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Regulação em Telecomuinicações - Parte 2: Funções de governo e sua orientação:

aspectos teóricos e históricos

Do ponto de vista econômico, a ação governamental atende a certas funções básicas.


Estas tendem, por sua vez, a afetar os rumos do crescimento e os parâmetros do
desenvolvimento econômico. A literatura aponta para três funções básicas: função
estabilizadora, função alocativa e função distributiva.

A função estabilizadora é exercida por meio de instrumentos de política fiscal (forma


de gasto do orçamento público e política tributária) e política monetária (política de
crédito, interferências na oferta e demanda de moeda e sua inflência sobre o nível de
juros) de caráter anti-cíclico. Ou seja, a função estabilizadora, por meio da política
fiscal e a política monetária, procura minimizar os efeitos dos ciclos econômicos -
estes entendidos como oscilações nos níveis gerais de produto, emprego, renda e nível
geral de preços da economia. No Brasil, ao longo dos anos 1980 e grande parte dos
anos 1990, o foco da política econômica se centrava principalmente, mas não
exclusivamente, na função estabilizadora. Os diversos planos econômicos lançados ao
longo desse período refletem nitidamente esta prioridade.

A função distributiva atende a certos preceitos ou critérios socialmente aceitos de


distribuição de renda. Sejam ou não efetivas, as políticas de renda levadas a cabo pelo
governo do Presidente Lula representam um bom exemplo da função distributiva. Parte
do orçamento do governo é destinada a programas sociais (Programa Fome Zero, Bolsa
Família, Bolsa Escola, etc.) desejados socialmente - haja vista que uma das bandeiras da
campanha presidencial foi a busca de combate à fome no país. Durante o governo FHC,
esta função, ligada a política de ajuste fiscal, ficou por conta da criação do Fundo Social
de Emergência (FSE), lançado antes do Plano Real.

A função alocativa visa desviar o emprego de uma parcela dos recursos da economia
(capital, trabalho e recursos naturais diversos) para oferta e ou provisão de bens e
serviços tidos públicos. Devido as certas características de mercado, estes bens e
serviços não são ofertados na quantidade e ou preços ótimos do ponto de vista social.
São exemplos da função alocativa muitos dos programas de governo que afetam
seguimentos e ou setores que ofertam infra-estrutura (saneamento básico, transporte,
energia e telecomunicações). Devido ao volume de recursos exigidos para execução de
projetos, prazos de maturação dos empreendimentos, complementariedades de
investimento e externalidades ligadas à oferta nesses mercados, a relação custo-
benefício tende a afastar o volume investido do necessário ao atendimento das
demandas sociais. Um bom exemplo dessa falha foi a crise vivida pelo setor de geração
e distribuição de energia elétrica no ano de 2001. Quem se lembra do temor do famoso
"apagão" vivido no ano 2001 e que ainda restringe o crescimento nacional?.
Durante o processo de industrialização por substituição de importações a função
alocativa era exercida por meio da produção direta de bens e serviços por parte do
Estado. No final dos anos 1980 e durante o início dos anos 1990, com o Presidente
Collor, a oferta nesses mercados seria provida de maneira induzida pelo setor privado.
Esta prática seria aprofundada na era FHC com as privatizações e criação e introdução
de mecanismos de intervenção pública por meio das agências reguladoras (ANP, Aneel,
Anatel, etc.).

Como procuro demonstrar, o caráter destas funções depende da orientação do governo


quanto a intervenção pública nos mercados (de bens e serviços, de trabalho, monetário,
cambial, etc.). Estas tendem a afetar a performance da economia e orientando o volume
e fluxo setorial dos investimentos privados em setores prioritários.

Nesse sentido há três orientações teóricas possíveis: ortodoxia, postura moderada e


heterodoxia. Cada uma destas é inspirada em uma corrente predominante do
pensamento econômico. A rigor, os governos tendem a se inclinar mais ou menos em
direção de cada uma dessas orientações de política econômica.

Segundo a vertente ortodoxa os mercados são eficientes e prescindem de mecanismos


de intervenção pública. A interação entre oferta e a demanda são responsáveis pela a
alocação ótima dos recursos. O Estado não deve interferir nas atividades produtivas sob
pena de gerar distorções indesejáveis. Já a postura heterodoxa sustenta que países em
desenvolvimento exigem intervenções de ampla capilaridade no funcionamento do
sistema econômico.

A postura moderada defende um procedimento seletivo e temporário nas eventuais


intervenções públicas. Nessa linha se raciocínio se insere a política industrial e
tecnológica que "... pode ser entendida como a criação, implementação, coordenação e
controle estratégico de instrumentos destinados a ampliar a capacidade produtiva e
comercial do setor industrial, com o objetivo de garantir condições sustentáveis de
concorrência aos mercados domésticos e estrangeiro ". ¹ (Campanário e Silva, 2004:14)

Estas medidas, embora tenham variado em profundidade e grau, foram muito utilizadas
durante o processo de industrialização por substituição de importação. Assim, durante a
fase nacional-desenvolvimentista (1950-1980) o Estado atuava na provisão de infra-
estrutura de maneira direta por meio de uma série de mecanismos de intervenção na
oferta e demanda. De fato, o Estado atuava na: produção e comercialização de insumos
básicos (minérios, química, energia, etc.); manutenção e intervenções no "sistema de
poupança e financiamento" por meio de bancos de investimento e outras agências;
oferta de serviços e atuação das empresas públicas nas áreas de saneamento, saúde,
transporte, telecomunicações, etc.; controle de preços e de comércio exterior; criação e
manutenção de um sistema de concessão de subsídios e isenções fiscais; administração
da política monetária, cambial (seletiva), fiscal, de preços mínimos, etc.; "elaboração e
execução"de políticas industriais e agrícolas ativas; política de comercio exterior,
política industrial e agrícola; além de atuar por meio de outros mecanismos diretos de
intervenção (manutenção de estoques reguladores, controle de preços, políticas de
controle de salários, etc.).

Este modelo seria totalmente revertido com a abertura e reforma patrimonial pública e
privada dos anos 1990. De fato, após o esgotamento do processo de industrialização por
substituição de importações houve uma radical mudança no raio de ação governamental.
Em parte essa mudança de orientação é resultado da crise fiscal, ajustamento externo,
inflação crônica e baixas taxas de crescimento. Após várias tentativas, a estabilização
foi implementada à luz da revisão do papel do Estado na economia. Nesse contexto,
emergiriam as crenças quanto aos benefícios da liberalização dos mercados as quais
foram cristalizadas no Consenso de Washington.

O Consenso postulava que a abertura tende a reduzir as ineficiências estáticas geradas


pelo mau emprego e desperdício de recursos; tende a reforçar os processos de
aprendizado e sua difusão; economias mais orientadas ao comércio exterior conseguem
enfrentar melhor choques adversos provenientes de fluxos de capital e comércio;
sistemas econômicos voltados para o mercado mostram-se menos inclinados a atividade
com fins rentistas destinando maior volume de recursos à produção; o incremento da
pressão competitiva gera ganhos de produtividade setorial; os persistente déficits
comerciais podem ser financiados pela entrada de capital externo.

Nesse contexto, a estabilidade monetária, ajuste fiscal, privatizações e


desregulamentação foram perseguidas de forma sistemática dentro de uma estratégia
consciente de desenvolvimento econômico. As privatizações nos setores de infra-
estrutura vinculariam-se a este novo "modelo de desenvolvimento" de caráter
marcadamente ortodoxo, auxiliados pela regulação pública.

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