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Era uma noite fria.

Donna e Eric apressaram-se a entrar no mustang rosa, de alta


cilindrada e dispararam a todo o vapor.
O céu apresentava uma cor violacea, raiado de um vermelho sanguinolento misturado
de um tom negro que teimava em surgir. Havia algo no ar. Era mais que medo pois
todos nos tinhamos deixado de ter medo.
Tinhamos a convicção que o medo não nos poderia mais magoar que a certeza que ele ia
mesmo ocorrer.
Tentei sentar-me melhor....
Apesar de vir atras, com algumas dificuldades no assento, devido a ser um veiculo
apenas para 2 pessoas, havia algo em mim que abandonava a dor do corpo fisico.
Donna limava as unhas, como se fosse possivel faze-lo num carro a alta velocidade.
O radio estava desligado. Eric quando se sentia nervoso ou muito atento preferia não ter
mais fontes externas a inquieta-lo. Ele sabia que eles vinham.
Donna tambem o sabia.
E eu tambem.
O medo tinha dado lugar a sensação de fuga, de poder adiar o inadiável apenas por mais
uns momentos. Se não fosse por nós seria por todos os outros.
Aproximamo-nos da cidade. Fumegava ainda... e podiamos ver com a ultima luz do sol,
os destroços, o fumo, o caos.
Havia um calor humido ali... Eric manobrou com cuidado extremo o carro, tentando não
bater em nenhuma das centenas de viaturas abandonadas, em nenhuma lata ou destroço
que bloqueavam a passagem.
Donna olhou o alto predio de White hall, antigo edificio de escritorios e sede da VC.
Estava em ruinas.
Ardiam a volta dele vários destroços, mas de pessoas nem sinal.
Havia um silencio sepulcral no ar.
Inspirei profundamente e esperei que o carro conseguisse rapidamente deixar a cidade.
Preferia não ver, a voltar a ter medo.
Donna penteou-se com as mãos. O cabelo castanho escuro, com uma pequena franja
branca e rosa tinha sinal de ter sido lavado há pouco tempo.
Donna não era uma mulher futil, mas nas horas que haviam precedido á nossa fuga, ela
tinha vivido um perfeito dia quotidiano. Compras, banho com sais, vestir e provar
roupas, fazer malas.
E fizera-a numa perfeita calma.
Eric manobrou de novo as mudanças e acelerou para apanhar a via rapida, ou o que
restava dela.
Pude observar de novo o White Hall, enquanto me afastava. Algo no meu interior
formava-se, como uma mistura de vomito e fel. Senti lágrimas a subirem á tona de
novo .
Fora durante muito tempo sacerdote na Vacante Church. E ali na White Hall fora
secretamente iniciado.
Não me pude perder em nostalgias e devaneios porque nesse momento um carro da
policia fez-se ouvir.
Eric parou abruptamente o carro a um canto e desligamos a luz.
Sentimos que até deixamos de respirar.
Tentámos parecer mais um dos carros abandonados, mais um destroço.
O carro da policia passou velozmente.
No seu interior um homem de cor, com ar de apressado dirigia quase catartico. Não
reparara em nós.
Suspirámos.
Eric esperou mais uns minutos e continuamos a caminho.
A cidade tornou-se numa sombra, e deixamos que o barulho do carro, a nossa respiração
e o vento se tornassem a nossa musica.
Por vezes sentia que ia adormecer.
Donna mascava uma pastilha.
Raramente cruzavamos palavras. E se conversavamos era sobre coisas futeis como se
viamos alguém, ou sobre o vento, ou o pó da estrada.
Por vezes tocavamos em Eric, para assegurarmos-nos que ele estava consciente, e não
no mesmo torpor que o caminho nos fazia sentir.
Parecia sempre mais consciente que nós e sem falar, olháva-nos profundamente com os
seus olhos azuis mareados.
Algumas dores nas pernas começaram a teimar.
Olhei as horas, passavam das 3h da manha.
Conduziamos há horas.
Algo em mim se inquietava.
Onde estariam aqueles que nos perseguiam?
Saberiam de nós ?
Estariamos verdadeiramente a caminho da liberdade possivel?
Ou não passariamos de marionetes num teatro bem montado?
Perdi o meu olhar no mundo exterior. Tudo estava negro e deserto.
Seria o exterior o reflexo do nosso interior?
Pareceu-me ver então ao longe uma pequena luz.
- Parece que vi uma luz! Ali do lado direito – disse apontando.
Donna pareceu ter despertado subitamente.
Olhamos todos pelo vidro embaciado.
Havia algo ao longe, mas muito tenue.
- Provavelmente algum resistente ou mais provavelmente pessoas fugidas assim como
nós! – concluiu Eric.
A viagem continuou no mais perfeito silencio.
As horas passaram e o dia começou a amanhecer.
- Temos que arranjar um sitio para passar o dia. Ainda temos gasolina suficiente, mas
convem descansarmos.
Olhámos á nossa volta. Estávamos em pleno deserto. Cactos saltitavam-se sobre as
extensas planicies. Ao fundo, provavelmente a quilometros de distancia viamos de um
lado algumas árvores, e do outro a silhueta de grandes montanhas.
Eric não nos perguntou sequer opinião.
Virou a direita em direcção ás montanhas.
O relogio de bolso que trazia, marcava as 5h53.
Meia hora depois chegamos a um vale cheio de falesias, e com altas escarpas.
Pusemos o carro dentro de uma brecha, uma especie de gruta natural.
Saimos do carro.
Estiquei-me.
Donna desapareceu no meio de umas arvores.
Eric dirigiu-se para uma outra caverna em frente á outra. Era mais resguardada que
aquela onde deixaramos o carro.
Eric acendeu um pequeno fogão a gas, onde deitou um bule com agua e cafe.
O sol nascia agora com força.
E nós, tal como vampiros, tinhamos que nos forçar á escuridão.
II

Pouco dormimos.
Passara grande parte da manha num estranho torpor e só adormeci profundamente já
perto do meio dia.
Donna estava a fazer uma especie de sopa quando despertei. Mas não havia sinal de Eric.
- Ele anda por ai a localizar onde estamos e a ver se detecta algum sinal com o radio! –
disse Donna enquanto mexia a sopa.
Pude observar melhor a cavidade. Era uma especie de gruta de pedra calcaria, cheia de
arenitos e outras formas na rocha. Era fresca, em contraste com o calor do exterior.
Olhei o relogio. Pouco passava das 15h.
Sai para fora.
Estava abafado.
Contemplei onde estavamos – no meio do deserto, longe de tudo, rodeados de
montanhas e desertos e umas quantas arvores.
Tentei encontrar Eric, mas sem sorte. Devia estar no alto de algum monte.
Donna tinha vestido calças escuras e uma camisa clara que contrastava de algum modo
com o cabelo escuro e aquela franja pintada de rosa e branco.
- Há um lago ai a frente ! – disse-me ela.
Aproximei-me das arvores e reparei que a pouco mais de 3 metros havia um pequeno
lago, cuja agua saia tenuamente de uma entrada na rocha.
Lavei a cara e reflecti-me na agua.
Tinha a barba de 4 dias. O meu cabelo loiro quase castanho estava mais pardacento que
nunca.
Tomei banho e voltei a vestir a roupa.
Uma aguia passou por mim.
Nunca tinha visto um bicho daqueles assim tão perto.
A fome começou a apertar. Reparei numa romanzeira do outro lado do lago.
Tinha algumas romãs, mas a maioria não estava madura. Apanhei 3 e dirigi-me ao
refugio.
Eric acabava de descer por uma fresta na rocha.
Trazia os oculos de sol que Madelyne lhe oferecera no seu aniversário – roxos e grossos.
- Não encontrei sinal nenhum. Pelo menos no raio de 20 a 30 km estamos sozinhos.
- Achas que eles sabem que estamos aqui ?
- Não, creio que não. Somos muitos e não demos nas vistas Joseph.
Eric entrou e pos-se a conversar com Donna sobre o radio e o que fariamos em seguida.
Reparei que em 24 horas o meu nome não tinha sido sequer pronunciado. Senti que de
algum modo Joseph estava morto. Morto nos destroços do passado. Morto na memoria
dos mortos que tinham morrido.
Senti vontade de chorar.
Afastei-me em direcção ao carro. Tentei não pensar.
A fome desapareceu. Doia-me o coração.
Peguei nas microdoses de calmantes que tinha arranjado e tomei um.
Sentei-me a olhar para a paisagem. A penetrar no Eterno que permeia tudo, sem dar
espaço aos pensamentos.
Sentir o vento.
Ver lá longe o horizonte igual...o deserto quente aberto e apenas pintalgado de pontos
verdes, pequenos cactos e pequenas arvores que viviam do seu calor.
- Jo! O comer esta pronto, anda para dentro- gritou-me Donna.
Respirei fundo. Um ar quente misturado com suor e um aroma leve, muito leve do
perfume de Jean entrou-me pelas narinas.
Senti uma mistura de paz com tristeza, mas sem mais demoras entrei para comer.
Eric estava sentado em posição de lotus. Tinha as mãos caidas ao lado do corpo, e os
oculos pousados em frente. Era a meditação que faziamos a hora de almoço.
Donna tinha posto 3 taças com sopa e acabava de por o resto numa marmita. Havia uma
garrafa com agua a nossa frente.
Sentei-me tambem em posição de lotus. Donna deitou-se.
Já sabia que não aguentava muito tempo naquela posição, preferia deitar-se.
Tomei atenção aos meus sentimentos. Tentei sentir perdão e misericordia por todos
aqueles que me tinham causado tanta dor e sofrimento.
Deixei os pensamentos agirem como um teatro e eu como espectador. Até que eles se
cansaram e fiquei num planalto deserto.
Senti de repente que estavamos os 3 noutro lugar.
Tambem era um deserto.
Mas haviam mais 3 presenças atrás de nos. Eram 2 a 3 x maiores que nos,
assemelhavam-se a sombras azuis distorcidas, mas tinham uma aura de paz e
tranquilidade.
Conseguia ve-los a esbracejarem e percebi que falavam, mas nada consegui entender.
Donna ajoelhou-se e fez surgir uma luz ainda maior e desapareceu dentro dela.
Eric deu as maos aos Sem Corpo que me deram tambem as maos e por momentos fui
inundado de paz.
Pensei acordar na gruta mas dei por mim num bar japonês onde uma mulher cantava
uma estranha cançao. Um homem de smoking azul aproximou-se de mim e disse : -
Joseph não vás por Vaicun, eles estão á vossa espera. Tu és Charles...
Despertei completamente suado.
Donna ainda dormitava.
Eric comia.
Não perguntei sequer o que tinham transmitido os guias. Teriam estado todos no deserto?
Seriam os guias reais ?
Não duvidei. Peguei na gamela e comi a sopa com avidez. Reparei que tinha fome.
Eric olhou me com ar cumplice enquanto punha a tigela de Donna de novo a aquecer.
Ela ainda meditava, ou dormia.
A seguir ele sentou-se numa manta laranja a um canto e debruçou-se sobre um livro de
preceitos Unistas.
Eu sai para fora e fui até ao carro. Acendi um cigarro e liguei o leitor de cds. Começou
a tocar uma musica. Uma musica easy listening....
Perdi-me então nos pensamentos, nos momentos bons e no meu passado que era agora
tudo o que me restava.

III
Percorremos quilometros e quilometros de estradas em terra batida. Ao fim de algum
tempo só a vermos desertos, os olhos pareciam querer fechar-se e uma especie de
cansaço debateu-se sobre todos nós.
Desta vez troquei com Donna, que estendeu um cobertor grosso sobre o estofo da parte
de trás do carro e deitou-se sobre ele.
Nem sempre dormia, passava muito tempo com a sua consola portatil e um daqueles
jogos de tetris.
Nenhum de nós falou sobre o que acontecera de tarde. Há muito tempo que seguiamos
cegamente as vozes e os conselhos daqueles seres sem forma.
Eric seguia de óculos escuros, mesmo sendo de noite.
Tinha arranjado a franja, feito a barba e cortado até algum cabelo de frente. Parecia
agora outro.
De ambos os lados apenas viamos negrume e deserto. O velho mustang rosa viajava
com as luzes nos minimos para não despertar atenções indesejadas.
O leitor de cds era ligado ocasionalmente.
Tinhamos gostos diferentes. Eu sempre fora fã de musica leve e calma, já Donna
preferia rock e pop, e Eric....bem Eric não dava sinais de gostar de musica sequer.
Olhei o meu relogio. Marcava as 0h33.
Segundo os cálculos iriamos chegar a Daytona de madrugada, onde poriamos gasolina e
fariamos uma pintura do carro até chegarmos á baia de Karran.
Eram mais 2 dias de viagem, ou melhor 2 noites.
Tive nesse momento um arrepio de frio.
- Queres que ligue a sofagem? – perguntou-me Eric que devia ter notado o meu
estremecimento.
-Não! Isto é mais nervos que outra coisa. – menti.
O deserto era um lugar de contrastes. Ultrapassava os 40 durante o dia e á noite se
possivel descia abaixo dos 0 graus.
Fechei o casaco até cima e arranjei a gola para tapar o pescoço.
Donna deixou o jogo e aproximou-se de nós.
Quanto mais andavamos mais cansado me sentia.
A certa altura no horizonte, por entre a escuridão senti como se uma explosão luminosa
se tratasse. Havia um rasgo de luz forte a menos de 2 quilometros.
Revirei os olhos pensando tratar-se de um sonho.
- Que foi isso ? – gritou-me quase ao ouvido Donna que tambem deveria vir a dormitar.
- Não sei, mas vou desligar a luz.
- Achas que são eles ? – perguntou Donna.
Eric não respondeu.
- O estrondo que ouvi foi grande, mas não grande para ser um missil ou uma bomba –
respondi eu.
O meu coração pareceu bater com tal força que ameaçava sair do peito.
Abri completamente a janela e pus a cabeça de fora.
Uma aragem fria e seca inundava tudo. Havia no ar um cheiro a terra e a ....oleo
queimado.
- Olhem! – interrompeu Eric apontando á frente.
Muito á frente viamos um carro caido para o lado. Havia uma pequena luz.
Estacamos com medo.
Como é que caminhávamos há horas por ali e nunca notaramos a sua presença?
Quem eram e o que queriam?
- Acho que devemos acelerar o maximo possivel, nunca se sabe quem possa ser! – disse
Donna enquanto levava as unhas a roer.
- Acho que devemos ir com calma, podem ser como nós! – afirmou Eric convicto.
Eu não sabia o que dizer por isso calei-me.
Eric reduziu de novo a velocidade e passou ao lado do carro acidentado.
Pude ver um farol partido mas que ainda dava luz e um corpo caido na berma da estrada.
O cheiro a oleo queimado era nauseabundo.
- Eric, é melhor parar e irmos ajudar ! – repliquei preocupado. Havia algo em mim que
sentia uma necessidade de ir ajudar aquelas pessoas.
Eric acelerou um pouco e deixou o carro a cerca de 50 metros do outro carro.
- E se for uma armadilha Joseph?
Olhamos para tras.
Não havia sinal de vida.
- Sabes tão bem como eu que estes acidentes simulados são frequentes.
Não respondi. De algum modo ele sabia a minha resposta.
Esperamos alguns minutos. Sai do carro e bati com a porta ligeiramente.
Sem medo aproximei-me.
Dentro do carro havia um rapaz, dos seus 20 e poucos anos, estava ferido na cabeça e
num braço.
Donna e Eric aproximaram-se a medo.
Contornei o carro e vi a rapariga.
Era mais nova que o rapaz. Tinha o cabelo cortado pelo ombro. Estava inconsciente ou
parecia estar.
Dobrei o joelho para reparar se respirava. Percebi que tinha cortes na cara e nos braços,
bem como tinha sido atropelada na perna pelo carro.
Possivelmente teriam adormecido ao volante e com o escuro da noite o carro tinha
capotado, e a rapariga teria sido projectada enquanto o carro lhe passara por cima da
perna antes de parar metros á frente.
Respirava mal e do nariz começava a deitar sangue, bem como da perna.
- Agh!!
Ouvi Donna gritar ao ver a rapariga.
- Temos que a levar a um hospital, a algum lado!
Foi nesse momento que percebemos toda a nossa situação. Não só a rapariga estava ás
portas da morte, como não haviam hospitais na redondeza, e qualquer posto medico
levaria a que nós fossemos identificados e todo o nosso plano de fuga iria pelo cano
abaixo.
- As cidades estão em ruinas Donna. Existem apenas alguns postos medicos resistentes
ou os que existem estão feitos com eles.
Donna afastou-se até ao carro e com Eric retiraram o rapaz.
Tinha apenas umas escoriações na cabeça, na qual Donna pos um lenço apertado com
alguma gotas de betadine e engessaram manualmente o braço com outro lenço.
O rapaz respirava melhor, não estava nem de perto nem de longe no estado da jovem.
Estava um frio mórbido no meio do deserto, mas por algum motivo tinhamos calor.
Nada se fazia ouvir, a não ser algum gemido ocasional do rapaz.
Quanto a rapariga, não sabiamos o que fazer. Respirava com dificuldade e não dava
quaisquers sinais de vida.
Deixei então as minhas maos percorrerem o corpo da jovem, emanando energia ou o
que quer que se chamasse. Mantive-me ali a sentir a energia e a enviar toda a minha
compaixão, orando sem palavras pela jovem.
Senti chupões energeticos nas zonas do pescoço e na barriga, e deixei-me ai estar.
Permiti que o meu amor, aquela energia, aquela sensação continuasse a fazer o que
estava a fazer, mas não esperava milagres.
Donna e Eric não falaram nada, trataram como podiam a perna dela.
Não sei quanto tempo passou até que Eric disse – Temos que a virar!
Abri os olhos.
Ajudei a vira-la. A roupa por detras estava empapada de sangue.
Usando o resto da agua que tinhamos tirado do lago, lavamos o corpo da jovem. Tinha
uma ferida profunda nas costas, mas que tinha ja formado uma pequena crosta.
- Temos que ir até Vaicun! – falei sem pensar.
Eric olhou-me desesperado.
Senti dentro de mim tambem um torpor estranho, talvez por estar a contrariar a voz que
me aconselhara a não passar sequer por lá.
Arranjamos a rapariga com umas roupas de Donna e pusemo-la no banco detras. O
rapaz começou a delirar tambem.
Aplicamos um anti-inflamatorio oral e pusemo-lo no banco da frente.
- O que fazemos com o carro ? – perguntou Donna enquanto limpava a testa do rapaz.
- Deixamos como esta! Tiramos os documentos que houverem por ai e com a pá pomos
umas boas pasadas de areia la para dentro. A areia do deserto é bentonite. Ajuda a
corroe-lo mais rapidamente.
Eric pegou na pá e dirigiu-se para um pequeno monte de areia a uns metros do carro.
- Mesmo que eles apareçam, com o sol que vai fazer de manha, terão a impressão que
ocorreu ha mais tempo.
Donna voltou a dar agua á jovem.
Dirigi-me ao carro para buscar documentos, malas ou adereços que fossem importantes
para os mesmos.
No carro encontrei 2 malas de viagem e uma mala de mão. Eric tinha encontrado
tambem uma carteira no bolso do rapaz.
Dentro da mala de mão encontrei chaves, fotografias soltas, pequenos frascos de
perfume e um antipiretico fraco. Havia tambem uma carteira de pele com simbolos
japoneses. Lá dentro havia uma foto da jovem e o cartão de identificação. Chamava-se
Sarah Greyhorn, tinha 21 anos e pelo cartão da universidade, era estudante de
antropologia.
Carregamos tudo no porta bagagens, que por sua vez já estava muito atafulhado.
Estavamos os 3 absolutamente estonteados e sem saber muito bem o que fazer.
Ajudei então Eric a afastar um pouco o carro acidentado mais para o meio do deserto e
ai tentamos enterra-lo o maximo que podiamos.
Quando terminamos estavamos completamente exaustos e suados.
Olhei o relogio, passavam das 4h da manha.
Voltamos ao carro. O rapaz tinha acalmado, mas a jovem continuava impavida e serena.
Sentei-me atrás com Donna.
Ela tinha apanhado o cabelo e podiamos notar que estava verdadeiramente nervosa. Até
então com tudo o que tinhamos passado, nunca tinhamos visto Donna assim.
- Ela não vive muito mais tempo! Temos que encontrar um sitio para ela ser tratada!
- Quando chegarmos a Daytona podemos pedir ao nosso contacto se tem algum medico
que os examine. – afirmou Eric convictamente.
- Ela morre antes de amanhecermos Eric!
- Donna não vou discutir contigo. Isto esta decidido há mais de 48 horas, se a rapariga
tiver que morrer, não vai ser um desvio no meio do deserto que a salve.
- E se formos até Vaicun ? – perguntei.
Eric limitou-se a olhar em frente e acelerou.
Andamos quase duas horas sem parar. O Sol nascera entretanto, estavamos a cerca de
20 quilometros de Daytona e a 33 de Vaicun.
De vez em quando ia dando agua a conta gotas ao jovem, enquanto lavava as feridas e
administrava um comprimido sublingual de anti-inflamatorio.
Donna ia fazendo o mesmo á jovem.
Era muito bonita, pude reparar.
Tinha um fato de tons vermelhos agora rasgado mas que realçava o seu cabelo loiro.
Tinha quase a certeza que os olhos tambem eram azuis ou verdes, mas com o escuro da
noite não tinha podido discernir. Havia algo nela, espantosamente familiar.
Não eram traços de Jean, era uma especie de ligação.
O rapaz tossia por vezes e repetia o nome dela. Sarah, Sarah, Sarah.
- E o que sabemos dele? – perguntei, ao reparar que nem tinha lido o nome dele.
- Leland Ruby – replicou-me Eric secamente. – Estudante de medicina no 4º ano pelo
que li.
- Ele se tivesse consciente é que nos podia ajudar ! – disse Donna enquanto
reparavamos que uma das feridas na testa da jovem ainda nao tinha cessado
completamente de sangrar.
O tempo foi passando, com Eric a acelerar o mais que podia para compensar o atraso. O
rapaz já nao tinha febre, mas a rapariga continuava igual, ou pior.
- Ela está a piorar – apontou-me Donna com um olhar aflito.
Troquei de posição com ela. Algo dificil de fazer, num espaço que não dava quase para
1 pessoa quanto mais para 3.
Apliquei-lhe mais umas gotas de anti-inflamatorio e pus as minhas maos sobre as dela.
Deixei-me perder.
Sentia e visualizava uma força a sair de mim e a entrar nela. Quase que a conseguia
ouvir no meu pensamento, e o seu sorriso se misturava no sorriso de Jean.
Jean, minha esposa.
Morta há menos de 3 semanas. Grávida de um filho meu. Um filho que nunca terei.
Por Jean, pelo meu filho, por mim e por aquela desconhecida entreguei-me
completamente ao processo. Como sacerdote na Vacant Church eu sabia que todos nos
somos seres energeticos, presos num corpo para viver uma experiencia de dualidade,
para aprendermos a amar no meio do mal e das dificuldades. Eu sabia que o meu
pensamento e o meu amor, a minha energia podiam tocar a vibraçao dela e assim dar-
lhe um pouco de vida.
Um sopro de vida – imaginei ter ouvido Jean susurrar-me ao ouvido.
Foi interrompido por um grito.
- Sarah, Sarah !
Leland Ruby tinha despertado.
- Calma, calma. Estamos aqui! - ouvi Donna dizer-lhe.
Despertei do transe estremunhado. O dia estava ja bem alto, provavelmente seriam 10
ou 11 horas.
O rapaz estava desnorteado, algo perfeitamente compreensivel.
- O que aconteceu ? Onde estamos ? Quem são voces ? – vociferou o rapaz rapidamente.
- Calma – disse-lhe Donna – voces tiveram um acidente, nos vinhamos a uns quantos
quilometros de distancia e paramos para vos ajudar.
O rapaz começou a chorar enquanto gesticulava nervoso.
- Demoramos muito Eric? – perguntei.
- Uns 10 a 15 minutos no maximo, estamos á entrada.
O rapaz pareceu assustar-se :
- Para onde me levam?
- Tem calma, estás com amigos ! – respondeu Donna.
O rapaz olhou para a amiga, para nos, para a rua e começou a respirar com rapidez. –
Preciso de respirar! Parem o carro.
Eric continuou a conduzir.
- Tem calma.
- Preciso de sair! Eu quero sair!
O rapaz encheu-se de suor, enquanto abria a boca tentando respirar. Estava a ter um
ataque de panico e hiperventilava como se fosse sufocar.
Donna rapidamente trancou a porta do jovem, com medo que ele a abrisse e saltasse.
- Eu quero sair daqui!
- Eric, pára por uns momentos! – respondi tocando no ombro dele.
O carro travou e derrapou para a berma.
O rapaz saiu transloucado e correu alguns metros para o deserto.
Donna saiu atrás dele.
Olhei a rapariga, não sangrava por fora, mas que contusões e hemorragias internas teria?
Olhei-a com toda a minha alma. Os seus labios encarnados com uma pequena sarda
preta no canto, os olhos fechados, e as mãos abertas davam-me uma sensação de paz.
Eric manteve-se firme.
De algum modo ele era o capitão da ‘’nau’’. Eu sabia que por dentro ele estava tão mal
ou pior que eu ou Donna.
Eu não tinha conhecido o meu filho, porque ele nunca nascera, mas Eric....Eric tinha
tido o dele, e tinha-o amado com todo o amor, até ao momento em que o jovem tinha
falecido num acidente idiota provocado por aqueles de quem fugiamos.
Sai para fora.
Ruby, o rapaz tava deitado no chão a chorar. Donna estava com ele.
Reparei que estavamos perto de uma povoação, possivelmente Daytona. Reparei que a
alguns metros haviam várias tabuletas caidas.
Decidi aproximar-me do jovem, mas senti que já estava demasiado envolvido naquela
historia, e preferi olhar as tabuletas.
Tinha razão. Daytona era a povoação que avistava e também era de lá que conseguia
avistar um fio de fumo negro. Tinham havido bombardeamentos há pouco tempo,
provavelmente no mesmo dia em que tinham destruido a minha cidade.
- Temos que ir. Não podemos tempo a perder- disse Eric que saira do carro – E nem é só
por mim, mas pela rapariga.
O rapaz recompos-se rapidamente e entrou dentro do carro.
Ele debruçou-se sobre ele, tomou-lhe o pulso e bateu nas suas faces.
- Qual é a tua opinião ? – perguntei.
- Sei lá, não sou médico.
- Mas a tua carteira...
- Mexeram nas minhas coisas?
- Tinhamos que saber quem eram – retorquiu Eric com a sua autoridade.
O rapaz ficou cabisbaixo e limpou as lagrimas dos olhos, até que por fim disse:
- A minha identificação é falsa. Eles apanharam muitos da minha familia, eu consegui
arranjar isso e por a minha foto.
Donna e Eric entreolharam-se.
- Então não podes fazer nada para ajudar? – disse Donna nervosa.
- Sinto muito. Tirei o curso de Geopolitica, não sei nada de medicina.
Eric olhou-me e abriu a porta para o rapaz se sentar no banco da frente.
Eu e Donna aninhamo-nos na parte detras do carro, no pequeno banco improvisado.
Ela debruçou-se sobre Sarah e com um conta gotas voltou a dar-lhe água.
Sentiamo-nos ainda mais derrotados.
Eric acelerou.
A cidade encontrava-se praticamente deserta. Haviam carros abandonados no meio da
estrada, alguns ardiam quase em pilha, e por vezes nas bermas avistavamos corpos.

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