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Resumen: Las narrativas biografícas son fragmentos de discursos que significan las experiencias
de vida de los sujetos. Con ellas nos interesan las “verdades” sobre género y sexualidad que
regularon experiencias de docentes que actuan en la red publica de enseñanza de Río de Janeiro
y Río Grande de Sur. A través de las narrativas fue posible observar cómo los sujetos
construyeron sus cadenas de significados y estructuraron sus formas de representar sus
sexualidades y género. Estas operaron sobre dos puntos: 1. la responsabilidad con el futuro de
las/os alumnas/os; 2. la imagen de bueno maestro/a. Con ellos enfatizamos la importancia de
profundizar los análisis sobre la producción de la diferencia, ya que ella es cultural y por lo tanto
mediada por los juegos de interés social.
Palabras-clave: Discursos; Género; Sexualidad; Performantividades; Biografía.
CAMINHOS INVESTIGATIVOS
governaram e regularam condutas e que, por sua vez, produziram efeitos na escola e em esferas
sociais mais amplas dos sujeitos. Vale destacar que os e as professoras iv foram acessados/as em
encontros individuais, atuam na rede pública de dois estados brasileiros (Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sulv) e possuíam entre 33 e 55 anos na época da entrevista. Nesse texto, os sujeitos
entrevistados serão chamados de Logun Edé, Jacinto e Jaci-Quisaña. Todos e todas tiveram seus
nomes substituídos e passaram a ser identificados por personagens de cosmovisões africana,
guarani e grega. Em síntese são:
O professor Logun Edé tem sua vida marcada pelo o amor ao balé. Casado com uma
professora há 12 anos, foi impossibilitado pelo racismo de ser bailarino clássico.
O professor Jacinto elegeu a escola como o seu espaço de ativismo político e reivindicou
a identidade de “professor gay” como princípio de sua atuação. Apaixonado pela escola, Jacinto
tem nas marcas de sua performatividade de gênero os seus principais embates políticos.
Jaci-Quisaña é professora de administração no Ensino Médio. Viúva, Jaci foi, durante
muito tempo, casada com outra professora. Ao passar pela experiência de ter sua companheira
vivendo com câncer, Jaci torna pública sua relação e exige licença médica para cuidá-la.
A biografia toma a narrativa do (sobre o) sujeito como o centro de interesse. Ela propõe
que, através de relatos particulares, outras dimensões possam ser articuladas mais amplamente
para o entendimento dos fenômenos sociais. Entretanto, ainda que o sujeito, ao construir a
narrativa sobre si, se configure em um discurso coerente, linear e encadeado, seu passado é
editado e, por isso, se reconstrói discursivamente de maneira não linear, com superposições de
tempo, reflexões e espontaneidade. O que retorna não é o passado em si, mas sua releitura das
experiências vivenciadas. Em outras palavras, não é o passado linear que é reconstituído na
narrativa. Não é a verdade que se constitui por meio da narrativa, mas a interpretação de
experiências vividas e editadas pelo sujeito. O que o discurso produz é aquilo que foi
interpretado e que não apenas marcou o sujeito, mas foi considerado importante de ser
verbalizado no diálogo com seus e suas interlocutoras.
A opção pelas narrativas de vida na produção de dados para este artigo emergiu por
considerarmos a metodologia adequada para articular as dimensões individuais aos fenômenos
sociais mais amplos. Avaliamos que seja importante destacar que pensamos a vida não somente
como um conjunto de ocorrências, mas como experiências vividas em determinado tempo e
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lugar e, acima de tudo, sob circunstâncias distintas. A narrativa de vida vai para além do sujeito
individual, com ela é possível dimensioná-lo a contextos mais amplos.
Se entendermos que a constituição de identidade é relacional, as biografias poderão ser
comparadas e conectadas com outras narrações de histórias de vida, numa dinâmica que
ultrapassa a sucessão cronológica de acontecimentos ou a constituição de trajetória individual.
Adotar esta abordagem aliada à perspectiva cultural significa, acima de tudo, conceber a
linguagem como constituinte/integrante da realidade e compreender a narrativa como resultado
de experiências que, por sua vez, podem ser consideradas históricas e denunciam o conjunto de
regras que as governou e as produziu.
Os diálogos nesta trajetória investigativa foram se tecendo com as inúmeras redes de
subjetividades que se intercruzaram. Não se tratava de um diálogo em que os corpos foram
separados radicalmente entre as identidades de investigador e investigado. Claro que sabíamos
os motivos que orientavam este exercício, todos os sujeitos entrevistados não eram distantes,
compartilhávamos identidades e experiências. Ou seja, éramos atravessados por relações afetivas
que se intensificaram com o conhecimento de nossas marcas. Este movimento de aproximação
nos permitiu construir um diálogo mediado por nossos interesses. Mas não eram apenas os
interesses investigativos que se encontravam no jogo, os sujeitos biografados buscaram, através
daquilo que representávamos - a academia - a legitimidade e o reconhecimento de suas histórias.
A vida se constituiu o locus privilegiado de criação da experiência, do saber e do
conhecimento. Ela ofereceu uma multiplicidade de momentos, lugares, espaços, situações e
relações nas quais originaram atos formativos de aprendizagens. Com isto, pensamos ter
elucidado, até aqui, que não compreendemos a narrativa de vida sob a lente da racionalidade
ocidental moderna, que vê o mundo como se tudo dependesse da ação consciente.
Na busca de se constituírem professoras/es, nossas personagens tomaram seus corpos
como suportes de identidades e buscaram os acessórios e comportamentos entendidos e
reconhecidos à profissão docente e ao feminino e masculino. Estes dispositivos/verdades
modelaram suas performatividades e atuaram como mecanismos de regulação de seus corpos.
Por meio dos artefatos culturais, a exemplo do cinema e redes sociais virtuais, somos
capazes de acessar os mais diversos estilos de vida que darão suporte e legibilidade às
vi
performatividades identitárias . Considerando tal perspectiva, no entrecruzamento das
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identidades sexuais e das lutas político-acadêmicas, é que este texto se originou, como já dito,
com o objetivo de interrogar os discursos sobre sexualidade e gênero que produziram efeitos e
governaram as trajetórias de vida de professoras e professores.
As dinâmicas socioculturais possibilitadas na atualidade nos colocaram diante de sujeitos
facetados, com biografias que não obedecem às expectativas de outrora e com inúmeras rupturas
identitárias. As ideias de performatividades originadas e determinadas em identidades fixas
foram fragilizadas. As transformações no mundo do trabalho, as crises do capital e lutas sexuais
protagonizadas pelas bandeiras feministas transformaram substancialmente os referenciais de
masculinidades e feminilidades, ainda que eles não tenham sido acompanhados pela segurança e
amparo fornecido pelo Estado.
A instabilidade política no que se refere à ausência de reconhecimento estatal das
performatividades hetero-dissidentes revela um movimento angustiante de pessoas LGBTTIQ1
de se fazerem presentes no mundo das relações e amparos públicos. No Brasil, a discussão sobre
as necessidades dessas populações ainda não ganhou o vulto necessário nos aparatos legislativos.
Com a exceção da Lei Maria da Penha 2, nenhuma legislação reconhece arranjos afetivo-sexuais
dissidentes da heterossexualidade, e, talvez por isso, a instabilidade legal se faça sentir nas
relações cotidianas. Jacinto nos narra uma dessas experiências:
Engraçado, eu tenho muito mais problema com homofobia hoje do que na
minha época de adolescência. Eu acho que é porque eu assumo isso na escola,
ela é hipócrita! Pode acontecer tudo desde que você não fale. Tudo é permitido
na escola desde que você fique na sua. Agora, a partir do momento que você
chega numa escola, que você se coloca como gay, que você seja um professor
gay, as coisas mudam. Cara, o preconceito que eu sofro hoje, você não tem
ideia. Outro dia, eu estava pensando que estou pagando alguma coisa que eu
não paguei na minha adolescência. Hoje eu vivo muito mais essa repressão do
que na época da minha adolescência. Por quê? Será por conta dessa militância?
Por eu acreditar nessa coisa? Por buscar uma sociedade mais justa? Será por
que eu me coloco? Eu falo na escola que eu sou gay. Eu sofro duas questões:
uma é a política de enfrentamento mesmo e a outra é uma política educacional.
Assim, hoje em dia, na escola, eu sofro muito mais discriminação do que na
minha época de adolescência. Eu acho que isso pode ser pelo fato de mundo
saber que não existe nenhuma lei que nos proteja.
Diferente de Jacinto, a professora Jaci-Quisaña acredita que o fato de que seu pedido de
licença para cuidar da companheira com câncer não tenha gozado de aparo legal, de imediato,
seja devido à ideia de que a mulher é vista como heterossexual ou, quando solteira, assexuada.
1
LGBTTIQ - lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexual e queer.
2
Com a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, foram criados mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra as mulheres, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, identidade de
gênero, renda, cultura, nível educacional, idade e religião.
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Estas situações vivenciadas por Jaci nos evidenciam a invisibilidade de seu arranjo
familiar e também nos denunciam a heteronormatividade da escola e da burocracia educacional.
Hodkin (1996) destaca que, para compreender a categoria “família”, é fundamental estudar o
entendimento das pessoas sobre seus arranjos. O autor destaca a compreensão dos laços afetivos,
ampliando, para além da consanguinidade e/ou do sistema legal que rege as relações familiares,
o entendimento do sentido de família. A concepção subjetiva de seus arranjos familiares é
baseada em sentimentos, crenças, valores, que permeiam e conduzem à compreensão dos fatos
cotidianos da vida. Inúmeros espaços culturais, a exemplo daqueles produzidos pelas linguagens
midiáticas, incluindo as redes sociais, cinematográficas, televisivas ou curriculares, entre outros
meios e veículos, são fortalecidos em sua influência na construção de “verdades” sobre a ideia de
família.
Assim, a disputa no plano cultural sobre as ideias que orientam os sentidos sobre família
é, fundamentalmente, um enfrentamento em torno da atribuição de significados e sentidos que
orientam suas percepções e condutas. Pode-se, então, compreender que importantes processos
educativos estão ocorrendo em muitos outros locais além das escolas. E, por meio de operações
tecnológicas e culturais muito diversificadas, acabam por produzir elementos que subsidiam a
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pro seu lado, botar pra te ajudar, ele se sente mais útil dentro aquele esquema
todo. A turma foi assistir a um filme com uma professora e pedi para ele ficar
porque eu queria fazer uma máscara nele, seria o exemplo para a turma. Como
ela sabia que ele era problemático, deixou [...] Fiquei com ele na sala sozinho
fazendo a máscara [...] Na semana seguinte, eu falei à turma que íamos fazer
uma máscara. Fui ao armário, peguei a máscara dele, “Olha a gente fez a
máscara”. Os alunos perguntaram quem havia feito, “Eu fiz nele”, a turma
maldou. Eu perguntei qual era o problema? Um aluno falou que eu havia
pegado o garoto e me chamou de viado [...] Ele chegou em casa e falou para o
pai o que tinha acontecido, o pai foi na escola e falou que não queria ele
assistindo aula com professor viado. Ele não queria que o filho dele no futuro
fosse gay. Eu fiquei sabendo isso depois, depois vieram me contar.
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No jogo dicotômico centrado no governo político da vida social, Caetano (2016) observa
que os grupos sociais que ocupam posições hegemônicas têm a possibilidade não apenas de auto
representar-se, mas de definir o(s) outro(s). O processo de representação da “anormalidade”
nasce a partir do ponto de vista do dominante. A pessoa que pertence a um grupo subordinado
traz consigo toda a carga e todo o peso da representação, reforçando, assim, como se constroem
as relações de poder e fazendo perceber como nascem as “políticas de identidade” (HALL,
2003).
As identidades que se pluralizam nos espaços de poder se configuram como imagens de
determinados grupos e podem ser traduzidas em representações. Aliás, as identidades somente
existem em função das representações (SILVA, 1994). As imagens criadas a partir da linguagem,
ou vice-versa, podem funcionar como demarcadores da visibilidade social das sexualidades.
Aquilo que está visível estabelece o diferente.
Essa situação nos leva a pensar que a diferença demarcada na narrativa do professor
Jacinto não foi um simples atributo da escola. Ela é fundamentalmente social, política e
culturalmente construída e, por isso, deve ser continuamente interrogada, de modo a evitar que
ela assuma um caráter natural e essencializado.
Inúmeras vertentes epistemológicas e, portanto, políticas que problematizam os artefatos
culturais que nos ensinam sobre a sexualidade, sobretudo as vertentes pós-estruturalistas,
apontam para a noção de que os sujeitos, ao longo do seu desenvolvimento físico e psíquico,
através das mais diversas instituições e ações sociais, se constituem como homem e mulher em
etapas que não são sequenciais, contínuas ou iguais e que, de modo algum, serão concluídas ou
definitivas. Isso ocorre exatamente porque os campos culturais e históricos, em que se formam
os discursos sobre a sexualidade e/ou mesmo as ideias mais amplas em torno dos sujeitos, são
implicados de conflitos e são capazes de produzir múltiplos sentidos. E nem sempre estes são
convergentes nas noções sexuais hegemônicas de determinado contexto. Noções essencialistas,
universais e a-históricas em torno das performatividades dos sujeitos ou das dimensões da vida
são simplistas, porque não destacam as pluralidades de etapas pelas quais as culturas constroem
e marcam os corpos e significam as experiências da vida. Se levarmos em consideração o gênero
e as sexualidades com outras marcas sociais (classe, raça, geração, religião, nacionalidade,
profissão, etc.), teremos infinidades de arranjos e apresentações performáticas.
Essa pluralidade de apresentações fragiliza o discurso unívoco em torno da id-entidade.
A arcaica ideia de que o id daria as bases alicerçadas e coerentes da entidade “Eu” parece se
estremecer com a identidade e inaugurar outra possibilidade de pensá-la. Nessa outra conjuntura,
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ela nos é apresentada por sua múltipla possibilidade, ou seja, ela se configura como identificação
(vinculada à fantasia da identidade).
A identificação (leituras performativas individuais de determinada identidade) pressupõe
o exercício de liberdade – condição central à invenção das coisas. E esse é precisamente o
motivo pelo qual a identificação de Jacinto, Jaci-Quisaña e Logun Edé da identidade professor/a
desestabiliza, desestrutura, incomoda e extasia a escola. Seus re-fazeres biográficos estão
inscritos em configurações sociais que nos aliciam a vários estilos de vida que são apresentados
por meio de artefatos culturais, a exemplo daqueles disponíveis com as tecnologias, a exemplo
de mídia, internet, biomedicina, cirurgias plásticas, etc., possibilitando a ampliação de nossas
experiências.
No âmbito das pesquisas educacionais, os artefatos culturais têm interessado
sobremaneira aos Estudos Culturais de perspectivas críticas e pós-críticas. São muitos os
trabalhos que indagam sobre a relação estabelecida entre os artefatos culturais e os processos de
construção de identidade. No geral, essas investigações caracterizam-se por estudos que
identificam as formas como são apresentados pelos artefatos culturais os sujeitos sociais e as
relações humanas. Elas problematizam as formas como se apresentam os modelos de vida,
existência ideal, relacionamentos promissores, práticas de sucesso e felicidade existencial, etc., e
a maneira como essas perspectivas sugeridas têm efeitos sobre os sujeitos e suas maneiras
singulares de construir-se performaticamente (FISCHER, 1996).
No campo dos Estudos Culturais, as produções atestam que os discursos apresentam
representações sobre ser homem e mulher, sobre arte, ciência, moral, saúde, sexualidade,
maternidade, que, entre outras verdades, disputam território na construção de subjetividades. Por
isso, é curioso e produtivo indagar sobre os efeitos que esses discursos podem produzir na forma
como os indivíduos constroem sentidos em suas existências cotidianas (AMARAL, 2000).
Os artefatos culturais apresentam também um modo peculiar de endereçamento. Trata-se
de uma forma de se relacionar com os sujeitos em um entrelaçamento com estes e as narrativas
apresentadas. A relação entre os sujeitos e o endereçamento de um discurso cultural está
estreitamente vinculada ao estabelecimento de certa identidade. Ellsworth (2001) assinala certa
convocação, uma interpelação, que pode acontecer em diferentes intensidades, desde certa
identificação, que tem como efeito a produção de novas posições de sujeito.
Na contemporaneidade, os reconhecidos marcadores de gênero vii e sexualidades, por si, já
não são nomeações que servem para legitimar nosso sexo de nascimento e estabilizar-nos frente
à cadeia de performatividades que apresentamos/suportamos em nossos corpos, ainda que eles
sejam usados para regular nossos corpos e os fazerem legíveis culturalmente. Entretanto, se o
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corpo é território, é relevante considerar que o discurso que sobre ele emerge está sempre em
disputa.
Com Goellner (2007), temos que o corpo é provisório, conjuntural e histórico, ou seja,
não existe em seus significados nada de natural. Interrogar os discursos sobre o corpo é salientar
sua geração de hierarquizações quando definem o que é positivo e/ou negativo. Tais definições,
com Foucault (1987), são atravessadas por relações de poder que buscam tornar os corpos úteis,
produtivos, docilizados, inteligíveis dentro de uma lógica dicotômica e normativa.
Os atravessamentos se dão por meio de métodos disciplinares no corpo, encontram-se
balizados em discursos produzidos nas mais diversas instâncias, tais como ciência, escola,
família, mídia, etc. Desta maneira, com Goellner (2007), afirmamos que o corpo, assim como as
configurações anatômicas que definem/produzem culturalmente homens e mulheres (entre outras
categorias de diferenciação), deve ser considerado enquanto categoria discursiva e, portanto,
historicizada.
O que se destaca nessas reflexões é a ideia de que as relações de formação e coerção não
se operam privilegiando um sujeito, mas se arquitetam em uma complexa engenharia em que
cada sujeito, em determinado tempo e espaço, configura-se em um lugar na tarefa de assegurar o
controle sobre si e o outro (FOUCAULT, 1987). Estas configurações instauraram um debate
com diferentes posições quanto à avaliação de suas consequências subjetivas e sociais.
As performatividades de Jaci, Jacinto e Logun-Edé afirmam suas condições em um jogo
de projeções altamente controladas e milimetricamente calculadas em seus entendimentos de
feminilidade e masculinidade. As expressões de suas identidades são resultados de articulosos
investimentos os quais, cotidianamente, disciplinam estes indivíduos e compelem a confirmá-los.
Quando não obedeciam ao estatuto, ficavam sujeitos à experiência descrita por Jaci-Quisaña:
O Guilherme afrontava, ele era ousado. O Guilherme não tinha um padrão de
professor de segundo grau, de seguir normas. Ele era um professor de
faculdade. O Guilherme não tinha este cuidado que eu tinha de ser educada, de
não ofender o outro. Se ele tivesse que falar, ele falava, ele até gostava no
fundo. Ele queria era mexer mesmo. Quem é o Guilherme? O Guilherme
namora homem e mulher. Era uma figuraça, entendeu? Isso traz mais conflito
ainda no ambiente da escola. Se a escola já é preconceituosa com aquele cara
que decide ser um homossexual, imagine com aquele que visivelmente é
bissexual. A conta é muito maior. O Guilherme era um showman. Era um
professor que simplesmente um dia eu estava assistindo a televisão, vendo um
concurso de carnaval do hotel Glória, e de repente entra um homem do
tamanho do Guilherme vestido de Governadora Rosinha, era aquela caricatura.
A sua bolsa dele quando abria caia moedas e ele falava “alô, alô. Não, peraí.
Silverinha”. Gente! Pelo o amor de deus, isto era o Guilherme. Ele era muito
mais exigido que eu, ele é homem, no entanto, o Guilherme transitava nos dois
corredores e ele também fazia show. Tudo isto era muito agressivo na escola.
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Com a experiência, verificamos que, para ser professora ou professor e sustentar esta
identidade, o sujeito é obrigado a calcular cada movimento, vestimenta, desejo, discurso e
posição. A performatividade de gênero e da sexualidade foi efeito panóptico que teve encontrou,
nos próprios sujeitos, a estrutura de vigilância. A eficácia do poder produtivo da vigilância
ocorreu exatamente porque contou com as pedagogias que sutilmente foram interpelando,
produzindo e naturalizando em Jaci, Jacinto e Logun-Éde a auto vigilância.
A concepção de “poder disciplinar” de Foucault (2002) nos auxilia a compreensão dos
processos de construção dos corpos-sexuados e da incorporação de uma estilística performativas,
uma vez que foram produzidos a partir de um conjunto de estratégias discursivas e não
discursivas fundamentadas na vigilância de condutas apropriadas ao gênero, às sexualidades e à
docência.
Com Jaci, Jacinto e Logun-Edé, verificamos que é nas formas, no jogo de apresentações e
nas expectativas heteronormativas de gênero, que as sexualidades dissidentes são nomeadas e/ou
especuladas. Elas, por serem inscritas e significadas no corpo, estão no interior das
hierarquizações e classificações sociais, tanto quanto nos movimentos curriculares e, mais
amplamente, nas ações e relações escolares, ou seja, no sentido mais amplo de currículo.
A experiência descrita a seguir, por Logun Edé, nos exemplifica a afirmação:
Eu sempre escuto coisinhas como: “Olha! O professor é viado”. Acho que
todos os rótulos são possíveis e esses rótulos possíveis existem entre os
professores. Agora, existe uma grande incógnita: qual é a do Logun Edé? Um
dia o professor de história virou pra mim e disse: “Ah! É porque você é artista.
Artista acha que pode fazer de tudo”. Existe um professor de ciências da noite
que o grande desejo dele é saber qual é a minha. Afinal de contas, ao mesmo
tempo em que sou casado e tenho dois filhos, tenho essas coisas todas com os
alunos e faço balé. Existe tudo isso nesse rótulo. O meu jeito de viver acaba
deixando muito claro em todos os lugares, os que vão gostar do Logun Edé e
os que vão odiar o Logun Edé. Os que vão respeitar o Logun Edé enquanto
profissional que tem sua vida muito claro dentro das expectativas de gênero
masculina e também aqueles que não suportam o Logun Edé que buscam,
principalmente, aquele viado que está ali. Eu acho que esta é a forma que as
pessoas mais gostam de desclassificar o cara, o chamando de viado. Entre os
alunos tem a mesma coisa. Existem aqueles que convivem comigo, esses são
mais próximos e que sabem muito bem o que eu penso. Sabem que acho que
não deve existir rótulo e que saímos. Então, para esse não tem aquilo de
classificar o Logun Edé como isso ou como aquilo. Mas, tem aqueles que me
classificam de viado. Tem de tudo [...] O Logun Edé homossexual ele surge se
houver um momento político. Quando há esse momento político. No dia a dia
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não tenho essa preocupação. A homossexualidade ela vai estar muito forte e
precisa aparecer quando ela precisa fazer um embate com a heterossexualidade.
Quando precisa está na luta política. Eu não penso nisso nesse momento. Nesse
momento [...] eu sou [...] ser humano que sabe que a vida é passageira e que
quer viver, que tem uma série de possibilidades da vida e que sabe que tem
uma série de dificuldades a enfrentar. Uma vez eu te disse, a vida da gente é
cheia de nãos, mas não se compara com a de um negro. Talvez, seja a mais
cheia de nãos. A gente tem que construir a nossa trajetória a partir dessas
negações e buscando caminhos. Então, o que eu procuro pra mim é isso. É sair
buscando caminhos sem parar pra pensar. Alguns vão me lembrar no meio do
caminho [...] que sou viado, que sou homossexual. Outros vão me lembrar que
sou negro. Outros vão me lembrar de algumas coisas. Mas, eu quero seguir
minhas possibilidades. Se o embate político valer a pena, eu vou me lembrar do
que me foi dito e vou pra esse embate político. Mas, fora isso, eu vou vivendo.
Não tem em 24 horas do dia aquele momento que eu penso: agora estou com
essa comunidade e a minha relação com essa comunidade é x, agora eu estou
ali o Logun Edé é y. Se alguém vive comigo 24 horas por dia vai conhecer em
cada local um sujeito que vai falar de um Logun Edé diferente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A partir das experiências de Jaci, Jacinto e Logun Edé, constatamos que, na sociedade
contemporânea, o corpo tornou-se o suporte criativo de artesãos das performatividades. Em
situações de liberdade e as condições materiais, o sujeito pode ser capaz de produzir aquilo que
ele deseja ser/estar no mundo das possibilidades.
Os contornos e pontos que, durante muito tempo referenciaram o sujeito universal,
passaram a escapar por entre os dedos com a crítica feminista. A fragmentação do sujeito não
está distante da escola, ela se reflete em suas práticas quando verificamos agendas de vários
coletivos reivindicando espaços nos seus currículos e prioridades.
Durante este exercício narrativo, conseguimos verificar a presença de diversas
feminilidades e masculinidades presentes nos discursos de Jaci-Quisaña, Jacinto e Logun Edé.
Isto reafirma a idéia de que as categorias de gênero e sexualidades são construídas, e que cada
sujeito fabrica seu corpo, realiza seu desempenho e se apresenta como um projeto interminável,
sempre buscando atender ou responder às expectativas criadas sobre o que é o seu ser/estar.
Estas palavras podem mostrar que, na prática, as identidades produzidas a partir das
performatividades de gênero e sexualidades podem ser mais amplas do que as defendidas nos
discursos ou percebidas nas práticas pedagógicas e nos currículos.
REFERÊNCIAS
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i
FURG
ii
UFRJ
iii O sujeito ilegível caracteriza-se por sua capacidade de transitar entre os/fora dos “enquadramentos” identitários.
A dificuldade ou impossibilidade do outro de ajustá-lo às expectativas identitárias o leva ao transito na ilegibilidade
social.
iv Como crítica à universalização masculina e seu governo no uso da Língua Portuguesa, descreveremos o sujeito da
frase no feminino antecipado dos artigos O – que descreve a existência do gênero masculino – e A – que anuncia o
gênero feminino do sujeito.
v Buscando reforçar o anonimato a pedido dos sujeitos não indicaremos com precisão os lugares de suas atuações
profissionais e moradias.
vi Partimos de uma visão que compreende as identidades como resultados de atos performativos de linguagem
(BUTLER, 2003).
vii
Em alguns campos da vida e de suas relações, os marcadores de gênero estão tão confusos que não nos permitem
afirmar que se referem a mulheres ou homens, exemplo dos comportamentos, acessórios simbólicos e expressões
corporais. Entretanto, em outros eles ainda estão enraizados e fundamentam as desigualdades entre homens e
mulheres, como no campo econômico, nas esferas de representação política e nos números de violência doméstica e
pública. Este último dado é interessante para refletir as diferenças sexuais entre os espaços, se na ordem reconhecida
como privada são elas as maiores vítimas e eles os maiores agressores, no espaço público são eles as vítimas e
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permanecem os maiores agressores. O que evidencia uma educação para a violência e a complexidade existentes
entre as categorias gênero e sexo.
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