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Título
Arte, Cultura e Património do Romantismo
Actas do 1º Colóquio “Saudade Perpétua”
Autores
Ana Catarina Necho
Ana Paula Morais
António Francisco Cota Fevereiro
António Teixeira Lopes Cruz
Cláudia Emanuel
Cristina Maria R. S. Ramos e Horta
Daniela Alves
Duarte Serrano
Elen Biguelini
Francisco Queiroz
Hélder Barbosa
Nuno Borges de Araújo
Nuno Saldanha
Nuno Simão Ferreira
Patrícia Alho
Paulo de Assunção
Ricardo Charters d’Azevedo
Rita van Zeller
Rui Manuel da Costa Fiadeiro Duarte
Sílvia Barradas
Susana Moncóvio
Tiago Henriques
Coordenação editorial
Francisco Queiroz
Edição
CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Apoio à edição
Ricardo Charters d’Azevedo
Colaboração na revisão
Odília Gameiro
Concepção gráfica
Andreia Pais da Cunha
Paginação
Andreia Pais da Cunha e Rita Manso
© Os direitos desta publicação pertencem aos seus autores, estando protegidos pela legislação em vigor: é vedada a reprodução não autorizada
de textos e imagens. Todos os conteúdos são da responsabilidade dos respectivos autores, incluindo a selecção das imagens e a indicação dos
respectivos créditos, assim como a norma ortográfica adoptada.
Família real britânica por ocasião do casamento do príncipe
real Eduardo, com o retrato e o busto do falecido príncipe
Alberto, 1863. Retrato de Mayall (Londres). Cartão de visita.
Papel albumina. Col. do autor.
Imagens de ausência: o retrato fotográfico como
simulacro durante o período romântico
Resumo
O retrato fotográfico, tal como já acontecia com o retrato pictórico, do qual herdou
uma tradição iconográfica, tem como objectivo a fixação da imagem do retrata-
do, para cumprir determinadas funções sociais. Durante o período romântico, em
particular a partir dos anos sessenta do século XIX, os seus usos mais comuns são
como cartão de visita, integrando álbuns, ou encaixilhado e exposto sobre móveis
ou afixado em paredes de espaços familiares ou institucionais. Além destes, houve
usos menos convencionais, como aqueles cuja existência no contexto familiar está
directamente relacionada com a ausência física do retratado. Pode ser uma ausência
definitiva, por morte, ou temporária, por motivo de viagem, mudança de residência
ou emigração. No primeiro caso, os retratos usados podem ter sido tirados ainda
em vida das pessoas ou post-mortem. Estes últimos, eram sobretudo mandados ti-
rar a pessoas que nunca foram retratadas em vida, particularmente crianças, e das
quais se queria preservar a imagem. Eram normalmente guardados numa esfera de
privacidade, embora pudessem ser mostrados a familiares e amigos. Outra prática
frequente era a de trazer em medalhões e outras jóias, retratos fotográficos de fami-
liares próximos, como o marido, o pai ou a mãe. Estes também eram, com frequên-
cia, de pessoas falecidas ou ausentes, cuja memória se pretendia manter presente na
vivência quotidiana, e mesmo expressá-lo publicamente. Neste caso, a proximidade
física que se estabelece entre o portador do retrato e o retratado é tão mais perti-
nente quanto maior for o sentimento que os une e quanto mais prolongada, senão
definitiva, for a sua ausência.
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O retrato fotográfico, tal como o retrato pictórico, do qual herdou uma
tradição iconográfica, tem como objectivo a fixação da imagem do retratado,
para cumprir determinadas funções sociais. Durante o período romântico, em
particular a partir dos anos sessenta do século XIX, foi sobretudo produzido
nos formatos Cartão de visita, e Gabinete ou Álbum e guardado em álbuns,
ou encaixilhado e exposto sobre móveis, ou afixado em paredes de espaços fa-
miliares ou institucionais2. Algumas destas práticas mantiveram-se durante o
século XX, ou mesmo até à actualidade, sofrendo algumas alterações na forma
e técnicas utilizadas. Entre as funções sociais dos retratos vamos tratar aquelas
em que a sua presença no contexto familiar está directamente relacionada com
a ausência física do retratado, cuja memória se pretendia manter presente na
vivência quotidiana. Esta vontade podia ser expressa publicamente pela exi-
bição discreta das imagens, ou apenas no âmbito privado, embora neste caso
pudessem ser mostradas a familiares e amigos. A ausência do retratado podia
ser definitiva, por morte, ou temporária, por motivo de viagem, mudança de
residência, ou emigração. No primeiro caso, os retratos usados podem ter sido
feitos ainda em vida das pessoas ou após a sua morte. Estes últimos, eram so-
bretudo tirados a pessoas que nunca foram retratadas em vida, particularmen-
te crianças de tenra idade, das quais se queria preservar uma imagem.
A proximidade física que se estabelece entre o portador do retrato e o re-
tratado é tão mais pertinente quanto maior for o sentimento que os une, e
quanto mais prolongada, senão definitiva, for a sua ausência.
Ao limite podemos considerar que todas as imagens fotográficas são de au-
sência. Representam um momento passado, mesmo que o objecto fotografado
não tenha mudado a sua aparência.
Os retratos cemiteriais também são imagens de ausência, mas, neste caso,
as imagens não partilham o quotidiano com os vivos. Nos cemitérios são rarís-
simos ou praticamente inexistentes os casos em que o falecido é representado
por uma fotografia obtida após a sua morte. Em Portugal não conhecemos
nenhum caso de retrato post-mortem num cemitério. Não se trata de um acaso.
De facto, se o cemitério é uma “cidade” dos mortos, ela é concebida à imagem
da cidade dos vivos, com ruas, e edificações que reflectem o estatuto sócio-e-
2 No caso de figuras tutelares da família ou das instituições, são com frequência retratos de busto em
tamanho natural.
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No ano de 1853, durante um momento particularmente difícil de uma via-
gem de travessia terrestre do continente norte-americano, Solomon Nunes
Carvalho, pintor e daguerreotipista, dá-nos um testemunho do poder da ima-
gem para nos transportar psicologicamente para junto do retratado:
«Sozinho, diminuído, sem a possibilidade de ser assistido pelo homem mortal, eu senti
que a minha última hora havia chegado [...]. Tirei do meu bolso as miniaturas da
minha esposa e filhos, para os olhar uma última vez. Os seus queridos rostos sorriden-
tes despertaram em mim uma nova energia. Eu ainda tinha algo para viver, a minha
morte traria grande tristeza e pesar àqueles que olhavam apenas para mim pelo seu
apoio; Decidi tentar chegar ao acampamento, não ousava descansar o meu corpo fa-
tigado, porque a alternativa era dormir, e dormir era aquele eterno repouso de que só
se desperta noutro mundo.»4
Fig. 1. Miniaturas de D. Maria Luísa, Imperatriz de França, e do seu filho Napoleão II, Duque de Reichstadt e rei de
Roma, pintadas por Jean-Baptiste Isabey em 1812 e 1815. Musée du Louvre, Paris, e Musée Rueil-Malmaison, châteaux de
Malmaison et Bois-Préau.
4 Carvalho, Solomon Nunes - Incidents of travel and adventure in the Far West. 2.ª ed. Philadelphia: The
Jewish Publication Society of America, 1954 [1.ª ed. 1857], pp. 186-187.
Fig. 2. Carteira de bolso para retratos fotográficos, contendo os retratos originais, tirados no Porto e em Lisboa, 1865-1867.
Col. do autor.
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Sendo uma representação de outra pessoa particularmente próxima, um
familiar chegado como o marido, o pai, a mãe ou um filho, estas imagens eram
conservadas à vista no espaço privado de habitação, com frequência montadas
em caixilhos e afixadas nas paredes, expostas no mobiliário, como já dissemos,
ou mesmo inseridas em objectos de uso quotidiano, como caixas com diversas
utilidades. Outra prática relativamente comum durante os finais do período
romântico, era a de trazer estes retratos fotográficos em medalhões, pulseiras,
cordões, alfinetes, anéis e outras jóias (fig. 3 a 5).
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O retrato fotográfico na joalharia
8 A Revolução de Setembro. Lisboa, n.º 959 (8 Jun. 1844), p. 2, ao n.º 963 (15 Jun. 1844), p. 4; O Tribuno. Lisboa,
n.º 189 (8 Jun. 1844), p. 4, e n.º 193 (15 Jun. 1844), p. 4.
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Em 1849 João Henrique Schmidli, dentista suíço e temporariamente fo-
tógrafo, anunciou encontrar-se em Elvas, onde fazia retratos para medalhas
e alfinetes de peito do tamanho de uma moeda de seis vinténs, pelo preço de
1.500 a 1.800 reis, dependendo do tamanho. As molduras e os vidros eram
pagas à parte, e o preço dependia das suas características9.
Em 1849 Wenceslau Cifka anunciou tirar «Retratos no daguerreotypo [...]
com toda a perfeição de todos os tamanhos». Fazia «retratos de miniatura do
tamanho de uma mosca proprios para alfinetes de peito e anneis». Os pre-
ços eram «os mais commodos de 1$920 até 4$800 réis conforme o tamanho
e ornamentos que leva cada retrato». Em 1851 o mesmo fotógrafo anunciou
em Lisboa fazer retratos coloridos de todos os tamanhos, e em miniatura,
próprios para anéis e broches. [...]. Tinha um grande e variado sortimento de
[...] alfinetes de peito, medalhas de ouro portfeuille e porte-monnaie, carteiras,
e charuteiras, tudo próprio para levar retratos. O preço destes variava entre
1$920 e 4$800 reis, e podia aumentar de acordo com o tamanho e a riqueza
dos ornamentos da moldura10.
Em 1851 J. Rodrigues Marten, anunciou em Lisboa tirar, além de retratos
daguerreotípicos convencionais, retratos em miniatura, próprios para alfine-
tes e anéis, «coloridos com a maior perfeição a que se tem podido chegar até
ao presente». O público podia avaliar o mérito dos seus retratos pelas amostras
que tinha expostas na loja de M. Margotteau, dourador, na rua Nova do Car-
mo, onde também se encontravam expostos retratos tirados por Wenceslau
Cifka, e noutros pontos da cidade de Lisboa. Os retratos custavam de 1.920 a
4.800 reis, exactamente os mesmo preços praticados por Cifka. Tinha igual-
mente uma grande variedade de caixinhas, molduras e outros objectos para
colocar fotografias. A partir da última semana de Agosto continuava a fazer o
mesmo tipo de trabalhos11.
9 Revista Popular, Lisboa, n.º 26 (1 Set. 1849), p. 209-210, cit. por Carvalho, Augusto da Silva - História da
Estomatologia. Dentes, dentistas e odontólogos. Revista Portuguesa de Estomatologia. Lisboa: Sociedade
Portuguesa de Estomatologia. 1.º ano, n.º 3 (Mar. 1935), p. 139; Carvalho, Augusto da Silva - Comemoração
do Centenário da Fotografia. Subsídios para a história da introdução da fotografia em Portugal. Memórias
da Academia das Ciências de Lisboa. Classe de Ciências. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1940-41,
tomo III, p. 34.
10 A Revolução de Setembro, Lisboa, n.º 2047 (9 Jan. 1849), p. 4; n.º 2738 (10 Mai. 1851), p. 4, ao n.º 2913 (12
Dez. 1851), p. 4.
11 A Revolução de Setembro, Lisboa, n.º 2787 (12 Jul. 1851), p. 4, ao n.º 2828 (30 Ago. 1851), p. 4; n.º 2822 (23
Ago. 1851), p. 4, ao n.º 2846 (20 Set. 1851), p. 4.
12 A Revolução de Setembro, Lisboa, n.º 2925 (24 Dez. 1851), p. 4; n.º 2928 (29 Dez. 1851), p. 4; O Ecco Popular,
Porto, n.º 297 (24 Dez. 1852), p. 4.
13 O Popular, Coimbra, a. 2, n.º 78, 30 Set. 1855, p. [4]; a. 3, n.º 218 (27 Abr. 1856), p. [4].
14 O Commercio do Porto, Porto, n.º 148 (6 Jul. 1858), p. 3, ao n.º 18 (24 Jan. 1859), p. 4.
15 O Commercio do Porto, Porto, n.º 79 (7 Abr. 1860), p. 4, ao n.º 94 (25 Abr. 1860), p. 3.
16 O Commercio do Porto, Porto, n.º 4 (5 Jan. 1861), p. 4, ao n.º 69 (26 Mar. 1861), p. 5.
17 O Conimbricense, Coimbra, n.º 810 (29 Out. 1861), p. 4, ao n.º 813 (9 Nov. 1861), p. 4; O Tribuno Popular,
Coimbra, n.º 599 (23 Out. 1861), p. 4, ao n.º 603 (6 Nov. 1861), p. 4, e n.º 923 (2 Dez. 1862), p. 4.
18 O Districto de Leiria, Leiria, a. II, n.º 4, 1 Fev. 1862, p. 4, ao n.º 7, 22 Fev. 1862, p. 4.
19 O Instituto, 1865, p. 9, cit. por Carvalho, 1941, p. 43.
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A partir de inícios dos anos 60 do século XIX este tipo de trabalhos deixou
progressivamente de ser anunciado, o que não significa que não continuasse a
ser executado, mas mais provavelmente que deixou de ser uma novidade e pas-
sou a ser um género bem conhecido entre outros mais inovadores. Apesar dis-
so encontramos casos pontuais que atestam essa prática em datas posteriores.
Do início do século XX citamos o exemplo do fotógrafo João António
Ayres, estabelecido na Guarda, que em 1908 anunciou executar «Photographia
em esmalte, para medalhões, alfinetes de peito, etc.»20.
Também já neste século, no estabelecimento do ourives Manuel Casimiro
da Costa, em Braga, encomendavam-se jóias próprias para retratos, produzi-
das em Pforzheim, no sul da Alemanha, através de um catálogo ilustrado da
firma produtora21.
Apesar dos exemplos enunciados, este género de trabalhos não era prática
generalizada entre os fotógrafos oitocentistas. Os retratos executados para
serem inseridos em jóias continuaram ser feitos até ao presente, e foram co-
muns no século XX, sobretudo no uso de retratos fotográficos sobre papel e
foto-cerâmicos em medalhas.
As jóias ou acessórios de vestuário com imagens fotográficas oitocentistas
não se encontram com frequência no mercado ou em colecções. Nalguns ca-
sos, com o tempo as imagens foram retiradas, as jóias reutilizadas ou vendidas.
Noutros conservam-se na posse de familiares. Muitos exemplares se devem
ter perdido.
20 Jornal do Povo. Guarda, n.º 266 (6 Mai. 1908), p. s.n.º ao n.º 277 (22 Jul. 1908), p. s.n.º.
21 Espólio de Narciso da Costa, Museu da Imagem em Movimento, Leiria (informação de Ana David
Mendes, Jun. 2016).
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Fig. 8. Cartão de visita fúnebre do Capitão de Mar e Guerra Tomás de Andrea, Lisboa, 1880s-1890s. Col. do autor.
Retratos post-mortem
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Fig. 9. Napoleão II, Duque de Reichstadt no
seu leito de morte, Viena, 1832. Desenho de
Johann Ender / gravura de Franz Stober. Col.
particular.
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