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A metodologia
Marisa Lajolo (UNICAMP) a partir da qual constituímos e olhamos nosso objeto de estudo é
comum? Ou, pelo menos a metodologia de uns é compreensível para
outros?
Eu não tinha este rosto de hoje
Assim calmo, assim triste, assim magro Um folhear atento de projetos e relatórios sugere que nos de-
Nem estes olhos tão vazios bruçamos sobre objetos instáveis, a partir de olhares diversos e às
Nem o lábio amargo I
vezes estrábicos.
Tais eventuais indefinições, no entanto, não são privilégio nos-
so: parecem manifestar-se na área de Ciências Humanas em geral. A
discussão proposta agora pelo CNPq relativa a sub-áreas e especiali-
dades do conhecimento favorece uma oportuna discussão sobre nos-
sa face teórico-epistemológica e institucional. Face esta que tem uma
Todas as segundas feiras, a partir das oito e meia da manhã,
dimensão interna e privada e outra externa e política.
uma pilha de pastas cor-de-rosa dispostas em duas altas e sólidas
Tenho para mim que a fragilidade tanto de nosso perfil interno
estantes me aguarda na sala de coordenação da Fundação de Amparo
quanto do externo já se manifesta na falta de um nome que nos defi-
a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no Alto da Lapa, em São
na: o pesquisador e professor de antropologia é um antropólogo, o
Paulo, No frontispício de cada pasta, etiquetas registram o número do
professor e pesquisador de economia é um economista, o pesquisa-
processo, a data de entrega, o nome e afiliação institucional do pes-
dor e professor de lingüística é um lingüista, que tem inclusive o luxo
quisador que envia a solicitação, e a modalidade desta.
de poder ser até um lingüista aplicado enquanto nós - professores e
Dentro das pastas, formulários, projetos de pesquisas,relatórios
pesquisadores de literatura somos ... somos o quê? Não há substan-
e pareceres. Projetos e relatórios - diga-se de passagem - muitas
tivo que nos nomeie.
vezes bem mais prolixos do que recomenda o bom senso.
O que esta espécie de anomia aponta pode também refletir-se
O conteúdo de tais pastas - junto com conteúdo e classificação
na inadequação - digamos metonímica- de nossa maior associação
de similares pastas em outras agências financiadoras da C& T do país -
nacional. Esta que hoje nos reúne-a ABRALlC é nomeada a partir de
constitui uma boa porta de entrada para um olhar crítico sobre nosso
uma das várias vertentes contemporâneas dos estudos literários, a
campo de trabalho e objeto de conhecimento.
literatura comparada. Adotamos para o todo, a denominação de uma
Campo de trabalho e objeto de conhecimento ... de quem?
de suas partes. Com isso, não estaremos tanto invisibilizando diferen-
poderia perguntar o pele vermelha ao cara pálida, não fosse o medo
tes vertentes dos estudos literários, como tirando - da vertente
de infringir a cartilha do politicamente correto. Pois a primeira lição das
comparatista deles - sua especificidade? Ou seja, por que será que
pastas indaga se campo de trabalho e objeto de conhecimento no
não temos uma ABRALlT, que seria uma contrapartida para a ABRALI N?
singular é adequado, ou se melhor seria falarmos em objetos e em
Mas antes que se imagine que a criação de mais uma associa-
campos.
ção vai resolver o problema, observemos que também as denomina-
Que campo de trabalho nos identifica? Debruçamo-nos todos
ções dos programas de pós-graduação em nossa área são variadíssimas.
sobre o mesmo objeto? E se assim for, compartilhamos todos da
"(...) um projeto crítico ambicioso: uma série de comentários eco machadiano do título antecipa a ironia que o assunto ganha no
sobre Jane Austen que dissecava a sua obra completa, um livro. Sua narrativa é ágil, os diálogos bem recortados, e os múltiplos
romance por vez, dizendo absolutamente tudo o que era pontos de vista contam uma história que se passanuma universidade
possíveldizer sobre eles.A idéia era chegarà completa exaustão, meio parecida com as nossas: além de intermináveis e enfadonhas
examinar os romances de todos os pontos de vista concebíveis,
reuniões destacam-se na trama leituras, releituras e desleituras de
histórico, biográfico, retórico, mítico, freudiano, jungiano (sic),
existencialista, marxista, estruturalista, alegórico-cristão, ético, Machado de Assis.
interpretativo, lingüístico, fenomenológico, arquetípico, o que O romance nos dá acesso aos bastidores das reuniões de
fosse; assimquando cadacomentário fosse escrito, não haveria colegiados que têm de lidar com a crise gerada por um cadáver que
nada mais a ser dito. O objetivo de tal procedimento, como assombra a faculdade. A re-edição do livro em 2004 parece confirmar
ele explicou com tanta paciência quanta lhe era possível, não
a persistência de alguns caminhos desencontrados do ensino superior,
era para intensificar o prazer e a compreens~o pela (sic) obra
de Jane Austen, ainda menos para honrar a romancista, mas e do retrato pouco lisonjeiro da universidade na qual nos
para por um ponto final na produção de tanto lixo sobre o (des)encontramos muitos dos que discutem romances e quejandas
assunto. Os comentários não seriam dirigidos para o leitor literatices.
médio, mas para o especialista,que. ao procurar o nome Zapp,
As alegres memórias de um cadáver fixa um momento de que
acharia que o assunto do livro, do artigo ou da tese que ele
minha geração lembra-se bem, e de que os mais jovens devem ter
estivesse procurando escrever já fora antecipado, discutido e,
provavelmente. invalidado. Depois de Zapp. o resto seria ouvido falar: época da ditadura militar, de confronto da universidade
silêncio." (p. 52) com a repressão, tempo de movimento estudantil autêntico e de gran-
de coragem. Nos idos dos anos setenta do século XX, vilão era vilão
Mas. apesar de alguns de nós podermos nos reconhecer - e herói era herói: uns usavam uniformes e outros eram cabeludos ...
bem como a nossos pares - em cada linha do romance. a inspiração A dialética que falta a um mundo recortado apenas em vilões e
do romance é a universidade inglesa. Aliás, o próprio Lodge toma heróis faz-se presente no livro de Roberto Gomes por obra do defun-
precauções para que não se credite a ele o primarismo de uma repre- to leitor que protagoniza a história. Ao virar a última página, o leitor de
sentação verdadeira. A ele como a nós bastaa verossimilhança. Como hoje fica olhando com um olhar oblíquo para as certezas monolíticas
é de bom tom, ele informa a seus leitores que que outrora recortavam corações e mentes.
'I\pesar de certos lugares e acontecimentos neste romance Mas o objeto de estudo dos profissionais de Letras - livros,
possuírem uma certa similaridadecom lugarese acontecimentos escritores e leitores - também se faz presente em outros mídia: a
reais. os personagens, considerados como indivíduos ou como imagem de uma descontraída leitora vende condomínios de luxo em
membros de instituições. são totalmente fictícios. Rummidge e
jornais de domingo, e há sempre uma estante de livros para dar grife
Euforia são lugares ao mapa de um mundo cômico, que se
intelectual a artistas globais retratados na revista Caras.
assemelha ao nosso. sem corresponder exatamente a ele, já
Se leitores anônimos vendem condomínios de luxo e livros
3 original: Professor Porrit in French- you reeall him. the Methodist Strueturalist? He
Eu não dei por esta mudança, made ali his staff sign the pledge. and called his daughters Langue and Parole?
-Yes. I do. said Babbacombe.
Tão simples, tão certa, tão fácil:
-Well, he was put in charge of golden handshakes. 50 he gave himself one. and know
- Em que espelho ficou perdida I hear he is opening a French restaurant in Dufford. To be called for some reason the
Mise-En-Abyme. As for Professor Harris of English - you know, the hairy
a minha face ?" Shakespearean ?
Babbacombe nodded.
-He has taken early retirement. and is retraining as an airline pilot.
A resposta é crucial: em que espelho ficou perdida nossa face?
Referências
2 texto original: Perhaps it was unfortunate that the Vice-Chancellor, who was, like
many Vice-Chancellors. a disappointed scientist. had been newly knighted by the
current Prime Minister. and therefore felt himself peculiarly privy to the inmost
workings of her mind. Certainly he was himself and enthusiastic privatiser, or
privateer, and that summer of 1986. "privatization" was. along "buzz-word" . the