole cultural.

O tema da hibridação cultural tem sido abordado por vários autores do pós-modernismo (Giddens, por exemplo,
diz que “o mundo da era global” é uma sociedade associada a risco e incerteza). “Híbrido” (gr. Hybris) significa fusão,
combinação, mélange. Há uma desterritorialização (D. Held – 1990), uma nova complexidade cultural (novas
identificações, novas configurações culturais), tráfico entre culturas. Surge uma crítica pós-moderna às visões
uniformes. O conceito de “híbrido” surge com força na globalização devido à alteridade e abertura do outro. A
identidade de cada um é criada no diálogo com os outros (relação intersubjectiva entre os outros que consideramos
importantes); a psicanálise diz que este diálogo é intrapsíquico desde que nascemos. No mundo cosmopolita há
várias identidades a se justaporem (M. Bakhtin).

“Hibridação Cultural e o Rushdie Affair” (Rushdie, Imaginary Homelands – 1991): “The Satanic Verses
celebrates hibridity, impurity, intermindling, the transformation that comes of new and unexpected combinations of
human beings, cultures, ideas, movies, songs. It rejoices in mongrelization and fears the absolutism of the Pure.
Mélange, hotchpotch, a bit of this and a bit of that is how newness enters the world. Is the great possibility that mass
migration gives the wiold, and I have tried to embrace it. The Satanic Verses is for change-by-fusing, change-by-
conjoining. It is a love-song to our mongrel selves.” O autor faz uma crítica aos apostolados da pureza. Não pode
haver pureza porque uma cultura tem de estar em contacto com outras (não pode haver uma fechamento étnico,
cultural e religioso) – luta entre fundamentalismo e cosmopolitismo.
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Garcia Canclini (Culturas híbridas – 1989) afirma que a mestiçagem estaria, sobretudo, associada à mistura de
raças, a diversas mesclas interculturais. Mikhail Bakhtin (Estética e teoria do romance – 1978) fala de mistura, não
no sentido de fusão, mas no de justaposição (diz que não há uma fusão entre duas vozes ou ideias, mas sim uma
justaposição). Charles Taylor fala na política do universalismo (dignidade igual para todos os cidadãos) e na política
de diferenciação (pessoas devem ser reconhecidas pelas suas identidades únicas).

Ulrich Beck afirma que os riscos contribuem para a formação de uma sociedade de risco global. Á medida que as
mudanças tecnológicas progridem, produzem novas formas de risco. Temos, assim, de nos adaptar e responder
constantemente a essas mudanças. Os riscos não são apenas ambientais e de saúde; há uma série de mudanças na
vida social contemporânea: transformações nos padrões de emprego, insegurança laboral, influência decrescente da
tradição e hábitos enraizados na identidade pessoal, erosão dos padrões familiares tradicionais, e democratização
dos relacionamentos pessoais. Uma vez que o nosso futuro pessoal é menos previsível do que em relação ao que se
passava nas sociedades tradicionais todo o tipo de decisões implicam riscos para os indivíduos.

Martha Nussbaum (Cultivating Humanity: a Classical Defense of Reform in Liberal Education – 1999) refere que o
facto de dividirmos uma humanidade comum significa que temos obrigações morais. David Held (Global
Transformations – 1990) afirma que: “A democracia para o novo milénio tem de permitir aos cidadãos ter acesso,
mediar e prestar contas de forma responsável do processo social, económico e politico, do fazer fluir esse corte e
transformar as suas comunidades tradicionais”. Giddens (Beyond Left and Right – 1994) diz que: “o cosmopolita não
é alguém que renuncie a compromissos, mas alguém que esteja disponível para articular a natureza desses
compromissos, e avaliar as suas implicações para aqueles cujos valores são diferentes”. Seyla Benhabid (The
Claims of Culture - 2002): “a global civilization that is to be shared by world citizens will need to be nourished by local
attachments; rich cultural debate; contestations about the identity of the ‘we’; and a sense of democratic
experimentation with institutional design and redesign”. J. Tomlinson (Globalization and Culture – 1999): “the
cosmopolitan must have a grasp of the legitimate pluralism of cultures and an openness to cultural difference. And this
awareness must be reflexive – it must make people open to questioning their own cultural assumptions, myths and so
on (…). So the point is that the two parts of the disposition should not be seen as antithetical and antagonistic, but as
mutually tempering and this disposing us towards an ongoing dialogue both within ourselves and with distanciated
cultural others”.

A nível da dinâmica entre globalização, desterritorialização e hibridação cultural destaquemos que o no pós-
modernismo há um deslocamento das estruturas logocêntricas; uma subjectividade descentrada; um conceito de
identidade cultural móvel e plural. Jameson (e o pós-modernismo) diz que “na cultura pós-moderna, a própria
“cultura” tornou-se um produto, o mercado tornou-se seu próprio substituto, um produto exactamente igual a qualquer
um dos itens que o constituem (…) O pós-moderno é o consumo da própria mercadoria como processo”.
Modernismo vs Pós-Modernismo: os modernistas procuram consolidar uma visão de mundo legítima; os pós-
modernistas não se interessam em estruturar uma visão do mundo de acordo com as certezas; alertam para a
fragmentação e desestruturação em que vivemos (ex: Z. Bauman – “Modernidade Líquida”: tudo é descartável,
vivemos num mundo passageiro).

Deve-se deixar de ver o hibridismo como um imperialismo cultural (integração económica de elementos de outras
culturas) e passar a vê-lo como uma igualdade cultural (onde se insere a teoria da tradução de Boaventura).

13. Os Paradoxos Culturais na Europa da Era Global

A “ideia da Europa” é uma construção frágil (a ideia económica do Euro é o aspeto mais forte). Hoje percebe-se a
falta de igualdade na Europa. Há uma hegemonia do Norte em relação ao Sul (ex: a Alemanha impõe-se), embora a
nível teórico a UE seja um dos grupos mais desenvolvidos do mundo. Max Weber demonstrou que a ética protestante
(do Norte da Europa) estava associada à emergência do capitalismo, pois valorizava a criação de riqueza e o
empreendedorismo.

Há várias obras sobre a “ideia da Europa”, a destacar: Frederico Chabod (L’idea di Europa – 1947); Heinz
Gollwitzer (Europabildund Europagedanke – 1951); Deny Hay (Europe: the Emergence of na Idea – 1957); Carlo
Curcio (Europa: Storia di un’ Idea – 1958); Denis de Rougemont (Vingt-huit siécles d’Europe – 1961); Henri Grugman
(L’idée européene, 1918-1965 – 1965); Walter Lipgen (A History of the European Integration 1945-1947 – 1982);
Jean-Baptiste Duroselle (Europe: a History of its People – 1990). Os dilemas dos “filhos da Europa” referem-se ao
facto de os europeus serem os filhos do Iluminismo, mas também os filhos do horror (sobretudo na Segunda Guerra
Mundial).
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Segundo Delanty, a identidade europeia está sintetizada na seguinte frase: “European identity is a formo f post-
national self-understanding that expresses itself, as much as beyond, national identities”. A união da diversidade é
um discurso sustentado por uma variedade de documentos da Comissão Europeia: “Fresh Boost” (1987); “A Human
Face for Europe” (1990); “A Portrait of our Europe” (1993); “European Year of Intercultural Dialogue” (2008). As novas
problemáticas identitário-culturais em torno da Europa global prendem-se com a construção do cidadão europeu
vs “o outro”, e com o nascimento de novos choques culturais. E. Balibar teoriza sobre o “apartheid Europeu”,
referindo a emergência de sentimentos de discriminação, de exclusão, de tensões e divisões culturais.

U. Beck e a criação de uma Europa cosmopolita: “it is about something completely new in the history of humanity,
namely the projected image of a state structure which makes its foundation the recognition of cultural otherness”.
Giddens (A Europa na Era Global) questiona: a Europa na era da crise: será o fim do modelo social europeu?

14. A Emigração Açoriana, a Legislação Norte Americana e a Deportação

Após a tragédia do vulcão dos Capelinhos, os EUA começaram a vir recrutar pessoas aos Açores, pois até 70’
precisavam de imigração para a indústria. Com o abrandamento económico e deslocalização das indústrias para os
países asiáticos, os imigrantes começaram a ser vistos como alguém que poderia “roubar” o emprego aos locais.

A nível da legislação da imigração norte americana e sistema de deportação, Daniel Kanstroom (Boston College
Law School) diz: “o sistema de deportação dos EUA é um sistema com muitas falhas. Desproporcionalmente severo,
legalmente complexo e pouco tolerante, há muito tempo que causa incalculáveis danos a milhões de não-cidadãos/ãs
e cidadãos/ãs, apesar de várias tentativas de reforma”. Diz também: “como um mecanismo massivo de força o
sistema de deportação põe em causa muito mais do que a soberania do nosso país ou o estatuto de imigração
individual. Põem em causa poderosos valores da sociedade e direitos humanos básicos”.

Com os atentados de Oklahoma City deu-se alterações legislativas em 1996. Com os atentados de 11 de
Setembro de 2001 (Department of Homeland Security) qualquer indivíduo não cidadão dos EUA está em risco de ser
deportado, incluindo indivíduos sem documentação, refugiados e pessoas a procurarem asilo, não-imigrantes
(turistas, estudantes ou visitantes em negócios), assim como residentes com permanência a longo termo. Os
critérios para a deportação expandiram-se: violações técnicas das leis de imigração, ofensas criminais, critérios
referentes à segurança nacional. Note-se, ainda, o conceito de “aggravated felonies” (pena agravada) sem defesa no
processo de deportação. A partir de 1996 e 2001 começa a haver deportação retroactiva, isto é, por crimes
cometidos no passado. Há uma “caça” ao imigrante ilegal. Wacquant critica os EUA por investirem muito mais no
estado punitivo do que no estado social (ex: um guarda prisional ganha mais do que um professor/ EUA gastam
sobretudo em armamento e segurança).

Apesar do foco principal ser os “estrangeiros criminosos” – um termo livremente definido que inclui convicções
por conduta desordeira ou reentrada ilegal – os dados apresentam uma realidade diferente. Em 2010, mais de
metade da população não tinha qualquer pena criminal.

Acerca do sistema de deportação, Kanstroom afirma mesmo: “apesar da sua carga punitiva, o Tribunal Supremo
continua a considerar a deportação como uma sanção não-criminal e não punitiva. A deportação em si continua a ser
considerada um ‘assunto civil’. Por este motivo, indivíduos em processo de deportação não recebem muitas das
salvaguardas constitucionais que obteriam no contexto de um processo criminal”.

Está a ser desenvolvido o projeto “Post-Deportation Human Rights Project” pelo Boston College. As
consequências das políticas de deportação são: consequências nas famílias nos EUA; consequências nos próprios
sujeitos deportados; efeitos negativos nos países para onde são deportados. A nível da caracterização das pessoas
que foram deportadas destaque-se: especificidades culturais (cultura luso-americana cristalizada); comportamentais;
emocionais (pouca tolerância à frustração); ausência de laços afectivos com familiares que residem na mesma ilha;
perturbações de personalidade e psiquiátricas (neuroses, patologias borderline, psicoses, limitações cognitivas,
estados graves de depressão).

Em relação à deportação e a construção identitária destaque-se a rutura (“fatalidade”), um novo processo


identitário, e o reconhecimento de relações primárias, secundárias e da dignidade universal. Há um “choque” cultural
quando as pessoas são deportadas, sendo que algumas encaram-no como uma oportunidade e outras continuam
com o desejo de regressar (muitas matam-se). Estamos a entrar numa fase de emigração qualificada. China, Porto
Rico e Cuba não assinaram os protocolos para a deportação.
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 Documentário “Deportado”: os deportados não têm direito de despedir-se da família; a deportação é um
negócio (é como uma “rede” que tem de apresentar números); há pessoas que nem sabiam que podiam ser
deportadas. Os deportados são medicados e acompanhados por psiquiatras. A ARRISCA ajuda os
deportados com cursos de Português, por exemplo. Os indivíduos deixam de pertencer à sociedade
americana, mas não sentem que pertencem à sociedade açoriana. Alguns chegaram mesmo a ingressar no
exército e combater no Vietname (sem cidadania americana). Muitos imigrantes têm medo de não conseguir
passar na prova de cidadania, por isso mantêm-se no anonimato. Muitos são deportados por conduta
desordeira. – Filme mostra bem as desigualdades e construção identitária.

15. Subcultura(s)

A sociedade contemporânea é marcada por uma pluralidade de manifestações culturais (uma diversidade
cultural). As subculturas são o conjunto de (manifestações culturais) padrões de comportamentos, crenças,
interesses próprios de um determinado grupo social. Remetem para diferentes manifestações culturais e para a
coexistência de singularidades culturais que devem ser apreendidas na sua diversidade. A melhor perspetiva para
estudar as subculturas é o multiculturalismo.

As singularidades das subculturas devem ser apreendidas na sua diversidade. As singularidades e a diversidade
cultural originaram um debate (ex: apesar dos gémeos serem geneticamente idênticos, diferem na sua identidade/
cultura), o qual se dá entre as forças universais e particulares. Há muitos princípios, valores e crenças que são
particulares e há outros que são universais. Muitos autores defendem que o multiculturalismo será a melhor teoria
para perceber a dinâmica cultura/ subculturas, porque pressupõe que todas as manifestações culturais são plenas de
valor cultural e de significado, e que são todas respeitáveis (não há culturas superiores e inferiores).

Mas se todas são plenas de valor, como haverá equilíbrio? Em casos de conflito os princípios universais (ex:
Constituição Portuguesa) devem prevalecer sobre os particulares. Assim, predomina o bem comum e não o
particular.

Quando se fala em subcultura, o prefixo “sub” deve ser entendido num sentido semântico e não valorativo ou
hierárquico. O prefixo “sub” não deve ser apreendido de forma hierárquica ou valorativa, mas sim como sinal de
coexistência de diferentes formas de manifestação cultural numa mesma cultura. A subcultura está dentro da cultura
(que é o conjunto de rituais, normas, hábitos, valores, crenças). A cultura integra várias subculturas: culturas étnicas
diferentes (ex: PALOP, comunidade de Cabo Verde em São Miguel)…

O conceito de subcultura surgiu na Sociologia nos anos 30 com a Escola de Chicago numa junção entre a
Antropologia Cultural e a Sociologia. A Sociologia americana é, então influenciada pela Antropologia Cultural (a qual
estudou movimentos estudantis e novas reivindicações nos anos 30 numa perspéctica etnográfica). A Escola de
Chicago (nos anos 30) interessou-se pela dimensão cultural das relações sociais, pelas manifestações culturais
contestatárias. William Thomas analisou as relações interétnicas (entre etnias) nos EUA. Nos anos 50 e 60 nos EUA
surge o conceito de contracultura baseada no movimento hippie… A cultura juvenil americana nos anos 50/60
desenvolveu-se como crítica à educação formal (ex: Pink Floyd) e aos padrões culturais pré-estabelecidos (ex:
movimento hippie, movimento beat, movimento punk…) - era contra a cultura dominante. Surge, então, uma nova
condição juvenil (jovens nasceram com o baby boom, mas hoje já não estão contra a cultura; consomem-na). O
conceito de subcultura consolidou-se durante as décadas de 1970 e 1980.

Há vários estudos académicos sobre “subculturas”: Subculture: The Meaning of Style (Dick Hebdige – 1979), The
Time of the Tribes: The Decline of Individualism in Mass Society (Michel Maffesoli – 1996), Club Cultures: Music,
Media and Subcultural Capital (Sarah Thornton – 1995), Subcultures: Cultural Histories and Social Practice (Ken
Gelder – 2007). Maffesoli retomou a crítica da sociedade de massas e da indústria cultural da Escola de Frankfurt,
dizendo que estamos numa sociedade de subculturas, de “tribos urbanas” que estão em constante transformação
devido a mutações tecnológicas que afetam o agir. Verifica um declínio do individualismo: uma perda da capacidade
de pensar por si próprio devido aos meios de comunicação da era capitalista (devido ao Capitalismo e consumo
mediático). Cita Walter Benjamin, afirmando que a cultura de massas e a industria cultural nos fazem pensar que nos
conseguimos distinguir dos outros, mas tal não acontece na verdade (elas fragilizam a criação de identidades). Estas
“tribos urbanas” têm as mesmas referências identitárias e os mesmos sentimentos de pertença, os quais estão em
constante transformação devido ao contacto com os outros grupos/ “tribos”/ subculturas. Maffesoli diz que os
códigos de reconhecimento (regras subentendidas) são a base das referências identitárias e sentimentos de
pertença. Note-se que Honneth (A Luta Pelo Reconhecimento) e Taylor (Ética da Autenticidade) dizem que as
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crenças e valores são mais importantes do que os interesses económicos (criticando Bourdieu e Marx), afirmando
que a normatividade está subjacente às relações sociais. Edward Thompson mostrou que os operários ingleses não
lutavam apenas por interesses económicos, mas também por reconhecimento. Homi K. Babha emprega o conceito
de “entre lugares” como locais de articulação das diferenças culturais de grupos minoritários.

Portugal tem várias influências culturais: célticas, árabes, PALOPs, influências religiosas (Cristã Católica), Fado.
As migrações estão no centro destas dinâmicas. Há, então, uma relação entre o local e o global. Boaventura de
Sousa Santos fala em glocalidade (elementos do global presente no local).

A nível da cibercultura (mundo digital) note-se que o online/ offline, e o virtual/ real não são oposições (apesar de
parecerem não são mundos paralelos); funcionam como momentos diferentes. Hoje os jovens têm maior rapidez de
raciocínio, mas menor capacidade de concentração. A tecnologia e a cultura influenciam-se reciprocamente. Há uma
crença no progresso linear (que a tecnologia conduzirá ao progresso). A ficção científica é o auge do progresso linear
e da cibercultura; muitos termos usados na ficção científica são incorporados na cibercultura.

Destaque-se, então, o carácter mitológico da cultura cibernética (narrativa tecnológica). Desde o século passado
vivemos o sonho de que o mundo vai cada vez ser melhor. Esta narrativa tecnológica está associada à ficção
científica, à subcultura ciberfunk e a um novo futuro. O virtual e o real são mundos que se cruzam, não são paralelos
(ex: pessoas que conduzem com GPS). A Horta já tinha um computador nos anos 50, mas os PCs de secretária
apenas surgiram em 70’. Eram vistos como algo que podia geral desemprego (como um inimigo), mas hoje são fáceis
de usar (sobretudo no lazer), dão prazer, e os programas são personalizados. Mas, a tecnologia continua a gerar
desemprego (ex: caixas automáticas nos supermercados). Muitas pessoas foram despedidas na área das
telecomunicações (antes era preciso mensageiros para entregar mensagens, por exemplo).

Massimo Canevacci (2005) afirma: “Culturas extremas. Mutações juvenis nos corpos das metrópoles”. Formula o
conceito de culturas intermináveis, as quais se alimentam de consumo constante e mediático, e da procura de
juventude (ex: consumo de produtos de beleza, operações plásticas, moda, modificações corporais como
piercings…).

Ao tratar o consumo cultural/ receção cultural importa estudar/ analisar as apropriações e modos de relação
com a cultura dos vários públicos. As mudanças na estrutura social afetam e criam vários públicos (leva à
diversificação cultural/ diversificação de públicos), que têm uma diversificação de classe. Os produtores culturais
estão atentos às mudanças na estrutura social para que possam chegar aos públicos pretendidos.

16. Museus, Património e Turismo Cultural

Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2010) falam em: “a cultura mundo – resposta a uma sociedade desorientada”.
Para Lipovetsky entramos na hipermodernidade nos anos 80, quando a lei do mercado invadiu tudo, e quando as
pessoas passam a ter incerteza no seu local de trabalho, por exemplo. Passa a ser algo híbrido, frágil,
desfragmentado. A cultura mundo é uma extensão do capitalismo, tecnologia e individualismo. É uma cultura
globalizada (é global) – ex: cinema. Altera a relação de nós com nós mesmos e com os outros.

Até aos anos 80, os museus eram lugares austeros, orientados para a preservação da cultura, tradição e valores
para a posterioridade. Os museus do séc. XIX tinham ambições moralizadoras e disciplinadoras. Contudo, deu-se
uma mudança de paradigma nos anos 80. Surge uma missão democrática do museu (pós-moderno), e estes passam
a fazer parte do “marketing urbano” e do circuito do turismo cultural. Deu-se uma mercantilização do património
cultural (conceito associado à “cultura mundo” e ao “museu espectáculo”), que passa a ser um destino turístico das
massas (ex: deu-se transformações na sua estrutura: com cafetarias, por exemplo). Há uma transformação do museu
numa marca “multinacional”.

Segundo Lipovetsky e Serroy, “o universo do museu é cada vez mais estruturado pelas lógicas do espectáculo, do
novo e da sedução, que são as que caracterizam a moda”. O museu é visto como um elemento do desenvolvimento
urbano (ex: Guggenheim em Bilbau foi construído para projectar a cidade); e às vezes funciona como um sistema
franchisado (ex: filial do Louvre em Abu Dhabi).

As caraterísticas da cultura no séc. XXI são: tecnocapitalismo global (capitalismo tecnológico e financeiro),
indústria cultural (comércio da cultura e consumo de massas/ consumismo – criticada por Adorno e Horkheimer),
meios de comunicação e redes informáticas. A cultura deixou de ser de elite (até 80’ era uma cultura restrita

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produzida e consumida pelas elites); hoje é feita para todos, de forma a que consiga ser mais simples de perceber
(ex: Andy Warhol dizia “sou um artista comercial”), dando-se uma mudança de paradigma. A cultura é inseparável
indústria cultural. Ela infiltra-se em todas as áreas e atividades da vida quotidiana (invade tudo) através do mercado
(unifica o mundo através do mercado, o qual influencia a cultura com as suas leis; e constrói marcas, mitos,
narrativas e objetivos para as pessoas – através do Marketing, por exemplo).

Há um paradoxo/ contradição que importa destacar: por um lado há melhores condições de vida
(desenvolvimento da tecnologia, medicina e ciência), por outro há desorientação, insegurança e desestabilização
(características centrais da cultura mundo). Nunca estivemos num mundo tão evoluído, mas com tanta insegurança e
sem sentido. É um mundo marcado pela ansiedade, inquietude, depressão. Por um lado temos um futuro linear (de
progresso infinito), por outro um futuro comprometido (pela incerteza).

Estamos numa época de consumo subjectivo (o qual se mistura com a arte e a cultura), surgindo um turismo
cultural. A UNESCO lançou o conceito de “creative cities”/ “a cidade criativa” (atividades culturais de expressão
urbana). Esta rede de cidades são destacadas pelo desenvolvimento de tecnologia; inclusão de públicos excluídos da
produção cultural; produção de estudos e divulgação dos resultados… Estas cidades levam à emergência de
industriais culturais e criativas sobretudo para promover a inclusão de públicos excluídos da cultura. A “cidade
criativa” no século XXI é caracterizada pela: recriação do espaço urbano; contra um funcionalismo urbano; objetivo
de melhorar a qualidade de vida dos citadinos; animação artística em espaços urbanos; emergência de indústrias
criativas e culturais.

Acerca do debate em torno do turismo cultural, Lipovetsky e Serroy dizem que o setor turístico anexou a arte e a
cultura como elemento mercantil, que, enquanto tal, deve ser tratado como os outros: com marketing, publicidade e
ofertas promocionais. Vivemos no tempo da patrimonialização generalizada em prol do turismo cultural, das
necessidades de um homo consumericus. O mercado absorveu o mundo da arte (ex: museus deixaram de ser um
“refúgio” e passaram a ser locais de venda). Deixou de haver antagonismo entre a cultura e a economia. A expressão
artística foi reestruturada pela lógica do espectáculo das novas estratégias de sedução. A economia tenta apelar à
individualidade, mas ao mesmo tempo homogeneiza o mercado.

Lipovetsky critica a hipermodernidade, mas é optimista. Apesar de vivermos num mundo incerto e
desfragmentado, destaca a reflexividade e a inovação que poderão levar a um mundo melhor. Para isso, deve-se
apostar na educação. A cultura não deve seguir as lógicas do espectáculo nem ser virada para a evasão e prazer
seguindo as regras do mercado, mas sim ser divulgada através da educação de modo a percebermos melhor o
mundo em que vivemos.

Note-se as características da “cultura mundo” (conclusão): sociedade de consumo estende-se à cultura;


cultura deixa de ser produzida pela elite e vocacionada para ela (deixa de ser alta cultura – artes e letras); deixa de
ter carácter antropológico (deixa de ser um conjunto de tradições, valores do passado – museus eram locais de
cristalização e passaram a ser dinâmicos); passa a ser submetida à lógica do mercado (capitalismo cultural); os bens
comerciais (objectos, modas, marcas) passam a fazer parte da nossa cultura do consumo generalizado (a arte
recicla-se segundo as regras do mercado); passa a ser produzida para todos (gerando maior lucro; ex: Andy Warhol);
industriais culturais destinam-se às massas; a oferta cultural é simples, não exige conhecimentos específicos, deixou
de ser complicada e passou a dirigir-se à busca do prazer; vivemos numa massificação cultural. A economia ficou
ligada à cultura, a qual se simplificou e banalizou.

Georg Simmel na obra A Metrópole e a Vida do Espírito (1903) faz uma análise estético-sociológica da cidade. A
cidade é vista como objecto estético; o espírito da cidade é o estatuto singular/ arquetípico da riqueza e
complexidade da vida humana. Faz um estudo das inter-relações com a cultura e sociedade, compara as cidades de
Berlim e Viena às cidades italianas; e considera Roma a cidade relíquia, e Florença e Veneza como as cidades-
museu. Segundo Simmel, afirma C. Fortuna, “a estética da metrópole moderna resultará da capacidade dos sujeitos
para resistirem à lógica individualista, calculista, anónima e mesmo psicologicamente perturbadora que domina as
interacções na grande cidade”.

17. Democracia, Cultura e Cidadania Mundial

A civilização europeia tem a sua génese na Democracia grega (Demos: povo/ Kratos: poder), cuja principal
desvantagem era ser restrita e elitista (só para homens considerados cidadãos da pólis); e cuja principal vantagem

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era ser uma democracia participativa que assentava em princípios comunitários; população governava-se a si
mesma; e era marcada pela rotatividade (ex: nos EUA o presidente não pode ter mais do que 2 mandatos).

A modernidade (após Revolução Francesa) assentou no modelo da democracia liberal, isto é, no primado do
indivíduo (racionalidade individualista) e não da comunidade (relacionado com o conceito de cidadania restrita,
individual, limitada na prática ao direito de voto); sendo marcada pela democracia representativa (ex: Suíços têm
muitos mais referendos que os portugueses). Esta democracia liberal que se impôs no mundo ocidental apoiou-se na
racionalidade individualista, em rutura com as formas clássicas de participação.

Do séc. XIX até à primeira metade do séc. XX os povos começaram a organizar-se em torno de interesses
económicos, sendo que os primeiros contributos vieram da Burguesia e não do Estado. A nível da democracia,
passamos de uma racionalidade participativa clássica (vinha dos gregos e tinha como valor base a comunidade) para
uma racionalidade individualista. O individualismo surgiu com a Revolução Francesa e hoje há um excesso dele.
Hans Kelsen, Schumpeter (criou o termo “ciclos económicos”. Rompeu com o processo linear da economia) e Norbert
Bobbio (defendia a importância dos intelectuais na “coisa pública”, os quais deviam ser a consciência crítica da nação
e pedagogos) têm uma perspetiva liberal. Estes autores partem do pressuposto de que o povo é incapaz de tomar
conta das decisões políticas; não se consegue organizar racionalmente, logo tem de haver representatividade.

Estes pressupostos de inoperância do povo (incapaz de se autogovernar) e o medo das revoluções juntaram-se à
burocracia (Max Weber), justificando e legitimando a democracia representativa. Segundo Max Weber, a burocracia
é uma “jaula de ferro”, é o seu poder que nos condiciona no mundo do trabalho e da política (ela retira poder à
decisão política – ex: os processos atrasam-se).

Cornelius Castoriadis (Uma Sociedade à Deriva – 2005) fala no Capitalismo burocrático que destrói os lugares
tradicionais de socialização e de associação. Critica a privatização dos indivíduos, pois cada vez mais as pessoas
estão fechadas em si próprias (no seu conforto), alienadas da participação democrática. A perda de pertença a
horizontes mais amplos surge com a modernidade: antes as pessoas não tinham mobilidade social (não havia
ascensão social) e praticamente não havia lutas por reconhecimento, o qual advinha da posição em que nasciam e
dos pais (o mundo estava definido à priori; os indivíduos viviam segundo os princípios comunitários). A comunicação
de massa reforçou a pertença ao “consenso social” com base em normas estandardizadas e práticas ritualizadas. O
problema da contemporaneidade é o défice democrático e fraco espeito cívico (esfera pública oca de pensamento). É
necessário instaurar uma verdadeira democracia.

René Descartes separou a razão da emoção e a alma do corpo. Assim, se estão separados, a razão pode
dominar o corpo, logo o homem pode controlar-se a si e aos outros (usando-os como meios, surgindo assim a
racionalidade instrumental).

Para Charles Taylor (é comunitarista/ oposto à perspetiva liberal) as doenças da modernidade são:
individualismo (anomia, apatia social, narcisismo e hedonismo – exagero do individualismo); racionalidade
instrumental (ligada ao individualismo. Ela pondera os meios mais simples para um fim, baseando-se na eficácia e
eficiência. Ela e rotina simplificam a vida; o problema é que ela domina/ invade tudo. Habermas defende uma
racionalidade comunicativa, dizendo que o “sistema” é a racionalidade instrumental. Kant defendia que as pessoas
não devem ser meios para atingir fins; elas são fins); despotismo do Estado e apatia política (Estado invadiu/
regulamentou tudo primeiro através dos interesses económicos. Tocqueville fala em despotismo suave: temos menos
liberdade, pois há mais regras. Este despotismo provocou uma apatia política – as pessoas estão centradas na
“ordinary life”, sentindo-se impotentes para influenciar o rumo dos acontecimentos, não indo votar).

A comunicação de massas cria regras standard e rituais. Estas normas e práticas ritualizadas fomentam um
consenso geral social, o que contribui para a apatia social. Cria uma opinião pública através da projecção de alguns
especialistas. Contribui para a nossa uniformização (apesar do individualismo). Para Castoriadis, a cultura é “todo o
imaginário social instituído” (imaginário: tudo o que não é palpável). Ele é contra as grandes utopias, achando que se
deve dar lugar à imaginação.

Habermas fala em “modernidade inacabada”, dizendo que é preciso repensar e reavivar o conceito de sociedade
civil. O modelo Habermasiano aponta para a tensão entre a narrativa de um declínio democrático e a busca
minuciosa de novas possibilidades emancipatórias. Nos anos 80 tentou vencer o pessimismo da 1ª Geração da
Escola de Frankfurt (que concluiu que a razão não conduzia à emancipação, mas sim ao totalitarismo) com a teoria
da ação comunicativa. Afirmava que a racionalidade comunicativa se devia basear na igualdade do diálogo de
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forma a chegar a consensos (é utópico porque pressupõe a igualdade da participação de todos). Esta racionalidade é
oposta à racionalidade instrumental: a primeira baseia-se no “mundo da vida” (família, lazer, linguagem,
cooperativismo, associação); a segunda baseia-se no “sistema” (Estado, economia, trabalho, media sistémicos). Para
Habermas o problema da modernidade é a colonização do “mundo da vida” pelo “sistema”, achando que é preciso
reabilitar a sociedade civil para contrariar esta colonização. Pretende a reinvenção da cidadania com novas formas
que conciliem o político e o social. A sociedade civil deve ser a instância de defesa do mundo da vida; espaço de
iniciativa dos cidadãos na defesa dos direitos individuais e na atuação contra a sobrevivência de mecanismos não
democráticos. Axel Honneth (3ª Geração) detetou um deficit sociológico na teoria de Habermas: como podemos
participar igualmente se temos educação (por exemplo) diferente? Temos de ter em conta a linguagem não-verbal,
origem das lutas sociais e do conflito. Na sua origem estão as pretensões de reconhecimento (na esfera privada
pretendemos um reconhecimento de sermos únicos; na esfera pública um reconhecimento de igualdade).

Veja-se algumas definições de cidadania: J. J. Rousseau (cidadãos lives e direitos iguais); J. Habermas (“a
cidadania é a luta pacífica através da esfera pública, que é dialógica”); F. Hayek (conduta baseada no
autodesenvolvimento e cooperação voluntária); Adela Cortina (status legal: conjunto de direitos; status moral:
conjunto de responsabilidades; identidade: pertença a uma sociedade). Em Ética da Razão Cordial – 2007 defende a
universalização das normas através do diálogo (não deve ser só razão, também deve é História, cultura…), as quais
se devem fundamentar nos Direitos Humanos.

A nível da Globalização e Cidadania pretende-se uma nova articulação de direitos e compromissos sociais; um
conceito de cidadania mais fluido e dinâmico; uma cidadania complexa, pluralista e diferenciada (relação dialégica
entre cidadania nacional, transnacional e cosmopolita); reinvenção da cidadania que seja multicultural e cosmopolita.

Concluindo, frente ao desgaste (se não mesmo a crescente exaustão) dos regimes democráticos torna-se
urgente incentivar cidadanias cívicas e políticas que se projectem numa nova dimensão. É necessária uma
reinvenção de novas formas e mecanismos de exercício dos direitos cívicos e políticos, bem como novas conceções
de construção da cidadania e da esfera pública democrática. É necessário promover uma rutura com o individualismo
conformista e consumista.

Portugal tem défices democráticos. A cultura democrática é ainda demasiado incipiente. O desrespeito pelos
direitos, a insensibilidade social e humana, a existência de medos no quotidiano de trabalho, nas instituições
organizações (públicas ou privadas) ilustram a ineficácia/ impotência dos direitos de cidadania e a fragilidade da
nossa democracia.

18. Intelectuais: os mediadores culturais

O conceito moderno de intelectual (como alguém que intervém) surgiu com o Affaire Dreyfus no séc. XIX (1874)
em França. Alfred Dreyfus era um oficial do exército francês de origem judaica que foi condenado injustamente.
Houve, assim, uma revolta de intelectuais franceses sobretudo com a crítica de Émile Zola com o artigo J’acuse! no
jornal L’Aurore. Tal como Zola, também Marcel Proust ficou indignado com a Affaire Dreyfus.

Os intelectuais são homens das artes, ciências e letras que mobilizam a opinião pública através da sua crítica.
No século XVIII deu-se duas grandes transformações: a Revolução Francesa (defesa dos ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade, e a implantação da República. Ela deu-se na esfera das ideias e do pensamento), e a
Revolução Industrial (no plano económico e comercial). Como principais autores temos: Victor Hugo, Émile Zola,
Dostoievski, Máximo Gorki, os quais consideravam que a literatura tinha uma grande influência na sociedade.

Com a Revolução Bolchevique (1917 – Rússia) surge o conceito de “intelligentsia” (envolvimento dos intelectuais
na Revolução Bolchevique). Estes acontecimentos contribuíram para o surgimento do intelectual como uma nova
classe social. No séc. XX aparecem diferentes noções/ representações de intelectual: para António Gramsci, o
intelectual era de esquerda, independente, autónomo da política e não académico. Para Jean Paul Sartre, o
intelectual devia estar ligado (engajado) à política.

O século XX foi marcado pela barbárie (gulags, guerras mundiais, terror nuclear…), provocando um
desencantamento do mundo por parte dos intelectuais e uma crise intelectual, porque até então se acreditava que
a razão iria triunfar (mas levou ao horror). Então, foi posto em causa o progresso histórico linear (o progresso da
razão), surgindo visões pessimistas da História: Escola de Frankfurt (Teoria Crítica Alemã surge nos anos 30 com
Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, e Walter Benjamin. Pretendiam produzir uma teoria social
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baseada no Marxismo – com o progresso linear – e na psicanálise de Freud – a qual liberta o ser humano das suas
maleitas interiores); Nietzsche (Assim Falava Zaratustra) e Bertold Brecht (os quais falavam na recusa da civilização).

Surge o absurdo no teatro com Adamov e Ionesco e na literatura com Heinrich Böll. Na literatura surge a morte
do autor (“Nouveaux Roman”), por exemplo: Alain Robbe-Grillet. Estes novos movimentos do teatro e literatura
salientam a reificação da sociedade e a morte do indivíduo (associado à cultura de massas e à imprensa). Para
Almeida Garrett, devia haver uma ligação entre a arte e o público; entre a ética e a estética. O intelectual tinha uma
responsabilidade social e devia ser uma pessoa íntegra. Já Ludwig Wittgenstein (1993) diz que “a ética e a estética
são uma só e a mesma coisa”.

Desde o Affaire Dreyfus havia uma linha que ligava os intelectuais à crítica, a qual deve ser uma crítica das
ausências e das alternativas de que fala Boaventura de Sousa Santos: devemos ver as alternativas que podiam ter
existido ao que temos hoje e tentar desvendar alternativas futuras. As ciências sociais não se devem limitar a
justificar a realidade (a História não é uma fatalidade). Os intelectuais devem procurar alternativas diferentes no
passado e no futuro. Umberto Eco (2003) afirma: “o verdadeiro intelectual deve expressar ideias inovadoras por
escrito, é como um pedreiro que dedica seu tempo livre a ajudar na reforma da sede do partido”. Edward Said
(“interessa compreender o intelectual enquanto figura representativa – alguém que visivelmente representa certo
ponto de vista, e alguém que articula as representações a um público, apesar de todo o tipo de barreira”) fala-nos do
intelectual enquanto figura representativa de certas ideias inovadoras (que muitas vezes originam movimentos
sociais) e que as articula com um determinado público (vai ao encontro de Sartre, que defendia uma intervenção e a
literatura como força libertadora da alienação humana).

França foi o país onde as tomadas de posição dos intelectuais face aos media foram as mais veementes e onde
as críticas à cultura veiculada pela televisão foram as mais vivas. Surgiram revistas intelectuais de renome: Les
Temps Modernes, Esprit… Surge um intelectual preocupado em encarnar o papel de profeta dos tempos modernos,
em lutar contra todo o tipo de injustiças, apresentando-se como uma espécie de consciência universal, à imagem de
Sartre. Raymond Aron (L’opium des intellectuels – 1955) apresenta a tipologia dos intelectuais: 1º os escritores, os
sábios, os artistas; em 2º os professores, investigadores, críticos; em 3º os vulgarizadores, os jornalistas; em 4º os
médicos, juristas e engenheiros.

Com Sartre, Heidegger, Jaspers, Kierkegaard surge o Existencialismo (Sartre tem um livro intitulado:
Existencialismo é humanismo). Para esta teoria, a existência é anterior à essência. Primeiro existimos e depois temos
a responsabilidade sobre a nossa vida e realização. O indivíduo é que dá sentido à sua vida. Para Sartre o intelectual
deve lutar por ideias universais: liberdade, igualdade e razão.

Theodor Adorno em Mínima Moralia critica os intelectuais (e “pseudo-intelectuais”. E enaltece o papel dos
“verdadeiros” intelectuais), porque se diluíram na cultura de massas e na sociedade de consumo. Critica os
intelectuais institucionalizados, acomodados/ conformados, “fechados nas sias torres de marfim”, e esvaziados de
espírito crítico. Eles devem ser irreverentes e procurar ideias inovadoras. Neste contexto de democratização e
massificação, a arte perdeu a sua aura: “a arte vendeu a sua alma ao mercado”. Surgiu a cultura mainstream
(popular) e perdeu-se a conceção artística e a aura que envolvia a obra de arte. N. Chomsky (Intervenções) critica
os intelectuais como os novos “deuses falsos”. George Steiner (Nostalgia do Absoluto) afirma que o intelectual deve
alertar o “desfasamento entre a verdade e a sobrevivência humana, entre a busca racional da verdade e os ideais
contrastantes de injustiça social”.

Marcuse afirma em Homem Unidimensional (1964): “a crença que o real é racional e que o sistema vai
disponibilizar as coisas boas reflecte o novo conformismo que é a faxe da racionalidade tecnológica (e instrumental)
no comportamento social”. Surge, assim, o conceito de “happy consciousness”: o conformismo, a crença de que as
nossas condições vão sempre melhorar. Segundo Adorno e Horkheimer, o que a causa é o populismo lúdico (ex:
televisão tem um ritmo acelerado que não nos deixa lugar à reflexão, fazendo com que tenhamos menor capacidade
crítica. Os media mostram-nos uma parte da realidade como a realidade total e apresentam especialistas que criam
uma opinião pública). Adorno critica o homem moderno que já não satisfaz com o presente, procurando sempre a
novidade. Goethe diz mesmo que se um arco-íris dura mais de 15 minutos ninguém repara nele. Vivemos numa
fugacidade. Os media filtram a realidade e penetram na nossa existência, influenciando a nossa identidade (ex:
moda), criando novos desejos e aspirações, destruindo/ limitando a criatividade do sujeito. Dão-nos a capacidade de
fuga do real e fomentam um estado de hipnose com a criação de supostas realidades (indústria cultural).

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Para a Escola de Frankfurt, a arte de massas representa a autodestruição dos valores iluministas através da
transformação perversa do pensamento em mera mercadoria comercial. Benjamin dizia que o significado estético
passou a ser igual ao efeito, receção e sucesso no mercado cultural (“a arte vendeu a sua alma ao mercado”).
Enquanto a 1ª Geração foi pessimista, a 2ª (Habermas) tentou vencer o pessimismo com a teoria da ação
comunicativa. Com esta teoria pretende a descolonização do “mundo da vida”. Os intelectuais devem contribuir para
a descolonização através do diálogo (ação comunicativa).

Francis Fukuyama (O Fim da História e o Último Homem) diz que: “a economia moderna cria uma nova
necessidade por cada desejo que satisfaz. Os homens tornaram-se infelizes devido ao fosso contínuo entre os
nossos desejos e a sua realização”.

É necessário: resistência e consciencialização dos intelectuais face à opacidade, à “barbárie” civilizacional, à


depravação das condições democráticas, à redução do espírito humano, à grande máquina e à “submissão total da
sociedade à autonomização dos mercados”. É importante que os intelectuais tenham a capacidade de regenerar o
humanismo.

Características do intelectual moderno: deve negar e resistir ao “establishment” (sistema instituído);


salvaguardar a sua autonomia e liberdade de expressão; deve denunciar: a razão técnico-instrumental, a degradação
dos valores humanistas, o domínio da lei do mercado e do lucro, o individualismo narcisista e hedonista que
conduzem à anomia (apatia social), a perda de liberdade e a regressão das democracias. Em suma, devem resistir à
submissão total da sociedade à autonomização dos mercados, de forma a regenerar o humanismo. Características
do Intelectual na era global: “autónomo, cosmopolita, iluminista e crítico que desafie as ideologias míopes e nos
conduza para uma nova ‘humanidade’ que exalte primordialmente a criação de um novo ‘imaginário cultural e
político’, que alerte sobre a nova relação dialética entre a sociedade global e a fragmentação cultural, que incentive a
tolerância nas relações interculturais e valorize a complexidade do homem moderno” (Pilar Damião, Perspectivas,
2010).

19. Cultura e Agentes Culturais

Políticas culturais nos Açores: o Teatro Micaelense (está a celebrar 10 anos) proporciona bilhetes baratos e
descontos para democratizar o acesso à cultura. Este sofreu um declínio devido ao cinema e televisão. A tecnologia
condiciona a cultura (ex: muitas pessoas fazem download ilegal de filmes antes de estes estrearem nos cinemas; as
operadores – NOS – disponibilizam videoclubes digitais…). A popularidade dos artistas (através dos media)
condiciona a venda de bilhetes. Os Teatros têm hoje um sistema educativo para as crianças. Os museus já não são
lugares estáticos (ex: Museu Móvel para cativar públicos mais longínquos). As famílias devem acostumar os filhos a
frequentarem espaços culturais, pois a cultura pode levar à mudança de mentalidades. O interesse cultural nem
sempre é condicionado pelos recursos económicos (ex: requisição de livros na Biblioteca). Os agentes culturais
criam e provocam iniciativas culturais (o Teatro tem uma grande abrangência de agentes: desde o Folclore até
autores de livros…). Um museu pressupõe património e uma população de escala, pelo que o Corvo não tem um (vai
ter um eco-museu em que casas desabitadas vão ser reabilitadas para o turismo rural).

20. Cultura e Políticas Culturais/ Políticas Públicas e Agentes Culturais

João Teixeira Lopes (Da Democratização à Democracia Cultural – 2008) apresenta a tipologia das políticas
públicas culturais: carismáticas (desenvolvidas pelos governos de direita para as elites e públicos conceituados),
políticas de democratização cultural (desenvolvidas pelos partidos de esquerda), políticas de democracia cultural (são
políticas de acesso e formação artística e cultural, e influenciadas pelos novos movimentos sociais).

As políticas culturais não são: um conjunto de iniciativas desarticuladas; panem et circenses (“pão e circo”/ não
são espectáculos); uma tentativa de impor uma cultura oficial (tal como os países comunistas tentaram); populismo
demagógico; não devem ser compartimentadas em função do público-alvo.

As políticas públicas combinam cultura e poder. Mas onde está a legitimidade das políticas públicas culturais? São
feitas com o dinheiro de todos, mas dirigidas a apenas alguns (políticas carismáticas). Só pode existir democracia
com igualdade. Veja-se os vários princípios orientadores de uma política cultural pública norteada para a
democracia cultural:

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 Defesa do papel regulador e interventivo do Estado (pelos Açores não terem uma sociedade civil forte, o
Estado tem de intervir. Este papel deve ser defendido, porque vivemos num mundo neoliberal em que as
regras do mercado influenciam a nossa vida).
 Dupla recusa: não fazer uma política cega às falhas do mercado. A intervenção do Estado deve ter
mecanismos de auto e hétero-vigilância (para que não haja abusos de poder. Ás vezes há a tentação de
câmaras municipais de manipular as políticas culturais para propaganda política…).
 Estratégia de suporte à participação cultural (“Participar” vem do latim e significa “partilhar”. A estratégia
de suporte consubstancia-se no trabalho em rede de vários agentes culturais públicos ou privados. O objetivo
é evitar a tentação do poder político em instrumentalizar a cultura – racionalidade instrumental – de forma a
reforçar o poder simbólico do Estado, para que as políticas culturais sirvam o interesse do público e não de
quem a produz. Há um cruzamento da Sociologia da Cultura e com a Sociologia da Política).
 De forma a limitar o uso instrumental da cultura, deve-se institucionalizar um conjunto de respostas a
projetos de propostas culturais por parte de agentes públicos ou privados (ex: regulamentos de
concursos públicos. O objetivo é a prestação de um serviço público em que o Estado, dando poder a outros
agentes, se autolimita.
 Lidar com o Estatuto dos Artistas (em França existe este estatuto, mas em Portugal não. Não havendo
autonomia e segurança económica dos agentes – que ficam dependentes dos concursos do Estado -, mais
facilmente estes estão condicionados em relação à sua criatividade, por exemplo. Assim, artistas muitas
vezes têm de se tornar professores para se poderem sustentar, por exemplo. Em Portugal há uma minoria de
pessoas ligadas à produção cultural).

Para Habermas, a esfera pública é o oposto do “sistema”. Por sua vez, J. T. Lopes usa o conceito de espaço
público urbano. Habermas desenvolveu a teoria da ação comunicativa, a qual está assente em várias
condições: igualdade de acesso de oportunidades ao debate público; todos devem ter a possibilidade de expor
os seus argumentos; comprometer-se a dizer a verdade; vence o melhor argumento. Contudo, não existe
igualdade de acesso ou a possibilidade de todos exporem argumentos. A crítica a esta teoria refere-se ao facto
de ela ser demasiado abstrata e universal, porque ignora as diversas formas plurais e os contextos específicos.
Por isso, J. T. Lopes defende o conceito de espaço público urbano, que é mais concreto e que promova a
diferença, alteridade, contradições, aceitação do conflito, valorização da diferença do outro. O autor diz que os
novos centros comerciais não são espaços públicos, pois são orientados pela lógica do panóptico (é um
sistema de construção de edifícios que permite de determinado ponto avistar todo o interior do edifício. É usado
para a construção de edifícios totais como cadeias para vigiar todos e para haver controlo.

J. T. Lopes recusa os espaços públicos orientados pela lógica do panóptico, e diz que há uma preocupação
de ocupar os espaços públicos, não deixando existir um espaço fluido. Defende um espaço público que promova
a “conversa no meio da desordem”.

Os pressupostos da teoria da ação comunicativa (objetivo é atingir um consenso intersubjectivo) são: cada
sujeito deve procurar que o seu discurso seja compreensível; compromete-se a dizer a verdade; deve ser
sincero; deve empenhar-se a adequar a sua atitude às normas existentes que regulam as relações interpessoais.
A principal crítica refere-se ao facto de que nem todas as pessoas conseguem seguir estes pressupostos (ex:
pessoas muito pobres e excluídas não conseguem expor os seus argumentos). Honneth fala em pretensões de
fala (linguagem não-verbal). A teoria de Habermas é criticada por apenas servir para uma elite e por ser utópica.

Há vários autores que defendem a “renda mínima”: Honneth (Teoria do Reconhecimento), Nancy Fraser (diz
que há lutas por reconhecimento e distribuição – ex: movimento feminista), Alain Caillé (fala-nos no movimento
anti-utilitarismo e da teoria da dádiva de Marcel Mauss. Para que a dádiva seja legítima deve ser livre, original e
desinteressada. Nós é que sentimos a necessidade de retribuir), Boaventura de Sousa Santos.

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