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49 TEIXEIRA DE PASCOAES E 0 SAUDOSISMO PORTUGUES Rosalva Simbes de Oliveira Prof. Assistente do Dep, de Letras e Artes RESUMO — Teixeira de Pascoaes, apesar da sua indiscutivel importincia, com pressupostos da cultura do Século XIX ¢ do Modernismo em todas as suas facetas, manteve-se, para alguns criticos, uma espécie de “itha literdria’ Este trabalho se prope a apresenié-lo como mentor do Saudosismo Portugués, através de as- pectos da sua Lirica, que © inclui entre as maiores vocagdes poéticas portuguesas do Século XK, ABSTRACT — Despite of his inquestionable importance, Teixeira de Pascoaes, with projects of the culture of nineteenth century and of the Modernism in all its facets maintained, for some critics, a kind of “‘titerary island”. This work proposes to introduce him as a mentor of Portuguese Nostalgia, through the as- pects of his Lyric, that ineludes him among the greatest poetical portuguese vocations in the twentieth century. O Saudosismo é um movimento literdrio essencialmente poético, inserido na atividade da Renascenga Portuguesa, fundada por Jaime Cortesdo, Alvaro Pin- to, Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra. No s*ntido estrito, 0 Saudosismo é uma atitude perante a vida e constitui feigao tipica da literatura portuguesa, tan- to culta como popular, logo, trago definidor da alma nacional. Essa atitude, in- terpretou-a o autor de Marinos, atribuindo a saudade amplas dimensdes e pro- fundo significado, arvorando-a mesmo em principio enformador dum ressurgi- mento patrio. “A Patria — diz ele —anda tateando no caos. E preciso, portanto, chamar a nossa raga desperta & sua propria realidade essencial ao sentimento da sua propria vida para que ela saiba quem é € 0 que deseja”! Ora, aquela “redlidade essencial” consiste na Saudade maiusculada e con- ceituada, mais uma vez, por Pascoaes: “A Saudade € 0 préprio sangue espiritual da Raga, 0 seu estigma divino, o seu perfil eterno, Claro que é a saudade no seu sentido profundo, verdadeiro, essencial, isto é, 0 sentimento-idéia, a emogdo re- fletida onde tudo o que existe, corpo e alma, dor e alegria, amor e deseo, terra e ‘céu, atinge a sua unidade divina”?. Claro esta, enquanto doutrina politico-social 0 Saudosismo ndo podia sa- tisfazer os espiritos com exigéncias de positividade ¢ articulagao légica. Era por demais utépico. Diz Pascoaes, mentor da doutrina: continuarel sempre a afirmar que o movimento da Renas- cenga Portuguesa se faz e faré dentro da Saudade revelada a Sitientibus, Feira de Santana, 1(2):49-60, jan, jun, 1983 50 qual se ergue é altura duma religiéo, duma Filosofia e duma Politica, portanto. Dentro dela, Portugal, sem deixar de ser Portugal, poderd realizar os maiores progressos de qualquer natureca? Mas Pascoaes concebia o mundo como filho da sua imaginagao portento- sa cujo amplo félego se revela em poemas como Mardnos, Regresso ao Paraiso, Sempre, Terra Proibida, Vida Etérea, Senhora da Noite, Sombras e muitos outros. Teixeira de Pascoaes-¢ nome literdrio de Joaquim Pereira Teixeira de Vas- concelos. A heterodoxia ¢ o paganismo que Ihe enformam a visfo da natureza ¢ dos homens, ndo the destroem a fé na Imaginacdo e na Quimera como auténtica reali- dade; possui a idéia anteriana da “espiritualizapdo gradual e sistematica do univer- so”, esse idealismo naturalista que concebe a vida espiritual como resultante de forgas naturais e que se une a uma visdo pampsiquista das pedras e das drvores: Porque € que vos, meus othos, de repente, Comovidos, ficais a contemplar Uma pedra qualquer se toda a gente era incapaz de nela reparar? Euma culta visio misteriosa Transparece na pedra, que medrosa Avista um indeciso nevoeiro. . . Arvore, minha amiga abengoada, Alminha vegetal, com que ternura, Abres o brando seio @ luz sagrada, Que, como um vento mistico murmura*. O memorialismo entemecido ¢ o carinho pela paisagem de Antonio Nobre: Os rios sao de tuz Ede oiro sdo as fontes E de oiro 0 mar azul Que banha os horizontes. A luz do sol caindo Alegre, sobre a aldeia, As pedrinhas do chao, Eas dguas incendeial® Sitientibus, Feira de Santana, 1{2} 49-60, jan.jjun. 1983 ‘A inquietagao religiosa, a ambigao filosfica e a 10, com o seu misticismo panteista. Si forga oratéria de Junquei- Deus sofre no Universo; nele vive, Pregado e ensanguentado; € os astros sao Gros que as maos ¢ os pés the dilaceram; E seu perfil divino é escuridao\ E seu divino sangue é luz de estrela Que das suas feridas, sempre abertas, Escorre, ¢ se derrama, e se congela Em arvoredo, em ave e lirio triste! A critica tem insistido em havé-lo como posta desumanizado, “espectrali- 6 zado”: “tao distante da humanidade comum que se espectralizou’’. Cantor do va- g0 do indefinido, ¢ um continuador do Simbolismo, talvez o maior simbolista portugués, ainda que retardatdrio. Até graficamente é meadura de maiisculas: Tristeza do Infinito e da Distancia Santa Tristeza ideal da Etemidade Tristeza do Indeciso, do Principio Do Vago, do Crepitsculo! Tristeza, curioso observa-lo na se- Ext bem ie sinto em mim pois também sou Indecisdo, crepisculo e incerteza\" Trata-se de uma poesia essencialmente lusitana, pelo seu cardter senti- mental e sonhador, pelos tons de metancolia e contemplado dolente. E natural- monte pelo culto & Saudade, misto de lembranga e desejo, que o poeta erigiu em principio de aco e redencdo para o seu pais. A Saudade vern bater, Vem bater é minha porta, Quando 0 tuar é de ligrimas Ea terra parece morta, Como assombrado ¢ sem voz! Sinto-a. Melhor que senti-la E véla, dentro de nés. Sitiontibus, Feira de Santana, 1(2) 49-60, jan.jjun. 1983 52 Para ele, a Saudade nascera, no povo lusiada, da fusao do sangue romano com © sangue semita. Desvendou essa teoria em trabalhos como O Génio Portu- gués, que, estilisticamente, traduzia a sua cosmovisdo em termos tais, como, ermo, remoto, auséncia, luar, siléncio, nevoeiro. .. © minha janela olhando a Serra. .. 6 montanhosa soledade, Na qual vagueio em sombra de saudade, Em fantasma de vento, névoa e terra E ougoa voz dos lusiadas cantar, Nos horizontes fluidos de dgua e espuma, Onde vemos, ds vezes, perpassar Oespectro de Netuno a desenhar-se em brama? Poeta intimista, desconhece o narcisismo: o que vé em si é o que trans- cende o proprio eu, € 0 universal que ele desencarna e transcendentaliza até ele- vélo a um panteismo mais psicolégico que ontolégico, onde a Natureza se eleva como um fantasma de Deus, atingindo no raro a grandeza da epopéia. E patente em Teixeira de Pascoaes a falta de uma filosofia estruturada, €, sobretudo, de uma fé esclarecida que lhe saciasse a necessidade fntima de in- condicional entrega e adesao. Enamorou-se das sombras por nao ter conhecido a plena luz. Dize da tua dor, 6 sombra rriste! O sombra que em meu corpo estds pregada, Com os pés a sangrar eas maos em sangue! Ti: és.a imperfeigdo de que sou feito! A nédoa que o meu valto solitdrio Derrama sobre as margens do caminho.'° Pela sua vasta obra, pela sinceridade do seu lirismo césmico e pela sugesti- va temitica de largos horizontes projetados até Deus — “a minha alma aspira € aspirou sempre 4 Divindade” — Teixeira de Pascoaes é um dos grandes vultos da literatura portuguesa e dos que conheceram maior projegdo além fronteiras, Acreditava na imaginago como varinha magica para desvendar a realida- de essencial; atribuia 20 poeta dom profético e missdo religiosa. Sitientibus, Feira de Santana, 1(2) 49-60, jan./jun, 1983 53 Eu sou bendita esmola, 6 pobrezinhos Meu coragiio é fonte que se alegra. Vinde beber ceguinkos; Matai a sede negra! Sou velho tronco a arder, homens gelados! O trevas, vinde a mim} sou claro dia Sou perdéo: vindea mim, 6 condenados! O tristes, vinde a mim: sou a alegria!'" Suas poesias breves de coletaneas, como, Cantos indecisos, s40 puro canto, quase desumanizado ~ poesia feita de vagas impresses, tristeza indefinida: O Tristeza que és presenca Indefinida, ., Marmore desfeito em luar; Névoa astral que se condensa Em branca estdtua, com vida, Nesse Além Donde nos ven A inspiragdo a cantar? sombras, vultos de almas, ermas vozes de além; Mas o bosque fantéstico se eleva Eaproxima de mim; e sua sombra Aumenia e se confunde com a treva. "y Eouco rumores de almas e figuras. presenca de velhas coisas familiares; Vés sois 0 meu Passado sempiterno Sitios da minha infancia, onde eu brincava! O meu jardim sozinho, Durante 0 negro inverno! Velho pinheiro manso, além naquele monte, Este muro a cair, é beira dum caminho Por onde, a cismar alto, ao frio vento, andava, Ermos salées com mortos na parede; E, ao lado deles, vejo, em sombra de wisteza, O meu perfil humano,. 14 Sitientibus, Feira de Santana, 1(2):49-60, jan. /jun, 1983

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