Você está na página 1de 2

LULI RADFAHRER

Os emergentes do digital
Cultos, bem-sucedidos e ricos, eles são tratados com desdém pelo
preconceituoso mundinho da alta tecnologia

Nos condomínios de alto padrão dos Jardins e da Barra da Tijuca todos esnobam
os pobres novos-ricos. De nada adianta o dinheiro que tenham, conquistado
muitas vezes a duro suor, já que sua falta de naturalidade nos ambientes que
frequentam insiste em revelar a falta de "berço". Sem conhecerem os códigos
de etiqueta, muitos acabam isolados, tristes e revoltados contra um mundo que
nunca estendeu a mão para educá-los.

O mundinho da alta tecnologia e da comunicação digital é igualmente


preconceituoso. Cheios de gírias, jargões, memes e códigos de conduta, seus
líderes e influenciadores não perdoam aquele desavisado que, por falta de
educação, TUÍTA EM MAIÚSCULAS. Não há quem sussurre no seu ouvido
que isso não se faz, ninguém a explicar que, por mais estranho que pareça, isso
é o equivalente a falar alto em um ambiente público.

Como o emergente, inocente em seus chinelos de dedos e camiseta regata, esse


pobre coitado é obrigado a adivinhar, pelos olhares feios em torno, que algo
deve estar errado. É um processo doloroso, frustrante e demorado, e muitos
desistem no meio do caminho.

A popularização das novas tecnologias criou uma categoria inusitada de


excluído tecnológico: alguém que deu o azar de se especializar em uma área
distante da tecnologia de consumo. Não é uma categoria pequena, ignorante ou
anacrônica. Nela estão muitos advogados, neurocirurgiões, cozinheiros,
arquitetos, investidores e artistas bem-sucedidos, cultos e renomados, que
frequentam lugares da moda, consomem furiosamente e viajam bastante ao
exterior.

Mas, ao contrário do grande físico que não entende nada de moda e pode se dar
ao luxo de ignorar o assunto, ou do grande dentista que não se interessa por
futebol e pena para listar dez grandes clubes brasileiros, uma parte da sociedade
contemporânea não tolera quem não vê muita graça em gigabytes, gigahertz e
gigawatts, não se comove com atualizações de sistemas operacionais e ainda se
dá ao luxo de voltar do exterior sem o novo gadget no bolso, no pulso ou na
mala.

O desprezo é tanto que não há canal de comunicação para educar aqueles que,
mesmo distantes ou tardios, tenham os recursos e estejam interessados em saber
como funciona um Mac, um Blu-ray, um Kinect, um Kindle, uma FuelBand.
A segregação tecnológica é tamanha -e tão amplamente praticada- que causa
em suas vítimas um complexo de inferioridade parecido com aquele que tanto
combatemos na defesa das minorias étnicas, etárias, econômicas e sociais. É
comum ver nos párias digitais a sensação de serem velhos, anacrônicos, burros,
ultrapassados ou simplórios. Como aqueles que, em séculos passados, se
diminuíam por pertencer a qualquer casta que não fosse a dominante. A
tecnologia, inventada para integrar as pessoas e melhorar a qualidade de vida,
pode, curiosamente, ter o efeito contrário.

Não há nada de esotérico, místico ou complexo em um podcast, em uma wiki,


no streaming de um vídeo ou nos cabos que se encaixam em uma HDTV. É
muito mais fácil compreendê-los do que entender os critérios de pontuação em
uma Olimpíada. Mas, como parecem óbvios, ninguém se dedica a explicá-los.
O resultado é triste de tão limitador.
folha@luli.com.br

ANDRÉ CONTI
escreve neste espaço na próxima semana

Você também pode gostar