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A TORAH COMO REAÇÃO SOCIAL

À TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE

ISRAELITA A PARTIR DO SÉCULO VIII A.C.*

Rainer Kessler**

Resumo: somente na conjugação dialética entre condições econômicas e ideias reli-


giosas e éticas surge determinada sociedade. O nosso foco é a sociedade do
antigo Israel. Esta sociedade passou por muitas transformações nos mil anos
entre o surgimento de uma grandeza Israel e a sua integração no sistema de
domínio do império romano. Estas transformações têm múltiplas causas ma-
teriais, que estão vinculadas com as relações políticas, econômicas, sociais e
demográficas. Mas a transformação social também modificou as ideias e estas
ideias transformadas então novamente influenciaram as relações sociais. Des-
ta forma surge o processo dialético de uma relação causal de reciprocidade.
Palavras-chave: Torah. Transformação social. Israel. Século VIII.

O
grande sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), na “Anotação preliminar”
a sua obra “Estudos sobre a Sociologia da Religião” (Gesammelte Aufsätze
zur Religionssoziologie), fala de uma “relação de causalidade recíproca entre
ideia e interesses ideais, por um lado, e seus condicionamentos e interesses
econômico-político, por outro lado” (assim a formulação de Otto (2002, p. 64-

–––––––––––––––––
* Recebido em: 20.12.2012. Aprovado em: 15.01.2013. Tradução feita por Haroldo Reimer
e Ivoni Richter Reimer.
** Teólogo e pastor (Mainz, Hamburg e Heidelberg), trabalhou na docência universitária em
Bethel/Bielefeld, Comunidad Evangélica Teológica/Santiago do Chile, universidade de
Marburg, Pontificia Universidad Xaveriana/Bogotá, University of Stellenbosch/África do
Sul, atualmente professor emérito. Autor de vários livros e outras produções intelectuais.

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5). A fim de explicar uma formação social, deve-se observar duas causalidades.
O próprio Weber (1920, p. 12) afirma: “Qualquer tentativa de explicação deve
corresponder à importância da economia, devendo observar especialmente as
condições econômicas”. Mas esta primeira causalidade – dito em linguagem
marxista: a base econômica -, não é suficiente. Weber (1920, p. 12) continua
dizendo: “Mas também a conexão causal inversa não deve ser desprezada”. Em
termos marxistas se falaria aqui de superestrutura ideológica. Com vistas espe-
cialmente a sociedades da Antiguidade consta que: “[...] em todos os lugares do
passado, os poderes mágicos e religiosos e as concepções de obrigações éticas
baseadas na fé constituem os elementos formadores mais importantes da con-
dução de vida” (WEBER, 1920, p. 12). Somente na conjugação dialética entre
condições econômicas e ideias religiosas e éticas surge determinada sociedade.
No que segue quero lançar o foco sobre a sociedade do antigo Israel. Esta sociedade
passou por muitas transformações nos mil anos entre o surgimento de uma
grandeza Israel e a sua integração no sistema de domínio do império romano.
Estas transformações têm múltiplas causas materiais, que estão vinculadas com
as relações políticas, econômicas, sociais e demográficas. Simultaneamente,
as pessoas do antigo Israel tinham determinadas ideias que abarcavam tanto as
concepções religiosas quanto as concepções sobre a boa convivência social.
Estas ideias influenciaram a transformação social. Mas a transformação social
também modificou as ideias e estas ideias transformadas então novamente
influenciaram as relações sociais. Desta forma surge o processo dialético de
uma relação causal de reciprocidade.
Uma ruptura profunda na história social do antigo Israel pode ser observada no século
VIII a.C. Em meu livro História social do antigo Israel eu chamei isso de “a
formação de uma antiga sociedade de classes” (KESSLER, 2009, p. 136). Na
apresentação a seguir quero perguntar primeiramente em que consiste a trans-
formação nesta época (1). Em termos de história das ideias, esta transformação
teve duas reações principais. A primeira é o surgimento da profecia crítica, da
qual falarei brevemente (2). A segunda reação à crise social é a formação do
que nós conhecemos como a Torá. Com isso eu estou na parte principal de mi-
nha investigação, a qual por sua vez se subdivide em alguns subtópicos (3). Na
parte final levanto a pergunta como esta Torá assim constituída, por seu lado,
influencia as relações sociais e suas transformações (4).

A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM ISRAEL NO SÉCULO VIII A.C.

Um grupo étnico chamado “Israel” é mencionado pela primeira vez na estela do faraó
Mernepta, datada do ano de 1208 a.C. Não sabemos nada mais sobre estas pessoas
a não ser que viviam na região de Canaã e que se diferenciavam sensivelmente

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dos moradores das cidades-estado cananeias. Enquanto que nas estelas as três
cidades cananeias aparecem a determinação para “cidade”, para “Israel” consta
a determinação para grupo étnico. Por fim, a partir do nome pode-se deduzir
que os membros deste grupo cultuam o Deus El como sua divindade principal.
Entre os dois séculos entre 1200 e 1000 a.C. surgiu no sul do Levante uma sociedade
tribal, que se baseava fundamentalmente em relações familiares. As pessoas
viviam nos espaços entre as cidades-estado cananeias. Não há certeza sobre a
questão de onde provêm estas pessoas. Provavelmente se trata de descenden-
tes do grupo de Israel da estela de Mernepta, as quais se relacionaram com
pessoas que haviam abandonado a cidade porque estas se encontravam neste
tempo em situação de crescente declínio. Também membros da camada social
dos hapiru, que existem em toda a região durante todo o segundo milênio no
Oriente Médio Próximo, podem ter se integrado nesta nova sociedade, razão
pela qual mais tarde também se passaram a ser designados de “hebreus”.
Um grupo de hapiru foragido do Egito pode ter trazido consigo o culto ao
Deus Yahweh, o qual se tornou o Deus principal desta sociedade. Tudo isso,
contudo, são especulações, mesmo que sejam bem fundamentadas.
O que nós sabemos a partir da arqueologia é que esta sociedade estava organizada de
forma relativamente igualitária e não hierárquica. As escavações arqueoló-
gicas de aldeias deste período indicam que não havia muros. As casas eram
quase todas do mesmo tamanho. E não existem prédios de destaque, que se
pudesse interpretar como templo, palácio ou prédio administrativo. Tudo
isso indica para a falta de hierarquia ou um poder centralizado. Se mesmo
assim não falo simplesmente de uma sociedade igualitária, mas relativamen-
te igualitária, então faço isso a partir de duas razões. Por um lado, nós não
sabemos nada sobre as relações de poder dentro das famílias. Não sabemos
nada sobre as relações de poder entre homens e mulheres e entre anciãos e
jovens. E devemos partir do pressuposto de que nem todas as famílias tinham
o mesmo poder. Certamente havia famílias mais ricas e mais pobres e, por-
tanto, também mais poderosas e menos poderosas. Parece ser assim que as
diferenças ficaram mais acentuadas ao final desta época.
Em torno do ano 1000 a.C. surgiram, na região destes grupos, os dois estados Israel
e Judá. Isso se dá com várias ações anteriores e em várias etapas. Como
razões podem ser mencionados desenvolvimentos internos – por exemplo:
maior diferenciação social – e fatores externos. Em termos de fatores exter-
nos, deve-se pensar especialmente no avanço dos filisteus, que ocuparam a
planície costeira a partir do século XII. Também o fato de que na região já
existiam estados organizados há muito tempo deve ter facilitado o surgimento
de um estado hebraico.
Ainda assim, os novos estados monárquicos são pouco desenvolvidos. O rei e sua corte

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constituem um grupo social muito reduzido. Sua tarefa principal é a condução
de guerras. Inicialmente, a influência sobre as relações sociais internas é muito
reduzida. Foram necessários um ou dois séculos para desenvolver uma adminis-
tração que abarcasse todo o país. Mais importante é que gradativamente foi se
formando uma classe superior estreitamente vinculada com a casa real. Hoje,
em geral, assume-se que podemos falar de um estado plenamente desenvolvido
somente a partir do século XIX no caso de Israel e do século VIII a.C. no caso
de Judá. Com isso chegamos ao período que aqui nos interessa mais diretamente.
No século VIII a.C. pode-se observar como a sociedade em ambos os reinos de divi-
diu em sociedades de classes. A elite se tornou sempre mais rica e poderosa.
Ela acumulava a posse de terras e mantinha sempre mais gente do povo em
dependência. O mecanismo mais importante era o das relações de crédito e
débito. Quando as famílias campesinas precisam tomar empréstimo e não mais
conseguem pagar o débito, estas caem em relação de dependência para com os
credores. Isso se processa em várias etapas. Ao final está a perda do meio de
produção, portanto, principalmente da terra, e a escravidão por dívidas. Nos
séculos anteriores já havia o fenômeno do endividamento de camponeses. Mas
agora ele adquire uma dimensão de irreversibilidade. “A transformação decisiva
que conduz às relações perceptíveis a partir do século VIII é a passagem
do endividamento ‘normal’ para o endividamento sem retorno” (KESSLER,
2009, p. 145). Simultaneamente se torna claro que a riqueza dos ricos se
baseia na pobreza dos pobres. “Da coexistência de rico e pobre veio a surgir
um contraposto antagônico” (KESSLER, 2009, p. 141).
Esta camada superior que se estabeleceu firmemente no século VIII a.C. estava simulta-
neamente vinculada com a corte. Em Judá isso se evidencia com os casamentos
entre príncipes da corte com mulheres da elite das cidades do interior (cf. 2Rs
12,2; 21,19; 22,1; 23,31.36; 24,18). No caso de Israel pode-se indicar para a
grande coleção de inscrições e cerâmica (óstracos) de Samaria, datados para a
metade do século VIII a.C. Eles evidenciam que membros da elite viviam de
forma passageira ou duradoura na corte, sendo sustentados por suas famílias,
que viviam no interior, por meio de remessas de artigos de luxo como azeite e
vinho.1 A grande massa da população se defrontava, pois, com um duplo adver-
sário, o poder econômico dos ricos em aliança com o poder político do reinado.
É contra esta constelação de poder que se levantou o protesto de alguns profetas.

A CRÍTICA SOCIAL PROFÉTICA COMO REAÇÃO À CRISE

Visto que o destaque de minhas exposições baseia na Torá como reação à transformação
da sociedade, quero resumir brevemente a posição dos profetas. Por detrás da
crítica de Amós pode-se reconhecer que o sistema de crédito é a causa principal

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do empobrecimento dos agricultores livres. A corrupção no sistema legal fez
com que estes desenvolvimentos não fossem corrigidos. E o luxo dos ricos
era criticado pelo fato de ter sido conseguido às custas dos pobres. Assim,
Amós atacou o luxo das mulheres de Samaria que organizavam festanças da
elite, e as caracterizou simultaneamente como quem “pratica violência con-
tra os indefesos” e “oprime os pobres” (Am 4,1). Em Isaías e Miquéias, dois
profetas de Judá, destaca-se o problema do acúmulo de terras. Dois profetas
atacaram os ricos que juntavam as casas e os campos (Is 5,8) e, além disso,
expulsavam os que ali estavam morando. Amós, Isaías e Miquéias atuaram no
século VIII, enquanto que Sofonias, Jeremias e Ezequiel, a partir do final do
século VII e início do século VI. Suas palavras mostram que as relações não
mudaram. Principalmente Sofonias e Jeremias evidenciaram a função negativa
da casa real. Os problemas sociais continuavam sendo o empobrecimento dos
camponeses, o luxo dos ricos à custa dos pobres, a pouca eficácia do sistema
legal e a falta de proteção dos fracos por meio de reis e seus funcionários.
Em primeira linha, os profetas denunciam aqueles que consideram culpados. Anunciam-
-lhes o juízo de Deus.2 Contudo, eles também tem a perspectiva de que o com-
portamento dos fortes e poderosos pode conduzir ao colapso da sociedade como
um todo. Em Miquéias, de acordo com a crítica aos governantes e seus ideólogos,
trata-se de sacerdotes e profetas: “... por vossa causa Sião será lavrada como cam-
po” (Mq 3,12). E Jeremias utilizou a imagem da produção de prata, na qual as
partes ruins são retiradas, a fim de obter uma prata boa. Ele, porém, precisou
afirmar: “os maus não se deixam excluir...” (Jr 6,29). A consequência será que
a transformação da sociedade culminará em sua ruína.
No início da minha exposição eu remeti a Max Weber e sua concepção de uma relação
casual recíproca entre as condições econômicas e as ideias e as normas das
pessoas que vivem na sociedade. Como, no caso, ele concebe isto para os
profetas? Eles partem de quais ideias e normas? Eu considero dois fatores
como sendo muito relevantes. Um fator na mentalidade dos profetas é a con-
cepção do “direito e da justiça“. Ela sempre é apresentada como referência
(Is 5,7; Jr 5,1; Am 5,7; Mq 3,1). Em lugar algum é possível reconhecer que
estes profetas se referiram a um direito codificado. Eles não citaram nenhum
texto legal.
Em termos de conteúdo, aquilo que se chama de “direito” recém fica evidente na experi-
ência da injustiça. Considera-se injustiça quando pessoas se tornam escravas por
causa de dívidas pequenas, quando meninas sofrem abusos sexuais no sistema de
escravidão (exemplos em Am 2,6-7), quando homens perdem sua propriedade e
quando mulheres e crianças são expulsas das casa (exemplos em Mq 2,1-2.9). Em
todo caso, a partir do reverso, pode-se concluir o que seja, então, a concepção de
uma ordem social justa. Trata-se de uma imagem tradicional de camponeses que

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viviam de maneira autônoma no campo, que, em caso de necessidade, contavam
com ajuda solidária, e que, em caso de conflitos, realizavam seu direito no tribunal
e que, em últimos casos, recebiam o apoio do rei. No entanto, este ideal não se
encontra formulado por escrito. Trata-se de um ideal de pano de fundo. Os pro-
fetas não eram reformadores sociais, nem legisladores. Eles criticavam situações
de injustiça de maneira radical e apontavam as consequências para os envolvidos,
também para a sociedade como um todo.
Mais um segundo aspecto é determinante para o mundo das ideias dos profetas. Trata-se
da concepção de que a transformação da sociedade israelita e judaíta não cor-
respondia à vontade de Deus. Os profetas não eram mestres da sabedoria que,
com base na tradição, observação e experiência refletiam sobre como deveria
ser uma vida boa. Os profetas entendiam a si mesmos como mensageiros de
Deus. O que eles criticavam eram os desenvolvimentos que contrariavam a
vontade de Deus.
Nós também encontramos esta concepção geral de direito e justiça, bem como a forte
relação com Deus, nos textos da Torá. O desenvolvimento do direito codifi-
cado é a segunda reação à crise social no século VIII. Aqui, vamos dedicar
atenção a ela.

A FORMAÇÃO DA TORÁ

Faz parte dos conhecimentos gerais da história do direito o fato que o direito recém
deve ser assentado em forma escrita quando uma sociedade passa por trans-
formações e adentra em situação de crise. Em sociedades tradicionais e es-
táveis existe um direito costumeiro, de acordo com o qual se procede. O que
regula a vida é a noção do que é direito e bom. Mas ela permanece no pano
de fundo. Ela não precisa ser fixada por escrito. Ela pode se estabelecer em
narrativas míticas e épicas. Contudo, ali ela apenas apresenta algo como uma
ética implícita. Um exemplo clássico oriundo do mundo antigo são os épicos
de Homero. Eles contêm um ethos nobre implícito que cunha a sociedade
grega pré-clássica.
Se uma tal sociedade se transforma e se as transformações ligadas com isso forem
sentidas como injustas e hostis à vida, então emerge a crítica. No que se refere
a Israel, já me referi aos profetas. Em relação a Grécia, podemos mencionar
Hesíodo, um contemporâneo dos profetas israelitas do período do reinado.
Também ele denunciava, em sua poesia épica do ensino “Obras e Dias“, o
surgimento de relações sociais injustas e a falta de direito. Logo após ele,
então, apareceram homens como Dráco e Solón, legisladores, que codificaram
o até então vigente direito consuetudinário e, além disso, reagiram aos novos
desenvolvimentos sociais.

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Um desenvolvimento bem paralelo também podemos observar em Israel. 3

O CÓDIGO DA ALIANÇA COMO O MAIS ANTIGO CÓDIGO DE DIREITO

Sob o assim chamado Código da Aliança compreende-se a coleção de textos legais


que se encontram no livro de Êxodo, nos capítulos 20-23 (especificamente em
Ex 20,22-23,19). Na discussão exegética existe atualmente um certo consenso
de que o Código da Aliança, por um lado, apresenta a mais antiga coleção de
direito em Israel e que ele, por outro lado, deve ser datado no final do século
VIII ou início do século VII: “O Código da Aliança surgiu nas últimas décadas
do século VIII ou no início do século VII” (CRÜSEMANN, 2002, p. 260).
Ele apresenta uma reação à transformação social da sociedade de Israel no
período avançado do reinado.
Quando uma sociedade se transforma em meio a situação de crise, então todas as
tradições começam a vacilar. Nada mais é óbvio. Por isso, tudo deve ser
mantido. A partir disso é possível esclarecer que, no Código da Aliança, são
regulados ámbitos legais muito distintos. Nós encontramos um direito de
depósito totalmente profano: o que acontece se alguém deposita algo com o
vizinho e isto, mais tarde, não mais existe? Encontramos regras em caso de
assassinato e lesões corporais. Como deveriam ser sancionados ataques contra
os outros? O Código da Aliança, contudo, também contém determinações
acerca da escravidão. Com isto, ele reagiu diretamente ao desenvolvimento
social do século VIII. Repetidamente ele menciona pessoas estrangeiras que
recém se tornam um problema social em Judá no final do século VIII, após a
queda do Reino do Norte Israel. Ele também contém determinações cultuais.
O exegeta espanhol Félix García López (2003) escreve a este respeito:

La disparidad de elementos formales y de contenido ha llevado a muchos


exegetas a pensar que el Código de la Alianza no constituye una unidad
original, sino que es el resultado de un largo proceso de formación. Esto
no impide hablar de una ‘unidad compuesta’ o de una ‘composicíón
unitaria’, como hacen los estudios recientes.

Se observarmos melhor esta composição, então podemos perceber uma moldura


dupla. Leis cultuais e religiosas formam a moldura externa. O Código da
Aliança começa com a proibição de imagens de culto e com o mandamento
acerca do altar (Ex 20,22-26). Ele conclui com a proibição da adoração a
outras divindades e com o calendário das festas religiosas (23,13-19). Esta
é a moldura externa. Leis sociais que reagem diretamente à transformação
social no século VIII formam a moldura interna. No início encontra-se o

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mandamento acerca da escravidão por meio de dívida, de forma geral (Ex
21,2-6), seguido de um caso especial, ou seja, que uma menina foi entregue
para a escravidão por causa de dívida e que seu senhor ou o filho dele podem
tomá-la como esposa (21,7-11). Também nas leis subsequentes acerca de
assassinato e lesões corporais sempre são introduzidas determinações que
tratam de pessoas escravas.
Em termos de tendência, estas leis objetivam a proteção de escravas e escravos. Con-
tudo, elas também consideram os interesses dos senhores. Isto fica muito
evidente no caso em que um senhor espanca seu escravo e este, após alguns
dias, morre. Neste caso, o senhor não recebe castigo. A argumentação para
isto é que, por meio da morte de seu escravo, ele mesmo se prejudicou: “pois
trata-se de seu próprio dinheiro” (Ex 21,21). O escravo não é considerado
pessoa, mas apenas uma força de trabalho:

Formalmente, temos nessas disposições um tipo de direito que salva-


guarda ambos os lados, o dos escravos e o dos senhores, com interesses
diferentes. Mas era um direito que quase não podia e queria evitar os
maus-tratos mais graves (CRÜSEMANN, 2002, p. 220).

As determinações que, no final da moldura interna, devem regular as injustiças sociais


se alinham mais clara e positivamente em favor dos fracos. Um grande bloco
de mandamentos, em Ex 22,20-23,12, protege os estrangeiros, as viúvas e os
órfãos. Com a proibição da cobrança de juros se quer evitar que os devedores
se tornem inadimplentes. A justiça no tribunal deve proteger os fracos de serem
condenados injustamente. A justiça consiste tanto na imparcialidade quanto
também no fato que o “direito dos pobres” não seja violado (SCHWANTES,
1977). Aqui novamente se mostra o desejo de considerar tanto os interesses
de ambos os lados do abismo social quanto também proteger de maneira
especial os pobres e fracos. O final da última parte da moldura interna do
Código da Aliança constitui o mandamento de descansar no sétimo dia. Nele,
expressamente se acolhe “o filho da tua escrava e o estrangeiro” (Ex 23,12).
Com a escrava e seu filho, fecha-se o arco em direção a Ex 21,2-11.
Em torno da moldura interna com suas leis sociais está colocada a moldura externa
que contém as determinações cultuais. Quero tratar disto no próximo ítem.

A assim chamada teologização do direito no Código da Aliança

O Código da Aliança interliga regras que têm caráter puramente profano, como o direito de
depósito e o direito em caso de lesões corporais, com determinações puramente
religiosas, como as que se referem à construção do altar ou ao calendário das

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festas. Já por meio da composição, o direito profano está colocado dentro de uma
moldura religiosa. Nisto, a palavra “moldura” deve ser entendida bem literalmen-
te, porque as mais importantes determinações religiosas cercam as leis sociais.
Contudo, também em outras partes, nas determinações, sempre de novo se fala de
Deus. Um escravo que, após o tempo de servidão a seu senhor, quer per-
manecer para sempre com ele, deve ser conduzido por meio de rito “diante
de Deus” e ritualmente ser incluído na casa do seu senhor (Ex 21,6). Caso
acontecer uma briga por causa de um bem depositado, a pessoa que guardou
aquele bem deve colocar-se “diante de Deus” e jurar a sua inocência (22,7-
8). Algo semelhante também acontece por ocasião da custódia de um animal
doméstico (22,10). Particularmente notável é como a moldura externa das leis
sociais está envolta e perpassada por determinações religiosas. Na frente das
leis sociais consta: “Quem sacrifica aos deuses e não apenas a Yahweh será
consagrado para a destruição” (22,19). No meio das leis consta: “Não deves
injuriar Deus...” (22,27). E no final se afirma: “... Não deveis pronunciar o
nome de outros deuses” (23,13). Tem-se a impressão de que as determinações
sociais em prol dos fracos devem ser garantidas de todos os lados por meio
da confissão da adoração única do Deus de Israel.
No contexto destas afirmações teológicas, no Código da Aliança sempre de novo
se fala de uma “teologização do direito” (CRÜSEMANN, 2002, p. 272; cf.
SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, 1990, p. 417; ALBERTZ, 1992, p.
286). Esta expressão é mal-entendida no sentido que poderia despertar a im-
pressão de que, na Antiguidade, existia um direito que estivesse totalmente
desvinculado da esfera das divindades e tivesse um caráter puramente profano
e que recém então, num desenvolvimento posterior, teria sido ‚teologizado‘.
Considero isto muito improvável. Sempre se aceitou que o direito, também o
direito consuetudinário, refletisse a vontade dos deuses e que os deuses, por
isto, também garantiam o direito. O próprio juramento, que no direito antigo
assume uma função muito maior do que hoje, já é sempre um juramento feito
diante de determinadas divindades que teriam de sancionar esse juramento.
Nesse sentido, não existe um direito “não-teológico”.
Mesmo assim, a afirmação da “teologização do direito” se refere a algo correto. Aquilo
que no direito consuetudinário é pressuposto implicitamente, torna-se agora
explícito e no Código da Aliança torna-se, para nós, evidentemente concreto
pela primeira vez. É o Deus de Israel que quer o direito, e o protege. Por isto
a adoração deste Deus faz parte do corpus legal. Também poderíamos dizer:
O antigo direito consuetudinário tinha uma fraca referência a Deus. Agora,
ele é substituído por uma forte referência a Deus.
Para mim este pensamento é importante, porque aqui eu percebo uma clara analogia em
relação à atuação dos profetas. Também eles vinculavam a sua crítica às injus-

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tiças sociais expressamente com a referência à vontade de Deus. Os profetas
eram os seus arautos. Em nome de Deus eles criticavam as relações injustas.
Eles anunciavam o castigo de Deus para os ofensores. Sua referência a Deus era
forte e explícita. E é justamente esta forte e explícita referência a Deus que os
legisladores assumiram, cuja obra encontramos no Código da Aliança.
Portanto, não podemos falar somente em termos formais que, na crítica profética e na
formação do direito codificado, temos diante de nós duas reações à transfor-
mação da sociedade de Israel no século VIII. Também no que diz respeito ao
conteúdo, estas duas reações igualmente andam na mesma direção. Ambas
se orientam pela ideia da justiça que é sobretudo uma justiça que protege os
pobres e os fracos. E ambas fundamentam sua reivindicação por justiça com
uma forte referência a Deus.

DO CÓDIGO DA ALIANÇA PARA O DEUTERONÔMIO

Praticamente não temos nenhuma informação sobre como as relações sociais em Judá
se desenvolveram após o fim do Estado de Israel, no ano 722 a.C. O fato
de que também os profetas do final do século VII ainda criticam injustiças
sociais é um indício para o fato de que nem a crítica social dos profetas mais
antigos nem a formulação do Código da Aliança tivessem transformado as
relações para melhor. Por isto também não é de se estranhar que, no século
VII, foi realizada uma revisão do Código da Aliança. Ela se encontra no
Livro do Deuteronômio. 4
Eu seleciono apenas três rápidos exemplos para ilustrar no que consiste a revisão do
Código da Aliança por meio do Deuteronômio. No primeiro exemplo, uma
instituição agrária ancorada no Código da Aliança torna-se uma determinação
que trata diretamente do problema da dívida desproporcional. Em Ex 23,10-
11 trata-se de um pousio agrário dos campos que deve acontecer a cada sete
anos. Provavelmente isto é pensado assim que os campos não são plantados
de maneira rotativa, de forma que simultaneamente sempre permanece em
pousio uma sétima parte do total da área cultivável. No hebraico encontramos
a raiz šamat para o pousio. Dt 15,1-11 assume o ritmo dos sete anos e a raiz
šamat. Disto, contudo, ele cria um perdão de dívidas que deve acontecer a cada
sete anos, e exatamente num período igual para todos. Desta forma, o endivida-
mento dos agricultores deve ser restringido. Com isto, o camponês endividado
deve contar com o fato de que, no mais tardar em sete anos, ele pode contar
com a chance de recomeçar.
No segundo exemplo, a revisão não consiste na mudança de uma instituição agrária numa
instituição econômica de crédito, mas na complementação ou na evidenciação
de uma lei em vigor. Duas leis estão interligadas em Ex 21,2-11. A primeira,

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nos versículos 2-6, trata da libertação de escravos homens depois de seis anos de
serviço; a segunda, nos versículos 7-11, trata da escravidão de dívida de mulheres
jovens que são desposadas por seu senhor ou o filho daquele. Não fica claro se
a primeira lei também vale para mulheres no caso de elas não serem desposadas
no período de sua escravidão de dívidas, ou se basicamente as mulheres devem
ser tratadas de maneira diferente dos homens. Em todo caso, aqui Dt 15,12-18
elucida que tanto homens quanto também mulheres devem ser libertos após seis
anos de serviço. Isto é expresso logo na primeira frase, de maneira inconfundível:
“Se teu irmão, um hebreu ou uma hebréia, se vende para ti, então ele(a) deve te
servir durante seis anos, mas no sétimo ano tu deves libertá-lo(a)” (Dt 15,12).
O terceiro exemplo não tem nenhum paralelo no Código da Aliança. Trata-se da
determinação de que ao diarista deve ser pago o seu salário ainda na noite
do mesmo dia (Dt 24,14-15). É óbvio que o trabalho diário ainda não era
um problema social geral no tempo em que o Código da Aliança foi com-
posto. Com o processo de empobrecimento, porém, sempre mais pessoas se
viam na situação de que não mais possuíam um meio de produção próprio
e tinham que vender sua força de trabalho como diaristas. Isto fez com que
se tivesse de encontrar uma regulamentação também para isto. E aqui, os
compositores do Deuteronômio registraram a mais importante necessidade
de um diarista, qual seja, a necessidade do salário do qual ele e sua família
precisam viver. No mínimo o salário tem que lhe estar garantido, também
quando, no mais, ele vive constantemente na precária situação de não en-
contrar trabalho. 5
No todo, do Código da Aliança o Deuteronômio assumiu a forte referência a Deus e
a intensificou. Também para isto quero apresentar três exemplos. O primeiro
se encontra na moldura (interna) do Deuteronômio. Aqui, Deus é apostrofado
como “o Deus dos deuses e senhor dos senhores” e simultaneamente como
aquele “que realiza o direito dos órfãos e das viúvas e ama os estrangeiros,
de modo que lhes dá pão e vestimenta” (Dt 10,17-18). Disto se deduz dire-
tamente: “Também vós deveis amar o estrangeiro...” (10,19). Enquanto que,
no Código da Aliança, a referência a Deus apenas era apresentada por meio
de moldura e composição, no Deuteronômio, a dedicação em prol dos pobres
foi compreendida como uma espécie de imitatio Dei.
A frase de Dt 10,19 tem uma continuidade que, como segundo exemplo, pode servir
para o fortalecimento da referência a Deus: “Também vós deveis amar o es-
trangeiro; pois vós mesmos fostes estrangeiros na terra do Egito“. Leis sociais
foram fundamentadas em numerosas passagens com a referência à própria
experiência de Israel no Egito. Nisto, na memória coletiva, este tempo pode
ser chamado como um tempo de peregrinação, como na passagem citada
(10,19), mas também como tempo de escravidão (5,15; 15,15; 24,18.22).

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Contudo, trata-se sempre do tempo que, por meio da ação libertadora de
Deus, torna-se passado e nunca mais deve se tornar presente.
Finalmente, como terceiro exemplo, devemos mencionar a teologia deuteronômica da
bênção. O Deuteronômio se dirigiu aos camponeses israelitas livres. Estes
receberam de Deus a bênção. Esta bênção, porém, só podia ter continui-
dade caso estivesse interligada com a justiça social. Assim, acontece uma
circularidade de bênção, justiça social e renovada bênção. Isto é totalmente
expresso na lei acerca da libertação de mulheres e homens após seis anos de
serviço, os(as) quais haviam se tornarado escravos(as) por causa de dívidas. O
senhor deve conceder aos escravas e escravos libertos um crédito “com o qual
Jahweh, teu Deus, te abençoou” (Dt 15,14). Se ele, assim, realizar um ato de
justiça social, então “Jahweh, teu Deus, te abençoará em tudo que fazes” (15,18).
A bênção retorna e novamente conclama à prática da justiça. 6
No Deuteronômio, um conceito de Israel que ainda faltava totalmente no Código da
Aliança corresponde à referência a Deus. Para o Deuteronômio, Israel é um
povo de irmãos – e como vimos, dos irmãos também fazem parte as irmãs.
Todos(as) israelitas são irmãs e irmãos, desde os escravos e escravas (15,12)
até o rei (17,15.20). Não é a propriedade nem a posição social que decidem
a respeito do pertencimento ao povo de Deus. Trata-se apenas da concepção
– fictiva – de que todos(as) descendem do mesmo ancestral, qual seja, Jacó.
De forma muito mais abrangente que o Código da Aliança, o Deuteronômio ofereceu
uma resposta à transformação da sociedade de Israel no período tardio do
reinado. Uma série de leis deveria evitar que a sociedade continuasse se di-
vidindo em ricos proprietários de terra e pobres diaristas e escravos(as). Para
isto existe principalmente o perdão de dívidas que deve acontecer regularmente
(Dt 15,1-11). Contudo, também a proibição de cobrar juros (23,20-21) e a
proibição de tomar determinadas coisas como penhor de dívida (24,6.17-18)
se tornam efetivas nesta direção. Outras determinações deviam melhorar a
condição das camadas baixas da sociedade. Delas fazem parte a consagração
do dízimo como imposto para os pobres, realizado a cada terceiro ano (Dt
14,28-29), a libertação de escravas e escravos após seis anos (15,12-18), a
proibição de entregar um escravo fugitivo de volta a seu senhor (23,16-17),
entre muitas outras.
A utopia do Deuteronômio é que em Israel não mais haverá pobres, caso todos estes
mandamentos forem observados (Dt 15,4-6). O ideal é uma ‚sociedade sem
grupos marginais‘ (LOHFINK, 1990). Contudo, o Deuteronômio é realista
o suficiente, de modo a logo acrescentar no próximo item: “sempre haverá
pobres na terra...” (15,11).
Com isto, chegamos à questão em que medida as ideias desenvolvidas no Código da
Aliança e no Deuteronômio tiveram repercussão na história social de Israel.

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A TORÁ E A REALIDADE SOCIAL

Retomo mais uma vez Max Weber e sua concepção de uma relação casual recíproca.
Eu quis mostrar como o Código da Aliança e mais ainda o Deuteronômio, por
um lado, são definidos pelas condições econômicas da sociedade israelita na
medida em que eles reagem à transformação da sociedade. Por outro lado,
contudo, também eles estão cunhados por determinados conceitos ideológi-
cos. Aqui, eu principalmente destaquei a concepção de direito e justiça e a
forte referência a Deus que simultaneamente interliga o código legal com
a profecia crítico-social. Permanece a pergunta se, por seu lado, a Torá que
estava em formação também teve uma repercussão no desenvolvimento social.
Esta pergunta não é fácil de ser respondida. Faltam-nos muitas informações. Em caso
algum podemos pressupor que o Código da Aliança, o Deuteronômio ou as Leis
Sacerdotais que se acrescentaram mais tarde, especialmente a Lei da Santidade,
em Lv 17-26, simplesmente tivessem sido transpostos em realidade social. Tam-
bém hoje não podemos dizer que, em qualquer nação, os ideais da constituição
ou de leis isoladas correspondam à realidade. Contudo, também seria falso se,
ao revés, pensássemos que a Tora que estava em formação não tivesse tido ne-
nhuma influência sobre a realidade social. É provável que devamos conceber o
todo como um processo de muita longa duração. No transcorrer deste processo,
alguns pontos isolados foram realizados, outros não, e ainda outros era discutíveis
em sua interpretação.
Novamente para isto eu ofereço três exemplos. O primeiro é o mandamento do descanso
no sábado, que expressamente inclui o descanso das escravas e dos escravos.
Aqui podemos estar certos de que o sábado foi preservado no judaísmo do
tempo pós-exílico. O que demonstra isto não é apenas a incompreensão dos
escritores antigos não-judeus, por exemplo, de Tácito (Historia 5,4), para o
qual o sábado é expressão da preguiça dos judeus. Podemos remeter também
para um papiro econômico oriundo do Egito do século III a.C. Nele estão
registradas entregas de telhas de um comerciante judeu para um projeto de
construção egípcio. Diariamente são transportadas em torno de mil telhas.
No sétimo dia, contudo, somente existe o “sábado” (KESSLER, 2009, p.
236). Em todo caso, as discussões de Jesus com seus parceiros de diálogo
judeus (Mt 12,1-8.9-14, entre outros), mostram que a práxis concreta do sá-
bado sempre foi uma questão de interpretação da Torá – como acontece no
Judaísmo até os dias de hoje.
Como segundo exemplo, menciono o perdão de dívidas, reivindicado a cada sétimo
ano. Com certeza ele era praticado no século I d.C. Uma de suas consequên-
cias foi que, bem perto do ano jubilar, praticamente não mais existia crédito.
Visto que isto provoca um sério problema social, o rabino Hillel permite o

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assim chamado prosbul – ignorar o perdão na medida em que, no ano jubilar,
o título da dívida fosse colocado como depósito num tribunal e, depois, a
dívida voltasse a existir. Indiretamente tal medida mostra que o próprio ano
jubilar era inviolável.
Não é possível, aqui, investigar em detalhes quais outras determinações da Torá foram
implementadas na época persa, helenística e romana, e quais não. Por isto,
como terceiro exemplo, não vamos nos reportar a uma determinação isolada,
mas à concepção deuteronômica, de acordo com a qual todos(as) israelitas
são irmãs e irmãos. Quando, na época da dominação selêucida, no século
II a.C., foi feita a tentativa de introduzir a constituição de uma cidade hele-
nística em Jerusalém (2Mac 4,9), isto foi um dos motivos que culminou na
insurreição dos macabeus. Pois com a constituição da cidade, a Torá, com
sua reivindicação ético-social, seria substituída. Os direitos dos cidadãos na
polis não mais estariam vinculados com a descendência, mas com a inserção
na lista de cidadõs, e provavelmente dependeria das relações econômicas de
poder (KESSLER, 2009, p. 227-8).
Independente de quanto chegou a se tornar realidade, com a Torá o judaísmo, o
cristianismo e a humanidade têm um documento que surgiu como reação à
transformação da sociedade israelita em direção a uma sociedade de classes.
Este documento atuava na contramão deste desenvolvimento, regulando o
mesmo e minimizando as suas piores consequências. É inteligente tomar
este documento como conselheiro também nas confrontações com as trans-
formações sociais atuais.

THE TORAH AS A REACTION TO THE SOCIAL TRANSFORMATION


OF ISRAELI SOCIETY FROM THE EIGHTH CENTURY BC
Abstract: only in conjunction dialectic between economic conditions and religious
and ethical ideas arises given society. Our focus is the society of ancient Is-
rael. This company has gone through many transformations in the thousand
years between the emergence of a magnitude Israel and its integration in the
system domain of the Roman Empire. These transformations have multiple
causes materials, which are linked with the political, economic, social and
demographic. But social change also modified the ideas and these ideas then
transformed again influenced social relations. Thus arises the dialectical
process of a causal relationship of reciprocity.
Keywords: Torah. Social transformation. Israel. The eighth century.

Notas
1 A respeito desta interpretação, veja Niemann (1993, p. 83-85).
2 Para a análise de Amós, veja os estudos abrangentes de Fleischer (1989) e Reimer (1992).

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3 Na apresentação desta temática, baseio-me principalmente em Crüsemann (2002).
4 Acerca da relação do Deuteronômio com o Livro da aliança, veja Otto (1994, p. 179-180).
5 Acerca do trabalho diarista e seu tratamento no Deuteronômio, veja Kessler (2011).
6 Acerca da teologia deuteronômica da bênção, veja Crüsemann (2003).

Referências

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