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A Batalha da Inglaterra

Tanto... a tão poucos

Os caças britânicos penetravam repetidamente nas densas


formações de bombardeiros alemães, apesar das enormes escoltas.
Seis Hurricanes contra setenta Dorniers; doze Spitfires contra cem
Heinkels. Transcorria o verão de 1940 e os “poucos”, um galhardo
grupo de 3 pilotos de caça, eram o que havia para impedir a derrota da
Grã-Bretanha e do mundo livre.

Pleno verão, 1940

No encerramento do seu mais famoso discurso de tempo de guerra,


Churchill usou as seguintes palavras: “A Batalha da França está
terminada... A da Inglaterra está prestes a começar. Dela depende a
sobrevivência da civilização cristã. Dela dependem o nosso modo de
vida e a continuidade das nossas instituições e do nosso Império”.

Estas palavras continham um elemento de verdade histórica


normalmente não encontrado nos discursos públicos tão claramente
expresso. No fim do verão de 1940, somente a Inglaterra desafiava
ainda o poderio alemão e rejeitava a filosofia nazista - porque, de
todas as potências que haviam tomado as armas contra Hitler, somente
ela permanecia inconquistada. Além da Inglaterra, apenas a Rússia e
Estados Unidos podiam oferecer resistência física à Alemanha nazista,
mas a cegueira de seus governantes não lhes permitia ver o espantalho
da enorme ameaça à soberania dos povos que Hitler levantara.

Foi, portanto, verdadeiramente vital para a liberdade do mundo a


heróica resistência que a Inglaterra opôs ao furor nazista no momento
em que ele subia ao auge.

Naqueles longos dias de verão de 1940, em plena batalha da


Inglaterra muitos e muitos jovens, atendendo aos apelos de Churchill,
deram, como Edward Bishop narra e forma tão vívida, muito sangue e
muito suor para que também ali não descesse a noite da civilização.
Num dos subúrbios londrinos, um piloto de caça da RAF que
abandonara o avião, por haver sido atingido, foi entusiasticamente
beijado por todo o pessoal da lavanderia onde caiu, enquanto que, na
costa, a policia local teve de lutar para que pilotos da Luftwaffe que
haviam sido derrubados não fossem linchados pelas peixeiras.
Edward Bishop 2

Estes elementos estavam presentes no momento em que se


desenrolava o período de grande adversidade para o povo britânico.
Por trás deles, porém, o esforço industrial que colocou nos céus o
Spitfire, para o que muito contribuíram a iniciativa de Lady Houston e
a inventiva que fez surgir o radar. As guerras sempre foram decididas
mais pela qualidade das armas e do equipamento do que o reconhece o
sentimento popular, e quanto mais industrializado se tem tornado o
mundo, maior o fator desempenhado pela habilidade técnica em
comparação com as antigas virtudes da bravura e da força. O livro de
Edward Bishop também ilustra este aspecto de maneira brilhante: a
Batalha da Inglaterra foi finalmente vencida pela capacidade de subir
bem alto e depressa, de disparar com boa pontaria e, mais importante
ainda, de estar no lugar certo na hora certa.

A queda da França

Para Berlim, era quase inacreditável. A França, o velho inimigo,


caíra ante o exército e à Luftwaffe. Holanda e Bélgica haviam sido
invadidas, a Dinamarca fora ocupada e a Noruega, derrotada depois de
luta breve e implacável, enquanto que, no Leste, há pouco menos de
um ano o até então vitorioso exército germânico havia, conquistado
em poucos dias a Polônia, levantado forte trincheira contra Moscou.

Tudo tão fácil, uma autêntica “barbada” para os alemães, tanto


que, ao chegar o verão de 1940 à Europa, era razoável que o povo
alemão esperasse que a Inglaterra procurasse a paz segundo os termos
ditados por Berlim. Certo que, ao firmar o armistício com o velho
Marechal Pétain, em fins de 1940, Adolf Hitler, o idolatrado Fuhrer,
deus aos alemães razões de sobra para esperar milagres.

Ao levar os derrotados franceses à floresta de Compiégne, ao


mesmo vagão em que a França, em 1918, obrigara a Alemanha a
depor as armas, Adolf Hitler, procedendo de acordo com o sentido que
abrigava, conferia ao ato o colorido de vingança a que, segundo
afirmava, tinha direito o povo germânico.

Ali, Adolf Hitler, mais poderoso na Europa continental do que


Napoleão no auge do sucesso, desceu risonho, do trem que o levou ao
local, seguido de seus feldmarechais. Gozava o ex-cabo, ao derrotar a
França, o prazer de ser vitorioso onde o Keiser e todo os seu brilhante
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Estado-Maior haviam falhado. Era uma vingança gloriosa, após anos


de luta e prisão, pois Hitler retornara da Primeira Guerra decidido a
vingar o Tratado de Versalhes e os termos impostos à Alemanha pelos
vencedores de 1914-1918.

Mas, entre Adolf Hitler e suas ambições estava a Real Força Aérea
da Inglaterra, ou, pelo menos, o que restava dela, após a queda da
França e a evacuação do exército britânico de Dunquerque. Para
grande espanto dos germânicos, os britânicos mantinham-se de pé. Em
fins de maio e começo de junho, eles haviam saído do continente,
retornando à sua pequena ilha, deixando para trás os seus blindados e
o seu equipamento. Em fins de junho, porém, eles se estavam
preparando desafiadoramente para a invasão através de 35 km de mar
picado e, na opinião dos alemães prolongando a guerra de maneira
desesperada e suicida. Por certo os britânicos não demorariam a
concluir que a situação era de desespero e que inútil seria a
continuação da guerra. A ilha estava sitiada, do golfo de Biscaia aos
fiordes da Noruega, por uma invencível Luftwaffe

Os alemães eram de opinião de que a Real Força Aérea (RAF), ou


melhor, o que restava dela, estava flanqueada e em inferioridade
numérica, e, sem cobertura aérea, a Marinha Real, por mais poderosa
e corajosa que fosse, não podia salvar a Inglaterra do bloqueio ou da
invasão. Em terra, as cidades e indústrias do Reino Unido
permaneciam à mercê da Luftwaffe. Assim, não seria temerário e
inútil continuar lutando? O povo alemão contentava-se com o fato de
que cedo ou tarde os britânicos haveriam de ter bom sendo. Mais
alguns dias e a guerra estaria terminada.

Mas havia um homem na Alemanha que não tinha tanta certeza.


Adolf Hitler estava inquieto com relação à Inglaterra e àquela
mosquinha ridiculamente desafiadora, a RAF. No inicio da luta pela
conquista do poder que empreendeu em 1933, Adolf Hitler registrou
em seu testamento político, o Mein Kampf, a opinião que tinha do
povo britânico. “pode-se confiar em que o governo e mesmo o povo
britânicos, para se vitoriarem na luta em que se venham a meter,
hajam sempre com muita tenacidade, e recorram até mesmo à
brutalidade, ainda que o equipamento militar disponível seja
totalmente inadequado, comparado ao de outras nações”.

Portanto, não era de espantar que Hitler tivesse dúvidas quanto ao


sucesso das propostas públicas de paz que fez em junho de 1940 e, a 2
Edward Bishop 4

de julho, ordenou o preparativo de planos provisórios para a invasão


da Inglaterra. Assim procedendo, ele revelava a intenção de silenciar
os receios que possuía de atacar a Inglaterra, deixando-se levar pelo
desempenho excepcional da Luftwaffe. Goering, Marechal do Reich e
Comandante-Chefe da Luftwaffe, confiava na previsão de que a sua
força aérea podia vencer as defesas de caça da Inglaterra em questão
de poucos dias. Hitler deixou-se levar pelo sonho. Certamente ele
achava a previsão otimista de Goering mais agradável do que as
advertências do Grande Almirante Raeder contra a invasão. Além
disso, como já estava pensando na conquista da Rússia na primavera
seguinte, o Fuhrer permitiu-se acreditar no golpe aéreo arrasador
desferido por Goering. Ele possivelmente evitaria a necessidade de
desembarques; possivelmente traria a Inglaterra para a sua mesa de
paz, onde talvez pudesse ser arregimentada como parceira menor
numa cruzada contra a Rússia comunista.

Mas, se fosse preciso fazer desembarques, que fossem feitos.


Depois de estabelecer a completa superioridade aérea, a Luftwaffe
neutralizaria a ameaça de interferência da Marinha Real e aceleraria o
avanço do exército alemão rumo a Londres. Se na primavera a
Luftwaffe lançara o exército ao outro lado do Mosa e o levara até
Paris, agora, pleno verão, o que poderia ser o Canal da Mancha senão
outra travessia? Verdade que um pouco mais demorada e turbulenta.

No começo de julho, a Luftwaffe, renovada e reequipada após a


grande vitória continental, estava pronta para reiniciar as operações
em larga escala. Descansando em Karinhall, sua casa de campo,
situada nos arredores de Berlim, Herman Goering esperava impaciente
a hora de lançar as três frotas aéreas contra a Inglaterra.

Enquanto manobrava seus trens de brinquedo, o Marechal do


Reich planejava o “Ataque das Águias” que subjugaria a Inglaterra.

Do ponto de vista da Alemanha, a Inglaterra e a França haviam


ousado declarar guerra contra ela enquanto invadia a Polônia. A
Luftwaffe eliminara rapidamente a Polônia e a França estava dobrada.
A Inglaterra não demoraria a descobrir que a Alemanha possuía uma
arma aérea capaz de a derrubar em poucas semanas.

Na verdade, Herman Goering confiava tanto na capacidade da


Luftwaffe de conquistar sozinha a Inglaterra que não demonstrou
qualquer interesse no planejamento do exército e da marinha para a
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invasão. Duas frotas aéreas alemães, a 2 e a 3, estavam de prontidão


na França, Bélgica e Holanda, enquanto que uma terceira, pouco
menor que as duas outras, a Frota Aérea 5, estava estacionada na
Noruega e Dinamarca. Estas três frotas aéreas totalizavam mais de
3.000 bombardeiros e caças, força suficientemente grande para
eliminar as defesas da área da invasão da Inglaterra em quatro dias e
terminar a guerra em menos de um mês. Pelo menos assim pensava o
Comandante-Chefe da Luftwaffe.

Enquanto os caças e bombardeiros aguardavam nos aeródromos


avançados, Goering pensava orgulhoso no instrumento de conquista
que havia criado. Vaidoso da sua folha de serviços como piloto de
caça, com 22 vitórias creditadas na Primeira Guerra, Goering deu
prosperidade à nova arma aérea como Ministro da Aeronáutica da
Alemanha, após a subida de Hitler ao poder, em 1933. Contudo, o
verdadeiro trabalho de base fora feito anteriormente, pelos
profissionais do exército, entre os quais se encontravam os
Feldmarechais Kesselring e Sperrle e o general Stumpf, e os líderes da
Luftwaffe que estavam enfrentado a Inglaterra no comando das Frotas
Aéreas 2, 3 e 5.

Explorando uma saída no Tratado de Versalhes, os generais


alemães, antes mesmo que os nazistas subissem ao poder, haviam
forjado sua grande arma de guerra, o que aliás não fora difícil. Embora
tivessem destruído o Corpo Aéreo Alemão da Primeira Guerra
Mundial, os Aliados não haviam conseguido regulamentar o futuro da
aviação civil alemã. Tendo recebido permissão para manter uma
organização de defesa nos termos do Tratado, a Alemanha confiou o
alto comando do exército ao general von Seeckt, que, através da
estreita ligação que manteve com a aviação civil, lançou as bases da
Luftwaffe em 1921 - ajudado pelos jovens Kesselring, Sperrle e
Stumpf. Outros que tinham subido ao poder com os comandantes da
frota aérea, e que agora se encontravam montados confortavelmente
no êxito-relâmpago da Luftwaffe, também colaboraram. Entre outros
que ocupavam postos elevados no comando da Luftwaffe estavam
Erhard Milch, até pouco antes membro da linha aérea civil, a
“Lufthansa”, e que em 1940 era Subcomandante-Chefe da Luftwaffe;
Ernst Udet, Chefe de Equipamento, e Hans Jeschonnek, Chefe do
Estado-Maior Geral da Luftwaffe. Além disso, os fabricantes alemães
de aviões não haviam perdido tempo diante das oportunidades que
surgiram nos anos entre as duas guerras. O resultado disso, foi que, no
verão de 1940, os aviões Dornier, Junkers, Heinkel e Messershmitt
Edward Bishop 6

que estavam prontos para conquistar a Inglaterra deviam sua


existência aos soldados e industriais que há 21 anos vinham
preparando este ato de vingança.

Já em 1928, habilmente instalada na Suécia, a companhia Junkers


construiu um bombardeiro de mergulho, o precursor do Stuka, o Ju 87.
Por volta de 1935, um protótipo do Ju 87 estava voando na Alemanha
- registrando uma trepidação de cauda - acionado por um motor
Kestrel, da Rolls-Royce, a famosa companhia britânica de
automóveis. Em 1933, Ernst Udet fazia experiências com um par de
bombardeiros de mergulho Curtiss Hawk que adquirira aos Estados
Unidos. O desenvolvimento dos caças também não ficou parado, pois
já em 1935 um Me 109 punha à prova as suas qualidades, também
acionado por um motor Kestrel, inglês.

Os líderes da frota aérea e seus aviões não eram, porém, os únicos


produtos do rearmamento secreto alemão; os comandantes em níveis
mais baixos e muitos dos que estavam prestes a decolar para o ataque
à Inglaterra haviam sido adestrados em campos e aeródromos
desconhecidos dos Aliados.

A partir de 1924, oficiais escolhidos eram despachados para uma


escola de treinamento de pilotos situada na Rússia, em Lipetz, e
muitos dos que viriam a ocupar comandos importantes durante a
Batalha da Inglaterra, em 1940, passaram por Lipetz como civis.
Outros, usando uniforme italiano, haviam treinado na Itália por
cortesia do ditador Benito Mussolini.

Em 1926, por instigação de von Seeckt, criara-se a Lufthansa


como linha aérea estatal, sob a direção de Erhard Milch, herói da
aviação de guerra de 1914-18. Em 1940, Milch era general e estava
bastante desapontado com o fato de a Luftwaffe ter sido refreada
desde a evacuação de Dunquerque.

A futura força aérea alemã, estimulada por von Steeckt, encontrou


na Lufthansa um campo de treinamento de primeira classe. As
tripulações das aeronaves da empresa tendo em vista os objetivos
daqueles que inspiraram a sua criação, somaram a seus deveres civis a
instrução militar.

Somente em 1935 é que a Luftwaffe finalmente se revelou, sob o


comando de Goering, Milch e outros camaradas da Primeira Guerra,
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como a mais poderosa força aérea da Europa, e pronta para testar


homens e máquinas em apoio à insurreição de Franco contra o
governo republicano espanhol. Foi uma prova bem sucedida.

Na Espanha, unidades da Luftwaffe comandadas por Hugo Sperrle


e Wolfram von Richthofen, primo do famoso às de caça da Primeira
Guerra, compensavam a escassez de artilharia de Franco. Ali, os
bombardeiros de mergulho Ju 87, Stuka, de von Richthofen,
ensaiaram o cerrado apoio tático aos ataques e à infantaria que
produziu a aterradora Blitzkrieg - e colocou as Frotas Aéreas 2 e 3 a
poucos minutos de vôo dos aeródromos de linha de frente da
Inglaterra. Também na Espanha, pilotos da Luftwaffe que estavam
destinados à futura liderança, entre os quais Adolf Galland e Werner
Molders, que não demorariam a tornar-se figuras lendárias, ganharam
experiência de combate. Como parte dos esquadrões “Condor”, das
Alemanha, eles se aperfeiçoaram nas operações de apoio cerrado ao
exército que subseqüentemente conduziram às vitórias alemães de
1939 e 1940, na Polônia e na França. A Luftwaffe aproveitou ao
máximo as oportunidades de treinamento que teve nos céus da
Espanha, revezando voluntários inexperientes com “veteranos” da
guerra civil, para difundir a experiência por toda a arma.

Tomando por base as possibilidades da força que tinha sob


comando, Goering considerava um desperdício de tempo e reforço o
trabalho de planejamento da invasão da Inglaterra. Na sua opinião, os
800 caças Me 109, os 300 caças-destróiers bimotores de longo alcance
Me 110, os 400 bombardeiros de mergulho Ju 87 e os 1.500
bombardeiros Dornier, Heinkel e Junkers tornavam redundante o
planejamento da invasão.

Em Karinhall, aumentando impaciente a velocidade do trenzinho


de brinquedo com que se divertia em casa, o Comandante-Chefe da
Luftwaffe desejava sinceramente que ele fosse o trem especial que o
levaria à costa do Canal da Mancha para testemunhar o fim da
Inglaterra.

Todavia, Hitler não conseguia persuadir-se a dar o passo


irrevogável enquanto fosse possível a paz sem conquista. A 16 de
julho, duas semanas antes de ordenar a feitura de um plano provisório
para a invasão, ele emitiu a Diretiva 16, detalhando alguns pontos da
operação: “Como a Inglaterra, apesar de sua desesperada situação
militar, ainda não demonstra disposição de chegar a um acordo, decidi
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preparar, e, se for necessário, executar, uma operação de desembarque


contra ela. O objetivo dessa operação é eliminá-la como base de onde
possam vir a dar prosseguimento à guerra contra a Alemanha e, se
necessário, ocupar completamente o país”. O documento não fixava
data. A invasão ainda era, apenas, uma questão de planejamento de
contingência.

Enquanto o exército, a marinha e a força aérea, seguindo as ordens


de Hitler, faziam seus preparativos, o povo alemão não podia crer que
a Inglaterra fosse tão imprudente a ponto de provocar uma invasão. Os
jornais de Berlim estavam quase certos de que a guerra terminara. “A
Inglaterra está à beira de uma decisão”, declarou o vespertino
Nachtausgabe. “Existe apenas uma leve possibilidade de vir a
Inglaterra a oferecer qualquer resistência militar... O povo britânico
está positivamente temeroso dos próximos acontecimentos militares e
políticos”.

Bandeiras de vitória, música de vitória e alegria de vitória - o


Fuhrer relaxara suas restrições à realização de bailes às quartas-feiras
e sábados - tudo isso ocorria para dar ao povo a sensação de que tudo
estava terminado; alguns generais também pensavam assim. Rommel
escreveu, da França, à sua mulher: “segundo calculo, venceremos a
guerra dentro de uma quinzena. O tempo está encantador - se há
alguma diferença, está ensolarado demais”.

Hitler esperava que os otimistas estivessem certos, mas inquiria-se


em silêncio: será que os britânicos realmente cederiam sem lutar? O
verão, período próprio para a campanha, começava a escoar-se. Só
havia um rumo a tomar: submeter as propostas de paz a um último e
dramático teste, e se estas fracassassem, soltar a Luftwaffe e dar a
Goering a oportunidade por que esperava. A 19 de julho de 1940,
Adolf Hitler falou ao mundo:

“Nesta hora, julgo ser do meu dever, perante a minha consciência,


apelar uma vez mais para a razão e o bom senso, tanto da Inglaterra
como do resto do mundo. Considero-me em condições de fazer este
apelo porquanto não sou um vencido buscando favores, mas o
vencedor falando e nome da razão. Não vejo por que esta guerra deva
prosseguir. Angustio-me só em pensar nos sacrifícios que ela exigirá.
Gostaria de evitá-los também para meu povo... Possivelmente o Sr.
Churchill fará de novo por ignorar as minhas declarações alegando
que são apenas nascidas do medo... Neste caso, terei desobrigado a
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minha consciência quanto ao que possa acontecer... O Sr. Churchill


deveria, pelo menos uma vez, acreditar quando digo que um grande
império será destruído - um império que jamais pretendi destruir ou
mesmo prejudicar. Todavia, compreendo que esta luta, se prosseguir,
só pode terminar com o completo aniquilamento de um dos
adversários. o Sr. Churchill talvez creia que será a Alemanha. Eu sei
que será a Inglaterra”.

A Inglaterra se entrincheira

Em Londres, Winston Churchill desdenhava o apelo de Hitler à


razão, o que parecia insensato para os que estavam fora da Inglaterra.
Depois de anos de exílio no deserto político, anos em que não se
cansou de advertir os sucessivos governos britânicos da ameaça que
representava o rearmamento da Alemanha, Churchill substituiu
Neville Chamberlain como Primeiro Ministro, a 10 de maio de 1940 -
no dia exato em que Hitler invadiu a França e os Países Baixos.

Assim, em poucas semanas, Churchill viu realizados os seus piores


receios. Viu a Luftwaffe abrir caminho à força para o exército alemão
até a costa do Canal da Mancha, e no processo, viu também a RAF ser
reduzida. Mas, exceto para aplicá-la a um adversário, a palavra
rendição jamais fora encontrada em seu vocabulário - embora, em sua
sensatez, ele respeitasse a opinião pessimista dos observadores
estrangeiros e suas razões. Através do rádio, ele afirmou: “Não é
difícil compreender até que ponto receiam pela nossa sobrevivência os
bondosos observadores do outro lado do Atlântico e os amigos
naturais de países da Europa ainda não violentados, que não tem
condições de medir nossos recursos e nossa determinação, depois de
terem visto tantos estados e reinos destroçados, em questão de
semanas ou mesmo dias, pela monstruosa força da máquina bélica
nazista”.

Falando em Pearl Harbor, o Coronel Knox, Secretário da Marinha


dos Estados Unidos e amigo da Inglaterra, endossaria as palavras de
Churchill quando, no auge da batalha disse: “As possibilidades de
vitória da Inglaterra são agora superiores a 50%”.

Após a queda da França, Churchill dirigiu-se assim à nação: “O


que o General Weygand chamou de a Batalha da França está
terminada. A Batalha da Inglaterra está prestes a começar. Dela
dependem o nosso modo de vida e a continuidade das nossas
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instituições e do nosso império. Toda a fúria e todo o vigor do inimigo


deverão em pouco ser assestados contra nós. Hitler sabe que terá de
destruir-nos nesta ilha ou perder a guerra. Se o pudermos resistir, toda
a Europa poderá ser libertada e a vida do mundo poderá erguer-se aos
píncaros ensolarados. Mas, se fracassarmos, o mundo inteiro,
inclusive os Estados Unidos, e tudo o que conhecemos e que
apreciamos, mergulharão no abismo de uma nova era de
obscurantismo, tornada ainda mais sinistra, e talvez mais prolongada,
pelas luzes de uma ciência pervertida. Portanto, cobremos coragem
para cumprir nosso dever e nos comportemos para que, se o Império
Britânico e a Comunidade das Nações durarem mil anos, possam
todos ainda assim dizer: Este foi o seu momento supremo”.

Assumindo o cargo a 10 de maio, confrontado, imediatamente pela


invasão da França e, pouco depois, pela evacuação de um exército
britânico em retirada e despojado da maior parte do seu equipamento
militar, Churchill não teve tempo de reparar os erros dos seus
predecessores, de preparar-se para a batalha que, segundo temia, devia
sem demora atravessar o Canal, a qual antecipadamente denominou
Batalha da Inglaterra.

Por trás da estimulante e oportuna convocação de Churchill à


nação depositava-se a história, triste e longa, da falta de disposição do
governo britânico para encarar o alarmante rearmamento da Alemanha
como uma ameaça à paz mundial. Em conseqüência, era apenas
razoável a rede de defesa contra ataques aéreos - mesmo depois da
queda da França.

Na verdade, se não fosse a inventiva pessoal, a filantropia


particular, o espírito público e a capacidade empresarial de vários
indivíduos e companhias fabricantes de aviões, a RAF não teria sido
equipada com quaisquer aparelhos que pudessem competir com a
Luftwaffe, como os caças Spitfire e Hurricanes. Em 1936, quando a
Luftwaffe já estava preparando seus novos Do 17, He 111, Ju 87 e Me
109, os modernos monoplanos, submetidos à prova um ano mais
tarde, na guerra civil espanhola, Londres era protegida por biplanos.

Num exercício realizado em 1936 para a defesa dos principais


aeródromos de caças de Londres, Biggin Hill, Hornchurch e North
Weald, o Comando de Caças da RAF reunira três esquadrões de
Bristol Bulldogs, quatro de Hawk Ruries e um de Gloster Gauntlets,
Quando Neville Chamberlain retornou de Munique, no outono de
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1938, dos 30 esquadrões de caça operacionais, apenas um estava


equipado com Spitfires e 5 reequipados com Hurricanes.

Se, nos anos inquietos que precederam a deflagração da Segunda


Guerra Mundial, a Luftwaffe contava com dedicados servidores,
homens com experiência como o seu Comandante-Chefe, Hermann
Goering, adquirida nos combates de 1914-18, a RAF também tinha
seus líderes do Real Corpo de Aviação do passado.

A diferença é que oficiais como o Marechal-do-Ar Sir Hugh


Dowding chefe de pesquisa e desenvolvimento no período crítico do
começo até meados dos anos 30, tiveram pela frente líderes políticos
que não se estavam preparando para a guerra. Carecendo de
entusiasmo governamental e de generosidade financeira, Dowding e
seus colegas estavam em desvantagem em relação aos seus
equivalentes da Luftwaffe.

Apesar disto, ainda que os protótipos dos caças Spitfire e


Hurricane só fossem encomendados em 1934 e 1935, respectivamente,
a liderança da RAF britânica não se manteve ociosa, mas a evolução
do Spitfire e do Hurricane se devia tanto a uma série de incidentes
românticos e gestos corajosos quanto ao planejamento da defesa. Uma
história realmente estranha.

Em 1927 e 1929, enquanto as sementes da Luftwaffe estavam


sendo plantadas às ocultas, a RAF conquistara o “Troféu Schneider”,
o cobiçado prêmio de uma corrida internacional de hidraviões
bienalmente disputada. Uma terceira vitória conquistada em 1931,
daria à Inglaterra a posse definitiva do troféu. Mas, por motivos
econômicos, o governo britânico não deu à RAF as condições de
competir. Portanto, parecia que a RAF teria de se conformar em ver os
Estados Unidos ou, talvez, a Itália lhe arrebatar o troféu. Foi então que
a rica e excêntrica Lady Houston ofereceu 50.000 libras esterlinas
para cobrir as despesas com a participação dos britânicos. O governo
cedeu envergonhadamente e a RAF, montada num avião que seria o
pai de todos os Spitfires, venceu a corrida e conservou o troféu. Os
marechais-do-ar aproveitaram a oportunidade e fizeram pedidos de
dois protótipos distintos de caças, segundo especificações relacionadas
com a experiência adquirida nessa disputa.

Era uma corrida contra o tempo. O avião que conquistara o


“Troféu Schneider” em 1931 havia saído da prancheta de desenho de
Edward Bishop 12

R.J. Mitchell, projetista-chefe da Companhia Supermarine, e Mitchel


estava morrendo. Em férias na Alemanha, após uma intervenção
cirúrgica séria, Mitchell conhecera entusiastas alemães da aviação e
voltara cheio de presságios sobre o futuro. Ele sabia que estava
trabalhando contra o relógio por dois motivos, suas ruins condições de
saúde e o rearmamento da Alemanha. Em sua ansiedade, Mitchell
trabalhava em dois aparelhos - o primeiro dentro das especificações
restritivas e retrógradas do governo, e o segundo, o verdadeiro
Spitfire, para realizar a sua visão e da Companhia Supermarine do que
deveria ser um caça moderno. Reginald Mitchell morreu em 1937, aos
42 anos de idade, pouco depois que os primeiros Spitfires produzidos
começaram a voar.

Sydney Camm, da Hawker, criou o Hurricane. Camm sentia-se


feliz em fugir aos biplanos, cujo valor ele há muito vinha discutindo
com a Força Aérea, que ainda estava influenciada pelo relatório de
uma comissão de 1912, que decidira que os monoplanos eram
perigosos.

Considerando-se que trabalharam contra o tempo, é extraordinário


como Mitchell e Camm reduziram a vantagem da Alemanha. Afinal de
contas, eles estavam enfrentando novos problemas, do princípio ao
fim, problemas que diziam respeito à era do monoplano e dos seus
refinamentos, incluindo trens de aterrissagem escamoteáveis e os
novos aparelhos para auxiliar o vôo, como o rádio e os instrumentos
de carlinga para vôo cego. Além disso, estavam também ingressando
numa nova era de motores aéreos, com a substituição do Kestrel, tão
intensamente experimentado na Alemanha, pelo magnífico Merlin da
Rolls-Royce. Havia igualmente o problema da compatibilização dos
armamentos com a velocidade dos caças modernos, o aparecimento,
com o Spitfire e o Hurricane, do caça com 8 metralhadoras.

Do lado do crédito, contudo, tiveram o conforto, Mitchell e Camm,


de se verem ardorosamente apoiados pelas respectivas companhias
durante todo o período de trabalho que realizaram no sentido de
avançar vários anos de pesquisa. Na Supermarine, uma subsidiária da
Vickers Aviation, o presidente da companhia associada da Vickers, Sir
Robert Mclean, protegeu Mitchell da interferência governamental,
especialmente porque ele estava construindo secretamente o
verdadeiro caça, o que o governo não havia encomendado.
... Tanto a Tão Poucos 13

Surgiram outros aviões quando iminente a batalha, como esta


narrativa mostrará - o bombardeiro Blenheim, por exemplo,
lamentavelmente destacado para o papel de caça, e o obsoleto biplano
Gladiator, muito superados pelos dois astros notáveis da Batalha da
Inglaterra, o Spitfire e o Hurricane.

Para imenso alívio da Força Aérea, os protótipos dos dois novos


caças revelaram grandes realidades logo em seus vôos inaugurais - o
Hurricane a 6 de novembro de 1935, e o Spitfire a 5 de maio de 1936.
Por volta de dezembro de 1937, o Uricana estava entrando em serviço
em esquadrões, mas os primeiros Spitfires só se tornaram disponíveis
para vôo operacional em junho de 1938.

Gradativamente, os novos Hurricanes e Spitfires substituíram os


obsoletos biplanos Gauntlet e Gladiator, que protegiam a Inglaterra
mas não eram adversários para os modernos caças e bombardeiros da
Luftwaffe. À medida que a velha-guarda entregava os esquadrões um
após outro, quem se sentia cada vez mais aliviado e satisfeito era
Dowding que, no verão de 1936, fora transferido da pesquisa e
desenvolvimento para criar e dirigir, como Comandante-Chefe, uma
organização de defesa digna dos novos aviões, o novo Comando de
caça da RAF. Toda a defesa aérea do país passou à responsabilidade
de Dowding. Além dos esquadrões de caça da RAF, o Comandante-
Chefe do Comando de Caças exercia o controle operacional do
Comando Antiaéreo, do Comando de Balões e do Corpo de
Observadores - mais tarde chamado Real Corpo de Observadores.

As frustrações de Dowding com o equipamento da RAF eram


muitas e irritantes, enquanto se esforçava por dotar a Inglaterra de um
sistema eficiente de defesa.

No começo, quando o Marechal-do-Ar de 54 anos de idade, se


deslocou para o QG Bentley Priory, uma histórica mansão situada em
Stanmore, nos arredores norte de Londres, teve de lutar contra uma
política derrotista. Em 1932, Stanley Baldwin declarou: “O
bombardeio sempre conseguirá passar... a única defesa é a ofensiva, o
que significa que vocês terão de matar mais mulheres e crianças mais
depressa se quiserem salvar-se”. Em 1936, ano em que Dowding
chegou ao Comando de caças, Stanley Baldwin se tornara Primeiro
Ministro.
Edward Bishop 14

Considerado homem de mentalidade muito defensiva, Dowding


estava incomodamente cônscio de que talvez tivesse de se reformar
mais cedo do que pretendia, porque, como o pessoal das forças
armadas britânicas dizem, um chapéu coco estava sempre suspenso
sobre sua cabeça. Ignorado como Chefe do Estado-Maior da
Aeronáutica, o cargo mais elevado da RAF, Dowding, homem
inflexível (que seus contemporâneos haviam apelidado de “Enjoado”),
não era popular no Ministério da Aeronáutica, onde eram tomadas as
decisões políticas. Dowding era obrigado a lutar pelos menores
detalhes do seu novo sistema de defesa, inclusive o pedido de pistas
de concreto, para tornar os aeródromos, de grama, utilizáveis em todas
as estações. O Ministério da Aeronáutica era contra as pistas de
concreto, alegando que eram difíceis de camuflar. Somente quando a
guerra se tornou iminente é que as autoridades permitiram que
Dowding recebesse o concreto pedido. Até então, Dowding vira-se
obrigado a experimentar sementes de gramas, para assegurar-se de que
nos aeródromos pelo menos fossem plantados tipos de grama mais
adequado.

Em outra altercação com as autoridades do Ministério da


Aeronáutica, Dowding, que lutava pela adoção de pára-brisas à prova
de bala nos seus Spitfires e Hurricanes, usou um argumento inspirado:
“Se os bandidos de Chicago podem andar em carros protegidos por
vidro à prova de bala, não vejo por que meus pilotos também não
tenham este direito”.

Mas os críticos de Dowding não conseguiam compreender por que


o chefe dos caças exigia tanto requinte no planejamento, muito
embora Stanley Baldwin tivesse advertido, em 1934: “Com o advento
da era do avião, as velhas fronteiras desaparecem. Quando se pensa
nas defesas da Inglaterra, não se pensa mais nos brancos rochedos de
Dover, e sim no Reno. É ali que estão as nossas fronteiras”. A
declaração de Baldwin pretendia justificar o minguado rearmamento
que estava ocorrendo. Enquanto isso, Hitler construía uma força aérea
capaz de colocar o exército alemão e as bases aéreas avançadas da
Luftwaffe a 35 km de distância dos rochedos de Dover.

Não obstante, apesar de todas as dificuldades, Dowding construiu


um sistema de defesa que, embora despreparado para lutar contra o
inimigo em Calais e que não era de modo algum infalível, conseguiu
salvar seu país da invasão e da derrota quando chegou a hora da prova,
em 1940.
... Tanto a Tão Poucos 15

O sucesso do sistema dependia da determinação de Dowding, que


estava tecnologicamente muito à frente do seu tempo, “em aplicar
previdentemente a ciência às exigências operacionais”.

Controle e padronização eram as ordens do dia. Idênticas salas de


operações foram instaladas nos QGs do Comando de Caças, nos
Grupos e nos Setores em que Dowding dividiu seu comando. Já em
1936, Dowding compreendeu que, em caso de guerra, em caso de
ataque à luz do dia, ele provavelmente estaria em inferioridade
numérica e teria escassez de caças. Portanto, projetou um sistema
flexível pelo qual, na área vulnerável do sul da Inglaterra, os caças
poderiam ser transferidos de um setor para outro e de um grupo para
outro pelo pessoal das salas de operações cuidadosamente ligados por
linhas telefônicas e de teletipos.

Enquanto se esforçava por preparar a Inglaterra para suportar os


ataques, Dowding sofria o drama de escassez de verba. Em 1936 ele
recebeu apenas 500 libras para construir uma sala de operações
experimental no salão de baile do Bentley Priory. Mais tarde, só lhe
destinaram 4.500 libras para montar um QG subterrâneo a prova de
bombas.

Mas tal parcimônia era perfeitamente desculpável, porque estavam


sendo feitas aplicações de verbas vultosas no desenvolvimento de um
importante projeto. Tratava-se do radar, direção e alcance pelo rádio,
ou, como era conhecido nos seu primeiros tempos, radiogoniômetro, o
escudo secreto da Inglaterra e, como se veio saber depois, a própria
salvação da pátria. A nova cadeia de radar também foi posta sob o
comando de Dowding, como o Grupo 60.

Estranhamente, a recém-surgida cadeia de radar que Dowding


vinculou ao seu sistema de defesa surgiu da idéia, encontrada na
ficção científica, de que os bombardeiros incursores poderiam ser
desintegrados por um raio da morte. Em meados dos anos 30, os
cientistas do órgão de defesa saíram, meio cépticos, para a pesquisa de
tal raio e comunicaram, depois de muito trabalho, a impossibilidade de
sua geração. Mas eles escondiam um trunfo: se era um contra-senso
fazer um feixe de rádio funcionar como um matador magnético, esse
mesmo feixe, como radiogoniômetro de longo alcance, era uma
possibilidade prática.
Edward Bishop 16

Entre os consultores científicos da RAF encontrava-se Robert


Watson-Watt, que criara um meio de localizar trovoadas pelo rádio.
Ele, que fizera ondas de rádio saltar das tempestades e da ionosfera,
conseguiu também que elas saltassem de aviões distantes. Acontece
que os primeiros experimentos de Watson-Watt foram feitos quando
Dowding era responsável pela pesquisa e desenvolvimento para a
Força Aérea. Assim, quando Dowding se mudou para o recém-criado
Comando de caças, ele ajudou a implantar a cadeia de torres de 150m
de altura que estavam sendo construídas nas costas leste e sul da
Inglaterra.

Justificadamente, a Luftwaffe, que realizava pesquisas no campo


da detecção de aviões a longa distância, estava cheia de curiosidade a
respeito das misteriosas torres. Desconfiando de que o aparecimento
dessas torres estivesse relacionado com idêntica atividade, a Luftwaffe
procurou investigar.

Audaciosamente, o General Wolfrang Martini, chefe de


comunicações da Luftwaffe, convencera Hermann Goering a repor no
serviço ativo o aposentado dirigível “Graff Zepellin” como laboratório
aéreo. A idéia era aceitável, porque nenhum dos aviões existentes
poderia proporcionar os elementos essenciais ao reconhecimento que
pretendia fazer, que eram o raio de ação, o espaço e a maneabilidade
que lhe permitissem parar, olhar e ouvir.

Apesar disso, a espionagem fracassou. O dirigível fez vários


cruzeiros pela costa da Inglaterra, mas seu complicado equipamento
não funcionou de maneira adequada e, depois de uma última tentativa,
feita em agosto de 1939, a Luftwaffe abandonou o trabalho de
reconhecimento.

Preocupada com seu importante papel na invasão da Polônia,


Noruega, Dinamarca, França, Holanda e Bélgica, a Luftwaffe de
desinteressou das torres de radar britânicas. Excessivamente confiante
por causa das vitórias continentais que colher e na expectativa de vir
proximamente a ditar os termos de paz com a Inglaterra, ou, na pior
das hipóteses, outra conquista rápida, a Luftwaffe não deu muita
atenção à rede de radar de Dowding na avaliação que fez das
possibilidades de sobrevivência da Inglaterra após a queda da França.

A confiança da Luftwaffe, em última análise insensata, parecia


bastante lógica no começo do verão de 1940. A RAF sofrera
... Tanto a Tão Poucos 17

seriamente na França e, segundo Goering imaginava, não estava em


condições de se reequipar e defender a Inglaterra contra ataques
aéreos contínuos. Mas a Luftwaffe ainda não se sentia familiarizado
com o espírito de “bulldog” de Churchill, nem tinha conhecimento das
providências tomadas pelo velho guerreiro para salvar os caças
existentes e para que fossem construídos novos aparelhos enquanto a
França estava caindo.

Para acelerar a produção de Spitfires e Hurricanes, o Primeiro-


Ministro recrutou o que chamou de “a energia vital e vibrante” de
Lorde Beaverbrook, o proprietário, canadense de nascimento, do
jornal Daily Express, nomeando-o Ministro da Produção Aeronáutica.

Para conservar os Spitfires e Hurricanes, o Primeiro-Ministro


proibiu a saída de reforços da RAF para a França. A medida, tomada
na oportunidade em que a França agonizava, talvez tenha sido a mais
pesarosa decisão de Churchill em toda a sua longa e aventurosa
existência. Sem o comparecimento dramático de Dowding a uma
reunião do Gabinete de Guerra, é de duvidar que Churchill a tivesse
autorizado.

Estarrecido com a volumosa perda de caças da RAF na França -


250 Hurricanes entre 8 e 18 de maio - Dowding solicitou permissão
para comparecer perante Churchill e seus Ministros. A 13 de maio
ordenaram-lhe que enviasse mais 32 Hurricanes ao outro lado do
canal, e a 14 de maio entrou em cogitação a possibilidade de serem
transferidos mais 10 esquadrões, ou 120 Hurricanes, após um pedido
urgente do Primeiro-Ministro francês, Paul Reynaud.

Dowding não estava só em suas preocupações a respeito da


situação. Os chefes de Estado-Maior da Marinha Real, do Exército
Britânico e da RAF comunicaram ao Primeiro-Ministro, sob o
agourento título de Estratégia Britânica Numa Eventualiade Certa:
“Enquanto nossa força aérea existir, a Marinha e Força Aérea, juntas,
deveriam ser capazes de impedir que a Alemanha leve a cabo a
invasão. Na eventualidade de vir a Alemanha a conquistar a
superioridade aérea absoluta, a Marinha poderia impedir a invasão por
algum tempo, não por um período indefinido. Nessas circunstâncias,
nossas forças de terra serão insuficientes para conter as forças de
invasão. O ponto crucial da questão é a superioridade aérea. Uma vez
que a Alemanha a tenha conseguido, poderá tentar subjugar o país
apenas pelo ar. Teremos que ser capazes de infligir, diariamente,
Edward Bishop 18

baixas ao inimigo que o impeçam de produzir castigos que nos seja


impossível suportar, embora não se possa garantir que nossos grandes
centros industriais não venham a sofrer danos sérios provocados por
ataques noturnos. Se o inimigo realizar ataques noturnos contra nossa
indústria aeronáutica, é provável que possa provocar a paralisação de
todo o trabalho”.

“Enquanto nossa Força Aérea existir...” Tudo se apoiava nessa


frase. Dowding não podia ficar de lado e permitir que suas pequenas
poupanças, apenas 39 esquadrões de Spitfires e Hurricanes, fossem
esbanjadas no que era obviamente uma causa perdida. Com menos de
1.300 pilotos - cerca de 150 abaixo dos efetivos - ele também tinha de
preservá-los. A 15 de maio, o marechal-de-Ar entrou na sala do
gabinete; colocando um gráfico explanatório sobre a mesa, Dowding
disse ao Primeiro-Ministro: “Se a taxa atual de baixas se mantiver por
mais uma quinzena, não teremos um único Hurricane na França, ou
neste país”. Os Spitfires não foram mencionados; eram tão preciosos
que, depois da evacuação do exército britânico de Dunquerque, não se
pensava em deixar sair da Inglaterra um Spitfire sequer.

A 19 de maio, Churchill determinou que nenhum outro esquadrão


de caças fosse para a frança, exceto para dar cobertura à evacuação. A
resposta de Churchill ao apelo de Dowding permitiu ao Comando de
Caças ajudar a Inglaterra a realizar a evacuação de Dunquerque, entre
26 de maio e 4 de junho. Mesmo assim, Dowding perdeu mais de 430
Spitfires e Hurricanes entre 10 de maio de a retirada de Dunquerque.

As perguntas que todos faziam eram sobre o tempo de hesitação de


Hitler e se a nomeação de Beaverbrook como Ministro da Produção
Aeronáutica demoraria muito a dar resultados. Felizmente para a
Inglaterra, enquanto Hitler dizia a von Rundstedt, na França, “que
faria a paz com a Inglaterra e lhe ofereceria uma aliança. A Alemanha
dominará a Europa e a Inglaterra, o mundo exterior”, Beaverbrook
punha a sua varinha de condão sobre as fábricas de caças.

Seus expedientes, ainda que pouco ortodoxos, eram divulgados


pelo seu próprio jornal, e faziam bem ao moral do povo. Pouco antes
de assumir o ministério, Beaverbrook lançou o seguinte apelo “Às
Mulheres na Inglaterra”: “Dêem-nos o seu alumínio... Nós
transformaremos frigideiras e panelas em Spitfires e Hurricanes,
Blenheims e Wellingtons. Portanto, peço a todos que tenham panelas,
cabides, sapateiras, peças de banheiro... feitos total ou parcialmente de
... Tanto a Tão Poucos 19

alumínio... que os levem ao QG local dos Serviços Voluntários


Femininos”.

Toda a imprensa fez ressoar o apelo. “Da frigideira ao Spitfire” era


a manchete inevitável. Na prática, as montanhas de caçarolas feitas
pelas donas de casa contribuíram muito pouco para a produção de
caças, mas o apelo de Beaverbrook valeu seu peso em, peças de
banheiro em termos de moral civil. A gente comum, mulheres, nas
suas cozinhas, aturdidas pelo rumo dos acontecimentos, achavam que
pelo menos aí estavam fazendo algo que podiam fazer. Caças, caças e
mais caças... a sobrevivência nacional dependeria dos Spitfires e
Hurricanes. No mês anterior à nomeação de Beaverbrook, a 14 de
maio. como Ministro da Produção Aeronáutica, ou Ministro dos
Aviões, como caracteristicamente preferia ser conhecido, as fábricas
haviam construído 256 caças de primeira linha. No crítico mês de
setembro de 1940, quando Londres era vítima de bombardeios aéreos
diários e as baixas da RAF atingiram o ponto culminante, a
organização de produção e reparos de Beaverbrook entregou 467
caças.

Para obter resultados tão espantosos com tanta rapidez - uma


produção média, mensal, de quase 500 caças - Beaverbrook
enlouqueceu os “malditos marechais-do-ar”, como chamava
coletivamente o Estado-Maior da força aérea, no Ministério da
Aeronáutica. Ele deitou fora seus programas de produção,
meticulosamente preparados e equilibrados, muito bonitos no papel,
mas totalmente irrealistas naquele momento de desespero. Dois
velhos militares consideravam o fato uma intromissão imprudente de
um estranho e o Marechal da RAF, Sir John Slessor, mais tarde
comentou: “Como se os amaldiçoados marechais-do-ar não
soubessem definir o que bom para eles, o novo ministro não perdeu
tempo em preparar um novo programa, baseado unicamente na
capacidade de produção da indústria de aviões; ele tinha pouca ou
nenhuma relação com as exigências estratégicas e a sua idéia principal
(talvez natural em quem não seja versado em problemas da aviação)
concentrava-se na produção de quantidades enormes de caças, sem
atentar para o efeito desse procedimento sobre outros tipos,
igualmente vitais. Coisas essenciais, embora menos espetaculares,
como aviões de treinamento, peças sobressalentes e um meticuloso
plano de produção de equipamento auxiliar, por não impressionarem
muito num gráfico, tendiam a ser postas de lado”.
Edward Bishop 20

Em todos os departamentos de guerra do governo, os funcionários


civis mais graduados ficavam chocados com a exibição de pirotécnica
administrativa de Beaverbrook. Eles mal se haviam recuperado do
golpe sofrido quando este sujeito extraordinário suprimiu do
calendário vigente em seu ministério os feriados de verão, alegando
que não permitiam as circunstancias de 1940, quando descobriram que
o homem esperava que eles largassem a caneta e usassem o telefone
para botar as coisas a funcionar. O pior é que ele convocou para o seu
setor alguns homens de negócio e engenheiros de produção
inteligentes, notadamente Patrick Henesy, então Gerente-Geral da
Ford Motor Company da Inglaterra, e Trevor Westbrook, recém-
chegado de Victória e a quem encontrara num campo de golfe,
desempregado.

Em suas relações com os Estados Unidos, onde ele já estava


comprando aviões antes do fim de maio, Beaverbrook, o canadense
que falava praticamente a mesma língua, agia com igual rapidez e
impetuosidade. Quando Henry Ford interveio pessoalmente num
negócio e se recusou a permitir que sua companhia construísse
motores Rolls-Royce Merlin, alegando que eram armas de guerra,
Beaverbrook transferiu o pedido para a Packard. Ignorando as
advertências dos especialistas, que diziam que a Packard era uma
empresa pequena demais para o pedido, Beaverbrook disse
simplesmente: “Ampliem-na”, e eles assim o fizeram.

Em combate

Chegou o mês de julho e por volta do dia 10, que é para os


britânicos o dia da Batalha da Inglaterra, a Luftwaffe, ainda contida
por Hitler, “brincava” com a navegação no Canal da Mancha e na
convidativa zona de invasão na costa sul inglesa. Para o Alto
Comando germânico a Inglaterra ainda estava em estado de choque,
depois da experiência de Dunquerque, e incapaz de compreender a
verdadeira situação em que se encontrava. Ela talvez ainda mudasse
de opinião e negociasse a paz. Enquanto isso, só poderia ser vantajoso
importunar e estender as defesas de caça da RAF, ou o que restava
delas.

Debaixo de grande excitação das repousadas tripulações da


Luftwaffe na costa norte da França, Bélgica e Holanda, os caças foram
armados e os bombardeiros, carregados. A Inglaterra continuava
normalmente conduzindo seus comboios pelo Canal e os portos e
... Tanto a Tão Poucos 21

bases navais britânicos do sul da Inglaterra permaneciam inviolados.


Fosse de paz ou não a situação, a triunfante Luftwaffe poderia muito
bem demonstrar que esse canal já não era mais uma vala inglesa; na
verdade, que o canal não era mais inglês. Para a força aérea alemã, a
tarefa parecia fácil. Com bom tempo, era possível ver-se claramente
os rochedos de Dover dos postos de observação da Luftwaffe e os
navios que passavam por eles balançavam como barcos de brinquedos
num lago de parque. Alvos fáceis. Bastaria jogar algumas pedras e
eles afundariam. A 10 de julho, a Luftwaffe escolheu um comboio.

Lentamente, logo depois do almoço, os navios mercantes do


comboio levantaram âncora nas proximidades de Dover e, no
Comando de Caças, Dowding viu imediatamente que algo de muito
especial estava por acontecer. O Radar - ainda conhecido como
radiogoniômetro, RDF - captara grande quantidade de aviões atrás de
Calais. Por semanas, após Dunquerque, a RAF esperara, pensando no
momento em que Hitler, desiludido de qualquer possibilidade de
transacionar um acordo com os britânicos, desencadearia o terror
contra Londres, mas ele não viera. Entretanto, para o Comando de
Caças, em Stanmore, e para o Comando do Grupo 11, em Uxbridge,
parecia haver chegado o momento da grande aventura.

Mesmo assim, o Vice-Marechal-do-Ar Keith Park, o neozelandês


líder do Grupo 11, reagiu com cautela. Duzentos Spitfires e
Hurricanes, ou cerca de um terço da força de defesa de primeira linha
da Inglaterra, estavam sob seu comando, em 19 esquadrões, 6 de
Spitfires e 13 de Hurricanes. Park compreendia que um erro da sua
parte pudera causar a derrota da Inglaterra na guerra em poucas horas.
Por isso, tão logo verificou que este não era o dia fatídico, que o alvo
era o comboio que cruzava o Canal, a RAF reagiu cautelosamente.
Seis Hurricanes do Esquadrão 32 já estavam patrulhando na
vizinhança e uma força de mais 20 Hurricanes e Spitfires, dos
Esquadrões 11, 74, 64 e 56, recebeu ordens de decolar para apoiá-los.

Mas o comboio já estava sendo atacado antes mesmo que os 6


pilotos de caça britânicos em patrulha pudessem chegar lá e, quando
chegaram, viram um espetáculo aterrador. Cerca de 70 bombardeiros e
caças da Luftwaffe caíram em cima do comboio como abelhas num
pote de mel. Para os pilotos dos Hurricanes, não havia como esperar
reforços, e mergulharam: 6 contra 70.
Edward Bishop 22

Quando a ajuda chegou, os Hurricanes já haviam obrigado o


inimigo a formar uma aspiral defensiva, de três camadas, acima dos
navios: Me 109 em cima, Me 110 no meio e os bombardeiros Do 17
embaixo.

Entre os elementos de reforço vinham 8 Spitfires do Esquadrão 74.


Subindo a 3.900m, 300m acima dos Me 109 de proteção, os Spitfires
mergulharam pelo cilindro; ao chegar ao nível do mar, a maioria deles
já havia gasto toda a munição. O comboio prosseguiu viagem, tendo
sofrido apenas uma baixa, um navio pequeno, mas a Luftwaffe
perdera 4 caças para 3 da RAF. A perda de 3 caças num só dia talvez
não chegasse a preocupar muito, desde que Hurricanes e Spitfires
novos e reformados estivessem chegando ao Comando de Caças,
enviado pela organização de Beaverbrook num ritmo de mais de 100
aparelhos por semana. Mas, com os 15 caças perdidos nos 7 dias
anteriores, isto preocupava Dowding. Mas, suponhamos que a
Luftwaffe se lançasse contra as estações de radar, os aeródromos dos
caças, as fábricas de aviões e contra Londres? Então, era de recear que
o total das perdas de uma semana no ar, em terra e nas fábricas
deixasse a Inglaterra aberta à invasão.

Assim, a iniciativa da Luftwaffe, a 10 de julho, criou um dilema


terrível para os defensores do mundo livre. Parecia que as alternativas
eram deixar que os navios em alto mar corressem o risco, com uma
cobertura aérea apenas nominal, às vezes sem nenhuma, ou então
arriscar tudo no mar, em vez de poupar os caças para a verdadeira
hora do perigo. Dowding tomou o cuidado de advertir a Marinha de
que os comboios talvez tivessem de se arranjar sozinhos.

O sol estava nascendo, a 11 de julho, o segundo dia da batalha,


quando o dilema se repetiu. A Frota Aérea 3 experimentaria a mira
contra os navios de um comboio britânico.

Naquele dia, os bombardeiros de mergulho, Stuka, de von


Richthofen deviam atacar um comboio que rumava para leste, pela
Baía de Lyme. Dez Ju 87, escoltados por 20 Me 109 das inquietas
unidades de von Richthofen, decolaram da vizinhança de Cherburg; o
radar os captou. Três Hurricanes do Esquadrão 501, de Warmwell,
situado no setor mais ocidental de Park, o setor de Middle Wallop do
Grupo 11, receberam ordem de dar combate ao inimigo, apoiados por
6 Spitfires do Esquadrão 609.
... Tanto a Tão Poucos 23

O três Hurricanes enfrentaram os Me 109, que lhes eram


superiores, na proporção de quase 7 para 1. Um Hurricane logo foi
derrubado: perderam-se dois Spitfires, um Stuka foi destruído e o
comboio prosseguiu viagem intato.

Nos aeródromos, os jovens pilotos dos esquadrões de caça, doidos


para enfrentar o inimigo com todo o entusiasmo e impetuosidade da
juventude, começavam a irritar-se. Por que aqueles burocratas idiotas
os estavam mandando em grupos de três e de seis para enfrentar
grupos inimigos muito mais numerosos, quando todos estavam ávidos
por entrar em combate? Os pilotos do Esquadrão 609 deram vazão aos
seus sentimentos a respeito, consignando no livro de registro de
operações: “Os pilotos se ressentem amargamente com o fato de
estarem sendo enviados pequenos grupos de caças para enfrentar a
intensa atividade inimiga na área de Portland. O envio freqüente de
apenas uma seção, no máximo uma esquadrilha, para fazer
interceptação, apenas para se verem em desesperada inferioridade
numérica ante os caças inimigos que atuam como escolta dos
bombardeiros, é desencorajador, porque o caça britânico então se vê
incapaz de cumprir a tarefa de destruir os bombardeiros, sendo
obrigado a travar apenas ação defensiva”.

Para o povo britânico, que ignorava que a RAF pudesse reunir


mais que as pequeníssimas formações para lutar como Davi contra
Golias, toda sugestão de desvantagens era um deleite.

A 14 de julho, com o prosseguimento dos ataques aos comboios, a


nação foi presenteada com um emocionante comentário radiofônico
transmitido dos rochedos de Dover, que confirmou a crença popular
de que, por mais que a RAF fosse numericamente inferior, ela era um
tremendo adversário para o seu poderoso inimigo. Todos se sentiam
tranqüilos diante da certeza de que a qualidade era mais importante
que a quantidade. O repórter radiofônico Charles Gardner berrou ao
microfone da BBC: “Bem, agora os alemães estão bombardeando o
comboio com mergulhos. Tem um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete
bombardeiros alemães - Junkers 87. Lá vai um agora contra seu alvo.
Bomba - não, aí esta - ele errou o alvo... Não acertou um só navio. Lá
vai um caindo, deixando um grande rastro. Não dá para ver bem esses
caças por muito tempo. Só se vêem quatro aparelhos rodopiando e se
ouvem pequenas rajadas de metralhadora, e quando se consegue ver o
aparelho, ele já se foi... Agora há uma luta encarniçada lá no alto -
temos três, quatro, cinco, seis aparelhos rodopiando e fazendo curvas.
Edward Bishop 24

Ouçam as metralhadoras. Ouçam, uma, duas, três, quatro, cinco, seis...


Vem vindo, um no encalço do outro. Lá vão eles; sim, eles estão sendo
perseguidos, e como. Três Spitfires perseguem três Messerschmitts...
Puxa! Olhem só como eles vão! E olhem como os Messerschmitts -
puxa, é espetacular! E lá vai um Spitfire bem atrás dos dois primeiros
- ele vai pegá-los! É, sim rapaz! Nunca vi nada tão bom... os rapazes
dos caças da RAF os pegaram firme!”.

Se a batalha aérea que se realizava ao longo da costa, bem à porta


da Inglaterra, era algo impar na guerra, seu registro em disco
constituía também uma novidade, e provocou enorme controvérsia.
Enquanto alguns afirmavam ser errado transmitir pelo rádio o
desenrolar da luta aérea como se fosse um acontecimento esportivo, a
maioria concordava com o ponto de vista da imprensa, de que era
como se o instinto esportivo do povo britânico tivesse chegado aos
rochedos de Dover.

Para os perplexos pilotos britânicos, que vinham sendo reprimidos,


a transmissão foi motivo de mais irritação ainda. “Por que é que não
podemos atacá-los?” era a pergunta que corria pelos ranchos dos
esquadrões.

Mas, em suas bases, os pilotos alemães estavam exultantes. A


julgar pelo tipo de oposição que vinham enfrentando, a RAF estava
realmente liquidada. Certo que os pilotos dos poucos caças com que se
bateram mostraram-se temerários até, mas, poderiam suas tênues
fileiras sofrer baixas?

A alusão ao esporte não era monopólio britânico. No estágio inicial


da batalha, os pilotos dos Me 109 levavam o instinto da caçada para
suas carlingas; instinto bastante estimulado pelo seu comandante-
chefe, Hermann Goering, que convidava os mais bem sucedidos ases
de caça para descansar em seu pavilhão de caça na Prússia.

Contudo, tais convites nem sempre eram tão bem aceitos como o
Marechal do Reich julgava. Não porque os pilotos tivessem escrúpulo
em abater uma peça de caçada mas por temerem que durante a breve
ausência da frente de combate os pontos conquistados pudessem ser
superados. Assim, quando Werner Molders, convidado por Goering
após derrubar o 40° avião inimigo, se despedia do Marechal do Reich,
depois de três dias em sua propriedade, o piloto persuadiu-o a reter o
seu grande competidor, Adolf Galland, por igual período.
... Tanto a Tão Poucos 25

Contudo, apesar da enorme vantagem que levavam no inicio da


batalha, os pilotos alemães não demoraram a aprender a temperar
diligência com cautela. Galland, em seu livro, “Os Primeiros e os
últimos”, registrou o seguinte: “Qualquer encontro com caças
britânicos exigia de nós o máximo... Só posso expressar a mais
elevada admiração pelos seus pilotos que, embora em desvantagem
técnica, lutavam com bravura e infatigavelmente. Eles, sem dúvida,
salvaram a pátria nessa hora crítica”.

A desvantagem técnica a que ele se refere é que no inicio da


batalha os Hurricanes e Spitfires eram mais lentos que, por exemplo, o
Me 109. Churchill assim resumiu o problema: “Os alemães eram mais
velozes e tinham melhor razão inicial de subida; os nossos são mais
manobráveis e mais bem armados”.

A verdade, apesar da disparidade dos números em combate, a


contagem, avião por avião, era desfavorável à Luftwaffe. Nos
primeiros 9 dias da Batalha da Inglaterra os alemães perderam 61
aviões, e 28 o Comando de Caças. E então, no 10° dia de luta, o
primeiro de uma sucessão de desastres a que viria sofrer atingiu a
RAF, quando foram destruídos 6 caças Defiant, de um esquadrão
composto por 8 aviões, perdendo a Luftwaffe apenas 2, a 19 de julho.

Descrever o Defiant como um caça é realmente correto, mas estes


aviões, com suas metralhadoras montadas em torre e com sua forma
curta e grossa, integrantes dos Esquadrões 141 e 264, embora não
fossem obsoletos, no sentido aplicado aos biplanos Gladiator, do
Esquadrão 247, estacionado perto de Plymouth, estavam nitidamente
deslocados no meio dos Hurricanes e Spitfires.

Tão ansiosos por entrar na luta quanto seus companheiros mais


afortunados, dos esquadrões de aviões de um só tripulante, pilotos e
artilheiros do Esquadrão 141 exultaram quando receberam ordens de
partir da Escócia para o Sul. O entusiasmo demonstrado não era de
todo infundado, porquanto o Defiant já tinha desfrutado de um dia de
glória, no combate com os Stukas sobre Dunquerque.

Na manhã de 19 de julho, 9 aviões Defiant voaram de West


Malling para o aeródromo costeiro de Hawkinge. Pouco depois do
almoço, veio a ordem: patrulhar a 1500m de altitude ao sul de
Folkestone. Mas não duraram muito, pois na direção do sol, e a mais
Edward Bishop 26

de 3000m acima deles, 20 Me 109 mergulharam contra a patrulha. Em


poucos momentos, 5 deles haviam caído ao mar e o 6° chocou-se
contra a costa.

Na manhã seguinte, mais 70 Defiants uniram-se ao Esquadrão - de


acordo com a promessa de Beaverbrook de substituir as perdas assim
que ocorressem. No dia seguinte, duas semanas depois que o
Esquadrão 141 chegara, entusiasmado, da Escócia, ele retornou ao
norte, deixando para trás 6 aparelhos, porque não havia aviadores para
pilotá-lo.

Com o passar dos dias de julho, incidentes como a destruição dos


Defiants encorajaram falsamente as tripulações da Luftwaffe, levando-
as a crer que a RAF estava sendo sistematicamente vencida,
entusiasmando-se ainda mais por encontrarem tão poucos Spitfires e
Hurricanes.

Registrou-se também sensível redução no número de navios


mercantes britânicos, durante o dia, nas áreas do Canal da Mancha
sujeitas a ataque. Se esse poderio marítimo pudesse ser expulso do
Canal, como parecia estar acontecendo, então, se houvesse
necessidade, a invasão seria realizada praticamente sem oposição!

Mas os defensores não ignoravam nada acerca da situação durante


esses quentes dias de julho. Por volta de 23 de julho, a Luftwaffe já
havia perdido 85 aparelhos, enquanto que a RAF registrava 45 baixas,
mas nem Dowding nem Park tinham ilusões sobre o apuro em que
estavam metidos. Eles sabiam que o inimigo só estava brincando com
eles e temiam o que poderia acontecer ao Comando de Caças se o
inimigo utilizasse todos os seus recursos. Acontece que a Luftwaffe
privara temporariamente a Marinha Real do domínio do Canal da
Mancha, humilhação esta que se tornou maior com os acontecimentos
de 25 de julho.

Após um dia de ataques simultâneos da Frota Aérea 2 contra


comboios no estuário do Tâmisa e no Passo de Calais (o Estreito de
Dover, como o chamam os ingleses), 60 bombardeiros, escoltados por
caças, hostilizaram um comboio de 21 navios mercantes, a maioria
dos quais navios carvoeiros. Cinco deles foram logo postos a pique e 6
ficaram avariado, numa série de ataques precisos e ferozes de
bombardeiros de mergulho. Para provar que a Alemanha estava
desafiando a Inglaterra pelo comando permanente do Canal, uma frota
... Tanto a Tão Poucos 27

de torpedeiras fez-se ao mar em plena luz do dia; tornou a fazer-se ao


mar à noite, e acabou com três dos navios avariados.

Seguiu-se outra humilhação, no dia 27 de julho, quando a


Luftwaffe afundou dois destróieres ao largo de Dover e avariou um
terceiro. Depois que um terceiro destróier foi afundado, a 29 de julho,
os destróieres foram retirados para a segurança relativa e temporária
de Portsmouth.

A superioridade aérea, primeiro sobre o canal e depois sobre o


sudeste da Inglaterra, era o requisito estabelecido pela Alemanha para
a obtenção da paz, com ou sem invasão, e o Alto Comando ficou
muito encorajado pelos resultados das operações exploratórias da
Luftwaffe. Mas, enquanto a RAF considerava que a Batalha pela
Inglaterra já havia começado, a Luftwaffe estava apenas sendo
vigorosamente contida, impaciente por intensificar as operações.

A 30 de julho Hitler instruiu pessoalmente a Goering para que


colocasse a Luftwaffe em estado de prontidão para o grande ataque, o
“ataque das águias”, como os planejadores do estado-maior alemão o
denominavam. Hitler ordenou que a Luftwaffe se preparasse “para
destruir as unidades aéreas, as organizações de terra e instalações de
suprimentos da RAF e a indústria de armamentos aéreos britânica”.

Hitler só precisava sussurrar o codinome “Dia da Águia” para que


tivesse inicio um ataque sem precedente na história da guerra.

Na Inglaterra, o povo, felizmente, ignorava a diretiva do Fuhrer. A


vida em Londres era espantosamente tranqüila, considerando-se o
perigo que a capital corria. A 3 de agosto, a equipe da RAF vencia um
jogo amistoso de criquete contra o Corpo de Bombeiros de Londres.
No mesmo dia, o aerobote Clare, da British Overseas Airways, fez seu
primeiro vôo de serviço de passageiros para o Novo Mundo. Foi um
marco e uma indicação de que o Atlântico não deixaria o Novo Mundo
de quarentena contra a infecção européia durante muito tempo.

A 8 de agosto, quando o Clare retornava com um grupo de pilotos


americanos contratados pelo Ministério de Produção Aeronáutica para
transportar aviões novos e reparados, das fábricas para os aeródromos,
Goering e demais comandantes da Luftwaffe estavam reunidos em
Karinhall, para completar os planos para o ataque das águias.
Tomando conhaque, fumando charutos e divertindo-se com seus
Edward Bishop 28

trenzinhos de brinquedo na atmosfera de faz-de-conta da faustosa


mansão de Karinhall, Goering e seus líderes da Frota Aérea
convenceram-se de que, com mais 4 dias de bom tempo, a Luftwaffe
poderia conquistar a superioridade aérea sobre o sudeste da Inglaterra
para finalmente pô-la de joelhos. Certo que as façanhas da Luftwaffe
no Canal da Mancha, no dia 8 de agosto, pareciam corroborar este
confiante ponto de vista.

Nas primeiras horas de 8 de agosto, a Marinha Real despachou um


comboio de 25 navios mercantes pelo Passo de Calais, esperando
fazê-lo passar pelos perigosos estreitos sob a proteção da noite. A
Marinha Real vinha desde julho, quando passaram a ser muito
atacados, reforçando a defesa dos comboios. Este, de 25 navios
mercantes, era acompanhado de navios de balão de barragem e
destróieres antiaéreos.

Mas o inimigo também estivera ocupado desde o começo de julho


e construíra uma estação de radar em Wissant, na costa do canal
fronteira a Dover, providência que o Almirantado ignorava quando
tentou fazer o comboio atravessar os estreitos e penetrar em águas
mais livres.

Das suas tocas, na costa francesa, surgiu uma força de velozes


torpedeiras, que afundou 3 navios e avariou 2 outros antes o
amanhecer. Mais tarde, naquele mesmo dia, o restante do comboio
estava navegando nas vizinhanças da Ilha de Wight quando a
Luftwaffe o descobriu.

A Luftwaffe veio duas vezes, trazendo cada leva mais de 80


bombardeiros de mergulho Stuka, escoltados pelo triplo de aviões de
caça, e atacavam com “50 de cada vez”. Era um desafio ostensivo ao
Comando de Caças - “venha até aqui e lute para proteger seus navios”,
o tipo de desafio em que a Luftwaffe confiava para reduzir o número
de Spitfires e Hurricanes da RAF e apressar o fim da guerra.

Sete esquadrões, dos 10° e 11° Grupos, decolaram às pressas. Para


o Cap. J.R.A Peel, que comandava o Esquadrão 145 de Hurricanes, os
Stukas não eram mais que um volumoso conjunto de pequenos pontos
pretos quando os caças britânicos mergulharam. Os pontos foram-se
tornando maiores até ganhar a forma de abutre característica do Stuka,
o bombardeiro de mergulho Ju 87.
... Tanto a Tão Poucos 29

“Cuidado com os Me 109!”. Os pilotos dos Hurricanes, no


momento de precipitar-se sobre suas presas, ficaram na mira dos caças
alemães; os caçadores haviam-se transformado em caçados.
Colocados na direção do sol, os pilotos dos Me 109, os anjos da
guarda dos Stukas, haviam percebido o que estava por acontecer. Em
poucos segundos eles se metiam atrás dos Hurricanes, obrigando os
pilotos da RAF a romper a formação para se defenderem. O Cap. Peel
fez o seguinte relato do ataque que na oportunidade sofreu de dois Me
109: “Os caças inimigos estavam girando, mergulhando e subindo.
Disparei duas rajadas de 5 segundos contra um deles e o vi cair no
mar. Então persegui outro, numa cabragem violenta, e o atingi quando
ele estolou”. Mas eles atingiram Peel, que caiu no mar, perto da costa
inimiga, em Boulogne. Quando os barcos de salvamento informaram
que talvez tivessem de voltar, o Esquadrão de Peel comunicou: “Aos
barcos de salvamento: vocês serão metralhados por nós se voltarem”.
O Cap. de Esquadrão foi salvo.

Na batalha furiosa de 8 de agosto, os Hurricanes e Spitfires


derrubaram 31 aviões inimigos, perdendo 19, números estes que
superaram os de qualquer dia de luta, desde 10 de julho. O comboio
prosseguiu viagem, mas perdeu 6 navios para as torpedeiras e
bombardeiros de mergulho.

A batalha estava ficando quente para os dois lados e a excitação e a


confiança cresciam nas carlingas britânicas, agora que os pilotos
vinham sendo, gradualmente, lançados ao combate em números cada
vez maiores. Também havia mais compenetração. Morte, desfiguração
por queimaduras e graves ferimentos provocados pelos encontros dos
esquadrões de caça começavam a dar aos jovens pilotos, mal saídos da
adolescência - já que Dowding, como regra geral, achava que os
comandantes de esquadrão de caça não deviam ter mais de 26 anos - a
certeza de que estavam empenhados em algo imensamente mais sério
do que aquilo que os comentários de Charles Gardner sugeriam, isto é,
uma competição esportiva. Qualquer sensação de irrealidade, só entre
os elementos do povo dotados de espírito esportivo tão desenvolvido
que nem mesmo a sombra de Hitler poderia neutralizar.

Tradicionalmente a caça ao galo silvestre começava a 12 de


agosto. A BBC explicou que era trabalho de guerra de importância
nacional e o Rei Jorge VI generosamente ofereceu as aves caçadas em
suas propriedades aos hospitais militares, e não aos membros da sua
família, como era o costume de tempo de paz.
Edward Bishop 30

A importância do dia 12 de agosto no calendário esportivo


britânico não passou despercebida para a Luftwaffe, que reconheceu a
“grosseria nazista” em abater 90 aviões da RAF no dia errado - 11 de
agosto. A aritmética da Luftwaffe era tão errada quanto certo o
conhecimento da tradição britânica revelado. Ela perdera 38 aviões,
contra 32 da RAF. Contudo, o crescente índice de perdas da RAF era
reflexo do lançamento de número cada vez mais elevado de caças em
combate.

A 12 de agosto, os boletins meteorológicos comunicaram que a


tendência do tempo era para melhorar mais, o que sugeria que Hitler
pudesse disparar o há muito esperado codinome “Dia da Águia!”. O
dia 12 de agosto amanheceu claro e límpido. De quando em quando,
um ligeiro nevoeiro apenas se insinuava e, enquanto as primeiras aves
da temporada eram abatidas nas charnecas britânicas, a Luftwaffe
aproveitou a favorabilidade do tempo para uma nova atividade,
tentando pela primeira vez destruir as estações costeiras de radar e os
aeródromos de linha de frente do sistema de controle de defesa a que
estas estações serviam.

A eficiência do sistema se devia à obstinada insistência de


Dowding, antes da guerra, no uso de comunicações perfeitas, em
suma, no verdadeiro controle. Embora de modo geral as instruções
partissem do QG do Comando de Caças, muitas das decisões mais
críticas, tomadas durante a batalha, saíram do QG do Grupo 11 do
Vice-Marechal-do-Ar Park, que recebeu toda a força do ataque.

Ninguém que visitasse o Grupo 11, em Uxbridge, em 1940, saía


sem uma impressão muito forte do que ali se passava, e, Winston
Churchill não foi exceção! “A sala de Operações do Grupo era como
um pequeno teatro, com cerca de 18m de largura e dois andares de
balcões laterais. Tomamos lugar no primeiro pavimento. Lá no meio
da sala, a mesa do mapa em grande escala, cercado por uns 20 jovens,
homens e mulheres, altamente treinados, com seus assistentes
telefonistas. Defronte de nós, cobrindo toda a parede onde deveria
ficar o pano de boca do teatro, erguia-se um gigantesco quadro-negro,
dividido em seis colunas de lâmpadas elétricas, representando as seus
estações de caça. A cada um dos seus esquadrões correspondia uma
subcoluna, também dividida por linhas laterais. Assim, a fileira
inferior de lâmpadas mostrava, quando acesas, os esquadrões que
estavam “De Prontidão” com dois minutos de aviso. A fileira acima,
... Tanto a Tão Poucos 31

os de “Prontidão” em 5 minutos; a seguir vinham os “Disponíveis”, 20


minutos, e depois os que haviam decolado; a fileira seguinte, os que
comunicaram haver avistado o inimigo e a seguinte - com luzes
vermelhas - os que se encontravam em ação, por fim, a fileira de cima,
os que estavam retornando à base. Do lado esquerdo, numa espécie de
caixa de vidro, estavam 4 ou 5 oficiais cuja tarefa era pesar e medir as
informações recebidas do nosso Corpo de Observadores, na época
integrado por umas 50.000 pessoas, homens e mulheres de diversas
idades. O radar ainda estava na infância, mas avisava de incursores
que se aproximavam da costa e os observadores, com binóculos e
telefones portáteis, eram a nossa principal fonte de informações sobre
o inimigo que sobrevoava o local. Milhares de mensagens eram
recebidas durante o desenrolar de uma ação. Essas mensagens eram
logo passadas a pessoal experimentado, que as distribuía por inúmeras
salas situadas no QG subterrâneo, que as selecionava rapidamente e de
minuto em minuto as enviava aos cartógrafos e ao oficial supervisor,
na caixa de vidro. Em um boxe também de vidro, situado do lado
direito da sala, permaneciam oficiais do Exército, que passavam as
seus elementos a atividade de nossas baterias antiaéreas...”Churchill.

Só depois de várias semanas de observação é que os comandantes


de Frota Aérea, Kesselring e Sperrle, sentiram plenamente a
importância das altas torres de radar - os olhos desse sistema - que o
“Graff Zeppelin” investigara tão mal. Ainda assim as frotas aéreas não
estabeleceram muito bem a extensão da ajuda que o radar de Dowding
podia dar na interceptação. Mas eles suspeitavam de que talvez a
Luftwaffe tivesse que, primeiro, cegar pela destruição os olhos do
radar e, segundo, arrasar os aeródromos avançados dos esquadrões
inimigos, para que o ataque das águias eliminasse a resistência dos
caças no sul da Inglaterra. A 12 de agosto, depois de ataques
simulados realizados de manhã cedo do lado francês do Passo de
Calais, a Luftwaffe desfechou seus primeiros golpes pesados contra o
sistema defensivo de Dowding.

Por volta das 09:00 horas, pontos vitais da rede de radar, na costa
sul, estavam sendo atacados, com bombardeiros e caças lançando-se
contra as 6 estações situadas entre Dover e a Ilha de Wight, onde a
estação Ventnor foi tirada do ar. A Luftwaffe também atacou os
aeródromos costeiros de caças de Manston, Hawkinge e Lympne, em
Kent. Situado bem na costa, esses aeródromos eram extremamente
vulneráveis. O Esquadrão 65 de Spitfires, após sua chegada de
Rochford, ainda estava em terra quando a primeira das 175 bombas
Edward Bishop 32

caiu sobre Manston. Na refrega, enquanto os Spitfires corriam pelo


aeródromo para decolar, estava o oficial-aviador B.E. “Paddy”
Finucane, recém-chegado ao Esquadrão. Já naquela manhã ele estivera
em ação, numa peleja com 30 Me 109, sobre o mar. Ao tentar fugir ao
ataque de dois insistentes pilotos de Me 109, Finucane subiu a 9.000m
e avistou mais 12 aviões inimigos. Ele narrou: “Mergulhei contra o
primeiro deles, que caiu no mar, deixando um rastro de fumaça
cinzenta”. Sob o céu de Manston, Finucane abateu então outro Me
109, e pôs-se a caminho de seu 32° inimigo derrubado e da promoção
a Comandante de Ala (tenente-coronel-aviador).

Manston, Hawkinge e Lympne sofreram seriamente com os


ataques. Em Hawkinge, os Ju 88 destruíram dois hangares, as oficinas
e esburacaram o aeródromo.

Felizmente para os defensores, a atenção da Luftwaffe esteve


concentrada sobre as estações de radar e os aeródromos avançados
nesses ataques a alvos verdadeiramente táticos realizados no dia 12 de
agosto. Foi com alivio que Dowding viu o peso do ataque ser
transferido para dois comboios que cruzavam o estuário do Tâmisa e,
para oeste, contra a base naval de Portsmouth.

Foi ali que teve lugar uma das incursões mais arrojadas da Batalha
da Inglaterra. Voando pela estreita entrada do porto, para aproveitar
uma brecha na trama de balões de barragem, veio uma força de
bombardeiros de mergulho Stuka. Felizmente, para uma área repleta
de alvos valiosos, como navios e instalações militares, os danos
produzidos foram pequenos. “Ali havia tudo com que um aviador
sonha”, transmitiu um piloto alemão depois do ataque. “navios
enormes estavam ancorados e atracados. Os alvos estavam tão juntos
uns dos outros que era praticamente impossível errar”. Mas eles
erraram. As bombas lançadas atingiram uma cervejaria, o que, embora
prejudicasse o moral da Marinha, não venceria a guerra para a
Alemanha.

No fim do dia, quando na RAF eram feitos cálculos sobre o tempo


que poderiam resistir, se a Luftwaffe concentrasse toda a sua
potencialidade contra as estações de radar e aeródromos de caças, o
Estado-Maior e as guarnições da Luftwaffe congratulavam-se por
mais uma batalha vencida. Apagaram em seus mapas os alvos
atacados e afirmaram haver destruído cerca de 60 caças.
... Tanto a Tão Poucos 33

Na verdade, a Luftwaffe perdeu 31 aviões e a RAF, 22. Manston


ficou fora de ação até o dia seguinte, tendo-se iniciado logo os
trabalhos de reparo da estação de radar de Ventnor, perto de
Bembridge.

A investida da águia

Quando, finalmente, após muita procrastinação, foi o codinome


transmitido, a 13 de agosto, o ataque das águias foi uma espécie de
anticlimáx e, pelo menos em seus primeiros momentos, quase um
fracasso. Não que os defensores vissem ou compreendessem isso na
época, talvez por haverem tomado os ataques contra os alvos terrestres
realizados no dia anterior como prenúncio de investidas cada vez mais
violentas ou, mesmo, de invasão. Mas logo de inicio a Luftwaffe
jogou fora a oportunidade, pois, mal iniciado o “Dia da Águia”, ele foi
cancelado apressadamente, embora o cancelamento da ordem não
chegasse a alcançar todas as unidades instruídas para o ataque.

Os defensores podiam agradecer à inconstância do tempo britânico


o verdadeiro prêmio que ganharam. Terça-feira, 13 de agosto, o dia
amanheceu nublado; a visibilidade era ruim nas bases da Luftwaffe da
França e dos Países Baixos e a manhã cobrira de névoa o sul da
Inglaterra. Todavia, se o objetivo era destruir a Inglaterra antes do
inverno, o “Dia da Águia” já estava perigosamente atrasado. Assim,
quando as previsões meteorológicas, compiladas dos informes
transmitidos por reconhecimento aéreo, mensagens de submarino e
das mensagens britânicas decifradas sobre o tempo no Atlântico,
pareceram suficientemente promissoras, foi disparado o ataque das
águias. Mas, quando as condições reais do tempo sobre a Inglaterra
chegaram ao conhecimento de Goering e ele decidiu adiar para o
período da tarde o início da operação, já algumas seções das Frotas
Aéreas estavam a caminho.

Para as guarnições terrestres e aéreas da Luftwaffe e da RAF, o


“Dia da Águia” começou cedo. Por volta das 05:30 horas, mais de 70
Dorniers 17 haviam decolado.

Se o Coronel Fink, comandante dos Dorniers, tivesse recebido do


Alto Comando a ordem de cancelamento, ele e seus homens teriam
tido mais umas duas horas de sono. Porém, ao amanhecer de 13 de
agosto encontrou-os reunidos em suas bases, procurando ansiosamente
nos céus a grande escolta de caças que deveria juntar-se a eles. Mas, a
Edward Bishop 34

ordem que adiava o ataque, que não chegara ao conhecimento de Fink,


fora recebida pelos caças pouco depois de decolarem. Contudo, eles
não tinham contato radiofônico com os bombardeiros que deveriam
escoltar até os alvos e de voltar às bases. O comandante dos caças,
preocupado com a mudança, tentou, cabriolando em acrobacias
aéreas, inutilmente atrair a atenção de Fink. Os caças tinham ordens
de regressar à base e os bombardeiros, de desfechar o “Ataque das
Águias”, e ordens eram para ser obedecidas. O cancelamento foi
radiografado desesperadamente do QG de Kesselring, mas o receptor
de Fink, por qualquer motivo, não o recebeu. Outro bombardeiro
captou a mensagem, mas entendeu que fosse apenas a confirmação da
ordem, e iniciou-se o ataque.

Assim é que Fink se viu comandando a primeira missão do


“Ataque das Águias” inexplicavelmente abandonado pela escolta de
caças. Mas a sorte não o abandonara de todo, porque a grande camada
de nuvens que provocara o adiamento do ataque, de tal modo
confundiu as defesas de radar da RAF e o Corpo de Observadores de
terra, incumbido de transmitir informes sobre as formações inimigas
avistadas aos controladores de caça, que sua força de bombardeiros
teve o trabalho muito facilitado.

A navegação dos bombardeiros foi excelente, pois ali, a 3.000m


abaixo, no momento exato em que as nuvens densas começaram a
desfazer-se, estava o aeródromo de Eastchurch. Os bombardeadores
da Luftwaffe podiam ver os aviões da RAF enfileirados como se
estivessem prontos para receber, em tempo de paz, a visitação pública.

Acontece, porém, que foi um alvo dispendioso, porque Eastchurch


era um aeródromo do Comando Costeiro, e não de uma das estações
do Comando de Caças. Ainda assim, se a Luftwaffe estava disposta a
reduzir os efetivos de caça da RAF no ar, um ataque ali provavelmente
atrairia os caças de Dowding tanto quanto um ataque em qualquer
outra parte, na frente de invasão do sul da Inglaterra; isto, no entanto,
não lhe foi possível, na oportunidade, por causa da ausência dos caças
alemães.

As bombas de Fink estavam caindo, às 07:00 horas, quando os


defensores, mal alertados por causa do tempo nublado e de uma
marcação de radar incomumente fraca, perceberam que Eastchurch
estava sendo atacado. Restava então interceptar os “bandidos” quando
voltassem à base; felizmente, os Hurricanes do Esquadrão 111, do
... Tanto a Tão Poucos 35

Cap. de Esquadrão John Thompson, que estava patrulhando sobre


Folkestone, já estava muito bem situado para o trabalho. Os
Hurricanes se abateram sobre os Dorniers e, devorando-os,
derrubaram 5 aviões inimigos em igual número de minutos. Cerca de
meia hora depois, Thompson e seus pilotos, já no rancho do campo de
Croydon, tomavam a segunda refeição do dia.

A força de Fink, meio desmantelada e desesperadamente ansiosa


por retornar à base, amaldiçoou a ausência dos caças que não os
acompanharam. Os bombardeiros da Luftwaffe receberam não só a
fúria do ataque do Esquadrão 111, como também foram atacados,
sobre os viveiros de ostras de Whitstable, pelos Hurricanes do
Esquadrão 151 e por Spitfires do ás sul-africano, o Cap. de Esquadrão
“Sailor” Malan, com seu Esquadrão 74.

Fink chegou são e salvo à base, mas com 50 anos de idade e com
um senso paternal de responsabilidade pelos seus jovens tripulantes,
ele não era um oficial que ignorasse a terrível experiência, cheio de
gratidão pelo que fizeram por sua segurança. Ele se queixou
amargamente ao seu Comandante da Frota Aérea, Kesselring, que,
compreendendo a explosão do seu alto subordinado nas
circunstâncias, explicou e desculpou-se pessoalmente pelo erro.

Os Dorniers, apesar de tudo, conseguiram encontrar um alvo,


ainda que insignificante, que foi Eastchurch, mas uma força escoltada
de bombardeiros Ju 88, operando a oeste, foi completamente lograda
pelo tempo nublado. Divididos em duas seções, os JU 88 procuravam
o aeródromo de caças de Odiham e o estabelecimento de pesquisa e
desenvolvimento da RAF de Farnborough - alvos que, como o
aeródromo do Comando Costeiro em Eastchurch, não mereciam a
lisonjeira atenção do “Ataque das Águias”. a destruição das estações
de Odiham e Farnborough, mesmo que tivesse ocorrido, não teria
contribuído para a vitória em quatro dias com que Goering contava.
Infelizmente para os Ju 88, eles não só foram incapazes de achar os
dois objetivos, como também encontraram os Esquadrões 43, 64 e 601
durante a busca que faziam.

Um dos pilotos do 601 era um voluntário americano, oficial-


aviador Billy Fiske. Decolando apressadamente de Tangmere, às
06:45 horas, para a primeira de várias surtidas que realizou no dia 13
de agosto, Fiske, envergando o uniforme azul da RAF, não precisava,
por dois motivos, buscar dificuldades nos céus da Inglaterra antes do
Edward Bishop 36

desjejum. Seus país era neutro e seu “Esquadrão da Águia”, formado


de voluntários, só se tornaria operacional após a Batalha da Inglaterra.
Na luta daquela manhã cedo, Fiske saiu com o crédito de um Ju 88
possivelmente destruído e outro bombardeiro alemão avariado.

Mais tarde, naquela manhã de 13 de agosto, a Luftwaffe tornou a


estragar o “Ataque das Águias”. Desta feita, uma inversão de erro que
tanto perturbara as tripulações dos Dorniers antes do desjejum, uma
força de bombardeiros da Frota Aérea 3 não lograra encontrar-se com
seus caças para uma incursão contra a base naval de Portland. A
escolta de bombardeiros, formada por cerca de 30 caças-destróieres
Me 110, foi desbaratada. Cinco Me 110 caíram em 6 minutos e o
restante fugiu para a segurança da França.

Um dos pilotos da RAF, Tenente-Aviador Sir Archibald Hope, um


baronete britânico, do Esquadrão 601, narrou, caracteristicamente:
“Disparei uma rajada curta contra um avião inimigo pela frente e,
quando passei, ataquei outro da mesma forma. Ele fez uma curva
fechada e atravessou na minha frente, subindo, de modo que pude ver
toda a sua barriga azul-claro. Esgotei minhas balas ali...”

Aproveitando um bom aviso do radar, dois Esquadrões do Grupo


10 e um dos Esquadrões de Park haviam operado formando uma ala
dessa operação de defesa, em que esteve em ação razoável
quantidades de aviões, diferente do que vinha acontecendo. Embora
encontrassem os já desacreditados Me 110, os três esquadrões,
acostumados a lutar em desvantagem, ficaram muito encorajados com
a fuga precipitada do inimigo diante da superioridade numérica dos
caças britânicos.

Depois desse tipo de ação, em geral a calma voltava à superfície


do mar e, do céu, as cicatrizes formada pelos rastros deixados pelos
aviões em queda começavam a dissipar-se. O fim da batalha não
marcara, porém, o momento de retornar à base, se ainda havia
combustível. Sobre o mar, a atividade muitas vezes prosseguia, para o
socorro àqueles que ali houvessem caído. Nesse dia, o Tenente-
Aviador Hope desceu para procurar amigos que pudessem estar “no
drinque”. Ele sabia que vidas estavam sendo salvas diariamente pelo
cuidado que os pilotos de caças tomavam de localizar e proteger seus
camaradas no mar. Afirmou Hope: “Estou convencido de que, a menos
que andássemos por ali, sobre as águas, eles não teriam sido salvos.
Era fácil vê-los do ar enquanto seus pára-quedas flutuassem, isto é,
... Tanto a Tão Poucos 37

durante meia hora no máximo”. O tenente-aviador avistou um dos


pilotos de seu Esquadrão, orientou uma torpedeira da Marinha para o
local e uma vida foi salva. Levaram-no para o hospital naval em
Portland, para pensar os ferimentos causados por “schrapnel” e, mais
tarde, naquela mesma noite, ele retornou aos eu Esquadrão, em
Tangmere.

O fato de que, não fosse a lealdade dos companheiros, um piloto


de caça, com experiência operacional, teria morrido afogado, refletia a
triste falta de um bom Serviço de Salvamento Aeronaval, em agosto
de 1940. Quando a batalha começou, havia apenas 14 lanchas de alta
velocidade para a RAF fazer salvamentos aeronavais em toda a
extensa linha costeira da Inglaterra.

A vida dos pilotos de caça era muito preciosa. Embora os


voluntários que serviam nos barcos salva-vidas da Real Instituição
Nacional de Salva-Vidas estivessem fazendo corajosamente o máximo
que podiam, e embora os pescadores etc, estivessem também
ajudando, o mar estava cobrando tributo em homens que deveriam ter
sido salvos.

Uma jovem civil salvou uma vida, fazendo-se ao mar numa canoa
pequena e frágil. Voltou, remando, com o piloto. Ela foi agraciada
com uma medalha pelo rei.

Tal façanha, inspiradora de inúmeras outras, estava de acordo com


o espírito vigente em 1940, mas também ressaltava a necessidade de
um plano de emergência para salvamento aeronaval. A RAF, a
Marinha e o Exército esforçaram-se apressadamente para criar um
serviço de salvamento no Canal da Mancha, formado de lanchas da
RAF, barcos leves da marinha e aviões de reconhecimento Lysander,
tomados por empréstimo ao Exército para lançar pequenos botes.

Em contraste com isso, a Alemanha tinha um serviço bem


planificado para pescar os aviadores do Canal e devolvê-lo ao serviço
ativo. A Luftwaffe estava equipada com hidroaviões He 59 e lanchas
velozes. Com o prosseguimento da batalha, ela introduziu barcos de
luxo para salvamento, dotados de quatro beliches, cobertores, roupas,
alimentos e água e colocados a intervalos regulares no meio do Canal.

Enquanto os pilotos dos Me 109 transportavam barcos infláveis, os


pilotos dos Hurricanes e Spitfires dependiam unicamente dos seus
Edward Bishop 38

coletes salva-vidas “Mae West”. Contudo, havia uma característica


nos arranjos de salvamento britânico como qual a Luftwaffe não podia
competir: O Serviço de Pombos da RAF, que havia sido criado antes
da guerra.

Apesar do mau tempo ininterrupto, a Luftwaffe reiniciou as


operações na tarde de 13 de agosto. As grandes camadas de nuvens,
densas e baixas, que cobriam o sul da Inglaterra por certo não eram
propícias a ações de caça a céu aberto que, segundo a Luftwaffe
esperava confiante, acabariam com a força de caça da RAF.

Contudo, a Luftwaffe intensificou seus esforços depois do almoço,


desfilando caças, bombardeiros e bombardeiros de mergulho desde o
estuário do Tâmisa, no leste, a Southampton, no oeste.

Noventa bombardeiros, fortemente escoltados, foram despachados


com a intenção de estender as defesas de caça meridionais até seus
limites, por vários aeródromos fora de combate e, de passagem, fazer
as docas de Southampton passar uns maus bocados. Naturalmente, era
uma pretensão descabida que só poderia ter saído da atmosfera
eufórica de Karinhall.

No todo, o plano teve êxito muito minguado. É verdade que uma


força de bombardeiros Ju 88 chegou até Southampton e provocou
sérios incêndios em suas docas, mas nenhum aeródromo de
importância foi danificado, e a Luftwaffe dava-se muito mal toda vez
que buracos nas nuvens permitiam aos esquadrões interceptadores a
oportunidade de combatê-la.

Um Esquadrão do Grupo 10, no qual serviam os oficiais Andy


Mamedoff, Red Tobin e Shorty Keogh, três compatriotas, também
voluntários, do americano Billy Fiske, saiu-se extraordinariamente
bem. Eles apresentaram o seguinte relatório: “Treze Spitfires
decolaram de Warmwell para uma reunião memorável sobre a Baía de
Lyme e um dia infeliz para os Ju 87, quando nada menos de 14 deles
foram destruídos ou danificados numa caçada recorde do Esquadrão,
que também incluiu 5 dos Me de escolta. “A formação inimiga,
consistindo de cerca de 40 bombardeiros de mergulho, em 4
formações em V, com quase outros tantos Me 110 e 109, deslocando-
se na direção norte, vinda do Canal, foi surpreendida pelo ataque do
Esquadrão 609, descendo da direção do sol. Os 13 pilotos nossos
dispararam suas metralhadoras... Um piloto de caça britânico, que no
... Tanto a Tão Poucos 39

dia anterior lamentara estar ausente na caça ao galo silvestre, no


“Glorioso Dia 12”, achou que o sucesso do Esquadrão 609 compensou
plenamente a tristeza da ausência”.

Durante a tarde, a RAF também esteve ocupada em seu flanco


oriental, o mais vulnerável. Também ali a Luftwaffe escolheu um alvo
de importância secundária, atacando Detling que, como Eastchurch,
atacada naquela manhã, era basicamente uma estação do Comando
Costeiro. Embora o comandante da estação fosse morto no ataque de
bombardeiros de mergulho, e a sala de operações, os ranchos e a
cozinha acabassem bastante danificados, o pessoal da estação limpou
o rancho e repôs os serviços essenciais em seu funcionamento por
volta da hora do almoço do dia seguinte.

No fim do dia que presenciaria o começo do fim do Comando de


Caças, o “Ataque das Águias” fracassou. Ao pôr-do-sol, a Luftwaffe
completara 1.485 surtidas; cerca de um terço dos aviões que delas
participaram se compunha de bombardeiros, contra 700 da RAF. Na
contagem feita no pós-guerra, verificou-se que a Luftwaffe perdera 45
aviões e a RAF, 13. Contudo, na época, a Luftwaffe acreditava ter-se
saído bem. Declarando ter destruído 88 caças britânicos em condições
atmosféricas adversas, ela deu a si mesmo boas razões para já avistar
o fim.

Como que para acrescentar mau augúrio à confiança alemã, houve


uma notícia, na manhã seguinte, informando que no dia 13 de agosto o
“Big Ben” de Londres soou 13 badaladas à meia noite em vez de 12.

A RAF, apesar do razoável sucesso obtido a 13 de agosto, não


tinha ilusões quanto aos riscos que estavam todos correndo. Tendo
muito maior volume de ação, a Luftwaffe estendeu, a 13 de agosto, os
Esquadrões de Linha de Frente, ao mesmo tempo em que começavam
a ser empenhados mais e mais Hurricanes e Spitfires.

Relativamente, o dia 14 de agosto foi mais calmo; entretanto,


como sucessor de um dia de operações muito mais movimentado, os
defensores o consideraram bastante oneroso. Muito embora
neutralizasse em grande parte o seu poder de ataque, voando debaixo
de tempo desfavorável e alvejando pontos apenas relativamente
recompensadores, a Luftwaffe tinha a vantagem da surpresa. O radar,
suplementado pelos informes visuais do Corpo de Observadores,
podia servir Dowding e seus comandantes de grupo com razoável
Edward Bishop 40

precisão, mas a diversidade dos ataques da força aérea germânica e a


escolha inesperada dos alvos surpreendiam e confundiam o
deslocamento dos esquadrões defensores de uma frente costeira de
400 km. Mas ainda restava ver se o Comando de Caças poderia resistir
ao ataque geral esperado e temido desde a queda da França. A 15 de
agosto começou o verdadeiro teste, quando pela primeira e única vez,
durante a batalha, a Luftwaffe lançou as três Frotas Aéreas contra a
Inglaterra.

Este seria o dia da grande arremetida, do verdadeiro ataque das


águias, o primeiro dos 4 dias em que a RAF seria rechaçada nos céus
do sul da Inglaterra. “Ataquem ao longo de uma frente extensa, da
costa leste à costa oeste da Inglaterra. Acabem com as estações de
radar, destruam os aeródromos, obriguem os caças restantes a decolar
para combater e destruam-nos”- esta a orientação que os pilotos
alemães receberam.

15 de agosto era o dia pelo qual os estrategistas de gabinete


alemães haviam esperado impacientes, enquanto exultavam sobre
mapas, diagramas e desenhos da imprensa que projetavam uma
Inglaterra cercada com a água alemã presa à sua garganta. A rádio
alemã, transmitindo em inglês, para que o inimigo não abrigasse
dúvidas quanto ao destino que o aguardava, anunciou, impertinente:
“A Inglaterra está numa bandeja esperando o ataque da Força Aérea
alemã. Ela não pode escapar. John Bull será destruído. Ou se rende ou
a Inglaterra será aniquilada”.

Quando amanhecia sobre as Ilhas Britânicas, a atividade inimiga


se restringia a vôos rotineiros de reconhecimento. Até mesmo as
incursões matinais contra os aeródromos avançados de Lympne e
Hawkinge, embora severos, podiam ser considerados normais, nas
circunstâncias. Contudo, igualmente valiosos para o inimigo foram os
ataques simulados que não se materializavam. Desde o amanhecer a
Luftwaffe mantinha os Esquadrões do Grupo 11 em guarda. O
desgaste dos homens e das máquinas já começavam a fazer-se sentir e
as repetidas decolagens e aterrissagens aumentavam o perigo de os
esquadrões serem surpreendidos enquanto se rearmavam e
reabasteciam em terra. Ali, o problema básico era que a
responsabilidade pela defesa do sudeste da Inglaterra - a área da
invasão - e de Londres cabia principalmente às estações de caça
incluídas num sistema de defesa que supunha que as bases de
bombardeiros estavam confortavelmente situadas além do Mosa. Os
... Tanto a Tão Poucos 41

aeródromos mais avançados não só estavam expostos a ataques


repentinos, como também os pilotos que operavam deles muitas vezes
eram obrigados a decolar para o interior, para atingir atitudes de onde
pudesse se engajar na luta.

Assim, até o meio-dia, vários ataques violentos aos aeródromos do


sudeste da Inglaterra e muitos ataques simulados no Canal
mantiveram o Grupo 11 ocupado e preocupado, enquanto que no norte
da Inglaterra surgia numa situação nova.

Durante algum tempo, os aviadores alemães da Frota Aérea 5, de


Stumpf, estacionada na Noruega e Dinamarca ocupadas, vinham
cobiçando a participação mais ativa e gloriosa dos seus colegas das
Frotas Aéreas 2 e 3. Foi-lhes dada a oportunidade de também
contribuir para o esmagamento iminente da RAF e, enquanto taxiavam
para a decolagem, julgavam que um passeio os esperava. As ordens de
Stumpf eram para que destruíssem os aeródromos do nordeste da
Inglaterra e de Yorkshire, na crença de que as defesas de caça do norte
e do interior haviam sido desviadas para reforçar a frente de invasão.

Mas o serviço de inteligência alemão estava enganado. O


intercâmbio de esquadrões havido foi de grupos cansados, que se
deslocaram para setores mais calmos, por elementos já repousados,
que voltaram à linha de combate. No Real Corpo de Aviação, quando
ainda simples oficial subalterno, Dowding viu pilotos esgotados
decolar para morrer sobre as trincheiras da Primeira Guerra. E
Dowding não iria incidir no erro cometido por seus superiores no
conflito 1914-18 a menos de que não tivesse outra alternativa. Por isso
é que as impacientes tripulações da Frota Aérea 5 teriam uma surpresa
desagradável.

Pouco depois do meio-dia o Comando de caças recebeu a


comunicação de que aviões inimigos estavam a 160 km de Firth of
Forth, na costa leste da Escócia. A antecedência com que o aviso foi
transmitido permitiu que o Grupo 13, do Vice-Marechal-do-Ar R.E.
Saul, pusesse no ar seus caças bem a tempo de enfrentar o inimigo
sobre o mar.

Apesar de o radar da costa leste, que não era afinal mais preciso na
avaliação do volume das forças atacantes que os mais ocupados da
cadeia de radar da costa sul, haver subestimado em cerca de 65
bombardeiros He 111 e 34 caças de longo alcance Me 110 a formação
Edward Bishop 42

que vinha para o ataque, Saul despachou todos os seus aviões


utilizáveis - três Esquadrões de Spitfires, um de Hurricanes e até
mesmo um de Blenheims, que, embora fizessem parte da ordem de
batalha do Comando de Caças, dificilmente deveriam ser
mencionados no mesmo contexto dos Spitfires do Esquadrão 72 para o
combate ao inimigo.

A 48 km de distância, além das sombrias Ilhas Farne, os pilotos


dos Spitfires o avistaram, e o que constataram foi para eles espantosa
surpresa. O radar previra uma força de mais ou menos uns 30
aparelhos, mas o que divisaram os pilotos britânicos abaixo deles,
eram uns 100 bombardeiros sem escolta. Em números redondos, o
cálculo estava certo, mas os pilotos da RAF erraram em não
identificar a escolta de caças Me 110 de longo alcance, transportando
tanques extras de combustível para o longo percurso desde a
Escandinávia. O Tenente-Aviador Edward Graham, líder de Spitfires,
parou mentalmente por instantes. Era com se uma criança tivesse
recebido de presente uma fatia enorme de bolo de aniversário e não
sabia por onde começar. Ele ficou meio aturdido diante do número de
inimigos, mas em segundos a indecisão e o espanto deram lugar à
ação. Graham e seu Esquadrão lançaram-se sobre eles com a gula de
quem há muito estava faminto pela oportunidade que se apresentava.

Desfrutando de vantagem normalmente negada aos seus camaradas


lotados no sul da Inglaterra, onde a travessia do mar era demasiado
curta, os pilotos de Saul contaram com espaço suficiente para superar
a altitude da força atacante durante o vôo de interceptação. A 900 m
acima das tripulações alemães e com o sol idealmente às suas costas,
os pilotos de caça britânicos mergulharam sobre a massa de Heinkels e
Messerschmitts.

Na luta que se seguiu, a escolta de caças Me 110 saiu-se pior que


os bombardeiros. Sem os seus artilheiros, que haviam ficado na
Noruega e na Dinamarca, por causa da longa distância da operação,
alguns pilotos do desacreditado caça-destróier de Goering deitaram
fora seus tanques extras de combustível e formaram um círculo
defensivo. Outros mergulharam na direção do mar e fugiram para suas
bases.

Os Heinkels, dispondo de alcance maior e mostrando-se mesmo


mais determinados, dividiram-se em dois grupos e cruzaram a costa.
Hostilizados pelos Esquadrões de apoio de Saul, eles não conseguiram
... Tanto a Tão Poucos 43

alcançar os aeródromos que tinham como objetivo e retornaram às


suas bases, em Stavanger, na Noruega, tendo perdido 8 aparelhos.
Com outros 7 que desceram no momento em que se deu o encontro
dos dois adversários, contra nenhum da RAF, o dia tinha assim um
começo terrivelmente ruim para os homens da Frota Aérea 5, de
Stumpf, que haviam decolado com tanta confiança.

Mas, a 160 km ao sul, uma força de 50 Ju 88, que eram mais


velozes e ágeis, pertencentes à Frota Aérea 5, teve melhor sorte.
Descendo de Aalborg, no norte da Dinamarca, os bombardeiros
Junkers foram captados pelo radar da costa leste e tornaram-se
responsabilidade do Grupo 12, do Vice-Marechal-so-Ar Trafford
Leigh-Mallory. Operando em setores situados ao sul dos Esquadrões
de Saul e, por conseguinte, já mais envolvidos na Batalha da
Inglaterra do que seus vizinhos do norte, os Esquadrões de Leigh-
Mallory vinham encontrando freqüentes oportunidades de agir, à
medida que a batalha sobre o sudeste da Inglaterra se estendia até
Londres.

Os Ju 88 que, sem escolta, se aproximavam de Flamborough Head


se ofereceram aos 12 pilotos de Spitfire do Esquadrão 616 e aos 6
pilotos de Hurricanes do Esquadrão 73 que, entre si, foram
responsáveis pela destruição de 8 bombardeiros. Violentamente
empenhados em combate, os Junkers se dividiram, mas uma força de
cerca de 30 bombardeiros fez um ataque decidido contra uma estação
de bombardeiros da RAF em Great Driffield, Yorkshire. Os danos
foram pesados e 10 bombardeiros Whitley foram destruídos em terra;
embora séria a perda sofrida pela RAF, foi uma felicidade para os
defensores que a Frota Aérea 5 tivesse escolhido uma estação de
bombardeiros, porque o caos equivalente provocado num campo de
caças teria sido muito mais desastroso para eles, nesse estágio da
batalha. A tentativa de impedir a atividade dos bombardeiros da RAF,
na época simples alfinetadas, era um desperdício enquanto o Comando
de caças, a chave da porta da frente da Inglaterra, continuasse
existindo. Por esse esforço valente, ainda que pródigo, a Luftwaffe
pagou 8 bombardeiros Ju 88. Perdendo 23 aparelhos dos 123
bombardeiros e 34 caças utilizáveis, a Frota Aérea 5 suspendeu as
operações depois de 15 de agosto, e só reapareceria ao anoitecer, com
quaisquer números, durante o resto da batalha.

No sul, onde os ataques diurnos, feitos, em grande escala, pelas


Frotas Aéreas 2 e 3, não obedeciam ao trajeto da Frota Aérea 5, que
Edward Bishop 44

era pelo Mar do Norte, os acontecimentos de 15 de agosto foram mais


duros para os defensores. Ali, a cartada há muito esperada e temida
estava sendo jogada, quando toda a fúria das duas Frotas Aéreas foi
lançada contra os aeródromos dos caças de linha de frente de
Dowding.

No meio da manhã, 40 bombardeiros de mergulho Ju 87,


escoltados por 60 caças, atacaram os aeródromos avançados de
Lympne e Hawkinge. O primeiro foi devastado durante dois dias; o
segundo não sofreu tanto, porém mais sério foi o fechamento de duas
estações da cadeia de radar, por falta de energia.

Uma hora depois de iniciado o ataque aos dois aeródromos citados,


12 Me 109 mergulharam sobre o aeródromo de Manston, localizado
no alto de um rochedo, varrendo-o com fogo de canhão e
metralhadora e destruindo 2 Spitfires no solo, A seguir, voltou-se a
Luftwaffe contra a estação de caças situada mais para o interior, em
Martlesham Heath, submetendo-a a um selvagem ataque desfechado
por uma força de Stukas poderosamente escoltados. Ao mesmo tempo,
100 caças e bombardeiros da Luftwaffe começavam a aproximar-se da
costa de Kent, seguidos, uma hora depois, de outra força de 150
aparelhos.

Era chegado o momento. No Grupo 11, toda e qualquer idéia de


fazer poupança de caça teve de ser abandonada. O Comando de caças
não podia ficar indiferente, em Stanmore, quando as estações
avançadas vinham sendo submetidas a tão forte castigo. Os pássaros
tinham de aceitar o desafio do inimigo, numericamente mais forte,
lutando em defesa do próprio ninho. Para tentar desbaratar as grandes
formações da Luftwaffe, 7 Esquadrões de Spitfires e Hurricanes
fizeram ao ar, mas os numerosíssimos Me 109, que pareciam ocupar
cada metro do espaço aéreo, os castigaram terrivelmente.

A oeste, no fim da tarde, a história foi diferente; cerca de 250


aparelhos da Frota Aérea 3 abriram-se em leque sobre Hampshire e
Witshire. A RAF despachou mais de 130 caças de 11 Esquadrões e de
tal forma hostilizou a Frota Aérea de Sperrle, que ela retornou às bases
com menos 25 bombardeiros e caças sem que tivesse causado dano
muito sério.

Pelo anoitecer, a batalha retornara à área da frente de invasão no


sudeste da Inglaterra, com o radar marcando mais de 70 “bandidos”
... Tanto a Tão Poucos 45

que vinham de Calais. A instrução que traziam era para atacar as


estações vitais do setor, em Kenley e Biggin Hill, mas felizmente para
Park foi o campo menos importante, de West Malling, que sofreu a
violência do ataque, depois que os pilotos desviaram a incursão dos
alvos planejados.

Depois das 24 horas, a Luftwaffe, ao completar o mais extenso e


mais maciço ataque da batalha, havia realizado 1.780 surtidas, das
quais mais de 500 foram feitas por bombardeiros. Excetuando-se as
atônitas unidades da Frota Aérea 5, que haviam esperado uma tarefa
sem oposição, as tripulações de bombardeiros e caças alemães
acreditavam haver-se saído bem e afirmavam ter destruído 82 Spitfires
e Hurricanes contra 34 aparelhos seus perdidos. Mas a Luftwaffe
perdera realmente 75 aviões nesse único dia. Não chegava nem à
metade do número calculado pela RAF, que era de 182 aparelhos, mas
foi um golpe suficientemente sério para impedir a repetição de ataque
aéreo contra a Inglaterra na escala do realizado a 15 de agosto - nessa
batalha ou em qualquer outro momento.

Na manhã seguinte, depois do esforço sem precedentes da


Luftwaffe e da defesa decidida da RAF a 15 de agosto, a atividade das
Frotas Aéreas 2 e 3 foi muito reduzida e a Frota Aérea 5 ficou
virtualmente fora de combate. Contudo, a Luftwaffe conseguiu fazer
1.700 surtidas - volume capaz de confirmar a bazófia de Goering de
que expulsaria a RAF dos céus do sudeste inglês numa questão de
dias. Na verdade, os líderes da Luftwaffe, embora surpresos com a
resistência da RAF, acreditavam que a derrota de Dowding era
iminente. As estatísticas da força aérea germânica afirmavam que a
RAF perdera 574 caças no ar desde o começo de julho e que as outras
perdas elevavam esse total para 770 aparelhos. Levando em conta as
estimativas que faziam da capacidade de produção do parque
industrial britânico, a Luftwaffe creditava à RAF cerca de 300
aparelhos utilizáveis, de um total de 430 caças.

Na verdade, os novos caças, que estavam deixando as fábricas à


razão de 100 por semana, montavam a cerca de 750 Spitfires e
Hurricanes desde o começo de julho. 235 destes caças estavam
esperando despacho imediato para unirem-se aos quase 600 caças
operacionais em 47 Esquadrões de Spitfires e Hurricanes, do
Comando de Caças.
Edward Bishop 46

Como a Luftwaffe, a 16 de agosto, tinha apenas 700 caças Me 109


nas Frotas Aéreas 2 e 3, Dowding estava equipado para enfrentar caça
por caça se quisesse empenhar em combate toda a sua força na frente
de invasão. Mas, como Park, que vinha poupando para a hora de
perigo no Grupo 11, Dowding, com quatro Grupos sob suas ordens no
Comando de Caças, vinha poupando numa base mais ampla; e mesmo
agora, não estava preparado para gastar suas poupanças. Enquanto
houvesse indícios da iminência de invasão, Dowding considerava que
era de seu dever a proteção de todas as áreas da Inglaterra que
estivessem sob ameaça de bombardeiro e, ao mesmo tempo, manter os
Esquadrões de caças fora da área localizada da batalha, em reserva
para o pior que pudesse acontecer - um desembarque e a marcha sobre
Londres.

Assim, no sul da Inglaterra não havia mais de 300 Spitfires e


Hurricanes para se pegaram com a Luftwaffe que, supondo estivesse
Dowding reduzido aos últimos Esquadrões de Caça, reiniciou as
incursões diurnas a 16 de agosto.

Os famosos “poucos”

A 16 de agosto, os aeródromos voltaram a ser o alvo principal da


Luftwaffe. Ao meio-dia, 70 bombardeiros fortemente escoltados
penetraram a área de defesa dos caças para bombardear West Malling,
não visando, por exemplo, a uma estação permanente de setor, que
seria muito mais vantajoso para os alemães. A RAF agradecia bastante
à Luftwaffe pela falta de seletividade revelada na escolha dos
objetivos, decorrente da precariedade da preparação e das
informações. A oeste, os ataques foram contra dois aeródromos, um
naval e outro do Comando Costeiro, nenhum deles merecendo
prioridade nesse estágio crítico da batalha. Contudo, em Tangmere, a
estação do setor mais ocidental do Grupo 11, a história foi diferente.
Os pilotos de Park experimentaram a medonha situação de retornar
para pousar e reabastecer quando seu aeródromo estava sendo alvo de
bombardeio de mergulho.

Entre os pilotos que procuravam pousar seu Spitfires enquanto os


Stukas sobrevoavam o local encontrava-se Billy Fiske, o americano
que não precisava estar ali. Quando Fiske se aproximou, com seu
Spitfire fumegante, as rodas recolhidas e enguiçadas, Tangmere estava
sendo “surrada”. Os hangares, a oficina, os depósitos, a enfermaria e
até mesmo a cabana do Exército da Salvação, eliminados. Fiske e seus
... Tanto a Tão Poucos 47

colegas dispuseram-se a aterrissagem em meio a à terrível devastação.


Mergulhando por entre as bombas que caíam, Fiske arriscou uma
aterrissagem de barriga no campo cheio de crateras. Por instantes
pareceu que o voluntário americano conseguira, embora ainda tivesse
que procurar sobreviver à tormenta que ali se estabelecera.
Infelizmente o Spitfire foi presa das chamas que produziram em Fiske
ferimentos em conseqüência dos quais veio ele a falecer pouco depois.
Na Catedral de São Paulo, no coração de Londres, existe uma placa
em memória de Billy Fiske, em que se lê: “Um cidadão americano que
morreu para que a Inglaterra pudesse viver”.

A morte e queimaduras eram riscos sempre presentes, nas


carlingas dos caças da RAF de 1940, especialmente nos Esquadrões
de Hurricanes. Um piloto que não conseguisse escapar, não sobrevivia
por mais de um minuto num Hurricane em chamas. Nesse dia de verão
do mês de agosto de 1940, o Tenente-Aviador Nicholson, ex-piloto de
Spitfire do Esquadrão 72, então no Esquadrão 249 de Hurricanes,
estava patrulhando Southampton num céu sem nuvens e imaginando
se o bebê que sua mulher esperava, no norte, em Yorkshire, havia
nascido. Ele também estava esperando dar uma “pregada” no inimigo,
como os pilotos de caça dizem - e então, aí estavam eles, 3
bombardeiros Ju 88, um pouco mais à frente.

Acompanhado por dois outros pilotos de Hurricanes, Nicholson se


aproximava rápido dos bombardeiros quando, para sua irritação, viu
que um Esquadrão de Spitfires lhe passara à frente para atacar a presa;
os Junkers foram eliminados em poucos instantes. Desapontado,
Nicholson começou uma longa subida, para juntar-se ao resto do seu
Esquadrão de patrulha. Mas não chegaria à altitude de segurança, pois
um Me 109 se aproximava sem ser notado, pela sua cauda, e disparou
um tiro de canhão contra o Hurricane. Em poucos segundos o caça de
Nicholson ficou em chamas, com o piloto cego pelo sangue que lhe
invadia os olhos e ferido numa das pernas.

Nessas circunstâncias, Nicholson deveria ter tentado escapar. Mas


ele decidiu que levaria consigo para o chão um avião germânico e
dispôs-se a fazer do seu atacante a sua primeira vítima. Virando o
Hurricane para boreste, Nicholson viu o Me 109 cruzar em sua frente
e cair direto na sua alça de mira. Mergulhando a 640km/hora, o
Hurricane era um inferno ardente, mas Nicholson manteve-se firme à
cauda do caça inimigo até vê-lo cair no mar. Somente então é que
concordou em abandonar o aparelho. As mãos crestadas pelas chamas,
Edward Bishop 48

a esquerda no controle do afogador e o polegar da direita pressionando


o botão de disparo, ele lutou por livrar-se das correias que o prendiam
no assento da carlinga. Mas, mesmo depois de haver conseguido saltar
e em plena descida na direção do solo, Nicholson enfrentou outro teste
de resistência; porém, de algum modo, ele conseguiu puxar a corda do
pára-quedas com as mãos seriamente queimadas. O pára-quedas
aberto, embaixo o chão da pátria, tudo indicava estar quase no fim o
sofrimento do piloto, mas dois outros riscos ainda o aguardavam,
antes que pudesse certificar-se de estar salvo para outros encontros.
Flutuando sobre Hampshire na extremidade do pára-quedas, ele foi
atentamente observado por um piloto de caça inimigo, que o deixou
finalmente entregue à compassiva bondade da unidade militar da
Guarda nacional, em terra. Mas quando Nicholson tocou o solo, os
fuzileiros desse exército de voluntários, recrutado às pressas para a
esperada invasão, dispararam contra o piloto britânico. Felizmente, a
pontaria ruim dos atiradores permitiu que Nicholson sobrevivesse para
receber a “Victoria Cross”, a única concedida a um piloto de caça na
Batalha da Inglaterra.

Martelando os aeródromos, a Luftwaffe estava estrategicamente


certa, se pretendia atender à expectativa de Goering de conquistar a
superioridade aérea em 4 dias. No território da Inglaterra havia os
mais diferentes tipos de aeródromos e antes do fim das operações
diurnas a 16 de agosto, a Luftwaffe tornou a fazer um esforço muito
bem sucedido mas, nas circunstâncias, totalmente inútil. Dessa vez,
ela escolheu para alvo uma estação de treinamento e unidade de
manutenção de bombardeiros em Brize Norton. 46 aparelhos Oxford
foram destruídos em terra - mas eram aviões que não poderiam
influenciar a tentativa de obter superioridade aérea antes da invasão.

Contudo, ataques mais inteligentes, dirigidos contra as defesas de


caça no sudeste da Inglaterra, estavam sendo planejados. O dia 17 de
agosto foi tranqüilo, mas no dia 18 de agosto de 1940, um domingo, a
partir do meio-dia, veio a promessa de ataques que poriam a RAF à
prova até os limites máximos.

As incursões feitas então não foram tão intensas como as do dia


15, mas o que faltava em quantidade para igualar-se às daquele dia era
compensado em determinação de atingir os aeródromos ao longo do
caminho dos bombardeiros até Londres.
... Tanto a Tão Poucos 49

Os comandantes da Luftwaffe já respeitavam muito mais a


interceptação dirigida pelo radar da RAF e estavam experimentando
métodos para anulá-la. A 18 de agosto, a importante estação de setor
de Park, em Biggin Hill, foi escolhida para testar o ardil preparado,
embora a execução do plano fosse incompleta.

O estratagema resumia-se em despachar duas incursões de


bombardeiros de alto nível, seguidas de uma incursão breve, intensa e
de pouca altitude, feita por um esquadrão sem escolta e voando baixo
demais para serem captados pelo radar. Os que buscavam a morte ou a
glória nesse vôo rasante teriam a vantagem dos alvos escolhidos e
indicados pelos incêndios e pela fumaça provocados pelas levas
anteriores de bombardeiros de grande altitude.

No papel, o plano parecia ser à prova de caça e radar, mas sua


execução colocou a Luftwaffe numa série de situações violentas e
inesperadas que não foram totalmente provocadas pelo Comando de
Caças, tal a confusão do momento.

Para os atacantes, a operação começou mal quando os Ju 88 de alto


nível se atrasaram, por causa de uma confusão havida que não
permitiu o encontro que tinham marcado, nos céus da França, com os
9 Do 17 do ataque rasante, que foram obrigados a encontrar Biggin
Hill sem a ajuda dos Junkers.

Assim é que, enquanto as duas formações de grande altitude


rumavam lentamente para Biggin Hill, os velozes incursores de baixo
nível já estavam quase sobre o lavo, onde, para azar seu, as defesas de
terra e aéreas estavam prontas para lhes dar uma recepção bem
violenta. Embora Biggin Hill não desconfiasse do ataque de baixo
nível - o radar não captara qualquer sinal - a estação estava preparada
para os esperados bombardeiros de alto nível.

Mas os pilotos dos Dorniers não sabiam disso e, para seu espanto,
à frente deles estava inequivocadamente a estação de setor de Biggin
Hill, tranqüila e imperturbada como um aeródromo de serviço num
domingo de tempo de paz. Não houve tempo para que as tripulações
da Luftwaffe vissem o que é que saíra errado, porque, repentinamente,
eles se encontraram numa teia de fogo cruzados de artilharia, leve e
pesada, disparados de terra, incluindo um novo risco, os cabos de aço
projetados por foguetes e suspensos em redor do aeródromo por
pequenos pára-quedas. Então, para aumentar seu tormento, os
Edward Bishop 50

Dorniers foram atacados por 2 dois 3 esquadrões de Biggin Hill, que


aguardavam as formações de grande altitude captadas pelo radar;
somente dois dos Dorniers retornaram, a salvo, à França. Finalmente,
os incursores de alto nível chegaram e, sofrendo uma recepção
igualmente violenta, perderam 4 bombardeiros.

Felizmente para Biggin Hill, dessa vez foram poucos os danos


importantes causados pela incursão, embora as crateras das bombas e,
sobretudo, os buracos abertos por bombas não-explodidas criassem
inconvenientes sérios. Terminada a incursão, um sargento da Força
Aérea Auxiliar Feminina foi visto andando cautelosamente junto das
crateras e marcando as bombas não-explodidas com uma das
bandeiras vermelhas que carregava debaixo do braço. Durante o
ataque, o Sargento Joan Mortiner de 28 anos mostrara evidente
bravura ao ajudar a manter o transporte de munição para as posições
de canhão e agora, ainda arriscando a vida, cuidava para que Biggin
Hill continuasse operacional. Mais tarde, ela foi agraciada com a
“Medalha Militar”, uma condecoração masculina, pela bravura
demonstrada por uma jovem diante do inimigo.

Enquanto Biggin Hill era atacada, Kenley, situada a apenas 10 km


a oeste, foi “massacrada” em idênticas circunstâncias e, infelizmente
para os defensores, as coisas não saíram tão erradas para a Luftwaffe
nessa operação.

Ali, os ataques de alto e baixo nível coincidiram plenamente e


cerca de 100 bombas atingiram a estação de setor de Kenley,
destruindo 6 Hurricanes e vários outros aviões menos importantes.
Dez hangares foram arrasados e os Dorniers, tendo perdido vários dos
seus, partiram deixando Kenley em destroços fumegantes.

Simultaneamente, outros incursores da Frota Aérea 2 atingiram


West Mailling e Croydon. Durante a tarde, a Frota Aérea 3 manteve a
pressão, atacando aeródromos em Hampshire e West Sussex e, pelo
fim da tarde, a Frota Aérea 2 voltou a operar atacando Croydon
novamente. Ao anoitecer, quando as tripulações da Luftwaffe se
preparavam para manter a Inglaterra acordada, com aparições
incômodas e generalizadas e com o lançamento algo preciso de minas
no Estuário do Tâmisa e no Canal de Bristol, os defensores já podiam
recordar um dia cansativo, que lembrava o 15 de agosto. Contudo, a
RAF cobrava tributo à Luftwaffe: 71 bombardeiros e caças alemães
... Tanto a Tão Poucos 51

pela perda de 27 caças britânicas, nos quais somente 10 pilotos


morreram.

Mas a RAF podia contar com alguns benefícios nesses quentes


dias de agosto, quando a luta era ininterrupta, um dos quais residia no
fato de ela vir travando uma batalha defensiva sobre seu próprio
terreno e águas costeiras.

Como as estatísticas indicam para 18 de agosto, grande número de


pilotos de caça da RAF abandonavam seus aparelhos quando
atingidos, salvando-se para lutar novamente, uma benção que ninguém
mais que o próprio comandante-chefe agradecia. Em meados de
agosto, as perdas de Dowding estavam em ascensão. Entre 8 e 18
daquele mês, ele perdeu 183 caças no ar e cerca de 30 destruídos em
terra. Nesse período, a RAF perdeu 94 pilotos de caças, entre mortos e
feridos, e 60 estavam feridos, muitos deles seriamente queimados.
Beaverbrook vinha substituindo aparelhos destruídos ou danificados à
razão de mais de 100 por semana, mas a reserva de pilotos de caça
treinados não era grande. A preocupação de Dowding era que talvez
perdesse a guerra antes que uma nova geração de pilotos de caça
estivesse em condições de poder operar. Já ao anoitecer de 18 de
agosto a situação era de tal forma grave que os novos pilotos
ingressavam nos Esquadrões sem ter recebido mais de 10 horas de
vôos solo num Hurricane ou num Spitfire.

Com este problema a preocupá-lo, era compreensível que


Dowding procurasse novos “meninos” fora do Comando de caças; era
assim que Churchill chamava afetuosamente seus jovens aviadores,
ainda adolescentes ou mal entrados nos 20 anos. Não poderia ele obter
mais que 50 pilotos de caças navais emprestados pela Arma Aérea da
Marinha, pilotos treinados dos Comandos de Bombardeiros e Costeiro
da RAF? Esses pilotos talvez não satisfizessem as exigências de
treinamento para o ingresso num Comando de Caças de tempo de paz,
mas eram homens treinados nas forças armadas e usavam o distintivo
da força aérea. Infelizmente, os pedidos feitos pelo chefe dos caças
foram recebidos friamente pelo Ministério da Aeronáutica. Os
comandos estavam responsavelmente cônscios do que lhe poderia ser
exigido caso uma esquadra invasora se fizesse ao mar. Assim como
Dowding vinha poupando caças para seu momento de perigo, o
Estado-Maior da Aeronáutica guardava o restante da força aérea para
opô-la às forças de invasão, que só podiam ser contidas se Dowding
negasse a superioridade aérea à Luftwaffe. Quando Dowding solicitou
Edward Bishop 52

a transferência de todos os pilotos mais experientes das tripulações de


Fairey Battles do Comando de Bombardeiros, o Estado-Maior da
Aeronáutica negou, porque estava mantendo essas máquinas obsoletas
de prontidão para atacar as barcaças de desembarque. Finalmente,
cedendo à pressão do chefe dos caças, ele concordou em transferir um
grupo de pilotos para o Comando de Caças. Dowding recebeu
emprestado 20 pilotos de Fairey Battles e 33 pilotos dos Esquadrões
do Comando de Cooperação do Exército, 53 aviadores que, depois de
um curso de apenas 6 dias, enfileirando-se ao lado daquele grupo de
valentes aviadores a quem Winston Churchill veio a imortalizar como
os famosos “Poucos”.

Falando à Câmara dos Comuns sobre a situação geral da guerra a


20 de agosto de 1940, o Primeiro-Ministro disse: “A gratidão de cada
lar em nossa ilha, em nosso império e, na verdade, no mundo inteiro,
exceto no covil dos culpados, vai para os aviadores britânicos que,
sem se intimidarem diante das desvantagens, incansáveis diante do
terrível desafio e indiferentes quase à presença constante da morte,
estão mudando o rumo da guerra mundial, pelas suas façanhas e pela
devoção à causa da liberdade. Nunca, no campo dos conflitos
humanos, tantos deveram tanto a tão poucos. Todos os corações
acompanham os pilotos de caça, cujas ações brilhantes
testemunhamos diariamente com nossos próprios olhos...”

Dessa maneira, Winston Churchill encerrou a exposição que fez


aos Comuns com a frase que será lembrada e repetida enquanto a
Inglaterra puder honrar a memória dos 415 pilotos que tombaram em
sua defesa na Batalha da Inglaterra, em 1940.

Com o anoitecer de 18 de agosto, cumpriam-se os 4 dias que


Goering calculara serem suficientes para conquistar a superioridade
aérea sobre o sul da Inglaterra, e parte das duas semanas de prazo que
Hitler se dera para decidir sobre a “Operação Leão-Marinho”, a
invasão da Inglaterra. Perceptivelmente, a Batalha da Inglaterra estava
saindo contra a Luftwaffe e, dentro das Forças Aéreas, a aceitação
dessa verdade pelos alemães se refletia nos ligeiros começos de
desânimo. Portanto, não era de espantar que o ás de caças da
Luftwaffe, Adolf Galland, dissesse na cara do seu Comandante-Chefe
que preferia uma ala de Spitfires aos seus Me 109.

Os Spitfires que operavam em agosto de 1940 não poderiam ter


recebido maior elogio. O desempenho desses aparelhos era bem
... Tanto a Tão Poucos 53

superior ao dos que foram inicialmente lançados, melhoramento que,


como aconteceu com o nascimento do Spitfire, se devia em grande
parte a iniciativa pessoal e à empresa privada.

Durante algum tempo, o Capitão Geoffrey de Havilland, pioneiro


da fabricação de aviões, que projetara e pilotara caças na Primeira
Guerra, se convencera de que a margem entre as hélices de passo
variável dos caças existentes e as de passo constante, por cuja adoção
ele insistia, poderia ser fatal para a nação.

Incapaz de obter a permissão oficial para um programa de


conversão, de Havilland fez arranjos particulares com um esquadrão
para converter um só caça. A notícia de um melhoramento miraculoso
no desempenho correu célere de um esquadrão para outro e as
autoridades foram bombardeadas com pedidos de conversão.

Correndo o rico de que sua companhia talvez nunca viesse a


receber o pagamento pelo trabalho, de Havilland mandou equipes de
engenheiros de aeródromo em aeródromo para converter os caças de
linha de frente. Os contratos vieram depois.

O desempenho do motor também melhorara. Entre as deficiências


técnicas do Spitfire e do Hurricane no começo da batalha, havia o
problema do carburador. Os pilotos de caça da Luftwaffe rapidamente
aprenderam a fugir de um caça que estivesse em sua cauda em
mergulho, por saberem que o carburador do motor Merlin sentia a
mudança súbita de uma posição para outra, por exemplo, da vertical
para a horizontal. A Rolls-Royce projetou então um carburador novo
que tornou o Spitfire ainda mais atraente para Galland e seus
camaradas.

Quando Galland pediu Spitfires a Goering, havia no pedido menos


cinismo do que se pode admitir. O manobrável Spitfire era muito mais
compatível com as novas instruções emitidas pelo Comandante-Chefe
nazista do que o Me 109, que lhe era superior.

Alarmado com as perdas de bombardeiros e com o que vinha


sucedendo com o moral de sua tripulações, Goering insistia para que
os pilotos dos Me 109 ficassem perto de seus protegidos, tarefa
particularmente canhestra e que manietava o Me 109, principalmente
quando em escolta dos bombardeiros de mergulho Stuka, que eram
lentos e vulneráveis.
Edward Bishop 54

Assim, enquanto o moral das tripulações de bombardeiros era


solapado pelas perdas que sofriam, o espírito ofensivo dos pilotos de
caça se debilitava, diante da proibição de perseguir e destruir os caças
defensores da RAF, principal objetivo do “Ataque das Águias”. Além
disso, os pilotos dos Me 109 se irritavam com o fato de saberem que a
direção da Luftwaffe esperava que eles cuidassem do fracassado caça
de longo alcance, o Me 110.

Em seu livro “Os Primeiros e os Últimos”, Galland mostrou o


quanto o alcance do Me 109 já era perigosamente limitado para o
percurso até Londres. “O reduzido alcance do Me 109 tornava-se cada
vez mais desvantajoso. Durante uma única surtida, minha ala perdeu
12 caças, não por ação inimiga, mas simplesmente porque, após suas
horas de vôo, os bombardeiros que estávamos escoltando ainda não
haviam chegado ao continente, no percurso de volta. Cinco desses
caças conseguiram fazer uma aterragem de plano na costa francesa,
com sua última gota de combustível, e 7 deles caíram no “drinque”(no
mar).

Mas Goering não estava interessado na experiência contida no


comentário de Galland. Ele ainda considerava as operações de verão
contra a Inglaterra como a realização do que sonhara para a sua
Luftwaffe. Como um jogador que sente que vencerá na próxima
jogada, ele continuava confiante de que, mais 4 dias de bom tempo,
conseguiria a vitória. Despachando Kesselring e Sperrle de volta às
suas Frotas Aéreas, após uma conferência no mundo de ilusões que era
Karinhall, o Comandante-Chefe ordenou que os Feldmarechais-do-Ar
submetessem o inimigo a bombardeios ininterruptos. Mas o mau
tempo interveio e deu à RAF um repouso muito necessário a partir do
dia 19 de agosto. Somente a 24 é que esta nova fase da Batalha da
Inglaterra começou a sério.

O erro miraculoso

Para que a Alemanha invadisse a Inglaterra antes que o bom tempo


do fim do verão e começo de outono cedesse lugar aos nevoeiros e
tempestades do inverno inglês, a ordem de Goering para ataques
ininterruptos fora dado num momento crítico. O Comandante-Chefe
da Luftwaffe passou então a lutar contra dois inimigos, o relógio e a
RAF. A 24 de agosto, o calendário fê-lo lembrar-se de que restavam
... Tanto a Tão Poucos 55

apenas 3 dias para que se esgotasse o prazo dado por Hitler para uma
decisão - invadir ou não.

Goering procurou nas condições ruins e variáveis de tempo o


consolo de não ter conseguido a vitória sobre as defesas de caça da
Inglaterra em 4 dias. Entretanto, o tempo melhorara no sul da
Inglaterra; estava firme e límpido. Mais 3 dias de tempo favorável e
tudo estaria terminado.

No Grupo 11, onde o mau tempo foram bem recebido, os dias de


trégua haviam representado aviões operacionais preservados, novos
caças construídos e entregues e pilotos descansados. A manhã clara e
límpida de 24 de agosto, um sábado, colocou em todos grande
apreensão.

Os controladores de setor esperavam o pior e, por volta das 09:00


horas, o radar confirmou que a Luftwaffe se concentrava no Cabo
Gris-Nez, do lado oposto a Dover. Não havia dúvidas de que uma
nova confusão da Luftwaffe, de caças não conseguindo reunir-se com
bombardeiros. Ali vinham eles, 100 bombardeiros e caças a uma
altitude de 3.600 a 7.2000m, rumando para Dover. Mas será que
estavam vindo mesmo? Convencida da eficiência da cadeia costeira de
radares, e tendo abandonado a esperança de destruir as estações uma a
uma, a Luftwaffe empenhava-se então em ludibriá-la. Mantendo
aviões em vôo sobre o lado oposto do canal, Kesselring fazia Park
afundar em conjeturas. Uma simulação pode continuar sendo uma
simulação ou transformar-se num ataque em massa, e como se isto já
não fosse bastante confuso, o radar da RAF era incapaz de distinguir
entre caças e bombardeiros. Por conseguinte, o Grupo 11 se viu
obrigado a manter vários esquadrões em vôo de patrulhamento, com
os conseqüentes riscos de fadiga dos pilotos e escassez de combustível
no momento crítico do ataque.

Na verdade, um incidente assim ocorreu no meio da manhã,


quando o infeliz Esquadrão 264 de Defiants foi surpreendido em terra.
Apesar de o Defiant ter provado estar abaixo do padrão do caça da
época, o Esquadrão 264 fora mandado de Yorkshire para o sul para
reforçar o Grupo 11, em Hornchurch. Por não ganhar altitude com
rapidez, ele era inadequado para defender um aeródromo de linha de
frente erguido sobre um rochedo. Por isso os Defiants do 264 foram
despachados para Manston às 05:00 horas de 24 de agosto. Às 08:30
horas eles decolaram às pressas pela segunda vez desde que chegaram
Edward Bishop 56

à costa de Kent, e retornaram a Hornchurch. Mal aterrissaram tiveram


de retornar a Manston onde 9 dos 12 aviões do esquadrão pousaram
para reabastecer, enquanto os outros três permaneciam de vigia, no
alto. E foi então que aconteceu a catástrofe. Sete dos Defiants
reabastecidos estavam para decolar quando 20 bombardeiros Ju 88,
escoltados por grande número de caças, surgiu do mar, com suas
bombas caindo no meio dos Defiants que tentavam subir. Na refrega
sobre Manston, 3 Defiants foram destruídos, de modo que os
sobreviventes retornaram a Hornchurch e sua chegada lá coincidiu
com o reinicio dos ataques da Luftwaffe naquela tarde e cujo alvo era
esse aeródromo. Uma vez mais, os pilotos dos Defiants, decolaram
por entre uma cortina de bombas, perdendo seu quarto aparelho
naquele dia. No dia seguinte chegaram 7 novos Defiants; eles
pareciam bons, mas as suas tripulações conheciam muito bem as suas
limitações. Ademais, como alguns dos aviões não tinham tanques
autovedadores e como suas metralhadoras Browning não eram
sincronizadas, era evidente que a tensão da batalha começava a fazer-
se sentir na organização de abastecimento. Na verdade, era tal a
incapacidade geral do esquadrão para a luta, que, três dias depois,
quando as tripulações correram, para seus aparelhos, durante uma
incursão, apenas três deles estavam em condições de serem usados. E
lá subiram os pesados e lentos caças com torres de metralhadoras. Esta
foi sua última aparição no sul da Inglaterra durante a Batalha, pois o
esquadrão foi removido para o norte. Os dias do Defiant como caça
haviam terminado.

À medida que o combate ia e vinha pelo sul da Inglaterra durante o


dia 24 de agosto, com a Frota Aérea 3 fazendo importante aparição
diurna sobre Southampton e Portsmouth, no sudoeste, os defensores se
conscientizavam, de que a Luftwaffe tornara a tática que adotava mais
rigorosa. Os chefes dos caças reconheciam que os violentos ataques
contra seus aeródromos de linha de frente e a nova defesa cerrada dos
caças Me 109 em torno dos bombardeiros representava a mais séria
ameaça até então enfrentada.

Kenley, Croydon, Biggin Hill, West Malling, Hornchurch,


Rochford, North Weald, Debden, Hawkinge, Lympne, Manston, estes
aeródromos compunham, em agosto e setembro de 1940, o anel de
defesa colocado em torno de Londres. A 24 de agosto, a dúvida era
saber por quanto tempo essas bases de caças poderiam resistir. Depois
de 4 violentos ataques nesse dia desesperado, Manston foi totalmente
abandonado. A retirada soava como um mau presságio.
... Tanto a Tão Poucos 57

Mas enquanto os líderes dos “Poucos” se atormentavam com as


perspectivas de serem rechaçados do sudeste da Inglaterra, e com suas
conseqüências sobre o moral do povo, o moral dos pilotos pairava nas
alturas. O Sargento R.F. Hamlyn, um escriturário que se tornara
aviador de fins de semana três anos antes da guerra, travou três
batalhas no espaço de tempo entre as 09:00 horas e as 16:00 horas de
24 de agosto - no “horário comercial”, como os pilotos de caça
chamavam as aparições diurnas da Luftwaffe. O sargento abateu um
Ju 88 e 4 Me 109 durante o “horário comercial”, em que, de ordinário,
ele estaria à sua mesa no escritório. Mas os “Poucos” não poderiam ter
voado e lutado com tanto êxito sem o concurso das laboriosas
tripulações de terra, que, com seus macacões sujos de graxa,
desempenhavam a tarefa nada atraente e muito perigosa de reabastecer
os caças debaixo dos ataques inimigos e trabalhavam
ininterruptamente para manter seus pilotos no ar. Desde esse sábado
desesperado até o fim de agosto de 1940, houve troca de memorandos
que ressaltam de maneira eloqüente o espírito de equipe existente
entre essas tripulações de terra e os pilotos.

Retornando de luta encarniçada, um Comandante de Esquadrão


encontrou uma nota em sua mesa: “Dos suboficiais e soldados do
Esquadrão 609 para o Líder de Esquadrão Darley e todos os pilotos do
Esquadrão 609: Em vista dos recentes sucessos obtidos pela RAF, e
pelo Esquadrão 609 em particular, desejamos oferecer a todos os
pilotos as nossas mais sinceras congratulações e os votos de “Boa
Caçada” para o futuro. Sentimo-nos honrados em ter nos aparelhos
sob nossos cuidados pilotos como vocês”.

“Boa Caçada!” Descontando os danos causados aos aeródromos, o


dia fora lucrativo para os pilotos de Spitfire e Hurricane de Dowding,
com a Luftwaffe perdendo 38 caças e bombardeiros para os 28 caças
da RAF.

Nesse ponto, quando o verão cedeu lugar aos primeiros dias de


outono, o duelo aéreo entre a Luftwaffe e a RAF vinha sendo travado
quase que ininterruptamente havia 6 semanas. Entretanto, o povo
britânico, na sua maioria, estava curiosamente alheio à perigosa
realidade da situação.

Nos céus do sul da Inglaterra, os aviadores sustentavam uma


batalha desesperada pela sobrevivência do país. Mas, fora da luta, a
Edward Bishop 58

vida prosseguia no seu estilo familiar. O criquete, o esporte nacional


de verão, ainda era jogado e seus resultados apareciam nos jornais,
embora com comentário sobre os resultados da disputa mais
emocionante, RAF versus Luftwaffe. Era um ideal de despreocupação
caro aos britânicos que regozijavam em sua projeção ao mundo.
Quando as partidas de tênis foram substituídas pela criação de porcos
em Wimbledom, o secretário do internacionalmente famoso All
England Tennis Club explicou jocosamente: “Há muito pouco tênis e
temos de fazer algo”.

Os teatros, no West End de Londres, viviam repletos. Robert


Donnat estreava “O discípulo do Diabo” no Piccadilly, uma sátira de
Bernard Shaw ao comportamento dos Casacos Vermelhos - os
soldados da Coroa - na América da época da Independência. Em vista
da recente evacuação do exército britânico de Dunquerque, uma fala
da peça era altamente alusiva: “O soldado britânico pode resistir a
tudo, senhor, exceto ao seu Ministério da Guerra”. Sendo vegetariano,
George Bernard Shaw deleitou a nação observando que “Não há nada
de errado com a ração oficial sem carne e ovos que é virtualmente a
minha alimentação normal. Mas não posso garantir que ela venha a
transformar a Inglaterra numa nação de Bernards Shaws. Isto seria
esperar muito”.

Semelhante senso de humor era corriqueiro. Não a pilhéria tensa


de um povo desesperado, mas o humor do comentário e dos apartes
leves, transmitindo o encanto dos britânicos por estarem encurralados.
E, entre o anoitecer de 24 e o amanhecer de 25 de agosto, aconteceu
algo que mudaria tudo isso. Londres foi bombardeada.

Foi um erro, um erro de proporções históricas, cometido não


porque Hitler tivesse ordenado ataques de terror aos edifícios
históricos e aos civis não-combatentes, mas porque algumas das
guarnições de bombardeiros, instruídas para atacar os reservatórios de
petróleo de Thameshaven, a leste das velhas e estreitas ruas do setor
bancário e comercial de Londres, haviam perdido a direção. “Um dos
maiores erros da história”, comentou Hanson Baldwin do New York
Times, anos depois, esse engano, cometido por 10 dos 170
bombardeiros que sobrevoavam a Inglaterra naquela noite,
desencadeou uma seqüência de acontecimentos que levariam à
destruição de grande parte da Alemanha, ao bombardeio de Dresden e,
finalmente, a Hiroxima. Um de suas primeiras conseqüências, como
veremos, foi desviar a Luftwaffe do plano de bombardeio que a
... Tanto a Tão Poucos 59

poderia ter levado à vitória na Batalha da Inglaterra. Mal a nação


recuperou o fôlego e bradava pela retaliação, antes mesmo que a
fumaça desaparecesse e a poeira pousasse sobre os escombros da
Igreja de St-Giles, em Cripplegate, e de edificações outras do coração
da City, uma força de mais de 80 bombardeiros da RAF decolou,
naquela noite, rumo a Berlim. As tripulações britânicas foram
especificamente instruídas para só atacar objetivos militares, ou
retornar com suas bombas e, na verdade, 21 tripulações regressaram
sem ter feito bombardeio. Mas, retaliação com retaliação se paga, e
em breve se estabeleceu o que hoje chamamos de escalada.

Até então, os bombardeios realizados pela Luftwaffe e pela RAF


tinham sido mutuamente escrupulosos. A primeira só bombardeava
objetivos que julgava úteis para acelerar a conquista da superioridade
aérea e garantir o sucesso da invasão. Evidentemente, civis morriam e
propriedades eram destruídas ou danificadas devido à imprecisão dos
bombardeios realizados em pânico, mas, depois da incursão da RAF
contra Berlim, a guerra aérea nunca mais apresentaria as
características até então mantidas. A Luftwaffe visava a navios
mercantes, bases navais, aeródromos, fábricas de aviões, centros
ferroviários e depósitos de combustível. A RAF lançava panfletos,
atacava portos de invasões e alvos industriais. Em breve, porém, os
padrões mantidos pelos dois adversários se modificariam, até que não
mais houvesse qualquer escrúpulo em usar a bomba e o bombardeio
como armas de terror indiscriminado.

Na noite de 25 para 26 de agosto, quando os bombardeiros pesados


Wellington, Hampden e Whitley, do Comando de Bombardeiros da
RAF, sobrepujaram momentaneamente seus irmãos menores, os
Spitfires e Hurricanes, Dowding não sabia que a raiva provocada pela
incursão contra Berlim agiria como uma bomba-relógio no cérebro de
Hitler; que a explosão eventual salvaria as estações aéreas e
aeródromos do seu setor de linha de frente da ameaça de extinção.

Nessa conjuntura, enquanto o povo britânico se deleitava com o


vinho tonificante da retribuição, o chefe dos caças estava preocupado
com dois problemas urgentes que o público praticamente ignorava: o
rápido aumento do número de bombardeiros que sobrevoavam à
vontade a Inglaterra depois do anoitecer e a deterioração da defesa de
caças do setor sudeste da área de invasão da Inglaterra. Como as
técnicas de radar, para a luta e para a artilharia antiaérea noturnas,
ainda engatinhavam, a Luftwaffe ficava virtualmente à solta durante a
Edward Bishop 60

noite. Mal equipada para se defender contra os incursores noturnos,


era para a RAF um conforto que a Luftwaffe fosse igualmente
ineficiente na navegação e no encontro dos alvos depois do anoitecer.

Por exemplo, a maioria dos 150 bombardeiros despachados


durante três noites seguidas para atacar as docas de Liverpool se
desviou tanto, que os defensores não conseguiram deduzir que aquelas
docas eram o alvo buscado. Mesmo assim, a simples presença de
incursores noturnos era uma preocupação considerável. Roubando o
sono de todos com o ruído que faziam e irritantemente esquivos, eles
perturbavam o descanso dos esgotados trabalhadores das fábricas e, de
modo geral, deixavam a nação com os nervos em frangalhos.

Enquanto eram aceleradas as pesquisas científicas para a obtenção


de meios capazes de conter os atacantes noturnos, restava aos
britânicos suportar e aguardar momentos melhores.

Goering continuava esperando que a Inglaterra cedesse ao impacto


do martelar contínuo, mas as semanas próprias para a campanha da
Alemanha em 1940 estavam-se esvaindo rapidamente. O dia da
decisão para a “Operação Leão-Marinho” fora fixado para 27 de
agosto, mas ele chegou e o Fuhrer tornou a hesitar. O líder de caças de
Kesselring, General von Doering, declarou categoricamente sua
“superioridade ilimitada em caças”, mas Hitler tinha dúvidas. Naquela
mente desconfiada, as perdas da Luftwaffe, conforme anunciadas, não
justificavam a opinião otimista de von Doering. Hitler decidiu adiar a
decisão por mais 10 dias, quando talvez os britânicos estivessem
prontos para negociar a paz que o libertaria do fantasma da invasão.
Assim, Hitler deixou que a Luftwaffe provasse a validade da
afirmação de Doering.

A julgar pelas aparências, a estimativa de von Doering estava


muito errada, pois mal ele afirmara dispor de superioridade ilimitada
em caças, o Comando de Caças fez num dia 1.000 surtidas. Isto não
significava que Doering pudesse empregar 1.000 caças. A defesa dos
aeródromos de linha de frente se apoiava em cerca de 200 Hurricanes
e Spitfires no Grupo 11, de Park; em veteranos cansados e recém-
chegados inexperientes que faziam várias surtidas por dia, muitas
vezes em aviões remendados. Nessas circunstâncias, simulando cada
vez mais e iludindo o radar, os incursores, fortemente protegidos pelos
caças da Luftwaffe, estavam conseguindo passar e espezinhando as
vitais estações de setor de Park.
... Tanto a Tão Poucos 61

Escutando as comunicações radiofônicas dos caças da RAF pela


sua estação monitora, em Wissant, a Luftwaffe anotava
cuidadosamente a vinda de gente nova e se alegrava quando
Esquadrões do norte da Inglaterra substituíam os já cansados, mas
com experiência de combate. Novas vozes pressagiavam um aumento
nas perdas da RAF, à medida que pilotos inexperientes procuravam
demonstrar seu valor em combate.

Os livros de registro de operações dos esquadrões e estações de


setor dão conta dessa tragédia. Por exemplo, o de Hornchurch, a 27 de
agosto de 1940: “Hoje à tarde, o Esquadrão 65 partiu para um período
de recuperação em Turnhouse, sendo substituído pelo Esquadrão 603”.
Por trás desta simples anotação administrativa estava a substituição de
um Esquadrão de Spitfires com experiência de combate por outro,
formado de inexperientes “aviadores de fins de semana” de antes da
guerra, rapazes de cabelos longos, filhos de famílias aristocráticas,
recém-saídos das escolas e universidades; eram jovens risonhamente
barulhentos, fortes e que levavam o esporte da caça para os céus do
sul da Inglaterra.

Quando chamado o Esquadrão 603 (Cidade de Edimburgo), alguns


dos seu pilotos estavam caçando galos silvestres nas charnecas do seu
comandante de estação, o Duque de Hamilton.

Terminou agosto e começou o mês de setembro, mas não passava


um dia em que os aeródromos não sofressem a pressão mais extrema.
Dois ataques sobressaem como exemplos da provação por que
passavam as estações de caça, e que atingiram seu ponto culminante
no último dia de agosto e no primeiro de setembro, uma batalha dentro
da Batalha da Inglaterra, a de Biggin Hill. Recebendo regularmente a
lisonjeira atenção da Luftwaffe, Biggin Hill, a estação de setor de Park
situada na frente de Londres, esperava mais dificuldades a 31 de
agosto. Um ataque de baixo nível, breve e intenso, realizado no dia 30,
destruíra o aeródromo e a maioria dos seus prédios, matando 39 e
ferindo 26 pessoas. De ordinário, semelhantes perdas de vida e
destruição teriam exigido uma retirada operacional, mas os
sobreviventes realizaram um milagre e repuseram Biggin em
funcionamento no dia seguinte.

Felizmente, o quarteirão de operações permanecera intato. Ali,


usando capacetes de soldados - seus “chapéus-coco de combate”,
Edward Bishop 62

como eram chamados - as moças da Força Aérea Auxiliar Feminina,


em mangas de camisa, mantinham contato telefônico com o mundo
exterior, através de linhas consertadas depois de cada ataque, enquanto
que outras WAAFs traçavam o rumo dos incursores que se
aproximavam. Ainda quando as bombas voavam sobre suas cabeças,
as moças permaneciam em seus postos, numa demonstração de amor
ao dever que exigia mais que a coragem comum, após a carnificina do
dia anterior. As bombas que choviam sobre o aeródromo fazia-o
tremer como se houvesse um terremoto, e uma das bombas atingiu o
quarteirão de operações. Mas somente no fim da tarde do dia seguinte,
1° de setembro, é que Biggin Hill sofreu a pior provação. Depois de
um ataque matutino, o sexto em três dias, as moças da sala de
operações haviam tornado a indicar a presença de incursores bem
sobre suas cabeças, e desta vez os bombardeadores não erraram: a sala
de operações foi destruída. Tal foi a bravura de duas telefonistas das
WAAFs, Sargento Helen Turner e Cabo Elspeth Henderson, que elas
mais tarde foram condecoradas com a “Medalha Militar”.

Os aeródromos do sudeste da Inglaterra se transformaram num


campo de luta onde a Luftwaffe e a RAF mediram-se como se
estivessem decidindo a Batalha da Inglaterra. Biggin Hill e os campos
costeiros de Manston, Hawkinge e Lympne foram quase postos fora
de ação, e os do interior sofreram igualmente a fúria dos novos golpes.

Diariamente, formações alemãs se reuniam sobre a França, em


levas, matinais e vespertinas, de 200 a 300 bombardeiros e caças,
abrindo em leque sobre o Canal da Mancha e dividindo-se em grupo
de 10 a 20, e às vezes de 30 a 40, quando se dispersavam na direção
dos aeródromos destacados como seus objetivos. Tampouco havia
trégua à noite.

Por volta de 6 de setembro, a tensão no sul de Londres, na


extremidade do setor de invasão da Inglaterra, era quase intolerável.
Salas de operações destruídas, aeródromos repletos de crateras abertas
pelas bombas, o Comando de Caças da RAF cambaleava. Então, com
a vitória quase à vista, a Luftwaffe parou repentinamente e lançou-se
contra Londres.

Tomado de ira pela represália de Churchill contra Berlim, Hitler se


intrometeu. A 4 de setembro, o líder alemão subiu ao palanque do
Palácio dos Esportes, em Berlim e vociferou contra Churchill e a
Inglaterra: “Esperei três meses sem responder, pensando que eles
... Tanto a Tão Poucos 63

pudessem pôr fim a essa maldade. Herr Churchill viu nisto um sinal
de fraqueza... Enquanto eles declaram que atacarão nossas cidades em
grandes números, vamos destruindo as suas”.

Mas, enquanto falava, Hitler só pensava numa cidade. Felizmente


para a Inglaterra, nem Hermann Goering, nem qualquer dos militares
profissionais se atreveram a discutir com Hitler sobre a sensatez da
sua decisão. Aliás, longe mesmo de sugerir que o Fuhrer estivesse
taticamente errado, Goering e os líderes da Luftwaffe convenceram-se
de que a intuição de Hitler, ao mudar a direção dos ataques, estava
correta.

Mal informada quanto ao verdadeiro estado das defesas de caça da


Inglaterra por relatórios de inteligência que não retratavam fielmente a
situação, a Luftwaffe acreditava que o ataque a Londres obrigaria
Dowding a reforçar sua defesa com os restos das reservas do
Comando de Caças que estavam nos Midlands e no norte, enfim, uma
última colheita que os caças alemães esmagadoramente mais
numerosos, fariam dentro em breve. Tão ignorante sobre a eficiência e
precisão do bombardeio noturno como quanto aos efetivos de caça da
RAF, a Luftwaffe também acreditava que os violentos ataques
noturnos que vinham sendo feitos sem oposição destruiriam as docas e
os serviços essenciais de Londres. Com a aproximação do inverno, a
Luftwaffe ansiava por encurtar o caminho da vitória, e Londres
parecia ser o atalho ideal.

Londres cambaleia

Hermann Goering estava no convencimento de que a resistência


britânica se aproximava do fim. Desejoso de estar com seus pilotos na
hora do triunfo, o Comandante-Chefe, aboletado em seu suntuoso
trem pessoal, chegou ao Passo de Calais e, no fim da tarde de 7 de
setembro, um sábado, o Marechal do Reich observava, do Cabo Gris-
Nez, a enevoada costa da Inglaterra. Ele chegara para estimular os 300
bombardeiros e 600 caças que se reuniam ali e cujo objetivo era
Londres, num percurso de 35 km sobre o mar e mais 80 km para o
interior do território britânico. Era uma viagem curta para um
bombardeiro, mas perigosamente longa para os caças Me 109, de
pouco alcance, posto que, em 1940, em qualquer ponto da ida ou da
volta era certo encontrar combate.
Edward Bishop 64

Lá no alto, dirigindo sua ala de Dornier 17, estava o mesmo


Coronel Fink que tão ansiosamente procurara os caças, nos céus, na
fatídica manhã de 13 de agosto, quando a confusão havida no “Ataque
das Águias” o deixara sem uma escolta de caças.

E hoje, perversamente, a presença dos enxames de caças lhe


produzia quase tanta ansiedade quanto a sua ausência no “Dia da
Águia”. O esgotamento dos tanques de combustível talvez eliminasse
a escolta de caças nos momentos em que mais fosse necessária.

Mas Fink e suas tripulações voltaram a ter sorte no primeiro trecho


da viagem. No fim desta tarde de setembro quase não havia sinal da
RAF nos céus e os bombardeiros puderam aproximar-se livremente,
ainda à luz do dia, até as docas de Londres, onde despejaram mais de
300 toneladas de bombas de alto explosivo.

Os defensores, interpretando mal as intenções do inimigo,


deixaram a Luftwaffe passar. Após o ataque matutino normal - desta
vez contra Hawkinge - os defensores esperavam que o “horário
comercial” da tarde trouxesse outras incursões sobre os aeródromos de
setor, de acordo com o padrão que vinha sendo adotado.

Quando o East End de Londres já estava em chamas, os defensores


se haviam recuperado e a viagem de volta da Luftwaffe, não foi assim
tão fácil. As tripulações de bombardeiros que retornavam às bases
foram particularmente infelizes em cruzar o caminho do Esquadrão
303, de Northolt, pois este não era um esquadrão comum. Dirigido
pelo Líder de Esquadrão R.G. Kellett, ele era formado de pilotos
poloneses altamente treinados, vindos da Força Aérea Polonesa.
Fugindo da Polônia, esses pilotos haviam jurado vingar a devastação
que a Luftwaffe produziu em seu país. Finalmente liberados depois de
meses de treinamento para se identificarem com os procedimentos da
RAF, eles mergulharam ao avistarem 40 Dorniers 1.200m abaixo do
ponto em que se encontravam. E lá foram Kellett e seu grupo, com
seus Spitfires dotados de mísseis, até que conseguiram colocar os
Dorniers na alça de mira. Um aperto nos botões de disparo e em
poucos momentos os poloneses destruíram ou avariaram seriamente ¼
da formação inimiga, contribuindo magnificamente para os resultados
daquele dia. Ao todo, durante o período diurno do sábado 7 de
setembro a Luftwaffe foi atacada por 17 Esquadrões do Grupo 11, 1
do Grupo 10 e 3 do Grupo 12, perdendo 41 bombardeiros, e a RAF 28
caças. Mas, embora as suas perdas fossem grandes, a Luftwaffe não
... Tanto a Tão Poucos 65

ficou excessivamente intimidada. Este era o preço da vitória rápida. A


guerra terminaria dentro de poucos dias, porque, com sua capital em
chamas, os britânicos por certo não se animariam a prosseguir com as
hostilidades. Ao anoitecer, era tal o inferno que parecia haver no céu
dois sóis e que um deles se punha a leste.

Naquela noite, o clarão facilitou a navegação alemã e às 21:00


horas a Frota Aérea 3 reiniciou a incursão contra Londres. As
tripulações dos bombardeiros alemães exultavam ao ver a capital de
um grande império à sua mercê, em chamas e praticamente indefesa.
Os 264 canhões antiaéreos de Londres eram quase ineficazes, só
podendo mesmo manter os bombardeiros a grande altitude. Defesas de
caças, à noite, praticamente não existiam, excetuando-se dois
esquadrões de Blenheims e uma pequena unidade de caças noturnos
que estavam experimentando o radar aerotransportado. Assim,
imperturbados, 250 bombardeiros da Frota Aérea 3 roncavam nos céus
de Londres. Os veteranos, sobrevoando os grandes incêndios que
lavravam na cidade indefesa, lembravam-se dos bons tempos de
Guernica, Varsóvia e Roterdã. Para acentuar a impressão de passeio,
as tripulações sintonizaram seus receptores nos programas de música
de dança irradiados pela BBC. Os aviadores que tinham conhecimento
do idioma inglês devem ter ficado perplexos com o que captaram seus
receptores. No momento da agonia de Londres, quando todos os
alemães acreditavam que a Inglaterra estivesse à beira do grande
desastre, as ondas da BBC levavam ao ar a palavra do Major W.H
Osman, redator de The Racing Pigeon, discorrendo doutamente sobre
“Os Pombos de Corrida do ponto de vista da utilidade”, e pedindo o
apoio dos criadores de pombos para o “Fundo Spitfire”.

Contudo, era apenas uma ilusão ou uma excentricidade o que os


alemães pegaram em seus receptores. Na frente interna alemã, a
incursão da RAF contra Berlim, na noite de 25 para 26 de agosto,
produzira um choque considerável no seio da população civil,
condicionada à idéia de que a guerra teria um fim rápido. Os soldados,
os marinheiros e aviadores alemães que se preparavam para a
“Operação Leão-Marinho” iriam aprender, daí para a frente, que a
RAF tinha ainda ânimo para estabelecer mão dupla no caminho do
bombardeio dos aeródromos e dos portos onde se faziam os
preparativos da invasão.

Nesse mesmo sábado, 7 de setembro, enquanto Londres sofria um


bombardeio aéreo noturno, os aviões de reconhecimento da RAF
Edward Bishop 66

confirmavam que estavam sendo feitos acréscimos consideráveis à


frota de barcaças de invasão que vinha sendo reunida na costa
ocupada pelo inimigo, na França e nos Países Baixos, desde fins de
agosto. Também nos aeródromos da Luftwaffe registravam-se
mudanças que só poderiam ter uma interpretação. Bombardeiros da
Frota Aérea 5 chegavam da Escandinávia para reforçar a Frota Aérea 2
e, o que era mais significativo ainda, bombardeiros de mergulho
Stuka, retirados da batalha depois de haverem sofrido pesadas baixas,
reapareciam na outra margem do Canal da Mancha.

Diante das muitas provas fotográficas e considerando o que vinha


sendo feito contra Londres, os chefes do Estado-Maior britânico
concluíram que era iminente a invasão. Para os britânicos, a
perspectiva de desembarques inimigos, o risco de conquista jamais
pareceram tão reais, desde o histórico ano de 1066, quando Guilherme
o Conquistador veio da Normandia, cruzou o Canal e derrotou o Rei
Haroldo num campo de batalha perto de Hastings.

Assim, enquanto Londres desmoronava e ardia, a Home Fleet, em


Scapa Flow, preparava-se para zarpar rumo ao sul e, se preciso fosse,
resolver a questão lutando nos estreitos limites do Canal. O exército,
inadequadamente equipado, após as baixas sofridas na França, ficou a
postos, com os voluntários da defesa local, das Guardas Civil e
Nacional, na costa sul da Inglaterra.

A invasão é iminente! Leva após leva de bombardeiros passavam


rugindo pela costa, a caminho de Londres, e os comandantes do
Exército, nas praias, a imaginar o que lhes reservava toda aquela
atividade aérea. Eles esperavam que a qualquer momento fossem
todos envolvidos por uma descida em massa de pára-quedistas, e
punham alerta os ouvidos para o alarme de pára-quedas previamente
acertado - o soar dos sinos das igrejas nas aldeias e cidades das áreas
de invasão da costa inglesa.

E então, pelas cidades, pelas aldeias, pelas estradas e campos soou


repentinamente o repicar de sinos. “Chegou o momento”, disseram, de
si para consigo, homens e mulheres, velhos e jovens, dispondo-se a
morrer mas “carregando um deles consigo”, e procurando, para tanto,
armar-se com o que lhes fosse possível encontrar, uma faca de
cozinha, um forçado, enfim, o que quer que desse para derrubar um
inimigo.
... Tanto a Tão Poucos 67

Mas foi um alarme falso. Nem a Marinha, o Exército, nem mesmo


o povo britânico, no papel de guerrilheiros, foram chamados a provar
se poderiam repelir a Alemanha invasora sem a RAF, pois Hitler não
se atrevia a aparecer sem a garantia da total superioridade aérea, e isto
era algo que ele jogava fora quando lançava a Luftwaffe contra
Londres.

A 8 de setembro, as estações de rádio alemães noticiaram que


Goering assumira o comando das operações da Luftwaffe contra
Londres. Para os defensores, o dia passou em relativa tranqüilidade; os
londrinos aproveitaram a trégua para sepultar os mortos, tirar os
feridos dos escombros, combater os incêndios e repor os serviços
essenciais em funcionamento, sobretudo em vários dos grandes
terminais ferroviários que haviam sido seriamente danificados.

No Comando de Caças, também a trégua foi recebida com enorme


alívio. Outra concentração equivalente contra as bases de Park e todo
o Grupo 11 seriam eliminados. Mas, ao mesmo tempo, Dowding
procurava respostas para perguntas perturbadoras: O que é que saíra
errado? Como é que as imensas formações diurnas tinham conseguido
passar virtualmente sem oposição? Afinal onde estavam os mais de
300 Hurricanes e Spitfires disponíveis dos 21 esquadrões de Park e
dos setores imediatamente vizinhos, nos Grupos 10 e 12?

Basicamente, o problema era que os controladores, os homens que


supervisionavam os percursos nas salas de operações, avaliando os
informes dos radares e do corpo de observadores, tinham estado
esperando a batalha ontem. Fazendo decolar dois esquadrões para
cobrir os aeródromos de setor, eles tinham escancarado o caminho à
passagem da avalancha inimiga.

A defeituosa interpretação das intenções do inimigo, por acaso


cometida na ausência eventual do Vice-Marechal-do-Ar Park da sala
de operações do QG do Grupo 11, foi, na realidade, custosíssima.

Mas o erro não se repetiria no dia seguinte. No fim da tarde de 9


de setembro, 9 esquadrões de Park estavam em vôo, à espera da
primeira leva de 100 bombardeiros, fortemente escoltados, que se
aproximava da costa. Evitando os caças, os pilotos de Park atacaram
os bombardeiros com tanta obstinação, que os tiraram do rumo de
Kent e Sussex, que eram o objetivo, e os forçaram a regressar às
bases, depois de lançarem a esmo as bombas que traziam.
Edward Bishop 68

Quanto à maior parte da segunda leva, embora incessantemente


hostilizada e desviada chegou às áreas o sudoeste de Londres e lançou
suas bombas sobre distritos residenciais muito distantes das áreas das
docas, que eram o alvo. Nessa segunda-feira negra para a Luftwaffe,
as tripulações de bombardeiros começaram a imaginar se Londres
seria realmente o atalho para a vitória que esperavam tão confiantes. O
dia para os alemães saíra caro. A RAF perdeu 19 caças, mas a
Luftwaffe deixou ali 28 aparelhos.

Contudo, se a recepção violenta de 9 de setembro havia embotado


um pouco a confiança dos homens de Goering, nos círculos oficiais da
Inglaterra a preocupação girava em torno do tempo que Londres
poderia resistir aos ataques aéreos ininterruptos. Em 1940, o
bombardeio constante de uma grande capital era um fato sem
precedentes e problemas como o limite de resistência do moral do
povo e o tempo necessário à recuperação dos serviços essenciais
nunca haviam sido equacionados. Além da probabilidade da invasão -
a lua e a maré eram ideais para desembarques entre 8 e 10 de setembro
- as perspectivas eram excessivamente sombrias.

Mas Hitler não estava ainda convencido de que a superioridade


aérea necessária ao sucesso da invasão havia-se estabelecido. A 10 de
setembro ele anunciou que se decidiria no dia 14, na verdade adiando
a “Operação Leão-Marinho” para 24 de setembro, se é que ela seria
efetuada.

Embora Goering tivesse recebido mais 4 dias para acabar com as


defesas de Dowding, as possibilidades de vitória da Luftwaffe
estavam diminuindo, porque diariamente os “Poucos” da RAF
salvaram a Batalha da Inglaterra. Não que os defensores tivessem a
menor idéia dessa diminuta mudança de sorte, na época.

A 11 de setembro, Churchill advertiu a nação: “Se realmente vai


haver uma tentativa de invasão, parece-me que ela não demorará
muito... Portanto, devemos considerar as duas próximas semanas um
período muito importante de nossa história. Ele se iguala à época em
que a invencível Armada espanhola se aproximava do Canal e Drake
estava acabando seu jogo de boliche; ou quando Nelson se interpunha
entre nós e o Grande Exército de Bonaparte, em Boulogne. Temos lido
a respeito de tudo isso nos livros de História; mas o que está
acontecendo agora, realiza-se em escala muito maior e suas
... Tanto a Tão Poucos 69

conseqüências são muito mais sérias para a vida futura do mundo,


para a civilização do que os acontecimentos registrados nesses
admiráveis tempos passados”.

No domingo, 15 de setembro, Churchill tinha a impressão de que a


História assinalaria de forma toda especial a passagem desse dia. Ele
não sabia que Hitler vacilara uma vez mais durante o fim de semana,
sobre a invasão, adiando a decisão de 14 para 24 de setembro. Mas
algo lhe dizia, nessa manhã, ensolarada de setembro - “Um daqueles
dias de outono, quando o campo fica mais belo”, como Park
recordaria mais tarde - que ele devia visitar Park no QG do Grupo 11.

Assim, pouco depois das 10:30 horas, e para grande surpresa das
moças da WAAF que movimentavam suas peças no mapa das
operações, o Primeiro-Ministro entrava na sala de operações de
Uxbridge, acompanhado de sua mulher. Os Churchills, que faziam
uma visita casual, assim como se fossem à casa de um vizinho,
haviam chegado no momento em que se iniciaria uma situação
histórica.

“Não sei se acontecerá alguma coisa hoje. Por enquanto está tudo
muito calmo”, disse Park a Churchill. Fascinado pela teatralidade do
ambiente, Churchill estava absorto quando as moças da WAAF
começaram a marcar as primeiras movimentações inimigas. O radar
anunciava a presença de grande número de aviões que se reuniam
sobre a costa inimiga. Calmamente e sem excitação, a defesa estava
tomando suas providências. A sotto voce, os oficiais de operações
falavam bem junto dos seus fones, dando ordens que faziam os pilotos
dos esquadrões de Park correr para seus aviões e os artilheiros
antiaéreos, para seus postos de combate.

Por volta das 11:30 horas, quando os primeiros aviões alemães


cruzaram a costa sul, os Churchills haviam visto Park fazer decolar
seus 21 esquadrões. Para apoiá-los, os Spitfires do Esquadrão 609
vinham céleres, do Grupo 10. Sua tarefa específica era dar cobertura à
fábrica de aviões em Weybridge e ao Castelo de Windsor, a residência
de fim de semana do rei, em cujos terrenos Beaverbrook estava
armazenando secretamente os novos caças que aguardavam o
momento de serem entregues aos esquadrões. Na retaguarda, atrás de
Londres, uma grande ala de 60 caças, de 5 esquadrões do Grupo 12,
do Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory, estava-se reunindo sob o
Edward Bishop 70

comando do Líder de Esquadrão Douglas Bader, o piloto de caças a


quem faltava uma perna.

O Comando de Caças aprendera a lição de 7 de setembro e,


enquanto Churchill estudava cada movimento, os controladores das
operações punham em prática a instrução corretiva que Park ordenara
a 11 de setembro. Os controladores deviam emparelhar os esquadrões,
Spitfire com Spitfire, Hurricane com Hurricane. Os primeiros tinham
de atacar o anteparo aéreo defensivo de caças inimigos enquanto que
os Hurricanes combatiam os bombardeiros e seu amontoado de caças
de escolta cerrada.

O radar, o “cesto de gávea” eletrônico da Inglaterra, com seus


pontos-chaves poupados aos ataques da Luftwaffe, dera o aviso, e
agora, decolando dos aeródromos que a mudança para Londres da
ênfase dos ataques de Goering havia poupado, levantavam-se os caças
britânicos que dariam aos 100 bombardeiros e 400 caças da Frota
Aérea 2, de Kesselring, uma acolhida violenta.

A Luftwaffe viu-se em dificuldades desde o instante em que seu


primeiro avião cruzou a costa leste de Kent, mas as tripulações dos
bombardeiros prosseguiram, ainda confiantes de que bastava que
chegassem a Londres para acabar logo com a guerra. Por todo o
caminho, até Londres, os caças britânicos mergulhavam
incessantemente sobe o grosso da grande ala de bombardeiros,
fazendo aviões Dornier, Junker e Heinkel cair em chamas nos verdes
campos lá embaixo, enquanto que, aqui e ali, um Spitfire ou um
Hurricane desafortunado descia rodopiando, envolto em fumaça e
chamas.

Mas não havia como chegar aos alvos costumeiros, as docas e as


instalações petrolíferas do Tâmisa. O melhor que as hostilizadas
tripulações podiam fazer era despejar suas bombas sobre o centro de
Londres e fugir para casa.

O “Big-Ben”, simbolicamente o emblema oficial do Grupo 11,


acabara de soar as 12 badaladas do meio-dia quando as bombas
começaram a descer, indo uma delas cair nos jardins do Palácio de
Buckingham, mas sem explodir.

Em casa, nas ruas, noa bares onde tomavam seu caneco de cerveja,
os londrinos imaginando se isto seria o prelúdio da invasão, liam seus
... Tanto a Tão Poucos 71

jornais: “Se e quando a invasão ocorrer, ela não será mantida em


segredo. A notícia será dada pela BBC e pelos jornais”. E uma hora
depois o noticiário das 13:00 horas da BBC anunciou: “A primeira
incursão aérea contra a área de Londres, hoje, começou há pouco mais
de uma hora. Um ou dois minutos depois que as sereias começavam a
soar, comunicados dão conta de que no sudeste violento fogo
antiaéreo foi aberto contra o inimigo e de que outras partes da capital
foi adotado comportamento semelhante. Era possível ouvir o silvo das
bombas que caiam... diz-se que pelo menos 50 aviões estão lutando
numa área de batalha dos arredores da cidade”.

A calma reação da BBC foi tranquilizadora. Os pilotos dos caças


da RAF estavam operando a 6.000m acima da radiodifusão. Entre eles
estava o Líder de Esquadrão John Sample, do Esquadrão 504, um
corretor de imóveis que aprendera a voar nos fins de semana, antes da
guerra. “cada um de nós escolhia seu alvo”, lembrou ele, mais tarde.
“Nosso primeiro ataque os dispersou muito bem. O Dornier que
ataquei, com uma rajada de vários segundos, começou a afastar-se dos
seus amigos, desviando-se para a esquerda. Dei-lhe outra rajada de 5
segundos e lá se foi ele, deixando um rastro de fumaça.

“Quando me afastei e comecei a fazer uma curva ascendente,


fechada, olhei para o lado e vislumbrei, por um buraco nas nuvens, um
rio correndo lá embaixo. Vi as curvas do rio e tentei descobrir onde
estava. Não reconheci imediatamente e foi então que vi o “Kennington
Oval” e pensei comigo mesmo: “É ali que se joga críquete”. É
estranho como, no meio de uma batalha, a gente vê algo em terra e
pensa em outra coisa totalmente diferente do que se está fazendo no
momento...

“Não demorei a ver-me debaixo de outro Dornier que deixava um


rastro de fumaça. Ele estava sendo atacado por Hurricanes e um
Spitfire... Como não via outra coisa para atacar no momento,
aproximei-me para participar daquele ataque. Mergulhando, observei
o que parecia ser uma luz vermelha brilhando na carlinga do artilheiro
de ré, mas quando me aproximei mais, compreendi que estava vendo,
através da carlinga do artilheiro, diretamente a do piloto e do
observador. A luz vermelha era fogo. Disparei uma rajada e, ao passar
pela sua direita, olhei pelo grande nariz de vidro do Dornier. Dentro
dele parecia uma fornalha. O aparelho começou a cair e em poucos
segundos a cauda se soltou. O bombardeiro deu um salto mortal para a
frente e começou a rodopiar. Depois de dois rodopios, suas asas
Edward Bishop 72

romperam-se perto dos motores externos, de modo que o que restava


era metade de uma fuselagem e a base das asas, com os motores
presos a elas. Nesse momento, os destroços foram ocultos pelas
nuvens e não vi mais nada. Já então a batalha terminara. Como não vi
mais nada para atacar, retornei à base”.

Depois de reabastecer e rearmar, o Esquadrão de Sample voltou a


decolar às pressas, uma hora depois, para enfrentar nova leva de
bombardeiros de caças.

Entrementes, Bader e sua ala de 60 caças, que voavam para o sul,


por trás de Londres fizeram a Luftwaffe sofrer o maior choque que já
experimentara até então. Doida por lutar, a ala de Bader - parte do
agressivo Grupo 12 de Leigh-Mallory - era integrado por um grupo
cosmopolita de pilotos representativos da causa aliada. Voando lado a
lado dos esquadrões da RAF havia um Esquadrão de canadenses, um
de tchecos e um de poloneses. Varrendo tudo à sua frente, os furiosos
60 obrigaram a Luftwaffe a uma veloz retirada de Londres para a
costa, com os Hurricanes atacando os bombardeiros, e os Spitfires, os
caças.

Lá embaixo, nas ruas de Londres, as sereias soavam a nota


prolongada e tranquilizadora de “passou o perigo”, e logo após haver
o último dos aviões inimigos fugido. Enquanto os carros de
bombeiros, as ambulâncias e as turmas de salvamentos trabalhavam
em meio aos escombros, os empregados de escritório saiam dos
porões para reiniciar o almoço interrompido.

Muitos se reanimavam, nos bares, contando histórias de


bombardeiros, de escapadas miraculosas e de pedaços da ação. Num
dos bares houve uma atração especial: alguém apareceu com uma bota
de aviador alemão, de cano longo, feito de couro preto e fecho “é
clair” dos dois lados e, como o grupo viu, com um buraco de bala. Se
dono morrera bombardeando Londres.

Depois de terrivelmente maltratada nessa fatídica manhã de


domingo, a Luftwaffe retornou à tarde, mas também dessa os
defensores estavam preparados. Quando a nova leva de 100
bombardeiros e 300 caças cruzou o Canal, mais de 200 caças da RAF
decolaram em pares e esquadrões e tomaram posições na frente de
Londres.
... Tanto a Tão Poucos 73

Os pilotos de caças britânicos estavam exultantes por se verem em


grandes formações, depois de semanas ansiosas e decepcionantes em
que voavam em grupos de 3 e 6, ou, na melhor das hipóteses, de 9 ou
12. Isto compensava em parte o grande cansaço das repetidas surtidas.
Também era tranquilizador verificar que ser derrubado não significava
necessariamente ficar fora da batalha. Não era raro um piloro
abandonar o aparelho atingido sobre Londres, tomar um taxi para o
seu aeródromo e decolar de novo num Spitfire ou Hurricane que
chegara naquela mesma tarde. Graças à organização de reparo e
produção dirigida por Beaverbrook, se a RAF tivesse perdido 200
caças a 15 de setembro, somente 18 não teriam sido substituídos pela
produção daquela semana. Entretanto, a escassez de pilotos de caça
treinados era um problema muito mais sério que o suprimento de
aviões para eles voarem. Dowding abandonou o sistema de
revezamento de unidades cansadas com esquadrões vindo de fora da
área de invasão, e reforçou temporariamente os esquadrões de Park
com a elite dos seus “meninos” das áreas mais calmas.

A medida era realmente boa, porque os pilotos inexperientes não


duravam tempo suficiente para se transformarem em veteranos,
especialmente porque os Spitfires nem sempre podiam impedir que a
linha de frente formada pelos Me 109 atacassem os Hurricanes, que
eram mais lentos e mais vulneráveis.

Apesar disso, os pares de esquadrões de Park hostilizavam a


Luftwaffe, naquela tarde, a caminho de Londres, com a mesma
persistência com que haviam combatido os incursores de manhã; mas
os bombardeiros, apesar das perdas sofridas, prosseguiram
corajosamente. As bombas foram lançadas a esmo sobre Londres,
através das nuvens. Embora despejadas às cegas sobre a extensa área
da capital, algumas bombas danificaram ferrovias e outros serviços
essenciais.

Nessa tarde, após a experiência vivida pelos bombardeiros,


naquela manhã, nas mãos da ala de caças de Bader, os pilotos de caça
de Kesselring estavam procurando aborrecimentos. As estimativas
errôneas da Luftwaffe garantiam aos pilotos germânicos que mais de
2.000 caças da RAF haviam sido destruídos desde o começo da
batalha, de modo que eles consideravam que a reação feita naquela
manhã eram os estertores de uma força de caças despachadas
desesperadamente para proteger Londres. Por esta óptica é que viram
o aparecimento de Spitfires e Hurricanes da RAF em números
Edward Bishop 74

incomumente formidáveis. Ali, nos céus de Londres, estava a


oportunidade de a Luftwaffe conquistar a superioridade aérea que
vinha buscando. Mas a Luftwaffe fracassou. Nem mesmo o famoso
líder de caça, Major Adolf Galland, que em breve iria a Berlim receber
o abraço de Hitler e a condecoração pela 40ª vitória, as “Folhas de
Carvalho”, da “Cruz de cavaleiro”, conseguiu alguma coisa.

Na Inglaterra, a contagem, feita de maneira otimista na época,


acusava uma bela vitória para a RAF. No dia seguinte, quando
Winston Churchill entrou em sua Sala de mapas, ele viu escrito, a giz,
no quadro - Destruídos, 183; Prováveis, 42; Danificados, 75; Perdidos,
28. O Primeiro-Ministro cumprimentou imediatamente a RAF: “O dia
de ontem eclipsa todos os recordes anteriores do Comando de Caças.
Auxiliado por esquadrões dos seus camaradas tchecos e poloneses,
usando somente pequena proporção dos seus efetivos, e em condições
de tempo algo difíceis, ele destruiu três levas de assassinos da
população civil da sua terra natal, infligindo baixas da ordem de 125
bombardeiros e 53 caças ao inimigo, sem falar dos prováveis e dos
avariados, sofrendo apenas a perda de 20 pilotos e 25 aparelhos. Esses
resultados superam todas as expectativas e dão confiança justa e
sóbria na luta que se aproxima”.

Como se descobriu após a guerra, os números constantes do


quadro de totais e da mensagem do Primeiro-Ministro estavam
exageradas. Contudo, as perdas da Luftwaffe, em cerca de 60 para os
28 da RAF, eram suficientemente elevadas para pôr fim às esperanças
dos alemães de forçarem a uma paz negociada ou conseguirem uma
invasão bem sucedida.

Naquele sábado, à noite, a Luftwaffe reapareceu, quando 180


bombardeiros atacaram o centro de Londres.

Na manhã seguinte, o trem de luxo de Goering chegou a Boulogne


e o comandante da Luftwaffe fez uma palestra aos seus feldmarechais
e generais. O mau tempo, disse ele, deu aos britânicos a oportunidade
de se reorganizarem. Ainda hipnotizado pela sua previsão, o
Comandante-Chefe insistia em que 4 dias de tempo favorável dariam à
Luftwaffe a superioridade aérea que há tanto lhe vinha escapando.
Rodeado de eufóricos aduladores em seu trem especial, o Marechal do
Reich ordenou outros ataques em grande escala, usando até 400
bombardeiros e uma só vez, mas somente quando o tempo estivesse
perfeito. Em dias de mau tempo, disse Goering, para não permitir ao
... Tanto a Tão Poucos 75

inimigo a oportunidade de se recuperar, deveria ser repetido o


aparecimento de incursores de inquietação fortemente escoltados. Em
condições de tempo realmente ruins, um único aparelho deveria
decolar para provocar o alarme no sistema de defesa.

Em Berlim, Hitler preferia ser mais realista. Aceitando o fato de


que as condições atmosféricas piorariam com a aproximação do
inverno, adiou a “Operação Leão-Marinho” até nova ordem. Na
verdade, esse adiamento foi definitivo.

Depois da guerra ficou esclarecido que o domingo 15 de setembro


fora o ponto culminante da Batalha da Inglaterra, sendo este o dia em
que a nação comemora anualmente a sua salvação da invasão e da
escravidão pelos alemães. Contudo, em 1940, nem a Luftwaffe nem a
RAF podiam dizer o que o amanhã traria. Enquanto permanecesse de
pé a possibilidade de serem feitas pelo inimigo operações da
envergadura da que se verificou a 15 de setembro, a invasão era o
grande fantasma dos defensores. Na verdade, se Kesselring e Sperrle
tivessem tido aviões suficientes para obedecer à risca às últimas
ordens de Goering, o Comando de Caças teria encontrado dificuldade
muito grande para deter o curso até que o inverno fizesse baixar a
cortina da segurança sobre o Canal e o sudeste da Inglaterra. A 15 de
setembro, quando Churchill deixava a sala de operações de Uxbridge,
Park disse-lhe: “Excelência, estamos muito felizes porque o senhor
assistiu a tudo. Isto mostra a limitação dos nossos recursos presentes.
E hoje eles foram estendidos aos seus limites máximos”.

A 16 de setembro, o mau tempo e a exaustão da Luftwaffe, depois


do esforço que fez nas últimas 24 horas, deram à RAF uma trégua
merecida. O domingo fora um dia radioso e a segunda-feira
amanheceu chuvosa e nublada, com nuvens a 90m de altura. O
caprichoso tempo britânico, aliado secreto que já ajudara a frustar os
planos de “quatro dias” de Goering, viria a repetir a proeza. Se o
Comandante-Chefe da Luftwaffe tivesse dado mais atenção às
considerações meteorológicas desde o início, é duvidoso que ele
tivesse jogado na pouco provável “vitória em quatro dias”. Mas o fato
é que, quando a Luftwaffe finalmente compreendeu o tempo britânico,
ele de tal forma se confundiu com a mistura de boletins
“meteorológicos” que Goering foi obrigado a intervir, ordenando que,
quando as previsões fossem conflitantes, a decisão caberia aos homens
no local, ao meteorologista que estivesse na unidade encarregada de
uma operação aérea.
Edward Bishop 76

Graças às nuvens baixas, a 16 de setembro o Vice-Marechal-do-Ar


Park encontrou a calma necessária à revisão do planejamento da luta.
Com base no que observou durante a luta de domingo, estabeleceu ele
o emparelhamento de esquadrões do mesmo tipo depois da penetração
inimiga, destacando os Hurricanes para atacar os bombardeiros e os
Spitfires, para os caças. Embora a medida melhorasse a interceptação,
Park ainda não estava satisfeito. Na prática, os erros de encontro e as
tendências dos pilotos de caça para a luta encarniçada estavam
impedindo que a teoria do Comandante do Grupo II fosse plenamente
bem sucedida. Contudo, enquanto a Luftwaffe desperdiçasse esforço
no alvo infrutífero de Londres, o Comando de Caças poderia respirar
com relativa liberdade. Mas, e se o inimigo voltasse a atacar Biggin
Hill, ou Henley, ou Hornchurch, ou qualquer outro aeródromo de
Park? E se ele fizesse um ataque simultâneo contra as fábricas de
avião? Então, a situação, já de si muito séria, descambaria para o
insuportável.

Felizmente para os defensores, enquanto setembro se escoava e a


batalha aérea ia e vinha pelo sudeste da Inglaterra, Londres
permanecia como alvo principal dos incursores diurnos e noturnos.
Mas, em comparação com os ataques feitos em fins de agosto e
começo de setembro, a intensidade dos golpes da Luftwaffe começava
a diminuir, diminuindo também o sangue que fluía dos grandes
ferimentos de Londres.

A 23 de setembro, quando se completou a terceira semana de


ataques ininterruptos a Londres, foi dada a ordem para nova retaliação
contra Berlim. O Ministério da Guerra queria que a RAF montasse
uma incursão terrorista, com minas lançasses de pára-quedas, mas a
RAF insistia em que os ataques fossem contra objetivos militares. De
qualquer modo, já era difícil atingir alvos úteis e a RAF não estava
preparada para privar a Luftwaffe do lugar de honra como
desperdiçador de bombas. Naquela noite, enquanto mais de 260
incursores alemães bombardeavam Londres indiscriminadamente, 119
bombardeiros Wellington, Whitley e Hampden da RAF receberam
ordens de bombardear alvos militares em Berlim. Comparado à
atividade da Luftwaffe, o esforço dos britânicos era pequeno, mas a
notícia da retaliação trouxe enorme sensação de conforto e satisfação
para os londrinos, “que estavam sendo atacados naquela mesma
noite”.
... Tanto a Tão Poucos 77

Na manhã seguinte, a Luftwaffe fez dois ataques, bem cedo, contra


Londres. À tarde houve uma incursão muito mais importante. Usando
duas formações de cerca de 20 Me 109 cada uma, isto é, convertendo
seu melhor caça num caça-bombardeiro, a Luftwaffe surpreendeu os
defensores e penetrou livremente até as fábricas de Spitfire, em
Southampton, local histórico do nascimento do S6B de Mitchell, o pai
dos Spitfires. Felizmente a fábrica escapou de danos muito sérios, mas
100 membros da equipe da Supermarine morreram quando um abrigo
antiaéreo foi atingido em cheio.

Como Dowding há muito tempo temia, a Luftwaffe escolhera uma


importante fábrica de caças e, de acordo com a paixão do inimigo
pelas manias táticas de pouca duração, era de esperar que a operação
em Southampton ou alhures se repetisse nos próximos dias.

Na manhã seguinte, 25 de setembro, uma força de mais de 50


bombardeiros escoltados danificou seriamente a fábrica da Companhia
Bristol Aeroplane e causou mais de 250 baixas.

Os ataques às fábricas de avião e a utilização de caças-


bombardeiros difícil de serem alcançados tornaram os defensores
perturbadoramente cônscios de que apesar das contínuas incursões
sobre Londres, ainda que feitas com menos aviões que antes, a
Luftwaffe estava recuperando a objetividade revelada nos ataques de
fins de agosto, contra os aeródromos de setor.

Como que confirmando o receio do Comando de caças, uma força


mista de mais de 70 Me 109, He 111 e Ju 88 subiram de suas bases na
Bretanha e atacaram a fábrica de Spitfire em Southampton, dando um
exemplo do novo padrão de bombardeio adotado. Em poucos minutos,
70 toneladas de bombas já haviam caído, e como tal efeito que a
produção foi suspensa e três novos caças foram destruídos nas
oficinas, dando à Luftwaffe um ganho nítido naquele dia. Na luta
aérea, registraram-se 3 baixas para cada lado.

Uma vez mais a iniciativa retornara à Luftwaffe, fato que se


tornava patente, durante a Batalha da Inglaterra, toda vez que a força
aérea alemã se concentrava, ainda que temporariamente, nos alvos
táticos ou estratégicos de valor. Ao mesmo tempo, a Luftwaffe
começava a desnortear os esquadrões interceptadores com um novo
estratagema - entremeando formações de caças verdadeiros com
caças-bombardeiros. Vastas formações de Me 109 despachadas para
Edward Bishop 78

atrair Spitfires e Hurricanes para combate podiam ser ignoradas com


boa segurança, mas as formações que continham bombardeiros e
caças-bombardeiros exigiam atenção. Bastava apenas alguns desses
ataques contra as fábricas de aviões - a dispersão estava sendo feita,
mas ainda não era plenamente eficaz - para pôr a superioridade aérea
ao alcance do inimigo antes da chegada do inverno.

Felizmente para os defensores, a maioria das formações de caça de


grande altitude não conseguia mais que a derrubada de alguns caças
da RAF. A 27 de setembro, voltando às suas antigas formações -
bombardeiros Dornier, Heinkel e Junkers escoltados - à Luftwaffe foi
mostrada a sua vulnerabilidade diurna. De 80 aviões que rumavam
para Bristol e dos 300 para Londres, os alemães perderam 55, para 28
da RAF.

A participação dos bombardeiros Dornier, Heinkel e Junker estava


quase no fim. No último dia de setembro de 1940, os bombardeiros
Dio 17 e He 111, tão eficientes na Espanha, tão proveitosos na França,
juntaram-se ao bombardeiro de mergulho “Stuka” Ju 87 entre os
aviões comprovadamente obsoletos para combate nos céus da
Inglaterra. O Ju 88, que era mais veloz e mais recente, também não se
saiu bem. Foi um dia ruim para a Luftwaffe: 47 aviões - na maioria
bombardeiros - derrubados ao preço de 20 caças da RAF.

Em menos de 2 meses, a lenda da invencibilidade da Luftwaffe


fora destruída. Os bombardeiros, que deveriam ter aberto o caminho
para a vitória em apenas 4 dias, foram obrigados a se ocultar na
sombra da noite, e o caça Me 110 de longo alcance foi de tal forma
desacreditado, que necessitava de uma escolta de Me 109 como
bombardeiro de ataque-e-fuga.

Ponto de equilíbrio

Chegara o mês de outubro e em quase 12 semanas a Luftwaffe


tentara por todos os meios a rápida obtenção da paz com ou sem
conquista. Primeiro, saiu para o desfile de forças sobre o Canal da
Mancha; depois, para as incursões curtas e intensivas sobre as
estações de radar, empreendidas de maneira tão acertada e tão
totalmente abandonadas. Em seguida, depois de perder-se sobre alvos
sem importância, mudou a mira para os aeródromos de caças,
particularmente as estações de setor de Park. Veio a provação de
... Tanto a Tão Poucos 79

Londres e, por último, os atrasados bombardeios de precisão das


fábricas de aviões.

Abandonando cada nova tática às vésperas de se vitoriar, a


Luftwaffe ganhara pouco, perdera 25% dos seus efetivos operacionais
e não valorizara a reputação que tinha.

Contudo, visto dos QGs do grupo de Park e do comando de


Dowding, o desempenho da Luftwaffe ainda era motivo de graves
preocupações. No começo de outubro, a possibilidade de bom tempo
sustentava de pé a perspectiva de invasão; além disso, a nova tática do
caça-bombardeiro continuava criando problemas.

Livres da presença dos bombardeiros bimotores leves, as


formações de caça diurnas voavam a altitudes de 6.000m a 7.500m,
colocando-se fora da área de detecção pelo radar e altas demais para
que o Corpo de Observadores produzisse um traçado preciso.
Insatisfatório também redundou o esforço feito, por meio de aviões de
exploração voando a grande altura, no sentido de acusar a
aproximação do inimigo. Vários desses aviões foram derrubados. O
desempenho do Me 109 acima de 7.500m - graças ao seu
superalimentador de dois estágios - era ainda melhor do que o dos
Spitfires e Hurricanes Mark 2 que estavam então aparecendo.

A técnica noturna do Comando de Caças melhorara pouco durante


os meses de verão. Em outubro havia apenas 6 Esquadrões de Caça
noturno Blenheim e 2 Defiant em serviço, mas suas surtidas tinham
resultados erráticos. O caça noturno, equipado com radar de
interceptação de confiança, estava ainda por nascer, embora o novo
Beaufighter com radar já estivesse em experiência. Quanto às defesas
antiaéreas, os refletores e canhões davam mais esperança aos civis do
que dificuldades para o inimigo, além de serem mais barulhentos que
eficazes. Mas o barulho não constituía problema, porque a Batalha da
Inglaterra estava sendo travada tanto nas ruas como nos céus de
Londres, onde os rastros tenuêmente marcados pelos aviões em luta
mostravam a que altitude os caças e caças-bombardeiros haviam
elevado o conflito.

Embora o domingo 15 de setembro - o dia supremo da Batalha da


Inglaterra - marcasse o ponto culminante do maciço regime de carga
dirigido contra a capital, a provação subsequente de Londres foi, em
alguns aspectos, mais penosa.
Edward Bishop 80

A frase “Londres pode agüentar” já era um chavão no começo de


outubro, mas quantas semanas mais, de morte e destruição, Londres
poderia realmente agüentar? Entre os que se perguntavam isto estava
Goering, que via no colapso do moral do povo de Londres,
aterrorizada e em chamas, como o caminho mais provável para a
vitória do que os “quatro dias” arbitrários com os quais se hipnotizara
durante o verão.

Achando melhor ignorar a finalidade original dos ataques em


massa realizados entre 7 e 15 de setembro - a destruição dos
remanescentes da RAF que decolariam e dariam tudo na defesa da
capital - o marechal do Reich passou a exigir a desmoralização do
povo britânico pela completa destruição de Londres.

Se as noites insones, a destruição das ruas e dos lugares que lhe


eram familiares, o avultado número de mortes, de lares reduzidos a
escombros pela explosão de bombas e pelo fogo poderiam combinar-
se para vergar o moral do londrino, então a Luftwaffe por certo
venceria a Batalha da Inglaterra. Goering visualizava o seu término
para meados de outubro; ele tranqüilizou seus pilotos, que já
mostravam sinais de cansaço: “Seus ataques infatigáveis e corajosos
ao coração do Império Britânico, a cidade de Londres, reduziram a
plutocracia britânica ao medo e ao terror. As perdas que vocês tem
infligido à decantada RAF, em decididos combates entre caças, são
insubstituíveis.

Mas a vontade britânica de continuar lutando, alimentada pela


oportuna exaltação de Churchill, e os caças que saiam das linhas de
produção de Beaverbrook desafiavam as afirmações do Comandante-
Chefe da Luftwaffe. Também a Família Real saiu dos seus castelos
para se colocar mais próxima do povo, para participar da ansiedade de
todas as classes. O rei e rainha, os pais da Rainha Elizabeth II,
passavam muitas horas nas ruas bombardeadas, encorajando os
bombeiros e compartilhando dos sentimentos daqueles cujas casas
haviam sido destruídas. De certo modo, o fato de Hitler haver também
bombardeado a residência londrina do rei ajudou.

O rei, procurando um meio de expressar sua admiração pela


coragem dos civis e dos militares - todos então igualmente sob ataque
- instituiu duas condecorações pessoais por bravura diante dos ataques
aéreos. Falando pelo rádio do Palácio de Buckingham, o Rei Jorge VI
... Tanto a Tão Poucos 81

proclamou a instituição da George Cross e da George Medal, e por


coincidência dramática as sereias soavam enquanto o rei falava. A
George Cross, disse o soberano, só seria superada pela Victoria Cross.

As bombas e minas que não explodiam, reconhecidas como uma


ameaça nos aeródromos e fábricas, começavam a determinar o
fechamento de ruas e a colocar as pessoas em perigo, como o rei bem
sabia, pois tivera uma em seu próprio jardim, no Palácio de
Buckingham. Os primeiros agraciados com as novas condecorações
foram corajosos peritos integrantes das Unidades de Remoção de
Bombas, homens como o Tenente R. Davies, do Real Corpo de
Engenheiros, que desarmara uma bomba de alto explosivo que caíra
junto à Catedral de São Paulo.

Corria o mês de outubro e os londrinos procuravam conviver com


seu “fado”, enquanto os incursores diurnos se tornavam
progressivamente mais esquivos, à medida que caças e caças-
bombardeiros apareciam a altitudes cada vez maiores.

Os pilotos de Park, que inicialmente achavam que os Me 109 e Me


110, a 6.000 e 7.5000m, estavam muito longe, não demorou para que
estivessem operando a 9.000m - altitude de combate que os Spitfires e
Hurricanes tinham dificuldade de atingir a tempo de interceptá-los.

Os problemas de rastreamento de fins de setembro e começo de


outubro pioraram com o começo das condições meteorológicas
características do final de outono, e os primeiros avisos que o radar e o
Corpo de Observadores podiam esperar chegavam quando os
incursores estavam a apenas 20 minutos de vôo de Londres.

Assim, o Vice-Marechal-do-Ar Park teve de reconsiderar suas


táticas mais uma vez. Se seus pilotos levavam até 30 minutos para
atingir a altitude de 9.000m e se a presença do inimigo era anunciada
com 20 minutos de antecipação, impunha-se a manutenção em vôo de
patrulhas de prontidão. “A experiência amarga”, lembrou Park aos
seus controladores de operações, “tem provado repetidamente que é
melhor interceptar o inimigo com um Esquadrão acima dele do que
com toda uma ala voando abaixo dele, provavelmente depois que o
inimigo lançou suas bombas”.

As palavras de Park vinham repassadas de amargura, porque


enquanto ele as escrevia as incursões de grande altitude estavam se
Edward Bishop 82

tornando regulares. A 15 de outubro, um dia típico, 30 Messerschmitts


bombardearam Londres às 09:00 horas, atingindo a Estação de
Waterloo; 45 minutos depois, mas 50 Messerschmitts bombardearam
os quarteirões financeiros da cidade. Às 11:30 horas, mais outra
formação cruzou o estuário do Tâmisa, e durante toda aquela noite
houve incursões à luz do luar. O serviço de trens parou nos cinco
grandes terminais londrinos. O metrô foi interrompido em cinco
pontos, houve 900 incêndios e mais de 400 pessoas morreram. As
perdas da Luftwaffe nas operações diurnas e noturnas totalizaram 14
aviões; a RAF perdeu 15.

Em fins de outubro, no Comando de Caças, a impressão era de que


o pesadelo nunca mais acabaria, pois não havia muito o que fazer para
deter os incursores noturnos. Dowding e Park ainda estavam
procurando a solução do problema.

Depois de um longo verão de luta incessante, as novas táticas da


Luftwaffe impuseram uma tensão quase intolerável ao Comando de
Caças. Em agosto e na primeira metade de setembro, os esquadrões de
caças pelo menos tinham conseguido descansar e permanecer nos seus
aeródromos entre as corridas para decolar. Depois disso, a necessidade
do patrulhamento de área a 9.000m e de lutar àquela altitude impôs
um castigo físico muito mais severo aos pilotos, que já estavam
passando até 5 horas de vôo operacional por dia. As expectativas de
vida de um piloto de caça, na Batalha da Inglaterra passara a ser,
desde então, avaliada em 87 horas de vôo - ou pouco mais de uma
quinzena, no índice máximo de emprego. Por volta de 31 de outubro,
415 pilotos, de um total de cerca de 1.500 que participaram da
Batalha, tinham morrido.

Quando tudo acabou, quando a Batalha aérea da Inglaterra pôde


ser analisada dentro de uma perspectiva mais ampla, em conjunto com
as operações subsequentes, quando finalmente, os livros de História
exigiram datas, a oficialidade britânica fixou o período de 10 de julho
a 31 de outubro como o da Batalha da Inglaterra. Evidentemente,
batalhas aéreas foram travadas antes e depois de julho e outubro, mas
a História e a concessão inevitável de condecorações de campanha
para as tripulações aéreas exigiam datas. Em novembro, embora a
situação da Inglaterra continuasse perigosa, o povo parecia sentir que
o momento da morte começava a distanciar-se.
... Tanto a Tão Poucos 83

A confiança, raiando mesmo pela complacência, retornou. As


corridas de cavalos com obstáculos estavam em plena estação e as
corridas de galgos começavam a atrair muito mais que qualquer outro
esporte. Nos campos de golfe, onde Beaverbrook mandara depositar
os restos de bombardeiros alemães, para ressaltar a inoportunidade do
passatempo, os gramados começavam a ser desimpedidos. Um
anúncio da época mostrava quatro Spitfires num céu azul – nenhum
caça da Luftwaffe à vista – e dizia: “Estes são os homens que, quando
de licença, perseguem uma bola de golfe com a mesma determinação
com que perseguem sua presa”.

Os britânicos se estavam condicionando para a guerra e até mesmo


abreviando a feia palavra Blitzkrieg para “blitz”, conseguindo fazer
com que o sinônimo de terror caísse melhor no ouvido dos que
tiveram o lar destruído pelas bombas, do pessoal dos abrigos e dos que
trabalhavam durante os ataques aéreos. “Não se preocupem”, diziam,
“tomaremos um chá quando a blitz terminar”.

Por volta de novembro, os civis já aceitavam os ataques aéreos


como fato da vida diária. Muitos se sentiam até orgulhosos por se
mostrarem mais na linha de frente do que os soldados. Contudo a RAF
não podia aceitar os ataques aéreos com a mesma resignação. Afinal
de contas, seu trabalho era impedir a entrada do inimigo, ou pelo
menos desviá-lo dos alvos importantes, e nem sempre o estava
conseguindo. Entre 7 de setembro e 13 de novembro, Londres foi
bombardeada por 160 aviões, em média, durante 67 noites
consecutivas, descansando neste período, apenas uma. Com as
incursões diurnas diminuindo e roubando à RAF a oportunidade de
derrubar aviões inimigos, o desalento pela sua relativa incapacidade à
noite aumentava. Mas houve um momento de alívio que chegou a ser
até cômico.

Para constrangimento da Luftwaffe, a Regia Aeronáutica de


Mussolini, decidida a dar também a sua contribuição para a conquista
da Inglaterra, foi-se estabelecer em bases na Bélgica. Desde fins de
outubro, bombardeiros italianos vinham atacando os portos ao longo
da costa leste da Inglaterra, à noite. A 11 de novembro, introduzindo
um momento de opereta no cenário diurno que se fechava, os
italianos, usando capacetes de latão e baionetas, apareceram durante o
dia, voando sobre o Mar do Norte em 10 bombardeiros Fiat BR20,
escoltados por 40 caças, biplanos, Fiat CR42. Depois de se
recuperarem do espanto, os pilotos de dois esquadrões interceptadores
Edward Bishop 84

de Hurricanes derrubaram três bombardeiros e três caças sem perder


nenhum dos seus.

Com esta nota de alívio, terminou o período das grandes operações


diurnas contra a Inglaterra, em 1940. A 14 de novembro, o
bombardeio de Conventry iniciaria um inverno de bombardeios de
terror por toda a Inglaterra. Mas Londres resistiria, assim como todas
as outras grandes cidades; a destruição de um centro após o outro,
longe de provocar o clamor público pela paz, aumentou a
determinação do povo britânico de ir até o fim. Mas a história do
inverno de terror da Inglaterra, da blitz noturna que quase arranca o
coração das suas cidades, até a invasão da Rússia, pela Alemanha, em
1941, está fora dos limites deste livro.

Em meados de novembro, a Batalha diurna da Inglaterra, que


atingiu seu ponto culminante a 15 de setembro e prosseguiu até o fim
de outubro, fracassara com o sombrio desempenho da Força Aérea de
Mussolini. A possibilidade de a Alemanha conquistar a Inglaterra em
1940 começava a diluir-se.

O veredito da História

Basicamente, a Luftwaffe estava mal equipada para a Batalha da


Inglaterra. Os primeiros sucessos na Espanha, Polônia, frança e
Bélgica deram à Força Aérea Alemã uma idéia falsa de sua
capacidade. Em primeiro lugar, os pais da Luftwaffe, alimentando o
filho intelectual no texto do Tratado de Versalhes, haviam construído
uma arma aérea para apoiar tanques e infantaria na campanha,
trabalho que a Luftwaffe realizou de maneira magnífica no continente.

A França resistiu tão pouco, que a Luftwaffe pôde funcionar de


maneira impecável. Em maio de 1940, a excelência da tática da
Luftwaffe no apoio cerrado a um exército que avançava colocara as
Frotas Aéreas 2 e 3, de Kesselring e Sperrle, na costa do Canal da
Mancha. Tudo indicava que a Inglaterra estava à mercê dos
comandantes das Frotas Aéreas. Erroneamente, suas tripulações viam
o Canal apenas como um rio Mosa mais largo e agitado. Apenas 35
Km, no seu ponto mais estreito, e, uma vez na outra margem, a
Luftwaffe prosseguiria na sua acalentada função de apoio tático ao
exército – marchando finalmente sobre Londres. Contudo, a
Luftwaffe, pelo que se conseguiu saber, não estava corretamente
equipada para estabelecer o requisito prévio de uma invasão, a
... Tanto a Tão Poucos 85

completa superioridade aérea sobre o ponto de invasão, no sudeste da


Inglaterra. Mas, curiosamente, a incapacidade era acidental.

Deixando momentaneamente de lado os erros de critério, as


mudanças caprichosas de ênfase que precederam e sucederam o
“Ataque das Águias”, em meados de agosto de 1940, a Luftwaffe
carecia de uma rama essencial para o sucesso: o bombardeiro
quadrimotor pesado. Esse avião estaria disponível em grandes
números não fosse a morte acidental do General Walther Wever, o
primeiro Chefe do Estado-Maior da Luftwaffe e o mais ardente
defensor do bombardeiro estratégico, na Alemanha. Perspicaz e
dotado de mentalidade tecnológica, Wever planejara a produção em
massa do bombardeiro quadrimotor, com um raio de ação que atingiria
o norte da Escócia, onde toda a Home Fleet britânica ficava ancorada,
em 1940. Encorajadas por Wever, as companhias Dornier e Junkers
construíram em 1935, os protótipos do Do 19 e do Ju 89. Mas, naquele
ano, Wever morreu num acidente de avião e os bombardeiros
estratégicos Dorniers e Junkers, que poderiam ter dado à Alemanha a
vitória em 1940, morreram com ele. Os dois aviões foram cancelados
por Kesselring, em favor do bombardeiro de mergulho “Stuka” e dos
bombardeiros bimotores médios que me breve se tornariam tão
conhecidos.

Se Goering tivesse uma frota de bombardeiros estratégicos para


lançar contra cadeia de radar, os aeródromos do setor de Grupo 11, as
fábricas de aviões e talvez também contra a Marinha Real, seu sonho
de “quatro dias” talvez se tivesse realizado. Teria apenas de controlar
suas mudanças de ênfase. O dano que os bombardeiros médios e os
caças-bombardeiros produziam quando atacavam alvos importantes –
como a incursão contra a fábrica de Spitfires, em Southampton –
mostra o quanto seria diferente a presença do Do 19 e do Ju 89 que
foram mandados cancelar.

Contudo, Wever morreu e a Luftwaffe justificou muito bem a


decisão de Kesselring até alcançar a costa do Canal da Mancha.
Mesmo então, na pior das hipóteses, ela poderia ter criado condições
50% favoráveis a uma invasão, não fosse a incapacidade crônica de
Goering de encontrar um plano e ater-se ao mesmo. Isto porque,
durante a maior parte da campanha, ele fora um Comandante-Chefe
ausente, dando ordens de Berlim ou de Karinhall. Apesar de excelente
piloto de caça da Primeira Guerra, Goering era tecnológica,
estratégica e taticamente ignorante. Ele permanecia mentalmente na
Edward Bishop 86

carlinga aberta da incipiente aviação de 1914-18. O seu conceito de


guerra aérea moderna em nada ajudou ao desajudado por natureza
tirocínio militar de Hitler. Fosse Goering uma vocação para o cargo
que ocupava, tivesse ouvidos para os conselheiros tecnológicos,
facilmente teria avaliado a importância do radar no sistema de defesa
de Dowding. O serviço de informações da Luftwaffe mostrou-se ruim
e impreciso antes e durante a batalha aérea. O radar não era nenhum
segredo, desde que as altas torres começaram a ser erguidas, antes do
início da guerra. A Luftwaffe perdeu terreno vital quando abandonou
as investigações iniciadas pelo “Graf Zeppelin” após os primeiros
resultados desapontadores.

Se os quadrimotores tivessem bombardeado os locais do radar e


tornado as estações de setor insustentáveis, então os “Stukas”
poderiam ter sido usados novamente em apoio de um exército invasor.
As dispendiosas incursões de setembro, contra Londres, que
finalmente roubaram à Luftwaffe quaisquer possibilidades de
conquistar a superioridade aérea sobre a Inglaterra, não teriam
ocorrido.

Em suma, um corpo de elite – até setembro as baixas o alteraram


bastante – integrado por alguns homens excelentes, abandonados por
uma liderança muito ruim, fez o máximo que pôde, com algumas
máquinas excelentes mas mal distribuídas. Falando dos pilotos
alemães, Dowding, o arquiteto da sua derrota, disse: “Eles se portaram
com muita dignidade. Tiveram momentos terríveis, mas não
esmoreceram”.

Poderia a Inglaterra ter-se saído melhor?

Superficialmente, a pergunta parece impertinente. A sobrevivência


nacional estava em jogo e a RAF, para garanti-la, enfrentou
desvantagens avassaladoras no começo da batalha e deteve o seu rumo
para, aproveitando-se dos erros do inimigo, impor a sua experiência.
Porém, o aspecto mais importante do extraordinário desempenho que
teve foi que ela quebrou a exagerada reputação de invencibilidade da
Luftwaffe e o excesso de confiança de seus integrantes.

Em Londres e nas grandes cidades da Inglaterra, a população


apoiou “Os Poucos” demonstrando magnífico moral sob os ataques.
Enquanto que, no ar, a vitória sobre a Luftwaffe criava uma dívida
eterna para com “Os Poucos”, o estoicismo dos civis, inspirados por
... Tanto a Tão Poucos 87

Winston Churchill, suscitava uma dívida difícil de ser atirada ao


esquecimento. Por 12 semanas, a nação manteve-se de pé por uma
parceria espiritual estimulada por Churchill: o piloto, o povo e o
Primeiro-Ministro. Grandes parceiros nessa jornada inesquecível
foram também Dowding, o cérebro do Comando de caças; Park, o
capataz no local, e Beaverbrook, que sustentou miraculosamente, com
caças novos ou reparados, o esforço desses homens a quem tanto
tantos devem. Entretanto, estes homens não escaparam aos golpes da
crítica posteriormente feita. Houve queixa de que Park, e
implicitamente Dowding, deixara o inimigo passar muitas vezes, não
matara alemães em quantidade suficiente e não dava ouvidos a
conselhos; que Beaverbrook interrompeu temerariamente os
programas a longo prazo da indústria aeronáutica para produzir caças.
Mas, estando a sobrevivência em jogo, será que Dowding e Park
ignorariam qualquer proposição prática? Teria Beaverbrook, que de
fato deu a atenção possível à produção de quadrimotores pesados,
cometido erro ao estabelecer as metas prioritárias?

A crítica dirigida a Park e, indiretamente, a Dowding e à direção


geral do Comando de Caças, partia sobretudo de um setor.

À medida que a batalha esquentava, em julho, a frustração natural


dos pilotos do Grupo 11, que se sentiam furiosamente refreados, não
era nada em comparação com a do Grupo 12, onde havia até
ressentimento. Enquanto que os pilotos de Park reclamavam porque só
lhes permitiam atacar o inimigo em pequenos grupos, os esquadrões
do Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory achavam que estavam vendo
a guerra passar enquanto a Inglaterra caía. Para agravar a exasperação
compreensível ao nível de esquadrão, o comandante do Grupo era um
líder naturalmente agressivo, doido por uma luta. Mas Dowding
construíra um sistema cuidadosamente ponderado de defesa e, nesse
sistema, o homem-chave, Park, era um lutador defensivo, fazendo
seus movimentos de olho no amanhã.

Poderia a RAF ter-se saído melhor com Leigh-Mallory no lugar de


Park? Leigh-Mallory achava que sim. Insistia na grande ala, 5
formações de Esquadrões de 60 caças, como a que finalmente colocou
nos céus de Londres a 15 de setembro, e que perseguiu o inimigo
desde Westminster até o interior do mar. Mas acontece que a tática que
logrou êxito nas condições vigentes a 15 de setembro representaria o
desastre em junho e agosto.
Edward Bishop 88

É verdade que as grandes alas poderiam ter aumentado o número


de aviões inimigos abatidos, uma vez que tivessem reunido e
localizado o adversário. Mas, enquanto estivessem ganhando altitude,
reunindo-se e procurando o inimigo, danos irreparáveis teriam sido
causados aos aeródromos sob ataque. O trabalho nesse estágio da
guerra, quando os esquadrões não dispunham de meios de se
comunicar entre si uma vez no ar. Além disso o fato de oferecer à
Luftwaffe as grandes alas, compostas de elevada percentagem dos
efetivos operacionais da RAF, teria ajudado o plano inimigo de
eliminar a resistência de caça no canto sudeste de invasão da
Inglaterra. Embora pequenas as forças de interceptação de Park, nas
primeiras semanas da batalha, elas conseguiram repetidamente romper
as formações inimigas e muitas vezes desviar os caças de escolta,
deixando a força de bombardeiros aberta ao ataque. Quando, mais
tarde, durante a batalha, Park começou a emparelhar esquadrões e até
mesmo a reunir formações maiores não foi por causa da pressão
exercida pelo Grupo 12, mas porque as táticas da Luftwaffe estavam
mudando. Quando, em virtude da introdução dos caças-bombardeiros,
Park colocou patrulhas de prontidão a alturas superiores a 6.000 m, o
fator tempo na reunião de uma ala não era tão premente.

Apesar de tudo isto, em novembro de 1940 a autoridade superior


foi atraída para a teoria da grande ala e deixou-se levar por uma
descrição emocionante do que poderia ter acontecido e do que poderia
acontecer no futuro.

Quando a invasão já não era mais provável, quando os incursores


diurnos já haviam sido expulsos dos céus da Inglaterra pelo inverno,
Dowding, algo ignobilmente - embora já contasse 60 anos - foi
demitido, como já esperava desde que tudo começara, em 1936.

A 25 de novembro, ele foi substituído pelo Marechal-do-Ar Sholto


Douglas, mais tarde promovido a marechal da RAF, honra jamais
concedida a Dowding. Pouco depois, Park foi substituído por Mallory,
que o vinha vigiando há muito tempo. Essas injustiças foram
parcialmente reparadas pela subsequente elevação de Dowding a Par
do Reino e pelos importantes comandos dados a Park em Malta e no
Sudeste Asiático. A contribuição conjunta de Dowding e Park para a
sobrevivência nacional igualou, se não superou, a folha de serviços de
Nelson em Trafalgar, o maior heróis da Inglaterra até então conhecido.
... Tanto a Tão Poucos 89

E quanto a Beaverbrook, o terceiro homem do trio? Churchill e


Dowding não deixaram a posteridade em dúvida quanto à opinião que
tinham sobre o milionário jornalista da Fleet Street que produziu os
caças. Dowding considerava a nomeação de Beaverbrook uma decisão
importante como o veto de Churchill ao envio de reforços de caças à
frança, em maio de 1940. Churchill precisava da sua “energia vital e
vibrante”.

Beaverbrook, rico, poderoso, com 61 anos de idade, era impedido


por um curioso incentivo. “Londres tem muitos postes de iluminação”,
dizia ele, “e Hitler reservou um para mim - e nele eu teria sido
enforcado se não tivesse produzido os caças”.

Vitoriosa a Luftwaffe, o exército alemão teria ocupado Londres e,


em poucas semanas, entre as muitas medidas de opressão que estava
decidida a tomar, a Alemanha teria ativado o programa do Coronel das
SS, Professor Six, que previa a deportação de todos os homens
fisicamente aptos entre 17 e 45 anos.

Sem a cobertura aérea, é improvável que a Marinha Real tivesse


conseguido o controle dos mares.

A mensagem da Batalha da Inglaterra é inequivocadamente a de


que, sob a inspiração nacional de Winston Churchill, “Os Poucos”
salvaram o povo britânico de ser escravizado pela Alemanha de Hitler.

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