Você está na página 1de 4

DIAGNÓSTICO DE SURDEZ E AUTISMO : UMA QUESTÃO

INTERDISCIPLINAR

Sandra Pavone de Souza* Mônica Castro**

A interdisciplinariedade tem se feito presente , aproximando as clínicas


fonoaudiológica e psicanalítica a partir de interrogações como as que
aparecem quando a tarefa é diagnosticar se uma criança é surda ou não.

Essa pergunta é também o caminho possível para que os pais da criança


procurassem uma ajuda no momento em podem se dar conta de que algo
não vai bem com a criança. Crianças que parecem não responder ao som
ou ainda porque não falam, quando evolutivamente isso já poderia ser
esperado, fazem pensar que algo da ordem de uma surdez sensorial esteja
presente.

Entretanto, esses mesmos fenômenos clínicos podem ser sinais que,


somados a outros, como por exemplo, ausência de olhar entre a mãe e a
criança, apontam para a não instauração das estruturas psíquicas o que nos
coloca diante de um caso de autismo.

Resultados ora contraditórios ora inconclusivos nos exames de audição


presentificam algo da ordem de um não saber, que lança os profissionais ao
campo das interrogações e o diagnóstico de surdez pode ficar em
suspenso.

É nesta medida que dois campos podem se aproximar naquilo que se tem
chamado interdisciplinariedade.

Um dos objetivos deste trabalho é alertar o clínico em geral sobre alguns


importantes aspectos envolvidos no diagnóstico de surdez em crianças .

O primeiro aspecto refere-se ao diagnóstico, sua comunicação os pais e as


possíveis indicações terapêuticas, já que, em alguns casos, mesmo os
exames mais objetivos (e outros) sugerem no mínimo um cuidado, até que
uma compreensão mais aprofundada do caso seja possível.

O segundo refere-se à importância de intervenção precoce tanto no caso


de surdez sensorial quanto no caso do autismo, já que, em se tratando da
infância, maturação neurológica e constituição do sujeito podem não estar
ainda definitivamente marcados.

O diagnóstico em questão

O profissional audiologista tem à sua disposição variadas provas para


avaliar os níveis mínimos de resposta auditiva, assim como o tipo de perda
e a localização topográfica da lesão.

Nos parece importante que um diagnóstico não se reduza aos dados


numéricos oferecidos pelas provas a fim de que não se desconsidere outros
importantes aspectos que possam entrar em jogo nesse momento.

Os dados das provas auditivas, fundamentalmente quantidades (decibéis,


freqüência, tempos de condução, etc.) apontam para uma perda de audição
uma perda no real do corpo.

Entretanto, trata-se de um corpo falado e, ainda que se tente isolar a


questão diagnóstica em termos de números, indicações de aparelho e
terapêuticas adequadas, não se pode esquecer que será inevitável que
cada sujeito e, neste caso, também os pais, a partir disso produzirão
deslizamentos e novas significações para o referido diagnóstico. Os
números, o diagnóstico e a maneira técnica de nomeá-los não podem fazer
obstáculos a esses desdobramentos. Há os que supõem que levar em conta
ao máximo critérios de objetividade impede a colocação em cena de
inúmeras conotações e novas significações que excedem os próprios
dados.

A questão não é de avaliar a utilidade ou não dos dados numéricos. Sem


dúvida são necessários e imprescindíveis.

Entretanto não considerar que um número, sua comunicação, seu


conhecimento, tem conseqüências é desconsiderar que o que ele revela é
enlaçado numa rede de significantes dos sujeitos em questão.

Por que problematizar? Porque é necessário não desconsiderar esses


efeitos subjetivos que as palavras proferidas no diagnóstico podem ter.
Entendemos que se requer um cuidado muito maior, ao que se tem dado
em certos casos, ao modo singular com que os pais podem tomar e serem
tomados pelo diagnóstico.

A ferida narcísica que se abre no diagnóstico de qualquer deficiência pode


ter destinos que variem de quebras reparáveis a uma ferida de difícil
cicatrização. Um diagnóstico pode tanto mobilizar quanto cristalizar ou até
mesmo paralisar.

Por isso, entendemos que conhecer bem as provas (sejam elas as mais
sofisticadas possível) e sua adequada execução são condições necessárias
mas não suficientes para o profissional que atue com diagnósticos.

A intervenção precoce

Quando nos deparamos com crianças, que apresentam sinais que fazem
suspeitar de surdez sensorial, consideramos fundamental que se faça
intervenção precoce por inúmeras razões.

É nos primórdios da infância que aquilo que se propõe como terapêutica


(como aquilo que não se propõe ou ainda quando se propõe errado) pode
ter conseqüências mais marcantes e passíveis de produzir modificações
No caso da audição, sabemos que a maturação das vias auditivas ocorre
após o nascimento e que a maturação de todo o conjunto, incluindo os
núcleos auditivos centrais, prosseguirá até os 18 meses de vida.

Entretanto, como dissemos acima, a ausência de fala e de resposta ao som


podem ser indicativos da não instauração de um certo número de estruturas
psíquicas, o que a nosso ver indicam a necessidade de certos cuidados. A
suspeita de surdez devido à ausência de resposta ao som ou ausência de
fala requer, portanto, uma cautela diagnóstica e de indicação do uso de
aparelhos, pois, em alguns casos, o diagnóstico de surdez tem, para os
pais, o efeito de cristalizar a criança neste lugar de surda, quando, na
verdade, não o é, fechando a possibilidade de que eles possam vir a se
perguntar a que se deve o que está acontecendo com a criança E, se
estivermos diante de um caso de autismo e não de surdez?

É aí que entendemos que o cuidado do clínico audiologista deve ser


intensificado. Se este se deixa tomar pelas contradições que as provas lhe
apresentam e, consequentemente, não tenta colocar aquilo que encontra
dentro de um padrão anteriormente conhecido, ele mesmo viabiliza, com
seus encaminhamentos, que uma intervenção precoce se faça na
prevenção de doenças tais como o autismo.

Quando falamos de autismo estamos nos referindo àqueles casos nos quais
as estruturas psíquicas que suportam o funcionamento dos processos de
pensamento inconscientes não se instalaram. Essas instaurações, quando
ausentes, podem ter como conseqüência (e não ao contrário ) déficits de
tipo cognitivo assim como lesar rapidamente o órgão que as suporta.
(Laznik-Penot, 1997)

Portanto, tanto no caso de uma surdez sensorial como no caso de autismo,


o diagnóstico e intervenção devem ser cuidadosos e realizados o mais
precocemente possível. Em ambos, lutamos contra o relógio

Esperar para intervir pode eqüivaler a não assistir. Essa espera pode, por
vezes, ser resultado da posição do profissional, esteja ele em qualquer
área, já que muitas vezes o trabalho não começa com o audiologista e sim
com o médico ou o professor da criança.

Que se reconheça a impossibilidade de que uma única especialidade dê


conta do conhecimento, que hoje em dia se dispõe para diagnosticar e tratar
crianças, nos parece um ponto crucial no qual a ética nos convoca à
interdisciplinariedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO

M.F. de. "Avaliação audiológica no primeiro ano de vida" in Lopes Filho, O.


de C.- Tratado de Fonoaudiologia, São Paulo, Roca, 1997.

PAÉZ, S.M.C. de & Baralo, F.R. "Los niños sordos". In: Escritos de La
Infancia. Buenos Aires, Fundación para el Estudio de los Problemas de la
Infancia, v.8, 1997.

JERUSALINSKY, A. N. Seminário não publicado realizado no curso de


especialização da Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida, IPUSP, São
Paulo, 1997

LAZNIK-PENOT, Marie Christine. "Poderíamos pensar numa prevenção da


síndrome autística?" In: Palavras em torno do berço. Salvador, Agálma,
1997, p.35

Sobre as autoras: *Psicanalista, Membro do Serviço de Psicologia da


DERDIC, PUC-SP

** Fonoaudióloga , Membro do Serviço de Audiologia Clínica, DERDIC PUC-


SP

Fonte: Texto preparado pela DERDIC, para divulgação na Entre Amigos -


Rede de Informações sobre Deficiências

Você também pode gostar