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Bruno Mattos e Silva

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DIREITO ECONÔMICO PARA CONCURSOS Bruno Mattos e Silva
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INDICAÇÃO

Este livro foi escrito para estudantes de concursos públicos que desejam
estudar e realmente aprender a disciplina direito econômico.

Não é uma tarefa fácil, especialmente considerando que, ao contrário das


demais disciplinas jurídicas, o conceito, a autonomia e a abrangência do direito econômico
ainda apresentam controvérsias na doutrina.

O autor optou por seguir e explicitar, sempre quando possível, a doutrina


pacifica ou majoritária, a jurisprudência dos tribunais, e respostas consideradas corretas
em concursos públicos, evitando dar unicamente sua posição pessoal a respeito de cada
questão.

Ao longo e como parte do texto do livro, há respostas e assertivas que


foram objeto de provas de concurso público, de modo que se possa ver, de forma
atualizada, como certas questões estão sendo apreciadas pelas bancas examinadoras.

SOBRE O AUTOR

BRUNO MATTOS E SILVA é Bacharel em Direito pela USP, professor


universitário, advogado em Brasília (DF) e Consultor Legislativo do Senado Federal. Foi
Procurador-chefe do INSS nos tribunais superiores, Procurador Federal da CVM e
Assessor Especial do Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. É autor dos
livros “Compra de imóveis: aspectos jurídicos, cautelas devidas, análise de riscos” e
“Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário”, ambos publicados pela Editora
Atlas.
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SUMÁRIO

NOTA DO AUTOR

CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO AO DIREITO ECONÔMICO


1.Definição de direito econômico.
1.1.Conceito de atividade econômica
2.Conteúdo, objeto e abrangência do direito econômico. Autonomia científica do
direito econômico.
3.A ordem econômica constitucional.
3.1.A ordem econômica na Constituição Federal de 1988

CAPÍTULO II - AÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA


1.O Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica.
2.O Estado prestador de serviços públicos.
3.Atividade econômica exercida pelo Estado.
3.1.O Estado e as empresas estatais.
4.Conclusões a respeito do regime da ação estatal.

CAPÍTULO III - DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA


1.Repressão às infrações à ordem econômica. Lei nº 8.884/94.
1.1. O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a SDE -Secretaria de
Direito Econômico.
2. Âmbito territorial de aplicação da Lei nº 8.884/94.
3.Infrações à ordem econômica
4.Fusão, incorporação e demais atos de concentração de empresas

BIBLIOGRAFIA
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NOTA DO AUTOR

O trabalho está dividido da seguinte forma:

O Capítulo I faz uma análise geral do tema central proposto, define o que
é atividade econômica, qual o objeto e abrangência do direito econômico e descreve as
opções políticas que o Estado pode tomar na condução dessa atuação, materializadas na
Constituição.

O Capítulo II descreve as ações estatais na economia., que tratando da


normatização da atividade econômica, da prestação dos serviços públicos e do exercício
da atividade econômica em sentido estrito pelo Estado, seja diretamente, seja por meio de
empresas estatais.

O Capítulo III trata do regime jurídico das ações realizadas pelo Estado na
defesa da ordem econômica, em especial da proteção do mercado, dado que a ordem
econômica brasileira e mundial está baseada na livre iniciativa. Descreve as infrações à
ordem econômica, trata da legislação antitruste, dos órgãos estatais responsáveis pela
proteção do mercado e da concorrência e dos limites estabelecidos às ações dos
particulares para que esses objetivos sejam atingidos.
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CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO AO DIREITO ECONÔMICO

1.1.Definição de direito econômico.

O Estado atua na economia, seja exercendo diretamente atividade


econômica, seja como agente regulador da atividade econômica. O regime jurídico dessa
atuação tem sido chamado de direito econômico.

Assim, o estudo do direito econômico consiste na análise, sob o aspecto


jurídico, dos atos realizados pelo Estado que repercutem diretamente na economia.
Devemos enfocar a abrangência desse regime jurídico (direito econômico), o objeto da
ação estatal na economia, a ordem econômica estabelecida pela Constituição Federal e
os meios utilizados pelo Estado para a proteção dessa ordem econômica.

Como pressuposto óbvio para estudo do direito econômico, é preciso


definir o que é atividade econômica, pois, como vimos acima, o direito econômico é a
parte da ciência jurídica que estuda a ação estatal na economia. É o que veremos no
subitem seguinte.

No que se refere à análise regime jurídico da atuação estatal propriamente


dita, o ponto de partida é a verificação dos modos pelos quais Estado pode atuar na
economia. Iremos descrever quais são essas ações, classificando-as de uma forma
didática.

Analisando o presente, o passado recente e o passado distante,


percebemos que a ação do Estado tomou diferentes formas e conteúdos, com diferentes
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matizes, mas sempre objetivando o desenvolvimento da atividade econômica e dos meios


de produção.

Por exemplo, em Atenas, havia a regra de que dois terços de todo o


carregamento de trigo deveria ser vendido na cidade.1 Em Roma, durante certo tempo não
houve freio algum contra a usura, mas Constantino se viu obrigado em momento posterior
a abolir as antigas leis e a fixar a taxa de juros legítima em 100%.2

Mais recentemente, podemos citar a criação da URV – Unidade Real de


Valor e das demais medidas de direcionamento da economia, materializadas no famoso
“Plano Real”, durante o Governo de Itamar Franco, por meio das Medidas Provisórias nºs
434, de 27/02/1994, e 1.053, de 30/06/95, reeditadas e posteriormente convertidas nas
Leis nºs 8.880, de 27/05/1994, e 10.192, de 14/2/2001.

O Estado pode até mesmo ser agente da atividade econômica, seja


diretamente, seja mediante a criação de empresas que exercerão a atividade econômica.

Optamos por classificar em três as formas de ação estatal na economia:


normatização, prestação dos serviços públicos e exercício de atividade econômica em
sentido estrito.

Veremos o que deve e o que não deve ser considerado atividade própria
do Estado, bem como iremos analisar as ações estatais com o escopo de proteção do
mercado. Depois de ver que elas podem ser regulatórias, prestadoras de serviços
considerados públicos e até mesmo de exercício de atividade econômica propriamente
dita, veremos como essas ações podem ser direcionadas para a proteção do mercado.

1
CORREA, Alexandre Augusto de Castro. “Existiu, em Roma, direito comercial?”. In Revista da faculdade de direito
da universidade de São Paulo, v. 65, 1970, p. 68. FERRAZ, Manoel Martins de Figueiredo. “Aspectos jurídicos do
comércio na Grécia antiga”. In Revista de direito civil, imobiliário, agrário e empresarial, v. 12, nº 44, abr./jun. 1988, p.
160-171.
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Dentro da ordem política vigente, cabe à livre iniciativa o papel


preponderante no exercício da atividade econômica. Coerente com esse postulado, cabe
ao Estado a defesa da livre iniciativa, de modo a evitar que alguns grupos possam se
apropriar de forma desordenada ou inadequada do espaço econômico, ou até mesmo
prejudicar a atividade econômica e o interesse público mediante atos nocivos ou hostis.
Assim, veremos como está regulada a ação estatal na defesa do mercado.

1.1.1.Conceito de atividade econômica.

Antes de definir o que é atividade econômica, é preciso definir o que é


atividade.

Em sentido amplo, atividade é qualquer ação. Em termos mais estritos,


atividade é uma série de atos concatenados, dirigidos a uma finalidade.3

Essa finalidade poderá ser econômica ou não.

Assim, atividade econômica é qualquer atividade produtora de riquezas,


que se opera por meio de transformação de produtos já existentes para a criação de
produtos novos (à luz das ciências exatas, “nada se cria, tudo se transforma”). Ou seja,
atividade econômica é a atividade criadora de riqueza ou de nova vantagem econômica.4
Atividade econômica compreende tudo aquilo que possa ser objeto de especulação
lucrativa.5

2
BOCCARDO, Jeronimo. Historia del comercio, de la industria y de la economia política. Buenos Aires: Impulso,
1942, p. 71.
3
SZTAJN, Raquel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2003, p. 92.
4
COTTINO, Gastone. Diritto commerciale. v. 1. Padova: CEDAM, 1976, p. 69.
5
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 138.
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É necessário que a atividade econômica seja exercida com intuito de


lucro?

Lucro, que é a remuneração do exercente de atividade econômica,


consiste na diferença entre os resultados e os custos da atividade. Os lucros poderão, em
cada caso concreto, existir ou não. Existirão lucros se essa diferença for positiva; se for
negativa, existirão prejuízos ou perdas. A atividade econômica, abstratamente
considerada, é uma atividade que potencialmente é geradora de lucros ou de perdas.6

A doutrina tradicional considera que o objetivo da atividade econômica


deveria ser o de lucro para fins de caracterização, sob o aspecto jurídico, como atividade
empresária, pois se a atividade é profissional, tem-se implícito que é exercida com ânimo
de lucro,7 bem como atividade econômica, por sua índole, seria necessariamente uma
atividade de lucro.8

Por outro lado, também já se afirmou que a atividade econômica é


suscetível de gerar lucros, ainda que ele não ocorra por razões de mercado, de má
avaliação do empresário etc,9 ou mesmo nos casos em que isso ocorre por uma escolha
do agente da atividade econômica, como é o caso da empresa pública, que poderá ou não
gerar lucros.10 O intuito de lucro, portanto, seria um elemento natural, mas não essencial
como motivo da atividade econômica.11

6
Vide, a respeito da diferença entre fins lucrativos e fins econômicos: SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa:
teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 46, 47, 56, 57, 197, 200 e 201.
7
MARCONDES, Sylvio. Questões de direito mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 11. ASCARELLI, Túlio.
Iniciación al estudio del derecho mercantil. Traduzido para o espanhol por Evello Verdera y Tuells. Barcelona: Bosch,
1964, p. 172-173.
8
MESSINEO, Francesco. Manual de derecho civil y comercial. Traduzido para o espanhol por Santiago Sentis
Melendo. Tomo II. Buenos Aires: EJEA, 1954-1956, p. 201.
9
CORSI, Francesco. Diritto dell’impresa. 2. ed. Milão: Giuffrè, 2003, p. 28.
10
RIVA-SANSEVERINO, Luisa. Disciplina delle attività professionali: impresa in generale. Bologna: N. Zanichelli;
Roma: Foro Italiano, 1977, p. 134. CORSI, Francesco. Diritto dell’impresa. 2. ed. Milão: Giuffrè, 2003, p. 28.
11
ASQUINI, Alberto. “Perfis da empresa”. In Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro.
Traduzido por Fábio Konder Comparato do artigo “Profili dell’impresa”, publicado em 1943 na Rivista del Diritto
Commerciale, v. 41, I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Nº 104, outubro-dezembro de 1996, p. 116.
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O Estado, por exemplo, pode criar uma empresa pública para exercer
alguma atividade econômica com um objetivo que não seja o de gerar lucros para si, mas
beneficiar a economia do país como um todo. Essa atividade é econômica? Evidente que
sim, pois ela é potencialmente lucrativa, ainda que, por uma opção política, ela não o seja
no caso concreto.12

Diante de tudo isso, parece ser mais adequado perceber que a atividade
econômica deve ser abstratamente passível de gerar lucro, o que explicaria as hipóteses
em que uma pessoa jurídica13 exerce atividade econômica organizada sem ânimo de obter
lucro, mas apenas para exercer um fim social (ex. uma empresa estatal deficitária ou uma
cooperativa). A questão é controvertida na doutrina.14

As atividades econômicas poderão ser consideradas como serviço público


ou não, conforme opção política do legislador. A parcela da atividade econômica que não
é considerada serviço público constitui a chamada atividade econômica em sentido
estrito.15 Ou seja, partindo de uma noção ampla de atividade econômica – tudo aquilo que
é potencialmente lucrativo – podemos fazer uma divisão entre a atividade econômica que
está no campo de ação dos particulares (atividade econômica em sentido estrito) e a que
está no campo de ação do Estado (serviço público).

Contudo, o Estado também poderá explorar atividade econômica em


sentido estrito (que poderá ser efetivamente lucrativa ou não), nos limites

12
“Che l’impresa pubblica non produca utili è conseguenza di uma scelta gestionale e política, non del carattere
dell’attività.” (CORSI, Francesco. Diritto dell’impresa. 2. ed. Milão: Giuffrè, 2003, p. 28).
13
Para mais informações a respeito da teoria da pessoa jurídica, da personificação e da desconsideração da
personalidade jurídica, vide: Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo:
Atlas, 2007, p. 179-255.
14
GALGANO, Francesco.Trattado di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’economia. V. 2. Padova: CEDAM,
1978, p. 55-56. AULETTA, Giuseppe. SALANITRO, Niccolò. Diritto commerciale. 11. ed. Milano: Dott. A. Giuffrè
Editore, 1998, p. 16.
15
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 132.
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constitucionais,16 assim como o particular poderá prestar serviço público, seja nas
hipóteses em que essa prestação é livre (ex. hospitais, escolas),17 seja por concessão,
nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.18 E tanto é assim que o art. 175
da Constituição Federal,19 que se refere à prestação de serviços públicos, encontra-se no
Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira. Não se deve confundir, ademais,
atividades econômicas (em sentido estrito) que, embora não sejam consideradas serviço
público, dependem de autorização estatal (ex. atividade bancária, nos termos da Lei nº
4.595, de 31 de dezembro de 1964).

Em resumo, atividade econômica é qualquer atividade produtora de


riquezas, que se opera por meio de transformação de produtos já existentes para a
criação de produtos novos. O conceito de atividade econômica prescinde da existência
real ou mesmo do ânimo de lucro, mas a atividade deve ser teoricamente passível de
gerar lucro. A parcela da atividade econômica que não é considerada serviço público
constitui a chamada atividade econômica em sentido estrito. 20

1.2.Conteúdo, objeto e abrangência do direito econômico. O direito


econômico como ramo autônomo do direito.

A atuação estatal na econômica não é arbitrária, não podendo ser feita ao


talante do governante. Ao contrário, há regência por normas jurídicas, criadas pelo próprio

16
Diz o caput do art. 173 da Constituição Federal: "Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será admitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei."
17
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15a. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 628.
18
SILVA, Bruno Mattos e. Direito administrativo para concursos. Brasília: Fortium, 2005, p. 66-68.
19
“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas
concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem
como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III -
política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado.”
20
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 46, 47,
56, 57, 197, 200 e 201.
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Estado, que vinculam a Administração Pública como um todo. O conjunto de princípios e


regras que rege a atuação do Estado na economia é chamado de Direito Econômico.

É intuitivo que cabe ao Estado regular relações privadas com conteúdo


econômico. Pretende-se aqui discutir quais outras ações exercidas pelo Estado não se
caracterizam como simples normas de direito privado.

Assim, regras relativas ao fomento estatal da atividade econômica, à


criação de uma situação favorável à atividade econômica, à proteção da concorrência e do
mercado, entre outras, não parecem ser singelamente normas de direito privado. Com
efeito, as normas dessas ações fazem parte do que passou a se chamar de direito
econômico.

O direito econômico pode estar constitucionalizado, isto é, pode ter seus


princípios básicos contidos na Constituição. É o que ocorreu, no Brasil, a partir da
Constituição de 1934, como veremos adiante.

Qual o objeto do direito econômico?

Dizer que o direito econômico é um direito da economia, embora tenha um


fundo de verdade, não delimita seus exatos limites, uma vez que o direito civil e,
principalmente, o direito comercial, regem relações jurídicas de caráter econômico. Aliás,
até mesmo o direito administrativo e o direito do trabalho podem ter normas com conteúdo
econômico!
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Assim, é errado dizer que "A existência de um conteúdo econômico na


norma é suficiente para transformá-la em norma de direito econômico, não sendo
necessário que essa norma seja reguladora de uma política econômica".21

A diferença fundamental entre norma de direito econômico e conteúdo


econômico da norma consiste no caráter norteador das normas de direito econômico, que
materializam objetivos de política econômica.22

Já se afirmou que o direito econômico regeria relações econômicas.


Durante o período soviético, uma corrente doutrinária sustentou que o direito econômico
regeria não apenas a direção da atividade econômica pelo Estado, mas também as
relações econômicas entre os diversos agentes econômicos.23 Visto desse modo, o objeto
do direito econômico seria por demais amplo.

Dando uma abrangência muito menor, já se afirmou que o direito


econômico trata do "planejamento da economia nacional".24

Visto sob o ângulo objetivo, direito econômico consiste na positivação das


opções de políticas econômicas estabelecidas pelo Estado. Essas opções, evidentemente,
são as consagradas pela síntese das forças dominantes, que controlam o Estado. Nesse
sentido, o direito econômico seria “uma espécie de ordenamento constitucional da
economia, no qual se situariam os princípios básicos que devem reger as instituições
econômicas”.25 Assim, o objeto do direito econômico seria um pouco mais amplo, pois
além de tratar do planejamento, trata também da ação estatal. Daí o caráter instrumental
do direito econômico.

21
Afirmativa constante da questão nº 58 (2), considerada errada pelo gabarito oficial, da prova realizada pelo CESPE
em 3/3/2002 relativa ao Concurso Público para provimento do cargo de Consultor Legislativo do Senado Federal - Área
5 - Direito Comercial e Econômico
22
NUSDEO, Fábio. Curso de economia. Introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 206-207.
23
LAPTEV, V. Derecho economico. Trad. para o espanhol por Rene Gomez Manzano. Moscou: Progresso, 1988. p. 42.
24
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1991, p. 137.
25
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 462.
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O objeto e limites do direito econômico ficará mais claro nos tópicos


seguintes, mas desde logo podemos dizer que o objeto do direito econômico é a política
econômica.

Visto sob o ângulo objetivo, o direito econômico é o “conjunto das técnicas


jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política
econômica. Ele constitui assim a disciplina normativa da ação estatal sobre as estruturas
do sistema econômico, seja este centralizado ou descentralizado”.26

A finalidade de realização da política econômica do Estado é uma marca


do direito econômico. Nisso consiste seu caráter instrumental, que no plano do direito
constitucional faz parte da noção consagrada de constituição dirigente.

Além dos princípios da ordem econômica positivados na Constituição


Federal, o direito econômico, em si, tem princípios próprios.

Existe um critério difundido na literatura jurídica no sentido de que cada


ramo do direito possui princípios próprios. Assim, por exemplo, para o direito civil e
também no direito comercial são aplicáveis o princípio de igualdade entre as partes; já no
direito administrativo é aplicável o princípio de supremacia do ente público (estatal) sobre
o particular.

No direito econômico podemos perceber que ambos os princípios são


aplicáveis, dependendo da situação concreta. Ao longo deste livro isto ficará evidente.

O direito econômico não é um direito que protege precipuamente o


interesse privado, tal como ocorre com o direito civil e o direito comercial. Muito ao revés,
os interesses protegidos pelo direito econômico são direitos da coletividade.

26
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 465.
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O direito civil e o direito comercial, na maior parte das vezes, tratam de


direitos disponíveis; já o direito econômico versa, na maior parte dos casos, de direitos
indisponíveis. É claro que o direito civil e o direito comercial têm também como objeto a
proteção de valores sociais que são benéficos para a sociedade como um todo; contudo,
eles protegem diretamente o interesse dos particulares, tendo sua função social
exatamente por protegerem esses interesses privados, já que é de interesse da
coletividade a proteção dos indivíduos também na condição de indivíduos, parte da
sociedade. O mesmo não ocorre com o direito econômico, pois a proteção da saúde da
economia beneficia diretamente a coletividade e, por via de conseqüência, indiretamente,
os indivíduos.

De um modo geral, as relações jurídicas de caráter horizontal são objeto


do direito civil ou do direito comercial. São de caráter horizontal as relações jurídicas em
que as partes estão em um mesmo patamar de igualdade, sem existir subordinação entre
elas. Por outro lado, nas relações jurídicas de caráter vertical, nas quais a subordinação
existe, o direito regente é o direito administrativo.27 Observe-se, por exemplo, o princípio
de supremacia do interesse público em face do interesse particular, que norteia o direito
administrativo.

O direito econômico assume a feição de realização da política do Estado


no campo econômico. Por exemplo, o Estado brasileiro opta em defender a concorrência.
É um princípio positivado pelo art. 170, IV, da Constituição Federal, que é concretizado
pelo CADE mediante aplicação da Lei nº 8.884/94. O Estado brasileiro opta também por
defender o consumidor (art. 170, V, da Constituição Federal).

A título comparativo, nos Estados Unidos, a Lei Sherman proíbe qualquer


ato de concentração que prejudique a concorrência, sem abrir exceções
(desconsideremos, por ora, a interpretação dada pelos tribunais americanos no sentido de

27
GRILLO, Luisa Rodriguez et al. Derecho economico - temas complementarios. Havana: Facultad de Derecho
Universidad de La Habana, 1989, p. 7.
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mitigar a aplicação da Lei Sherman). Trata-se de uma opção política do legislador estatal:
defender a concorrência, ainda que a defesa exacerbada da concorrência possa vir a
prejudicar o consumidor.

São opções políticas, que poderiam não existir ou poderiam existir de


forma diferente.

Ou seja, tanto nos países de economia planificada, como nos países de


economia liberal, o direito econômico assume uma nítida feição de reger a organização e
direção da economia por parte do Estado.

Podemos dizer que o direito econômico é ramo autônomo do direito?

Alguns autores, como por exemplo os professores de direito econômico da


Universidade Estatal de Lomonosov de Moscou28 sustentam que a disciplina direito
econômico está conformada por normas e distintos ramos do direito que interagem
funcionalmente entre si, razão pela qual não é possível definir um objeto específico de
regulação jurídica por parte do direito econômico. Essa posição também tem adeptos nos
países ocidentais, onde vários autores sustentam o direito econômico seria um direito de
superposição, exatamente por se sobrepor aos vários ramos da ciência jurídica, tal como
um corte transversal na árvore do Direito.29

Outros autores defendem que o direito econômico é ramo autônomo do


direito, por ter objeto único e homogêneo de regulação, do qual derivam princípios

28
GRILLO, Luisa Rodriguez et al. Derecho economico - temas complementarios. Havana: Facultad de Derecho
Universidad de La Habana, 1989, p. 7-8.
29
NUSDEO, Fábio. Curso de economia. Introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 204-206.
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especiais, assim como sujeitos próprios entre os quais se estabelecem as relações


jurídicas de conteúdo econômico.30

Além dos ramos do direito terem princípios próprios, cada ramo do direito
se distingue pelo seu objeto de regulação, pelo caráter das relações sociais que
regulam.31

O direito econômico tem objeto próprio de regulação, que é a política


econômica do Estado, como visto acima.

A autonomia do direito econômico decorre da sua finalidade, que é a de


traduzir juridicamente os instrumentos da política econômica do Estado.32

A grande dificuldade de se identificar o direito econômico como ramo


autônomo do direito reside na dificuldade de divisão entre o público e o privado, entre
direito público e o direito privado. Onde estaria o direito econômico? Essa divisão, em
termos absolutos, é uma marca da concepção liberal, incompatível com a realidade atual.
No direito moderno não há essa separação absoluta. Veja-se, por exemplo, o disposto no
art. 182, § 4º, da Constituição Federal, que faculta o Poder Público municipal exigir, nos
termos que especifica, o "adequado aproveitamento" do solo urbano. A propriedade é
privada, mas deve atender a sua função social.

Assim, o direito econômico é ramo autônomo do direito que regula e


instrumentaliza a política econômica.

A quem cabe legislar sobre direito econômico?

30
GRILLO, Luisa Rodriguez et al. Derecho economico - temas complementarios. Havana: Facultad de Derecho
Universidad de La Habana, 1989, p. 7-8.
31
LAPTEV, V. Derecho economico. Trad. para o espanhol por Rene Gomez Manzano. Moscou: Progresso, 1988. p. 30.
32
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 471.
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A Constituição Federal estabelece no art. 24, I, que é de competência


concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar concorrentemente sobre
direito econômico.

No âmbito da legislação concorrente, cabe à União a edição de normas


gerais e, aos Estados, a edição de normas específicas. Caberá ao STF, se provocado,
dizer se a norma estadual invadiu a competência da União.33

33
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.737/2004, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
GARANTIA DE MEIA ENTRADA AOS DOADORES REGULARES DE SANGUE. ACESSO A LOCAIS
PÚBLICOS DE CULTURA ESPORTE E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO,
ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO.
CONTROLE DAS DOAÇÕES DE SANGUE E COMPROVANTE DA REGULARIDADE. SECRETARIA DE
ESTADO DA SAÚDE. CONSTITUCIONALIDADE. (...) 4. A Constituição do Brasil em seu artigo 199, § 4º, veda
todo tipo de comercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional disporá sobre as condições e
requisitos que facilitem a coleta de sangue. 5. O ato normativo estadual não determina recompensa financeira à doação
ou estimula a comercialização de sangue. 6. Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito à vida há de
ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada
improcedente.” (STF, ADI 3512/ES, Rel. Min. EROS GRAU, j. em 15/02/2006, DJ 23-06-2006)
”Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 3.542/01, do Estado do Rio de Janeiro, que obrigou farmácias e drogarias a
conceder descontos a idosos na compra de medicamentos. Ausência do periculum in mora, tendo em vista que a
irreparabilidade dos danos decorrentes da suspensão ou não dos efeitos da lei se dá, de forma irremediável, em prejuízo
dos idosos, da sua saúde e da sua própria vida. Periculum in mora inverso. Relevância, ademais, do disposto no art. 230,
caput da CF, que atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Precedentes: ADI n° 2.163/RJ e ADI nº 107-8/AM. Ausência
de plausibilidade jurídica na alegação de ofensa ao § 7º do art. 150 da Constituição Federal, tendo em vista que esse
dispositivo estabelece mecanismo de restituição do tributo eventualmente pago a maior, em decorrência da concessão do
desconto ao consumidor final. Precedente: ADI nº 1.851/AL. Matéria relativa à intervenção de Estado-membro no
domínio econômico relegada ao exame do mérito da ação. Medida liminar indeferida.” (STF, ADI-MC nº 2.435/RJ, Rel.
Min. ELLEN GRACIE, j. em 13/03/2002, DJ de 31-10-2003)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 14.861/05, DO ESTADO DO PARANÁ. INFORMAÇÃO
QUANTO À PRESENÇA DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS EM ALIMENTOS E
INGREDIENTES ALIMENTARES DESTINADOS AO CONSUMO HUMANO E ANIMAL. LEI FEDERAL
11.105/05 E DECRETOS 4.680/03 E 5.591/05. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE PARA DISPOR
SOBRE PRODUÇÃO, CONSUMO E PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE. ART. 24, V E XII, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. ESTABELECIMENTO DE NORMAS GERAIS PELA UNIÃO E COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR
DOS ESTADOS. 1. Preliminar de ofensa reflexa afastada, uma vez que a despeito da constatação, pelo Tribunal, da
existência de normas federais tratando da mesma temática, está o exame na ação adstrito à eventual e direta ofensa, pela
lei atacada, das regras constitucionais de repartição da competência legislativa. Precedente: ADI 2.535-MC, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 21.11.03. 2. Seja dispondo sobre consumo (CF, art. 24, V), seja sobre proteção e defesa da saúde
(CF, art. 24, XII), busca o Diploma estadual impugnado inaugurar regulamentação paralela e explicitamente contraposta
à legislação federal vigente. 3. Ocorrência de substituição - e não suplementação - das regras que cuidam das exigências,
procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs
sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional
voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal. Precedente: ADI 3.035, rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 14.10.05. 4. Declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou por arrastamento de decreto
regulamentar superveniente em razão da relação de dependência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei
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Na prática, são poucos os casos em que os Estados legislam,


explicitamente, a respeito de direito econômico. Mas é comum a edição de leis estaduais
que, extravasando ou não a competência constitucionalmente estabelecida, tenham
conteúdo econômico.

O direito econômico faz parte do direito privado, do direito público ou não


cabe dentro dessa divisão?

A divisão entre direito público e direito privado tem origem no direito


romano, no Digesto de Ulpiano. De acordo o Digesto (L. 1, § 2º D. 1, 1), o direito público
abrangeria além da religião (jus sacrum), a forma de governo, os poderes públicos e as
relações dos particulares com o governo. Ao contrário do direito privado, o direito público
não foi muito desenvolvido na época romana. Justiniano sequer cuidou do direito público,
tendo apenas se contentado em defini-lo.34

Exatamente em razão da intervenção crescente do Estado no domínio


econômico, muitos são os autores que sustentam a perda de absoluta distinção entre a
esfera pública e privada.35

Isso significa que o direito moderno não cabe na estreita divisão entre
direito público e direito privado: o direito econômico, o direito do trabalho, o direito do
sistema financeiro e o direito do consumidor estão em um campo jurídico intermediário,
nem exatamente público, nem exatamente privado.

objeto da ação. Precedentes: ADI 437-QO, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.02.93 e ADI 173-MC, rel. Min. Moreira
Alves, DJ 27.04.90. 5. Ação direta cujo pedido formulado se julga procedente.” (STF, ADI 3645/PR, Rel. Min. ELLEN
GRACIE, j. em 31/05/2006)
34
LARICHE, M. BONJEAN, Georges. Explication méthodique des institutes de Justinien. v. 1. Paris: A. Durand et
Pedone-Lauriel, Éditeurs, 1878, p. 12.
35
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1991, p. 131.
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Seja como for, como o Estado moderno tem uma ação positiva na
economia e constituições de caráter dirigente, deve ser reputado como mais adequado o
estudo do direito econômico como ramo autônomo.

Por todas essas razões, opto em conceituar o direito econômico como


ramo autônomo do direito que regula e instrumentaliza a política econômica.

Porém, nada disso é intocável. Para fins de concurso público, em uma


questão aberta, pode-se adotar uma resposta como "o direito econômico pode ser visto
como um ramo jurídico ou como um método de análise e interpretação do Direito". Uma
resposta assim não poderia ser considerada errada, ainda que o examinador seja
partidário de uma ou de outra corrente. Ademais, tal afirmação é uma das conclusões a
que chegam alguns doutrinadores no Brasil, como Fábio Nusdeo36, a respeito do direito
econômico. Para quem vai fazer concurso público é fundamental saber como caminha a
doutrina pátria.

Visto como ramo autônomo do direito ou não, o que irá variar de país para
país é conteúdo que assumirão as normas de direito econômico.

A título exemplo, vejamos uma exposição de direito econômico efetuada


de acordo com a Constituição cubana:

"En la República de Cuba rige el sistema socialista de economía basado en


la propiedad socialista de todo el pueblo sobre los medios de produción y en la
supreción de la explotación del hombre por el hombre (art. 14). (...) El Estado
organiza, dirige y controla la actividad económica nacional de acuerdo con el Plan
Único de Desarrollo Económico-Social, en cuya elaboración y ejecución participan
activa y conscientemente los trabajadores de todas las ramas de la economía y de
37
las demás esferas de la vida social (art. 16, párr. 1º)"

36
NUSDEO, Fábio. Curso de economia. Introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 206-222.
37
MARILL RIVERO, Emilio. Constituición de la Republica de Cuba - temática/legislación complementaria. Havana:
Editorial de Ciencias Sociales, 1989, pp. 88, 141 e 142
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No Brasil, exatamente porque é fundamento constitucional da ordem


econômica a livre iniciativa (art. 170, caput), bem como a propriedade privada é princípio
dessa mesma ordem econômica (art. 170, II), além das hipóteses expressamente
previstas na Constituição, o Estado apenas deverá explorar diretamente a atividade
econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo. Não é, como vimos acima, a opção política contida na Constituição
cubana, que prevê não apenas a planificação econômica, mas também a propriedade
socialista dos meios de produção.

Ou seja, o conteúdo das normas de direito econômico em Cuba e no


Brasil são diferentes. Também são diferentes a Lei nº 8.884/94 do Brasil e a Lei Sherman
dos Estados Unidos.

Mas é inegável que todas essas normas - de Cuba, do Brasil e dos


Estados Unidos - têm o nítido de propósito de dirigir a economia. No caso do Brasil e dos
Estados Unidos, as normas procuram, dentre outros objetivos, defender a concorrência
contra abusos do poder econômico.

O que pode existir é uma direção da economia a favor do mercado (Brasil


e Estados Unidos) e não um total ou quase total controle dos meios de produção por
órgãos estatais (Cuba). Veja-se, nesse contexto, os limites da expressão acima dirigir a
economia!

Não podemos ser ingênuos a ponto de pensar que são as bases


constitucionais da ordem econômica que definem a estrutura de determinado sistema
econômico; a constituição formal não constitui a realidade material. Por outro lado, não é
possível aceitar um determinismo econômico sobre a realidade jurídica formal.38 Com
efeito, é inegável que a Constituição tem força normativa, isto é, a Constituição pode ser
um meio de transformar a realidade.39

38
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 722.
39
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
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Veremos, no tópico seguinte, como as constituições brasileiras trataram o


direito econômico, especialmente a Constituição Federal de 1988.

1.3.A ordem econômica constitucional.

A constituição econômica formal consiste no conjunto de normas da


constituição política que garantindo os elementos definidores de um determinado sistema
econômico, estabelece os princípios fundamentais de determinada forma de organização
e funcionamento da economia e estabelece, por isso mesmo, uma determinada ordem
econômica.40

A primeira Constituição brasileira, que foi a Constituição do Império, de


1824, não tratou da ordem econômica. Ela não tinha dispositivos que possam ser
verdadeiramente considerados como de direito econômico. Com esforço mental no sentido
de encontrar alguma manifestação sobre o tema, podemos pinçar o item 25 do art. 179,
que previu a abolição das corporações de ofícios.

A segunda Constituição brasileira, que foi a primeira Constituição da


República, de 1891, também não tratou da ordem econômica. Também é necessário
esforço para encontrar algum dispositivo que possa ser reputado como sendo de direito
econômico. Podemos pinçar os seguintes: art. 7º, item 2º, que estabeleceu ser de
competência da União os direitos de entrada, saída e estadia de navios, sendo livre o
comércio de cabotagem às mercadorias nacionais, bem como às estrangeiras que já
tenham pago impostos de importação; art. 7º, § 1º, item 1º, que estabelece ser de
competência privativa da União a instituição de bancos emissores; art. 72, § 17, que previa
o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública e
afirmava que a propriedade das minas era do proprietário do solo.

40
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 723.
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A primeira Constituição brasileira a tratar da ordem econômica foi a de


1934, sob o título "Da Ordem Econômica e Social", que continha vinte e oito artigos.
Dentre outros aspectos relevantes, podemos destacar os seguintes: o art. 115 estabelecia
que a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da Justiça e as
necessidades da vida nacional, de modo a possibilitar a todos existência digna e, dentro
desses limites, garantia a liberdade econômica. No art. 117, parágrafo único, proibia a
usura, punida na forma da lei. O art. 118 inovou ao estabelecer que a propriedade das
minas era distinta da propriedade do solo para efeito de exploração ou aproveitamento
industrial. O art. 119 previa que a exploração das minas e das jazidas minerais seria feita
mediante autorização ou concessão federal, que seriam conferidas exclusivamente a
brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário a preferência
na exploração ou co-participação nos lucros. O art. 131 vedava a propriedade de
empresas jornalísticas a estrangeiros, que não poderiam ser acionistas de empresas
jornalísticas, e a sociedades anônimas com ações ao portador. O art. 132 estabelecia que
deveriam ser brasileiros os proprietários, armadores e comandantes de navios nacionais.

A Constituição de 1937 tratou da matéria na parte "Da Ordem Econômica"


em vinte e um artigos. O art. 142 dizia "A usura será punida". O art. 145 previa que só
poderiam funcionar no Brasil bancos de depósito e empresas de seguro de propriedade de
brasileiros. O art. 149 dispôs que os proprietários, armadores e comandantes de navios
nacionais deveriam ser brasileiros natos.

A Constituição de 1946 tratou da ordem econômica no Título V, "Da


Ordem Econômica e Social" em dezoito artigos. O art. 145 dizia que "A ordem econômica
deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de
iniciativa com a valorização do trabalho humano". O art. 146 previa que, mediante lei
especial, a União poderia intervir no domínio econômico e monopolizar (!) determinada
indústria ou atividade, com base no interesse público e com limite nos direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados. O art. 147 previa o uso da propriedade
condicionado ao bem-estar social. O art. 148 estabelecia que a lei reprimiria o abuso do
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poder econômico e os grupos de empresas que pretendessem dominar mercados,


eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros. O art. 154 previa que a
usura seria punida na forma da lei. O art. 155 estabeleceu a navegação de cabotagem
para o transporte de mercadoria seria privativa de navios nacionais, salvo caso de
necessidade pública. O § 2º do art. 155 dispôs que os proprietários, armadores e
comandantes de navios nacionais deveriam ser brasileiros.

A Constituição de 1967, no Título III, "Da Ordem Econômica e Social",


tratou da matéria em dez artigos. O art. 157 dizia que a ordem econômica teria por fim
realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: liberdade de iniciativa;
valorização do trabalho como condição da dignidade humana; função social da
propriedade; harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; desenvolvimento
econômico; repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos
mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. O § 8º do art.
157 previa intervenção no domínio econômico e o monopólio (!) de determinada indústria
ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional
ou para organizar setor que não pudesse ser desenvolvido com eficiência no regime de
competição. O art. 162 estabeleceu que a pesquisa e lavra do petróleo em território
nacional constituem monopólio da União, na forma da lei. O art. 163 estabelecia a
primazia da iniciativa privada na exploração da atividade econômica, a qual deveria ser
estimulada e apoiada pelo Estado, que poderia exercer diretamente a atividade econômica
para suplementar a atividade exercida pela iniciativa privada. O art. 166 vedava a
propriedade e a administração de empresas jornalísticas a estrangeiros, a sociedades que
tivessem sócios estrangeiros ou pessoas jurídicas (excetos partidos políticos) e a
sociedades anônimas com ações ao portador. A Emenda Constitucional nº 1/69 tratou da
matéria nos arts. 160 a 174, sem inovar substancialmente.
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3.1.A ordem econômica na Constituição Federal de 1988.

O cerne do direito econômico está no Título VII da Constituição Federal,


arts. 170 a 192, que consagra a ordem econômica e financeira.

O Título VII está dividido em quatro capítulos. Além dos princípios gerais
da atividade econômica, previstos nos art. 170 a 181 (Capítulo I), a Constituição Federal
de 1988 trata da política urbana (Capítulo II), da política agrícola e fundiária e da reforma
agrária (Capítulo IIII) e do sistema financeiro nacional (Capítulo IV).

Como é até intuitivo, o modo de produção capitalista, em sua versão


social-democrata, foi positivada pela Constituição de 1988. 41

A atividade econômica está baseada na livre iniciativa. Isso significa que,


como regra geral, o Estado não exercerá diretamente a atividade econômica. Isso é
incumbência dos particulares.

Mas o princípio constitucional da livre iniciativa não significa que o


empresário tem o direito de fazer o que bem entender - não há plena liberdade no sentido
ultra-liberal do termo. Há limitações.

A existência de limitações à atividade privada (poder de polícia), inclusive


à atividade econômica, não contradiz com a existência da livre iniciativa como princípio
básico da ordem econômica. A regulação da atividade econômica, por parte do Estado,
em menor ou maior grau, é indispensável para a manutenção do sistema capitalista. Não
há país no mundo que não tenha um mínimo de regulamentação e de restrições à
atividade econômica.

41
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 79.
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O art. 170 da Constituição Federal estabelece alguns princípios da ordem


econômica constitucional. Podemos destacar o da livre iniciativa e o da função social da
propriedade. Esses princípios não devem ser interpretados isoladamente, mas sim em
consonância com os demais princípios positivados em todo o texto da Constituição. É de
meridiana clareza que o objetivo do constituinte, ao estabelecer esses princípios, foi o de
criar um sistema em que a produção gerasse bem estar social, para toda a população, e
não apenas lucro para os empresários.

A esse respeito, merece ser transcrita a lição de Eros Roberto Grau:42

a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de


mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem
pública clássica (Geraldo Vidigal); opta pelo tipo liberal do processo econômico,
que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre
concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, que do embate
econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder
econômico visando aumento arbitrário dos lucros - mas sua posição corresponde
ao do neo-liberalismo ou social-liberalismo, como a defesa da livre iniciativa
(Miguel Reale); (note-se que a ausência do vocábulo 'controle' no texto do art. 174
da Constituição assume relevância na sustentação dessa posição; a ordem
econômica na Constituição de 1988 contempla a economia de mercado,
distanciada porém do modelo liberal puro e ajustada à ideologia neo-liberal
(Washington Peluso Albino de Souza); a Constituição repudia o dirigismo, porém
acolhe o intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado, mas a seu
favor (Tércio Sampaio Ferraz Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade
apenas é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere
prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da
economia de mercado (José Afonso da Silva)

A evolução das relações de produção, a necessidade de melhorar as


condições de vida dos trabalhadores e o mau uso da liberdade conferida aos empresários
no sistema capitalista (no qual é falaciosa a 'harmonia natural dos interesses” de
empresários e trabalhadores) fizeram surgir mecanismos de condicionamento da atividade
privada, com o objetivo de ser realizada a justiça social. Nessa perspectiva é que deve ser
o texto do art. 170 da Constituição Federal compreendido: trata-se de uma Constituição
preocupada com a justiça social e com o bem estar coletivo. 43

42
A ordem econômica na Constituição de 1988, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 212-213
43
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed.. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 725-726.
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O século XX foi o século da social-democracia preocupada em manter o


sistema capitalista intacto, mediante uma melhoria das condições de vida dos
trabalhadores. O exemplo do sucesso dessa doutrina está nos países da Europa
ocidental, especialmente nos países escandinavos, onde a social-democracia
efetivamente confere boas condições de vida para a população. Nos países periféricos,
contudo, as tentativas de implantação dessa idéia não têm propiciado os mesmos
resultados. De todo modo, a Constituição Federal de 1988 positivou os princípios da
social-democracia.

Ensina-nos o Prof. Carlos Jacques Vieira Gomes que há duas categorias


de princípios jurídicos na Constituição de 1988: os princípios liberais ou estatutários, e os
princípios intervencionistas ou conformadores, que compõem a constituição econômica
em sentido formal e definem a ordem econômica instituída. Os princípios liberais são os
que se opõem ou limitam a intervenção do Estado, garantindo uma esfera de isenção ao
particular em face da ação estatal, e os princípios intervencionistas são os que justificam e
impõe essa intervenção, como forma de conformar a realidade econômica e social. Dentre
os princípios liberais – aduz o mencionado autor – pode-se citar a livre iniciativa
econômica (arts. 1º, IV, 5º, XIII e 170, caput) e o direito à propriedade privada dos meios
de produção e de consumo (arts. 5º, XXII e 170, II); e, dentre os princípios
intervencionistas, pode-se mencionar a dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III e 170,
caput), o valor social do trabalho (arts. 1º, IV e 170, caput), a função social da propriedade
(arts. 5º, XXIII e 170, III), o objetivo de construção de uma sociedade livre e solidária (art.
3º, I), dentre outros.44

Ao lado da política de seguridade social, de prestação de serviços


públicos, enfim, de proteção da população, para atingir os objetivos de bem estar social, é
protegida a liberdade de iniciativa dos particulares, mas é também permitida pela
Constituição não apenas a regulamentação dessa atividade econômica e a até a própria

44
GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. ª Fabris, 2004,
pp. 82-84.
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exploração diretamente pelo Estado, nos limites estabelecidos pelo art. 173 da
Constituição Federal. A regra geral, porém, é que incumbe o exercício da atividade
econômica aos particulares: a atuação direta do Estado como agente produtivo é
excepcional. Veremos os instrumentos de que dispõe o Estado para agir como empresário
nos itens 3 e .3.1 do Capítulo II.

É fundamental ter em mente que a liberdade de atividade econômica


somente pode ser limitada pela lei, assim como o direito privado - que rege a atividade
econômica - prestigia a teoria da autonomia da vontade. Nesses pressupostos estão
assentados o modelo jurídico do liberalismo econômico vigente no Brasil.

Ainda que a planificação econômica não seja um princípio da ordem


constitucional brasileira, há um nítido caráter de constituição dirigente na Constituição
Federal de 1988. Existem objetivos a serem atingidos: “assegurar a todos existência
digna” (art. 170); “bem-estar e justiça sociais” (art. 193) etc

Portanto, o Estado tem um papel de indutor da atividade econômica, que


pode ser exercido mediante poder normativo, que tem forte carga transformadora da
realidade fática. É o que veremos no item 1 do Capítulo II.

Feitas essas considerações, vejamos os princípios da ordem econômica,


tal como positivada pela Constituição Federal.

De acordo com o caput do art. 170, da Constituição Federal, a ordem


econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. O escopo
é assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

A interpretação da legislação infraconstitucional e até mesmo dos


dispositivos constitucionais deve ser feita de acordo com os seguintes postulados:
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• valorização do trabalho;
• livre iniciativa;
• existência digna a todos;
• justiça social.

O fundamento da ordem econômica é a valorização do trabalho humano e


a livre iniciativa. Ou seja, o legislador constituinte deixou clara a opção pelo liberalismo
econômico, em sua versão social-democrata. Isso significa que o Estado brasileiro não
deve ser omisso na condução da economia. Ao contrário, deve agir.

Assim, “A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela


empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita
também da ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à
empresa”.45

O art. 170 também estabelece alguns princípios, que norteiam a ordem


econômica. São eles:

• soberania nacional;
• propriedade privada;
• função social da propriedade;
• livre concorrência;
• defesa do consumidor;
• defesa do meio ambiente;
• redução das desigualdades regionais e sociais;
• busca do pleno emprego;
• tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País.

45
STF, ADI nº 3.512/ES, Rel. Min. EROS GRAU, j. em 15/02/2006, DJ 23-06-2006.
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Como se pode notar, “São princípios que devem ser observados na


atividade econômica: I. Propriedade privada e função social da propriedade; II. Livre
concorrência e defesa do consumidor; III. Defesa do meio ambiente e redução das
desigualdades regionais e sociais”, mas não fazem parte desse rol a “IV - Busca do pleno
emprego e pluralismo político”.46

Além disso, os arts. 172 a 181 estabelecem princípios e regras, dentro do


contexto geral dos princípios gerais da atividade econômica.

Não é difícil concluir a Constituição Federal estabeleceu uma economia de


mercado. A iniciativa privada é um princípio básico dessa ordem econômica, de natureza
capitalista. Porém, essa mesma ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho
humano sobre todos os valores da economia de mercado. Isso deve orientar a intervenção
do Estado na economia, para fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da
iniciativa privada, são fundamentos da ordem econômica e do próprio Estado brasileiro, a
teor do art. 1º, IV, da Constituição Federal. 47

Os arts. 173, 174 e 175 da Constituição Federal estabeleceram que o


Estado regula a economia, presta serviços públicos e, em caráter excepcional, exerce
atividade econômica. São atividades que não se confundem, devendo ser
complementares, como veremos no capítulo seguinte.

Já o art. 176 estabelece o seguinte:

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os


potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para
efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos
potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados

46
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Concurso para Juiz de Direito– Prova tipo 1, aplicação em agosto
de 2007, questão nº 9, alternativa “b) As proposições I, II e III estão corretas”.
47
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 720.
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mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por


brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas
quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras
indígenas.
§ 2º - É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da
lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.
§ 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as
autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou
transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
§ 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do
potencial de energia renovável de capacidade reduzida.

Assim, é errada a seguinte assertiva: “Considere que o presidente da


República outorgue, por intermédio de decreto, à pessoa jurídica Shevchenko do Brasil,
com sede em Moscou, Rússia, concessão para pesquisa e lavra de jazida de carvão
mineral em determinada região brasileira. Nessa situação, segundo a ordenação
normativa vigente, o ato de concessão será considerado constitucional se, em virtude do
interesse nacional, a outorga tiver sido realizada com base no grau de especialização da
referida pessoa jurídica”.48

É correto dizer que “A construção de pequena represa em propriedade


rural, para o aproveitamento do potencial de energia hídrica, a fim de suprir a demanda de
energia elétrica da casa dos proprietários, independe de autorização ou concessão”.49

Portanto, não se deve confundir a atuação direta do Estado como agente


produtivo, que é excepcional, com a atuação do Estado na economia como agente
normativo, prestador de serviços públicos, sancionador de condutas lesivas à ordem
econômica etc., que nada tem de excepcional. Nesse sentido, já afirmou o STF:

É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por


um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância

48
CESPE/UnB – Advocacia-Geral da União, Concurso Público para Procurador Federal, Prova Objetiva P1, aplicação
em 1º/7/2007, questão nº 88.
49
CESPE/UnB – Advocacia-Geral da União, Concurso Público para Procurador Federal, Prova Objetiva P1, aplicação
em 1º/7/2007, questão nº 89.
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não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em


50
situações excepcionais.

Em resumo e em conclusão: a Constituição tem força normativa, podendo


ser um meio de transformar a realidade. A primeira Constituição brasileira a tratar da
ordem econômica foi a de 1934. De acordo com a Constituição Federal de 1988, a
atividade econômica está baseada na livre iniciativa. Isso significa que, como regra geral,
o Estado não exercerá diretamente a atividade econômica: a atuação direta do Estado
como agente produtivo é excepcional.

50
STF, ADI nº 1.950/SP, Rel. Min. EROS GRAU, j. em 03/11/2005, DJ de 02-06-2006.
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CAPÍTULO II
AÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA

1.O Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica.

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado


exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
último determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. É o que dispõe o
art. 174 da Constituição Federal.

De acordo com o princípio das prescrições obrigatórias, uma das partes


da relação jurídica dá à outra uma instrução que tem caráter obrigatório.51

Durante o período socialista na Polônia, país em que parte significativa da


economia se manteve nas mãos de particulares, as regras do planejamento econômico
eram obrigatórias também para o setor privado.

No Brasil, de acordo com o art. 174 da Constituição Federal, exatamente


porque o planejamento é apenas indicativo para o setor privado, no que se refere ao
planejamento, não existe no direito brasileiro o princípio das prescrições obrigatórias para
o setor privado. Já para o setor público, esse princípio é plenamente aplicável, de acordo
com o mesmo art. 174.

Porém, o art. 174 estabelece as prescrições obrigatórias existirão para os


particulares fora do âmbito do planejamento, quando o Estado é agente normativo e
regulador da atividade econômica.

51
GRILLO, Luisa Rodriguez et al. Derecho economico - temas complementarios. Havana: Facultad de Derecho
Universidad de La Habana, 1989, p. 13.
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A intervenção do Estado como agente normativo e regulador da atividade


econômica pode ocorrer por direção e por indução, duas modalidades de intervenção
indireta.

Intervenção por direção ocorre por meio de criação de regras de


observância obrigatória e de incidência direta nas relações econômicas públicas e
privadas. Ex. congelamento de preços; criação de agência reguladora.

Intervenção por indução ocorre sem se estabelecer regras de incidência


direta nas relações jurídicas privadas, mas sim por meio de regras instrumentais que
indiretamente afetam a atividade econômicas, seja incentivando, seja desincentivando
determinadas atividades. Ex. tributação com caráter extrafiscal: imposto de importação,
incentivos fiscais.

A existência de expressa previsão constitucional para a normatização e


regulação da atividade econômica não contradiz com o livre mercado, com a devida venia
de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que afirma justamente o contrário.52 Na verdade, a
saúde do livre mercado depende de ação estatal.

Aliás, é o próprio art. 174 da Constituição Federal que fundamenta a


possibilidade legal da existência de agências reguladoras, bem como da possibilidade
dessas agências criarem normas jurídicas. O vocábulo agência tem origem na palavra
agency, que consiste, de acordo com o direito norte-americano, em uma autarquia com
poder de regulação em campos específicos da economia. Evidentemente, a atuação das
agências não é feita contra o livre mercado; muito ao revés, as agências desempenham
papel fundamental para a saúde do mercado, ao prescrever regras de conduta

52
"O art. 174 define o Estado 'como agente normativo e regulador da atividade econômica'. Assim, não seria o mercado,
como é típico de uma economia descentralizada (ou liberal), mas o Poder Público, segundo é próprio de uma economia
de tipo centralizado (ou soviético), que regeria a economia. Isto colide com os princípios de livre iniciativa, livre
concorrência, que a Constituição consagra (arts. 1º, IV, caput e inc. IV), que atenuam esse centralismo econômico."
(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, de acordo com a Constituição de 1988. 18.
ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 306)
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(regulação), ao fiscalizar e punir (direito administrativo sancionador) os componentes do


mercado que agirem de forma indevida, nociva ao mercado.

Foi considerado correto dizer que “As agências reguladoras são


autarquias sob regime especial, que é caracterizado pela independência administrativa,
pela autonomia financeira e pelo poder normativo atribuídos a essas agências”.53

A atividade de regulação da economia (entendendo-se que a economia


abrange a atividade econômica em sentido estrito e a prestação de serviços públicos)
consiste em uma forma de intervenção indireta na atividade econômica.

Por isso é certo dizer que "A criação de agência para regular serviços
públicos, privatizados ou não, constitui forma de intervenção indireta do Estado na
atividade econômica".54

Pelas mesmas razões, está errado dizer que "O controle dos atos de
concentração econômica, na forma prevista pela Lei nº 8.884/1994, constitui forma de
intervenção direta do Estado na atividade econômica".55

Um dos instrumentos de intervenção por indução da atividade econômica


para fins previamente determinados (ex. defesa do mercado, estímulo a determinadas
atividades econômicas, combate a excessiva volatilidade de preços de certos produtos
etc) é a instituição de contribuição social de intervenção no domínio econômico (CIDE), na
forma do art. 149 da Constituição Federal.

Assim, de acordo com a jurisprudência do STJ, as contribuições de


intervenção no domínio econômico são constitucionalmente destinadas a finalidades não

53
UnB/CESPE – Concurso Público para Juiz Federal Substituto da 5ª Região - CADERNO FREVO – aplicação em
24/7/2005, questão nº 36.
54
Questão nº 62 (1) da prova realizada pelo CESPE em 3/3/2002, Concurso Público para provimento do cargo de
Consultor Legislativo do Senado Federal - Área 5 - Direito Comercial e Econômico.
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diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a


atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade). Isso as distingue das contribuições
de interesse de categorias profissionais e de categorias econômicas. A CIDE afeta toda a
sociedade e obedecem ao princípio da solidariedade e da capacidade contributiva,
refletindo políticas econômicas de governo.56

A instituição de CIDE é de competência da União, que pode criá-las por lei


ordinária. O STF, já afirmou que a CIDE “não é imposto”, concluindo que “não se exige
que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e
contribuintes”.57

É correto dizer que “O produto da arrecadação da contribuição de


intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação e comercialização
de petróleo e seus derivados será destinado, entre outros fins, ao financiamento de
programa de infra-estrutura de transportes”,58 por expressa disposição do art. 177, § 4º, da
Constituição Federal.

Um interessante (sob o aspecto jurídico...) exemplo de intervenção por


indução foi a ampliação da desoneração de ICMS para mercadorias destinadas ao exterior
para os produtos primários e semi-elaborados, levada a cabo pelo art. 3º, II, da Lei
Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir) e pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, que alterou a alínea “a” do inciso X do §
2º do art. 155 da Constituição Federal. Objetivou-se, evidentemente, o aumento das
exportações desses produtos, ainda que eles sejam de baixo valor agregado. Foi uma
opção política do Governo da época, instrumentalizada nas referidas normas jurídicas.

55
Questão nº 62 (5) da prova realizada pelo CESPE em 3/3/2002, Concurso Público para provimento do cargo de
Consultor Legislativo do Senado Federal - Área 5 - Direito Comercial e Econômico.
56
STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 933.440/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, j. em 02.08.2007, DJ de 14.08.2007.
57
STF, Segunda Turma, AI-ED 518082 / SC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. em 17/05/2005, DJ de 17-06-2005.
58
CESPE/UnB – Advocacia-Geral da União, Concurso Público para Procurador Federal, Prova Objetiva P1, aplicação
em 1º/7/2007, questão nº 90.
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Evidentemente, esse tipo de intervenção é considerada intervenção


indireta, que, como vimos acima, abrange a intervenção por direção e a intervenção por
indução. Portanto, é errado dizer que “O ato de restituição do ICMS sobre a exportação de
produtos industrializados é considerado modalidade de intervenção direta do Estado no
domínio econômico”.59

O Estado deve ser dotado de meios eficazes para intervenção no domínio


econômico. É correto afirmar que “É dispensável a licitação quando a União tiver que
intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento”,60 a
teor do disposto no inciso VI do art. 24 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações).

2.O Estado prestador de serviços públicos.

Cabe ao Estado a prestação de serviços públicos. Os serviços públicos


devem ser prestados diretamente pelo Estado ou por particulares, sob regime de
concessão ou permissão, de acordo com o art. 175 da Constituição Federal.

Vimos no item 1.1 a definição de atividade econômica, bem como que


parte da atividade pode ser qualificada como serviços públicos.

O que são serviços públicos?

A Constituição Federal não define o que seja serviço público. Diz que
“Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (art. 175).

59
CESPE/UnB – Advocacia-Geral da União, Concurso Público para Procurador Federal, Prova Objetiva P1,
aplicação em 1º/7/2007, questão nº 91.
60
TJDF, Concurso para Juiz de Direito, prova objetiva, aplicação em 1º/4/2007, questão nº 21.
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Não é pacífica a definição do que seja serviço público. A doutrina já definiu


como "todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e
controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade
ou simples conveniências do Estado"61 e já definiu como “toda atividade de oferecimento
de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas
fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus
deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito
Público”,62 dentre outras possíveis.

O cerne da divergência entre os vários administrativistas reside em excluir


da noção de serviço público as atividades estatais que não constituam em uma prestação
de utilidade material ou comodidade material singularmente fruível pelos administrados.

Ou seja, para alguns autores, como Celso Antônio Bandeira de Mello,


somente constitui serviço público a atividade de prestação de serviços uti singuli, excluída
a noção de serviço público em sentido amplo, que inclui os serviços uti universi, pois se
considerarmos como serviço público toda a atividade estatal, a noção de serviço público
não teria qualquer utilidade, pois se confundiria com a noção de atividade pública.63

Já outros autores, como Hely Lopes Meirelles, incluem no conceito de


serviço público outras atividades estatais, tais como a atividade de polícia, de defesa
nacional, de preservação da saúde pública, iluminação pública, bem como as atividades
executadas para atender às necessidade internas da Administração (“serviços
administrativos”) e os serviços prestados a usuários indeterminados (“serviços uti
universi”).64

61
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 294.
62
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15a. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 612.
63
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15a. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 615 e
616.
64
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, pp. 286-288.
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Prefiro a noção restrita de Celso Antônio Bandeira de Mello. Além dos


motivos mencionados, a jurisprudência está pacificada no sentido de que as atividades
prestadas pelo Estado que não sejam serviço público específico e divisível não podem
ensejar a cobrança de taxa.65 É verdade que nada impede que um imposto custeie um
serviço público, mas a mim parece quebrar a coerência do sistema jurídico dizer que
certos “serviços” não podem ser custeados por taxa! Afinal de contas, a definição de taxa
é exatamente esta: tributo para custear a prestação de um serviço público específico e
divisível (art. 145, II, da Constituição Federal) ou o exercício do poder de polícia. É
evidente que se pode sustentar que há outros serviços públicos que não são específicos
ou divisíveis, para os quais não se pode cobrar taxa: a noção de serviço público, como
vimos acima, não é pacífica. Para fins de concurso público, deve o estudante conhecer a
nítida divergência existente na doutrina.

Seja como for, a atividade econômica prestada com as características


mencionadas acima deve ser considerada serviço público. É que serviço público faz parte
da atividade econômica considerada em sentido amplo; portanto, há que se diferenciar a
expressão atividade econômica, tomada como gênero, da expressão atividade econômica
em sentido estrito, essa última sim com significado diferenciado de serviço público. O
gênero atividade econômica contempla as espécies serviço público e atividade econômica
em sentido estrito. 66

Em sentido diverso, a Min. Eliana Calmon afirma que serviços públicos


podem ser próprios ou gerais, nos casos em que não há possibilidade de identificação dos
usuários, hipóteses em que são financiados por tributos e prestados pelo próprio Estado

65
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA: MUNICÍPIO DE IPATINGA/MG. C.F.,
art. 145, II. CTN, art. 79, II e III. I. - As taxas de serviço devem ter como fato gerador serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Serviços específicos são aqueles que podem ser
destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas; e divisíveis, quando
suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos usuários. CTN, art. 79, II e III. II. - Taxa de Limpeza
Pública: Município de Ipatinga/MG: o seu fato gerador apresenta conteúdo inespecífico e indivisível. III. - Agravo não
provido.” (STF, Segunda Turma, RE (AgR) nº 366086/MG, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. em 10/06/2003, DJ de
1º/8/2003)
66
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 131.
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(ex. segurança pública); ou podem ser impróprios ou individuais, nos casos em que os
destinatários são determinados ou determináveis, hipóteses em que podem ser prestados
por órgãos da administração indireta ou por meio de delegação, mediante concessão e
permissão de serviços públicos (art. 175 da Constituição Federal e Lei nº 8.987/95). Desse
modo, os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo
facultativa a sua utilização e plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor.67

A Constituição Federal estabelece quais são as Unidades da Federação


competentes para a prestação de determinados serviços públicos. Há as competências
comuns a todas as unidades da Federação (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios), que estão elencadas no art. 23 da CF.

Além das competências comuns, há as competências materiais atribuídas


da União, taxativamente previstas no art. 21.

Para os Estados, há uma única competência expressa: é a competência


para exploração dos serviços locais de gás canalizado (art. 25, § 2º), mas os Estados
dispõem das competências remanescentes (isto é, o que não for previsto na Constituição
é de competência dos Estados).

Já os Municípios têm como competências a prestação de serviços


públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo; a de manter, com a
cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-
escolar e de ensino fundamental e a de prestar, também com a cooperação técnica e
financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.

Ao Distrito Federal compete a prestação dos serviços públicos de


competência dos Estados e dos Municípios.

67
STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 705.203/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, j. em 11/10/2005, DJ 07.11.2005.
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3.Atividade econômica exercida pelo Estado.

O Estado pode realizar determinadas atividades reservando-se o exercício


em monopólio por razões de interesse público. Além disso, são comuns os casos de
exercício público de atividades econômicas em regime de concorrência com a iniciativa
privada.68

Como conseqüência do princípio da livre iniciativa (art. 170, caput),


fundamento da ordem econômica, a atividade exercida pelo Estado é excepcional.

Quando pode o Estado exercer atividade econômica?

Diz o caput do art. 173 da própria Constituição Federal:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração


direta de atividade econômica pelo Estado só será admitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.

Inicialmente, observamos que há casos expressos na Constituição em que


o Estado deve desempenhar atividade econômica.

É a hipótese do art. 177, que estabelece monopólios da União sobre:


pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; importação e exportação dos produtos e
derivados básicos das atividades mencionadas; transporte marítimo do petróleo bruto de
origem nacional ou derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o
transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de
qualquer origem; pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e

68
ASCARELLI, Túlio. Iniciación al estudio del derecho mercantil. Traduzido para o espanhol por Evello Verdera y
Tuells. Barcelona: Bosch, 1964, p. 198-199.
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comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados (com exceção dos


radioisótopos, que podem ser explorados por particulares mediante permissão em casos
específicos).

É correto dizer que “O monopólio é uma forma de intervenção do Estado


na economia e está previsto expressamente, na Constituição Federal, para a hipótese de
transporte de petróleo, de seus derivados e de gás natural, de origem nacional ou
estrangeira, por meio de conduto”.69

É também a hipótese do art. 21, XXIII, que estabelece ser de competência


da União explorar os serviços e instalações nucleares e exercer em regime de monopólio
a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio
de minérios nucleares e seus derivados, nos termos em que especifica.

É certo, portanto, dizer que "A Constituição da República prevê áreas em


que a exploração direta de atividade econômica pela União é feita por meio de
monopólios"70

Fora das hipóteses previstas na Constituição, somente poderá haver


exercício de atividade econômica pelo Estado quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou relevante interesse coletivo, na forma da lei.

Está correto dizer que "apesar de reconhecida a primazia da iniciativa


privada, caberá a atuação do Estado onde o legislador, numa decisão política, entender
existir um 'relevante interesse coletivo'".71

69
CESPE/UnB – TRF-5ª Região, Concurso Público para Juiz Federal, prova objetiva, aplicação em 30/7/2006, questão
nº 1.
70
CESPE/UnB, Concurso para provimento de cargos de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados - Área VII -
Finanças e Direito Comercial, Questão nº 75 (4), prova realizada em 29/9/2002.
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O exercício de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado


constitui intervenção direta do Estado na economia.

Por isso, está correto dizer que "A criação de empresa estatal para
explorar atividade econômica necessária aos imperativos da segurança nacional constitui
forma de intervenção direta do Estado na atividade econômica".72

A intervenção direta na economia também é chamada de intervenção por


absorção (o Estado exerce a atividade econômica em regime de monopólio) ou por
participação (o Estado exerce a atividade econômica em regime de competição com
particulares).

2.3.1.Exploração de atividade econômica pelas empresas estatais.

A princípio, qualquer pessoa ou qualquer grupo de pessoas pode exercer


atividade econômica.

O direito, porém, regula como essa atividade deve ser feita. Essa
regulação poderá ser objeto do direito econômico ou do direito comercial, agora visto
como o direito de empresas. Outros ramos do direito também fazem regulação de
aspectos da atividade econômica, como o direito do trabalho, o direito civil e o direito
administrativo.

Pode o Estado ser empresário?

71
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, de acordo com a Constituição de 1988. 18.
ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 306.
72
Questão nº 62 (3) da prova realizada pelo CESPE em 3/3/2002, Concurso Público para provimento do cargo de
Consultor Legislativo do Senado Federal - Área 5 - Direito Comercial e Econômico.
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A regra geral, conforme vimos no item 1.3.1, é no sentido de que o Estado


não deve ser empresário, pois incumbe à iniciativa privada e não ao Estado o exercício da
atividade econômica. Em regra, o empresário é uma pessoa física ou pessoa jurídica
privada; em certos casos, porém, o Estado poderá ser empresário.73 Com efeito, pode o
Estado explorar diretamente a atividade econômica quando for necessário para a
segurança nacional ou para atender a relevante interesse coletivo, conforme definidos em
lei (art. 173 da Constituição Federal).74

Nessas hipóteses, o Estado poderá criar pessoas jurídicas para essa


atividade. São elas: empresa pública e sociedade de economia mista.

Vejamos, inicialmente, as características comuns da empresa pública e da


sociedade de economia mista, que chamaremos, genericamente, de empresas estatais.
As empresas estatais podem explorar atividade econômica em pé de igualdade com os
particulares; há empresas estatais, porém, que prestam serviço público, tal como veremos
adiante.

Tanto a empresa pública como sociedade de economia mista têm seu


regime jurídico baseado na diretriz fixada pelo art. 173, da Constituição Federal, em sua
redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração


direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária
aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade
de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de
produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo
sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações,
observados os princípios da administração pública;

73
RIVA-SANSEVERINO, Luisa. Disciplina delle attività professionali: impresa in generale. Bologna: N. Zanichelli;
Roma: Foro Italiano, 1977, p. 137.
74
SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 472.
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IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e


fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos
administradores.
§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não
poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a
sociedade.
(...)

É pacífico que a empresa pública e a sociedade de economia mista,


embora criadas por iniciativa do Poder Público, quer exerçam atividade econômica em
sentido estrito, quer prestem serviço público, são pessoas jurídicas de direito privado. O
regime jurídico das empresas estatais é de direito privado, parcialmente derrogado pelo
direito público, como inclusive se pode notar pela leitura do dispositivo constitucional supra
transcrito. Na verdade, exatamente em razão dessa parcial derrogação, acho que seria
mais adequado dizer que elas têm natureza híbrida, como afirmam alguns autores.75 Mas,
para fins de concurso, deve-se dizer que as empresas estatais são pessoas jurídicas de
direito privado, com o regime parcialmente derrogado pelo direito público.

Algumas normas de direito público são aplicáveis às empresas estatais:


necessidade de concurso público para admissão de empregados, necessidade de
obediência à Lei nº 8.666, 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações) para contratar etc. O
art. 173, § 1º, da Constituição Federal prevê a edição de lei que tratará do regime jurídico
da empresa pública e da sociedade de economia mista que exploram atividade
econômica. Contudo, essa lei ainda não foi editada, razão pela qual, atualmente, todas
empresas estatais devem obedecer à Lei nº 8.666/93.

O cumprimento de execuções judiciais por parte da empresa pública e da


sociedade de economia mista, como regra geral, não é feito por meio de precatório; os
bens das empresas estatais, como regra geral, são passíveis de penhora; a execução dos

75
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003,
p. 392.
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seus créditos é regida pelo Código de Processo Civil, e não pela Lei de Execução Fiscal76;
seus trabalhadores são regidos pelo direito civil, se prestadores de serviço, ou pelo direito
do trabalho, se empregados, não existindo nos seus quadros a figura do servidor público,
regido pelo direito administrativo, que existe nas autarquias e fundações criadas pelo
Poder Público. Além disso, as empresas estatais são sujeitas ao controle do Tribunal de
Contas (art. 71 da Constituição Federal) e do Congresso Nacional (art. 49, X, da
Constituição Federal); e aplica-se aos seus dirigentes e empregados a proibição de
cumulação de cargos, nos termos do art. 37, XVII).

Com relação às sociedades de economia mista, é errado dizer que “os


servidores não concursados dessas sociedades podem ser aproveitados em órgãos da
administração direta, desde que já estivessem em exercício há 5 anos, na data da
promulgação da Constituição Federal de 1988”,77 bem como também é errado dizer que “é
permitida a contratação de pessoal para serviços permanentes por meio de ajuste civil de
locação de serviços, sem que isso configure escapismo à exigência constitucional do
concurso público”.78 Pelas mesmas razões, o mesmo se aplica à empresa pública e a
qualquer empresa controlada, direta ou indiretamente, pelo Poder Público.

Por isso se diz que as empresas públicas e sociedades de economia mista


são pessoas jurídicas de direito privado, com regime jurídico parcialmente derrogado pelo
direito público.

A sociedade anônima tem uma função social, não devendo apenas buscar
o lucro. Com relação às empresas estatais, a necessidade de cumprimento de fins sociais
tem relevo ainda maior. Certas situações que poderiam caracterizar abuso no poder de
controle em uma sociedade regida unicamente pelo direito privado poderão ser lícitas e
manifestamente justas em uma empresa estatal.

76
SILVA, Bruno Mattos e. Execução Fiscal. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 1.
77
CESPE/UNB – Procurador do Estado do Espírito Santo/Concurso Público – aplicação em 7/11/2004, questão nº 52.
78
CESPE/UNB – Procurador do Estado do Espírito Santo/Concurso Público – aplicação em 7/11/2004, questão nº 53.
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Assim, pode ser adequado do ponto de vista da ação estatal a venda de


determinados produtos a com reduzida margem de lucro, a preço de custo ou mesmo a
preços subsidiados, como forma de beneficiar um outro segmento da atividade econômica
ou mesmo a população em geral. Por exemplo, quando, em maio de 2006, foram elevados
os custos de empresa controlada da Petrobras que opera na Bolívia, por força de ato do
Governo local, o Presidente do Brasil declarou que esse aumento não seria repassado ao
consumidor brasileiro.79 A toda evidência, tratou-se de atitude lícita do controlador indireto,
no caso, o Governo brasileiro, já que a função social de uma empresa estatal tem
relevância maior do que a simples busca de lucros.

Quem opta por ser acionista de uma sociedade de economia mista sabe
(ou deveria saber) que o objetivo do controlador poderá não ser o lucro, assim como a
busca de outros objetivos fazem parte do regime jurídico da sociedade de economia mista
ou de uma empresa pública.

A teor do art. 4º, II, do Decreto-lei nº 200/67, as empresas públicas e as


sociedades de economia mista fazem parte da administração indireta. Essas entidades
vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal
atividade (art. 4º, parágrafo único, do Decreto-lei nº 200/67) e estão abrangidas pelo art.
37, XXI, da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação
técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
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A teor do disposto no Decreto-lei nº 200/67, as empresas estatais estão


sujeitas à supervisão do Ministro de Estado competente, mas a elas estão asseguradas as
condições de funcionamento idênticas às do setor privado, cabendo ajustar-se ao plano
geral do Governo. As empresas estatais deverão estar habilitadas a prestar contas da sua
gestão, pela forma e nos prazos estipulados em cada caso; prestar a qualquer momento,
por intermédio do Ministro de Estado, as informações solicitadas pelo Congresso Nacional;
evidenciar os resultados positivos ou negativos de seus trabalhos, indicando suas causas
e justificando as medidas postas em prática ou cuja adoção se impuser, no interesse do
Serviço Público.

A Constituição Federal estabelece que as empresas públicas e as


sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às
do setor privado (art. 173, § 2º).

Portanto, é correto dizer que “Uma empresa pública federal constituída


para prestar serviços de transmissão de energia elétrica, não pode gozar de incentivos
fiscais não extensivos às empresas do setor privado”.80 mas está errado dizer que "as
empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais", uma vez que a Constituição não veda privilégios fiscais para as empresas
estatais, mas apenas proíbe que tais privilégios não sejam extensivos às empresas
privadas, razão pela qual está correto dizer que "as empresas públicas e as sociedades de
economia mista, ao explorarem serviços públicos, poderão gozar de privilégios fiscais"81 e
está errado dizer que “As empresas públicas criadas para o desempenho de atividade
econômica relevante poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às empresas do
setor privado”.82

79
Notícia estampada na primeira página do jormal Correio braziliense de 6 de maio de 2006.
80
CESPE/UnB – Município de Vitória, Concurso Público para Procurador Municipal, aplicação em 3/6/2007, questão nº
97.
81
CESPE/UnB, Concurso para provimento de cargos de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados - Área VII -
Finanças e Direito Comercial, Questão nº 75 (5), prova realizada em 29/9/2002.
82
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Concurso para Juiz de Direito– Prova tipo 1, aplicação em agosto de 2007,
questão nº 58, alternativa “b” (incorreta).
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A Constituição Federal estabelece que a criação de empresa pública e de


sociedade de economia mista deve ser autorizada por lei:

Art. 37 (...)
XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação,
cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

A expressão autorização legislativa é utilizada também pela Lei nº


6.404/76, no caput do art. 236 ao tratar da constituição da sociedade de economia mista:

Art. 236. A constituição de companhia de economia mista depende de prévia


autorização legislativa.

A empresa pública e a sociedade de economia mista não são criadas por


lei, mas sim pelos procedimentos próprios, previsto na lei que autoriza a criação da
empresa pública e, no caso das sociedades de economia mista, na Lei nº 6.404/76. Assim,
é errado dizer que “As sociedades de economia mista e as empresas públicas têm em
comum a sua criação por lei”.83

Portanto, tecnicamente, as sociedades de economia mista e empresas


públicas não são “criadas” por lei (mas sim sua criação é autorizada por lei). Em um
concurso público, foi considerado correto dizer que, "com base no art. 37, XIX, da CF,
somente por lei específica podem ser criadas": "as autarquias" (alternativa "b", correta),
mas não "as sociedades de economia mista e suas subsidiárias" (alternativa "c", incorreta)
nem "todas as entidades de administração indireta" (alternativa "d", incorreta).84

83
CESPE/UNB/PGE-CE/Concurso Público – aplicação em 15/2/2004, questão 27(d).
84
TJRO - Concurso Público de Provas e Títulos para Ingresso e Remoção para os Serviços Notariais e de Registro do
Estado de Rondônia, realizado em 2004/2005, questão nº 6.
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Por outro lado, é correto afirmar que “Uma sociedade de economia mista
ou empresa pública pode resultar da transformação, por lei, de um órgão público
preexistente”.85

Também depende de autorização legislativa “a criação de subsidiárias de


sociedades de economia mista”,86 o que é aplicável também às subsidiárias das empresas
públicas.

Pergunta-se: pode a lei, de forma genérica, conceder autorização para


que possam ser criadas subsidiárias pela empresa estatal ou é necessário que cada
subsidiária a ser criada seja objeto de lei específica? Há precedentes do STF no sentido
de que pode a lei conceder, de forma genérica, autorização para que determinada
empresa estatal possa criar subsidiárias.87

A doutrina afirma que a extinção da empresa pública e da sociedade de


economia mista também necessita ser autorizada por lei.88 Trata-se de uma afirmativa
para ser usada em concurso público.

85
TJBA – CESPE/UnB – Concurso Público para Juiz de Direito, aplicação em 9/7/2005, questão nº 48 (“Caderno
Itapuã”).
86
CESPE/UNB/PGE-CE/Concurso Público – aplicação em 15/2/2004, questão 28(IV).
87
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9478/97. AUTORIZAÇÃO À PETROBRÁS
PARA CONSTITUIR SUBSIDIÁRIAS. OFENSA AOS ARTIGOS 2º E 37, XIX E XX, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. INEXISTÊNCIA. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. A Lei 9478/97 não autorizou a instituição de
empresa de economia mista, mas sim a criação de subsidiárias distintas da sociedade-matriz, em consonância com o
inciso XX, e não com o XIX do artigo 37 da Constituição Federal. 2. É dispensável a autorização legislativa para a
criação de empresas subsidiárias, desde que haja previsão para esse fim na própria lei que instituiu a empresa de
economia mista matriz, tendo em vista que a lei criadora é a própria medida autorizadora. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente.” (STF, Pleno, ADIn nº 1649/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. em
24/03/2004, DJ de 28-05-2004)
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA: CRIAÇÃO. TELEBRÁS:
REESTRUTURAÇÃO SOCIETÁRIA: CISÃO. Lei nº 9.472, de 16.07.97, art. 189, inciso I. Decreto nº 2.546, de
14.04.98, art. 3º - Anexo. C.F., art. 37, XIX. I. - A Lei nº 9.472, de 16.07.97, autorizando o Poder Executivo, para a
reestruturação da TELEBRÁS (art. 187), a adotar a cisão, satisfaz ao que está exigido no art. 37, XIX, da C.F.. II. -
Indeferimento do pedido de suspensão cautelar da expressão "cisão", no inciso I do art. 189 da Lei nº 9.472, de 1997,
bem assim das expressões "que fica autorizada a constituir doze empresas que a sucederão como controladoras",
contidas no art. 3º - Anexo, do Decreto nº 2.546, de 14.04.98.” (STF, Pleno, ADIn nº 1840 MC/DF, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO, j. em 25/06/1998, DJ de 11-09-1998)
88
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003,
p. 389-390.
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Mas deve-se fazer uma ressalva a essa afirmação, no que se refere à


empresas estatais federais: dispõe expressamente o art. 178 do Decreto-lei nº 200/67 que:

Art. 178. As autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia


mista, integrantes da Administração Federal Indireta, bem assim as fundações
criadas pela União ou mantidas com recursos federais, sob supervisão ministerial,
e as demais sociedades sob o controle direto ou indireto da União, que acusem a
ocorrência de prejuízos, estejam inativas, desenvolvam atividades já atendidas
satisfatoriamente pela iniciativa privada ou não previstas no objeto social, poderão
ser dissolvidas ou incorporadas a outras entidades, a critério e por ato do Poder
Executivo, resguardados os direitos assegurados, aos eventuais acionistas
minoritários, nas leis e atos constitutivos de cada entidade.

Ou seja, nessa hipótese não haverá necessidade de lei específica para


autorizar a extinção da empresa estatal.

Pode a empresa pública e a sociedade de economia mista prestar serviço


público? Ou deve apenas exercer atividade econômica, a teor do art. 173, supra
transcrito?

A empresa pública e a sociedade de economia mista podem ter por objeto


serviço público. Quando os incisos II e III do art. 5º do Decreto-lei nº 200/67 dizem que a
empresa pública e sociedade de economia mista têm por objeto a exploração de atividade
econômica, querem utilizar essa expressão como gênero, abrangendo não apenas a
atividade econômica em sentido estrito, como também as atividades que são consideradas
serviço público. Isso significa que deve haver remuneração por parte de quem com as
empresas estatais contrata, o que é óbvio, pois as empresas estatais são empresas, no
sentido técnico da palavra.89

Os bens das empresas estatais são bens públicos ou privados? Eles


podem ser penhorados?

89
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15a. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 175 e
176.
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Há posições discrepantes na doutrina a respeito da natureza jurídica dos


bens das empresas estatais: uma corrente sustenta que os bens das empresas estatais
são bens privados,90 ao passo que outra corrente sustenta que eles são bens públicos.91

A questão fica ainda mais confusa quando se tem em mente as


disposições nada técnicas do novo Código Civil: o art. 98 dispõe que “São públicos os
bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno;
todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.”; já o
parágrafo único do art. 99 do novo Código Civil considera dominicais (espécie de bens
públicos) “os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha
dado estrutura de direito privado”. O que seriam “pessoas jurídicas de direito público a que
se tenha dado estrutura de direito privado”? Trata-se de figura inexistente no nosso direito.
Será que o legislador pretendeu se referir às empresas estatais? As empresas estatais
são pessoas jurídicas de direito privado, criadas pelo Poder Público, parte da
Administração Indireta.

Como regra geral, os bens das empresas estatais podem ser penhorados.
Há orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não podem ser
penhorados os bens da sociedade de economia mista vinculados ao serviço público,92
mas podem ser penhorados os bens que não comprometam a sua atividade.93 Outra

90
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003,
p. 399.
91
MUKAI, Toshio. O direito administrativo e os regimes jurídicos das empresas estatais. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum,
2004, p. 269. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 413.
92
"PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA EM BENS DE SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA QUE PRESTA SERVIÇO PÚBLICO. A sociedade de economia mista tem personalidade jurídica
de direito privado e está sujeita, quanto à cobrança de seus débitos, ao regime comum das sociedades em geral, nada
importando o fato de que preste serviço público; só não lhe podem ser penhorados bens que estejam diretamente
comprometidos com a prestação do serviço público. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, SEGUNDA TURMA,
REsp nº 176078/SP, DJ de 08/03/1999, Relator Min. ARI PARGENDLER j. em 15/12/1998)
93
“PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. BENS DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. 1. A
sociedade de economia mista, posto consubstanciar personalidade jurídica de direito privado, sujeita-se, na cobrança de
seus débitos ao regime comum das sociedades em geral, nada importando o fato de prestarem serviço público, desde que
a execução da função não reste comprometida pela constrição. Precedentes. 2. Recurso Especial desprovido.” (STJ,
PRIMEIRA TURMA, RESP 521047/SP; Rel. Min. LUIZ FUX, j. em 20/11/2003, DJ de 16.02.2004)
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exceção à possibilidade de penhora de bens é a existência de lei específica no sentido de


considerar impenhoráveis os bens da empresa estatal: é o caso, por exemplo, do art. 12
do Decreto-lei nº 509, de 20 de março de 1969, que estabelece a impenhorabilidade dos
bens da Empresa Brasileira de Correio e Telégrafos.94

No meu modo de ver, essa orientação do STJ, que pontua o regime


jurídico dos bens das estatais, indica que somente seriam públicos (por serem
impenhoráveis) os bens necessários à prestação do serviço público (afinal de contas, a
qualificação de um bem como público ou privado decorre do seu regime jurídico). Como
definir, à luz desses precedentes, um critério científico para caracterizar um bem de uma
empresa estatal como necessário ou desnecessário ao serviço público? Trata-se,
evidentemente, de um conceito indeterminado, o que leva à avaliação subjetiva em cada
caso concreto. Isso também denota, no meu entender, que a natureza jurídica dos bens
das empresas estatais é híbrida, sendo o seu regime jurídico o mesmo das empresas
estatais: direito privado, parcialmente derrogado pelo direito público. A questão é
controversa, como se viu acima.

Foi considerado correto dizer que “O TCU não tem competência, conforme
entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), para fiscalizar as empresas estatais
que exercem atividade econômica, já que estas não possuem bens públicos, mas, sim,
bens privados, nos termos da Constituição Federal”.95 Em sentido oposto, foi considerado
errado dizer que “Pelo fato de as sociedades de economia mista serem pessoas jurídicas
de direito privado, as contas dos seus administradores não estão submetidas à

94
“Art. 12. A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus
serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta,
impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.”
95
CESPE/UnB - Concurso Público - Defensor Público do Estado de Sergipe, “Caderno Aracaju”, aplicação em
24/7/2005, questão nº 2.
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fiscalização do TCU”.96 Há recente precedente do STF no sentido de que o TCU tem


competência para fiscalização de empresas estatais.97

Entendo que esse precedente está correto, a teor do art. 71 da


Constituição Federal, que não faz qualquer distinção entre sociedades mantidas ou
criadas com verbas públicas que exerçam ou não atividade econômica.98 Por força do art.
75 da Constituição Federal, essas regras valem para Estados, Distrito Federal e
Municípios, bem como para respectivas entidades componentes da administração indireta
ou controladas pelo Poder Público local, que devem ser fiscalizadas pelos Tribunais de
Contas dos Estados e do Distrito Federal.99

As empresas estatais podem falir?

Atualmente, o art. 2º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005,


estabeleceu que a empresa pública e sociedade de economia mista não estão sujeitas à
falência. Com relação às empresas estatais prestadoras de serviço público, a questão
parece resolvida diante da clareza do texto legal. Porém, a validade dessa disposição

96
TCU-CESPE/Unb – Concurso Público para Técnico de Controle Externo, aplicação em 2/5/2004, item nº 102.
97
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA:
FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. ADVOGADO EMPREGADO DA EMPRESA QUE DEIXA DE
APRESENTAR APELAÇÃO EM QUESTÃO RUMOROSA. I. – Ao Tribunal de Contas da União compete julgar as
contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e
indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que
derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (CF, art. 71, II; Lei 8.443, de
1992, art. 1º, I). II. – As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da administração indireta,
estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista.
III. – Numa ação promovida contra a CHESF, o responsável pelo seu acompanhamento em juízo deixa de apelar. O
argumento de que a não-interposição do recurso ocorreu em virtude de não ter havido adequada comunicação da
publicação da sentença constitui matéria de fato dependente de dilação probatória, o que não é possível no processo do
mandado de segurança, que pressupõe fatos incontroversos. IV. – Mandado de segurança indeferido.” (STF, Pleno, MS
25092/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. em 10.11.2005, Informativo STF nº 411)
98
“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da
União, ao qual compete: (...) II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder
Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo
ao erário público;”
99
“Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização
dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos
Municípios. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão
integrados por sete Conselheiros.”
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poderá ser discutida, como já o foi no passado, para as empresas estatais que explorem
atividade econômica.100

Os atos e contratos das empresas estatais são regidos pelo direito público
ou pelo direito privado? Cabe mandado de segurança contra ato de dirigente ou preposto
de empresa estatal?

A regência dos atos e contratos das empresas estatais, no tocante à


exploração da atividade econômica, é regida pelo direito privado, parcialmente derrogado
pelo direito público. Assim, como regra geral, a atividade desempenhada por essas
empresas estatais será regida pelo direito privado. Por exceção, haverá regência de direito
público, conforme já visto acima (obrigação de licitar, de contratar trabalhadores por
concurso público etc). É correto dizer que “A sociedade de economia mista e a empresa
pública, embora sujeitas à disciplina do direito privado, podem ser parte em contrato
administrativo”.101

Já as empresas estatais que realizem atividades delegadas da


Administração Direta, terão regime jurídico de direito público no tocante aos atos jurídicos
praticados no exercício dessa função. Cabe, portanto, mandado de segurança contra ato
praticado nessa seara.102

As empresas estatais estão sujeitas à Lei de Licitações para contratar? A


mesma regra se aplica às estatais exploradoras de atividade econômica?

100
Para ver a discussão que existiu a respeito da possibilidade de disposição legal nesse sentido (art. 242 da Lei nº
6.404/76, revogado pela Lei nº 10.303/2001), vide: SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e
direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 481-482.
101
CESPE/UnB – TJCE – Concurso Público para Juiz de Direito, aplicação em 26 e 27/2/2005, questão nº 15(2).
102
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003,
p. 401.
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Sim, as empresas estatais, inclusive as exploradoras de atividade


econômica, estão sujeitas à Lei de Licitações. É o que dispõe expressamente o parágrafo
único do art. 1º da Lei nº 8.666/93.

Porém, é errado dizer que “As sociedades de economia mista e as


empresas públicas submetem-se às mesmas regras acerca de procedimento licitatório
aplicáveis às autarquias e às fundações públicas”,103 pois “há algumas regras que
estabelecem limites específicos para as empresas públicas e sociedades de economia
mista”.104 Com certeza trata essa afirmação do parágrafo único do art. 24 da Lei nº
8.666/93. Mas há outras diferenças, na própria Lei nº 8.666/93 (ex. art. 24, XXIII), bem
como a Constituição Federal aponta que, um dia, deverão existir regras específicas para
licitação e contratação por parte das empresas estatais que explorem atividade econômica
(art. 173, § 1º, III).105

Além disso, mesmo na ausência dessa norma, já há certa flexibilidade na


necessidade de realização de licitação, quanto a contratos realizados na atividade-fim da
empresa estatal exploradora de atividade econômica, nos termos do que se lê do seguinte
acórdão do Tribunal de Contas da União:

Jurisprudência consolidada nesta Corte no sentido da possibilidade de as


empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que
explorem atividade econômica prescindirem da utilização de licitação para a
contratação de bens e serviços que constituam a sua atividade-fim, enquanto não
editada a lei a que se refere o art. 173, § 1°, da Constituição Federal, apenas nas
hipóteses em que o diploma licitatório constitua óbice intransponível à sua
106
atividade negocial.

103
CESPE/UnB – TCU - Concurso Público para ANALISTA DE CONTROLE EXTERNO – ÁREA DE CONTROLE
EXTERNO aplicação em 14/5/2005, questão nº 91.
104
JUSTIFICATIVAS DE ALTERAÇÃO/ATUALIZAÇÃO DE GABARITO, de 29/7/2005.
105
“Art. 173 (...) § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de
suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços, dispondo sobre: (...) III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os
princípios da administração pública; (...)”
106
TCU, Acórdão 1390/2004 – Plenário, Min. MARCOS BEMQUERER, Unidade Técnica: 6ª Secretaria de Controle
Externo, Processo 006.244/2004, Publicação: Ata 34/2004 – Plenário, Sessão 15/09/2004, Aprovação 22/09/2004, DOU
23/09/2004.
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Quanto a empresa pública (e também a sociedade de economia mista)


que pagou seus débitos com bens imóveis dominiais, é correto dizer que “a dação em
pagamento não dependia de prévia autorização do Ministério”107 ao qual a empresa está
vinculada, assim como é correto dizer que “A dação em pagamento dependia de prévia
avaliação”.108 É errado dizer que “a dação em pagamento dependia de prévia autorização
legislativa”,109 pois a Lei nº 8.666/93, que se aplica às empresas estatais (art. 1º, parágrafo
único), prevê a necessidade de autorização legislativa para “para órgãos da administração
direta e entidades autárquicas e fundacionais” (art. 17, I) e não para as empresas estatais.
Para a dação em pagamento, por razões óbvias, é inviável a licitação, que é
expressamente “dispensada” (inexigível, na verdade) pela alínea “a” do inciso I do art. 17
da Lei nº 8.666/93.

Sociedade de economia mista.

Vimos as regras aplicáveis genericamente às empresas públicas e


sociedades de economia mista. Vejamos, agora, as regras aplicáveis especificamente às
sociedades de economia mista.

Um bom conceito de sociedade de economia mista é o seguinte: “pessoas


jurídicas de direito privado, integrantes da administração indireta do Estado, criadas por
autorização legal, sob a forma de sociedades anônimas, cujo controle acionário pertença
ao poder público, objetivando a exploração de atividades gerais de caráter econômico e,
em alguns casos, a prestação de serviços públicos”.110

107
CESPE/UNB/AGU – Procurador Federal/Concurso Público – aplicação em 25/4/2004, questão nº 21.
108
CESPE/UNB/AGU – Procurador Federal/Concurso Público – aplicação em 25/4/2004, questão nº 23.
109
CESPE/UNB/AGU – Procurador Federal/Concurso Público – aplicação em 25/4/2004, questão nº 22.
110
ELETROBRÁS – NCE/UFRJ – Concurso Público para Advogado, aplicação em 15/01/2006, questão nº 41,
alternativa “c”.
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A sociedade de economia mista é regida pela Lei nº 6.404/76, a teor do


seu art. 235, que assim dispõe:

Art. 235. As sociedades de economia mista estão sujeitas a esta Lei, sem
prejuízo das disposições especiais de lei federal"

Além disso, a teor do § 1º desse mesmo dispositivo, se a sociedade de


economia mista for uma sociedade anônima aberta, ela estará também sujeita às normas
expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Toda sociedade anônima nasce com o arquivamento ("registro") e


publicação dos seus atos constitutivos (art. 94, da Lei nº 6.404/76). Antes disso, é apenas
uma sociedade "em organização", como se extrai da leitura do art. 91, da Lei nº 6.404/76.
Essas regras são também aplicáveis à sociedade de economia mista.

A sociedade de economia mista tem, obrigatoriamente, Conselho de


Administração (art. 239) e Conselho Fiscal com funcionamento permanente (art. 240).

A sociedade de economia mista não terá suas ações apreciadas pela


Justiça Federal, pois não está contemplada no art. 109, I, da Constituição Federal, que
estabelece as causas de competência dos juízes federais. Assim, as ações em que for
parte uma sociedade de economia mista tramitarão pela Justiça Comum, salvo, é claro,
nas hipóteses excepcionais previstas na Constituição (ex. uma reclamação trabalhista
será processada na Justiça do Trabalho; uma ação contra uma autarquia federal será
processada na Justiça Federal etc).

Assim, é errado dizer que “O foro competente para julgar as ações em que
seja parte sociedade de economia mista da União é a justiça federal”.111 No mesmo
sentido, é errado dizer que caso em que “empregado de sociedade de economia mista

111
CESPE/UNB – Procurador do Estado do Espírito Santo/Concurso Público – aplicação em 7/11/2004, questão nº 54.
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federal sofra acidente de trabalho por culpa do empregador, sendo o empregador culpado,
caberá contra este ação de reparação de danos, que tramitará na justiça federal”.112

A sociedade de economia mista, repita-se, é uma sociedade anônima.


Mas um traço fundamental que diferencia a sociedade de economia mista das demais
sociedades anônimas é o de ter sido criada e controlada pelo Estado e ter seu regime
jurídico parcialmente derrogado pelo direito público.

Por isso existe a possibilidade de se “orientar as atividades da companhia


de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação” (art. 238 da Lei nº
6.404/76): se nas sociedades anônimas o controlador deve (dentro de limites éticos,
sociais e legais) dirigir a companhia para a busca do lucro, nas sociedades de economia
mista a busca do lucro pode ceder espaço para alcançar finalidades públicas constantes
do objeto social da companhia, ainda que não sejam lucrativas.

O art. 238 da Lei nº 6.404/76 estabelece que a pessoa jurídica que


controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista
controlador, mas isso não significa que o investimento dos particulares sócios deva ser
garantido pelo Estado. Está errado dizer que “A pessoa jurídica que controla uma
sociedade de economia mista tem as mesmas responsabilidades do acionista controlador
das demais sociedades anônimas e é responsabilizada objetivamente quando, em virtude
de desenvolvimento de atividade empresarial deficitária, ocorrer a diminuição da
rentabilidade dos investimentos dos acionistas particulares”.113

Empresa pública.

112
CESPE/UNB – Procurador do Estado do Espírito Santo/Concurso Público – aplicação em 7/11/2004, questão nº 97.
113
MPU/MPDFT – 27º Concurso Público para o cargo de Promotor de Justiça Adjunto. Aplicação em 3 de abril de
2005. Questão nº 50, alternativa “c” considerada errada pelo gabarito oficial definitivo.
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Vimos as regras aplicáveis genericamente às empresas públicas e


sociedades de economia mista. Vejamos, agora, as regras aplicáveis especificamente às
empresas públicas.

O art. 5º, II, do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, define


empresa pública como “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado,
com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de
atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de
conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em
direito”.

Há que se fazer algumas ressalvas a essa definição legal. A primeira


delas é de ordem legal: o art. 5º do Decreto-lei nº 900, de 25 de setembro de 1969, dispõe
que desde que a maioria do capital votante permaneça de propriedade da União, pode ser
admitida na empresa pública a participação de outras pessoas jurídicas de direito público
interno bem como de entidades da Administração Indireta da União, dos Estados, Distrito
Federal e Municípios.

A segunda ressalva é de ordem doutrinária: há empresas públicas que


exercem atividade considerada como serviço público. É o caso da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos, a teor do que dispõe o art. 21, X, da Constituição Federal.

Diferencia-se a empresa pública da sociedade de economia mista quanto


ao foro competente para julgamento das ações em que for parte, nos termos do art. 109, I,
da Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e
à Justiça do Trabalho;
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Como se vê, esse dispositivo constitucional menciona a empresa pública,


mas não menciona a sociedade de economia mista.

Em razão dessa expressa disposição constitucional, é correto dizer que


“Ação que tenha por objeto a discussão de domínio proposta contra a Caixa Econômica
Federal não se sujeita à regra do fórum rei sitae porque se trata de competência da justiça
federal, que prevalece sobre qualquer outra regra de competência estabelecida em lei”.114

Outra diferença é quanto a forma societária: a empresa pública poderá ter


qualquer forma admitida em direito, a depender da lei que autorizar sua criação. O regime
jurídico da empresa pública será fortemente influenciado pela lei que autorizar sua criação,
a ela não se aplicando a Lei nº 6.404/76, salvo, é claro, se a lei autorizadora de sua
criação dispuser a respeito dessa aplicação.

Como regra geral, a empresa pública poderá ter ser bens penhorados.
Mas pode a lei estabelecer exceções. É o caso da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos, nos termos do Decreto-lei nº 509, de 20 de março de 1969:

Art. 12. A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e


equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda
Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta,
impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro,
prazos e custas processuais.

Prestigiando esse dispositivo legal, a jurisprudência do STF está


pacificada no sentido de que os bens e rendas da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos não podem ser penhorados, devendo a execução contra ela ser processada
por meio de precatório.115

114
CESPE/UNB – Procurador do Estado do Espírito Santo/Concurso Público – aplicação em 7/11/2004, questão nº 102.
115
“Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Execução. - O Plenário desta Corte, no julgamento do RE 220.906 que
versava a mesma questão, decidiu que foi recebido pela atual Constituição o Decreto-lei nº 509/69, que estendeu à
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos à Fazenda Pública, dentre os quais o da
impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, devendo a execução contra ela fazer-se mediante precatório, sob
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Demais empresas controladas pelo Poder Público.

Como vimos, o conceito de sociedade de economia mista e de empresa


pública exige criação autorizada por lei. Uma empresa cujo controle foi adquirido pelo
Estado pode ser considerada sociedade de economia mista ou empresa pública?

Tecnicamente, uma empresa nessa situação não é uma sociedade de


economia mista nem é uma empresa pública. Mas ela está sujeita a todos os limites
aplicáveis às empresas estatais.116 Na prática, o regime jurídico será o mesmo.

Confira-se, a título de exemplo, os seguintes enunciados da jurisprudência


sumulada do Tribunal de Contas da União, que deixam claro que qualquer empresa sob
controle da União estão sujeitas aos limites das empresas componentes da administração
indireta:

SÚMULA Nº 180 Ainda que não recebam contribuições parafiscais ou


transferências à conta da União e independentemente da sua natureza jurídica,
estão sujeitas ao exame e julgamento do Tribunal de Contas as contas das
empresas privadas, cuja totalidade ou maioria das ações ordinárias,
representativas do seu capital social, foram desapropriadas pela União, ou cujos
bens, integrantes do seu patrimônio, foram confiscados e incorporados ao
patrimônio da União, na forma da lei, verificando-se, nos respectivos processos de
prestação de contas, a legitimidade das operações que conduziram à
desapropriação ou ao confisco, a situação das contas antes da intervenção e
quando sob gestão do interventor, controlador, executor do confisco ou liquidante.

SÚMULA Nº 207 É vedada aos órgãos da Administração Federal Direta, às


autarquias, às empresas, às sociedades de economia mista e às entidades sob
seu controle acionário, bem como às Fundações supervisionadas pela União, a
aplicação, em títulos de renda fixa ou em depósitos bancários a prazo, de
disponibilidade financeiras, salvo - quando resultantes de receitas próprias - a
aplicação em títulos do Tesouro Nacional, por intermédio do Banco Central do
Brasil ou na forma que este estabelecer e sem prejuízo das respectivas
atividades operacionais.

pena de ofensa ao disposto no artigo 100 da Carta Magna. - Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso
extraordinário conhecido e provido.” (STF, Primeira Turma, RE 336685/MG, Rel:Min. MOREIRA ALVES, j. em
12/03/2002, DJ de 19-04-2002)
116
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15a. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 190.
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SÚMULA Nº 231. A exigência de concurso público para admissão de


pessoal se estende a toda a Administração Indireta, nela compreendidas as
Autarquias, as Fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, as
Sociedades de Economia Mista, as Empresas Públicas e, ainda, as demais
entidades controladas direta ou indiretamente pela União, mesmo que visem a
objetivos estritamente econômicos, em regime de competitividade com a iniciativa
privada.”

4.Conclusões a respeito do regime da ação estatal.

Em resumo e em conclusão:

• Há limitações à atividade privada (poder de polícia), inclusive à


atividade econômica exercida pelos particulares. Há princípios e
regras para fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado
da iniciativa privada, são fundamentos da ordem econômica e do
próprio Estado brasileiro. O Estado brasileiro é agente normativo e
regulador da atividade econômica, exercendo as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento. O planejamento é
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
A intervenção do Estado como agente normativo e regulador da
atividade econômica pode ocorrer por direção ou por indução, que
são duas modalidades de intervenção indireta.

• Cabe ao Estado a prestação de serviços públicos, mas a


Constituição Federal não define o que é serviço público. Há
divergência na doutrina. Partindo de que toda atividade estatal é
serviço público, o cerne da divergência doutrinária reside em
excluir da noção de serviço público as atividades estatais que não
constituam em uma prestação de utilidade material ou comodidade
material singularmente fruível pelos administrados. A noção restrita
de serviço público é a mais adequada.
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• O Estado pode realizar determinadas atividades em regime de


monopólio por razões de interesse público, ou mesmo em regime
de concorrência com a iniciativa privada.

• Há casos expressos na Constituição Federal de 1988 em que o


Estado deve desempenhar atividade econômica. Fora dessas
hipóteses, somente poderá haver exercício de atividade econômica
pelo Estado quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou relevante interesse coletivo, na forma da lei.

• O exercício de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado


constitui intervenção direta do Estado na economia. Nesse caso, o
Estado poderá criar pessoas jurídicas de direito privado. São elas:
empresa pública e sociedade de economia mista, genericamente
chamadas de empresas estatais. Elas fazem parte da
administração indireta.

• Certos princípios e regras de direito público são aplicáveis às


empresas estatais. As empresas públicas e sociedades de
economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, com
regime jurídico parcialmente derrogado pelo direito público.

• Há posições discrepantes na doutrina a respeito da natureza


jurídica dos bens das empresas estatais: uma corrente sustenta
que os bens das empresas estatais são bens privados, ao passo
que outra corrente sustenta que eles são bens públicos. Como
regra geral, os bens das empresas estatais podem ser penhorados,
mas há jurisprudência do STJ considerando impenhoráveis os
bens indispensáveis ao serviço público, assim como pode a lei
estabelecer a impenhorabilidade de bens de certas empresas. O
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mais adequado é entender que a natureza jurídica dos bens das


empresas estatais é híbrida, sendo o seu regime jurídico o mesmo
das empresas estatais: direito privado, parcialmente derrogado
pelo direito público.

• A orientação mais recente do STF é no sentido de que o TCU tem


competência para fiscalizar as empresas estatais.
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3.DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA

1.Repressão às infrações à ordem econômica. Lei nº 8.884/94.

De acordo com a Constituição Federal, cabe concorrentemente à União e


aos Estados e Distrito Federal legislar sobre direito econômico.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

No âmbito da legislação infraconstitucional tem grande relevo a Lei nº


8.884, de 11 de junho de 1994, que protege os valores pertinentes ao direito econômico
estabelecendo a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

É o que está expresso no caput do seu art. 1º:

Art. 1º Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a


ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de
iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos
consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Como se pode bem notar, a Lei nº 8.884/94 não é apenas uma lei de
defesa da concorrência. Seu objeto é maior: ela é uma lei de defesa da ordem econômica,
que abrange o direito da concorrência, mas a ele não se limita. Assim, exatamente como a
redação do caput do art. 1º está a demonstrar, é objeto da lei da defesa da liberdade de
iniciativa, da livre concorrência (ou seja, a Lei protege o mercado), bem como da função
social da propriedade e dos consumidores, combatendo o abuso do poder econômico.

Há quem chame a Lei nº 8.884/94 de "Lei da Proteção da Concorrência".


Aliás, esse é até o título de um livro, de autoria do ex-Conselheiro do Cade João Bosco
Leopoldino da Fonseca, que trata da Lei nº 8.884/94.
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Na verdade, a Lei nº 8.884/94 protege a concorrência, mas também outros


interesses (consumidores, função social da propriedade etc.)

A Lei nº 8.884/94 é também chamada pela doutrina de "lei antitruste". O


que é truste ou trust?

O Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa117 apresenta os seguintes


significados para a palavra truste:

truste. [do ingl. trust] S. m. 1. Associação financeira que realiza a fusão de


várias firmas em uma única empresa. 2. P. ext. Organização financeira que dispõe
de grande poder econômico.

Evidentemente, nosso ordenamento jurídico não coíbe a existência de


empresas ou organizações com grande poder econômico. A expressão "legislação
antitruste" não significa ir contra os grandes grupos econômicos. Na verdade, trata-se de
uma expressão que deve ter como significado a defesa da ordem econômica, que inclui a
defesa da concorrência contra o exercício abusivo do poder econômico. Ou seja, os
trustes apenas são combatidos quando praticam atos atentatórios à ordem econômica.

Chamar a Lei nº 8.884/94 de "lei antitruste" é um pouco melhor que "lei de


proteção da concorrência", na medida em que são os trustes que têm condições materiais
de praticar atos atentatórios à ordem econômica.

Melhor mesmo, porém, é perceber que a Lei nº 8.884/94 é a Lei que


dispõe "sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica"
(veremos isso no item 3), como está a sua ementa a dizer, já que não é princípio da Lei nº
8.884/94, nem da ordem constitucional, o combate aos trustes.

117
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. 36ª impressão. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 1.723.
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Tudo isso fica muito claro quando temos em mente que a Lei nº 8.884/94
tolera a concentração econômica e até mesmo permite a prática de atos que prejudicam a
concorrência (!), dentro de certos termos e limites, desde que benéficos à sociedade,
como veremos no item 3 deste Capítulo. O que a Lei faz, na verdade, é um confronto entre
os vários valores por ela protegidos, admitindo um sacrifício maior de um para o benefício
maior de outro, tendo em mira o interesse da coletividade.

Concluindo:

• a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, conhecida como "Lei da


Proteção da Concorrência" ou “Lei antitruste”, estabelece a
prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.
Ela inclui a defesa da concorrência como valor protegido, mas
também trata de outros valores pertinentes ao direito econômico;

• nosso ordenamento jurídico não coíbe a existência de empresas ou


organizações com grande poder econômico. A expressão
"legislação antitruste" não significa ir contra os grandes grupos
econômicos. Os trustes apenas são combatidos quando praticam
atos atentatórios à ordem econômica;

• dentro de certos limites e desde que benéficos à sociedade, a Lei nº


8.884/94 tolera a concentração econômica e até mesmo permite a
prática de atos que prejudicam a concorrência.

1.1. O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a SDE - Secretaria de


Direito Econômico.
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Lei nº 8.884/94 transformou em autarquia o CADE - Conselho


Administrativo de Defesa Econômica, que havia sido criado pela Lei nº 4.137, de 10 de
setembro de 1962.

O CADE tem hoje, portanto, a natureza de autarquia federal, vinculado ao


Ministério da Justiça, com sede no Distrito Federal.

O CADE é composto por um Presidente e seis Conselheiros escolhidos


dentre cidadãos com mais de trinta anos de idade, de notório saber jurídico ou econômico
e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo
Senado Federal. Tanto o Presidente como os Conselheiros têm mandato de dois anos,
podendo existir uma recondução.

O CADE, portanto, tem como órgãos o Plenário e, por assim dizer, o


Presidente e os Conselheiros, cada qual com competências definidas pela Lei.

As competências do Plenário são as seguintes:

• zelar pela observância da Lei nº 8.884/94, de seu regulamento, e do


Regimento Interno do Conselho.

O CADE é pessoa jurídica com competências para fazer cumprir a Lei nº


8.884/94 e legislação decorrente. O órgão competente para exercer essa atribuição é o
Plenário.

• decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar


as penalidades previstas em lei.

O CADE é órgão judicante, no sentido de perante ele tramitam processos


administrativos sancionadores. O CADE decide se nos casos a ele submetidos ocorreu ou
não infração à ordem econômica, bem como aplica as sanções que entender cabíveis. O
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CADE não é órgão do Poder Judiciário e, evidentemente, quaisquer de suas decisões


podem ser judicialmente contestadas, uma vez que no sistema constitucional brasileiro a
jurisdição administrativa não exclui a judiciária.

• decidir os processos instaurados pela Secretaria de Direito


Econômico do Ministério da Justiça.

De acordo com o sistema da Lei nº 8.884/94, art. 14, VI, compete à SDE -
Secretaria de Direito Econômico, órgão despersonalizado do Ministério da Justiça,
instaurar processo administrativo para apuração e repressão de infrações da ordem
econômica. Se a SDE entender que restou configurada infração da ordem econômica,
deve remeter o processo ao CADE, para julgamento (art. 14, VIII).

• decidir os recursos de ofício do Secretário da SDE.

O art. 14, VII, estabelece que deve a SDE recorrer de ofício ao Cade,
quando decidir pelo arquivamento das averiguações preliminares ou do processo
administrativo.

Como se vê, se a SDE concluir que restou configurada infração da ordem


econômica, deve remeter o processo ao CADE, para julgamento (art. 14, VIII); se concluir
que tal não existiu, deve decidir pelo arquivamento das averiguações preliminares ou do
processo administrativo e recorrer de ofício para o CADE (art. 14, VII). Ou seja, caberá
sempre ao CADE apreciar a questão.

Também compete ao Plenário do CADE a prática dos seguintes atos, de


acordo com o art. 7º da Lei nº 8.884/94:

• ordenar providências que conduzam à cessação de infração à


ordem econômica, dentro do prazo que determinar;
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• aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do


compromisso de desempenho, bem como determinar à SDE que
fiscalize seu cumprimento;
• apreciar em grau de recurso as medidas preventivas adotadas pela
SDE ou pelo Conselheiro-Relator;
• intimar os interessados de suas decisões;
• requisitar informações de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e
entidades públicas ou privadas, respeitando e mantendo o sigilo
legal quando for o caso, bem como determinar as diligências que se
fizerem necessárias ao exercício das suas funções;
• requisitar dos órgãos do Poder Executivo Federal e solicitar das
autoridades dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios
as medidas necessárias ao cumprimento da Lei nº 8.884/94;
• contratar a realização de exames, vistorias e estudos, aprovando,
em cada caso, os respectivos honorários profissionais e demais
despesas de processo, que deverão ser pagas pela empresa, se
vier a ser punida nos termos Lei nº 8.884/94;
• apreciar os atos ou condutas, sob qualquer forma manifestados,
sujeitos à aprovação nos termos do art. 54, fixando compromisso
de desempenho, quando for o caso;
• requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões, nos
termos da Lei nº 8.884/94;
• requisitar serviços e pessoal de quaisquer órgãos e entidades do
Poder Público Federal;
• determinar à Procuradoria do Cade a adoção de providências
administrativas e judiciais;
• firmar contratos e convênios com órgãos ou entidades nacionais e
submeter, previamente, ao Ministro de Estado da Justiça os que
devam ser celebrados com organismos estrangeiros ou
internacionais;
• responder a consultas sobre matéria de sua competência;
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• instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica;


• elaborar e aprovar seu regimento interno dispondo sobre seu
funcionamento, na forma das deliberações, normas de
procedimento e organização de seus serviços internos, inclusive
estabelecendo férias coletivas do Colegiado e do Procurador-Geral,
durante o qual não correrão os prazos processuais nem aquele
referido no § 6º do art. 54 da Lei nº 8.884/94;
• propor a estrutura do quadro de pessoal da autarquia, observado o
disposto no inciso II do art. 37 da Constituição Federal;
• elaborar proposta orçamentária nos termos da Lei nº 8.884/94;
• indicar o substituto eventual do Procurador-Geral nos casos de
faltas, afastamento ou impedimento.

Em resumo, o CADE é a autarquia federal com competências para fazer


cumprir a Lei nº 8.884/94 e legislação decorrente. é órgão judicante, no sentido de perante
ele tramitam processos administrativos sancionadores. Ele decide, nos casos a ele
submetidos, se ocorreu ou não infração à ordem econômica, bem como aplica sanções.
As decisões do CADE podem ser contestadas judicialmente. Já a Secretaria de Direito
Econômico (SDE), é órgão despersonalizado do Ministério da Justiça, com competência
para instaurar processo administrativo para apuração e repressão de infrações da ordem
econômica. Se a SDE entender que restou configurada infração da ordem econômica,
deve remeter o processo ao CADE para julgamento.

De acordo com o art. 14 da Lei nº 8.884/94, compete à SDE:

• zelar pelo cumprimento da Lei nº 8.884/94, monitorando e acompanhando as


práticas de mercado;

• acompanhar, permanentemente, as atividades e práticas comerciais de pessoas


físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante de
bens ou serviços, para prevenir infrações da ordem econômica, podendo, para
tanto, requisitar as informações e documentos necessários, mantendo o sigilo legal,
quando for o caso;
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• proceder, em face de indícios de infração da ordem econômica, a averiguações


preliminares para instauração de processo administrativo;

• decidir pela insubsistência dos indícios, arquivando os autos das averiguações


preliminares;

• requisitar informações de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades


públicas ou privadas, mantendo o sigilo legal quando for o caso, bem como
determinar as diligências que se fizerem necessárias ao exercício das suas
funções;

• instaurar processo administrativo para apuração e repressão de infrações da ordem


econômica;

• recorrer de ofício ao Cade, quando decidir pelo arquivamento das averiguações


preliminares ou do processo administrativo;

• remeter ao Cade, para julgamento, os processos que instaurar, quando entender


configurada infração da ordem econômica;

• celebrar, nas condições que estabelecer, compromisso de cessação, submetendo-o


ao Cade, e fiscalizar o seu cumprimento;

• sugerir ao Cade condições para a celebração de compromisso de desempenho, e


fiscalizar o seu cumprimento;

• adotar medidas preventivas que conduzam à cessação de prática que constitua


infração da ordem econômica, fixando prazo para seu cumprimento e o valor da
multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento;

• receber e instruir os processos a serem julgados pelo Cade, inclusive consultas, e


fiscalizar o cumprimento das decisões do Cade;

• orientar os órgãos da administração pública quanto à adoção de medidas


necessárias ao cumprimento desta lei;

• desenvolver estudos e pesquisas objetivando orientar a política de prevenção de


infrações da ordem econômica;

• instruir o público sobre as diversas formas de infração da ordem econômica, e os


modos de sua prevenção e repressão;

• exercer outras atribuições previstas em lei.


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É correto afirmar que “A medida preventiva poderá ser adotada em


qualquer fase do processo e não é da exclusiva competência do Conselheiro-Relator”,118
pois está no rol de competência da SDE.

118
TJDF, Concurso para Juiz de Direito, prova objetiva, aplicação em 1º/4/2007, questão nº 25.
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2. Âmbito territorial de aplicação da Lei nº 8.884/94

Em uma economia cada vez mais internacional ("globalizada", para utilizar


o termo da moda), há um inevitável choque entre as legislações nacionais.

A Lei nº 8.884/94 é expressa ao determinar que o seu âmbito de


incidência não está limitado às empresas brasileiras ou às empresas que operam no
Brasil. Confira-se, a respeito, o que diz o caput do art. 2º.

Art. 2º Aplica-se esta lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja
signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional
ou que nele produzam ou possam produzir efeitos.

Isso significa que uma empresa estrangeira, mesmo que realize suas
atividades exclusivamente no estrangeiro, poderá em tese estar sujeita à Lei nº 8.884/94,
desde que exista a possibilidade de suas atividades atingirem o território nacional.

Tomemos, por exemplo, o seguinte enunciado, objeto de questão de


concurso:

DCO Ltda, empresa norte-americana que detém o controle acionário da


empresa brasileira Refrigerantes do Brasil Ltda., adquiriu, no Chile, os ativos
relacionados à marca Orangina, bebida não-alcoólica, carbonatada, que era
exportada para o Brasil pela empresa Bebidas Latinas, de origem chilena.
Refrigerantes do Brasil Ltda, fabrica no Brasil duas bebidas não-alcóolicas,
119
carbonatadas. (...)

Pergunta-se: a aquisição dos mencionados ativos, efetuados no Chile por


uma empresa norte-americana, deve ser submetida no Brasil ao CADE, órgão brasileiro
de defesa da concorrência, tal como disposto na Lei nº 8.884/94?

119
Questão nº 53 da prova realizada pelo CESPE em 3/3/2002, Concurso Público para provimento do cargo de
Consultor Legislativo do Senado Federal - Área 5 - Direito Comercial e Econômico.
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A resposta é positiva, uma vez que o caput do art. 2º, da Lei nº 8.884/94 é
expresso no sentido de que a Lei nº 8.884/94 é aplicável às práticas que possam produzir
efeitos no território nacional.

Por esse motivo, as afirmações constantes dos itens 1 e 4, da questão


acima transcrita, a respeito da transação nela descrita, "não deve ser submetida à
apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), porque foi
realizada no exterior" e "não deve ser submetida à apreciação do CADE, porque foi
realizada entre empresas estrangeiras" foram consideradas erradas pelo gabarito oficial
do concurso.

Já a afirmação constante do item 5 "deve ser submetida à apreciação do


CADE, não obstante ter sido realizada no exterior, porque produz efeitos no território
brasileiro", foi, evidentemente, considerada certa.

É de se notar que a Lei não exige que o ato produza efeitos no território
nacional; basta que possa produzir efeitos.

A razão lógica da necessidade de ser o ato apreciado pelo CADE está


contida na assertiva do item 3 dessa mesma questão, que foi considerada certa: "deve [a
transação] ser submetida à apreciação do CADE, porque, sendo as empresas
concorrentes entre si, constitui ato que pode limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre
concorrência".

Em resumo e em conclusão, a Lei nº 8.884/94 não limita sua incidência


não às empresas brasileiras que ou às empresas que operam no Brasil. Uma empresa
estrangeira, mesmo que realize suas atividades exclusivamente no estrangeiro, poderá
estar sujeita à Lei nº 8.884/94, caso exista a possibilidade de suas atividades atingirem o
território nacional.
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3.3.Infrações à ordem econômica.

A Lei nº 8.884/94 não estabeleceu um sistema tipificado de condutas que


consistiriam infrações à ordem econômica. Muito ao revés, optou por conceituar como
infração à ordem econômica qualquer tipo de ato que tenha por objeto ou possa produzir
os seguintes efeitos, a teor do art. 20:

• limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência


ou a livre iniciativa;
• dominar mercado relevante de bens ou serviços;
• aumentar arbitrariamente os lucros;
• exercer de forma abusiva posição dominante.

É correto afirmar que, “nos termos da Lei nº 8.884/94, não estão previstas
todas as modalidades de condutas que possam vir a caracterizar infração da ordem
econômica”.120

Os efeitos mencionados não precisam, necessariamente, ser atingidos


para que reste configurada a infração; basta que o ato possa atingir qualquer um deles,
basta que potencialmente possa ocorrer limitação da concorrência, domínio de mercado,
aumento arbitrário de lucros etc. Não se exige culpa ou dolo do agente. Não se exige que
tenha o agente qualquer elemento volitivo (objetivo da conduta) em querer alcançar como
finalidade do ato os efeitos mencionados. Frise-se: basta que o ato, diretamente (objeto)
ou por via reflexa, possa ter como conseqüência qualquer desses efeitos para que reste
configurada infração à ordem econômica.

É correto dizer que “Se determinada pessoa jurídica praticar ato que seja
potencialmente eficaz para produzir efeito prejudicial à concorrência ou à livre iniciativa,

120
TJDF, Concurso para Juiz de Direito, prova objetiva, aplicação em 1º/4/2007, questão nº 25.
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ainda que este efeito não seja alcançado efetivamente, essa pessoa estará incorrendo em
infração à ordem econômica.”121

É correto dizer que “Determinada fábrica de calçados que pratica atos com
a finalidade de aumentar arbitrariamente seus lucros incide em infração da ordem
econômica”.122

Mercado relevante.

O que é mercado relevante, expressão tão utilizada pela lei?

A expressão mercado relevante significa a parcela do mercado em


questão, ou seja, a parcela da atividade econômica em concreto. Melhor seria que a Lei
tivesse usado a expressão mercado em questão ou mercado pertinente ou mesmo
mercado que interessa. A expressão mercado relevante, porém, já é expressão
consagrada, devendo ser utilizada pelo operador do direito. Podemos falar no mercado
(relevante) de pasta de dente, por exemplo, ou no mercado (relevante) de refrigerantes.
Outrossim, o mercado relevante deve ser visto também sob uma perspectiva geográfica: é
o mercado relevante em um determinado território.

A definição de mercado relevante do CADE, de acordo com os itens 1.6.1


e 1.6.2. do Anexo V da Resolução nº 15, de 19 de agosto de 1998, é a seguinte:

Um mercado relevante do produto compreende todos os produtos/serviços


considerados substituíveis entre si pelo consumidor devido às suas características,
preços e utilização. Um mercado relevante do produto pode eventualmente ser
composto por um certo número de produtos/serviços que apresentam
características físicas, técnicas ou de comercialização que recomendem o
agrupamento.

Um mercado relevante geográfico compreende a área em que as empresas


ofertam e procuram produtos/serviços em condições de concorrência

121
CESPE/UnB – Advocacia-Geral da União, Concurso Público para Procurador Federal, Prova Objetiva P1, aplicação
em 1º/7/2007, questão nº 86.
122
CESPE/UnB – Município de Vitória, Concurso Público para Procurador Municipal, aplicação em 3/6/2007, questão
nº 98.
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suficientemente homogêneas em termos de preços, preferências dos


consumidores, características dos produtos/serviços. A definição de um mercado
relevante geográfico exige também a identificação dos obstáculos à entrada de
produtos ofertados por firmas situadas fora dessa área. As firmas capazes de
iniciar a oferta de produtos/serviços na área considerada após uma pequena mas
substancial elevação dos preços praticados fazem parte do mercado relevante
geográfico. Nesse mesmo sentido, fazem parte de um mercado relevante
geográfico, de um modo geral, todas as firmas levadas em conta por ofertantes e
demandantes nas negociações para a fixação dos preços e demais condições
comerciais na área considerada.

Merece destaque, nos conceitos acima, a noção de substitutividade. Um


produto ou serviço é substituível por outro se o adquirente pode escolher entre um ou
outro. Assim, o mercado relevante de escova de dente não se confunde com o mercado
relevante de escova de cabelo, pois esses produtos têm finalidades distintas.
Prosseguindo nesse exemplo, o mercado relevante de escova de dente não se confunde
com o mercado relevante de pasta de dente, pois embora ambos sirvam para escovar os
dentes, o consumidor não vai comprar uma pasta de dente em vez de uma escova de
dente em decorrência de eventual aumento nos preços das escovas de dente. É preciso
comprar pasta de dente e escova de dente. Esses produtos não são substituíveis entre si,
razão pela qual não formam conjuntamente um mercado relevante.

Quando dizemos que o adquirente pode optar por um determinado


produto ou por outro produto similar para a mesma finalidade, pensamos na
substitutividade da demanda (procura). Vale dizer: o consumidor tem alternativas, ele
escolhe por este ou por aquele produto. Nesse sentido, se o produto "X" aumentar de
preço e isso for motivo suficiente para que o consumidor passe a adquirir o produto "Y",
então os produtos "X" e "Y" fazem parte de um mesmo mercado relevante.

Não se confunde, porém, a substutividade da demanda com a


substutividade da oferta. Consiste a substitutividade da oferta na possibilidade de ingresso
de novos fornecedores em decorrência do aumento de preços de determinado produto. Ou
seja, caso a empresa "A" aumente o preço do seu produto "X", a empresa "B" pode passar
a produzir o produto "X" (ou produto similar) de forma competitiva, de modo que a
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empresa "A" será obrigada a baixar o preço do seu produto "X", sob pena de perder o
mercado.

Há precedentes do CADE no sentido de não reputar determinados atos de


concentração como lesivos à concorrência, apontando a possibilidade de ingresso de
novos fornecedores e demonstrando que a substitutividade da oferta é também relevante
para se saber se um ato de concentração viola ou não a concorrência 123.

Observe-se, porém, que há diferença entre a substitutividade e uma


potencial entrada de novos competidores. A singela possibilidade de novos fornecedores
ingressarem no mercado não é o bastante para que esteja caracterizada substitutividade
de oferta. É preciso que isso realmente possa ocorrer, se o aumento de preços se
verificar, sem a necessidade de novos investimentos. Se forem necessários novos
investimentos para tanto, teremos apenas competidores potenciais. Em tese (isto é, dentro
de uma noção abstrata), qualquer pessoa pode ser fornecedora de qualquer produto ou
serviço; na prática (isto é, na realidade), só quem detém os ativos necessários é que pode
produzir. Ou seja, a substitutividade da oferta existe apenas se novos competidores
podem começar a produzir a curto prazo sem necessidade de grandes investimentos.124

123
"Ato de Concentração. Aquisição da Sumaré Indústria Química S/A pela Sherwin-Willians do Brasil. Conhecimento.
Lei 8.884/94, artigo 54 §§ 3º e 4º. 1.Mercado relevante nacional de tintas para indústria em geral e tintas para
manutenção industrial. 2.Ausência de risco à concorrência tendo em vista as barreiras à entrada pouco significativas e os
reduzidos impactos de concentração horizontal. 3. Aprovação do Ato sem condições. Recomendação de providências
quanto a duas operações ocorridas em 1996." (Ato de Concentração nº 126/97, Relator: Conselheiro Antonio Fonseca, j.
encerrado em 18 de março de 1998, unânime. Original sem destaques)
"Ato de Concentração. Aquisição de empresas do setor químico em escala mundial. Mercado nacional de silicas.
Ausência de barreiras à entrada. Pareceres da Seae, Sde e Procuradoria pela aprovação sem condições. Não alteração da
estrutura de mercado e condições de concorrência. Voto pela aprovação." (Ato de Concentração n.º 153/97, Relator:
Conselheiro Paulo Dyrceu Pinheiro, j. encerrado em 25 de março de 1998, unânime.Original sem destaques)
Ato de Concentração. Tempestividade. Mercado nacional de louças sanitárias. Concentração elevada. Desconsiderado
argumento de empresa insolvente. Ausência de barreiras à entrada. Comércio externo insignificante, inclusive com o
Mercosul. Grande número de concorrentes potenciais. Vantagens na comercialização. Objeções das concorrentes e da
SDE. Representação contra a adquirente. Pela aprovação sem restrições. (Ato de Concentração n.º 92/96, Relator:
Conselheiro Renault de Freitas Castro, j. em 15 de abril de 1998, unânime. Original sem destaques)
124
Nesse sentido: "Outra dificuldade da análise da oferta é a diferença entre substituição e nova entrada. Onde o
mercado termina e começa a entrada potencial? Se uma definição mais estreita de mercado é adotada, obtêm-se
indicadores de concentração mais elevado e de entrada mais fácil. Se o mercado for definido de forma mais ampla, o
resultado obtido é o oposto. Para resolver o dilema, Sherer propõe o seguinte procedimento: “A despeito do risco de ser
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A Lei diz que constitui infração à ordem econômica dominar mercado


relevante de bens ou serviços.

Evidentemente, a conquista de mercado resultante de processo natural


fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não
caracteriza ilícito de "dominar mercado relevante de bens ou serviços", como o § 1º do art.
20 explicita. Na verdade, o que a Lei coíbe é o domínio de mercado por meio de condutas
nocivas à concorrência, prejudiciais aos consumidores, lesivas ao meio ambiente etc.

Posição dominante.

A Lei define posição dominante no art. 20, § 2º:

Art. 20 (...)
§ 2º. Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de
empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor,
intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele
relativa.

A existência de "posição dominante" em um mercado relevante deve ser


aferida pelo operador do direito casuistamente. Vejam que a noção de mercado relevante
também é passível de controvérsias, como vimos acima.

Doutrinariamente, a redação do § 2º é criticável.

Na verdade, a noção de posição dominante para fins de aplicabilidade do


direito antitruste ou para aferição de existência de infração à ordem econômica não deve

um pouco arbitrário, deveríamos delimitar [o mercado relevante] para incluir como substitutos no lado da produção a
capacidade existente que pode ser alterada no curto prazo, ou seja, sem novo investimento significativo em plantas,
equipamentos e treinamento.” (p. 61). É justamente o critério adotado pelas agências antitruste americanas. De acordo
com o roteiro de fusões de 1992, seria considerada participante do mercado “... uma firma [que tivesse] ativos existentes
que provavelmente seriam transferidos ou estendidos para a produção e venda do produto relevante dentro de um ano,
sem incorrer em significativos sunk costs, de entrada e saída, em resposta a um pequeno, mas significativo e não
transitório aumento de preço.” (Lucia Helena Salgado e Silva, Conselheira do CADE, in Ato de Concentração nº 27/94)
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se basear unicamente na noção de controle de parcela maior ou menor do mercado. Com


efeito, o fundamental não é saber se uma empresa detém maior ou menor parcela do
mercado, mas sim saber se ela tem condições de agir como se concorrência não existisse.
Não se confunde o poder de mercado (chamado na doutrina estrangeira de market power)
com uma maior ou menor detenção de parcela de mercado (market share). É intuitivo que
um domínio de parte substancial do mercado pode levar à existência de poder de
mercado, mas isso não ocorre automaticamente ou em quaisquer situações.

É certo dizer, doutrinariamente, que "a posição dominante deriva não da


parcela de mercado de que o agente é titular, mas sim do poder econômico que detém e
que lhe permite independência e indiferença em relação ao comportamento de outros
agentes, colocando-lhe a salvo de pressões concorrenciais"125.

Com efeito, o fundamental é a qualidade do poder e não a quantidade


(percentual do mercado) de poder. Poderíamos pensar que se o fornecedor pode
aumentar seus preços sem perder mercado, ele tem poder de mercado, ainda que sua
parcela do mercado seja proporcionalmente pequena.

Não é exatamente isso que diz a Lei.

Confrontando aquelas assertivas com o § 2º do art 20, poderíamos tecer a


seguinte indagação: existindo parcela significativa do mercado sob controle de uma
empresa ou grupo de empresas, deve-se presumir absolutamente que existe "posição
dominante"? Ou a presunção do § 2º é apenas relativa?

Em termos de doutrina, poderíamos concluir que a presunção seria


relativa, uma vez que, doutrinariamente, os conceitos de market power e de market share
não se confundem.

125
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 285 e 286.
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Contudo, a Lei optou, consoante se vê da redação do § 2º, por equiparar a


existência de posição dominante (market power) com a existência de controle de parcela
substancial de mercado relevante (market share). É, doutrinariamente, criticável essa
opção legislativa. Seja como for, a redação da Lei não parece dar margem a dúvidas, pois
conceituou posição dominante como sendo controle de parcela substancial de mercado
relevante.

Pelo fato de ter a Lei conceituado posição dominante desse modo, não há
de se falar nem mesmo em "presunção", absoluta ou relativa, de posição dominante
quando existir controle de parcela substancial de mercado relevante, mas sim identidade
de conceitos. Pela redação da Lei posição dominante é, simplesmente, controle de parcela
substancial de mercado relevante, por mais que se possa tecnicamente criticar essa
opção legislativa.

Especialmente para fins de concurso público é preciso estar atento para


este aspecto: embora a Lei seja clara ao conceituar que posição dominante é controle
substancial de parcela de mercado, a doutrina, por diferenciar os dois conceitos, interpreta
o § 2º do art. 20 no sentido de que ele estabelece apenas uma "presunção relativa" de
existência de posição dominante.126

Além de tudo isso, a Lei nº 8.884/94, no art. 20, § 3º, presume existir
posição dominante quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por
cento) de mercado relevante:

126
"O § 2º estabelece uma presunção legal de domínio de mercado relevante. Dispõe que a posição dominante ocorre
quando uma empresa controla parcela substancial de um determinado mercado"(FONSECA, João Bosco Leopoldino da.
Lei de proteção da concorrência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 150)
"A presunção de que trata o § 2º do art. 20 é, pois, iuris tantum" (FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 286)
"Acrescente-se que nem sempre uma elevada participação no mercado significa existência de posição dominante"
(BRITTO, Beatriz Gontijo de. Concentração de empresas no direito brasileiro. Rio de Janeiro, 2002, p. 53)
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§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida


quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de
mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores
específicos da economia.

Ou seja, a existência de 20% do mercado relevante (ou seja, do mercado


de atuação) sob controle de uma empresa ou de um grupo de empresas configura
presunção da existência de posição dominante. Aqui Lei parte de um percentual pré-
estabelecido de market share para presumir que há posição dominante (power market)!

A expressão grupo de empresas deve ser tomada no sentido mais amplo


da expressão. Não é o grupo de empresas que se refere o art. 265 da Lei nº 6.404/76,
mas sim qualquer hipótese em que existe um controle acionário comum ou mesmo algum
tipo de acordo entre as empresas.

O que é “exercer abusivamente posição dominante”, tal como previsto no


art. 20, IV, da Lei nº 8.884/94?

Logicamente, só quem detém posição dominante pode exercer os poderes


que advém dessa condição de forma abusiva.

O art. 21, da Lei nº 8.884/94 exemplifica algumas condutas que podem


configurar exercício abusivo de posição dominante.

Pode um ato que prejudique a concorrência ser lícito à luz da Lei nº 8.884/94?

Vimos que é possível a existência de dominação lícita de mercados, se


fundada na maior eficiência competitiva da empresa.

Lícita também pode ser a prática de ato que possa levar à dominação de
mercados relevantes de bens ou serviços ou até mesmo prejudicar a livre concorrência! É
o que dispõe o art. 54, § 1º, que merece alguns comentários.
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Como vimos no item 1, a Lei nº 8.884/94 não é apenas uma Lei de defesa
"da concorrência". Ela é uma Lei que protege alguns valores importantes para a nossa
sociedade: livre iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor etc.

Assim, se em benefício da sociedade, atos limitativos da concorrência


podem sim ser tolerados. A Lei é expressa ao determinar quando os atos limitativos da
concorrência ou que importarem na dominação de mercados relevantes poderão ser
lícitos:

Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de
mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do
Cade.
§ 1º O Cade poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que
atendam as seguintes condições:
I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;
II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os
seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro;
III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de
mercado relevante de bens e serviços;
IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os
objetivos visados.
§ 2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste
artigo, desde que atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos
do parágrafo anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia
nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou
usuário final.

A Lei não prevê a possibilidade de reconhecer como lícitos atos que


provoquem ou possam provocar aumento arbitrário de lucros ou importe em exercício de
forma abusiva da posição dominante, infrações previstas nos incisos III e IV do art. 20 da
Lei nº 8.884/94. Apenas condutas que poderiam consistir nas infrações previstas nos
incisos I e II, atos limitativos da concorrência ou que importarem na dominação de
mercados relevantes, é quem podem ser lícitas, nos termos do art. 54, §§ 1º e 2º.
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Chama atenção a preocupação da Lei com o consumidor. Ele deve ser


beneficiado pelo ato ou, em caso de motivo preponderante da economia nacional e do
bem comum, poderá não ser beneficiado, desde que não seja prejudicado.

Como a Lei protege diversos valores, ela admite o sacrifício de um em


benefício dos demais. É o que se percebe pela leitura do § 2º: se preenchidos três dos
quatro requisitos, não prejudicar o consumidor e existir motivo preponderantes da
economia nacional e do bem comum, o ato que prejudique a concorrência ou possa
resultar na dominação de mercados relevantes poderá ser lícito.

Porém, o entendimento de que a Lei nº 8.884/94 tem como um dos


objetivos fundamentais a defesa do consumidor não é compartilhada por Paula A.
Forgioni, que assim se manifesta:

Vemos, assim, que a proteção do consumidor a que se refere a Lei


Antitruste é bastante restrita e não constitui uma das suas pautas de interpretação
geral, ao contrário do que ocorre com a livre concorrência e a livre iniciativa. Ou
seja, na Lei Antitruste, somente prevalecerá a proteção do interesse do consumidor
nos casos em que houver o aumento arbitrário de lucros do agente econômico.
Outro sentido não pode ser dado ao inc. III do art. 20 e tampouco ao art. 1º da Lei
127
8.884/94

Data venia, não é essa a minha opinião, especialmente quando se


percebe que o art. 54 equipara os vários valores protegidos pela lei e não permite, em
nenhuma hipótese, o prejuízo do consumidor, embora admita o prejuízo da concorrência!

Seja como for, é pacífico que a Lei nº 8.884/94 pode tolerar a


concentração econômica e até mesmo prejuízo para a concorrência.

Isso foi até objeto de concurso público: na questão nº 42, do 16º Concurso
para provimento de cargos de Procurador da República, a resposta correta afirmou que o

127
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 251.
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fato "concentração", de acordo com a ordem econômica, que a Lei nº 8.884/94 disciplina,
"é consentido e, em alguns casos, até estimulado".

Esse mesmo concurso apresentou, na questão nº 45, o enunciado "a


chamada posição dominante no mercado de bens e serviços", para o qual a resposta
correta, de acordo com o gabarito oficial, foi "é excepcionalmente admitida na prática de
atos, desde que condicionada a certos objetivos político-econômicos".

Quais são esses objetivos político-econômicos? São os previstos no art.


54, § 1º, tal como vimos neste item.

No 18º Concurso para provimento de cargos de Procurador da República,


a questão nº 51 afirmou no enunciado que "para viabilizar a realização de uma
determinada prática econômica, ainda que restritiva da concorrência (...) adota-se,
segundo a lei antitruste (Lei nº 8.884/94)", sendo que a resposta correta foi "a concessão
de autorizações". O gabarito oficial, inatacável, considerou como errada a resposta que
dizia "não permitir a Lei Antitruste prática restritiva da concorrência".

Como se vê, tem sido freqüente nos concursos públicos questões a


afirmar que a Lei nº 8.884/94 tolera a concentração econômica e a prática de atos que
prejudiquem a concorrência, em certos casos e em certos limites.

Atos que configuram infração à ordem econômica.

De forma meramente exemplificativa, a Lei estabelece, no art. 21, algumas


condutas que podem configurar as infrações à ordem econômica previstas no art. 20.
Evidentemente, nenhum ilícito existirá se, a despeito da conduta estar elencada no art. 21,
existir alguma excludente do art. 54, § 1º.
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São as seguintes condutas - exemplificativas - previstas no art. 21:

• fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições
de venda de bens ou de prestação de serviços;
• obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre
concorrentes;
• dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes
de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;
• limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
• criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa
concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
• impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos
ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
• exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de
comunicação de massa;
• combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou
administrativa;
• utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;
• regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar
a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de
serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou
à sua distribuição;
• impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes,
preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou
máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos
a negócios destes com terceiros;
• discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação
diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de
serviços;
• recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de
pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
• dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de
prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e
condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;
• destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou
acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos
destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;
• açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual
ou de tecnologia;
• abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou plantações, sem justa causa
comprovada;
• vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo;
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• importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador, que não seja signatário
dos códigos Antidumping e de subsídios do Gatt;
• interromper ou reduzir em grande escala a produção, sem justa causa comprovada;
• cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;
• reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de
produção;
• subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou
subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;
• impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço,
considerando-se:
I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo
comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela introdução de
melhorias de qualidade;
II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar de sucedâneo
resultante de alterações não substanciais;
III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados
competitivos comparáveis;
IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em
majoração do preço de bem ou serviço ou dos respectivos custos.

A infração à ordem econômica sujeitará o infrator às penas cominadas


pela Lei nº 8.884/94, que em caso de reincidência serão cominadas em dobro:

• no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no


seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem
auferida, quando quantificável;

• no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida


por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa,
de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador.

• No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem
como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de
direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não
exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do
faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de
Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.

Além disso, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse


público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:
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• a publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão,


de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas
consecutivas;
• a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação
tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de
serviços públicos, junto à Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do
Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta, por prazo não inferior a
cinco anos;
• a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;
• a recomendação aos órgãos públicos competentes para que:
a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator;
b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele
devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou
subsídios públicos;
• a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação
parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a
eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

A concorrência como bem jurídico tutelado.

Um aspecto importante deve ser ressaltado: uma coisa é a defesa da


concorrência, outra coisa é a defesa do concorrente.

De acordo com o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.884/94, o titular dos
bens jurídicos protegidos por essa Lei é a coletividade. A coletividade tem evidente
interesse no desenvolvimento econômico, para o qual a concorrência contribui.

Além da defesa da concorrência, a Lei nº 8.884/94 tutela outros


interesses, conforme já vimos, que até mesmo podem se chocar com a defesa da
concorrência. Um exemplo disso é a repressão aos lucros arbitrários, que em nada
contribui para a defesa da concorrência. Trata-se de outro bem jurídico tutelado, que
também é do interesse da coletividade.

Não se deve confundir o interesse da coletividade à existência de livre


concorrência com o interesse do concorrente. É claro que no mais das vezes o interesse
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do concorrente pode, indiretamente, beneficiar a coletividade. Mas os bens jurídicos


tutelados são distintos.

Nosso ordenamento jurídico prevê e protege até mesmo a existência de


monopólio privado na produção de bens específicos. Trata-se do direito industrial,
positivado principalmente pelo Código de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 14 de
maio de 1996). A violação de uma patente, por exemplo, não constitui ofensa à ordem
econômica, pois não prejudica a concorrência, mas sim o concorrente. Não será apreciado
pelo CADE. Trata-se de ilícito que pode ser indenizável na esfera civil. O interesse não é
da coletividade, mas sim do particular que teve seu direito violado.

Concluindo:

• a Lei nº 8.884/94 não estabeleceu um sistema tipificado de


condutas que consistiriam infrações à ordem econômica, mas sim
conceitua como infração à ordem econômica qualquer tipo de ato
que tenha por objeto ou possa produzir determinados efeitos;

• não se deve confundir o interesse da coletividade à existência de


livre concorrência com o interesse do concorrente. Nosso
ordenamento jurídico prevê e protege até mesmo a existência de
monopólio privado na produção de bens específicos. Trata-se do
direito industrial ou direito de marcas e patentes, positivado
principalmente pelo Código de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279,
de 14 de maio de 1996);

É possível pensar, porém, hipóteses em que atos prejudicarão a


concorrência e o concorrente. Nesse caso, há infração tanto à ordem econômica como ao
direito do particular, abrindo uma dupla possibilidade de reparação.
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3.4.Fusão, incorporação e demais atos de concentração de empresas.

Vejamos, inicialmente, as noções de fusão, incorporação, e de aquisição


do controle acionário de empresas, uma vez que esses atos, embora não sejam ilícitos a
princípio, podem constituir infração à ordem econômica, nos termos do art. 20 da Lei nº
8.884/94.

O que é fusão?128

Por meio da fusão, duas ou mais sociedades se unem, para constituir uma
nova sociedade. Há cessação das atividades e desaparecimento da personalidade jurídica
das sociedades fundidas e há também a criação de uma nova pessoa jurídica. É errado
dizer que “A fusão é a operação que permite a uma sociedade, sem alterar sua própria
constituição, absorver outra que deixa de existir”,129 exatamente porque ambas deixam de
existir.

O procedimento da fusão está disciplinado nos parágrafos do art. 228 da


Lei nº 6.404/76 e nos arts. 1.119 e 1.120 do novo Código Civil, importando na realização
de assembléias (ou reuniões) em ambas as sociedades, que deverão aprovar a fusão. A
nova sociedade, evidentemente, será sucessora dos direitos e obrigações das sociedades
fundidas.

O que é incorporação?130

O novo Código Civil dispôs a respeito de incorporação, mas, na sociedade


anônima, a matéria continua regida pelas normas previstas na Lei n. 6.404/76.131

128
Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 508-509.
129
OAB-DF, Segundo Exame de Ordem de 2005, aplicação em 28/8/2005, questão nº 82, alternativa “c” (errada).
130
Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p.506-508.
131
Enunciado nº 230, aprovado pela III Jornada de Direito Civil, realizada em dezembro/2004 pelo Conselho da Justiça
Federal, válido como doutrina.
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O caput do art. 227 da Lei nº 6.404/76 define incorporação como


“operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede
em todos os direitos e obrigações”.

De qualquer modo, em sentido semelhante dispõe o novo Código Civil:

Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por


outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-
la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.

Ao final do processo de incorporação, a sociedade incorporada é extinta,


vale dizer, sua personalidade jurídica desaparece, exatamente em razão da incorporação.
É errado dizer que “através da incorporação uma sociedade absorve outra para dar origem
a uma nova sociedade”.132 Há uma hipótese, porém, em que o processo de incorporação
não fará desaparecer a sociedade incorporada: é uma das formas de criação de
subsidiária integral, prevista no art. 252 da Lei nº 6.404/76.

O que é aquisição do controle de sociedade?

Na aquisição de controle, uma pessoa física ou jurídica, ou mesmo um


grupo de pessoas, adquire uma quantidade de quotas ou ações de uma sociedade
personificada, de modo a obter um poder de fato (controle) sobre a sociedade. Assim, tal
pessoa física ou jurídica, ou o grupo de pessoas, passará a ter o controle da sociedade
personificada.133

A aquisição do controle de uma sociedade em nada altera sua


personalidade. Contudo, isso pode levar à dominação de mercados, redução da
concorrência etc

132
OAB-DF, Segundo Exame de Ordem de 2005, aplicação em 28/8/2005, questão nº 82, alternativa “b” (errada).
133
Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 469.
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O art. 54 da Lei nº 8.884/94 explicita que qualquer ato que possa limitar ou
prejudicar a concorrência ou resultar na dominação de mercados deve ser submetido à
apreciação do CADE, previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua
realização.

O sistema brasileiro de defesa da concorrência adota o modelo de


controle a posteriori ou sistema do controle ou controle posterior. Ou seja, a Lei não exige
autorização prévia para a prática de um ato de concentração de empresas, mas sim a
comunicação ao órgão de defesa da concorrência (CADE), que, se for o caso, promoverá
a desconstituição do ato lesivo à ordem econômica, com efeitos retroativos à data do ato.
O CADE, portanto, pode determinar a desconstituição do ato de concentração, total ou
parcialmente, seja através de distrato, cisão de sociedade, venda de ativos, cessação
parcial de atividades ou qualquer outro ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à
ordem econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos
eventualmente causados a terceiros

Não adota o direito brasileiro, portanto, o sistema de ilicitude ou o princípio


de proibições per se das práticas restritivas da concorrência, por meio do qual as práticas
anticoncorrenciais não produzem efeitos até a manifestação favorável do órgão de defesa
da concorrência.134

Se existir possibilidade de um ato de concentração prejudicar ou limitar a


concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes, deve o agente submetê-
lo ao CADE. Isso não configura confissão a respeito da existência da infração; ao
contrário, caberá ao CADE dizer se o ato pode vir limitar ou prejudicar a concorrência ou
provocar a dominação de mercados relevantes.

Sem prejuízo da obrigação das partes envolvidas, as mudanças de


controle acionário de companhias abertas e os registros de fusão, devem ser comunicados

134
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p.197
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à SDE, pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e pelo Departamento Nacional de


Registro Comercial - DNRC, respectivamente, no prazo de cinco dias úteis.

A Lei determina que as partes envolvidas devem sempre proceder à


comunicação nas hipóteses de concentração econômica, seja por meio de fusão ou
incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de
empresas ou qualquer forma de agrupamento societário:

• que implicar participação de empresa ou grupo de empresas resultante


em vinte por cento de um mercado relevante; ou
• se qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual
no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos
milhões de reais).

A ausência da comunicação tempestiva será punida com multa pecuniária,


de valor não inferior a 60.000 (sessenta mil) Ufir nem superior a 6.000.000 (seis milhões)
de Ufir a ser aplicada pelo CADE, sem prejuízo da abertura de processo administrativo.

Além disso, a recusa, omissão, enganosidade, ou retardamento


injustificado de informação ou documentos solicitados pelo CADE, SDE, SEAE, ou
qualquer entidade pública atuando na aplicação desta lei, constitui infração punível com
multa diária de 5.000 Ufirs, podendo ser aumentada em até vinte vezes se necessário
para garantir sua eficácia em razão da situação econômica do infrator, a teor do art. 26 da
Lei nº 8.884/94, em sua redação dada pela Lei nº 9.021, de 30 de março de 1995.

Outrossim, outras penas são estabelecidas para as empresas envolvidas,


administradores, bem como para terceiros que não atenderem à intimação para prestar
esclarecimentos orais, no curso de procedimento, de averiguações preliminares ou de
processo administrativo.
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Na aplicação das penas estabelecidas na Lei serão levados em


consideração:

• a gravidade da infração;
• a boa-fé do infrator;
• a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
• a consumação ou não da infração;
• o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia
nacional, aos consumidores, ou a terceiros;
• os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado;
• a situação econômica do infrator;
• a reincidência.

O CADE tem prazo para se manifestar a respeito da licitude do ato de


concentração. O art. 20, § 6º, dispõe que após receber o parecer técnico da Seae, que
será emitido em até trinta dias, a SDE manifestar-se-á em igual prazo, e em seguida
encaminhará o processo devidamente instruído ao Plenário do CADE, que deliberará no
prazo de sessenta dias.

Se o CADE não se manifestar nesse prazo, considera-se aprovado o ato.


Como se vê, existe aprovação de ato de concentração por "decurso de prazo"! Contudo,
os prazos ficarão suspensos enquanto não forem apresentados esclarecimentos e
documentos imprescindíveis à análise do processo, solicitados pelo CADE, SDE ou SPE.

A teor do art. 28, as infrações da ordem econômica prescrevem em cinco


anos, contados da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou
continuada, do dia em que tiver cessado. Interrompe a prescrição qualquer ato
administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração de infração contra a ordem
econômica e suspende-se a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação
ou de desempenho. Também é caso de interrupção da prescrição a hipótese em que a
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composição do CADE ficar reduzida a número inferior ao de cinco conselheiros, nos


termos do art. 4º, § 5º, da Lei nº 8.884/94.

Em resumo e em conclusão, o sistema brasileiro de defesa da


concorrência adota o modelo de controle a posteriori. A Lei não exige autorização prévia
para a prática de um ato de concentração de empresas, mas sim a comunicação ao órgão
de defesa da concorrência (CADE), que, se for o caso, promoverá a desconstituição do
ato lesivo à ordem econômica.
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