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O enunciado condicional

Penso, logo existo. (2) Se p, então q.


Não q, portanto não p.
Essa famosa frase foi formulada pelo filósofo francês René
Descartes (1596-1650). Ele buscava um conhecimento que O argumento (1) é chamado de afirmação do antecedente, e
fosse absolutamente certo e que pudesse ser alcançado usando (2) é chamado de negação do consequente.
apenas a razão. Com esse intuito, ele descobriu que a única
Consideremos o seguinte argumento:
coisa que podemos conhecer recorrendo tão somente ao pen-
samento é a sua própria existência, pois quem pensa, deve an- João entende a sua esposa porque ele é um homem sensível.
tes existir. Assim ele declarou cogito, ergo sum, que em latim
Podemos traduzir este argumento da seguinte maneira:
significa “eu penso, portanto eu existo”.
(c) Se um homem é sensível, ele entende a sua esposa.
Vocês notaram alguma diferença entre este e os demais argu-
João é sensível. Portanto, ele entende a sua esposa.
mentos que vimos? Provavelmente tiveram dificuldade de in-
verter a ordem do argumento. Ao contrário dos outros argu- Como vemos, (c) é uma afirmação do antecedente. Mas e se
mentos, em que basta trocarmos a ordem das proposições e negarmos o antecedente? Substituamos João por Pedro:
substituir a conjunção conclusiva pela explicativa e vice-ver-
sa, precisamos colocar aqui um terceiro tipo de conjunção, (d) Se um homem é sensível, ele entende a sua esposa.
uma condicional, ficando: “somente se existo, eu penso”. Pedro não é sensível, portanto…

A dificuldade de inverter esse argumento está em que ele tem Em (d), concluímos a partir da negação do antecedente, i.e.
uma premissa oculta, na verdade, uma premissa complexa dizendo que Pedro não é sensível, concluímos a negação do
com duas proposições, a que chamamos condicional: “se pen- consequente, i.e. que ele não entende a sua esposa. Aparente-
so, então eu existo”. O argumento completo seria assim: mente, o argumento está correto. A este tipo de argumento,
chamado de negação do antecedente, podemos formalizar do
(a) Se penso, então eu existo. seguinte modo:
Eu penso. Portanto, eu existo.
(3) Se p, então q.
A condicional é formada por duas partes, o antecedente e o Não p, portanto não q.
consequente. A proposição do antecedente implica a proposi-
ção do consequente. Quer dizer, se algo enunciado no antece- Consideremos outro argumento:
dente ocorrer, o que é dito no consequente também ocorrerá. (e) Se alguém tira um dez numa prova, é inteligente.
Basta o antecedente ser verdadeiro para o consequente tam- Marcelo não tirou dez na prova, então…
bém ser. De quem pensa, deve-se pressupor que também exis-
ta. Ou no enunciado “Se neva, faz frio”, sempre que neva, é Podemos questionar: é necessário tirar dez nas provas para ser
porque faz frio, e muito frio. Por isso, se diz que o anteceden- inteligente? A resposta é não e, se Marcelo não tirou dez na
te é condição suficiente do consequente. prova, não significa que ele não seja inteligente.

Por outro lado, para haver o antecedente, é necessário que Tomemos um terceiro argumento com a mesma forma:
haja também o consequente – é preciso fazer frio para que se (f) Se um animal é uma ave, então ele tem asas.
possa nevar, é preciso existir para que se possa pensar –. As- O morcego não é uma ave, portanto…
sim, o consequente é referido como condição necessária do
antecedente. E isso implica que o antecedente não pode ser Tomando a mesma forma (3) – a negação do antecedente –
verdadeiro se o consequente não for, i.e. se o consequente for chegamos a uma conclusão evidentemente falsa. O argumento
falsa, o antecedente também será. é enganador. Argumentos enganadores são chamados de falá-
cias. A falácia cuja forma é (3) é a falácia da negação do an-
(b) Se neva, então faz frio. tecedente.
Não faz frio, então...
O mesmo se dá ao afirmarmos o consequente. Ao considerar-
Portanto, devemos concluir o consequente se afirmamos o an- mos:
tecedente. E se negamos o consequente, devemos concluir o
contrário do antecedente. (g) Se alguém tira dez na prova, é inteligente.
Marcelo é inteligente, portanto…
Todo argumento possui uma estrutura em que é possível subs-
tituir as proposições por letras. Chamemos a proposição do Já estamos vacinados com o argumento (e) e podemos dizer
antecedente p e a do consequente de q. Temos então a seguin- que se Marcelo é inteligente, não significa que ele tira dez nas
te forma: provas. Tomemos outro exemplo:

Se p, então q. (h) Se um animal é uma ave, então ele tem asas.


O morcego tem asas então…
Formalizando o argumento (a), teremos:
Novamente, vemos que não é possível inferir o antecedente
(1) Se p, então q. pela existência do consequente. Este argumento, que podemos
p, portanto q. formalizar como:
E o argumento (b) ficará: (4) Se p, então q.
q, portanto p.
Também é uma falácia, a que chamamos falácia da afirma-
ção do consequente.
Os argumentos com as formas (1) e (2) são argumentos váli-
dos, i.e. argumentos que são aceitáveis porque sua conclusão
decorre necessariamente de suas premissas. Já os argumentos
(3) e (4) são inválidos por não ser possível a inferência e são
também falaciosos, porque em certas ocasiões eles podem nos
enganar, levando a conclusões que podem parecer verdadeiras
sem sê-las. A validade dos argumentos depende sempre de
sua forma, não importando se seu conteúdo seja verdadeiro ou
falso.
Vamos agora tomar (h) e inverter-lhe a condicional. Assim te-
remos:
(i) Se um animal tem asas, ele é uma ave.
O morcego tem asas. Portanto ele é uma ave.
O argumento (i) é uma afirmação do consequente e, portanto,
é válido. Contudo, ele tem uma conclusão falsa. Se analisar-
mos o motivo, veremos que a condicional também é falsa,
pois nem todo animal que tem asas é uma ave. Um argumento
pode ser válido e ter uma conclusão falsa, desde que ao me-
nos uma de suas premissas seja falsa. Mas se as suas premis-
sas forem verdadeiras, a conclusão será necessariamente ver-
dadeira. Um argumento válido com as premissas verdadeiras
é um argumento correto.
Um argumento inválido pode também ter premissas verdadei-
ras e uma conclusão verdadeira. Se tomarmos (e) e substituir-
mos o morcego por um pinguim, teremos o seguinte argumen-
to:
(g) Se um animal é uma ave, ele tem asas.
O pinguim tem asas. Portanto, ele é uma ave.
Do mesmo modo que apontamos em relação à inteligência de
Marcelo, não é porque um pinguim tem asas que ele é uma
ave, pois há animais que têm asas e não são aves. Mas o fato
de um pinguim ser uma ave implica em ele ter asas. O que faz
um argumento inválido é não ser possível inferir nenhuma
conclusão de suas premissas. Isso às vezes só descobrimos ao
ver que, nesse argumento, premissas verdadeiras resultarão
numa conclusão falsa.
Exercício – Os argumentos abaixo possuem uma premissa
pressuposta, que é uma condicional. Coloque os argumentos
na forma padrão, apresentando a premissa:
a) No Canadá faz muito frio no inverno, porque lá neva.
b) Não faço compras nesse supermercado. Os seus preços são
muito altos.
c) Guilherme dormiu até tarde e por isso chegou atrasado na
escola.
d) Ana não foi à aula porque ficou doente.
e) Choveu tanto no verão que houve enchente.
f) Bruna não vai à festa, porque seus pais não lhe deram
dinheiro.

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