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Copyright © 2014 Ealitora Livan da Fisica P Bdigio Diregio editorial José Roberta Marinho Revisdo sautores Projeto grafico Fabricio Ribeiro Diagramagao e capa Fabricio Ribelo| adic revisada segundo © Novo Acoedo Ontogrifco da Lingua Portuguesa ‘Dados internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Braslelra do Lito, SP, Brasil) ellan, Maia Helena Roxo sina da clncla para formagio de professors / Mala Helena Roxo Bevan Purikazu Sait, Late Santos Pinto Trindade. S30 Paulo, alta Liaria daca, 2014.~ (Série temas em histria da tne). ibliogat ISBN 970-85-7861-2719 | Ciencia -Nistria 2, Cnc = Hlstorografa 3. Professors - Formac f. Salt, Fumikam, Ti Trindade, Lae doe Santos Pinto i Tulo Sere. oos14s cpo-s09 Indes para eatlogosistemstico Tr clénda: Histéna 509 to on diets eservados, Nenhuma parte desta obra podee Ser reproduzida mej qu forem ot meio empresados sem a permissdo da alto ‘ow intatores aphiann-se a sangbesprevistas nos artigos 102, 10,1066 107 dh us N°9.10, de 19 de ever de 1998 ‘ ditoraLivraria da Fisica ww livrariaasica com br Apresentagao Introdugéo. O offcio do historiador da ciéncia. Historiografia da Histéria da Ciéncia Histéria e epistemologia da ciéncia Ciéncia, técnica e tecnologia desde as origens da ciéncia moderna. Histéria da Ciéncia e ensino Bibliografia 49 bi 101 19 Capitulo 1 O oficio do historiador da ciéncia drea de Histéria da Ciéncia teve seu processo de institucionalizagao a partir do inicio do século XX. Naquela época foram realizados congressos ¢ encon- tros especificos, bem como criaram-se cursos e periddicos especializados. Assim, pode-se considerar que, ao longo do século XX, 0 campo de Histéria da Ciéncia manifestou os quatro componentes fundamentais para que ocorra a ins- titucionalizagéio de qualquer drea do conhccimento, a saber. ensino, pesquisa, divulgagao e aplicagéio do conhecimento”! Hoje, a Histéria da Ciéncia se constitui como o espaco privilegiado de reflexdes sobre as diferentes formas de se elaborar e utilizar conhecimentos sobre a natureza, as técnicas e a sociedade. | Alfonso-Goldltarb 6 da elénela no Bras! ‘erraz, “Ratzes hist6ricas da dilfell equacio institucional 3 ‘Ao mesmo tempo em que a Histéria da Ciéncia se fit- mava enquanto rea de conhecimento especifica, delineava- © 0 perfil de um novo profissional: 0 historiador da ciéncia K especialmente sobre a formagao ¢ 0 offcio desse profissio- nal que trataremos aqui Histéria da Ciéncia: uma 4rea de conhecimento ‘A ideia do que seiam area de conhecimento, campo de conhecimento e ciéncia, pode, 8 primeira vista, parecer 6bvia. Entretanto, intensas discussdes em torno dessa ques- Jo tém sido travadas ao longo do tempo Desde a antiguidade, essas se manifestaram entre os fildsofos. Mas, as ideias que tiveram intluéncia mais ampla foram as de Arist6teles (384 a.C. - 322 a.C.). Para esse filé- sofo, os campos de conhecimento seriam definides por seus objetos e métodos, sendo que aqueles campos que tivessem objetos e métodos préprios seriam considerados ciéncias: Embora tenham sido formulados hé mais de 2000 anos, esses parametros apresentam-se vélidos ainda hoje”. Assim, por ‘exemplo, quando afirmamos que a quimica é a ciéncia que studa a matéria e suas transformacées, expressamos que quimica tem objeto proprio: a matéria e suas transformacoes. Da mesma forma, ao afirmarmos que a Historia da Ciéncia € uma drea de conhecimento espectfica, pressupo- mos a delimitagdo de um objeto que seria proprio a essa rea. Assim, cabe interrogar sobre esse objeto. Para isso, enfrentaremos a questo com base em caracteristicas de pesquisas atuais nessa 4rea, fundamentadas em propostas sobre a identidade da Historia da Ciéncia’ Podemos dizer, de maneira bem ampla, que: daria a construgio de dreas Interface do saber” 2 Alfonso-Golafatb, “Como SP {rio Simiio Mathias» Documentos, Métodos 1 Mfonso-Goldiarb, "Cente Mentidade da Historia da Clencta’ Historia da Cigneia é 0 estudo da(s) forma(s) de elaboragio, lyansformagéio e transmissao de conhecimentos sobre a natu: 1074, as técnicas e as sociedades, em diferentes épocas e culturas, Essa definigdo de campo, embora ainda abrangente, ajuida a mapear o objeto da Histéria da Ciéncia, um objeto complexo, construfdo na interface entre diferentes campos, como veremos a seguir, analisando essa definigio por partes Pois bem, se consideramos que a Historia da Ciéncia 6 © estudo da(s) forma(s) de elaborago, transformagao € {1ansmisséio de conhecimentos sobre a natureza as técnicas es) sociedade(s), poderfamos considerar que seu objeto de esludo seriam os conhecimentos sobre a natureza, as técni- socledades. Entretanitu, esse € 0 objeto de estudo da epistemologia, como serd visto no Capitulo 3. Histdria da Ciéncia é 0 estudo da(s) formats) de claboragao, transformacdo e transmissao de conhecimentos sobre a natureza, as técnicas € as sociedades, em diferentes épocas e culturas. Estudos centrados nesse objeto tratariam da elabo- jo © da comparacao entre conceitos relacionados, bem como das condig&es e dos limites de sua validade, Estudos ‘com esse foco certamente fazem parte de uma pesquisa em Historia da Ciéncia e, em algumas perspectivas historiografi- cas, centalizam o trabalho. Tal é 0 caso dos estudos desen- volvidos na perspectiva historiografica tradicional e naquelas chamadas internalistas, como veremos no préximo capitulo. Mas, essa abordagem sozinha néo dé conta de uma pesquisa em Histéria da Ciéncia, conforme perspectivas historiogréficas atuais que levam em conta a contextuali- zagho dos processos de elaboragao, transmissao e adapta- lio de conceitos, Assim, devemos continuar a andlise da Objeto da EPISTEMOLOGIA Objeto da HISTORIA Objeto da SOCIOLOGIA delimitagao do campo da Histéria da Ciencia apresentada anteriormente, considerando agora que: Hist6ria da Ciéncia é 0 estiudo da(s) forma(s) de elaboracao, transformac&o e transmissdo de conhecimentos sobre a natureza, as técnicas e as sociedades, em diferentes épocas ¢ culturas. © actéscimo dessa condigéo temporal traz © campo da histéria para a cena, j4 que considera os conhecimentos claborados ao longo do tempo, ou seja, em diferentes épo- cas. Essa abordagem faz parte da pesquisa em Histéria da Ciéncia, mas, também, nao a esgota. Continuando na andlise da delimitagio apresentada, 6 necessério abordar os conhecimentos considerando as dife- rentes culturas que os produziram. Mas s6 com essa aborda- gem estariamos no campo da sociologia Historia da Ciéncia € 0 estudo da(s) forma(s) de elaboragao, transformacao e transmissao de conhecimentos sobre a natureza, as técnicas e as sociedades, em diferentes épocas ¢ culturas. Disso tudo j4 se pode perceber a complexidade das pesquisas em Histéria da Ciéncia, um campo que, conforme perspectiva historiogréfica atual, proposta pelas pesquisa- doras do Centro Simao Mathias de Estudos em Histéria da Ciéncia (CESIMA)*, teria a construgao de seu objeto na inter- face entre a epistemologia, a hist6ria ea sociologia. Entdo, 0 que caracterizaria uma pesquisa em Histéria da Ciéncia seria a anélise do objeto — forma(s) de elaboragio, transformacao 4 Alfonso-Goldfarb, Ferraz & Beltran, “A historiografia Contempordnea © fas Ciéncias da Matérla: uma longa rota cheia de perealgos”, In Escreendo a Histria da Ciencia: tendencias,propesase discusses hstrognificas, orgs. lfonso- Goldfarb & Beleran, 49-73 # Hransmisséio de conhecimentos sobre a natureza as téenicas, we alsl sociedade(s) = em tres esferas; epistemoldgica, histo- Hlogrdtica e contextual (ciéncia e sociedade),” Dessa forma, mesmo levando em conta que a possibi- lidacle de delimitagao do objeto da Hist6ria da Ciéncia tenha {o discutida epistemologicamente por estudiosos de porte Georges Canguilhem (1904-1995)°, podemos afirmar que 4 Histéria da Ciéncia tem objeto proprio, constituindo uma ‘4164 especttica de conhecimento, interdisciplinar por exce- léncla. Uma area que. embora distinta da histéria, da socio. Jogi, da ciéncia, da epistemologia e da filosofia da ciénci ‘eslubelece interfaces com estas e outras areas, pela propria Halureza de seu objeto. A pesquisa em Histéria da Ciéncia: um estudo de caso Allistoria da Ciéncia trata, portanto, das formas de ela- botagio, transmissao e adaptagao de antigos conhecimentos vobre a natureza, as técnicas e a sociedade, considerando as {10s esferas de andlise que conferem identidade a essa Area Desse modo, trata de épocas e culturas do passado e dos } Allonso-Goldtatb, *Centendrio Simao Mathias: Documentos, Métodos Ientidade da Historia da Cigna 6 Canguithem, Estudos de Hsia ede Fafa das Ciba, 1-16. ntigos conhecimentos elaborados, transmitidos, adaptados ‘em diferentes 6pocas e culturas, Cabe assim, perguntar como © historiador da ciéncia tem acesso a esses antigos conheci mentos e como constr6i conhecimento sobre eles. Para isso, focalizaremos alguns estudos que vimos desenvolvendo nos ditimos anos. Embora esses nossos estudos tenham seu foco em antigos conhecimentas sobre a matéria, e patticularmente sobre o proceso de destilacao, 0s momentos do percurso investigative que apresentaremos » seguir ilustram caminhos e possibilidades na pesquisa em Histéria da Ciéncia como um todo. Como 0 historiador da ciéncia tem acesso aus corihecimentos antigos? Em primeiro lugar, devemos destacar que 0 material que o historiador da ciéncia manipula em sua lide pode ser de diferentes naturezas: textos originais, imagens, documen- tos da cultura material, estudos realizados por outros inves- tigadores etc. De modo geral, esses materiais podem ser classificados, numa primeira abordagem, como: originais e literatura secundaria Os originais podem ser textos, imagens ou docu- mentos da cultura material (objetos fisicos) que chegaram a nossos dias trazendo registros de conhecimentos elabora- dos, transmitidos, adaptados em outros tempos e culturas. Algumas vezes, por influéncia da tradigéo de estudos hist6ri- cos, esses materiais s40 chamados de fontes primérias. 4 a literatura secundaria abrange trabalhos sobre o tema focalizado, escritos por estudiosos contemporaneos Pela mestna influéncia {4 mencionada da tradigao de estudos historicos, esses materiais so também chamados de fontes secundarias. © Originals (Fontes Primarias) = Textos Image * Documentos da cultura material + Literatura Secundéria (Fontes Secundérias) = trabalhos de nutores ‘Tendo selecionado um tema para estudo em Hist6ria da Ciéncia, devemos em primeiro lugar, assim como em qual- quier drea de pesquisa, fazer um amplo levantamento da lite- falura secundatia, ou seja, dos estudos realizados sobre 0 Lema em foco. Em seguida, analisamos os textos procurando \dentificar especialmente a perspectiva historiografica assu- inida pelo autor ea relevancia do estudo para nossa pesquisa Verificamos também se 0 atttor haseou seu estudo em origi- ais e se suas interpretacdes so coerentes. Assim, é posstvel jvaliar as vertentes e os tipos de estudo jé realizados sobre o Lema selecionado. Isso faz parte da esfera historiografica de Perspectiva historiogréfica é a forma de escrever a histria Retomando nossos estudos sobre a destilacdo, 0 Jevantamento revelou que os poucos estudos dedicados a se tera baseavam-se em perspectivas historiograficas tra~ dicionais. Além disso, observamos que muitas afirmacdes jobre esse processo, particularmente no que se referia as ori- jens das preparacdes do que hoje chamamos dlcool e écidos ininerais, precisavam ser revisitadas e analisadas a partir de hovas interpretacdes dos textos originais, abordando as trés ealeras de analise que identificam uma pesquisa em Histéria da Ciéncia Aparato de destilagao Na perspectiva historiografica tradicional 0 passado 6 visto com os olhos de hoje Admite-se que a ciéncia teria se desenvolvido progressiva e linearmente. Nessa perspectiva, a Historia da Ciéncia representaria 0 progresso do espirito humano e da sociedade Apresentamos parte dessas novas interpretagdes em diversos artigos", Mas, aqui, vamos usar como exemplo uma discussao sobre as origens do alambique travada em meados do século passado, envolvendo historiadores da quimica que se fundamentaram em documentos e perspectivas historio- gtdficas diversas. Em um artigo ploneiro publicado nos idos de 1945, Frank Sherwood Taylor (1897-1956) buscou em textos ela- borados na antiguidade grega, tais como a Meteorologia de Aristételes e a Matéria Médica de Diosc6rides (sec. I d.C), men- Ges referentes ao processo de destilagao e ao alambique.* Segundo esse historiador da quimica, a primeira men- do semelhante a algo como a destilagdo é encontrada na Meteoroldgica de Aristételes. “... 4gua salgada quando se torna vapor fica doce, e 0 vapor nao forma sal quando condensa novamente”, Sherwood Taylor também encontrou mengSes a destilacdo em textos de Alexandre de Aphrodisias (¢. 200), Plinio (séc. 1) e Dioscérides. A partir daf, procurou identifi- car termos referentes a partes de aparatos utilizados na rea- lizagdo dese processo. Para isso, baseou-se ndo apenas nos textos daqueles antigos estudiosos gregos e romanos, mas também em textos literdrios do mesmo perfodo, Desse 7 Beltran, “Algumas consideragdes sobre as origens da preparagio de écido nitrico’; idem, “Rosérias e dgua de rosas: os livros de destilacio e algumas de suas fontes medievais"; idem, Imagens de magia ede inca: enireosimbolsmo ¢ 5 dagramas da raza 8 Sherwood Taylor, “The evolution ofthe stil, 185-202 9 Aristételes, Metasralpica 1,3 3586 16, #studo, Sherwood Taylor pode Identifiear ox termos Aonat, e Aifhé, respectivamente, com as parte slambique, Inferior e uperior do © termo Aonag, - lopaz - referente & parte inferior do slambique, eta utilizado para designar um utensflio culindtio achatado, do tipo de uma assadeira ou de uma frigideira, |é © lormo oBr& - ambix -, identificado com a parte superior it) cabega do alambique, relacionava-se a um tipo de vaso \isado para armazenar vinhos e outros Ifquidos. Tendo identificado esses termos, e com base no trecho tlh obra de Dioscérides dedicada a descrever a sublimagio ilo mercério, Sherwood Taylor propés um esquema para os 1iigos aparatos de destilagao, como se segue Figura | B—ambix D~lopaz!! Além disso, esse mesmo historiador da quimica reto- {ou imagens presentes em manuscritos atribufdos a alqui- Inlstas alexandrinos dos primeiros séculos de nossa era e pode propor um caminho para a “evolucdo do alambique’ Cuja origem estaria na Grécia antiga Tablete mesopotamio Na antiga Mesopotamia, os textos etam registrados em tabletes de agila. (httpu/ ‘wwa.ancientmesopotamians comn/anclent-mesopotammia- writing-system html) Agnes Figura 2: Tibikos."" Quinze anos depois, Martin Levey (1913-1970), um historiador que realizava estudos sobre as culturas mesopo- tAmias e érabe, apresentou outra visdo sobre as origens do alambique, partindo da andlise de tabletes e objetos retira~ dos de escavagSes arqueoldgicas. Assim, em seu artigo “Os estdgios mais primevos na evolucao do alambique’, de 1960, Levey propés-se a complementar debater as ideias sobre as origens do aparato de destilacao apresentadas por Sherwood Taylor.” Levey faz referéncia em seu artigo a um aparato encontrado na escavagéio de Tepe Gawra, 0 qual foi datado no terceiro milénio a. C., ou seja, anterior ao aparecimento da escrita. Além disso, esse estudioso péde relacionar esse aparato a um vaso destilatério (diqaru), empregado na confec- do de perfumes, mencionado num tablete mesopotdmio de 1200 a.C. A partir dessas consideracées, Levey propés que as origens do alambique nao seriam gregas, mas sim mesopo- témias e bem anteriores ao que fora suposto por Sherwood ‘Taylor. Também a “evolucio do alambique" se daria por um caminho bem diferente, evidenciado por outros objetos, também encontrados em escavagSes arqueolégicas, espe- cialmente alguns fornos que, conforme Levey, teriam levado. 1 Ms Parisinus 2327 (Biblioteca nacional ce Paris) 12. Levey, “The earliest stages in the evolution of the still’, ao Atanor, equipamento mencionado nos textos do médico drabe Ar-Razi (¢. 865-925), do século X, o qual viria ser conhe= cido como Razes, no ocidente medieval” Figura 3: Digaru, vaso destilatério encontrado na escavago de Tepe Gawra, na regido da antiga Mesopotémia." | UAL i Figura 4: Atanor - Razes (século X)." 1 tid ata 1 ibid 19 bid Assim, com base em outros docume i documentos, ‘Ntos, incluindo i 4a cultura material, tais Como Oljetos de esca- vacoes, LeVey atribuiu as origens do alambigue aos anti- GuISsIMOS Povos mesopotamios, afirmando ainda que sua evolucs0 Condysiria a realizagdes da cultura arabe medieval COM © exemplo dos estudos desctitos anteriormente bodemes Petceber algumas das caracteristicas do offcio do historiador da céncia tais como a pesquisa ~ busca, locali- 2aG80 © aNélise _ ge originais de diferentes tipos tais como textos © oietos (documentos da cultura material) nos quais ficaram teBistrados antigos conhecimentos Sobre a natureza € as tEcnICAS. Podemos também notara possibilidade de deba- tes sobre UM mesmo tema, no caso a “evallgag do alambi- que’, quando ca, considerados diferentes documentos a - NO S80 dos estudos citados, chama atencio também a énfase dada as origens do processo de destilacao, Se para Sherwood Taylor as origens estariam na Grécia antiga, para Levey, €l2S tetiam rafzes ainda mais remotas « orientais _Pentto dos estudos sobre as oFigens da destilagéo também devery ser consideradas as pesauisas desenvolvi- das Por JO5@ph Needham (1900-1995), esttidigey da cultura © particulatmente da ciéncia chinesa. Needham ¢ seus cola- boradores também analisaram as origens da destilagio, em especial Sobre a5 primeiras preparacdes do dlegol ¢ dos éci- dos minerals, « chegaram inclusive a realizar experimentos Pata COMPrOvar suas hipdteses sobre a origem chinesa des- ses procedimente Pee possam parecer divergentes, ag conclustes *esquisadores sobre as origens da destilagao tra- Zem em COMum a mesma perspectiva historiggrética tradi- Clonal. qU° tenge a considerar 0 passado Com og olhos do presente. Pesca forma, € possivel escolher diferentes origens 16. Needham "hy ‘ the Ena Aaj coming of ardent water 0A exergy comparison of Aisaaton ea enti and nian (andar th 4, eon to th ethanol para os conhecimentos. Na época em que Sherwood Taylor publicou seu artigo, era undnime a ideia de que as origens da ciéncia estariam na Grécia antiga. [4 nos anos 1960 1970, quando Levey e Needham publicam seus trabalhos, a possi- bilidade de que poderia haver conhecimentos cientificos em culturas diversas e de que 0 contexto poderia interferir no desenvolvimento desses conhecimentos passaria a ser discu- lida entre os pesquisadores que consideravam fatores sociais no desenvolvimento cientifico. Entretanto, a visdo tradicional da Histéria da Ciéncia como relato de um processo que pro- yessiva e inevitavelmente levaria & ciéncia atual permanecia ‘ontte esses autores, mesmo considerando que as origens das \\leias pudessem ser diferentes. Isso porque continuavam a analisar o passado com os olhos do presente, Porém, esses estudos pioneiros, mesmo circunscritos 408 limites da perspectiva historiogréfica tradicional, trata- jum com seriedade a pesquisa em Histéria da Ciéncia ¢ trou sofam a luz varios tipos de originais, abrindo caminho para inilises cada vez mais complexas do tema. Isso mostra 0 papel central que os originais exercem no offcio do historia sor da ci€ncia. Assim, vamos, em seguida, tratar um pouco \inals sobre os diferentes tipos de originais e mais especiica- onte dos textos, Toxtos originais Grande parte dos estudos em Histéria da Ciéncia Jon como centro a anilise de textos originais de diferentes lipo. Nos exemplos apresentados jé falamos de textos pro: venientes da antiguidade grega e também de tabletes meso: potlimios. Esses originais constituem formas de registros de conhecimentos sobre a natureza e as técnicas gravadas sobre dilerentes suportes. De fato, os suportes dos textos originais Yariam desde a argila até o papel, passando por suportes de {ibras vegetals, como o papiro e por peles de animais conhe cidas: como pergaminho. Também as formas de gravar ox conhecimentos sobre © suporte so to diverse quanto os estilos usados nas diferentes formas de escrita, incluindo a cuineiforme, a caligratia medieval e a prensa de tipos méveis cujo uso se generalizou na Europa em meados do século XV, Essas caracterfsticas dos originais frequentemente exi- gem, além do conhecimento de linguas classicas tais como 0 latin, uma considerdvel familiaridacle com as formas antigas de escrita Para ilustrarmos os diferentes tipos de textos com os quais os historiadores da ciéncia lidam, vamos novamente ‘exemplificar com originais que temos analisado em nos- sstudos sobre as operacdes e reflexes sobre a matéria, em especial aqueles que tratam das praticas ligadas ao que podemos chamar de artes decorativas, No século XV, as técnicas eram chamadas artes. A ideia de belas-artes que temos hoje 86 comegou a ser formulada no século XVIII De fato, grande parte dos mais antigos textos que tra- lam de operagSes ¢ reflexes sobre a matéria so receitudrios relerentes & produgao de pigmentos e corantes para pintura ¢ tinturatia, preparo de materiais metélicos similares a0 ouro © 2 prata, confecgéo de materiais semelhantes a pedras pre- closas ete. Entre esses textos devemos citar 0 Papiro X de Leiden e 0 Papiro de Estocolmo, cujas c6pias mais antiga embora datem do século Ill de nossa era, trazem conheci- mentos de épocas bem anteriores. Outros textos desse tipo chegaram a nossos dias em cépias medievais, destacando-se os relacionados no quadro que se segue. RECEITUARIOS RELACIONADOS A PRATICAS DE ATELIE QUE TE SERVIDO DE DOCUMENTOS A HISTORIADORES DA QUIMICA: Papiro X de Leiden Papito de Estocolmo #8¢c. Vl Compositions ad tongenda #8dc X De artibus Romanorum, atribufdo a Eraclius 83dcs X e XI Mappae clavicula #8¢c, XI Divwysarum artim schedula, atribuido a Tedfilo Dentro da perspectiva historiogréfica tradicional, esses JecciLudirios eram considerados como manuais de atelié e suas jlas eram vistas como raizes de praticas atuais. Porém, eatuidos recentes tm mostrado que esses receituérios tinham ‘olt0 significado a época em que foram compilados e/ou copia- FEles eram tidos como chaves que possibilitariam acessar ntigos e secretos conhecimentos sobre 2 natureza, Assim, weil lugar no era no atelié ou na oficina onde trabalhavam ‘lesiios analfabetos em sua maioria, mas sim na biblioteca, para contemplacgo, reflexdo e estudos dos eruditos. A tradi- ‘io desses livros, também chamados de livros de segredos, foi {niclada muito provavelmente com os tabletes mesopotdmios Jondo sido preservada mesmo quando os textos impressos paysaram a disseminar esses “segredos” Outro tipo de texto concernente a operagées e refle- sOe8 sobre a matéria, que teve sua publicacao intensificada diirante o século XVI, constituiu os livros de destilacao, Esses livros propagaram a ideia de que as “éguas” obtidas pela des- Iilaglio de materiais curativos ha muito conhecidos (plantas, Ininerals e partes de animais), seriam mais eficazes do que ses livros impressos em ‘8 tradicionais chés e decoegdes, Mappae Clavicula ie iwi a} Sreope a sSacucetaacn,) Fiacentenatt a oy Soiree = ican ag eer Mappa Claiula Pequenn ‘have para a pintura) ma colegio de recelta de diversas origens, Um ‘manwiselto elegante, que presenta o texto como have" para desvela soredos da natures Hieronymus Brunchwi © lio de H. Brunschwig teve Inais de 50 edigdes entre 1500 @ 1610. verndculo e fartamente ilustrados podiam tornar acesstveis esses conhecimentos a um grande piiblico formado tanto por eruditos quanto por pessoas semialfabetizadas ou anal- fabetas. Afinal, como declarou Hieronymus Brunchwig (1450- 1512), autor de um dos mais difundidos livros de destilagao: "As imagens sao festa para os olhos e auxilio para aqueles que nao sabem ler ou escrever""” ‘Também ao longo do século XVI foi publicado outro tipo de livro que se propunha a desvelar os segredos das artes dos metais. De fato, os chamados tratados técnicos renas- centistas de mineragao e metalurgia trazem em suas paginas cuidadosas descriges ¢ figuras mostrando as praticas envol- vidas na extragao e no refino dos metais — praticas tradicio- nais e ciosamente guardadas nos grupos ¢ corporacées de mineradores e metalurgistas. Entretanto, estudos atuais que procuram analisar a generalizagdo desses livros mostraram que a necessidade de metais naquele perfodo levou ao pro- cesso de investimento de nobres e proprietarios nas ativida- des mineiras, consideradas artes servis e, portanto, indignas de pessoas que tinham posses e titulos. Os mais destacados livros desse tipo sao: * Vanoccio Biringuccio (1480-1539) - De la pirotechnia (Sobre as artes do fogo), Veneza, 1540. © Georgius Agricola (1494-1555) - De re Metallica (Sobre as coisas dos metais), Basiléia, 1556. © Lazarus Ercker (1530-1594) - Beschreibund aller fir nemisten mineralischen Ertzt unnd berckwerckes Arten, ("Descrigéo completa dos principais métodos de refino de minérios e de minerac&o"), Praga, 1574. De fato, esses livros procuram valorizar as artes da mineragao e da metalurgia, Entretanto, 0 mesmo nao pode- mos dizer quanto a intengao de desvelar os segredos dessas 17 Beltran, Imagens de mala ede cnc: ene 0 sbi ¢ os dlagramas da rao; © ‘estilago. w arte de extra vttxle artes que os autores propalam em seus textos. Muitas das passagens, e mesmo das imagens descrevendo complexas operacées, sao simplificadas no livro, de modo a serem com= preendidas apenas por leitores que tivessem intimidade com as operacées focalizadas."* ‘A formagao do historiador da ciéncia Considerando esses exemplos, ja se pode perceber que a leitura e a andlise de originais em Histéria da Ciéncia exige um preparo especifico e especializado que faz parte da formagao dos historiadores da ciéncia. A Histéria da Ciéneia como drea interdisciplinar do conhecimento exige formagao especializada que envolve {unto estudos epistemoldgicos quanto histéricos e socio Jogicos, sem contar com o dominio de Iinguas classicas em lguns casos e técnicas de leitura e andlise de originais se} ‘eles textos, imagens ou documentos da cultura material jam. 0 officio do historiador da ciéncia nao é construfdo pela ‘oma de diferentes formagdes, mas sim pela abordagem inter isciplinar exigida pelo objeto préprio da Histéria da Ciénela IW Beltian, "A Produgio do Salitre “Diante dos Olhos': Andlise de Image f¢ Tatados Renascentistas de Motalurgla’, tn Cemendria Simao Mathias Documentos, Mavs ¢ Wonidade da Histéna da Cina, orgs, Alfonso-Goldllab, Goldlatb, Fortaz & Walsse, 225-216

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