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O PERIÓDICO O LEOPOLDINENSE E AS TRAMAS DO COTIDIANO LITERÁRIO

NO FINAL DO SÉCULO XIX.

Luiza Helena Morais Barbosa (CES/JF)


Rodrigo Fialho Silva (CES/JF)

Resumo: O surgimento da imprensa em Leopoldina, cidade do interior da Zona da Mata


mineira, se deu nas últimas décadas do século XIX, por meio da publicação do O
Leopoldinense. Com sua circulação, as notícias sobre o cotidiano da cidade e região,
bem como a de seus habitantes passam a ser registradas e lidas. Entende-se que o
cotidiano é elaborado a partir dos vários discursos, impressos e orais e, nessa
perspectiva, os jornais apresentam os traços de um cotidiano impregnado de
subjetividades próprias dos responsáveis pelo periódico. A Literatura se faz presente nas
páginas do O Leopoldinense como um dos ingredientes necessários para alimentar a sua
leitura. O fazer literário, inclusive por meio de autores desconhecidos do público
acadêmico, são alinhavados nas edições semanais. A partir das reflexões desenvolvidas
no Grupo de Pesquisa denominado “Ler, publicar e civilizar: usos da imprensa para a
difusão da Literatura e da História em Minas Gerais no século XIX”, do Programa de
Mestrado em Letras do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, CES/JF, certificado
pelo CNPq, a presente comunicação tem como objetivo apresentar um levantamento das
crônicas e folhetins, publicados nas primeiras edições do O Leopoldinense, na tentativa
de desvelar o seu cotidiano literário e impresso, além de perceber o periódico como um
instrumento cultural responsável pela difusão da Literatura.
Palavras-chave: O Leopoldinense. Literatura. Cotidiano. Século XIX

A circulação de notícias, leis, cartas, decretos, artigos, resenhas, romances,


crônicas e folhetins, por meio da imprensa, se inicia na cidade do Rio de Janeiro, se
espalhando para outras províncias do Império, a partir da primeira metade do século
XIX, quando surgem os diversos periódicos que irão marcar momentos na história
política, cultural e literária do Brasil oitocentista. Para Clara Miguel Asperti, o retardo
do surgimento dos jornais no Brasil, em relação aos países da Europa e América, "talvez
seja justificado pelo também atraso da implantação da imprensa no Brasil", que tem a

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sua primeira produção jornalística e gráfica somente em 1808, quando chega a Família
Real em terras brasileiras (ASPERTI, 2006, p.01). Vista reservadamente pela
historiografia como um artefato produzido por uma elite, à imprensa era atribuída
somente a responsabilidade de registrar fatos e verdades promovidos pela classe
privilegiada da sociedade. (SILVA, 2015). Porém, na últimas décadas, a imprensa é
estudada como um artefato de participação política e literária. Entendida como “agente”
de transformação histórica foi capaz de mobilizar as opiniões públicas e dar voz aos
mais variados atores sociais em momentos significativos da história do Brasil.
Distinto dos dias atuais e de acordo com Rodrigo Fialho Silva (2015), os
periódicos "não tinham apenas a função e objetivo de noticiar e informar, mas,
sobretudo, a de formar e 'civilizar' seus leitores, irradiando, por assim dizer, sabedoria
através de doutrinas filosóficas e políticas [...]" (SILVA, 2015, p. 19).
Foi neste sentido que o jornalismo literário brasileiro passou a desempenhar
importante papel na sociedade de leitores, quando contempla, além de informações
gerais e oficiais, também o entretenimento por meio da leitura. Fato observado nas
páginas dos periódicos ao longo século XIX e, em especial, em o O Leopoldinense, no
apagar das luzes deste século, na região da Zona da Mata Leste de Minas Gerais. "Era a
primeira folha que aparecia na vasta região percorrida pelos comboios da estrada de
ferro Leopoldina" (O LEOPOLDINENSE, 1883, p.5, c.1).
A cidade de Leopoldina é localizada numa região que durante o período colonial
foi chamada de "Sertões Proibidos". Esta região era utilizada como rota para os
contrabandistas que retiravam ilegalmente o ouro e pedras preciosas das minas usando
este caminho como rota para a sonegação de impostos ao governo. "Sertões Proibidos"
foi uma estratégia criada pela administração colonial para “afugentar colonos e manter a
área isolada”, com argumentação de que era uma área perigosa, de mata muito densa e
com a presença de índios selvagens (NOGUEIRA, 2011, p. 13).
O município de Leopoldina assiste o surgimento da imprensa na segunda metade
do século XIX. Era um dos centros cafeeiros mais bem-sucedidos de Minas Gerais e da
região da Zona da Mata (NOGUEIRA, 2011). Com a chegada da ferrovia e com a
promoção da imigração a cidade se destaca significativamente no contexto econômico
da região. O periódico O Leopoldinense saiu da tipografia e chegou às mãos de leitores
de uma sociedade formada, em sua maioria por agricultores, colonos, escravos e

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imigrantes, num período em que a bandeira republicana era desfraldada no país, ano de
1880.
Não se sabe exatamente o dia e o mês de sua criação, devido à ausência destes
exemplares em arquivos públicos, porém, alguns indícios nos são apresentados,
conforme trecho extraído da edição nº 00078, de primeiro de janeiro de 1883, quando o
redator da coluna "noticiário", fala sobre os trabalhos efetuados homenageando e
parabenizando o jornal e seus assinantes pelos seus quatro anos de vida. "Entra hoje O
Leopoldinense no quarto ano de sua existência pelo bom acolhimento que teve por parte
de seus ilustrados assinantes" (O LEOPOLDINENSE, 1883, ed. 00078, p.1, c.2). O
jornal o O Leopoldinense, "Folha Commercial Agrícola e Noticiosa, dedicada à causa
pública e social" assim era estampado em sua primeira página. De propriedade de uma
sociedade anônima, sem identificação de seus membros, teve como primeiro
proprietário, editor e gerente, o alferes Francisco Gonçalves da Costa Sobrinho,
leopoldinense representante da opinião pública. Um amante do magistério e "sacerdote
das letras" (O LEOPOLDINENSE,1882; ed. 00074).
Nos primeiros anos de atividade o jornal o O Leopoldinense era propagado
como "Folha Commercial Agrícola e Noticiosa”, com o subtítulo "Consagrado aos
Interesses dos Municípios de Leopoldina e Cataguases” como seu público alvo
declarado. A partir do seu segundo ano este subtítulo foi alterado para informar que o
periódico passou a ser “Dedicado à Causa Pública e Social”, embora continuasse com
os mesmos posicionamentos e com a mesma equipe editorial. Em 1882, desfeita a
sociedade Costa Sobrinho & Cia, ocorre uma alteração, ficando a tipografia e a casa de
negócio, situada à Rua do Rosário nº 37, a cargo do sócio Francisco da Costa Sobrinho,
cuja nota consta no seguinte expediente: "A sociedade anônima que nesta praça girava
sob a razão social de Costa Sobrinho & C. foi hoje amigavelmente dissolvida, ficando
todo o ativo e passivo da tipografia e casa de negócio [...] a cargo do sócio Francisco da
Costa Sobrinho" (O LEOPOLDINENSE, 1882, ed. 00039, p.1).
As edições do ano de 1880 não foram encontradas para consulta. No período
compreendido entre 1881-1884 e 1894-1896 estão disponíveis no acervo da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro - Hemeroteca Digital Brasileira, seção de obras raras, no
portal de periódicos nacionais, somente 211 edições. Em 1881, dentre as 82 edições
anuais só se encontram 53 edições disponíveis; em 1882, 75 edições; 1883, 29 edições e

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no período entre 1884-1894, não se tem nenhum registro disponível desta década. Em
1984 encontram-se oito edições; em 1895, 43 edições e em 1896, apenas três edições. A
ocorrência de publicações de cunho literário era recorrente em o O Leopoldidense.
Semanalmente circulavam textos literários de vários gêneros: folhetim, conto, crônica e
poesia com assuntos diversificados sobre amores, desilusões, tragédias, fantasias e
saudades tendo como pano de fundo a cotidianidade.
As colunas de Variedades, Crônica, Crônica Criminal, Crônica teatral, Folhetim,
Seção livre e Literatura apresentam uma diversidade de práticas de escrita que
rescindem com os gêneros cristalizados da poética clássica. Este periódico não
mantinha uma regularidade nas colunas e páginas seguindo um determinado assunto.
Folhetim, que nas primeiras publicações aparecem na parte inferior da primeira página é
encontrado, posteriormente, em outras páginas. No ano de 1881 foram publicados dois
romances-folhetins na primeira página seguindo o modelo francês, divulgado em
capítulos, com a manutenção do suspense para a próxima edição utilizando da expressão
"continuar-se-á". O primeiro deles encontrado é uma tradução de Silvia Ennes, sem
nome do autor e sem a nacionalidade intitulado "A condessa de Talma". Não há
precisão em quantos capítulos foi publicado devido à ausência de algumas edições. O
segundo, “A Noiva Adúltera", de Elyzio Balthazar, autor desconhecido, com oito
publicações. Curiosamente, este romance-folhetim iniciou antes do término do primeiro.
Terminada a publicação destes dois romances-folhetins em meados do ano de 1881 esta
coluna passa a publicar assuntos variados voltados para as tramas do cotidiano. O
gráfico abaixo apresentado mostra a quantidade de publicações dos gêneros Folhetim,
Crônica e Literatura no período pesquisado ratificando a propagação dos folhetins nesta
época.

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Gráfico elaborado pelos autores

Em 1881, trinta textos foram encontrados na coluna designada ao folhetim, uma


crônica e sete textos na coluna destinada à literatura. Em 1882, vinte e três na coluna
folhetim, dezoito crônicas e sete na coluna de literatura. Em 1883, sete na coluna
folhetim, uma crônica e ausência de literatura. Em 1895 somente três textos na coluna
do folhetim, vinte e três na coluna de crônicas e nenhuma de Literatura. Percebe-se,
inicialmente, que os folhetins tiveram mais espaço no o O Leopoldinense e com o
tempo, foram sendo reduzidos, ao contrário da crônica que cresce o número de
publicações.
No Brasil, bem como na Europa, percebe-se o destaque atribuído ao folhetim.
Obras francesas eram corriqueiras nos jornais do Rio de Janeiro, "tanto que Machado de
Assis afirmou que escrever folhetins e continuar brasileiro era difícil" (ARNT, 2004,
p.47). Ao descobrirem a importância das tipografias, escritores se valem das mesmas
para divulgação de suas obras, seja como proprietários ou escritores com domínio do
conteúdo, da linguagem dos jornais e das técnicas de impressão. De acordo com Felipe
Pena, este veículo de comunicação abrigou um de seus principais instrumentos da época
- "o folhetim, um estilo discursivo que é a marca fundamental da confluência entre
Jornalismo e Literatura" (PENA, 2016, p.28).

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Esta nova modalidade de intervenção literária e jornalística, lidera as
publicações do o O Leopoldinense nos seus primeiros anos de vida, seguida pelas
crônicas. De acordo com Marlyse Meyer, o termo folhetim assinala várias coisas e
assegura também, que este teve seu lugar de nascimento, na França "[...] le feuilleton
designa um lugar preciso do jornal: o rez-de-chaussée - rés do chão, rodapé - geralmente
o da primeira página. Tinha uma finalidade precisa: era um espaço vazio destinado ao
entretenimento” (MEYER, 1996, p.57). Os folhetins foram tão bem recepcionados que
passaram a ser a matriz dos principais romances que, com o aval de um grande público,
na primeira versão, a jornalística, passariam posteriormente à configuração de um livro.
De origem francesa, "inventado pelo jornal, e para o jornal" (MEYER,1969,
p.30), o folhetim-romance, como era chamado inicialmente, passa a condicionar a vida
do mesmo. Concebido na década de 1830 por Émile de Girardin76 que democratiza o
jornal privilegiando a participação de todos e não somente daqueles que podiam pagar
valores altos preços pelas assinaturas (MEYER, 1969). As publicações de textos
literários nos periódicos oitocentistas, no Brasil, na maioria das vezes eram
anonimamente noticiados, ou com a utilização de pseudônimos. De acordo com Rodrigo
Fialho (2013), o anonimato era uma estratégia para manifestação de opiniões,
protegendo a verdadeira identidade dos escritores, "configurando uma rede de discursos
cruzados capaz de alimentar as discussões políticas cotidianas" (SILVA, 2013 p. 101).
O folhetim era divulgado em capítulos e o enredo era voltado para prender a
atenção do leitor e criar uma certa expectativa garantindo a possibilidade de
acompanhar o desenrolar da narrativa em edições posteriores e formar a sua própria
coleção. Segundo Felipe Pena (2016) uma das características do folhetim "era o
chamado plot, o ponto de virada do roteiro [...] A hora do beijo, a descoberta do
assassino ou o flagrante do marido" [...] (PENA, 2016, p.29).
Em o O Leopoldinense, numa tradução de Silvia Ennes e sem a identificação do
autor, encontra-se um romance-folhetim denominado de A Condessa de Talma . O texto
se inicia com um diálogo entre Sylvarina, uma baronesa, e sua "criada" e sobrinha
Flora, quando a primeira se apronta para um jantar no castelo, solicitando o bracelete do

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Girardin, expôs suas ideias no jornal que dirigia, Journal des Connaissances Utiles [Jornal dos conhecimentos
úteis], antes de lançar, em julho de 1836, La Presse, imediatamente copiado por um rival. Também fora o criador
do célebre periódico Le Voleur [O Ladrão] que, como o nome indica, vivia de pilhagem de artigos de outros
jornais, segundo fórmula bastante seguida no Brasil (MEYER, 1969, p.49).

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"coronel" que ela iria usar naquele jantar quando a sobrinha indaga: - qual dos
coronéis... quer dizer, qual dos braceletes deseja usar? Num clima de suspense,
insinuações e desconfianças perpassam todo o diálogo que é relacionado à vida amorosa
de uma mulher da nobreza que suspirou de amor por muitos homens importantes, ricos
e belos, insinuando a prática da traição e de amores clandestinos.
Esses enredos podem justificar o volume das vendas dos exemplares e das
assinaturas do periódico, seguindo a estratégia de continuidade em edições posteriores,
atraindo leitores e leitoras, garantindo, portanto, as preciosas e indispensáveis
assinaturas. Em o O Leopoldinense, no período pesquisado (1880-1896) foram
identificadas as autorias de alguns autores desconhecidos que utilizavam as iniciais do
nome, abreviaturas e pseudônimos como pode-se observar: A.Góes; J.Lagôa;
J.A.Júnior; S.Petit; Chantilly; Bacuráu; Zé da Silva; J.A; J.L.; L; A; ***. Poucos usaram
o nome completo para identificação de sua verdadeira identidade.
Agnes Heller, autora que em sua atividade intelectual aborda as relações entre a
ética e a vida social, em ensaio sobre a vida cotidiana, cuja temática é "o sistema
dinâmico das categorias da atividade e do pensamento cotidiano" (HELLER, 2014,
p.10) explicita sistematicamente a estrutura da vida cotidiana do homem. O indivíduo
não é capaz de se identificar com a sua atividade humano-genérica a tal ponto que
possa se desligar completamente da cotidianidade. Para a autora, a vida cotidiana do
homem é a vida dele completa, imanente em sua individualidade e personalidade da
vida cotidiana. A substância essencial da sociedade é o homem, que é capaz de conduzir
a própria história sendo que esta explicita a essência humana (HELLER, 2014). As
tramas do cotidiano são desenhadas por meio do homem representado como ser
particular e como ser genérico, "já que é produto e expressão de suas relações sociais,
herdeiro e preservador do desenvolvimento humano", transportando na sua
cotidianidade conteúdos e significados de suas atividades realizadas na formação da
"consciência de nós", além de configurada na própria "consciência do Eu" (HELLER,
2014, p.36-37).
Essas tramas da cotidianidade podem ser observadas em O Leopoldinense por
meio dos textos na coluna Folhetim como, por exemplo, O Grilo do Moinho de autoria
de Júlio D’elvas, publicado numa edição de janeiro de 1883, que traz como pano de
fundo o cotidiano - abordando questões sociais como a pobreza, relação campo-cidade e

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a condição feminina. O texto delineia a idealização de uma relação afetuosa de uma
jovem campesina pobre, bonita e romântica que vive de ilusões alimentando-se de
“paixão funesta" por promessas vãs de um galanteador. Em um encontro, na cidade,
após uma noite dançante ao ouvir promessas de um sedutor, se entrega às lembranças
das cenas vividas naquela noite, e, quando volta para seu aconchego rural, lugar
bucólico e romântico, onde a lua se encarrega de iluminar o terreiro da casa e a mata o
de reproduzir os sons profundos da noite, ainda, o canto lúgubre dos pássaros noturnos
se incumbem de quebrar a monotonia da água que toca o moinho ela sonha e suspira de
amor e sonha acordada:

Nunca suspeitou que a amasse, mas agora que ouvira de seus


lábios a expressão franca de seu amor, alegra-se; vê um futuro
brilhante diante dos olhos e alegria tirar-lhe a calma e o sono. É
por isso que a essas horas ainda se encontra à janela para encarar
a lua, a conversar com as estrelas e a ouvir o murmúrio das
águas do moinho (O LEOPOLDINENSE, 1883, ed.00002, p.1,
c.3)

Nessa atmosfera ela se alimenta de um amor impossível, difícil e não


correspondido, um amor platônico. No enredo, quando se descobre que a promessa de
amor feita à ela também é feita nos mesmos termos à uma amiga, ela desiludida, passa a
se considerar uma viuvinha. "Quando lhe chamam grilo do moinho, pede que antes a
chamem de viuvinha e a ninguém conta a história de sua paixão funesta" (O
LEOPOLDINENSE,1883, ed.00002 p.1, c.1,2,3,4). Com a descoberta da força que os
jornais traziam como espaço público, os escritores de prestígio passaram a tomar conta
destes, tanto no comando das redações quanto na determinação da linguagem e do
conteúdo. E o folhetim foi um dos principais instrumentos dos jornalistas daquela época
(PENA, 2006).
No século XIX, os principais escritores brasileiros eram também jornalistas,
afirma Felipe Pena ao apontar Machado de Assis como um grande exemplo de cronista
folhetinesco, que publicava análises sobre a sociedade brasileira; José de Alencar
escreve seu primeiro folhetim na forma de romance em capítulos e também Joaquim

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Manoel de Macedo; Raul Pompeia, Aloísio de Azevedo, Euclides da Cunha e Visconde
de Taunay. Todos estes escritores passaram por jornais, mas o pontapé inicial na mira
do folhetim foi impulsionado por Manuel Antônio de Almeida com Memórias de um
Sangento de Milícias, publicado no jornal Correio Mercantil no ano de 1852 (PENA,
2006). Como o jornal nessa época se encarregava de provocar emoções diárias, por
meio dos mais variados assuntos, quer em noticiários, quer na divulgação de folhetins
narrativos, suspeitou-se que a Literatura, principalmente no campo da ficção, sofreria
uma forte retração no gosto dos leitores. Diante dessa perspectiva, e, para atender ao
público leitor, sua linguagem adapta-se à expressão próxima da oralidade. Uma
linguagem coloquial diferente do estilo então vigente entre os escritores (PENA, 2006).
Elysio Balthazar escreve uma cartas ao seu amigo J. Lagôa, seu amigo, pedindo-lhe
para tecer considerações sobre seus escritos. O texto foi escrito por Balthazar em estilo
de romance-folhetim e tinha com o título "A Noiva Adúltera":

Caro Balthazar - recebi sua Noiva Adúltera e sobre cujo escrito


pediu-me um juizo crítico. Bateste à má porta [...] porque não
sendo o meu nome conhecido na república das letras, o meu
julgamento de nada pode te servir, nem tão pouco influir em
qualquer forma sua produção [...] Começo pelo título do teu
romancinho [...] Este nome não lhe cabe. Poderá existir noiva
adúltera? [...] entendo eu que pode porque noiva não quer dizer
a mulher que só está para casar, noiva é ainda a mulher depois
de casada e durante o noivado, ora, é verdade que a mulher que
está para casar não pode ser adúltera, porque adúltera é somente
a mulher que viola a fé conjugal, mas, também entendo que
depois de celebrado o casamento a noiva pode cometer o
adultério e por conseguinte pode existir - noiva adúltera. (O
LEOPOLDINENSE, 1881, ed. 0034. p.01, c.1,2,3).

O texto de Elyzio Balthazar dá uma ideia da tendência do romance-folhetim


romântico, o folhetim de pura fantasia, sem herói bom ou mau "aquele indivíduo
erguido contra a coerção social” diluído na 'vítima', "uma vítima que respeita as

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convenções sociais até no mais extremo sofrimento" (MEYER, 1996, p.218). A terceira
fase do romance-folhetim, conforme Meyer acontece no período compreendido entre
1871-1914 com as publicações dos romances dramas da vida, onde se apresentam
novas mutações do gênero e como o folhetim compete com os vários fatos nos jornais
de baixo custo (MEYER, 1996). Por sua vez, a crônica é revestida de sentido
estritamente literário. Foi criada ao longo do século XIX brasileiro e beneficiada pela
ampla difusão da imprensa.
No Brasil, o vocábulo crônica começa a ser largamente utilizado, na acepção de
"narrativa histórica", quando vários escritores desenvolveram a "nova modalidade de
intervenção literária" que inicia com José de Alencar chegando ao apogeu em Machado
de Assis. A exemplo, a essa fase heróica sobressai João do Rio, seguido por Rubem
Braga, Raquel de Queirós, Fernando Sabino, Carlos Drumond e outros (MOISÉS, 1983,
p. 245). Sobre a presença da crônica em jornais, como um veículo de sua difusão, é
necessário pensar no esforço para mantê-la nos repertórios impressos. No jornal são
encontradas duas categorias do texto linguístico: a que se incumbe das informações
importantes do dia a dia e a que não se prende às idas e vindas do cotidiano.
O autor do texto pode escrever "para o jornal" ou escrever "para publicar no
jornal" e para ambos objetivos. As reportagens, o editorial e todas as outras notícias são
textos destinados ao jornal e cumprem sua missão de informar, já os textos escritos
"para o jornal” passam a cada dia a serem substituídos por outros e, provavelmente, são
esquecidos (MOISÉS, 1983, p.246-247), daí a necessidade, talvez, da publicação dos
textos literários em partes, obrigando a continuidade da leitura. A crônica é portadora de
uma certa ambiguidade de onde se extrai distorções e atributos, "move-se entre ser no e
para o jornal, uma vez que se destina, inicial e precipuamente, a ser lida no jornal ou
revista" (MOISÉS,1983, p.247).
É diferente da matéria substancialmente jornalística, naquilo em que, apesar de
se alimentar da cotidianidade, não é tão somente informativa, porque o cronista
pretende-se como o poeta ou o ficcionista, desentranhar fatos e porções imanentes de
seu imaginário para desvelar tramas do cotidiano. No jornal O Leopoldinense é
publicada uma crônica, dentre tantas, com o título "Pirapetinga" com a qual buscar-se-á
ilustrar os propósitos e as intenções do cronista. Pirapetinga é tão somente o nome de
um arraial pertencente à comarca de Leopoldina. O autor da crônica Elysio Balthazar dá

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início à sua redação apresentando um sumário, mostrando a variedade dos assuntos a
serem enfocados no seu texto cujo pano de fundo é o cotidiano pirapetinguense: "Entra
la glóriosa! Companhia Dramática. O Baile [...] (O LEOPOLDINENSE, 1881,
ed.00056, p.2, c.3). A estreia de uma companhia de teatro na localidade inspira o
cronista a escrever:

Temos cá pela terra uma companhia dramática, dizem (só eles)


serem artistas de grande mérito para os quais a arte não tem
segredos, desafiam Taborda. Emília das Neves, Vasquez,
Furtado e Lucinda, a própria Patti, a heroína do palco italiano,
julgo serem capazes de a meter num chinelo... Capiste! (O
LEOPOLDINENSE, 1881, ed.00056, p 2.c,3).

Com a chegada deste divertimento os habitantes passariam a desfrutar de


agradáveis noites e, além disso, traria tranquilidade aos pais quanto à epidemia de bailes
que tem trazido muita irritação ultimamente aos chefes de família. A magia dos bailes e
as volúpias dos casais de namorados são descritas pelo autor numa passagem observada
por um casal de namorados, que pelo modo de se comportarem dava-se a impressão que
os dois pareciam voar nos ideais delirantes das "mil e uma noites", com os seguintes
dizeres:
"[...] no voltear da delirante valsa reclinava a dama
negligentemente a formosa cabeça no ombro do gentil
cavalheiro, este de quando em vez segredava-lhe ao ouvido [...]
não sei, envolvia-a ao mesmo tempo com um desses olhares
voluptuosos assim: Como quem quer e não pode. A dama corava
e sorria assim: Como quem pode e não quer" (O
LEOPOLDINENSE, 1881, ed. 00056, p. 2, c.4).

O autor exprime no texto sua linguagem literária utilizando do tempo que lhe é
concedido, com tratamento das informações observadas no cotidiano, oferecendo no
pequeno espaço de jornal alimento literário na intenção de se comunicar com o leitor e
de lhe apresentar leituras prazerosas. O jornal O Leopoldinense, oportunizava aos seus

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leitores, um rico repertório literário a partir das publicações de folhetins e crônicas. Os
enredos contidos, tinham uma relação estreitamente próxima com o cotidiano dos
leitores, pois tratavam de paixões, política, cultura, divertimentos, rumores e fofocas.
Ao mesmo tempo o jornal seria um quadro de exposição de gêneros literários, cuja
moldura era confeccionada pelos escritores que, ao difundir seus textos e obras,
incorporavam a responsabilidade com a escrita, por meio de um engajamento literário e,
portanto, social.

Referências

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