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O DNA dos Pampas


Além de espanhóis, índios guaranis e charruas
estão entre os ancestrais dos gaúchos

`A entrada de Porto Alegre, capital do Rio


Grande do Sul, um imponente laça-
dor em trajes típicos – chiripá (fraldão
que faz as vezes de calça) e lenço no
pescoço – homenageia os gaúchos.
Símbolo da capital gaúcha, o laçador
foi esculpido à imagem do composi-
tor João Carlos Paixão Côrtes, um dos criadores
tre portugueses e espanhóis, essa região só se-
ria integrada ao Brasil em 1750, com a assina-
tura do Tratado de Madri. Outra caracterís-
tica dos habitantes dessa região era se deslocar
pelos Pampas sem se confinar às demarcações
políticas do território, transitando livremen-
te entre Brasil, Argentina e Uruguai. “A fron-
teira para o gaúcho são os próprios Pampas”,
do primeiro Centro de Tradições Gaúchas e res- explica Maria Cátira.
ponsável pelo resgate e pela disseminação da Pelo lado materno, porém, a contribuição
cultura dos Pampas por todo o país. indígena para a constituição genética do gaú-
Em uma espécie de continuação acadêmi- cho foi bem superior à média do país – de 33%,
ca da restauração da identidade gaúcha, as ge- segundo estudos da equipe de Sérgio Danilo
neticistas Andrea Marrero e Maria Cátira Bor- Pena, da Universidade Federal de Minas Ge-
tolini, da Universidade Federal do Rio Gran- rais – e próxima à observada na Amazônia, se-
de do Sul (UFRGS), concluíram agora o perfil gundo artigo a ser publicado na Human Here-
genético do típico morador dos Pampas, os dity. Mais da metade (52%) dos gaúchos tem
vastos campos que se estendem do sul do Bra- uma ancestral indígena, 37% são descenden-
sil ao Uruguai e ao norte da Argentina.“Esse é tes de europeus e apenas 11% de africanos.
um grupo cuja ancestralidade é difícil de de- Ante essa característica, Andrea e Maria
terminar porque resulta de miscigenação anti- Cátira voltaram a atenção para o componen-
ga, do início da colonização”, diz Maria Cátira. te indígena dos gaúchos. Ao comparar com o
Em colaboração com Francisco Salzano, material genético de 5 mil grupos nativos das
que há 50 anos estuda genética de populações Américas, verificaram que a porção indígena
indígenas, Andrea e Maria Cátira examinaram pode ter duas origens: os guaranis, grupo ori-
o material genético de 150 homens de Alegre- ginal da Amazônia que migrou para o sul do
te e Bagé, interior do Rio Grande do Sul, já pró- país há uns 2 mil anos; e os charruas, povo que
ximo à fronteira com o Uruguai e a Argentina, habitou parte do Rio Grande do Sul e do Uru-
onde se acredita que tenha surgido o gaúcho. guai. Os charruas não se deixaram subjugar
E constataram que, assim como o restante do pelos colonizadores e foram exterminados pe-
povo brasileiro, o gaúcho é produto de uma in- los uruguaios no século XIX. “Apesar de bra-
tensa miscigenação entre índios, negros e eu- vios, há relatos no Uruguai de mulheres char-
ropeus. Mas com peculiaridades importantes. ruas integradas às famílias de estancieiros”, diz
A análise do cromossomo Y, transmitido a geneticista.
de pais para filhos homens e indicador da an- Embora tenham sido extintos, recentemen-
cestralidade paterna, mostrou que 90% dos te pesquisadores uruguaios recuperaram ma-
gaúchos descendem de europeus. Mas, dife- terial genético do último grande chefe char-
rentemente do que se observa em outras re- rua,Vaimacá Perú.“Eles desapareceram como
giões brasileiras, suas características genéticas grupo etnocultural, mas deixaram suas mar-
são mais semelhantes às dos espanhóis do que cas nos genes dos gaúchos”, diz Maria Cátira.
às dos portugueses. Mais de um fator histó- Para ela, nem os genes nem a herança cultural
rico explica o que a genética registra. Durante dos charruas foram apagados. Provavelmente
dois séculos e meio, o que hoje é o Rio Gran- foi deles que o gaúcho herdou a destreza para
de do Sul pertenceu à Coroa espanhola por de- lidar com cavalos e boleadeiras, usadas para
LALO DE ALMEIDA

terminação do Tratado de Tordesilhas, que di- encilhar o gado e os animais no campo. ■


vidiu o Novo Mundo entre Espanha e Portu-
gal em 1494. Área de constantes disputas en- R ICARD O Z ORZET TO

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ABRIL DE 2007 ■
PESQUISA FAPESP 134
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