Ao compararmos as manifestações populares ocorridas no século XIX e início
do século XX e as presenciadas em junho de 2013, século XXI, o aspecto mais
marcante de compatibilidade são os locais onde se sucederam, os centros urbanos. Locais de maior reunião de pessoas, havendo mais trocas de informações, onde há maior proximidade com os representantes, possibilitando negociações. Por exemplo, um grupo determinado sofre por um problema específico que pode ser o mesmo de outro grupo. Ao entrarem em contato, nas cidades, eles trocam experiências e se unem para se mobilizar contra um malefício em comum. Assim, as cidades sempre foram cenário de transmissão de ideologias e valores, desde a Antiguidade, onde eram o centro da política e da sabedoria até as grandes revoluções que mudaram o mundo como a Primavera dos Povos em 1848 ou a Revolução Francesa.
Em ambos os séculos, é interessante notar como os motivos para as
manifestações populares se assemelham, salvaguardando, obviamente, os contextos específicos de cada uma delas. A movimentação tem sempre como estopim um fator de cunho econômico, que nos casos analisados foi o aumento do preço das tarifas de transportes públicos. Entretanto, a raiz dos problemas é de caráter social. Durante os séculos XIX e XX, os embates no Rio de Janeiro se travaram devido aos projetos do “Bota Abaixo” de Pereira Passos, cujo objetivo era modernizar a cidade aos moldes parisienses, com o alargamento das ruas, por exemplo, e com a derrubada dos cortiços, provocando o deslocamento da classe mais pobre da população, majoritariamente formada por ex-escravos, os quais começaram a ocupar as periferias e a formar as primeiras favelas do Rio; e de melhorias sanitárias que estão atreladas à mesma finalidade do primeiro curso descrito e nas quais se incluía a obrigatoriedade da vacinação imposta sobre a população, através da força e da violência. Isso porque a própria vacinação fazia parte de novos métodos científicos ainda pouco divulgados e, portanto, conhecidos. Além desses, outra manifestação urbana do período analisada seguiu um viés político: militares do exército de baixas patentes, em realidade representantes da “baixa classe média” lutaram contra o seu desprestígio político e a favor de sua participação nesse cenário, destoando o movimento dos demais. Já as manifestações decorridas em junho de 2013, predominantemente, defendiam um maior controle e clareza dos gastos públicos, em especial, em relação a construções para eventos esportivos de porte mundial; a melhoria dos serviços públicos, com o foco em educação e saúde e o combate à corrupção e impunidade política, além, é claro, da 1 redução nos preços das passagens dos transportes urbanos. Assim apresentadas as especificidades de cada momento, nota-se que tanto a população carioca dos séculos XIX e XX, quanto o povo brasileiro do século XXI luta por um mesmo propósito: a validação da sua cidadania; o desejo de inclusão nas decisões e de um respeito por parte do governo ao cumprir com as suas obrigações.
Seguindo este mesmo caminho, as formas de manifestação, apesar de terem se
ampliado expressivamente com o avanço da tecnologia de informação, ainda apresentam pontos de convergência com as atuações nos séculos XIX e XX. Em ambos os períodos, os grupos envolvidos se mobilizaram e foram às ruas reivindicar as suas metas dando início a cenas de “quebra-quebra”, de destruição de mobiliário público, de transportes e de propriedade privada, provocando a reação dos governantes e abrindo espaço para negociações. Durante o século XIX, houve também a marcha dos rebeldes e a coluna Prestes com o tenentismo. Toda essa turbulência sendo vinculada pela imprensa escrita, único veículo de informação expressivo da época. No século XXI, entretanto, não somente podem-se publicar notícias via material escrito. As manifestações contemporâneas contaram com a cobertura e o suporte da mídia televisiva e principalmente da rede digital, através da qual muitas foram organizadas. Os pontos positivos dessa ampliação para a rede digital é a possibilidade da notícia instantânea, o desmascaramento da manipulação regida pela mídia televisiva, até então única detentora da informação, e consequentemente uma maior adesão do povo brasileiro à causa, o que explica a extensão do movimento por todo o país. Uma característica de destaque dessa nova onda de protestos é a sua faceta pacífica, com passeatas e greves, algo que não se apresentado nos séculos anteriores. Em parte, se pode compreender tal atitude ao considerar-se que as manifestações foram promovidas pela classe média, que a incentivou com o objetivo de protestar sem perder a sua influência. Da mesma forma houve uma crítica severa aos “quebra-quebras” taxados vigorosamente de vandalismo.
Em resumo, as manifestações populares urbanas dos séculos XIX, XX e XXI
possuem muitas características em comum: a cidadania e a luta contra o descaso do governo como objetivos motivadores, as formas de protesto e os locais de atuação. A grande diferença são os grupos envolvidos e os meios de divulgação. Enquanto nos séculos passados quem ia as vias públicas defendendo sua posição eram as classes mais pobres, atualmente não são somente essas, mas a classe média que se encontra cansada 2 de pagar impostos e não ter seus serviços garantidos por lei atendidos e de confiar na política brasileira, que cada vez mais se afunda em casos de corrupção. Além disso, com as inovações tecnológicas e a consequente rapidez nas trocas de informações e fluxos, a visibilidade dos movimentos alcançou níveis mundias conferindo mais força para tais. E, talvez, a mais importante diferença se encontre no caráter dessas novas manifestações. São as primeiras a se colocarem a favor de mudanças e não exclusivamente contrárias a algo já estabelecido. São manifestações apartidárias, mas que apresentam prospostas de mudanças significativas, que calam aqueles que acreditam serem os brasileiros um povo distante das instâncias políticas e pacífico por natureza e que acima de tudo, servem de exemplo para os vizinhos sulamericanos que enfrentam problemas semelhantes.