Você está na página 1de 15

SUMÁRIO

Relação dos mapas e créditos ............................................................................................................................................13


Símbolos fonéticos usados no livro ...........................................................................................................................15
Abreviaturas utilizadas no texto .....................................................................................................................................17
Nota prévia ................................................................................................................................................................................................19

PRIMEIRA PARTE

História e métodos da Linguística Românica


As origens da Linguística Românica:
o método histórico-comparativo ....................................................................................................................................23
Os primeiros comparatistas .......................................................................................................................................23
Diez .........................................................................................................................................................................................................25
Os neogramáticos e seus críticos........................................................................................................................25
O método comparativo aplicado às línguas derivadas do latim ......................................27
Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e XX ............................29
Reações aos neogramáticos entre os séculos XIX e XX ....................................................29
Gilliéron .................................................................................................................................................................................29
O movimento das “palavras e coisas” ..............................................................................................36
O Idealismo Linguístico.....................................................................................................................................36
O legado de Gilliéron e do movimento das “palavras e coisas”:
a Geografia Linguística.......................................................................................................................................37
O estruturalismo ......................................................................................................................................................................42
A gramática gerativa ..........................................................................................................................................................45
SEGUNDA PARTE

A romanização
România, romano e romance ..............................................................................................................................................49
A expansão territorial do Estado romano.................................................................................................49
Decadência do Império e perdas territoriais ........................................................................................54
A difusão do latim e a romanização ...............................................................................................................55
O termo România e seus cognatos ...................................................................................................................57
A România atual ......................................................................................................................................................................58

TERCEIRA PARTE

O latim vulgar
O latim vulgar e o latim literário no primeiro milênio.......................................................................63
Sociolinguística do latim vulgar .........................................................................................................................63
Latim vulgar e latim literário na Alta Idade Média.....................................................................67
Variedades de latim e línguas românicas .................................................................................................69
As precárias fontes escritas do protorromance ............................................................................................71
Textos que opõem intencionalmente duas formas de latim ..............................................72
Obras em que o latim vulgar penetra parcialmente ....................................................................73
Inscrições..........................................................................................................................................................................................74
Termos latinos vulgares transmitidos
por empréstimo às línguas não românicas vizinhas ...................................................................75
Características fonológicas do latim vulgar.....................................................................................................77
Acentuação e vocalismo................................................................................................................................................77
As vogais do latim vulgar depois da perda da duração ..............................................77
Os ditongos.........................................................................................................................................................................81
Os hiatos ................................................................................................................................................................................82
As consoantes do latim vulgar ..............................................................................................................................82
O sistema consonantal do latim clássico.......................................................................................82
Consoantes simples ..................................................................................................................................................83
Consoantes “geminadas”....................................................................................................................................87
Grupos consonantais...............................................................................................................................................88
Documento: os sistemas fonêmicos em algumas línguas românicas....................90
Características morfológicas do latim vulgar ................................................................................................93

A morfologia dos nomes ...............................................................................................................................................93


A perda das declinações .....................................................................................................................................93
Reinterpretação dos paradigmas de declinação
como expressão do gênero ..............................................................................................................................96
Desaparecimento do neutro ...........................................................................................................................97
O grau dos adjetivos ...............................................................................................................................................98

Os pronomes ................................................................................................................................................................................98

A morfologia do verbo ................................................................................................................................................ 100


Mudanças de conjugação.............................................................................................................................. 103
O desenvolvimento de uma nova conjugação
baseada nos verbos incoativos ............................................................................................................... 103
Desaparecimento de tempos e formas .......................................................................................... 104
Reinterpretação dos tempos do perfectum .............................................................................. 105
Casos de supletividade..................................................................................................................................... 105
A conjugação verbal em latim clássico e latim vulgar: recapitulação ........... 106

As palavras invariáveis ............................................................................................................................................... 107

Características sintáticas do latim vulgar........................................................................................................ 109

Fatos a lembrar na construção


sintática vulgar de algumas classes de palavras .......................................................................... 109
Os adjetivos ................................................................................................................................................................... 109
Os pronomes pessoais....................................................................................................................................... 110
Formas nominais do verbo ......................................................................................................................... 111
No domínio das palavras invariáveis............................................................................................. 112

A sintaxe da oração.......................................................................................................................................................... 112


Concordância ............................................................................................................................................................... 113
Regência............................................................................................................................................................................. 113
Tipos de orações independentes........................................................................................................... 115

A sintaxe do período ...................................................................................................................................................... 115


Orações substantivas .......................................................................................................................................... 115
Orações adjetivas .................................................................................................................................................... 117
Orações subordinadas adverbiais ....................................................................................................... 117

Documento: o Testamentum porcelli ......................................................................................................... 118


O léxico em latim vulgar ..................................................................................................................................................... 123
Processos de formação de palavras ............................................................................................................. 124
A composição propriamente dita ........................................................................................................ 125
A prefixação .................................................................................................................................................................. 125
A sufixação ..................................................................................................................................................................... 126
A derivação imprópria ...................................................................................................................................... 128
Tendências gerais na mudança de significado............................................................................... 129
Circunstâncias na mudança de significado ............................................................................ 129
Dimensões na mudança de significado ....................................................................................... 134
Preferências e diferenças regionais ............................................................................................................. 136

QUARTA PARTE

A fragmentação do romance e a formação das línguas românicas


A dialetação do latim vulgar ........................................................................................................................................... 141
Mudanças fônicas determinadas por pressões paradigmáticas................................. 142
Mudanças fônicas devidas ao entorno ..................................................................................................... 143
Os substratos ............................................................................................................................................................................ 145
Os substratos da Itália peninsular....................................................................................................... 146
Os povos do Mediterrâneo ocidental ............................................................................................. 147
Os povos da França, da região do Pó e dos Alpes......................................................... 147
Os substratos do Vêneto, da Dalmácia e da região danubiana ...................... 148
Os superstratos ...................................................................................................................................................................... 148
Os reinos romano-barbáricos................................................................................................................... 149
Influências dos superstratos ...................................................................................................................... 151
Superstratos germânicos..................................................................................................................... 151
O superstrato árabe.................................................................................................................................... 153
Os superstratos do romeno .............................................................................................................. 153
Os adstratos ............................................................................................................................................................................... 153
Os empréstimos ........................................................................................................................................................ 154
O grego como adstrato ..................................................................................................................................... 155
A influência do latim literário................................................................................................................. 156
Fases da influência do latim culto.......................................................................................... 156
Aspectos da influência culta nas línguas românicas ocidentais ............ 158
A formação de domínios dialetais na România ....................................................................................... 161
A fragmentação linguística da România no final do primeiro milênio ............... 163
O Stammbaum de Agard ................................................................................................................................ 163
A reconstrução de Robert Hall............................................................................................................... 167
România Oriental e România Ocidental ............................................................................................... 169
România Oriental e România Ocidental: a tese de Von Wartburg................. 169
România Oriental e România Ocidental: a divisão de Maurer Jr. ................. 170
Recapitulação.......................................................................................................................................................................... 171
Os domínios dialetais na România do século XX ............................................................................... 173
Península ibérica ................................................................................................................................................................. 174
Os dialetos portugueses .................................................................................................................................. 180
Os dialetos da Espanha.................................................................................................................................... 182
Os dialetos catalães .............................................................................................................................................. 183
Os dialetos da Gália ........................................................................................................................................................ 184
A langue d’oil.............................................................................................................................................................. 185
A langue d’oc .............................................................................................................................................................. 187
O franco-provençal............................................................................................................................................... 190
Os dialetos da Itália e da Suíça meridional ....................................................................................... 191
Os dialetos sardos................................................................................................................................................... 193
Os dialetos réticos.................................................................................................................................................. 195
Os dialetos galo-itálicos e vênetos.................................................................................................... 197
Os dialetos do centro e do sul da Itália e os dialetos toscanos ...................... 198
O dalmático .................................................................................................................................................................... 200
Os dialetos do romeno ................................................................................................................................................. 200
O acesso dos romances à escrita:
os primeiros documentos em romance ............................................................................................................... 203
Condições de acesso dos romances à escrita................................................................................... 203
Os primeiros documentos em romance .................................................................................................. 204
Ipsa verba......................................................................................................................................................................... 205
As glosas............................................................................................................................................................................ 207
A adivinha de Verona ........................................................................................................................................ 210
Os textos literários ................................................................................................................................................ 210
Os textos de edificação religiosa......................................................................................................... 213
A constituição das línguas nacionais .................................................................................................................... 217
Critérios para o reconhecimento das línguas nacionais..................................................... 217
Língua nacional e literatura ....................................................................................................................... 217
Língua nacional e política............................................................................................................................ 218
O papel cultural das línguas nacionais ........................................................................................ 219
O despontar das línguas nacionais românicas ............................................................................... 220
As três línguas da Ibéria................................................................................................................................. 220
O português......................................................................................................................................................... 220
O castelhano ...................................................................................................................................................... 221
O catalão................................................................................................................................................................. 222
As línguas da Gália .............................................................................................................................................. 223
O provençal......................................................................................................................................................... 223
O francês ................................................................................................................................................................ 224
A formação do italiano literário ........................................................................................................... 226
O romeno .......................................................................................................................................................................... 228
Algumas linhas comuns na história das línguas românicas.......................................... 229
O período renascentista................................................................................................................................... 229
O período barroco .................................................................................................................................................. 230
Os empréstimos entre línguas ................................................................................................................. 232
Os efeitos linguísticos da Revolução Industrial ............................................................... 234
A democratização do poder ....................................................................................................................... 235
O século XX e a absorção dos dialetos ...................................................................................... 236

QUINTA PARTE

As línguas românicas atuais: amostras e comparações ................................................................. 241


Um mesmo texto, seis línguas ........................................................................................................................... 241
Português........................................................................................................................................................................... 243
Espanhol............................................................................................................................................................................. 245
Catalão ................................................................................................................................................................................. 249
Francês ................................................................................................................................................................................. 252
Italiano ................................................................................................................................................................................. 256
Romeno ............................................................................................................................................................................... 259
As seis línguas das amostras: semelhanças e contrastes................................................... 262

Bibliografia ......................................................................................................................................................................................... 269


O autor ....................................................................................................................................................................................................... 271
NOTA PRÉVIA

No passado, a Linguística Românica (ou “Filologia Românica”) ocupava um


lugar privilegiado na formação do professor de Português, com outras disciplinas
que tratavam de história da língua. Muito secundarista iniciou-se nos mistérios
da língua por essa perspectiva e aprendeu assim a valorizar a língua como uma
instituição social sempre presente. A esse período, seguiu-se outro, em que o ensino
ministrado nos cursos de Letras foi orientado por teorias que encaram a língua por
um ângulo sincrônico, valorizando seu caráter sistemático ou procurando expres-
sar com rigor matemático suas regularidades. Mas os últimos anos têm assistido
a um interesse renovado pelo passado das línguas, como prova a quantidade de
trabalhos universitários em que se procura esclarecer os mais diversos aspectos
da história do português brasileiro levados a termo nos últimos anos, e a coleção
monumental de livros que o professor Ataliba Castilho vem publicando sobre o
assunto pela Editora Contexto.
Dado esse quadro, pareceu oportuno lançar uma nova edição desta Linguís-
tica Românica, cuja falta nas livrarias nos vinha sendo cobrada por vários tipos
de leitores. A nova edição não só corrige algumas pequenas falhas de redação e
conceituação que nos foram apontadas na primeira, mas também procura tratar
o assunto de maneira mais didática e amigável pela introdução de exercícios (os
quais estarão disponíveis no site da editora) e pelo recurso a uma diagramação mais
clara. Também traz amostras atuais das principais línguas românicas, explicadas
de modo a realçar suas características e a mostrar como se ligam a sua história
passada. A quinta parte do livro, escrita para esse fim, é inteiramente nova.
Escrito em primeiro lugar para os estudantes dos cursos de Letras, mas também
para todos aqueles leitores que se interessam pela história da língua portuguesa e
de suas irmãs neolatinas, o livro encara o desafio de dar uma visão equilibrada, não
técnica, do conjunto de problemas que se costuma reunir sob o rótulo “Linguística
Românica”; deve servir ao estudante de Letras, como estímulo e orientação na
busca de leituras mais especializadas, e a qualquer pessoa interessada em cons-
truir uma imagem densa das línguas e de suas peripécias, em alternativa à que
se continua cultivando na sociedade, com a bênção da imprensa, e nos meios de
comunicação de massa.
O livro é dedicado à memória de um velho amigo que chegou ao Brasil quando
já tinha 30 anos, e que soube amar a língua portuguesa como ninguém, mas também
a todos os professores universitários da disciplina Linguística Românica. Com
o primeiro, estou saldando uma dívida de formação; nestes últimos penso com
a esperança de que o livro os ajude a organizar um conjunto de problemas que à
primeira vista parecem disparatados, e uma bibliografia que, no caso brasileiro,
é dispersa e de difícil acesso.

Rodolfo Ilari
As origens dA LinguísticA românicA:
o método histórico-compArAtivo

os primeiros compArAtistAs

A Linguística Românica é uma disciplina de orientação histórica, que se


constituiu na segunda metade do século XIX, graças aos trabalhos de Friedrich
Diez, cujos textos fundamentais (a Gramática das línguas românicas, publi-
cada entre 1836 e 1844, e Dicionário etimológico das línguas românicas, de
1854) deram um exemplo marcante de rigor e método no estudo histórico
das línguas derivadas do latim, mostrando a possibilidade de tratar “cien-
tificamente” de uma série de temas que haviam preocupado os intelectuais
durante séculos, mas que haviam sempre sido abordados com certa dose de
impressionismo e assistematicidade.
A Linguística Românica é também conhecida por outro nome, na verdade mais
antigo, Filologia Românica, e esse nome mais antigo, que é mantido em muitos
países, evoca uma linha de estudos mais tradicional, que é a Filologia Clássica.
Mas o que é a Filologia Clássica? Ou, mais geralmente, o que é a Filologia?
Desde o período do Humanismo (o movimento intelectual que precede e prepara
a Renascença), muitos estudiosos vinham-se dedicando ao trabalho de estudar
textos da Antiguidade, uma tarefa que exigia, além de conhecimentos técnicos (por
exemplo, de edótica e diplomática), indispensáveis para restabelecer o texto em
sua forma original, a capacidade de manipular informações extremamente varia-
24 Linguística românica

das sobre a época a que se referiam os documentos, e um domínio muito grande


das línguas antigas. A esse interesse nos textos das literaturas antigas chamou-se
Filologia Clássica respeitando de algum modo a etimologia da palavra filologia,
que significa literalmente “amor pela expressão”; mas, dada a importância dos
conhecimentos linguísticos que se exigiam para que o estudo literário se tornasse
viável, a expressão Filologia Clássica designou também, desde sempre, o estudo
erudito daquelas línguas.
O culto criado pelo Humanismo e pela Renascença em torno das literaturas
grega e a latina alargou-se no final do século XVIII, quando os investigadores eu-
ropeus tomaram conhecimento dos livros dos Vedas, e da língua em que haviam
sido escritos, na Índia, antes do ano 1.000 a.C., o sânscrito. O sânscrito não é o
antepassado comum do grego e do latim, é uma espécie de “primo”, isto é, des-
cende como eles de uma mesma língua mais antiga que teria sido falada na Índia
no final do período Neolítico.
Pouco depois da descoberta do sânscrito, as semelhanças existentes entre
as línguas europeias começaram a ser estudadas sistematicamente numa série
de trabalhos de grande envergadura, e assim foram descobertas características
comuns entre línguas que sempre haviam sido consideradas independentes.
Os autores que fizeram esta história são o dinamarquês Rasmus Rask (1787-
1832), que escreveu em 1814 uma Investigação da origem do antigo escandi-
navo e do islandês, em que relacionava o antigo norueguês com germânico,
o gótico e as línguas eslavas; e os alemães Jakob Grimm (1785-1863) – o
mais velho dos irmãos Grimm, hoje conhecidos principalmente como autores
de um célebre livro de fábulas –, e Franz Bopp (1791-1867), que publicou
entre 1833 e 1852 uma monumental Gramática comparativa do sânscrito,
zend (avestano), grego, latim, lituano, eslavo antigo, gótico e alemão; August
Schleicher (1821-1868), autor em 1861-1862 de um Compêndio de gramá-
tica comparativa das línguas indo-germânicas; Bopp e Schleicher sofreram
a influência do evolucionismo de Darwin e conceberam as línguas como or-
ganismos vivos, que nascem, crescem e depois degeneram; e isso os levou à
ideia de comparar as principais línguas europeias e depois de reconstituir seu
antepassado comum, o “indo-germânico” (hoje, falamos em indo-europeu, e
sabemos que dele descendem também o celta, o albanês, o armênio, o hitita e
o tocário (estas duas últimas são hoje línguas extintas). Nessa mesma linha,
Jakob Grimm formulou a “lei” que ainda hoje traz o seu nome e organizou
uma correlação observada entre os fonemas do grego e do latim, de um lado,
e das línguas germânicas, de outro.
As origens da Linguística românica 25

diez
Com suas obras (principalmente a Gramática de 1836), Friedriech Christian
Diez (1974-1876) confirmou que havia entre o latim e as principais línguas
românicas uma relação semelhante à do indo-europeu com o latim, o grego e o
sânscrito; aplicando o método comparativo dos indo-europeístas, chegou a algu-
mas teses que são hoje postulados da Linguística Românica. Uma dessas teses é
que as línguas românicas se originaram não do latim clássico, mas de uma outra
variedade de latim, conhecida como “latim vulgar”; outra tese de Diez é que não
tem qualquer fundamento a hipótese (defendida pelo francês François-Just-Marie
Raynouard, 1761-1836 e endossada antes dele por outros intelectuais, entre os
quais o filósofo Voltaire), segundo a qual todas as línguas românicas teriam como
ascendente mais próximo o provençal. Diez se interessou também pelo estudo de
narrativas em espanhol antigo; assim, seu trabalho, que tinha orientação paralela
ao da Filologia Clássica, criou espaço para uma Filologia Românica, com o duplo
aspecto de estudo textual, justificado pelas dificuldades encontradas na leitura dos
documentos românicos escritos antes da imprensa e da consolidação das línguas
românicas, e de investigação genética das línguas derivadas do latim.

os neogrAmáticos e seus críticos


A geração de Diez, fundador da Linguística Românica, esteve sob influência
direta da filosofia dos românticos, impregnada de espiritualismo e historicismo.
A próxima escola linguística com influência marcante para a Romanística foi, ao
contrário, uma escola fortemente marcada pelos progressos vividos no final do
século XIX pelas ciências naturais. Nessa escola, que teve por centro a Universi-
dade de Leipzig, há grandes indo-europeístas como Karl Brugmann (1887-1919),
August Leskien (1840-1916) e Hermann Osthoff (1847-1909), autores de obras
respeitadas e originais, mas é comum referir-se a esses autores como um grupo,
utilizando para isso o nome de “neogramáticos” (Junggramatiker), que lhes foi
dado de início por troça, mas que acabou tornando-se respeitado, à medida que
eles passaram a representar a “posição oficial” em matéria de história das línguas.
Os neogramáticos ganharam espaço no universo acadêmico da época
defendendo um programa que afrontava ostensivamente as orientações dos
primeiros comparatistas. Fizeram troça do propósito que havia animado seus
predecessores no domínio da Linguística Indo-europeia – encontrar pela com-
paração a protolíngua, que estaria na origem de todas as línguas modernas;
recomendaram ao contrário que a atenção dos pesquisadores se voltasse para
26 Linguística românica

as línguas vivas, onde a evolução da língua pode ser objeto de observação e


não de conjecturas. Na prática, o trabalho dos neogramáticos se caracterizou
por uma exigência de extremo rigor, e pela crença de que as “leis” da evolução
fonética agem de maneira absolutamente regular, aparecendo exceções apenas
quando sua ação é contrariada pela força psicológica da analogia. Exemplos
simples de como a analogia atua no funcionamento das línguas podem ser
encontrados na fala das crianças, em “erros” como eu fazi ou eu trazi por eu
fiz e eu trouxe: segundo Ferdinand de Saussure, que expõe em seu Curso de
linguística geral o conceito de analogia dos neogramáticos, operaria aí uma
espécie de regra de três: se viver, correr etc. fazem o perfeito em -i, pode-se
esperar que fazer e trazer também o façam. Um exemplo muito simples de como
a analogia afeta a evolução das línguas é dado pelo verbo português render e
seus correspondentes românicos fr. rendre, it. rendere etc.: essas formas não
poderiam provir do verbo que significa “render” em latim clássico, ou seja,
reddere, pois nenhuma lei fonética conhecida justifica que apareça do nada um
-n- fechando a primeira sílaba; as formas românicas derivam verossimilmente
de *rendere, construído por analogia com o verbo que significava “tomar”,
isto é, prendere (clássico prehendere).
Pela rigidez que atribuíram à evolução fonética, os neogramáticos atraíram
as críticas de autores que, ou por razões teóricas (como o linguista alemão Hugo
Schuchardt [1842-1927]) ou por estarem em contato direto com a realidade mul-
tiforme dos dialetos, como o dialetólogo italiano Graziadio Isaia Ascoli (1829-
1907), não estavam dispostos a aceitar a tese de que as leis fonéticas operam de
maneira cega. Tiveram, contudo, uma influência determinante, para a Linguística
e para a Romanística. Ferdinand de Saussure, em quem se costuma reconhecer
o fundador da Linguística moderna, era neogramático de formação, tendo estu-
dado com Brugmann na Universidade de Leipzig; como se sabe, Saussure teve
entre seus alunos alguns linguistas de grande porte, como Charles Bally, Albert
Sechehaye (1870-1946) e Antoine Meillet (1886-1946), e seu ensinamento deu
origem à Linguística estrutural; também teve formação neogramática o mais
importante romanista depois de Diez, William Meyer-Lübke (1861-1936), cujas
obras Gramática das línguas românicas e Dicionário etimológico românico (este
geralmente conhecido pela sigla REW, formada pelas três primeiras letras do título
original) são ainda hoje fundamentais. Os trabalhos dos neogramáticos em geral,
e de Meyer-Lübke em particular, refinaram o método de Diez, isto é, o método
histórico-comparativo, que é fundamental nos estudos de Linguística Histórica
em geral, e nos estudos românicos em particular.
As origens da Linguística românica 27

o método compArAtivo ApLicAdo


às LínguAs derivAdAs do LAtim

Comparar é uma tendência natural e uma importante fonte de intuições e


de descobertas em todos os campos do conhecimento. Na análise das línguas, a
comparação e o confronto levam às vezes ao estabelecimento de tipologias (como
a que distinguia, tradicionalmente, entre línguas monossilábicas, aglutinantes e
flexivas), outras vezes à busca de características supostamente inerentes a toda
língua humana (como nos levantamentos acerca dos “universais da linguagem”
realizados pela Linguística estrutural americana nas décadas de 1950 e 1960).
Nesses casos, a comparação nada tem a ver com genealogia.
Em Linguística Românica, porém, o método comparativo assume tipicamente
propósitos genéticos, de reconstituição. Entende-se, em outras palavras, que as seme-
lhanças constatadas entre expressões pertencentes às diferentes línguas têm que ser
explicadas por sua origem comum; e que a forma que essas expressões apresentam
hoje nas línguas românicas é o melhor indício de como pode ter sido a forma originária.
Quando se comparam, por exemplo, port. e esp. saber, fr. savoir, it. sapere, fica
legitimada a conjectura de que sua origem comum tenha sido uma palavra latina
(i) cuja primeira sílaba começa por sibilante e (II) cuja segunda sílaba é tônica, e
comporta uma consoante bilabial ou labiodental (p, b ou v). Constatando-se, além
disso, que na evolução do latim para o espanhol e o português é regular a passagem
do p intervocálico a b; que o p intervocálico do latim passa regularmente a b e em
seguida a v em francês; que, ainda em francês, o e longo das sílabas tônicas não
travadas passou a ei, depois oi, oé, ué e wá (a grafia acompanhou esta evolução
apenas até a forma oi), torna-se legítimo supor que a forma originária comum fosse
*sapére, paroxítona. A identificação de *sapére como a forma de que se originaram
saber e seus correspondentes românicos não deixa de ser surpreendente quando
referida ao vocabulário conhecido do latim clássico: o latim clássico tinha um ver-
bo sápere, proparoxítono e conjugado como cápere, que significava entre outras
coisas “saborear, provar uma comida para sentir-lhe o sabor”. Sápere deve ter sido
conjugado em latim vulgar como um verbo da 2ª conjugação; e deve ter mudado
de sentido, ou seja, a habilidade em não confundir o gosto dos alimentos deve ter
sido tomada como representação metafórica da esperteza e da inteligência (quem
é esperto... “não come gato por lebre”). Essas alterações na forma e no sentido do
verbo sápere não são fatos isolados: a comparação de outras formas românicas aponta
para conclusões semelhantes. Assim, port. fazer, caber, esp. hacer, caber mostram
que o latim vulgar deve ter tido facére e capére, ao invés das formas clássicas fácere
28 Linguística românica

e cápere; e o uso de metáforas físicas para representar operações do pensamento é


comum (por exemplo, o nosso pensar e o mais erudito ponderar provêm de verbos
que significam “pesar”, “colocar dois pesos na balança” etc.).
Em suma, a comparação permitiu que os romanistas fizessem conjecturas
bastante exatas sobre as formas latinas originárias. É até certo ponto casual que
essas formas resultantes de conjecturas baseadas na comparação sejam efetiva-
mente confirmadas mediante prova documental, isto é, que sejam encontradas nos
textos latinos que sobreviveram até nossos dias. Às vezes, a prova documental
é possível. Por exemplo, as formas port. velho, esp. viejo, fr. vieil, it. vecchio,
rom. vechi apontam para uma forma veclus (que se explica a partir de veculus e
vetulus, esta última diminutivo da forma clássica vetus, “velho”). Veclus é atestada
no Appendix Probi, um glossário que data provavelmente ao século IV d.C., e que
registra uma série de coisas que uma pessoa culta não deveria escrever, por serem
consideradas erradas. Outras vezes ainda, formas que haviam sido propostas como
resultado de reconstituição acabaram sendo encontradas em textos. É o caso da
forma anxia, da qual derivam o port. ânsia e seus cognatos. Muitas vezes, por fim,
as formas resultantes de reconstituição permanecem não atestadas; neste último
caso, os romanistas, à imitação do que faziam os indo-europeístas, antepõem à
palavra um asterisco. Seja como for, segundo uma estimativa reproduzida em
Vidos (1968), as formas com asterisco não passam de 10% do total de materiais
com que os romanistas têm trabalhado, e é importante lembrar que elas não são
menos importantes ou menos seguras do que as formas atestadas: as línguas ro-
mânicas tomadas em seu conjunto numa visão comparativa são a melhor fonte
para o conhecimento de sua própria origem, um fato que ressalta quando se leva
em conta a precariedade das fontes escritas do latim não literário.
As conclusões que se tiram da comparação das línguas românicas são tanto
mais seguras quanto maior for o número de línguas românicas que trazem evi-
dências em seu favor, e quanto mais afastadas no espaço forem essas línguas. O
sardo e o romeno, que se situam hoje nos limites do território em que o latim foi
falado, e se desenvolveram por assim dizer à parte, sem comunicação com as
outras regiões de fala latina, constituem uma espécie de teste da Antiguidade e
do caráter panromânico das regularidades apontadas pela comparação.
O campo em que o método comparativo deu os resultados mais sistemáticos
é o da Fonética; em Morfologia e em Sintaxe, sua aplicação exige a manipulação
de dados mais complexos, e seus resultados sempre foram menos espetaculares.

Você também pode gostar