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A Distincao Peg me er ema oe Pierre Bourdieu Pierre Bourdieu A Distincao critica social do julgamento ZOUK fore EE Introducao Como senhor afrmou, Cavateirol, deveriam exist les para proteger os conhecimentos adquirides. ‘Tome um de nossos bons alunos como exemplo: modesto ediligente, desde as aula de gratia comegou a preencher seu pequeno caderno de expressbese, tendo, durante vinte anos, prestado a maior tengo nos professores, aabou por acumular uma espécie de pequeno pecilioinelectual. Serd possivel ‘que isso ndo Ihe percenea come ocorre em relagfo a uma casa ou adinheiro? P Claude, © sapato de cetim Os bens culturais possuem, também, uma economia, cuja lbgica especifica tem de ser bem identificada para escapar ao economicismo. Neste sentido, deve-se trabalhar, antes de tudo, para estabelecer as condigdes em que so produzidos os consumidores desses bens e seu gosto; e, ao mesmo tempo, para descrever, pot um lado, as diferentes maneiras de apropriagdo de alguns desses bens considerados, em determinado momento, obras de arte e, por outro, as condicées sociais da constituigio do modo de apropriagio, reputado ‘como legitimo. Contra a ideologia catismatica segundo a qual os gostos, em matéria de cultura legitima, sdo considerados um dom da natureza, a observagao cientifica mostra que as necessidades culturais so 0 produto da educacio: a pesquisa estabelece que todas as Priticas culturais (freqiéncia dos museus, concertos, exposigSes, leituras, etc.) e as preferéncias em matéria de literatura, pintura ou musica, esto estreitamente associadas 20 nivel de instrugdo (avaliado pelo diploma escolar ou pelo ntimero de anos de estudo) ¢, secundariamente, & origem social O peso relativo da eduicagio familiar e da educagio propriamente escolar (cuja eficicia e duracdo dependem estreitamente da origem social) varia segundo o grau de reconhecimento ¢ ensino dispensado as diferentes praticas culturais pelo sistema escolar; além disso, a influéncia da origem social, no caso em que todas as ‘outras varidveis sejam semelhantes, atinge seu auge em matéria de “cultura livre” ou de cultura de vanguarda. A hierarquia socialmente reconhecida das artes - e, no interior de cada uma delas -, dos géneros, escolas ou épocas, corresponde a hierarquia social dos consumidores. Eis 0 que predispbe os gostos a funcionar como marcadores privilegiados da “classe”. As manciras de adquirir sobrevivem na maneira de utilizar as aquisigdes: a atengao prestada as maneiras tem sua explicagao se observarmos que, por meio destes imponderdveis da pratica, sio reconhecidos os diferentes modos de aquisicéo, hhierarquizados, da cultura, precoce ou tardio, familiar ou escolar, assim como as classes de individuos que elas caracterizam (tais como os “pedantes” e 0s “mundanos”), A nobreza cultural possui, também, seus titlos discernidos pela escola, assim como sua ascendéncia pela qual é avaliada a antiguidade do acesso a nobreza. A definigo da nobreza cultural 6 0 pretexto para uma lute que, desde o século XVII até nossos dias, ndo deixou de opor, de maneira mais ou menos declarada, grupos separados em sta idéia sobre a cultura, sobre a relacdo legitima com a cultura ¢ com as obras de arte, portanto, sobre as condigdes de aquisicao, cujo produto é precisamente estas disposicées: a definicdo dominante do modo de apropriagao legitima da cultura eda obra de arte favorece, A Distingao 9 Se inclusive, no campo escolar, aqueles que, bem cedo, tiveram acesso a cultura legitima, em uma familia culta, fora das disciplinas escolares; de fato, ela desvaloriza o saber ¢ a interpretagio erudita, marcada como “escolar”, até mesmo, “pedante", em proveito da ‘experiencia direta e do simples delete. A l6gica do que, as vezes, 6 designado — em linguagem tipicamente “pedante” —como a “leitura” da obra de arte, oferece umm fundamento objetivo @ esta oposigao. A obra de arte s6 adquire sentido e s6 tem interesse para quem & dotado do cédigo segundo o qual ela é codificada. A operagao, consciente ou inconsciente, do sistema de esquemas de percepgaoe de apreciagio, mais ou menos explicitos, que constitui a cultura pict6rica ou musical & a condicéo dissimulada desta forma clementar de conhecimento que é 0 reconhecimento dos estilos. 0 espectador desprovido do cédigo especifico sente-se submerso, “afogado”, diante do que Ihe parece ser um caos de sons e de ritmos, de cores e de linhas, sem tom nem som. Por nao ter aprendido a adotar a disposicao adequada, ele limita-se ao que ¢ designado por Panofsky como “propriedades sensiveis", identificando uma pele como aveludada ou uma renda como vaporosa, ou, entio, as ressondncias afetivas suscitadas por essas propriedades, falando de cores ou de melodias austeras ou alegres. De fato, a possibilidade de passar da “camada priméria do sentido que podemos adentrar com base na nossa experiéncia cexistencial” para a “camada dos sentidos secundatios", ou seja, para a “regiao do sentido do significado”, s6 ocorre se possuitmos os conceitos que, superando as propriedades sensiveis, apreendem as caracteristicas propriamente estilisticas da obra? O mesmo & dizer que 0 encontro com a obra de arte nada tem a ver, em conformmidade com a visdo habitualmente adotada, com um pretenso amor & primeira vista; além disso, 0 ato de fusdo afetiva, de Einfliblung, que dé o prazer do amor pela arte, pressupde um ato de conhecimento, uma ‘operacio de decifracao e decodificagao, que implica o acionamento de um patriménio cognitive ‘ede uma competéncia cultural. Este teoria, tipicamente intelectualista, da percepcio artistica contradiz, de modo direto, a experiencia dos apreciadores mais de acordo com a definicéo legitima: a aquisicio da cultura legitima pela familiarizagao insensivel no amago da familia tende a favorecer, de fato, uma experiéncia encantada da cultura que implica o esquecimento «da aquisigéo ea ignorancia dos instrumentos da apropriagio. A experiéncia do prazer estético pode ser acompanhada pelo mal-entendido etnocéntrico que acarreta a aplicacio de um

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