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158.02 year 14, feb. 2015

Arquitetura e política de Josep Maria Montaner e Zaida


Muxí
Paolo Colosso

resenha do livro

new
Arquitetura e política
Ensaios para mundos
alternativos
Josep Maria Montaner
and Zaida Muxí Martinez
Metrocable e, ao fundo, o Parque Biblioteca Espanha, Medellín
2014
Foto Noemi Zein Teles

158.02
abstracts
Em livro recentemente lançado no Brasil por Josep Maria Montaner e Zaida how to quote
Muxí, a arquitetura volta a olhar tête-à-tête para um campo fundamental –
languages
e nem sempre dimensionado – de sua disciplina, qual seja, o espaço
partilhado onde todos estamos inseridos e ao qual chamamos de político. original: português
Montaner e Muxí têm como premissa que as grandes figuras do circuito de
share
starchitects não fornecerão saídas para os desafios atuais das cidades,
neste sentido o livro mapeia, de modo bastante introdutório, episódios
recentes e experimentações contemporâneas que podem superar tais
déficits. 158

Montaner e Muxí trazem de volta algo que talvez tenha ficado esmaecido 158.01
nos anos de pós-modernismo celebratório, a saber, é possível sim uma ação Blowing in the Wind
política a partir da arquitetura. E esta é a questão fundamental que Sergio Bernardes e o
permeia o livro, mais do que apenas encontrar uma chave analítica apagamento de um
traçando relações entre uma esfera e outra. O trabalho historiográfico personagem histórico
recoloca em cena modos situados de atuação com os quais a disciplina pode Pedro Campos Costa
tanto resgatar suas heranças crítico-transformadoras quanto enriquecer 158.03
seu imaginário. Pequeña suma de
arquitectura
Os autores lembram de Adolf Loos na Viena da década de 1920, ao María Elia Gutiérrez
implementar as políticas habitacionais dos Siedlungen pautadas por Mozo
sistemas cooperativos. Os desdobramentos desta referência em Ernst May,
figura central na administração da Frankfurt social democrata, que sob as 158.04
premissas da Nova Objetividade construiu cerca de trinta mil moradias Pensar a Habitação de
populares – algumas mais adaptadas às demandas locais, outras nem tanto. Interesse Social
De arquitetos como William Morris e Hannes Meyer, os autores extraem Exercício do desenho do
aquilo que em Depois do movimento moderno Montaner chamou de “postura amanhã, que já poderia
arquitetônica”, atentando sobretudo para o envolvimento de cada um com as existir hoje
questões de seu tempo. Morris a figura que tentou buscar a ética da Jonathas Magalhães
produção arquitetônica, Meyer o que compreendeu o papel da arquitetura no Pereira da Silva
interior de uma sociedade de classes e, mais do que isso, de cidades que
poderiam ou não fornecer condições dignas para as parcelas maciças da
população . Montaner e Muxí destacam ainda figuras contemporâneas como a
do arquiteto indiano Miloon Kothari e a de Raquel Rolnik, ambos ligados à
luta da Organização das Nações Unidas pela universalização do direito à
moradia adequada.
De uma análise de agentes, na segunda parte passam à análise de cidades.
O diagnóstico traz en passant pontos já conhecidos, como os efeitos
deletérios do rodoviarismo, o caráter esquizofrênico das cidades feitas
de enclaves fortificados, o que classificam aqui como um “neofeudalismo”.
Além disso, reaparecem temas recorrentes nas paisagens europeias, tais
como a transformação das cidades em parques temáticos cuja história se
torna uma coleção de imagens clichês e, ainda, a imigração de povos de
ex-colônias. Em seguida os autores elencam modelos urbanos que talvez não
tenham o status de “alternativas” como querem Muxí e Montaner, mas gozam
de relativo êxito diante das condições contemporâneas.

A primeira delas é Curitiba, cujas decisões nos anos 1980 tornaram o


transporte público eficiente e desejável à população, promoveram uma vida
social em espaços públicos, com especial prestígio aos parques, o que
para os autores conferiu à cidade – com 50m de área verde por pessoa – o
perfil de um “ecologismo desenvolvimentista” (p. 132). Lembram ainda do
papel de destaque da Universidade de Estudos do Ambiente na formação de
conhecimentos na área. Não deixam de notar, no entanto, que as forças
especulativas mais acentuadas nos últimos anos têm levado a cidade a um
considerável espraiamento. Seattle, cidade jovem onde estourou os
movimentos antiglobalização em 1999, esteve entre as primeiras a
conseguir inserir na agenda urbana – em grande parte via pressão de
cidadãos – índices de sustentabilidade, ruas simpáticas aos pedestres,
além de edifícios públicos emblemáticos.

Lembram também de Bogotá do prefeito Antanas Mockus, cujo progressismo


teve como fundamento o investimento em escolas e bibliotecas. Outros
fatores que mereceram destaque foram: primeiro, o diálogo entre poder
público e universidade na implementação de um Observatório de Cultura
Urbana, o que se tornou um canal de comunicação entre administração e
cidadãos. Segundo, as iniciativas de participação e autogestão na escala
do bairro, dando aos moradores a possibilidade de envolverem-se com
projetos de espaços e equipamentos públicos.

Em Medellin, Direito à Cidade se tornou uma ideia-força na diminuição de


disparidades historicamente consolidadas. Contou com um sistema de
transporte elevado capaz de se adaptar ao relevo acidentado – conhecido
como Metrocable – e, a partir dos eixos deste, uma revalorização de
parques. Como reconhecem os autores, se há algo em comum entre estas é o
envolvimento renovado e a relação ativa dos cidadãos com suas cidades,
isto é, um urbanismo ramificado pela sociedade civil.

A busca por alternativas extrapola o campo da arquitetura e urbanismo em


direção a projetos contraculturais como aqueles ligados a Slow Food, Slow
Life. Montaner e Muxí estão cientes de que a busca por cidades
economicamente saudáveis e socialmente viáveis requer, além de
posicionamento e criatividade política, mudanças em crenças, hábitos e
práticas coletivas, ou nos termos dos autores, a formação de novas
subjetividades, mais ecológicas e mais solidárias. Não por acaso outro
ponto incorporado pelos autores, e ainda muito pouco tratado no âmbito da
arquitetura, é o da relevância da voz ativa dos feminismos no que chamam
de “urbanismo sem gênero”. Como lembram os autores, não é uma questão
menor pensar a invisibilidade das mulheres nos espaços públicos e a
ligação opressiva delas no interior dos espaços domésticos. Trata-se sim
de um déficit na esfera pública. Os autores retomam figuras-chaves entre
mulheres cujas colaborações nas discussões das cidades são notáveis; Jane
Jacobs está entre os destaques.

Se a relação dos autores com as referências arquitetônicas e urbanísticas


são bastante cuidadosas e vão ao núcleo de cada uma das problemáticas às
quais as propostas individuais estavam ligadas, quando se remetem à
filosofia e ciências humanas, optam por operacionalizações mais
sintéticas e rápidas, sem se preocupar tanto em recuperar mediações. A
referência fundamental para os autores, esta utilizada com pertinência, é
a de Hannah Arendt. Com a noção de ação política em Arendt já se entende
boa parte do percurso do livro. Com menos cautela colocam na chave dos
rizomas de Gilles Deleuze desde redes virtuais, processos de favelização,
guerras difusas e mercados globais informais de armas. Em momentos
melhores, retomam o debate sobre o “Fim da História” para defender o
quanto a história recente contraria a tese do conservador Francis
Fukuyama. Como lembram os autores, o estado atual de coisas está longe de
ser uma democracia real e, muito pelo contrário, o que temos é um mundo
de fronteiras quentes e frágeis onde disparidades se acentuam e conflitos
urbanos se tornam cada vez mais recorrentes na massa crescente de
segregados social, econômica e culturalmente. No Derrida de Espectros de
Marx os autores apostam encontrar subsídios teóricos com os quais o
projeto moderno possa encontrar a superação de antagonismos estruturais,
projetos arquitetônicos críticos que não separem teoria e prática,
ciência e experiência (p. 242-245). Somam-se ainda ao pensador espanhol
contemporâneo Rosi Braidotti, na defesa de posições ativas e
capacitadoras que se tornem “um acúmulo de práticas micropolíticas de
ativismo cotidiano e de projetos para criar mundos alternativos” (p.
245).

Os autores deixam expresso que a ação política por meio da arquitetura é


sobretudo uma questão de pauta e, não menos importante, de envolvimento
com algo outro além de uma trajetória individual exitosa. Os “arquitetos-
estrela”, em suas melhores versões, até passam pelo primeiro critério,
mas deixam muito a desejar no segundo. E lembram ainda que a emergência
do “arquiteto liberal”, figura predominante no último quartel do século
20, coincide com a crescente descrença em relação ao potencial
transformador da arquitetura.
Vale reforçar, o político do título opera em sentido ampliado. A obra
explora tanto questões dos centros de decisões, cujos expedientes ocorrem
no quadro das instituições vigentes, quanto as práticas bottom-up, isto
é, que partem da base enquanto modos de participação e cidadania ativa,
experimentações sociais ou então formas de vida tangenciais à uma cultura
global hegemônica. Aposta-se que ambos os vetores podem orientar avanços,
ambos com possibilidades e limitações. E de quebra, com este inventário
de experiências consegue contrariar opiniões que assombraram os meios
arquitetônicos até recentemente, segundo as quais a vida nas cidades
estaria fadada a ser absorvida por completo nas atividades de consumo –
Rem Koolhaas certamente um dos protagonistas deste alarde. Ainda que o
livro não traga uma pesquisa extensa a respeito do tema, Montaner e Muxí
parecem deixar evidente algo de suma importância: a vida urbana passa por
estes espaços de luta por reconhecimento, de legitimação de demandas
coletivas, de uso público da razão, de participação em saídas
compartilhadas e, mais do que isso, de luta pela realização de uma
sociedade livre. Ora, isto significa que a cultura urbana por excelência
está ligada ao território em disputa do político.

Podemos arriscar algumas outras asserções. O que Montaner e Muxí buscam –


como já mostrara o primeiro em Arquitetura e crítica (1) – é, em última
instância, retomar o sentido da arquitetura. Para tanto é preciso manter
abertos os poros da disciplina, despojá-la de seus vícios linguísticos e,
obviamente, reconstituir os vínculos entre avanços técnico-construtivos e
uma urbanização socializante. A contribuição dos autores em Arquitetura e
política é compilar brevissimamente iniciativas que em alguma medida
trilharam esta via e, com isso, conseguiram fazer da arquitetura uma
prática consoante à efetivação do direito à cidade. E uma última
inferência a partir do livro: se o político é o espaço partilhado no qual
todos estamos envolvidos, não há a escolha por fazer arquitetura para
além dele.

nota

1
MONTANER, Josep Maria. Arquitetura e crítica. 2ª edição. Barcelona, Gustavo
Gili, 2007.

sobre o autor

Paolo Colosso é arquiteto e bacharel em Filosofia pela Unicamp. Atualmente faz


mestrado no Departamento de Filosofia da USP, onde estuda cultura urbana em
metrópoles contemporâneas.

comments

2 Comments Sort by Oldest

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Tomas Tomas · Faculdade La Salle - Lucas do Rio Verde/MT


Gostaria que me comentasse se é neste livro que fala que de 1960 a
2000 a pop da Am Latina dobrou,mas a pop da submoradia quintuplicou.
Queria muito ler este livro que folheei um dia. Obrigado
Like · Reply · Mar 27, 2015 7:37pm

Tomas Tomas · Faculdade La Salle - Lucas do Rio Verde/MT


foi uma das, melhores coisas que já lí em termos de urbanismo
Like · Reply · Mar 27, 2015 7:38pm

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