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Lógica e consciência
Olavo de Carvalho

Nota para uma das próximas aulas do Seminário de Filosofia

10 de maio de 2000

A coesão de raciocínio lógico ou é a suprema expressão da continuidade de


consciência de uma personalidade bem integrada ou é um formalismo
aprendido, oco e sem vida. Dessa diferença depende a eficácia ou ineficácia
do discurso lógico em “apreender a realidade”. Mas, para complicar as
coisas, essa não é uma diferença que ressalte das simples qualidades formais
do discurso, as quais podem ser as mesmas num caso e no outro. Para
apreendê-la, é necessário uma recapitulação não só dos atos intuitivos pelos
quais a mente apreendeu os objetos dos conceitos correspondentes, mas
também daqueles pelos quais a unidade dos nexos lógicos entre esses
conceitos se tornou visível como unidade entre os objetos e suas
propriedades reveladas à intuição; e é necessário que esta dupla
recapitulação mesma não se esgote na pura análise, mas reconquiste a
unidade do ato intuitivo único correspondente à apreensão da tripla unidade
do discurso, do objeto e da estrutura discursiva imanente ao objeto.

Como a maior parte das pessoas não é capaz de fazer nada disso, o discurso
lógico lhes parece mero formalismo precisamente porque o seu discurso
lógico é mero formalismo; e, de certo modo, a construção desse formalismo
já lhes é tão dificultosa que lhes parece inconcebível que alguém consiga
efetuar análoga construção não com meros signos, mas com percepções e
coisas. Tal operação lhes parece tão impossível como alterar um objeto real

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mediante simples modificações no seu desenho rabiscado num papel. No


entanto, é nessa aparente “mágica” que reside o poder do pensamento
eficaz, que essas pessoas contemplam sem compreender e sem mesmo
chegar a admitir que exista, e para cujos efeitos visíveis têm de encontrar
então algum tipo de explicação realmente mágica e irracional.

Nesse tipo de mentalidade, que pode se considerar dominante entre os


autodenominados “homens comuns” — um título que lhes parece credor de
honras especiais –, a “impressão de realidade” se esfuma e se desfaz à
medida que eles se afastam das percepções imediatas e dos sentimentos
mais intensos e se aventuram nos domínios do pensamento abstrato. A
abstração, neles, é efetiva separação, e não aquela simples duplicação dos
níveis de atenção que para o filósofo experimentado é operação corriqueira.

A causa dessa dificuldade reside, segundo me parece, num insuficiente


domínio da imaginação, a função mediadora que permite ir e vir entre as
representações sensíveis e os conceitos abstratos. A diferença entre a mente
apta e a inapta para a filosofia reside sobretudo em que a primeira possui um
mundo imaginário mais organizado e integrado – mais estetizado, de certa
maneira. Através dos graus sucessivos de formalização estética, a mente
transita mais facilmente da experiência direta à reflexão verbal e vice-versa,
enquanto a imaginação desordenada bloqueia a passagem mediante a
interposição de uma massa de imagens disformes e inconexas, carregadas de
apelos inconciliáveis.

Mas, por caridade, não confundam essa qualidade imaginativa com alguma
espécie de talento artístico, “criatividade” ou coisa assim. Aquilo a que estou
me referindo nada tem a ver com a criação de produtos artísticos, pois não é
uma estetização de determinadas formas em particular, com a finalidade de
transformá-las em obras, em quadros, em poemas e em músicas, mas sim
uma estetização global do campo de experiência individual tomado como um
todo e, portanto, não objetivável artisticamente já que toda objetivação
pressupõe o estreitamento do campo de atenção até o limite da singularidade
de um só objeto.

A reflexão filosófica exige, assim, uma expécie de apreensão estética da vida


mesma, e ela começa, precisamente, no ponto em que essa apreensão, ao
defrontar-se com aquilo que na realidade é absolutamente inestetizável,
encontra o seu próprio limite e requer a entrada em cena de uma superior
estratégia cognitiva.

O uso do termo “estético” também não deve induzir ao erro de supor que se
trate de uma apreensão meramente contemplativa, objetivante e
“desinteressada”, pois ela inclui necessariamente a autoconsciência do
sujeito enquanto inseparavelmente cognoscente, agente e paciente no drama
universal aí apreendido. Talvez coubesse falar em “sentimento do mundo”, se
a palavra
SHARES sentimento não tivesse conotações tão mesquinhas hoje em dia.

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Admito que o conceito que estou procurando expressar, embora claro no seu
conteúdo próprio e interno, não é nítido o bastante, isto é, suficientemente
distinto de outros conceitos em torno, e por isto ainda é preciso recorrer a
imagens e símiles para sua exposição, provisória portanto, mas suficiente
para o momento.

Enfim, sem uma certa integração estética da visão pessoal do mundo, o


acesso à filosofia está bloqueado. Mas, como a imaginação é diretamente
condicionada pelos sentimentos e desejos, uma certa limpidez psíquica – ao
mesmo tempo uma consciência clara dos próprios sentimentos e desejos e
um senso aguçado da responsabilidade pessoal de harmonizá-los numa
totalidade pessoal capaz de projetar-se numa ação coerente sobre o exterior
e compor ao longo do tempo uma “unidade biográfica” – é a condição moral
sine qua non do aprendizado filosófico. A filosofia não é para as almas toscas,
mal arranjadas, provisórias e meio submergidas no “inconsciente”. A filosofia
pressupõe a maturidade, num sentido muito mais exigente do que a mera
adaptação ao entorno imediato que esse termo usualmente designa. A
filosofia responde a perguntas que só o indivíduo amadurecido pode fazer a
si mesmo e, nesse sentido, ela, radicalmente, não é coisa para crianças, seja
no sentido etário do termo, seja no sentido daquele resíduo de puerilismo
que parece irremovível da alma da quase totalidade dos nossos
contemporâneos.

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Olavo de Carvalho
2 dias atrás

Ademais, escapar da doença me deixou tão feliz que nada conseguia me


deprimir por completo.
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Olavo de Carvalho
2 dias atrás

A pobreza da minha família povoou minha infância de sombras e a encheu de


tristezas, mas tive a sorte de não me revoltar contra isso. A revolta contra o
destino, o sentimento de injustiça, partem sempre da crença absurda em
méritos imaginários não reconhecidos pelo mundo mau. Eu via que tudo
estava ruim, mas, se aspirava a coisa melhor, nada no mundo me persuadia
de que a merecesse.
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