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O LEITOR E ESCRITOR DO CIBERESPAÇO / THE

READER AND WRITER OF CYBERSPACE


Gláuci H. Mora
Universidade Paulista (UNIP)
glamora@terra.com.br

Resumo Palavras-chave:  Mediação docente. Lei-


tor  e  escritor. Ciberespaço. Tecnologia digital.
As mudanças econômicas, políticas e sociais Letramento digital. 
pelas quais o mundo passa são reais e irreversí-
veis. O advento das transformações, principal-  Abstract
mente no âmbito científico e tecnológico,  ins-
tiga a ponderar sobre  a necessária educação The economic, political and social changes that
mediadora e globalizante, em que o leitor e o the world has been going through are real and ir-
escritor proficientes se constituem. Assim, dian- reversible. The advent of changes, especially in the
te desse cenário e com a presença das tecnolo- scientific and technological fields, instigates to con-
gias digitais em nossa cultura contemporânea, sider on  the necessary mediating  and globalizing
novas possibilidades de expressão e de comuni- education, in which the reader and the writer are
cação estão postas. O universo do ciberespaço e proficient subjects. In this scenario and in the pre-
a navegação pelos hipertextos criaram um novo sence of digital technologies in our contemporary
perfil de leitor e escritor. Neste artigo, preocu- culture, new possibilities of expression and commu-
pamo-nos e refletimos sobre esse novo perfil nication are  set. Cyberspace universe and  naviga-
leitor e escritor, no contexto de uma sociedade tion in hypertext have created a new reader and wri-
líquida, excludente e digital. Ressaltamos ainda ter profile. In this article, we are concern with this
o necessário letramento digital na graduação, no new  reader and writer  profile, in the context of a
contexto de uma democracia social que implica liquid, exclusionary and digital society. We also em-
a modificação na estrutura do poder e a redefi- phasize  the necessity of  digital literacy  in  college,
nição do uso social do conhecimento (BRITTO, in the context of a social democracy which implies
2003). Diante das necessárias reflexões neste ar- the change in power structure and the redefinition
tigo, destacamos também a importância e a ur- of the social use of knowledge (BRITTO, 2003). In
gência da mediação significativa docente em ins- face of  the necessary  considerations  presented  in
tituições escolares de diversos níveis, inclusive e this study, we highlight the importance and urgen-
principalmente nas universidades. Objetiva-se, cy  for  a  significant mediation  teaching  at  various
também, refletir sobre a necessária constituição levels in school, especially in Universities. This pa-
de sujeitos (estudantes) autônomos que sejam per also aims to consider the need to place the auto-
inseridos no seu processo histórico, tornando- nomous subjects (students) in their historical pro-
se pessoas conscientes de seu potencial, autoras cess, thus they can become aware of their potential
de seus discursos e ativas, já que dados do Indi- and be an active author of their own voices, as Func-
cador de Alfabetismo Funcional (Inaf) registram tional Literacy Indicator data (Inaf) reports  that
que 70% da população brasileira não leem e não 70% of the Brazilian population do not read and do
escrevem com proficiência.   not write proficiently. 

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Keywords: Teaching mediation. Reader dos, menos engessados. Eis nosso objeto neste
and writer. Cyberspace. Digital technology. artigo: refletir e discutir a importância da me-
Digital literacy.  diação docente eficaz em tempos de leitores e
escritores do ciberespaço cuja educação escolar
1. Introdução fora excludente e desigual.

A sociedade do terceiro milênio está imersa 2. Desenvolvimento


em um contexto de expressões plurais em que
complexas realidades multiculturais se inserem 2.1 Contextualizando
e entrecruzam em uma ampla diversidade de
tradições religiosas, étnicas, políticas, sociais e Antes de refletirmos sobre o leitor e o escritor
de gênero. As mudanças econômicas, políticas e do ciberespaço e a necessária mediação docente,
sociais pelas quais o mundo passa são reais e ir- gostaríamos de tecer algumas considerações a
reversíveis. O advento das transformações, prin- respeito da educação escolar brasileira, princi-
cipalmente no âmbito científico e tecnológico, palmente sobre o ensino em muitas instituições
instiga a ponderar sobre a necessária educação públicas. A escola possui uma aprendizagem que
mediadora e globalizante, em que o leitor e o es- se afasta do real em benefício de uma reorganiza-
critor se constituem. ção burocrárica, temporal e metodológica supos-
tamente favorável à aprendizagem (COLELLO,
Diante desse cenário, muitas formas de ensi- 2007). A leitura e a escrita no banco escolar são
nar não se justificam mais e não apenas são obso- destituídas de seus lugares naturais, do mundo,
letas como também limitam o educando ao aces- e colocadas em território diferente, mecânico e
so aos bens culturais, à sua emancipação e à sua tarefeiro. A instituição escolar, ao “escolarizar”
constituição como ser humano. Os desafios do tudo o que toca (LARROSSA, 2007), impõe um
ensinar com qualidade estão postos, assim como abismo que separa a prática escolar tradicional da
o almejar uma educação de qualidade que inte- prática social da leitura e da escrita.
gre ensino e vida, conhecimento e ética, reflexão
e ação. Uma educação que integre as dimensões Longe de estar imersa no universo vivo e real
do estar no mundo e nele agir, trilhando um ca- de significação, a linguagem torna-se artificial, ta-
minho intelectual, emocional e profissional, que refeira e longe da realidade cotidiana dos estudan-
realize o estudante e modifique a sociedade. tes. Ressaltamos que no âmbito essencial da vida, o
ser humano se configura como existência sentida,
O ensino em sociedade de informação e co- experimentada para se constituir como indivíduo.
nhecimento requer uma prática pedagógica me- Essa é uma referência significativa para refletirmos
diadora, capaz de criar âmbitos para a construção sobre o espaço ensino-escola da educação brasilei-
do conhecimento que cada vez mais se dá a partir ra no que concerne ao trabalho com a linguagem,
de processamentos de informação do ciberespa- com as linguagens do ciberespaço, porque quan-
ço, “juntando” pedaços de textos de várias lingua- do se ignora a natureza dos discursos em sala de
gens superpostas simultaneamente. aula, apaga-se a ligação existente entre linguagem
e vida, e, ao fazer isso, ignora-se a leitura e a es-
Assim, o leitor e escritor de ontem já não lê crita como ações culturais, articuladas a valores e
e escreve como outrora! Ele hoje, leitor e es- saberes socialmente dados, como ato de posicio-
critor do ciberespaço, tem mais dificuldade em namento político diante do mundo.
conciliar a extensão da informação, a varieda-
de das fontes de acesso, com o aprofundamento Há muito a discutirmos e refletirmos sobre a
da sua compreensão, em espaços menos rígi- educação escolar e sobre e a importância de uma

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práxis educacional significativa e democrática. No berespaço. É fato as novas tecnologias terem re-
entanto, cabe aqui ressaltar, antes de qualquer dis- volucionado de forma intensa o viver e comuni-
cussão sobre as novas tecnologias educacionais, o car-se em sociedade; no entanto, essa “revolução
novo perfil leitor e escritor, a partir dos dados do da informatização não distingue informação de
Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf)22,  que conhecimento nem as formas como uma e outro
registram que 70% da população brasileira não são construídos e divulgados” (BRITTO, 2003).
leem e não escrevem com proficiência, lembrando
que “É considerada analfabeta funcional a pessoa Eis essa necessária contextualização, com as in-
que, mesmo sabendo ler e escrever algo simples, dagações já expostas e a constatação de Britto que
não tem as competências necessárias para satisfa- muito direciona docentes universitários rumo a
zer as demandas do seu dia a dia e viabilizar o seu uma necessária e significativa metodologia, à inclu-
desenvolvimento pessoal e profissional” (INSTI- são e ao letramento digital dos nossos estudantes a
TUTO PAULO MONTENEGRO, [s.d.]). partir da já exclusão do ensino de língua escrita e da
formação leitora em um âmbito de possibilidades
A partir desses dados, como professora uni- existenciais, de autoria de discurso, de autonomia.
versitária, a autora deste artigo sabe que muitos
alunos que passaram por essa escola “tarefeira e 2.2 O leitor e o escritor do ciberespaço em so-
artificial” e constituem essa porcentagem do Inaf ciedade líquida e digital
estão hoje na graduação e serão futuros profissio-
nais: professores, administradores, enfermeiros, Já não há lugar, nenhum ponto de gra-
dentistas, engenheiros etc. Nesse sentido, vale vidade de antemão garantido para qualquer
nossa reflexão: linguagem, pois todas entram na dança das
instabilidades (SANTAELLA, 2007, p. 24).
- Como o professor tem sido formado para o
exercício da sua prática docente? Pensar a sociedade, com tantas modificações,
transformações, inovações e as várias formas do
- O professor é leitor e escritor proficiente? E dizer e do ler em vários suportes oportuniza re-
do ciberespaço? fletirmos sobre a sensação de rapidez, fluidez. A
modernidade avança em vários sentidos. Eis que
- Como professores formam leitores e escrito- surge o conceito de sociedade líquida, na qual os
res proficientes em uma sociedade desigual líquidos não têm uma forma, ou seja, são fluidos
e excludente? e se moldam conforme o recipiente nos quais es-
tão contidos, diferentemente dos sólidos, que são
- Qual é o perfil do leitor e escritor do ciberes- rígidos e precisam sofrer tensão de forças para
paço diante dos dados do Inaf? moldarem-se a novas formas. Os fluidos movem-
se facilmente, “escorrem pelos dedos”, “transbor-
- Como empregar as possibilidades fornecidas dam”, “preenchem vazios com leveza e fluidez”.
pelas novas informações virtuais a serviço Na modernidade líquida, as ideias de tempo e
da educação? espaço estão relacionadas à ideia de fluidez, por
estarem em constante mudança e serem olhadas
Assim concluímos nossas considerações antes com olhar de maleabilidade, flexibilidade e capa-
de dissertarmos sobre o leitor e escritor do ci- cidade de moldar-se (BAUMAN, 2001).

22
Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) é uma pesquisa idealizada em parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação
Educativa e realizado com o apoio do Ibope Inteligência com o objetivo de mensurar o nível de alfabetismo da população brasileira entre
15 e 64 anos, avaliando suas habilidades e práticas de leitura, de escrita e de matemática aplicadas ao cotidiano.

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As linguagens líquidas, neste contexto, que en- ampliação de horizontes nunca navegados e viven-
tram na dança das instabilidades, tornam-se mais ciados! No entanto, não nos esqueçamos da for-
presentes no ciberespaço, onde as interações são lí- mação leitora e escritora em escola reprodutivista,
quidas, e a individualização é uma consequência do que, independentemente do uso das tecnologias
desprendimento das redes sociais. Eis que a leitura da informação e comunicação (TIC), forma alu-
na concepção do historiador Roger Chartier (1996) nos que não usam uma linguagem viva, dialógica
dialoga com a proposta da liquidez, fluidez, em que e emancipatória, uma vez que não são proficientes
a leitura é uma prática “apropriativa” e histórica, ou leitores e escritores. Para Chartier (2009, p. 103-4),
seja, mutável e plural. Assim, entendemos também os que são considerados não leitores, no entanto,
que as mudanças nos suportes de leitura podem ge- leem “[...] coisa diferente daquilo que o cânone
rar mudanças na forma de ler e escrever. escolar define como leitura legítima”; são os que
chamamos de leitores e escritores do ciberespa-
Os verbos ler e escrever não têm uma defi- ço, imersivo e virtual (SANTAELLA, 2004, p. 31),
nição unívoca. [...] Ler não teve e nunca terá o um leitor do hipertexto e do ciberespaço, que está
mesmo significado no século XII e no século
XXI. A tipologia textual tampouco consiste pronto para receber e ler novas informações, que
num conjunto fechado de gêneros. Estamos, recorre a mensagens de textos em redes sociais,
com efeito, assistindo ao surgimento de novos sites de notícias e fofocas, fóruns de discussão,
modos de dizer e novos modos de escrever, e-mails, chats, entre outros, dividindo a atenção
de novos modos de escutar o oral e de ler o com outros recursos midiáticos: leem, teclam, as-
escrito (FERREIRO, 2005, p. 40).
sistem, ouvem, “pensam” e “produzem”, aspas aqui
porque, como professores universitários, deseja-
Com esses referenciais, pode-se refletir sobre
mos o pensar e o produzir com reflexão, autoria
como se configuram as formas de leitura de textos
e responsividade. Dessa forma, o problema é as
em ambientes digitais em comparação com aquelas
leituras e escritas do ciberespaço serem fragmen-
travadas nos textos impressos. Além disso, pode-
tadas, não lineares, curtas e simples! Quando a lei-
mos navegar pelo ciberespaço e entrar em contato
tura e a escrita no ciberespaço se dão em um nível
com diferentes gêneros e tipos textuais em vários
de profundidade de raciocínio, como na leitura de
estilos, autorias e variações linguísticas, hipertextos
um estudo e na pesquisa acadêmica, podem tor-
estes que são ilustrados e animados com a mais alta
nar-se desinteressantes e tediosas.
tecnologia e se transformam radicalmente.

[...] linguagens tidas como espaciais – Reflitamos: nunca tivemos tanto acesso à infor-
imagens, diagramas, fotos – fluidificam-se mação, a leituras, estando tão carentes de conheci-
nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos mento. Constroem-se apenas ideias fragmentadas,
[...] Textos, imagem e som já não são o que pautadas pelo senso comum, uma vez que a “revo-
costumavam ser. Deslizam uns para os outros, lução da informatização não distingue informação
sobrepõem-se, complementam-se, confrater-
nizam-se, unem-se, separam-se e entrecru- de conhecimento nem as formas pelas quais uma
zam-se. Tornaram-se leves, perambulantes. e outro são construídos e divulgados” (BRITTO,
Perderam a estabilidade que a força de gra- 2003, p. 53). Assim, vejamos a importância da me-
vidade dos suportes fixos lhes emprestava. diação pedagógica, o papel do professor.
Viraram aparições, presenças fugidias que
emergem e desaparecem ao toque delicado
da pontinha do dedo em minúsculas teclas. 2.3 O professor universitário mediador e o alu-
Voam pelos ares a velocidades que competem no imersivo e virtual
com a luz (SANTAELLA, 2007, p. 24).
Textos são aqui definidos, incluindo informa-
Eis a delícia do trabalho com os textos do cibe- ções verbais, visuais e numéricas, na forma de
respaço e suas possibilidades de pesquisa, estudo e mapas, pinturas e música, de arquivos de som, de

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filmes, vídeos e qualquer informação armazena- - Avaliação e gestão das informações.
da em computador, tudo, de fato, desde a epigra-
fia até as últimas formas de discografia. Não há - Organização e ativação dos conhecimentos.
escapatória do desafio que as novas formas cria-
ram (MCKENZIE, 2004, p. 13, tradução nossa). - Saber procurar e onde procurar.

Ressaltamos em todos os tópicos deste arti- - Distinguir o que é relevante e o que é irrelevante.
go as mudanças e a caracterização da socieda-
de, além da escola, ainda tarefeira e reproduti- - Distinguir e selecionar autorias significativas.
vista. No entanto, não destacamos que vivemos
a era contemporânea do conhecimento, na qual - Saber construir conhecimento e criar solu-
as Tecnologias de Informação e Comunicação ções inovadoras (LÉVY, 2004).
são significativas para compreender e transfor-
mar o mundo. Eis o que se almeja em um cenário tão com-
plexo: uma formação docente cuja prática pedagó-
Pensar a universidade e seus protagonistas no gica seja mediadora, democrática e de qualidade.
terceiro milênio é pensar na necessária formação Tal contexto traz desafios que permeiam o ensino
de um sujeito que é individual, singular e autor universitário contemporâneo: necessita-se de uma
de seus discursos. Dessa maneira, torna-se fun- formação docente conjunta com interdisciplina-
damental refletirmos sobre a formação de docen- ridade, projetos, integração curricular, avaliação
tes universitários mediadores. Há professores que para a aprendizagem e trabalho com autoria.
muitas vezes se mostram inseguros em relação
às Tecnologias da Informação e Comunicação e Para isso, o docente deve criar oportunida-
demonstram pouco interesse em incorporá-las des para que os estudantes possam assumir ple-
à prática pedagógica. Além disso, muitos não namente a autoria e se formem leitores e escri-
possuem sintonia com a modalidade comunica- tores proficientes. É fundamental ressignificar o
cional emergente (TIC) e o seu uso eficaz e me- uso das novas tecnologias da informação dentro
diador. Dessa forma, baseiam-se no falar-ditar do da universidade de forma a mudar o modelo de
professor, na transmissão de um A para um B ou aula obsoleta e nada emancipador. As novas tec-
de um B para um A. Desconsidera-se, portanto, o nologias da informação e da comunicação (TIC)
novo perfil do interlocutor/aluno, que é imersivo transformaram as relações e a dinâmica da sala
e virtual (SANTAELLA, 2004, p. 31), um leitor de aula e ampliam as possibilidades de inserção e
do hipertexto e do ciberespaço. Este aluno traça letramento digital.
seu próprio caminho em navegações alineares
ou multilineares e explora várias dimensões de Antes de apresentar as definições mais
conteúdos, entrecruza os dados com outros tex- amplas, que tomam o letramento digital
como prática social culturalmente constitu-
tos, compara-os e gera um terceiro ou um quarto ída, Souza (2007) traz um pertinente comen-
conteúdo. Ao desconsiderarem o estar no mundo tário, feito por Smith (2000), de que cada vez
e viver na era das TIC, os professores ignoram se torna mais difícil e complexo determinar
as novas demandas e exigências de novas com- quem é letrado no meio digital. Ser letrado
petências dos educandos, do letramento digital, digital inclui, além do conhecimento funcio-
nal sobre o uso da tecnologia possibilitada
quais sejam: pelo computador, um conhecimento crítico
desse uso. Assim, tornar-se digitalmente letra-
- Capacidade de usar a informação de modo do significa aprender um novo tipo de discur-
rápido e flexível. so e, por vezes, assemelha-se até a aprender
outra língua (FREITAS, 2010, grifo nosso).

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Os professores universitários devem constituir o trabalho mediador pode se tornar essencial, já
a sala de aula em espaço no qual não apenas se que o falar, o ler e o escrever “bem”, com profi-
democratize o acesso às novas tecnologias, mas ciência, poderão ser vivenciados pelos alunos, e
também se assegure que essa construção seja uma estes terão possibilidade de concretizar a profici-
apropriação ativa e crítica. Assim, muito além do ência em linguagens e o letramento digital.
acesso às TIC e do domínio operacional das fer-
ramentas tecnológicas, o estudante deve ter a au- 3. Considerações finais
toria e assimilar o processo de apropriação social
da tecnologia e seu uso crítico e inovador. Desenvolver um trabalho mediador diante de
um mundo cheio de linguagens diversas e de acesso
Considerando os dados do Inaf e a formação a informações é oportunizar ao ser humano intera-
inicial de muitos dos nossos alunos da gradua- gir com as informações e construir conhecimento.
ção, em sala de aula, temos de ser mais do que É instigar a reflexão e emancipar o indivíduo.
treinadores, instrutores, conselheiros, facilita-
dores! Temos de formular problemas, provocar É fundamental ressignificar a prática pedagó-
situações, instigar novos olhares, dialogar com gica diante de um cenário tão complexo e muitas
várias concepções e diversos autores. Nas aulas, vezes excludente, para um letramento digital em
presenciais ou a distância, o professor/tutor deve que se promova a participação efetiva e igual na
disponibilizar domínios de conhecimento, auxi- sociedade. A formação leitora e escritora profi-
liando pesquisas para que os alunos, instigados ciente deve acontecer independentemente da tec-
e “nutridos” de pesquisa, em estado potencial do nologia, porém com ela as atividades com a lin-
conhecimento, possam construir mapas concei- guagem podem instigar mais, atrair e possibilitar
tuais e conduzir suas pesquisas. Assim, o profes- a vivência significativa com muitas informações.
sor mediador é um criador de âmbitos, porque A comunicação não se esgota no verbal e não se
proporciona um campo de possibilidades, de ca- constrói sem interação.
minhos que se abrem quando elementos são acio-
nados pelos alunos e assim, em lugar da recepção Assim, não é a tecnologia que fará a dife-
passiva, o aluno se envolve com as proposições, rença na formação leitora e escritora – pro-
reflete, participa, modifica e ressignifica. Cons- ficiente! Do ciberespaço! – mas uma modifi-
trói conhecimento e autoria. É preciso um leitor e cação na educação formal, assim como uma
escritor mais experiente, o professor, para fazer a mediação docente eficaz.
caminhada interpretativa com os alunos, desven-
dando caminhos, verificando com eles a situação Não se trata, obviamente, de negar o de-
comunicativa (Quem escreveu? Para quem? Para senvolvimento tecnológico nem de afirmar
que ele não ofereça novas oportunidades de
quê?), o suporte, a intencionalidade, o gênero produção do saber e de relações humanas.
textual, o estilo do autor, a variação linguística. Trata-se, pelo contrário, de assumir que a
Ressalte-se que no ambiente virtual o aluno pode democracia social implica a modificação na
acessar produções e publicações de diferentes áre- estrutura do poder e a redefinição do uso so-
as em bibliotecas virtuais, em inúmeros sites, que cial do conhecimento (BRITTO, 2003, p. 54).
disponibilizam artigos, teses e alguns livros com-
pletos. O acesso às informações está se democra- Ressalte-se que embora recebamos na gradu-
tizando e se tornando fácil para todos! Pode-se ação alunos que fazem parte dos dados do Inaf,
percorrer, portanto, vários discursos e opiniões sabemos da possibilidade de modificar o nível de
sobre determinado tema. Temos muitos autores letramento do nosso aluno e de incluí-lo ao uni-
de renome discutindo, defendendo e refutando verso do ciberespaço para que ele possa interagir
um assunto e sob diferentes perspectivas. Assim, e tornar-se emancipado e autor de seus discursos

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na sociedade do conhecimento. Ainda que seja litam ilustrar as tensões vividas neste contexto de
um processo complexo, lento e desafiador, que acesso a tantas informações e muitas vezes a fali-
se faça a melhor mediação pedagógica na univer- da e ineficaz construção de conhecimento rumo à
sidade para – pensando nos discursos implícitos emancipação e à formação de leitores e escritores
que desfiguram a realidade e limitam nossa pos- proficientes do ciberespaço. A ilusão de óptica da
sibilidade de dialogar e construir conhecimento tela também possibilita refletir a respeito das ten-
– sermos autores dos nossos discursos. A metá- sões sobre os discursos ideológicos implícitos de
fora visual de Salvador Dalí e a proposta de ex- manipulação social não identificados no cotidia-
ploração do onírico e da ilusão de óptica possibi- no pelos estudantes.

Figura 1 – Aparição de um rosto e de uma fruteira na praia (1938), de Salvador Dalí (1904-1989)

A mediação docente possibilitará ao estudante Figuras e ilustrações


não apenas “enxergar” o imenso cachorro da tela,
mais também explorar, sob várias ópticas, as múl- DALÍ, S. Aparição de um rosto e de uma frutei-
tiplas imagens e construções interpretativas da ra na praia. 1938. Óleo sobre tela, 114,2 x 143,7 cm.
tela, tal como nas leituras canônicas, impressas Wadsworth Atheneum, Hartfork, Connecticut, EUA.
ou virtuais. Aí estará a beleza dessa obra de arte e
Referências
aí estará a possibilidade de enxergarmos belezas
despidas das imposições da concepção do belo BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Tradução: Plínio
nas linguagens dos livros que necessariamente Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
teremos de ler!

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BRITTO, L. P. L. Contra o consenso: cultura escri-
ta, educação e participação. Campinas: Mercado
de Letras, 2003.

CHARTIER, R. Práticas de leitura. Tradução:


Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liber-
dade, 1996.

___. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São


Paulo: Imprensa Oficial/Editora da Unesp, 2009.

COLELLO, S. M. G. A escola que (não) ensina a


escrever. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

FERREIRO, E. Passado e presente dos verbos ler e


escrever. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

FREITAS, M. T. Letramento digital e formação de


professores. Educação em Revista, Belo Horizon-
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www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
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INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Rela-


tórios Inaf Brasil. [s.d.]. Disponível em: <http://
www.ipm.org.br/pt-br/programas/inaf/relatorio-
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LARROSA, J. CONGRESSO DE LEITURA DO


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LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do


pensamento na era da informática. Tradução: Car-
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MCKENZIE, D. F. Bibliography and the sociology


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SANTAELLA, L. Navegar no ciberespaço: o perfil


cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

___. Linguagens líquidas na era da mobilidade.


São Paulo: Paulus, 2007.

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