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DECISÃO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.


COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. PODERES
INVESTIGATIVOS. POSSIBILIDADE DE DECRETO DE
QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO ESTADUAL.
PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL
SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatório

1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III,


alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do
Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

“PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO EM MANDADO DE


SEGURANÇA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. CPI DOS COMBUSTÍVEIS.
SOLICITAÇÃO DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA CPI DIRETAMENTE
AO BANCO CENTRAL DO BRASIL. NÃO ACATAMENTO DO REQUERIMENTO PELA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NEGATIVA FUNDADA NA NECESSIDADE DE
DETERMINAÇÃO JUDICIAL. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA CPI.
CARÊNCIA DA AÇÃO MANDAMENTAL EM FACE DA FALTA DE INTERESSE
PROCESSUAL SUPERVENIENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. DISCUSSÃO QUE
REFLETE NA REGULARIDADE DAS PROVAS COLIGIDAS PELA COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO ESTADUAL COM ESPEQUE NA SUA AUTORIDADE
PARA DETERMINAR A QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. PERSISTÊNCIA DO
INTERESSE. NÃO ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR. DESCARACTERIZAÇÃO DO
SIGILO BANCÁRIO COMO DIREITO FUNDAMENTAL. PODERES DE
INVESTIGAÇÃO DA CPI PRÓPRIOS DAS AUTORIDADES JUDICIAIS.
INADMISSIBILIDADE DE DIFERENCIAÇÃO OU GRADAÇÃO DE PODERES ENTRE
AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO FEDERAIS, ESTADUAIS E
MUNICIPAIS, QUANDO INSTITUÍDAS COM VISTAS A INVESTIGAÇÃO DE
ASSUNTOS RELATIVOS A INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE NOS LIMITES DE
SUA COMPETÊNCIA. ART. 58, § 3º, DA CF/88. ART. 28, § 4º, DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO. FEDERAÇÃO BRASILEIRA.
UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL COMO UNIDADES
DOTADAS DE AUTONOMIA E DE CAPACIDADE DE AUTO-ORGANIZAÇÃO,
AUTONORMATIZAÇÃO, AUTOGOVERNO E AUTO-ADMINISTRAÇÃO. LEI Nº
4.595, DE 31.12.1964 (ATUALMENTE REVOGADA, MAS VIGENTE NO
MOMENTO DA IMPETRAÇÃO) E LEI COMPLEMENTAR Nº 105, DE
10.01.2001. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DA LEI DE CONFORMIDADE
COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (...)” (fls. 461-465).

2. O Recorrente alega que teriam sido contrariados os arts. 5º, inc.


X, XII, XXXV, LIV, LV e LVI, 22, inc. I, 25, § 1º, 58, § 3º, e 192 da
Constituição da República.

Afirma que o Tribunal a quo não teria suprido as omissões apontadas


nos embargos de declaração opostos.

Sustenta que “As derrogações legais do sigilo bancário são


indubitavelmente invasões do Estado na vida privada do cidadão e podem
levar a excessos incompatíveis com a dignidade humana, porque o sigilo
cobre não só a intimidade patrimonial, como também a pessoal, incluindo-
se nesta a familiar. (...) Nesse passo, tais limites só podem ser fixados
por lei em sentido estrito. (...) a proteção do sigilo deve ceder ante o
império da autoridade pública competente e apenas com relação àqueles
fatos que sejam necessários ao esclarecimento de uma questão que envolve
interesse geral, nos moldes estritamente previstos em lei” (fl. 532).

Argumenta, ainda, que “não se pode admitir que os poderes conferidos


às CPI’s constituídas no âmbito do Congresso Nacional, por força do que
dispõe o art. 58, § 3º, da Carta Magna possam ser estendidas às CPI’s
constituídas no âmbito da Assembléia Legislativa dos Estados” (fl. 535).
E que, “Em que pesem os arts. 22, I, e 192 da Constituição Federal, a
Constituição do Estado de Pernambuco estabeleceu regra contida no seu
art. 28, parágrafos terceiro e quarto, conferindo às comissões
parlamentares de inquérito do Estado de Pernambuco os poderes próprios
das autoridades judiciais. À luz do que dispõem os arts. 22, inciso I, e
192 da Carta Magna, observada ainda a disciplina contida no então vigente
art. 38 da Lei 4.595/64 (atual art. 4º, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar
n. 105/2001), não se há de conferir às Comissões Parlamentares de
Inquérito estaduais poderes ilimitados, mormente os inerentes à quebra do
sigilo bancário, não lhes servindo a esse propósito a invocação do
princípio da simetria, a que se refere o art. 25 da Lei Maior, porquanto
ali há expressa ressalva acerca das competências fixadas pela
Constituição Federal” (fl. 535).

Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO.

3. Razão jurídica não assiste ao Recorrente.

4. No julgamento do Mandado de Segurança 24.817, Relator o Ministro


Celso de Mello, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento
no sentido de que as comissões parlamentares de inquérito podem decretar a
quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita
à investigação legislativa, desde que o faça mediante deliberação
adequadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva da
adoção dessa medida extraordinária:

“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO


(CF, ART. 58, § 3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE
DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR
AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E
TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DELIBERATIVO -
QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - VALIDADE -
MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI
PODER INERENTE À COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES
PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - A quebra do sigilo fiscal,
bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a investigação
legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão
Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça
mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual
indique a necessidade objetiva da adoção dessa medida
extraordinária. Precedentes. - O sigilo bancário, o sigilo
fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os
dados/registros telefônicos e que não se identifica com a
inviolabilidade das comunicações telefônicas) - ainda que
representem projeções específicas do direito à intimidade,
fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam
oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões
Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a
quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que
foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos
órgãos de investigação parlamentar. As Comissões Parlamentares
de Inquérito, no entanto, para decretar, legitimamente, por
autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo
fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por
elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros
indícios, a existência concreta de causa provável que legitime
a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem
se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua
efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos
determinados que deram causa à instauração do inquérito
parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional
dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV). As deliberações de
qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança do que
também ocorre com as decisões judiciais, quando destituídas de
motivação, mostram-se írritas e despojadas de eficácia
jurídica, pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser
adotada pelo Poder Público, sem que o ato que a decreta seja
adequadamente fundamentado pela autoridade estatal. PRINCÍPIO
DA COLEGIALIDADE. - O princípio da colegialidade traduz
diretriz de fundamental importância na regência das
deliberações tomadas por qualquer Comissão Parlamentar de
Inquérito, notadamente quando esta, no desempenho de sua
competência investigatória, ordena a adoção de medidas
restritivas de direitos, como aquelas que importam na revelação
("disclosure") das operações financeiras ativas e passivas de
qualquer pessoa. A legitimidade do ato de quebra do sigilo
bancário, além de supor a plena adequação de tal medida ao que
prescreve a Constituição, deriva da necessidade de a
providência em causa respeitar, quanto à sua adoção e
efetivação, o princípio da colegialidade, sob pena de essa
deliberação reputar-se nula. MANDADO DE SEGURANÇA E TERMO
INICIAL DO PRAZO DE SUA IMPETRAÇÃO. - O termo inicial do prazo
decadencial de 120 dias começa a fluir, para efeito de
impetração do mandado de segurança, a partir da data em que o
ato do Poder Público, formalmente divulgado no Diário Oficial,
revela-se apto a gerar efeitos lesivos na esfera jurídica do
interessado. Precedentes” (DJe 6.11.2009 – grifos nossos).

5. Quanto aos poderes investigativos de comissão parlamentar de


inquérito estadual, no julgamento da Ação Cível Originária 730, Relator o
Ministro Joaquim Barbosa, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu
que, ainda que seja omissa a Lei Complementar n. 105/2001, podem as
comissões parlamentares de inquérito estaduais requerer quebra de sigilo
de dados bancários com base no art. 58, § 3º, da Constituição da
República:

“AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO


DE DADOS BANCÁRIOS DETERMINADA POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. RECUSA DE SEU CUMPRIMENTO
PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001.
Potencial conflito federativo (cf. ACO 730-QO). Federação.
Inteligência. Observância obrigatória, pelos estados-membros,
de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação
de poderes previsto na Constituição Federal de 1988. Função
fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo
essencial do sistema de checks-and-counterchecks adotado pela
Constituição Federal de 1988. Vedação da utilização desse
mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos estados-
membros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e
da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que
seja omissa a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões
estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com
base no art. 58, § 3º, da Constituição. Mandado de segurança
conhecido e parcialmente provido” (DJ 11.11.2005).

Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o acórdão recorrido.

6. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557,


caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 8 de fevereiro de 2010.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

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