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Apostila 4 – Disciplina de Conversão de Energia B

Torque Eletromagnético de Máquinas CA


com Entreferro Constante

1. Introdução
Nesta apostila são abordados os principais aspectos relacionados com a produção de
torque em máquinas de corrente alternada. A abordagem é baseada numa máquina
elementar idealizada. Uma vez entendido os princípios básicos envolvidos nesta análise,
ela pode ser facilmente estendida para máquinas mais complexas, compostas de
enrolamentos trifásicos.

O conteúdo desta apostila encontra-se detalhado nos livros indicados no início do


semestre, especialmente no capítulo 4 do livro Máquinas Elétricas do autor A. E.
Fitzgerald, o qual aconselha-se consultar.

Conforme pode ser verificado consultando-se a bibliografia, existem várias abordagens


possíveis para a obtenção das equação fundamentais de uma máquina elétrica. De
acordo ponto de vista adotado nesta apostila, a máquina é vista como um conjunto de
circuitos elétricos magneticamente acoplados, parte deles localizados no rotor e parte
no estator. As indutâncias mútuas variam quando houver movimento relativo entre o
rotor e o estator. Dentro desta abordagem, os fluxos concatenados e a energia
magnética da máquina serão assim expressos como funções das indutâncias mútuas e
próprias de cada enrolamento. A tensão induzida em cada enrolamento será dada,
então, pela variação do fluxo concatenado, a qual considerada junto com a queda de
tensão na resistência do enrolamento e a tensão externa aplicada resultará na equação
de malha para o enrolamento em questão. Por outro lado, o torque poderá ser obtido
por um balanço de potências. Alternativamente o torque também pode ser obtido a
partir da derivada parcial da co-energia magnética do campo em relação à posição do
rotor, conforme já estudado anteriormente. Desprezando-se os efeitos de saturação
magnética, pode-se considerar a relação entre fluxo e corrente linear. Neste caso, a
energia e co-energia magnética serão idênticas podendo-se também obter o torque a
partir da derivada parcial da energia, ao invés da co-energia. As equações de torque e
as de tensão descrevem completamente o comportamento da máquina, tanto em regime
transitório (comportamento dinâmico) como em regime permanente.
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2. Equações Básicas da Máquina Elementar


O entendimento da forma de produção de torque das máquinas CA pode ser entendido
considerando-se a máquina elementar com entreferro constante e de dois pólos
mostrada na figura 1a. A figura 1b é uma representação esquemática da figura 1a, a
qual relaciona as bobinas com uma representação comum de enrolamentos, estudada

eixo magnético do ern. do estator

eixo magnético do ern. do rotor

ir
(a) is
rotor -is
ωm
-ir

estator

eixo magn. do estator

is + eixo mag. do rotor


+ ir

vr
vs ωm
(b)

θ
_
_

figura 1 : (a) máquina elementar de 2 pólos e enrolamentos distribuídos no rotor e no estator, (b)
representação esquemática dos enrolamentos

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em circuito elétricos. A máquina possui apenas um enrolamento no estator e outro no


rotor, os quais são considerados como distribuídos, de tal forma que o campo criado por
eles pode ser analisado considerando-se apenas a fundamental. O ângulo θ representa o
defasamento espacial entre os eixos magnéticos do rotor e do estator. Quando o rotor
gira este ângulo varia. O valor θ=0 corresponde a posição em que ambos os eixos
coincidem, ou seja os campos magnéticos produzidos pelo rotor e estator estão
alinhados.

Desprezando-se os efeitos de saturação e a distorção do campo causada pela presença


das ranhuras onde o enrolamento do estator está alojado, pode -se admitir que as
indutâncias próprias de cada enrolamento não variam com posição do rotor, ou seja elas
são constantes independentes de θ. Elas são representadas por L ss (estator) e L rr
(rotor). Analisando-se a figura 1a e 1b, pose-se constatar que a indutância mútua entre
rotor e estator varia entre um máximo e um mínimo. Quando os eixos do rotor e estator
coincidem a indutância mútua é máxima; quando eles estão deslocados de um quarto de
volta do rotor (um quarto de período) o valor da indutância mútua é zero. Uma vez que
apenas as componentes fundamentais do campo são tomadas em conta, a indutância
mútua varia senoidalmente com a posição do rotor, de acordo com a equação:

L sr (θ) = M ⋅ cos(θ) (1)

M - valor máximo da indutância mútua, o qual é obtido com θ = 0 .

Os fluxos concatenados podem ser obtidos em função das correntes do estator e do rotor
e das indutâncias próprias e mútuas:

Ψs = L ss ⋅ i s + M ⋅ cos(θ) ⋅ ir (2)

Ψr = M ⋅ cos(θ) ⋅ is + Lrr ⋅ ir (3)

Ψs - fluxo concatenado com o enrolamento do estator

Ψr - fluxo concatenado com o enrolamento do rotor

is - corrente do enrolamento do estator

ir - corrente do enrolamento do rotor

Considerando a tensão induzida em cada enrolamento, dada pela variação temporal do


fluxo concatenado com o mesmo, e a Lei das Tensões de Kirchhoff, obtém-se as
seguintes equações de malha para os circuitos do rotor e do estator:

dΨs
v s = R s ⋅ is + (4)
dt

dΨr
v r = R r ⋅ ir + (5)
dt

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di s dir
L ss ⋅ ⋅ M ⋅ cos(θ)
is R s ⋅ is dt dt
+
+ _
+ _
+ _
+
vs
−ir ⋅ M ⋅ sen(θ) ⋅ ω m
_

_
figura 2 : circuito equivalente do estator e as quedas de tensão que compõem a equação de
malha do estator.

v s - tensão aplicada ao enrolamento do estator

v r - tensão aplicada ao enrolamento do rotor

R s - Resistência do enrolamento do estator

R r - Resistência do enrolamento do rotor

Considerando-se as equações (2), (3), as equações de malha tomam a seguinte forma:

di s dir
v s = R s ⋅ i s + L ss ⋅ + ⋅ M ⋅ cos(θ) − ir ⋅ M ⋅ sen(θ) ⋅ ωm (6)
dt dt

dir di s
v r = R r ⋅ ir + L rr ⋅ + ⋅ M ⋅ cos(θ) − i s ⋅ M ⋅ sen(θ) ⋅ ωm (7)
dt dt


ωm = - velocidade angular do rotor (rad/s)
dt

A equação de malha de cada circuito contém, além da queda de tensão na resistência,


três termos que resultam da variação do fluxo no tempo. Estes termos são analisados no
que segue tomando como base a equação de malha do estator, a qual está representada
no circuito equivalente do rotor na figura 2. Os termos do rotor possuem uma
interpretação idêntica:

• R s ⋅ i s - queda de tensão na resistência do estator;

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di s
• L ss ⋅ - tensão induzida devido à presença da indutância própria; existe
dt
apenas quando a corrente enrolamento do estator variar no tempo; este
termo existe independente do rotor estar parado ou em movimento;

dir
• ⋅ M ⋅ cos(θ) - tensão induzida devido à existência da indutância mútua
dt
entre rotor e estator; existe sempre que a corrente do rotor variar no
tempo; depende do valor da indutância mútua que corresponde à posição
do rotor; este termo também existe independente do rotor estar em
movimento ou não. Este Termo é chamada de tensão induzida de
transformação.

• − ir ⋅ M ⋅ sen(θ) ⋅ ωm - tensão induzida devido ao acoplamento magnético


entre rotor e estator (indutância mútua) e também devida ao movimento
relativo entre estator e rotor; só existe quando houver movimento relativo
entre rotor e estator. Este termo é chamado também de tensão induzida de
movimento.

Deve-se salientar que só ocorre conversão de energia elétrica em energia mecânica,


e vice-versa, quando a tensão induzida de movimento for diferente de zero. Esta
tensão é representada pelo último termo das equação (6) e (7).

3. Equação de Potência e Torque Eletromagnéticos


Pode-se obter uma equação de balanço de potências a partir da equação de malha do
estator (ou alternativamente do rotor) multiplicando-se a equação de malha pela
corrente:

di s di
v s ⋅ i s = R s ⋅ i s 2 + L ss ⋅ ⋅ i s + r ⋅ M ⋅ cos(θ) ⋅ i s − ir ⋅ i s ⋅ M ⋅ sen(θ) ⋅ ωm (8)
dt dt

Pode-se verificar que equação acima representa um balanço de potências do seguinte


tipo:

potência de entrada=perdas + variação da energia magnética + potência mecânica

A potência de entrada, dada por v s ⋅ i s , é fornecida pela fonte ligada ao estator. Uma
parte desta potência é usada para suprir as perdas do enrolamento (primeiro termo na
eq. (8), R s ⋅ i s 2 ). Outra arte desta potência está relacionada com a energia magnética
que será armazenada no campo magnético (segundo e terceiro termos na eq. (8), dados
di di
pela expressão L ss ⋅ s ⋅ i s + r ⋅ M ⋅ cos(θ) ⋅ i s ). O restante é fornecido como potência
dt dt
mecânica fornecida no eixo. A potência mecânica é dada portanto como:

Pm = T ⋅ ωm = −ir ⋅ i s ⋅ M ⋅ sen(θ) ⋅ ωm (9)

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Pm - potência mecânica

T - torque eletromagnético aplicado no eixo

Pela última expressão, o torque pode ser expressado como:

T = −ir ⋅ i s ⋅ M ⋅ sen(θ) (10)

Por outro lado, o torque pode ser calculado a partir da expressão da co-energia
magnética, a qual para a máquina elementar mostrada na figura 1 possui a seguinte
expressão:

1 1
W(θ) = ⋅ L ss ⋅ i s 2 + ⋅ L rr ⋅ ir 2 + M ⋅ i s ⋅ ir ⋅ cos(θ) (11)
2 2

Uma vez que se desprezou os efeitos de saturação, a expressão acima é idêntica à


expressão da energia magnética. Conforme visto na disciplina de Conversão de Energia
A, o torque eletromagnético pode ser obtido como:

∂W(θ)
T= (12)
∂θ

Considerando a equação (11) resulta, então para o torque:

∂W (θ)
T= = −ir ⋅ i s ⋅ M ⋅ sen(θ) (13)
∂θ

Conforme esperado, a expressão obtida para o torque a partir da co-energia magnética


é idêntica à expressão anterior.

O sinal negativo na expressão do torque significa que o sentido do torque


eletromagnético é sempre no sentido de fazer com que os campos do estator e do rotor
se alinhem, ou seja o torque atua no sentido de diminuir o ângulo θ .

As expressões obtidas até este ponto foram baseadas numa máquina com dois pólos.
Considerando uma máquina com p pólos, existirá a seguinte relação entre o ângulo
mecânico e o ângulo elétrico:

θ
θm = ⋅2 (14)
p

θ m - ângulo mecânico de defasagem entre o eixo magnético do estator e do rotor

Neste caso as expressões do torque assumem a seguinte forma:

p p p
T = −ir ⋅ i s ⋅ M ⋅ sen(θ) ⋅ = −ir ⋅ i s ⋅ M ⋅ sen( ⋅ θ m ) ⋅ (15)
2 2 2

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É interessante salientar que, embora o número de pólos apareça multiplicando equação


do torque, ele não afeta diretamente o torque fornecido pela máquina. Isto é explicado
pelo fato que ao se aumentar o número de pólos o valor máximo da indutância mútua se
reduz na mesma proporção, deixando o torque praticamente inalterado. Assim, o
número de pólos não aumenta diretamente a potência e o torque da máquina. Existem,
no entanto, outros fatores que permitem que o torque fornecido aumente um pouco
aumentando-se o número de pólos da máquina. Tratam-se de fatores secundários que
afetam potência indiretamente e em pequena proporção. O torque fornecido depende
basicamente do volume de material ativo empregado (cobre+ferro) e do grau de
carregamento elétrico e magnético a que os materiais estão submetidos (densidade de
corrente dos condutores e densidade de fluxo nas partes ferromagnéticas). Em geral os
materiais trabalham dentro de limites bem conhecidos, motivo pelo qual pode ser
afirmado que o torque das máquinas elétricas depende praticamente do volume de
material ativo empregado.

4. Equação Mecânica
A fim de determinar o comportamento do sistema formado pela máquina mais a carga
(ou outro sistema mecânico a ela acoplado) torna-se necessário estabelecer a equação
mecânica do movimento, a qual é obtida a partir das Leis de Newton como sendo (figura
3):

d2 θm dθ m
J⋅ +B⋅ + K ⋅ θ m = T − TL (16)
dt 2 dt

dθ m
= ωm (17)
dt

d2 θm dω m
= (18)
dt 2 dt
TL - torque resistente, o qual depende do sistema mecânico acoplado ao eixo da

J
T
Tl
ωm
figura 3 : representação esquemática dos torques que atuam no rotor.

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máquina (N.m)
N⋅m
B - constante de amortecimento rotacional, representaas perdas mecânicas ( )
rad / s
N⋅m
K - constante de mola rotacional ( )
rad
N⋅m
J - momento de inércia da máquina mais o do sistema a ela acoplado ( )
rad / s2
A equação (15)-(16) juntamente com as equações (6) e (7) são as equações básicas que
descrevem o comportamento da máquina elementar da figura 1 ligada a um sistema
mecânico qualquer. No caso de um motor o sistema mecânico nada mais é do que a
carga e o torque resistente é representado pelo torque resistente da carga. Trata-se de
um conjunto de equações diferenciais, cuja solução pode ser obtida pelos métodos
conhecidos. Pode-se também estudar o comportamento do sistema por meio de um dos
muitos programas de simulação numérica que são atualmente disponíveis (Matlab,
Mathcad, Pspice, VisSim, etc...).

O procedimento adotado nesta apostila pode ser também aplicado para o caso mais
geral em que existem vários enrolamentos no estator e vários enrolamentos no rotor.
Cada um deles possuirá uma indutância própria e mútuas constantes. Uma vez que o
entreferro é constante as indutâncias mútuas entre os enrolamentos do estator serão
constantes. Além destas, haverá indutâncias mútuas entre rotor e estator, as quais
dependerão da posição do rotor. Para cada enrolamento poderá haverá uma equação de
malha, idêntica à estudada nesta apostila. O torque também poderá ser obtido de forma
idêntica à apresentada aqui, apenas que a equação do balanço de potência e da co-
energia magnética conterão um número maior de termos.

5. Exercício Proposto
Considere o esquema mostrado na figura 1, onde o arranjo simplificado de uma máquina
elementar está representado. As indutâncias próprias são: L ss = 10 mH (estator) e
L rr = 40 mH (rotor). A indutância mútua é dada por L sr (θ) = 19 ⋅ cos(θ) mH. As
resistências do estator e do rotor são desprezíveis. A corrente que circula no rotor é do
tipo contínua e de valor igual a ir = 12 A. O rotor gira a uma freqüência constante de 60
Hz. A. Determine o que segue:
a) O fluxo concatenado com o enrolamento do estator em vazio (ou seja, quando
i s = 0 );
b) a expressão da tensão induzida em vazio no estator;
c) o valor máximo e o valor eficaz da tensão induzida a vazio no estator;
d) considerando que a corrente no estator seja de i s (t) = 10 ⋅ cos(377 ⋅ t) , determine
a expressão do torque e da potência mecânica no eixo;
e) esboce o gráfico da potência em função do tempo e determine qual a potência
média e a máxima transferida à carga.

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