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Realty Show

É o assunto do dia na Itália. Comenta-se nos bares do centro depois do


‘cappuccino’ e da ‘brioche’. Está em todos os jornais telemáticos, nos fóruns da rede, na
troca de sms entre os celulares, nos email. Não, não é a transferência de Ronaldo do
Real Madri ao Milan. Não é bem isso. Estou me referindo à carta que a esposa de Silvio
Berlusconi, Veronica Lario - nome artístico de Miriam Bartolini - enviou hoje ao diretor de
Repubblica, onde afirma que “seu marido lhe deve desculpas públicas”.
Sim, é verdade. A bela, reservada e privilegiada Veronica pretende que o
empresário e político mais famoso da Itália, ex-primeiro-ministro, lhe peça perdão público.
E por que? Porque dias atrás, em um jantar de gala, explica Veronica, o seu marido
“dirigindo-se a algumas senhoras presentes, se abandonou a considerações para mim
inaceitáveis: - se não fosse casado, a esposaria imediatamente ; - com você iria para
qualquer lugar “. “São afirmações, continua, que interpreto como lesivas à minha
dignidade pessoal”. Os galanteios foram dirigidos, em particular, à Mara Carfagna,
exuberante soubrette e deputada de Força Italia, o partido criado e dirigido pelo
Berlusconi.
A ex-atriz, Veronica, não recebendo as desculpas privadas do marido, resolve,
então, lavar a roupa suja através dos jornais. “Pergunto [a Berlusconi] ainda se, como a
personagem de Catherine Dunne, devo considerar-me ‘a metade de nada’ “. E desabafa:
“no curso da relação com o meu marido escolhi de não deixar espaço ao conflito conjugal,
mesmo quando os seus comportamentos criaram os pressupostos”. Mais adiante, depois
de explicar os motivos do seu procedimento discreto nos 27 anos de matrimônio, enfatiza
que “esta linha de conduta, encontra um único limite: a minha dignidade de mulher que
deve servir como exemplo aos próprios filhos”. Mãe de duas filhas adultas e um filho
saindo da adolescência, Veronica diz acreditar que perante às filhas o seu exemplo de
“mulher capaz de tutelar a própria dignidade nas relações com os homens seja pregnante”
e para o filho, acrescenta, a sua atitude pode ajudar “a não esquecer nunca de colocar
entre os seus valores fundamentais o respeito pelas mulheres, que ele possa, assim,
instaurar com essas relações sadias e equilibradas”.
A carta de Verônica está provocando as mais diversas reações. O sito oficial de
Força Itália acaba de publicar uma nota afirmando que trata-se de um complot contra o
“pobre Silvio”. Algumas fãs do ex-primeiro ministro afirmam que “ coitado, merecia uma
mulher melhor”. O filósofo Massimo Cacciari, prefeito de Veneza - a quem anos atrás os
jornais atribuiram uma love story próprio com Veronica – diz que é uma missiva plena de
integridade, mas se pergunta o porque de publicá-la nos jornais. Os sites dos jornais
estão cheios de comentários a favor e contra, de ministros, deputados, atrizes, donas de
casas que atacam e defendem. A senadora e atriz Franca Rame - companheira do
prêmio Nobel, Dario Fo - diz que se fosse seu marido “lhe daria uns bons safanões”. O
senador e filósofo católico, Rocco Buttiglione, aconselha Berlusconi “ a apresentar-se
com o coração na mão e uma rosa”. A mãe de Veronica aprova o gesto da filha:
“Corajosa!”. Só uma exceção na gritaria geral. Os telejornais de Mediaset, a rede televisa
de Berlusconi, até seis da tarde não tinham noticiado o fato. Silêncio…
Como escreve a jornalista Maria Laura Rodotà, no Corriere della Sera, “é o melhor
reality show da temporada”. É a política-espetáculo. O reino do gossip, da fofoca, dos
sentimentos fáceis, falsos e notórios. E que na Itália encontrou na figura de Silvio
Berlusconi o seu melhor intérprete, com lucros fantásticos para os seus negócios e um
poder que parecia, meses atrás, ilimitado. Só que agora o barraco rolou também nos
jardins da suntuosa mansão de Arcore, lembrando os velhos filmes da comédia italiana.
Seria cômico, se não fosse sério; seria trágico, se não fosse cômico.

(Marco Antonio Ribeiro Vieira Lima vive na Itália há 21 anos. É músico. Formado
em Ciência da Educação pela Universidade de Milão, atualmente dirige o Instituto Cultural
Brasil-Itália em Milão).

Post Scriptum. Com profundo senso do tempo, ‘cavaliere’ Berlusconi pediu, no


começo da noite, desculpas públicas, à Veronica ofendida. Com uma carta enviada à
todas agências de imprensa, o patrão do Milan dizendo-se recalcitrante e orgulhoso em
privado e desafiado em público, suplica perdão: “a tua dignidade, eu custodio como um
bem precioso no meu coração mesmo quando da minha boca sai alguma frase irrefletida”
e conclui, sob os refletores da midia da província italiana: “desculpa-me, então, e aceita
esse testemunho público de um orgulho privado que cede à tua cólera como um ato de
amor”. O melodrama da jornada conclui-se com o vôo do nosso herói de Roma até Milão,
onde dizem os mais bem informados, jantará com a sua dama. The reality show must go
on.

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