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DIVERSIDADE CULTURAL

Escrito por Rosângela PoncianoDomingo, 19 Fevereiro 2012 14:32


Destaque como referência no Carnaval do estado do Ceará, Aracati busca retomar o elo com
suas origens culturais. Nos últimos anos, os cidadãos da nossa histórica cidade buscaram os
tradicionais blocos, além de programas para a família, onde as crianças têm mais liberdade e
segurança para brincar e voltaram a incluir no seu repertório as famosas marchinhas de carnaval.

Não é de hoje que Aracati possui um carnaval de destaque. Aliás, apesar da grande publicidade
feita pela mídia, atualmente, quem conheceu o carnaval dos anos passados sabe que a
diversidade cultural era bem maior e a criatividade sempre foi a tônica de um bom folião
aracatiense.

Cresci ouvindo falar do Chico de Janes, que encantava a todos com a sua versatilidade, gerando
na população uma grande expectativa quanto às fantasias que iria utilizar durante o carnaval. Foi
um artista da criatividade e do encantamento.

Na região em que cresci, Centro da cidade/Praça D. Luis (popularmente


chamada de Praça da Coluna), recordo-me com precisa nitidez a figura do “Barra de Aço”,
também chamado de Zé Balduíno. Acredito que tenha sido o folião mais característico. Sua vida
era um constante carnaval, levando alegria e diversão pelas ruas do Aracati. Ficava encantada ao
ver aquele senhor encarnando diversas personagens, durante os festejos carnavalescos. Lembro
que foi ele que me encheu os olhos infantis de alegria quando vi, pela primeira vez, um boi
dançando na Rua Grande, manipulado por um jovem agachado em seu interior. O brinquedo era
composto de matéria simples: uma armação de madeira coberta por um tecido barato, pintado de
preto e branco (as cores d’O Caveira, bloco que fundou). Mas a simplicidade, a espontaneidade e
a alegria daquele momento o tornaram eterno.

Do inesquecível Barra de Aço guardo a primorosa lembrança de ouvi-lo cantar, acompanhado de


sua inseparável cuíca, na mercearia do meu avô, a Casa Ponciano. Entre uma pinga e outra, o
saudoso amigo molhava o pano da cuíca na pia, ao lado do {mosimage}balcão. Sua voz rouca
revelava inesquecíveis canções da nossa música popular e, é claro, os sambas-enredo d’O
Caveira. Decididamente, para Barra de Aço o carnaval durava o ano inteiro. Este homem humilde
encantou os dias de minha infância e faço questão de dizer que guardarei para sempre, e de
modo todo especial, a sua passagem pela minha vida. Ele me ensinou, sobretudo, que a
juventude e a alegria constituem uma conquista diária, uma proposta de vida.

Um terceiro nome importante na história do carnaval aracatiense é Nogueira Ponciano. Amante


da arte, da cultura e da alegria, criou diversos blocos (Prova de Amor, Lampião e seus
Cangaceiros, Bambas da Orgia, Garotas de Frevo e outros), fundou o Clube 7 de Setembro,
organizou e apresentou durante muitos anos o Pastoril e colocou nas ruas da cidade o famoso Zé
Pereira.

No Brasil, o criador dessa manifestação popular foi o sapateiro português José Nogueira de
Azevedo Paredes. Segundo pesquisadores, foi ele o introdutor, em 1846, do hábito de animar a
folia ao som de tambores, em passeatas pelas ruas, chamando o povo para brincar o carnaval.
Em Aracati, Nogueira Ponciano deu continuidade à tradição de origem
portuguesa, atravessando o Centro Histórico da cidade, iluminando as ruas com lamparinas e
espalhando alegria por onde passava, durante o Sábado Magro. Como não vivi essa época,
minhas memórias são fruto do registro fotográfico e de pesquisas e conversas com pessoas que
prazerosamente narram os festejos.
Passado algum tempo e durante muitos anos, o Zé Pereira deixou de acontecer no carnaval de
Aracati. Em 2007, entretanto, familiares de Nogueira Ponciano decidiram homenageá-lo,
colocando de volta nas históricas ruas da cidade, aquilo que o inesquecível folião sabia fazer tão
bem. Desde então, o carnaval ficou mais alegre e grandioso, iluminado pelas tochas e embalado
pela música do Zé Pereira.

De tudo, resta-nos, além da satisfação de ver retornar a espontaneidade dessa manifestação


popular, a oportunidade de inserir na festa os foliões saturados da exaustiva repetição do
repertório de axé e forró que, decididamente, se distancia cada vez mais das origens do carnaval
aracatiense. Que ele exista, porque assim também se constituiu ao longo dos anos, mas que não
seja único porque o que caracteriza o carnaval é a diversidade.

*Rosângela Ponciano – Professora, Membro da Academia Tauaense de Letras e Presidente da


Associação Cultural Solar das Clotildes.Fonte: www.solardasclotildes.art.br

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