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“ MORDIDA DE CÃO “

( Cura-se com Pêlo do Mesmo Cão ) by B.M.

Um gajo nunca sabe realmente o que é que a vida lhe reserva. Pode andar meses seguidos
numa rotina entediante e sem surpresas e de repente desaba-lhe em cima uma cena completamente
inesperada, assim mesmo, de surpresa. Isto está sempre a acontecer, mas um gajo parece que é cego.
Pensa sempre que a vida funciona de outra maneira. Assim a modos de como lhe ensinaram na
escola.
Vai daí, por este tempo eu andava um bocado por baixo. Quer dizer, mesmo na fossa. Vinha
de separar-me não havia muito tempo daquela que, vim a concluir depois, tinha sido de facto a única
mulher que eu deveras amara, na puta da vida. Mas estas merdas são mesmo assim. Um gajo só lhes
dá o devido valor depois de perdê-las. Pelo menos no amor, é sempre assim. Quem duvidar que se
exprima. De qualquer maneira aquilo andava a afectar-me psicologicamente muito mais do que eu
desejaria ou estava sequer disposto a confessar. De modos que passava a vida a embebedar-me, na
vã tentativa de tentar afogar o desgosto em álcool e outras merdas intoxicantes.
Os dias passava-os a dormir e a ruminar cá nas minhas merdas e as noites, a beber e a fumar
que nem um desgraçado. Só voltava a casa já dia claro, na maior parte das vezes e completamente
alucinado, não só por efeito da bebida mas também das drogas inúmeras e sempre insuficientes, que
ingeria atabalhoadamente e sem qualquer precaução ou preocupação. O que eu queria era rebentar e
quanto mais depressa melhor. Todos temos fases destas na vida, penso eu.
Já me arrastava naquele processo de autodestruição havia uma data de meses e nada. Nem
rebentava de vez, nem o desgosto se atenuava, antes pelo contrário. Parecia que quanto mais me
afundava naquela merda mais nítido e afinado ia ficando o cabrão do sofrimento. Em vez de
esquecê-la, cada vez pensava mais nela. A puta da vacarrona da minha ex. E isso andava a dar-me
cabo dos cornos. Já andava a ter pensamentos tipo suicida. Eu hein? Sei lá, do género de atirar-me
de repente para debaixo de um comboio, ou de um camião, para acabar de vez com aquela merda,
eu sei lá. Ou então dar uma puta de uma overdose de cavalo, que é um descanso. Um gajo
simplesmente adormece e nem dá por ela. Nunca mais acorda.
Mas depois dava-me aquela raiva, aquela ânsia insana de sobrevivência, de vingança,
maldade pura, do género de raptá-la, torturá-la, fazê-la sofrer algo equivalente àquilo que me
carcomia a alma, havia tanto tempo. Filha da puta. Acho que a odiava nesses momentos. Eu, que
sempre fui um cool, um gajo incapaz de fazer mal a uma mosca. Enfim, maneira de dizer. O facto é
que andava mesmo desnorteado da puta da cornadura. Não conseguia fazer nada. Nem trabalho nem
divertimento. Não tinha cabeça nem para pintar, nem para escrever, nem prá fotografia, nem pra
caralho nenhum. Andava obsecado, completamente vidrado, vazio de um todo, ôco por dentro. O
pouco capital que ainda tinha, fruto de umas golpadas rendosas, ainda do tempo em que estávamos
juntos, derretia-o alegremente, isto é lugubremente, em copos e drogas e putas, noitadas a fio, a ver
se conseguia apagar aquela chama fodida que me consumia por dentro. Mas népia. Aquela merda
não passava e ardia, ardia, queimava por dentro que até parecia um maçarico de acetileno. Sentia-
me mesmo fodido da puta da vida.
Logo eu, que sempre me gabara de estar acima das vicissitudes do amor, de ser imune a essa
merda toda, paneleirices e lirismos para poetas e meninas virgens e histéricas.
Mas mesmo no meio daquela névoa que me ocupava os cornos ultimamente, já tinha dado
para me aperceber da presença mais ou menos regular de uma pitinha, assim a modos que
engraçadinha, bem vestida de cara e de corpo, que discretamente mas com insistência não tirava os
olhos de cima de mim, ao longo daquelas noites desgraçadas em que eu, apartado a um canto, do
burburinho e da festa em geral, só pensava em beber, beber até cair. Foda-se! Ainda por cima, agora
tinha que passar a dar atenção àquela cróia. Pelo menos até saber qual era a onda, não?
Porque nestas merdas, mesmo que um gajo não queira, se faça desinteressado e se esteja de
facto a cagar, quando se apercebe que tem uma gaja a dar-lhe em cima e se ainda por cima a gaja é
boa, isso altera um gajo, não?
Mesmo que um gajo ande com a cabeça feita em água, a alma feita em tiras e o coração, uma
polpa esponjosa, disforme e mal cheirante, um gajo acaba por cair na real e interessar-se por aquilo.
Mesmo que esteja farto de gajas, tenha jurado nunca mais se apaixonar e as considere a todas umas
putas, umas cróias sem caracter nem maneiras, umas zinas traidoras e sem piedade que não valem
a merda de um peido, o certo é que quando acontece uma, mais ou menos jeitosa começar a dar-te
bola, isso altera logo as regras todas do jogo e um gajo até parece que respira melhor e vê a vida
mais cor de rosa. É uma estupidez mas é um facto. É chato mas é verídico.
De modos que lá comecei a fazer um esforço no meio das bubas para lhe prestar um pouco
de atenção, até morder o jogo dela e acabei por confirmar a realidade do meu palpite inicial. Ela de
facto estava interessada cá no mangas. Na realidade não tirava os olhos de cima de mim e até,
discretamente encetara junto de algumas amigas mais velhas e essas , junto de outras mais velhas
ainda, algumas mesmo do meu tempo, uma espécie de inquérito sobre a minha situação actual.
Era facto conhecido que eu estava separado da minha zina de sempre, a mãe do meu puto e
toda a gente sabia que aquela tinha sido a mulher da minha vida, o que não era difícil de confirmar,
a julgar pela pancada que aquela separação tinha originado na minha cabeça. Ora se há desafio que
puxe aos brios de qualquer gaja, é o de fazer esquecer a um gajo aquela que foi o grande amor da
sua vida. Se há coisa que deixe uma mulher satisfeita é suplantar outra, seja em que circunstâncias
for. Mais ainda se a rival for de elevado gabarito e provados pergaminhos, como era o caso da
minha ex, que tinha sido Miss Maja Internacional, tinha concorrido a Miss Portugal e todos os
indicadores de opinião apontavam para que ganhasse o título, não fosse o ter sido ingloriamente
expulsa da competição por ter sido chibatada quanto à circunstância de já ser mãe, além de ser
constantemente fotografada nas revistas do jet set nas mais badaladas festas da capital, como uma
das modelos mais requisitadas e mais em voga, do momento.
O que, diga-se de passagem, muito contribuía para o aprofundar da minha paranóia, do meu
rancor e da minha obsessão. Porque, se havia merda que eu não lhe perdoava, era o facto de a mim o
desgosto dar-me para beber e drogar-me que nem um perdido, na intenção de tentar esquecer nas
brumas do oblívio aquela sensação de asfixia na alma, enquanto que a ela parecia que o desgosto só
lhe passava com novas deglutições de esporra. Porra, que cada semana aparecia nas fotos dos
jornais e das revistas, com um namorado novo e cada vez mais luminosa, mais boazona e mais
gostosa. Sempre risonha e glamourosa, altamente bem vestida com os últimos modelos mais
ousados e fashion, dos desenhadores da moda. Puta que a pariu. Não era isto caso para um gajo
passar-se dos carretes?

Um gajo sabe de ginjeira que é mesmo assim que estas merdas se passam nesta vida. Que
tudo obedece às leis inexoráveis do cosmos. Que tudo na vida e portanto também no amor, tem de
seguir o curso dialéctico da existência, isto é nasce, cresce, tem um pico de exuberância, após o que
entra em decadência e acaba por morrer. Tudo se processa de acordo com esta simples lei. Aqui
nada é constante nem fixo nem eterno. As coisas, os acontecimentos, as pessoas, as emoções, estão
em permanente mutação, em constante alteração. E obedecem sempre a esta regra. É uma realidade
simples e evidente. É uma das leis da vida. Nós é que por comodidade, por cegueira e por cobardia
nos negamos a reconhecê-lo. E isso evidentemente ainda nos traz mais sofrimento, dor e paranóia.
Mas não há crise. Também faz parte da nossa natureza o sermos ignorantes e cabeças duras. Talvez
isso nos permita suportar melhor esta espécie de inferno em que habitamos na ilusão de que isto é
assim uma espécie de paraíso perdido. De qualquer maneira não é fácil um gajo manter uma onda
cool e serena, uma zen, no meio desta merda toda, sempre renovada constantemente e sempre para
baixo, aparentemente. Pelo menos quando começa a doer. E sobretudo quando se passa com ele
mesmo. Porque é muito fácil filosofar e tecer grandes teorias sobre a vida e o cosmo, quando a coisa
é com os outros, mas quando a merda chega ao ventilador e começa a espirrar murraça para cima de
ti, já o caso pia mais fino. Cá quanto a mim, outra das leis da vida é que – A principio é sempre à
larga, no fim é sempre apertado – topas?

Pondo de parte a filosofia e o estado mais que lastimoso em que a minha cabeça andava, o
certo é que naquela altura do campeonato, o interesse evidentemente sensual que aquela pita, com
idade quase para ser minha filha, manifestava cá pelo mangas não só me refrescava lisonjeiramente
o cabrão do ego, tão mal tratado ultimamente, como pondo de parte aquelas manias pedantes que eu
antigamente tinha, de só comer filet mignon, gajas dignas de figurarem em capas de revistas da
moda e antes não comer do que papar material de segunda e outras estupidezes do género, que
durante demasiado tempo me ocuparam delirantemente os cornos e me impediram de comer, por
soberba, uma data de moças boas, saudáveis e oferecidas, que no seu tempo me acharam piada e
sem grande esforço eu teria levado ao castigo. Mas por alimentar no meu doentio espírito, aquele
tipo de fantasias, convencido que era não sei quem, desdenhei estupidamente a ponto de criar uma
série de inimizades, entre as garotas do meu tempo e a fama quase de bicha, além de ter acumulado
uma data de karma negativo que mais tarde bem se fez pagar e com elevados juros, em carências de
amor, tampas de gajas de 2ª e 3ª linhas, que nos bons tempos nem teria sequer para elas olhado e
agora andava de língua de fora no seu rasto e longas temporadas de abstinência sexual, apenas
temperadas com fases de desvairadas punhetices e umas idas ocasionais às putas, ali para as bandas
de Espanha, onde pelo menos as tipas eram alguma coisa de jeito (universitárias a comporem o pé
de meia até completarem o curso e a ultima leva de refugiadas do leste ou das américas del sur, a
fazerem a sua perninha, para enviarem alguns dólares aos filhos, lá na terrinha), e o preço até
relativamente em conta.

Vai daí, acho que acabei por me meter com ela, uma daquelas noites em que estava para ali
meio abúlico, derramado de grosso sobre o tampo de uma mesa. Já não me lembro do que lhe disse
nem sequer da resposta dela, tal era a escaradela, mas ficou-me a impressão de que ela não me deu
imediatamente com os pés. Até sorriu e manifestou alguma entropia, acho eu que é assim que se diz.
De qualquer maneira daí em diante passamos a cumprimentar-nos com uma certa regularidade e era
normal que eu lhe sorrisse abertamente no meio das bubas e lhe piscasse o olho e lhe mandasse
umas bocas parvas, sem que ela reagisse mal. O gelo estava quebrado. Agora era só questão de
avançar com jeitinho, para não assustar o peixe. É claro que se eu estivesse dentro da cabeça dela ou
suspeitasse sequer o que por lá se passava, não estaria com tantos érres e éfes. Mas quem não sabe é
como quem não vê.
Lembra-me vagamente outra ocasião em que eu estava no mesmo bar a ler um jornal e ela
aproximou-se da minha mesa toda jovial e sorridente e pediu-me o jornal, até com bons modos, mas
eu devia estar meio envenenado com alguma situação e respondi-lhe com maus modos que agora
não dava porque estava eu a lê-lo. A gaja ficou meio chocada, viu-se bem. Devia estar habituada a
que toda a gente lhe fizesse a vénia. Mas também não se descoseu, nem estrilhou. Meteu a viola no
saco e afastou-se sem mais para a mesa dela e o seu grupinho. Esqueci-me de referir que a gaja
estava mais ou menos sempre acompanhada de um pequeno grupo de amigas. Essas eram as
constantes e depois havia meia dúzia de gajos que andavam sempre à volta dela, meio à cola. Eu
também não era propriamente um lobo solitário, embora tivesse as minhas fases. Mas de certa
maneira admirava-me a coragem dela, atendendo à minha péssima reputação. É que eu, para a malta
da sua idade e geração era considerado assim uma espécie de lobo mau. A maior parte das garinas
fugiam de mim, como da peste. Mas ela não. Via-se bem que estava com vontade de fazer-me a
folha. Cá por mim, maravilha. Por isso mesmo, depois de ler o jornal, levantei-me e dirigi-me à
mesa dela, meio entornado e com voz pastosa e um meio sorriso de circunstância, estendi-lhe o
papel e resmonei umas desculpas pela minha atitude anterior. A gaja até que reagiu porreiramente.
Passou um pano por cima e disse que O.K., toda airosa e sorridente. Era uma pitinha loira de cabelo
sedoso, não muito comprido e um body todo torneado, até que parecia por mão de escultor. Onde é
que a minha cabeça andava para me dar ao luxo de desperdiçar uma febra daquelas?
De qualquer maneira, por aquela noite foi tudo. Ainda trocamos para aí meia dúzia de
larachas sem importância e eu depois disse – Ciao – e desandei para casa, que já estava
suficientemente grosso e sobretudo completamente teso.
Mal eu sabia e estava longe de desconfiar, que a gaja saiu na minha cola e seguiu-me
silenciosamente até casa. Mais tarde, quando já curtíamos juntos, confidenciou-me que a meio do
caminho começou a suspeitar se eu não me teria apercebido de que ela seguia no meu rasto e não
estaria para aí a preparar-lhe alguma surpresa desagradável, tipo violação forçada ou qualquer
merda no género, mas diz que se fartou de fazer barulho a tossir e arrastar os pés e que eu, nada, não
tugi nem mugi, nem dei qualquer sinal de ter percebido que levava alguém à cola. De modos que,
com as tripas meio enroladas de cagaço decidiu ir até ao fim, até ver no que aquilo dava. E acabou
por ser recompensada porque finalmente eu cheguei a casa, entrei e segundos depois ela apercebeu-
se de uma luz a acender no que presumiu e bem, que fosse o meu quarto. Fora uma caminhada e
tanto, porque eu vivia mesmo à saída da cidade, na parte alta e fina por excelência. Mas compensou
porque agora já sabia onde eu vivia e daí a possuir os restantes dados que lhe faltavam, era uma
papa.
Pelo que, quando a meio da tarde seguinte, pouco depois de eu me levantar da casa todo
azucrinado da ressaca e logo a seguir ao caldo matinal para tirar o sarro, o telefone tocou e era uma
vozinha feminina toda malandreca e risonha a desafiar-me para a fressura, fiquei meio confuso,
porque havia anos já que eu não era alvo daquele tipo de brincadeiras. Mas sem me descoser, alinhei
no filme, calculando logo que só podia ser a gaja, dado que era a única criatura susceptível daquele
tipo de aproximação. Porque as outras zinas com quem eu mantinha mais ou menos qualquer tipo de
relação, já não estavam para aquele tipo de cenas. Até parecia que tinha retrocedido dez ou quinze
anos até aos meus tempos de liceu.
Aquilo continuou nos dias seguintes. À tarde, ao telefone toda atrevida e desbocada, a
desafiar-me prá fressura e outras fitas. À noite, meio recatada e pudica, como se não fosse nada com
ela, a aceitar a minha corte sim senhor, mas mantendo sempre o controle e dando-me rodadas de
gozo em frente às amigas. Até que, de um dia para o outro, cortou o cabelo bem curtinho. O que até
lhe ficava bem. Mas eu não deixei passar a oportunidade e fiz-lhe uma fita, como se fosse dono dela
e a tipa tivesse que pedir-me autorização para tomar uma atitude daquelas. Foi que nem ginjas. A
zina foi aos arames. Começou a mandar vir comigo como se fosse acaso a minha mulher e tivesse
direito àquilo. Foi o que eu lhe disse no meio duma abertura da sua fúria. E ela, porque até nem era
parva, caiu na real e vendo o ridículo da situação desatou-se rir, disse-me que eu era um belo cabrão,
acabando por me fazer uma festinha no cabelo e despedindo-se com um beijo rápido, roçando-me os
lábios.
A coisa andava, se bem que lentamente. Mas com moças desta idade, neste país tem mesmo
que ser assim. Porque se um gajo se precipita acaba por não comer népia, e ainda fica com fama de
parvo ou de otário.
Finalmente tudo se precipitou uma noite, noutro barengue mesmo ao lado do nosso habitual,
onde nessa noite havia uma festinha qualquer com uns putos a tocarem música ao vivo. A casa
estava completamente cheia. Uma multidão de putos e pitas todos sarapintados na cara e nos braços
com tatuagens falsas e aquarelas coloridas no focinho e um pivete a suor que até fazia impressão a
gente menos higiénica do que eu. Lá fui furando, encosta aqui, empurra acolá, até conseguir chegar
ao balcão. E quem é que eu vejo toda fina, encorpada num vestido curtíssimo de lycra preta e justa,
altamente perfumosa e tesuda? Nada menos que a Bê Bê, com o seu porte escultural e o seu bum
bum altamente sugestivo, ali mesmo ao alcance da mão. Pondo-lhe a mão suavemente no dorso,
sussurrei-lhe ao ouvido, com aquela vozinha melosa, de barítono que é ideal para este tipo de
circunstâncias: - Meu amor, você está um tesãozinho esta noite. Vou-te contar...
Ela fartou-se de rir, à gargalhada, enquanto se deixava escorregar para trás, dentro dos meus
braços. Via-se que já estava grossa. E bem. Nessa noite, muito depois terminamos a festa, nos
braços um do outro, numa marmelada louca. A pita fervia. Via-se bem que já estava madura. Mas
quando eu tentei arrastá-la para o castigo, compôs-se toda afogueada e travando a fundo disse que: –
NÃO!
- Mas porquê?- inquiri eu, não menos aceso.
- Porque tu és um junkie, que te injectas com regularidade e além disso eu sei lá por onde
é que a tua piça tem andado... Comigo não, campeão.
- Mas então como é que tu queres resolver esta merda? E além disso qual é a tua de deixares
a coisa chegar a estes termos, para depois dizeres simplesmente que não. Tás a brincar comigo ó
quê?
- Não querido. Mas só há uma solução e tu sabes bem qual é.
- Atão qual é, ó espertalhona?
- Simplesmente fazeres uma bateria de testes ao HIV e provares-me que estás limpinho da
silva. Nem mais. Só depois, se tudo estiver OK, é que te deixo saltares-me prá cueca. Não tens mais
vontade do que eu, não penses.
Aquilo deixou-me banzado. Mas vendo bem a zina não deixava de ter a sua razão. Era uma
pita careta. Sabia lá ela da minha vida. E se eu era um gajo cuidadoso com essas merdas ou não?
Estava simplesmente a defender-se. E só fazia bem.
De modos que no dia seguinte, logo pela manhã, assim que me levantei da cama, lá prás
duas da tarde, meti-me no Corsa da velha e lá arranco eu para o SAP, a fim de fazer a merda dos
testes, o mais completo que havia, para descansar os pruridos da moça. Ao mesmo tempo era
positivo também para mim, porque havia já uma data de tempo que não me preocupava com aquela
merda e se bem que tomasse sempre as minhas precauções, quer ao picar, nunca o fazendo com
gringas alheias quer ao foder, fazendo-o sempre com camisas de Vénus, nestas coisas nunca se sabia
ao certo. Eu contudo estava optimista, até porque um gajo sabe bem o que faz. A merda é que os
resultados só seriam acessíveis daí a, nunca antes de, duas semanas. Fiquei fodido, mas não havia
nada a fazer. Mesmo com pedido de urgência e taxa extra. Foi o que lhe disse nessa noite, ao
apresentar-lhe a papelada que provava que realmente tinha estado no SAP a tratar daquela merda.
- Que se foda – comentou ela simplesmente.
- Pois é – disse eu.
De modos que nos resumimos a beber copos e a entesoar os corpos em intensas marmeladas,
nesse meio tempo. O que foi custoso, mas acabou por passar.
Ela também, foi mulherzinha de palavra. Também devia de andar toda encaramelada, há
mais de quinze dias só no linguado, no roço e na marmelada. Porque na noite em que finalmente lhe
apresentei os resultados das análises, tudo negativo, felizmente, como eu esperava, não hesitou.
Dando a grande gargalhada que lhe era peculiar, foi numa saltada ao balcão, liquidar a conta e
pegando-me pela mão conduziu-me apressadamente por entre uma série de ruelas, na cidade velha,
até uma casinha de dois pisos, discreta e banal, numa ruazinha por onde eu raramente passava. Com
um sorriso malandro sacou das chaves, abriu a porta e dando-me uma palmada no rabo, empurrou-
me escadas acima.
- Andor, ó marialva! Vamos lá ver o que é que vales – roncou ela, atrevida.
- Ó, ó beleza, vai um tirinho? – gracejei eu para não lhe ficar atrás.
Foi uma rambóia pegada, como há muito tempo eu não provava, caralho. A gaja era uma
queca de 5 estrelas. Quem havia de dizer, hein? Também não era nada que eu não estivesse à espera,
porque a tipa tinha todo o semblante de ganda filha da puta. Daquelas que têm a escola toda, mas
sabem-no disfarçar, quando lhes convém. A partir daí, foi um ver se te avias. Era de tarde, era de
noite, era de manhãzinha ao acordar, às duas e três sem desencavar, naquelas ocasiões em que ela
conseguia aldrabar a tia, dizendo-lhe que tinha serão até tarde e ficava a dormir em casa de alguma
colega. Ela trabalhava no free-shop do aeroporto, de modos que alternava os horários por turnos, ora
de manhã, à tarde ou à noite em dias consecutivos. Aquele job era uma papa, porque por cada três
dias de bulição, tinha dois de folga. Eu hein? Maravilha.
Era fixe porque a gaja até que era boa moça e como ganhava bué de papel, para além das
falcatruas do contrabando que deixava passar e as alcavalas entre colegas, dava-lhe gozo presentear-
me com “n“ coisas, desde perfumes de importação até óptimas roupas de marca, charutos cubanos,
garrafões de whisque, de 2,5 litros, chapéus panamá para o verão, sapatinhos de duas cores e todas
as merdas que lhe passavam pela cabeça. Cá por mim tudo bem. Parece-me que sempre tive uma
costela de chulo, mais ou menos latente.
O chato era a puta da tia dela, sempre no controle. Tínhamos que andar sempre a trocar-lhe
as voltas. Mas também não admirava, que a pitinha apesar de já ter 22 anos e ser economicamente
independente, ainda vivia em casa de família e estava portanto sujeita a ter de andar a toque de
caixa. É que ela tinha sido criada por aquela tia, irmã da mãe, quando esta tinha dado de frósques,
assustada por ter parido ainda tão novinha e começado a ver a vida a andar pra trás com uma bebé
atrelada às saias, sempre a chorar e a esborratar-se e a exigir mama, 24 horas por dia. De modos que
a moça idolatrava a tia e de agradecida, era incapaz de dizer-lhe que não a nada, sobretudo agora
que a outra andava a partir-lhe a cabeça dizendo-lhe que ela cada vez estava mais parecida com a
mãe e que por aquele caminho ainda ia terminar mal, como a outra.
Isto ainda viria a ter consequências mais fodidas, sobretudo quando eu vim a saber quem era
a tia dela, ou pior, quando esta veio a aperceber-se quem era o mujo que andava a papar a sobrinha
querida dela. Mas isso foi mais tarde. Era uma gaja muito rodada da velha escola, que era amante
havia longos anos de um cota que eu conhecia bem, dono de um restaurante na baixa. Além disso
era unha com carne, desde sempre com uma velha amiga minha, com quem eu tinha curtido
altamente, noutros carnavais, antigamente.
Só aí é que eu me apercebi que aquela merda estava muito bem armada. Quando ela me
confessou, muito salafrária depois de uma tarde de grandes fodas, em que me tinha deixado todo
arrebentado, com aquele risinho malandro que lhe era característico, que desde os 12 anos de idade
que ouvia contar grandes histórias a meu respeito e que desde essa altura tinha jurado a si mesma
que um dia ainda viria a papar o célebre Beltrano Maningue. Ora essa...
É que a tal zina dos tais carnavais, nem mais que a minha velha apaixonada Garcinha Cuvas,
uma cróia dos velhos tempos que me tinha dado cabo da paciência com aquela paixão marada e
umas perseguições demasiado cerradas e fatigantes, de quem eu, para me conseguir desembaraçar
tive de ter algumas atitudes um bocado fodidas, parece que passava a vida lá em casa a desabafar
com a sua amigalhaça, que eu era um cabrão de um filho da puta, que não lhe ligava nenhuma e
passava a vida a curtir com outras gajas, enquanto ela me dava tudo o que tinha e me amava
loucamente e sei lá que outros delírios mais passados, da carola. O que se passou realmente é que eu
até nem desdenhava os nossos fogosos embates, que ela até era um bom fodão, tanto que anos mais
tarde e até depois dela casar viemos ocasionalmente a renovar o nosso namoro pontual, só que
naquele tempo ela andava demasiado obsecada com a minha pessoa, que nunca fui de relações
muito intensas nem demasiado íntimas e além disso não tinha gostado nada daquela cena em que o
velho dela nos surpreendeu a ambos, nús e abraçados, adormecidos encima de umas redes e uns
colchões que eles tinham lá num dos cantos da garagem, uma manhã cedinho quando o gajo decidiu
sem mais nem menos ir à pesca e então entrou por ali adentro como se aquilo fosse tudo dele. É
claro que assim que nos topou naquele preparo, saiu logo porta fora vociferando e chamando pela
mãe dela – Anda cá ver a tua rica filha, a puta em que se tornou! – mal me dando tempo de me vestir
à pressa enquanto ele partia a cona a rir e a dizer – Caga nisso. Caga nisso - de modos que quando
os velhos voltaram lá abaixo em pé de guerra, assim que abriram a porta, eu esgueirei-me logo -
Com licença. Dá licença, ó meus – deixando-a a contas com a família, que era a dela e bem se
mereciam. Foda-se! O velho dela, a partir daí, sempre que se cruzava comigo na rua, amandava-me
cá uns olhares homicidas que se os olhos dele fossem balas tracejantes eu ficava ali logo estendido,
mortinho da silva. E não foi cena única, não. Houve aquela outra também, vinha eu de Lispoa no
comboio da noite, todo satisfeito, numa de lhe fazer uma surpresa, de modos que me pus a galgar
paredes e muros de quintais até chegar às traseiras da casa dela e quando me aproximo sorrateiro da
janela do quarto dela, o que é que eu topo através da rede mosquiteira? Nem mais que um par de
pésinhos malandros dançando por cima e entre os dela, entre uns arfares desesperados de paixão e
asfixia, que me deixaram sobejamente esclarecido e definitivamente livre de pruridos morais,
quanto ao facto de dar-lhe imediatamente com os pés. Neste caso, os maus. Ora a cabrona, han?
Mais tarde vim a saber que aquele par de pésinhos safados, tão arfantemente entremeados nos dela,
pertenciam nem mais nem menos que a um velho amigo da minha infância, a quem ela parece que
dava umas baldas de quando em vez e a ia consolando, entre outros, nas minhas ausências. Ainda
me meti com ela, na barraca, depois de passada a raiva e a violência, sobre a boca malévola que
corria entre a malta, a respeito da pilinha diminuta desse Zeca, mas ela conquanto não o negando
ainda me fez fosquinhas, alegando que na cama, o que contava não era o tamanho da dita, mas a
técnica e o que um homem sabia ou não, fazer com ela. Logo a minha amiga Garcinha, que quando
se entusiasmava com ele entalado lá dentro, desatava aos berros que nem uma louca – Espeta-me da
cona cabrão! Vá lá, enfia-o todo! Mesmo até ao fundo! – de modos que quando eu pacientemente
comecei a instruí-la nas técnicas tântricas e na pesquisa aturada do ponto G, ficou completamente
fascinada e absolutamente incrédula, sobre como era possível retirar tanto prazer da coisa, tão à
superfície da pachacha. Não me admira portanto que acabasse a deixar-se embalar por essas teorias
de tecnocratas de picha curta.
Caga nisso e põe à porta de casa, que amanhã há de chover merda, como dizia o grande
filósofo algarvio...estes episódios não devia ela incluir lá no rol dos desabafos que fazia em casa da
outra, mesmo sob os ouvidos curiosíssimos da moça pequena.
Ora aquelas histórias todas, repassadas de lágrimas e planos dementes de vingança e mais
uns copos à mistura, naquele ambiente de cortar à faca, de paixões desencontradas, emoções
retraídas, sentimentalismo barato, tipo telenovela venezuelana e eu sei lá que mais, acabaram por
dar a volta à cabeça da pitinha, tá mais que visto. De modos que desde criança, confessou-me ela
mais tarde, adormecia a punhetear-se furiosamente todas as noites e sonhando nas vascas da sua
solidão ai dão, com aquela espécie de príncipe encantador, que tanto fazia sofrer a amiga da tia dela
e prometendo a si mesma que ainda havia de conquistá-lo e fazer-lhe ver o que era uma verdadeira
paixão, ou uma verdadeira mulher ou quem sabe, dar-lhe a provar o reverso da medalha, um pouco
do seu próprio remédio, fazendo-o pagar todas juntas em nome de todas as fêmeas, abusadas e mal
fodidas, da história.
Se era esse o seu plano, saíram-lhe as contas furadas porque, pelo menos de momento,
estava bastante ao gosto e cagando-se bem para as velhas vinganças. Que o que ela gostava, como
todas, era de estar com ele entalado, a pontos de eu ter de dar-lhe estaladas na puta da fronha para
ela me largar o mangalho e deixar-me um bocado descansado. Foda-se! Curiosamente não era
grande apreciadora de bobós, isto é, broches, as célebres chamadas para Tóquio. Dizia que lhe fazia
impressão na garganta. Dava-lhe vómitos. Era muito fina, a marquesa. O que ela tinha era uma
grande escola. Ainda por cima foi comentar com as amigas, muito chocada aparentemente, por eu
lhe ter feito um grande minete logo na primeira noite que fomos prá cama. Eu hein? Rebarbado
como eu andava depois de 15 dias a marcar passo e a bater à pívia, enquanto não chegavam a merda
dos resultados das putas das análises. O que é que ela estava à espera, a grande cróia? Caí de
queixos que foi um regalo... Além disso sempre fui grande apreciador, diga-se de passagem. Uma
coninha lavadinha, cheia de molho gostoso, vou-te contar...
Entrementes ia-me instruindo sobre a sua vida, os seus gostos, os seus sonhos e planos e
ambições. Até parecia que estava a contar casar comigo. A chanchada do costume. Mas como eu
também estava de gosto e bastante arrebentado do fôlego, a seguir àquelas sessões fabulosas de
quecas, um pouco violentas já para os meus quase quarentas, ligava simplesmente à terra e ia
dizendo que sim e que muito bem, enquanto passava docemente pelas brasas, sem ligar peva às
tangas dela.
Deve-me ter contado a puta da vida toda, desde que nascera até à data, só que quando eu
acordei meio estremunhado já ia no primeiro namorado, que lhe tinha tirado os tampos e pelos
vistos era o grande amor da vida dela. Felizmente com esse ainda tinha umas contas a ajustar bem
mais recentes e pesadas do que as minhas, que ao fim ao cabo eram por procuração e eu nunca lhe
tinha feito mal nenhum, antes pelo contrário. Parece que esse moço, muito bem fornido por sinal e
aqui era já para me fazer ciúmes a cabrona, como quem diz que eu ao pé do outro era nada, mas eu
fiz-me desentendido e não acusei o toque, que felizmente nunca tive razões de queixa de nenhuma
namorada, nem quaisquer dúvidas a respeito da minha virilidade, nem era com aquelas caixinhas
entre linhas, nem joguinhos baixos e subentendidos subtis, que ela me ia dar a volta, porque eu tinha
muito mais rodagem na vida que ela e tinha obrigação de saber mais a dormir do que ela e as putas
das amigas dela todas juntas, acordadas, e tal. Ora o moço nada mais tinha feito que o trivial, que
era ter-se posto em cima dela enquanto foi bom e quando ela começou a chatear demais e com
exigências parvas e lhe apareceu outra melhor, pôs-se nas putas. Nem mais.
O que a gaja não perdoava é que a outra, que eu também vim a conhecer mais tarde, no
sentido bíblico, quando ela veio a dar com os pés no outro e começou a vender o corpinho
indiscriminadamente para poder pagar o vício da heroina, era realmente melhor do que ela, em
todos os sentidos. Nada que eu não os tivesse avisado, com bastante antecedência, a ambos sobre as
presumíveis consequências. Refiro-me a essa história da heroina, mas eles pelos vistos gostavam
daquela merda que se fartavam e cagaram-se bem para as minhas reticências...não que eu não
estivesse desejando que a cabrona caísse cá para a minha banda, como de resto acabou por
acontecer, que as gajas nestas merdas, tem cá um 6º sentido, que até parece que adivinham sempre
de onde é que lhes vem o fiado e o oferecido. Logo ela, uma morena de estalo, alta, arrogante,
elegantérrima, tipo manequim e completamente tarada por caralhos, muito senhora do seu nariz e da
sua cona. E cem vezes mais puta fina do que a outra.
Ora o puto ainda vivia com ela, nesta altura, que por sua vez dava aquela completamente ao
desprezo, só faltando cuspir para o lado quando se cruzava com ela na rua. O que a deixava
completamente fula, impotente e desmoralizada. Por isso me vinha com aqueles jogos baixos a
respeito do tamanho do caralho do outro gajo e tal, para se vingar e não ser a única a curtir mal
naqueles momentos. Mas eu estava-me bem a cagar para aquelas historias da carochinha - renhau
nhau bicho mau, tarantantan passarinhos ao ninho - de modos que, batendo-me que estava cheio de
caganeira e tal, fui até à casa de banho abifar-me a um alto caldo de speed ball. Ainda de véspera me
tinham dado uma amostra de coca altamente, para eu ver se estava interessado, de maneiras que foi
só misturá-la com um bocadinho de cavalo, que eu ainda guardava no bolso e toca a aviar.
Eu, contudo, nesse tempo já não me dedicava a esse tipo de negócios, porque estava farto
de cana e só queria era descanso e boa vida. Com o tempo e a repressão impiedosa dos esbirros ao
serviço do sistema, tinha acabado por aprender como elas custam e acabara por me conformar. Não
sem dar bastante luta e ter-lhes dito bem na cara, a minha firme opinião, de que essa merda a que
eles chamavam tráfico de droga e reprimiam com uma crueldade inaudita, manipulando as leis e o
sistema judicial à vontade, não passava de um arranjinho entre os poderosos e os seus sicários no
Parlamento, para manter as coisas sempre na mesma, dado que isso é que convinha aos grandes
barões. Pois se ela fosse legalizada e sujeita às normais leis do mercado e da livre concorrência, os
preços vinham por aí abaixo e acabava-se a papa doce, os monopólios e todas as regras absurdas que
eles porque o podiam, impunham. Até porque, se retirarmos a carga asquerosamente católica e a
moralidade absolutamente fictícia que envolve o problema e de que eles se servem para assustar as
pessoas, de que coitadinhas das crianças das escolas, à mercê desses facínoras e tal a coisa não passa
dum crime meramente fiscal e até dos mais banais e menos graves. No fundo alguém compra uma
certa quantidade de matéria prima e revende-a sem pagar impostos ao estado. O resto é tudo ficção,
aquarela, areia para os olhos das pessoas. Logo é indecente e inumano, condenarem-se pessoas a 5,
6, 10 e 12 anos de cadeia, quando não mais, somente por isso. Sem falar de “n” putos a apodrecerem
em cana, sem culpa formada a maior parte das vezes, acusados da posse e tentativa de revenda de 1
ou 2 ou 3 barrinhas de haxixe. Isso sim, que era imoral. Por essas e outras do mesmo teor é que eu
estava-me bem a cagar para esse tipo de bisenésses. Pelo menos até ver no que é que as coisas
davam ou até se acabar a narta, que felizmente ainda ia durando. Em todo o caso não desdenhara os
bons contactos nem o convívio, se bem que esporádico, com a malta da corda. Estava mais que farto
daquela cambada, mas nestas merdas nunca se sabe. Dum momento para o outro aparece um velho
camarada carregado de artigo de primeira, a um preço convidativo e lembra-se da gente, ou está à
rasca para meter a mercadoria e sabe que um gajo ainda conserva óptimos contactos, enfim o
costume. É sempre a dar, é semp’a dar, é semp’adar.

Aquilo podia continuar indefinidamente naquele estilo, pelo menos até eu me fartar e decidir
partir para outra, ou fartar-se ela, não fosse um dia de repente a gaja aparecer-me toda esbaforida,
em pânico, que a tia dela tinha descoberto tudo a meu respeito e que ela se pusesse a pau comigo,
que eu era um filho da puta desgraçado, um drogado do caralho, sem emenda possível, que só queria
era aproveitar-me dela e explorá-la até à última e não tardava nada ainda a metia era na vida, coisa
que aliás, já me tinha passado pela cabeça, de modos que se ela não tomasse juízo e acabasse
imediatamente aquela relação comigo, não só a deserdava de todo, como punha-lhe ainda essa noite
as malas à porta de casa e andor, ela que se fosse amalhar comigo onde bem entendesse, que era
para perder as ilusões a meu respeito e ver bem o tipo de gajo que eu era. De facto eu não estava
para aturá-la muito mais e ainda menos levar com ela a tempo inteiro, dentro da minha cuba, o meu
sagrado e íntimo cantinho, de maneiras que aquele ultimatum veio mesmo a calhar. Mas é claro que
não lhe disse as coisas com toda esta frieza objectiva. Comecei para ali a escambulhar um bocado,
que a tia dela era uma parva, que a bem as coisas resolviam-se e tal, que havíamos de arranjar uma
maneira e com calma tudo havia de se resolver. Mas a gaja estava mesmo passada dos carretos e
completamente em paranóia. Que não, que não havia hipótese, que ela bem conhecia a tia dela e que
aquilo já dera o que tinha a dar e que se calhar até era melhor assim e mais o caralho que a fez e a
puta que a pariu e desandou depois. Pra mim até era um descanso que já andava a ficar farto daquela
cena toda, o que não me agradava nada era serem as gajas a sair por cima. Sempre gostei de ser eu a
sair e a bater com a porta, mandando-as todas pró caralho, com a puta que as pôs. São cá umas
idiossincrasias minhas, olha o caralho. Ela mais a puta da tia dela, ainda haviam de mas pagar. Juro
por deus, como dizia o outro...
Ainda por cima eu é que ficava com o papel de mau da fita. O cabrão que andava a comer a
pobre da menina, coitadinha dela e a desviá-la para maus caminhos. Eu hein?
De resto a tia era uma velha cróia muito batida, que já a tinha toda alinhavada. Era da velha
escola da costura, da mulata. Das tais que não davam ponto sem nó. Faz parte dos mistérios
femininos. O certo é que ainda eu mal me tinha refeito daquela história, ainda andava um bocado
ressacado, um bocado à míngua, porque se bem que satisfeito não tinha ficado suficientemente
saciado, já a gaja estava a preparar e a anunciar às amigas todas, o futuro casamento com um puto
amigo dela, que era costume ser visita lá de casa, mesmo no meu tempo. Histórias que na altura eu
não ligava nenhuma, porque nunca fui gajo de ciúmes, ou mesmo que os sentisse não gramava de
revelá-los, mas na volta aquele já andava a comê-la enquanto ela se despedia de mim, toda chorosa
e cheia de nove horas. E tudo com a cumplicidade da tiazinha. Não me admirava nada, porque com
as gajas um gajo sai sempre a perder. Sobretudo quando elas estão coligadas. Não há pior
conspiração que a das gajas. São sabotadoras por excelência, por natureza e por principio. Não dá
pra um gajo se fiar. A merda é que um gajo sempre se fia. Acaba sempre por se distrair, por se
descair, abrir o jogo todo. E aí – Trufa! – elas não perdoam. É sempre a dar, é sempradar, é
sempadar... Foda-se...
De modos que eu andava pior que estragado. Com a ruindade toda à flor da pele. Só me dava
vontade de fazer merda. Felizmente para todos, eu já não era o gajo que tinha sido dantes, daqueles
de antes quebrar que torcer, que não perdoava fosse o que fosse, de antes rebentar em cana ou
estendido no meio da estrada, que deixar um inimigo a rir-se nas minhas costas ou a gozar com a
minha fronha. Coisas da juventude. Hoje em dia estou muito mais calmo e só mesmo em ultima
instância, se o caso for mesmo grave é que tomo iniciativas drásticas. Por isso mesmo, acho que
ninguém daquela gente, se pode queixar de mim, ou que eu as tenha maltratado, ou tenha tido
qualquer atitude menos própria ou decente para com elas. Excepto a puta da tia claro, que era
mesmo a que mais merecia e mesmo assim, só anos depois, quando soube de fonte segura que ela
tinha abandonado o tal cota do restaurante e andava toda maluca e prá frentex, a armar ao
pingarelho e a curtir umas linhas de coca e umas pastilhadas bué de loucas, com uns putos tipo
marados que andavam a papar e tinham mais que idade para ser filhos dela. Não é tarde nem cedo,
pensei eu...
Ainda me lembro da expressão dela, muita louca a chupar-me a cabeça do caralho, que eu
previamente tinha embebido em coca, que mais parecia um daqueles bolos conventuais, dos
colégios das freiras, todos cobertos de côco ralado ou açúcar de cristal, com uma expressão
embevecida e gulosa, enquanto o engolia, mas mesmo assim um bocado a medo, como quem pensa
– Será que este gajo se lembra de mim? Saberá ele quem eu sou? – mas eu, como se nada, na maior,
a dar-lhe a corda toda. E ela, refastelada, na mamada...
Eu cá até posso perdoar, às vezes, mas agora esquecer, é que nunca! De resto, também
raramente perdoo, diga-se em abono da verdade, posso é por preguiça e por não querer já grandes
chatices na vida, ir adiando a vingança até que as coisas se proporcionem, mas nunca fui gajo de
deixar as pontas soltas. Eu hein?
Ficou um bocado surpresa, a gaja quando de seguida a passei sem mais aquela, para as
unhas sujas duma maltosa cá da minha escola, do antigamente. Nunca mais soube nada dela. Acho
que acabou a carreira num daqueles haréns para putas brancas, lá pelas Arábias escaldantes. Pálida e
loura como ela era, ainda deve ter feito um brilharete lá no talho, especializado em carne branca e
magra, tudo de primeira, antes de a terem convertido em salsichas. É que os gajos, lá para aquelas
bandas não podem comer carne de porco. Parece que a religião deles lhes proíbe tal coisa. Vai daí
têm que arranjar alguma alternativa. Não vão morrer à fome lá no meio do deserto, ou vão?
BELTANO MANINGUE / FARO / 2003

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