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1) Apresentação
1
nas páginas do trabalho, na medida em que Ianni capta a “superação-conservação” no
movimento do real da sociedade brasileira, ou seja, elementos que permanecem da
ordem anterior, assim como aqueles que singularizam o novo trabalhador, agora “livre”.
Apenas a partir de uma análise que busca a compreensão integral do modo de
organização da produção econômica, dos encadeamentos entre os meios de produção
com as relações de trabalho e modalidades de consciência social, foi possível capturar
as nuanças e tendências do desenvolvimento histórico na região.
1
IANNI, Octávio. As metamorfoses do Escravo. 2ªed. Revista e Aumentada. São Paulo:
Hucitec/Curitiba: Scientia et Labor, 1988, p.112
2
classes tem papel decisivo na caracterização e manutenção do novo mundo
social. A ideologia dos proprietários dos meios de produção e compradores
da força de trabalho será, portanto, marcada por seus interesses fundamentais.
Por trás da ideologização dos fatores em jogo, é possível a análise
desembaraçar as significações determinantes das relações de dominação
2
exercidas pelos brancos sobre os negros.
Assim, podemos dizer que a dialética, para o autor, aparece não como um
recurso facilmente combinável às outras metodologias em voga na ciência social que se
praticava no país àquela época. Por certo momento criticou-se o pensamento crítico
oriundo do núcleo organizado em torno de Florestan Fernandes como muito sociológico
3
e pouco dialético ou marxista. A subsunção às formulas fáceis, no sentido de
caracterizar esta vertente intelectual como “eclética”, “ingênua”, não nos parece dar
conta da complexidade de um pensador como Ianni. Antes, sugerimos que assimilação
do pensamento de Marx lhe incutiu a idéia de que apenas a interpretação dialética da
realidade é capaz de captá-la em seu movimento, apanhando aspectos reveladores do
velho e do novo na mesma configuração, suas imbricações; as ambigüidades e
virtualidades do real. Pois, “[...] o que torna necessária a análise dialética é que as
coisas não são transparentes; e muito menos quando elas são relações capitalistas de
4
produção.” O materialismo histórico não está localizado em seu arcabouço teórico
como mais um método dentre outros, ou mesmo como mera influência, mas sim como
elemento determinante em sua maneira de compreender as transformações da sociedade,
como princípio orientador de sua interpretação das relações sociais.
2
Idem; p.250-251
3
Ver, por exemplo, o excelente artigo, não obstante a unilateralidade de alguns juízos emitidos:
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Anotações Preliminares para uma história criticada sociologia. In. Temas
de Ciências Humanas. Vol.III. Livraria Editora Ciências Humanas. 1978. p.19-59.
4
IANNI, Octávio. Introdução. In. Marx. Col. Grandes cientistas sociais. 4ªed. São Paulo. 1984. p.24.
3
caráter tardio de nossa revolução, assim como, a debilidade da burguesia ascendente,
acabaram por conferir determinadas tarefas históricas ao órgão dirigente, dentre outros
aspectos, particularizando o padrão e ulteriores desdobramentos do capitalismo
brasileiro.
Pode-se dizer que, para Ianni, há uma linha mestra, um “movimento pendular”
entre tendências que se manifestam no interior de nossa revolução burguesa, apontando,
ora para a afirmação de um capitalismo nacional, ora para um desenvolvimento
capitalista dito associado ou dependente do movimento geral de reprodução ampliada
do capital em nível internacional. A partir das relações que o Estado estabelece com o
conjunto da sociedade, em particular, com os setores mais esclarecidos das classes
dominantes, determinado padrão de desenvolvimento teria predominado. Em razão da
assimetria destas relações e da exclusão das camadas populares das esferas de decisão
dos rumos do planejamento econômico, político e social, acabamos por manifestar uma
tendência ao protagonismo estatal, no que tange ao desenvolvimento e instauração do
modo de vida e das relações sociais tipicamente burguesas.
4
Assim, o presidente da República e os ministros de Estado passam a compor
o vértice de uma nova estrutura de poder: a tecno-estrutura estatal. Trata-se
de uma estrutura de poder largamente apoiada em organizações burocráticas,
dispondo de recursos específicos e de um certo tipo de pensamento científico.
E com esse acesso muito mais amplo e sistemático, do que qualquer outra
esfera do governo, aos elementos indispensáveis a uma visão de conjunto, e
detalhada do sistema político-econômico do país. Nesse sentido, a tecno-
estrutura tende a atuar segundo uma compreensão cada vez mais
globalizante, nuançada, minuciosa do sistema político-econômico nacional,
em suas relações internas e externas. [...] Esse é o nível em que as razões da
tecno-estrutura podem divergir e sobrepor-se às razões do Poder Legislativo,
mesmo no âmbito da “democracia representativa.” 5
5
IANN, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). 6ªed. Revista e ampliada.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996, p. 314-315; 1989.
6
Idem.
7
IANNI, Octávio. Estado e Capitalismo. 2ªed. Revista e ampliada. Rio de Janeiro, Editora Brasiliense,
1989a.
5
coração do pacto populista, vigente até o golpe de 64, localizava-se na necessidade de
dissimular as desigualdades e conflitos de interesses de classes sob a indefinida imagem
do desenvolvimento nacional. A nação e a massa passam a ser o sujeito e o destinatário
do discurso emitido pelos representantes políticos. A revolução burguesa aparecia
despida de seus aspectos contraditórios, heterogêneos; era apresentada como revolução
nacional, “[...] foi a democracia populista que propiciou a conciliação de interesses em
benefício da industrialização e do desenvolvimento nacionalista”. 8
8
IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. 1ªed. Rio de Janeiro, Editora Civilização
Brasiliera, 1968, p.62. Grifos meus.
9
Idem; p.97.
10
SCHWARZ, Roberto. Cultura e Política: 1964-1969. In. O pai de família e outros estudos. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 61-94.
6
prática. Lidou obsessivamente com: imperialismo, latifúndio, burguesia
nacional, camponês, massa, classes operária, reformas de base, reformismo,
estatização, etc. [...] 11
4) Dialética e Sociologia
Há, neste momento, uma vasta revisão crítica dos cânones que orientavam as
interpretações majoritárias sobre a América Latina. O materialismo histórico-dialético
de Marx é reivindicado por diversos intelectuais como instrumento legítimo de
enfrentamento às teses etapistas e dualistas que pautavam a maioria da produção teórica
dos partidos e das ciências sociais da região. No Brasil, era posta em xeque não apenas a
visão tecnocrática, economicista, que norteava as políticas do regime militar, mas
também, o pensamento nacionalista e reformista que, respeitadas as diferenças,
conformavam a interpretação cepalina, isebiana e pecebista, fundamentalmente.
Localizado no interior deste processo, Ianni foi um dos maiores representantes desta
12
corrente crítica, sua Sociologia da Sociologia latino-americana, de1971, em parte, é
fruto deste esforço de compreensão.
11
IANNI; 1968, p. 118, grifos meus.
12
IANNI, Octávio.A Sociologia da sociologia Latino-americana. 1ºed. Editora Civilização Brasileira
S.A, Rio de Janeiro, 1971. Republicada em 1989 como: IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia: o
pensamento social no Brasil. 3ºed. Revista e Ampliada. São Paulo, 1989b.
7
Para a problematização das noções “técnica” e “crítica” de sociologia, Ianni faz
questão de lembrar que a o pensamento sociológico brasileiro acaba por receber
influências das distintas visões que se polarizam no engendramento da construção da
cultura burguesa que então estava em ascensão no país. As transformações das forças
produtivas, assim como a transição da sociedade estruturada sobre o capitalismo de
predominância agrária em direção ao capitalismo propriamente industrial; da sociedade
rural para a sociedade urbano-industrial; exigiram rearticulações na estrutura dos
valores e dos modos de compreensão da realidade histórico-social, ou seja, renovou-se a
superestrutura de organização da sociedade. As controvérsias metodológicas que
acompanham o desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil devem ser
compreendidas à luz destas questões. Pois, “[...] Ocorre que a sociologia também está
inserida no conjunto da produção intelectual que acompanha a reprodução e a
transformação das estruturas capitalistas de produção no país.” 13
13
IANNI, 1989b; p.54.
14
Idem; p.51.
15
Idem; p.52.
8
A sociologia em sua vertente “crítica”, pois, abordaria os fenômenos como
“[...] relações, processos, qualidades, significações, configurações históricas,
16
estruturas internas e externas [...].” Como salienta o autor, esta modalidade não se
restringe à caracterização dos fatos sociais, e sim aos “fatos significativos”, não
importando se são de ordem econômica, cultural ou política; revelados nas relações e
estruturas particulares ao objeto estudado. A sociedade passa a ser entendida a partir do
princípio da contradição, este, não emprestado das outras ciências, mas “produzido pela
própria realidade social”. Deste modo, impõe-se como imperativo ao sociólogo buscar a
compreensão do real como uma configuração histórica, permeada por contradições,
jamais como uma sistema articulado e ordenado, a “instabilidade” e não a “estabilidade”
ou a “ordem” é a condição social fundamental.
5) Considerações Finais
16
IANNI, 1989b; p.52-53.
17
Idem; p.53.
9
interpretação “sociológica” da realidade, mas como condição, sine qua nom, para a
apreensão crítica e original da mesma:
Todo este trabalho intelectual está orientado pela convicção de que não se
pode compreender a sociedade se não se examinam os encadeamentos,
desdobramentos e determinações recíprocas das forças produtivas, relações
de produção, estruturas políticas e modalidades de consciência social. 18
18
IANNI; 1984, op. cit, p. 23.
19
IANNI, Octávio. Dialética e Capitalismo: ensaio sobre o pensamento de Marx. 3ª ed. Revista e
Aumentada, Petrópolis, Editora Vozes, 1988, p. 17.
20
Idem; p.75.
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