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Ne Ss. JACQUES LE GOFF O MARAVILHOSO EO QUOTIDIANO NO OCIDENTE MEDIEVAL . O Maravilhoso no Ocidente Medieval O problema do maravilhoso numa civilizagao, numa sociedade, enfrenta-se antes de mais a um n{vel que, se nao é o mais fundamental, € em todo 0 caso primordial: 0 do vocabulério. Creio ser impossivel levar por diante um estudo sério sobre tal tema se antes nao se fizer um reconhecimento adequado do campo seméntico do maravilhoso. Tenho de limitar-me aqui a algumas consideragSes elementares, das quais nao € no entanto licito fazer tébua rasa. A primeira é que, quanto a mim, o termo me parece muito bem escolhido. O «maravilhoso»: trata-se em primeiro lugar de saber 0 que € que entendemos por maravilhoso e de compreender, em segundo lugar, como € que os homens da Idade Média entendiam e exprimiam aquilo a que nés hoje chamamos maravilhoso. No Ocidente medieval havia um termo correspondente. Em ambiente culto era de uso corrente na Idade Média 0 termo mirabilis, que tinha mais ou menos o mesmo sentido do nosso adjectivo. Contudo, h4 que sublinhar que os clérigos da Idade Média, se quisermos ser precisos, n&o dispunham de uma categoria mental, literdria, intelectual, que seja exactamente sobreponivel aquilo a que nés chamamos o maravilhoso. Ao nosso «maravilhoso» corresponde mais o plural, mirabilia. Se se pode portanto reconhecer uma continuidade de interesse entre a Idade Média e nés por um mesmo fenémeno a que chamamos «o maravilho- so», deve notar-se que, onde nés vemos uma categoria — uma categoria do espirito ou da literatura -, os homens cultos da Idade Média e os que dela recebiam a sua prdpria informacdo e formagiio viam, sem diivida, um universo — e isto é muito importante —, mas um universo de objectos, uma colec¢ao mais que uma categoria. E temos depois 0 problema da etimologia. Com o termo mirabilia estamos perante uma 15 9 NO OCIDENTE MEDIEVAL |ANO ? H © MARAVILHOSO E 0 QUOTID! o de visivo. Trata-se de yp penas coisas que o homem se arregalam og omporta alg ‘ A rari) que © raiz mir (miror, mirari) q| iment olhar, Os mirabilia nao s40 natural pode admirar com os olhos, coisas nari 4 éy ta re . olhos; originariamente ha, porém, est imagindriO le organizar-se 4 rece importante, porquanto todo um i da vista, € em torno de uma série volta desta ligagao a um sentido, o da 1s da visdo. Se pensarmos no de imagens e metaforas que sao tT Le Miroir du merveilleux muitas vezes citado livro de Pierre Mabi jmagdo particularmente per. (1962), somos levados a fazer uma aprox} j, mirabilia (maravilha) ¢ tinente para o Ocidente medieval entre Ce onde o italiano specchio miroir (embora o latim tenha aqui speculum, belece parentescos) ¢ fe o portugués «espelho»]; mas 0 francés restab “do miroir-espelhe tudo aquilo que um imagindrio e uma ieee e. sob lalenity podem representar. Depois do nivel do vocabul LcaRiaNGAbg aspectos, como acabamos de ver, a partir deste nivel el esas perante um grande problema: atrs e — cronologicamente ~ 66 alia Iingua das pessoas cultas, depois da lingua douta, o latim, ha as Iin- guas vulgares. Uma pesquisa sobre o maravilhoso no mundo medieval R&o pode descurar 0 contributo das linguas ditas vulgares. Uma vez mais, limitar-me-ei aqui a uma observacao simples, mas fundamental: quando as linguas vulgares emergem e se tornam Iinguas literdrias, 0 termo maravilha aparece em todas as linguas romanicas e também no inglés. Em contrapartida, nao existe nas linguas germanicas, onde o campo do maravilhoso se articularé de preferéncia A volta de Wunder. Nao creio — mas poderei estar enganado - que os filésofos tenham explorado este terreno. Uma vez evocado 0 problema do vocabulitio, parece- Poem trés grandes questdes a propésito do maravilhoso n Mediaem rele hornga omens hmens Tae r S recebida, E esta é uma questao particularmente importante. Sabemos. que em geral, n civilizagao, numa cultura, se pe o problema destas herame ou™ que eu prefiro ao de fonte ou de origem, porque em fone ooneeitO se insere de algum modo uma ideia de desenvolvimento gnu riBe™ eu diria quase automético, coisa que nio me parece gang RATIO, Situagdes hist6ricas coneretas. Em «heranga», pelo contra onder as 'um conjunto que de certo modo se nos impée (uma heranea 7 ou Veio no se cria); ¢ essa heranca obriga a um esforgo, parg aa Tecebe-se, modifci-la ou para ejeité-a, quer anivel colective ques ive Para 1 indivi- ‘me que se 10 Ocidente erang m fon 16 | | | © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL dual. Com efeito, nao obstante a pressio que a heranga exerce, pode-se em tiltima andlise rejeit4-la e em todo 0 caso utiliz4-la, servir-se dela, adapté-la desta ou daquela maneira. Isto é particularmente verdadeito para a sociedade cristd (e € de crer que o seja também, por exemplo, para a sociedade muculmana), pois que o cristianismo se expande por mundos que trazem como patriménio culturas diversas, antigas, ricas, ¢ o maravilhoso, mais do que outros elementos da cultura e da menta- lidade, pertence exactamente aos estratos antigos. Todas as sociedades segregam — umas mais outras menos — maravilhoso, mas alimentam-se sobretudo de um maravilhoso anterior — no sentido baudelairiano -, de antigas maravilhas. Trata-se de um elemento muito importante da heranga, Antecipando um pouco um outro problema, avanco desde j4 a convicgdo de que o cristianismo tenha criado pouco no campo do maravilhoso. Eu tentei, ndo digo definir — 0 que seria demasiado ambicioso -, mas identificar um maravilhoso cristo. E hi-o, sem dtivida; mas nao representa no cristianismo nada de essencial, pelo que tenho a impressdo de que se formou apenas porque ja havia essa Presenga e essa pressio de um maravilhoso anterior, perante 0 qual © cristianismo no podia deixar de pronunciar-se, de tomar posigio. O sobrenatural, 0 miraculoso, que constituem o que € o princfpio do cristianismo, parecem-me diferentes, por natureza e fungdo, do «ma- ravilhoso», embora tenham marcado com o seu selo o maravilhoso cristo. O maravilhoso da época crista parece-me pois substancialmente encerrado dentro destas herancas anteriores, de que encontramos alguns elementos «maravilhosos» nas crengas, nos textos, na hagiografia. Na literatura encontra-se quase sempre um maravilhoso cujas raizes sio pré-cris Dado que estas herangas sfio herangas que continuaram, 0 cris- tianismo encontrou-as diante de si ao longo de toda a sua existéncia. A titulo de hipétese de partida, parece-me que uma periodizagao das atitudes dominantes dos dirigentes intelectuais e espirituais do Oci- dente medieval permite captar a evolugao dos modos de colocar-se em relagiio ao maravilhoso. Durante a alta Idade Média, mais ou menos do século v ao século x1, € extremamente dificil adoptar, no campo da cultura, uma cronologia muito pormenorizada. Em geral, creio poder dizer-se para este perio- do que se verificou uma espécie, se no de rejeico, pelo menos de repressdo do maravilhoso. No decurso dos meus estudos ocupei-me da hagiografia da alta Idade Média, em particular da hagiografia me- rovingia, mais ou menos ao mesmo tempo em que a estudava, num 7 © MARAVILHOSO E 0 QUOTIDIANO NO OCIDENTE MEDiEy,, . : jlega checoslovaco q trabalho muito mais aprofundado, © col O ag meen conti Graus('), e ambos chegdmos sensivelme! i Clusty . Iclore, os textos hagiograficos qa Para quem vai a procura de folclore, a is alt édia si a primeira andlise, muito frustrany Idade Média so, pelo menos a uma pI trate, r - Iher neles uma grande cépi, © se caimos na ilusio de poder reco! arms i or ser Magro, a primeira yj, dados etnolégicos, o balango acaba Pp Seen . O que neles encontramos é essencialmente a P! Parte q, P A significado de tal modo noy, Igreja de transformar — até dar-lhe um ee ae 0. que fenémeno que temos perante 8d 5 wae ara ela represen, . ocultar e eventualmente até destruir aquilo a ie tradicional tava um dos elementos quicd mais perigosos da rho so ae a Eas globalmente qualificada como paga: 0 maravilhos a a bre 0S espiritos uma evidente sedugao, que constitul um: S0es na cultura e na sociedade. 4 " “ = ncontr: Nos séculos xi e xin, pelo contrario, parece re te om im uma irrup¢%o do maravilhoso na cultura dos doutos. Nao 1 as aa tharej aqui a exprimir uma valoragdo nem a dar uma explicago a = Mas, globalmente, penso que se pode dizer duas coisas. Aha Tetomo as hipsteses de Erich Kohler sobre a literatura cortés ligada aos interesses Sociolégicos e culturais de uma faixa social ao mesmo tempo €m ascensdo e j4 ameagada: a pequena e média nobreza, a cavalaria, E 0 seu desejo de opor a cultura eclesidstica ligada a aristocracia nig J4 uma contracultura, mas sim uma cultura diferente, que sente como mais condizente com a sua {ndole e da qual pode fazer mais tranqui- lamente aquilo que quer, que a leva a chegar até uma reserva cultural existente, ou seja, aquela cultura oral de que o maravilhoso é um ele- mento importante. Nao é Por acaso que o maravilhoso tem um papel tao grande nos romances de corte. O maravilhoso est4 profundamente ligado a esta procura da identidade individual e colectiva do cavaleiro idealizado. O facto de as provas do cavaleiro passarem por toda uma série de maravilhas — maravilhas que ajudam (como certos objectos mégicos) ou maravilhas que € preciso combater (como os monstros) ~ levou Erich Kihler a escrever que a prépria aventura, representada Pela valentia, pela procura da identidade por parte do cavaleiro no mundo da corte, é em tltima andlise ela prépria uma maravilha(?), Por outro lado, o que a meu ver pode explicar a irrupcio do mara- vilhoso néo € apenas a forea da sua pressdo, mas sim o facto de que a Igreja jé ndo tem raz, como de facto tinha na alta Idade Média, para levantar barreiras contra o maravilhoso. Ele é agora men m 05 perigoso, a ponto de a Igreja poder jé domesticé-lo, recuperé-lo, f ¢ aa 18 © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL io proveniente de uma certa base laica e a relativa a da Igreja que explica a irrupgao do maravilhoso na €poca gotica, A terceira fase é um pouco diferente, porquanto embora permaneca sempre fundamental uma explicagao de tipo sociolégico, o que permite dcfini-la sao sobretudo consideragdes mais propriamente literdrias e in- telectuais. E aquilo a que eu chamei a «estetizagdo» do maravilhoso. O segundo problema que me ponho € 0 do papel do maravilhoso dentro de uma religido monotefsta. Neste campo a investigacao esta bem longe de estar concluida. Muito trabalho resta ainda por fazer, Mesmo s6 para se conseguir uma boa base dos dados. Creio no entan- to poder determinar, em particular para o perfodo central — séculos XI-Xill ~ € sobretudo a nivel de vocabuldrio, uma diversificagdo no mundo do sobrenatural que permite situar melhor 0 maravilhoso em Telagdo a religido crista. Os que até agora se pronunciaram sobre o maravilhoso parecem muitas vezes influenciados pela obra, aliés muito interessante, de Tzvetan Todorov sobre a literatura fantéstica (*),e em particular pela stingdo que ele estabelece entre o estranho e o maravilhoso, em que 0 primeiro — 0 estranho ~ pode ser identificado pela reflexdo, a0 Passo que © maravilhoso conserva sempre um residuo sobrenatural que nunca conseguiré explicar-se sendo recorrendo ao sobrenatural. Estamos portanto no mundo do sobrenatural, mas parece-me que nos séculos xu € xii o sobrenatural ocidental se divide em trés ambitos que se recobrem, mais ou menos, com trés adjectivos: mirabilis, magicus, miraculosus. Mirabilis. E 0 nosso maravilhoso com as suas origens pré-cristas. Abarca 0 conjunto dos elementos que procurei elencar no apéndice a este artigo. Magicus. 6 sabido que o termo em si podia ser neutro para os homens do Ocidente medieval, porquanto teoricamente se reconhecia a existéncia de uma magia negra que tinha a ver com o diabo, mas também de uma magia branca que, em contrapartida, era considerada licita. De facto, o termo magicus, ¢ o campo por ele designado, rapi- damente deslizou para o lado do mal, para o lado de Satands. Magicus € portanto o sobrenatural maléfico, o sobrenatural satanico. O sobrenatural propriamente cristo, aquilo a que justamente poderia chamar-se 0 maravilhoso cristo, € 0 que procede do miraculosus; mas © milagre, 0 miraculum, parece-me ser apenas um elemento, e eu diria até um elemento bastante restrito, do vasto ambito do maravilhoso. 19 CIDENTE MEDIE: RAVILHOSO E 0 QUOTIDIANO NO O' EVAL O MAI - ores, indicar em que Procurei, sem na verdade descer @ poner a clan OH - - Sea us ndo era mais que uma par ele tendia a fazé-lo ceseatecelll das caracteristicas do ™araVilhog ae u s 3m primeiro lugar porque : Rereeeonn 8 = \duzido, Se por forgas ou por ara Tatts, € 0 ser produzido, Doar feeetraarc — i i raveis. s Jue so, precisamente, inume! 5 da Idade Média, 4 cr eee creio eu, no plural mirabilia Tea. objectos, um lidade 6 que nao apenas temos um mundo de obj mundo de acces diversas, mas que por detrs deles hd uma multiplicidade ‘ isto e no milagre hd um autor, ¢ - ; oso cristo € i de forgas. Ora, no maravilh actamente que se pde 0 problema do um s6, que é Deus, e € aqui exactai ere i 4 5 uma religido, mas numa religigg lugar do maravilhoso nao apenas n a ith i Jamentagao do maravilhoso no mMonoteista. Temos depois uma regu Jo ¢ uma critica do mi milagre. Temos simultaneamente um contro een ness lagre que, no limite, faz desvanecer 0 maravi neh aaa 10s aquilo a que eu chamo uma tendéncia para racionalizar an Oso € em particular para despojé-lo mais ou menos de um ci act “ que me parece essencial, a imprevisibilidade. Se referirmos etimologi- camente o maravilhoso a raizes visivas, descobriremos nele, como traco fundamental, a nogdo de aparigdo. Ora, o milagre, se depende apenas do arbitrio de Deus — que € exactamente o que o diferencia dos acontecimentos naturais, também estes, como € Sbvio, queridos por Deus, mas por Ele decididos uma vez por todas, tendo-se assim estabelecido uma certa regularidade no mundo -, tidy Coma , No escapa por certo sentido de cansago em relag: momento em que um santo entra em cena ja se sabe jue el . fazer. Uma vez que se encontre numa determines, eae desde logo que procederé a uma multiplicagao a Pies, rae ato a os Pies, peraré sabe 0 que ira acontecer. Temos assim tod. Tare aluagdo, jd se ziamento do maravilhoso. E ew acrescentare cies ao cristianismo, alguma dificuldade i ce-me provir do facto de que, olha um grande espaco, 20 a i i © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL HA que distinguir, como o fizeram os homens da Idade Média, entre o Antigo e o Novo Testamento. No Novo Testamento hé, evi- dentemente, mais milagres que coisas maravilhosas. Quanto ao Antigo Testamento, atendendo ao tipo de leitura e de compreensio que dele tinham os homens da Idade Média, a parte do maravilhoso parece-me relativamente reduzida. Sabemos bem, naturalmente, que hd os estudos classicos de Frazer, de Saintyves e outros, sobre o folclore no Antigo Testamento. Nele encontramos episddios, por vezes mesmo livros in- teiros, que alimentaram abundantemente o maravilhoso do Ocidente cristo. Um lugar a parte deve assinalar-se, em particular, se me € permitido saltar do Antigo para o Novo Testamento, ao Apocalipse. O Antigo Testamento, tal como foi lido, sentido, vivido pelos homens da Idade Média, encerra uma pequena parte de maravilhoso. E a Biblia 6, sendo a fonte de tudo, pelo menos ponto de referéncia para tudo. O que explica porque é que, quando o maravilhoso vier a ressurgir, ele sera de algum modo independente: para ele ser4 de facto muito mais diffcil do que para outros elementos encontrar aquilo que os homens da Idade Média procuravam sempre, a referéncia bfblica. O terceiro e tiltimo problema é a fungao do maravilhoso; com efeito, uma vez que descrevemos 0 maravilhoso, que procurdmos caracteriz4-lo, nao dissemos ainda grande coisa se nos nao esforgarmos por compre- ender também porque que ele foi produzido e consumido, para que € que serviu, qual foi a sua fungdio. Uma primeira observagao sublinha a evidente funcéo de compensagao do maravilhoso, O maravilhoso é um contrapeso a banalidade e & regularidade do quotidiano. Mas & preciso ver como ele se manifesta. No Ocidente medieval os mirabilia tiveram a tendéncia para organizar-se numa espécie de universo virado ao contrario. Os temas principais sao: a abundancia alimentar, a nudez, a liberdade sexual, 0 6cio. Diante de algumas grandes palavras de ordem e forgas mentais deste mundo, no é um acaso que precisamen- te no campo do folclore e do maravilhoso uma das raras criagdes do Ocidente medieval seja o tema da terra da Cocanha, que aparece no século xu, nao tendo existido antes, de facto. Podemos, sem diivida, encontrar raizes ou certas equivaléncias mais longinquas, mas o tema da Cocanha como tal é uma criagdo medieval. O mundo as avessas e, acrescentaria eu, 0 mundo ao contrério; e € aqui que o Génesis, e principalmente um Génesis em que se ird & procura dos elementos pré-cristos, mais do que dos elementos propriamente cristdos, exerce © seu fascinio sobre os homens da Idade Média. E a ideia de um pa- raiso terrestre e de uma «idade de ouro» que nao esto para diante, no 2 NTE MEDIEV, © MARAVILHOSO E 0 QUOTIDIANO NO OCIDE AL e se se procura reencontré-log ny, ra trds, no passado, . futuro, mas pat Pi le um horizonte futuro mas enquantg millenium ut6pico nao € em vista d retorno ao que esta para tras. trétio, distingao entre o miracy. Mundo As avessas, mundo ao cont poder dizer-se, sem eXagerar losus, 0 magicus, 0 mirabilis. ie uma forma de Tesisténeig que © maravilhoso foi em ditima a” bora ndo tenha sido esta pop & ideologia oficial do cristianismo on mais importantes). Sobre tm certo a sua tnica funcio, mas uma as ito, desejaria voltar de noyg Ponto, que considero essencial a este espe} Com isto, nfo creio poy em particular, remetendo para o apéndice- aravilhoso medieval arbitrariamente a t6nica em alguns sectores do mai das plantas, 4 em detrimento de outros. No universo dos animais, ann ‘al ne Objectos, dos seres fabulosos, descobre-se quase semp Iman ae teferéncia ao homem, como sucede no maravilhoso de cue as . Por exemplo. No Ocidente medieval tenho a impressao de q| — Se passam exactamente ao contrério. Assiste-se a uma desumanizacio do universo que desliza para um universo animalista, para um Universo de monstros ou de bichos, para um universo mineralégico, para um universo vegetal. Hé uma espécie de recusa do humanismo, uma das Brandes bandeiras do cristianismo medieval que se funda na ideia do homem feito a imagem de Deus. Frente a um humanismo que se chamou cristdo ou, conforme as €pocas, carolingio, romanico, gético, frente a um humanismo que se apoia na exploracdo crescente de uma visdo antropomérfica de Deus, houve, na 4rea do maravilhoso, uma certa forma de resisténcia cultural. Para concluir, eu insistiria naquilo a que chamaria as fronteiras do maravilhoso. Tal como muitos fenémenos, muitas Categorias, 0 maravilhoso nao existe no estado puro. Acolhe-se dentro de fronteiras Permeveis. O amplo alcance do maravilhoso medieval depende exac- tamente de um seu desenvolvimento interno, pelo qual o maravilhoso se estimula, se alarga e assume Proporgdes ambiciosas e Por vezes extravagantes. E por exemplo 0 caso de dois sectores que me parecem mais caracteristicos da Idade Média. que de outras épocas: © maravilhoso quotidiano e 0 maravithoso politico. As manifestagaes qo Maravilhos Parecem muitas vezes sem ligacio com a Tealidade quotidiar ‘ revelam-se dentro dela (um elemento que sera na mas Ta redescoberto pelo fantdstico romntico ou pelo surrealismo modermo), Se cont - inua a haver 0 movimento de admiragio dos olhos que se artegalam, a pyp; dilata-se cada vez menos e este maravilhoso, conservando ome ora oO © MARAVILNOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL, nicter Vv vido de imprevisibilidade, nao parece particularmente raculorum (inicio do século xm), Um jovem nobre, converso iense, est a guardar carneitos reunidos numa cira da abadia iense a que pertence, quando vé aparecer diante de si um pri- entemente falecido, Com toda a tranquilidade, pergunta-lhe: fazes aqui?» B 0 outro, em resposta: «Morri, vim para dizer estou no Purgatério e & preciso que rezeis por mim.» «Faremos Ue € necessirio.» O defunto afasta-se assim no prado e desaparece rizonte como se fizesse parte da paisagem natural, sem que 0 ndo se mostre minimamente perturbado por esta aparigéo. Nos Imperialia, um texto um pouco anterior mas ainda do infcio do Ulo xi, entre as numerosfssimas anotagdes de mirabilia, 0 autor Visio de Tilbury conta que nas cidades do vale do Rédano (¢ ele ‘a altura em Arles) ha seres maléficos, os ssOalmente mora ne: eS, que agridem as criangas, mas néio sfio, salvo excepgdes, Os cionais papodes. Introduzem-se de noite nas casas, com as portas hadas, tiram as criangas dos bergos e levam-nas para a rua ou para pracas, onde siio encontradas no dia seguinte de manhi, tendo-se ido as portas fechadas durante todo este tempo. Os vestigios da sagem dos dragdes siio quase impercepttveis, 0 maravilhoso per- 1.0 Menos possivel a regularidade quotidiana; e provavelmente é tamente este o dado mais inquietante do maravilhoso medieval, seja, 0 facto de ninguém se interrogar sobre a sua presenga, que ida nele. ma outra fronteira do maravilhoso é 0 maravilhoso politico. sociais & politicos da dade Média utilizaram 0 maravilhoso fins politicos. Trata-se de uma forma de recuperagio do maravi- ), mas de uma forma extrema. E sabido e quase normal, ébvio, que dinastias reais procuraram forjar para si origens miticas. Familias ¢ cidades imitaram-nas. Mas 0 mais surpreendente 6 que essas ns miticas esto radicadas por vezes, e nao frequentemente, num avilhoso inquietante e ambiguo. E muito conhecida a hist6ria de Slusine, a maravilhosa mulher medieval — provavelmente avatar de deusa-mie, de uma deusa da fecundidade -, reivindicada como asada, como uma espécie de totem, por diversas familias nobres. delas conseguit-o, a dos Lusignani, que se apoderaram de Mélu- deram-Ihe 0 seu nome, vista que Mélusine nfio é nomeada antes 23 O MARAVILHOSO E O QUOTIDIANO NO OCIDENTg MEDyp VAL da altura em que se une, ousaria dizer, com os Lusignani, Aus maravilhoso torna-se instrumento de Politica e de Poder, O exemplo mais belo deste maravilhoso Politico ambigue tramo-lo em Geraldo de Cambrai (Geraldo de Barri), no inte; século xi. Trata-se da ascendéncia «melusianay dos Plan ny tas, que se tornaram reis de Inglaterra. A dinastia dos Planage netas, segundo Geraldo, teria tido como antepassada, no Séeulo uma mulher-dem6nio, e por outros testemunhos sabemos que iy lenda era bem conhecida e que Ricardo, Coragao de Leao, Ihe zia referéncia e se servia dela na sua accdo politica para explicar 4 modo, muitas vezes desconcertante, de se comportar, para justig 0s aspectos por vezes extravagantes das suas opges e daquilo acontecia naquela familia bastante escandalosa, em que nomeadameny os filhos se armavam contra 0 pai e se combatiam Incessantemente, Ricardo gostava de dizer: «Nés, filhos da mulher-dem6nio...» Uma coisa menos conhecida, em contrapartida, € o facto de Filipe Augusto ter procurado utilizar este mito das origens maravilhosas contra 95 Plantagenetas, sobretudo contra Joéo Sem Terra; e em Particular quando preparou o falhado desembarque do filho Luis em Inglaterra, montou uma auténtica campanha psicolégica em que os emissérios € os partidérios dos Franceses diziam que era preciso acabar com 0s filhos da mulher-deménio(‘). Fronteiras do maravilhoso, enfim, que ameagam o préprio maravi- Ihoso, que assim corre o risco de dissolver-se: so as diferentes formas de recuperacio. Reduzi-las-ia a trés capitulos: a recuperagdo crist& em geral, a recuperagio cientifica, a recuperagdo historica. A recuperagdo cristé canalizou 0 maravilhoso, por um lado, para o milagre, por outro, para uma recuperacdo simbdlica e parenética. Entre muitos, escolhemos um exemplo belissimo, Trata-se da evolugao das versdes latinas do Physiologus. Inicialmente, contam maravilhas sem que delas nos sejam apontados significados ¢ explicagdes simbélicas. A seguir, ¢ cada vez mais, as explicagoes simbolicas € parenéticas devoram, por assim dizer, a substancia do Physiologus, enfraquecendo-o. Uma segunda forma de recuperagao, muito interessante, é a recupe- ragdo cientifica de um certo nimero de intelectuais, de estudiosos, que Possuiam verdadeiramente aquilo a que hoje chamarfamos 0 espirito cientifico. Estes tendem a fazer dos mirabilia fenomenos marginais, » excepeionais mas nio fora da ordem da natureza e vera. deiros, embora ndo tenham o aval da Biblia. O melhor exemplo desta Ji) temos versdes que nos 24 © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL, mentalidade é-nos proporcionado, parece-me, pelo proprio Gervasio de Tilbury, que, no prefacio a Otia Imperialia, desenvolveu longamente, em textos apaixonantes para a histéria do espirito cientifico, esta ten- déncia para ligar os mirabilia com o mundo natural e, por conseguinte, cientifico. Mirabilia vero dicimus quae nostrae cognitioni non subjacent etiam cum sint naturalia(*). A pari passu com esta recuperacao cientifica vai também a re- cuperagio hist6rica. Trata-se do desejo de ligar os mirabilia a acon- tecimentos e datas. E, com este estratagema, os mirabilia, que s6 se tornam manifestos numa paragem do tempo e da hist6ria, sao também levados ao esvaziamento. Tenho a impressao de que em tudo isto se manifestam tendéncias que, embora comuns a religides como, por exemplo, o islamismo e 0 cristianismo, parecem mais proprias do cristianismo: tendéncia para © simbolismo e para a fixagdo ética, tendéncia para a racionalizagio cientifica e hist6rica. Poder-se-ao identificar aqui e ali correntes de fundo, inimigas ocultas do maravilhoso? Poderia ser essa uma linha de ulterior pesquisa. APENDICE Introdugo Definigdes a) actual: segundo T. Todorov (La letteratura fantastica, Garzanti, Milio, 1977), 0 maravilhoso opde-se ao estranho na medida em que © primeiro «permanece sem explicagdo» e supée «a existéncia do sobrenatural». Contudo, esta definigdo ndo pode ser aplicada ao maravilhaso medieval. Cf. P. Zumthor, Essai de poétique médiévade, 1972, pp. 137 € ss.; de facto, quer se trate do estranho quer do ma- ravilhoso, a defini¢éo de Todorov requer um «leitor implicito» que tende para uma explicaco natural ou sobrenatural. 0 ma- ravilhoso medieval pelo contrdrio, exclui um leitor implicito; é apresentado como objectivo, através de textos «impessoais». NB — Todos os textos em que Todorov fundamenta as suas re- flexdes so textos dos séculos xix e Xx, A excepgdo dos Contos de Perrault e das Mil e Uma Noites. IANO NO OCIDENTE MEDIEVAL © MARAVILHOSO E O QUOTI abulériosa b) medieval: 0 termo maravilhoso pertence 40 Sreintiped medie, 7 See lial 0 latim miribilia) como py, val. Tanto em latim (mirabilia, baixo ah" 4 - lated em inglés — mas nao em aleny Hnguas:valgares'romiinicas © articular em francés (século yy (Wunder, wunderlich), ¢ em P illos da Chanson de Rolang ~ Chanson d’Alexis -, adj. merveillo d merveiller = admirer) (Wace v. 1155). Mas: 1. 0 adjectivo merveillos nao € empress como no actual o maravilhoso. acta a 2. 0 termo que melhor corresponde 20 significado actual dg maravilhoso 0 plural mirabilia, ©) obras medievais que ize no titulo a referencia ao Oe a € tentativa de definig&o da 4rea medieval dos mirabil 7 . 1. © maravilhoso antigo e urbano: Mirabilia Romae meados do século xn). Cf. A. Graf, Roma nella memoria del Medio Evo, 1915 (cf. Mirabilia Neapolis de Gervasio de Tilbury). eon 2. 0 maravilhoso geogréfico e monstruoso: Gervasio de T ilbury, Otia Imperialia (c. 1210): tertia decisio: Mirabilia uniuscuiusque provinciae; Marco Polo, Libro delle meraviglie del mondo (c. 1305). 3. 0 maravilhoso ¢ a ideologia crista: Raimundo Lilio, Libro delle meraviglie (c. 1288). 4) um ponto de referéncia: aliteratura popular. O Conto Maravilhoso, cf. M. L. Tenéze, Du conte merveilleux comme genre, in Approches de nos traditions orales, Paris, 1970. O maravilhoso na encruzilhada entre popular erudito. ado como substantiyo, I. Maravilhoso, magico, miraculoso O maravilhoso e o cristianismo O sistema cristo enquadra 0 maravilhoso como so) mas 0 maravilhoso cristo cristaliza-se no milagre restringe 0 maravilhoso: a) porque o refere a um s6 autor: Dei b) porque o regulamenta: controlo e critica do milagy ©) porque o racionaliza: & imprevisibilidade, func maravilhoso, substitui uma ortodoxia do sobren; — brenatural, que nay easencial do. © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL Em relaco ao milagre, o magico (embora se faga distingdo entre magia negra e magia branca) tende para aspecto sobrenatural ilicito ou enganador, de origem satanica, diabélica. Entre um e outro, desenvolve-se um maravilhoso que poderfamos dizer neutro, tolerdvel para o cristianismo, mas que na realidade provém de um sistema pré-cristao, tradicional: reporta-se ao folclore, ainda que 4 recuperado pela cultura erudita. O elemento surpreendente do maravilhoso vem, para os homens da Idade Média, da tolerancia do cristianismo que lhe permite existir manifestar-se. A cristianizagao do maravilhoso: ~ Deus autor do maravilhoso (cf. Oberon). ~— As milicias cristés do maravilhoso: santos, anjos, deménios. — Deformagéo e mudanga de fungdo: 0 Graal. O cristianismo medieval integra em si proprio uma parte do mara- vilhoso (cf. Keit Thomas, Religion and the Decline of Magic, 1971). A resisténcia do maravilhoso. IL. Inventario do maravilhoso medieval a) As terras e os lugares ~ Terras e lugares «naturais»: montanha (¢ sobretudo a montanha com grutas) e penhascos (Gargantua), fontes e nascentes, arvores («rvore das fadas» de Joana d’Arc), as ilhas (As ilhas felizes — As ilhas na cartografia medieval). — Terras e lugares devidos a acgao humana: cidades, castelos, torres, timulos. Cf. A. Graf, Le meraviglie del paradiso terrestre, in Mitti, leggende e superstizioni del Medio Evo, Forni, Bolonha, 1965. b) Os seres humanos e antropomérficos — Os gigantes e os andes (Oberon), — As fadas, cf. A. Maury, Les fées du Moyen Age, 1847. — Os homens e as mulheres com particularidades fisicas (Berta dos grandes pés, Henno dos grandes dentes, os filhos de Mélusine, etc.). — Os monstros humanos. 2 MARAVILHOSO E 0 QUOTIDIANO NO OCIDENTE MEDIEVAy © MARAY! c) Os animais valo Baiscd — Animais «naturais» (0 ledo de Yvan, 0 ca 0, 08 qu, filhos Aymon, 0 pelicano). io, gtifo, dragdo, etc.), cf, og » imais imagindri! mio, , dragao, etc.), cf, — Animais imagindrios (unico! eat mais nos sonhos de Carlos Magno na Cangdo de Rolando, eee homens metade animais: Mélusines ¢ se % Yonec (cf. Oiseau blew) em Marie de France, lobisomens (mag cf. em baixo, metamorfoses), etc. 4 — O grifo. - hee os seres metade vivos metade objectos (ch J. Bosch). ©) Os objectos ee ~ Os objectos protectores: o anel que torna invisfveis as Pes. | soas. — Os objectos produtores: a taca. (cf. Oberon e 0 Graal), do como da abundancia & cometa (cf. Cangdo de Rolando, Oberon), ~ Os objectos fortalecedores: a espada, o cinturdo. ~ A cama como «espaco sagrado» (cf. o jardim), £) CE. C. Settis Frugoni, Historia Alexan ad aerem. Origine, 1973. idri Elevati per Griphos iconografia e fortuna di un tema, Roma, III. Fontes e reservatérios do maravilhoso medieval Cf. E. Faral, Le merveilleux et se: sources dans les descriptions des romans francais du XIF siécle. A. Fontes a) O maravilhoso biblico Cf. 0 folclore no Antigo Testamento, ~ O Genesis: 0 Paraiso, a arca de Noé, atorre de Babel, a , a pas: do Mar Vermelho. Passagem - O Apocalipse. 28 a. © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL b) O maravithoso antigo — As personagens mitolégicas: Vulcano, Minerva, as Parcas, Vénus, Alexandre, Virgilio: as sete maravilhas. c) As maravilhas barbaricas: Plinio, Solino. — A mitologia germanica. Cf. A. - H. Krappe, Etudes de Mythologie et de folklore ger- maniques, 1928. — O material de Bretanha, cf. os estudos de J. Marx. O exemplo de Myrdlin-Merlim. d) O maravilhoso oriental Cf. As Mil e Uma Noites. — O Pancatantra, cf. 0 estudo recente de J. Batany. — Disciplina Clericalis de Pierte Alphonsi. ~ Kalila e Dimma. ©) O folctore Cf. Introdugao a P, Delarue, Le conte populaire francais, vol. 1, 1957; cf. a pesquisa sobre os exempla dirigida por Jacques Le Goff. B. Reservatérios a) O reservat6rio céltico ~ Material bretdo e de corte. — A aventura como maravilha (E. Kéhler). b) O reservatério oriental — O Oriente, e em particular a fndia, como horizonte maravi- Ihoso. Cf. J. Le Goff, L'Occident mediéval et l’océan Indien: un horizon onirique, in Mediterraneo e Oceano Indiano, Florenga, 1970, pp. 243-63. — O exemplo das localizagdes primitivas do Purgatério (fim do século xu — inicio do século xm): a Irlanda e a Sicilia. IV. As técnicas: «Vias e instrumentos do maravilhoso medieval» a) Sonhos, aparigaes, visdes — A destruigao do sistema onomintico antigo (Macrébio). 29 © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL O maravilhoso antigo As personagens mitoligicas: lexandre, Virgilio: as set /uleano, Minerva, as Pareas, Vénus, maravilhas, Is maravilhas barbdricas: Plinio, Solino. mitologia germinica. A. —H. Krappe, Etudes de Mythologie et de folklore ger- maniques, 1928, O material de Bretanha, ef, os estudos de J. M Myrdlin-Merlim. O exemplo. O maravilhoso oriental i. Ay Mil ¢ Uma Noites. 0 Pancatanira, ef, 0 estado recente de J, Batany. Disciplina Clericalis de Pierre Alphonsi. Kalila ¢ Dima 0 folciore Introdugao a P, Delarue, Le conte populaire francais, vol. cf. a pesquisa sobre os exempla ditigida por Jacques Le Gof. Reservatérios O reservatério céltico Material bretao e de corte. aventura como maravilha (E. Kohler). O reservatério oriental - O Oriente, ¢ em particular a {ndi Thoso. Cf. J. Le Goff, L’Occident mediéval et Vocéan Indien: un horizon onirique, in Mediterraneo e Oceano Indiano, Florenga, 1970, pp. 243-63. O exemplo das localizagdes primitivas do Purgatério (fim do - século xn — inicio do século xm): a Irlanda e a Sicilia, . como horizonte maravi- y. As técnicas: «Vias ¢ instrumentos do maravilhoso medieval» Sonhos, aparicées, visdes — A destruicio do sistema onomantico antigo (Macrébio). 20 MARAV TIDIANO NO OCIDENTE > MARAVILHOSO E 0 QUOTID! : ~ As incertezas da interpretaga0 ¢o' 10s, cf. J. Le As inet s da interpretagao dos so hi . i lectiva di na psicologia col io = Os sonhos na cultura & medieval in «Scolies», 1, 1970. b) Metamorfoses — Mélusine. — Os lobisomens. il agico 7 i fer ian maleficarum (Le Marteau des Sorciorey Introd. e trad. de A. Danet, Paris. 1973). ~ Bruxaria e heresia (Reims, 1176-1180). ~ A bruxa segundo Michelet. 4) O maravilhoso literdrio — A hagiografia. ee - As sic Além (0 imran irlandés - A Navigatio Sancy Brendani). ae — Os bestidrios (0 Physiologus: cf. El Fisiologo, Bestiario Medie. val, sob a responsabilidade de M. Ayerra Redin ¢ N. Guglielmi, Buenos Aires, 1971). — A imago mundi. ©) O maravilhoso artistico Cf. J. Baltrusaitis, Le Moyen Age fantastique — Antiquités et Erotis. mes dans l'art gothique, Paris, 1955; Réveils et Prodiges - Le Moyen Age fantastique, Paris, 1960. V. Avancos e limites do maravilhoso medieval © maravilhoso invade campos inesperados em que se deforma: a) O maravilhoso quotidian ~ Aiimmupsdo do maravilhoso no quotidiano realiza-se sem fricon, sem suturas — O reconhecimento do maravilhoso no rea € natural. mean — Ex.: os dragées ¢ a sociedade provencal (Gervasi Otia Imperialia, tertia decisio, cap. VD. be Tilbury, prado (Cesério de Heisterbach, Dialogus Miraculory ponte ae doudecima, cap. XXXII). im, decisio moeo © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL b) O maravilhoso simbélico e parenético, cf. 0 Physiologus. ¢) O maravilhoso politico ~ Esobretudo a nivel das origens miticas que se coloca a utilizagao polftica do maravilhoso. — Linhagem e maravilhoso: os Lusignan e Mélusine. — Monarquia e maravilhoso: Ricardo, Coragdo de Ledo, e os Plan- tagenetas filhos de uma mulher-deménio (cf. Geraldo de Barri, De Instructione Principis). d) O maravithoso cientifico — O exemplo de Gervasio de Tilbury: a tendéncia para fazer dos mirabilia fenémenos raros, nao sobrenaturais, uma realidade nao explicada e nao j4 nao explicdvel. — Omaravilhoso, mundo da marginalidade, nao do Além: «Mirabilia vero dicimus, quae nostrae cognitioni non subjacent, etiam cum sint naturalia» (Gervasio de Tilbury, Otia Imperialia). e) Maravilhoso e hist6ria: 0 «exemplum» «A partir do momento em que o conto assume os tracos da hist6ria... perde uma parte da sua forga. Localizagio hist6rica e data histérica aproximam-se da realidade imoral e quebram o poder do maravilhoso natural e necessério» (A. Jolles, Formes simples, trad. francesa, 1972, p. 193). VI. Fungées do maravilhoso medieval a) A compensagdo — O mundo as avessas — A terra da Cocanha. ~ A abundancia alimentar. — A nudez. — A liberdade sexual. — O écio. — O mundo ao contrério — Paraiso terrestre — A idade de ouro. b) A contestagdo da ideologia crista — O anti-humanismo. O homem selvagem. Os monstros. Os «Mischwesen» ou seres mistos. Contra a ideia do homem «ad imaginem Dei». 31 © MARAVILHOSO E 0 QUOTIDIANO NO OCIDENTE MEDipy,, iL — A recusa do maniquefsmo i ‘Um maravilhoso que pode ser domesticado com ou sem a. mas que permanece ambiguo, que nao ¢ inteiramente nee lado do bem (Deus), nem do lado do mal (Satands), Bx, ~ t gio de S. Marcel de Paris (cf. J. Le Goff, in Mélanges Co, dr, Barbagallo). "ado — O optimismo. Maravilhoso e happy end. c) O seu realizar-se = Mirari, Miroir (espelho), Maravilha. — O tema medieval do miroir-espelho. — Cf. D. Poiron, Etude sur le Roman de la Rose, 1974, cap. — Oconto maravilhoso. — © maravilhoso nfo como evasio mas como realizagio: «Par além do prazer, da curiosidade, de todas as emogdes que ag narrativas nos proporcionam, os contos € as lendas, para além da necessidade de distrair-se, de esquecer, de desfrutar de sensa. Ges agradaveis e aterradoras, o fim real da viagem maravilhosa é... a exploragdo mais completa da realidade universal» (Pierre Mabille, Le Miroir du merveilleux). Conclusiio Uma articulagao do maravilhoso medieval? 1. A alta Idade Média e a repressio do maravilhoso. 2. A irrupgo do maravilhoso: séculos xu-xin. 3. A estetizaciio do maravilhoso: séculos x1v-xv. \ “ e Yo oO © MARAVILHOSO NO OCIDENTE MEDIEVAL NOTAS Volk, Herscher und Heiliger im Reich der Merowinger. Studien zur Hagiographie der Merowingerzeit, Praga, 1965. E. Kohler, /deal und Wirklichkeit in der hofischen Epik, 1." ed. 1956, 2.* ed. 1970. Observagdes histéricas ¢ sociolégicas sobre a poesia dos trovadores em Cahiers de Civilisation médiévale, 1964, tema retomado em. Esprit und arkadische Freiheit ~ Aufsiitze aus der Welt der Romania, Francoforte do Meno, 1966. Cf. Apéndice. Bradford B. B. Broughton, The Legends of King Richard 1, Coeur de Lion: A Study of Sources and Variations to the Year 1600, Haia-Paris, 1966. Devo ao amigo Franco Alessio a indicagao de uma belfssima passagem sobre as «maravilhas tecnol6gicas» no De Secretis de Rogério Bacon. 33

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