1998
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Artigo publicado na Revista TECBAHIA, V. 13, N. 3, Set/Dez, 1998.
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O autor é doutorando na Universidade da Florida com apoio da CAPES – Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
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Resumo
Introdução
Pouco foi deixado do que foi outrora a Floresta Atlântica da América do Sul, um
ecossistema com um dos maiores níveis de biodiversidade do planeta. A Mata Atlântica
do Brasil é considerada um patrimônio nacional pela Constituição brasileira, é protegida
por leis federais e estaduais e muitas organizações estão interessadas em sua
conservação. Mesmo assim, os fragmentos restantes estão ainda sob ameaça pelos
madeireiros, pelos candidatos a assentamento da Reforma Agrária e fazendeiros da
região (Correa, 1997). Hoje, entre 5% e 7% desta floresta é encontrada em fragmentos
pequenos, abrigando espécies únicas de animais e plantas, enquanto o desmatamento
continua (Por 1992; Câmara, 1991; Correa, 1997). Algumas estimativas de quanto resta
da floresta original são tão baixas quanto 2% (Mori, 1989, citado por Alger e Caldas,
1994). Há pouco incentivo econômico para a proteção da floresta e a execução e
fiscalização das leis pelos já onerados governos federal e estaduais é precária.
No Estado da Bahia, a situação não é diferente. Aqui uma ameaça adicional é a
decadência da economia cacaueira. O cacau (Theobroma cacao) é uma planta tolerante
à sombra que pode ser cultivada sob a copa das árvores. No entanto, com os crescentes
aumentos no custo de produção e preços em declínio, os cacauicultores estão mudando
para criação de gado, e com isto destruindo importantes habitats de muitas espécies
florestais (Conservation International, 1997). Ainda mais, a despeito do enorme valor
para a conservação da biodiversidade, essas terras são usualmente marginais e têm sido,
ao menos até bem pouco tempo, consideradas como áreas não produtivas tanto pelo
Incra, Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária, quanto pelos “sem-terra”. 1
Em alguns locais, como no Vale do Rio Juliana, os “sem-terra” invadiram fazendas
abandonadas, contendo áreas significativas de mata. Como é ilegal para os proprietários
tombar árvores para uso econômico, suas terras perdem valor e são um alvo fácil para
invasores. Alguns proprietários às vezes chegam a encorajar invasões em suas terras,
esperando ter algum lucro na indenização paga pela desapropriação. Mesmo assim, o
Incra até bem pouco tempo estava promovendo colonização em áreas preciosas da Mata
Atlântica, a exemplo de Ituberá.
Propostas para aumentar as oportunidades de receita para áreas de Mata Atlântica são as
de ecoturismo, cultivo agroflorestal, extrativismo, pesquisa e outras (Conservation
International, 1997). No entanto, os resultados práticos destas alternativas econômicas
são ainda pouco relevantes.
1
Reorientação e definição de critérios ambientais a serem utilizados no processo de desapropriação de
terras para efeito de assentamentos: Adoção do princípio da valorização das áreas florestais como áreas
produtivas, em conformidade com os novos procedimentos do Imposto Territorial Rural (ITR), que
considera as áreas florestais em regime de manejo florestal sustentável como áreas efetivamente
produtivas, além de isentar da cobrança do ITR as áreas de reserva legal, as áreas de preservação
permanente e as áreas de relevante interesse ambiental. Situação em 27.07.98 (Informação Ministério do
Meio Ambiente) : Medida a ser adotada pelo Ministério Extraordinário da Reforma Agrária e Política
Fundiária.
Entretanto, se a área não for de preservação permanente nem de relevante interesse ambiental, e não
estiver sendo explorada de acordo com plano de manejo florestal aprovado pelo Ibama, ela continua
vulnerável à desapropriação, a despeito de seu valor ecológico e dos serviços ambientais providos.
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Uma licença para poluir é a contrapartida de pagamentos por poluir menos. O mesmo
raciocínio pode ser aplicado para as reservas florestais se pensarmos num sistema de
remuneração pela conservação de reservas florestais da Mata Atlântica, baseado no
mercado. Os proprietários cujas terras tivessem mais de 20% de florestas (chamados
"fornecedores de florestas") poderiam obter do órgão competente do Poder Público
6
Reserva Florestal
10
P1
8
P2
6
P3
4
2
0
0 1/30 1/15
Recuperação da floresta
(% da propriedade rural/ano)
15
Florestal (% da área total da Mata Atlântica,
Certificados Negociáveis de Reserva
10
Bahia)
0
0
0
75
60
50
43
75
33
30
30
15
10
1/
1/
1/
1/
2/
1/
1/
1/
1/
1/
Na Figura 1, pode ser visto que é provável que proprietários que estão em menores
deficits em área florestais adquirirão CNRFs porque o custo total dos certificados por
ano aumenta em correspondência com o aumento do deficit e, no caso de recuperação
da floresta, o custo será proporcionalmente constante (correspondente à recuperação de
1/30 da reserva, não ao deficit). Os proprietários com menores custos de oportunidade
para suas terras estarão menos propensos a adquirir certificados e tenderão a recomeçar
a recuperação em suas próprias terras. Os custos de oportunidade nestes casos consistem
no valor em dinheiro que poderia ser obtido no melhor uso alternativo da terra. Os
custos de oportunidade serão representados pela relação entre oferta e procura da terra
na região (preços da terra por ano), como mostrado na Figura 3.
R$/ha/ano
Valor Marginal
(Procura)
Custo Marginal
P (Oferta)
L % do total de terras/ano
da floresta). Isso poderia significar que o preço deste certificados seria baixo, mas a
raridade de florestas maduras pode causar um aumento nesse preço (ver Figura 4).
R$/ha/ano
Valor Marginal
(Demanda)
P1 A
Custo Marginal
(Oferta)
B
P2
C
0 CNRFs
Q1 Q2 (% da área total/ano)
Podemos esperar que a resposta do mercado aos altos preços seria lenta, já que o
crescimento das florestas também é lento. O custo do plantio é provavelmente alto se a
floresta for remunerada apenas no futuro (se o rendimento ocorrer no futuro, tem que
haver um cálculo do desconto de valor futuro ou deságio). Uma idéia para resolver esse
problema e para remunerar florestas de qualidade inferior (por exemplo, as plantações
de cacau abandonadas, florestas secundárias, florestas degradadas, etc.) é estabelecer
alguns níveis de qualidade e seu grau de equivalência com florestas primárias (figura 5).
Valor ecológico
Pequenos fragmentos de
floresta primária
De acordo com Alger e Caldas (11940 grandes produtores de cacau não cultivam toda a
sua propriedade mas estão vendendo madeira devido à baixa rentabilidade da produção
de cacau. A doença da vassoura-de-bruxas (Crinipelis perniciosa) está se espalhando na
região e aumentando sensivelmente o custo da produção. Se a classificação proposta
acima for adotada, as plantações de cacau sob cobertura florestal (um sistema conhecido
localmente como cabruca) poderão ser subsidiadas através de certificados florestais,
assim mantendo uma importante cultura para a economia do Sul da Bahia. Além disso,
Alger e Caldas (1994) mencionam que os plantadores de cacau têm áreas de Mata
Atlântica conservadas que estão procurando manter, que também poderiam
proporcionar-lhes um rendimento estável.
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Efeitos do novo ITR:
• As áreas de preservação permanente (vegetação das encostas de morros, das margens de rios e lagos,
e outras) estão isentas do ITR, i.e., são dedutíveis das áreas tributáveis dos imóveis/propriedades
rurais.
• As áreas de utilização limitada (tais como Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPNs,
áreas de interesse ecológico declaradas pelo Poder Público, e áreas de reserva legal averbadas
conforme determina o Código Florestal) também estão isentas do ITR, i.e., são dedutíveis das áreas
tributáveis dos imóveis/propriedades rurais.
• As áreas florestadas dos imóveis rurais, não inclusas nas reservas legais, se submetidas a planos de
manejo florestal sustentável aprovado pelo IBAMA, são consideradas, na sua globalidade, como
produtivas e sujeitas à alíquota mínima do imposto.
12
permanente (áreas de matas ciliares e nos topos de morros) poderiam ser elegíveis para
o programa poderia também ser estudada.
Conclusão
Alger, Keith and Caldas, Marcellus. The Declining Cocoa Economy and the Atlantic
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16
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