Você está na página 1de 10

REFLEXÃO SOBRE O CONTEÚDO E A ESTRUTURA DE DADOS

NA CARTOGRAFIA DIGITAL

João Matos1, Carlos Coucelo2


1
Instituto Superior Técnico – DECivil
2
OCTOPUS

A cartografia em suporte digital é actualmente produzida com finalidades e exigências de qualidade muito
distintas das que caracterizavam a cartografia tradicional para impressão. Algumas das características da
cartografia impressa transformaram-se em inconvenientes e as opções relativas ao modo de produção e ao
conteúdo e estrutura de dados no produto final surgem como objecto de discussão. O conteúdo e a estrutura,
definidas ao nível de catálogos de características e outras especificações, apresentam-se assim como aspectos
que requerem uma análise cuidada, nomeadamente ao nível de custos e benefícios, compatibilidade e qualidade.
Na presente comunicação é feita a descrição e análise de algumas normas e documentos técnicos, nomeadamente
dos utilizados em Portugal, contendo especificações sobre conteúdo e estruturas de dados para cartografia
digital. Numa perspectiva de sistematização, são ainda apresentadas as alternativas e os factores a ponderar na
elaboração de especificações para cartografia digital.

1. Introdução
O termo cartografia digital , com desenvolvimentos percursores que remontam à década de 50 e cuja utilização
generalizada se terá iniciado na década de 80, surge inicialmente como designação para uma tecnologia de apoio
à produção de cartografia impressa.
Até há muito pouco tempo, eventualmente até ao início da década de 90, o contexto de disseminação da
tecnologia de cartografia digital era o de produtores, dispondo de equipamento de manutenção complexa e
elevado custo, produzindo em formato digital os dados que gerariam as versões impressas, consideradas como
produto final.
A vulgarização do hardware e de programas adequados a utilização da cartografia digital, coloca a própria
versão digital como um produto final, que não sendo o mais importante para o grande público é-o agora para
uma vasta comunidade profissional.
Encarando assim a cartografia digital como um produto final, é necessário reflectir sobre as suas características,
nomeadamente as que se reflictam nos custos, na compatibilidade para importação e exportação e na
manutenção. A utilização em sistemas de informação geográfica, assumindo-se cada vez mais como o principal
destino da cartografia digital, tem no entanto objectivos de análise, de exploração e de integração de informação,
que justificam modelos de dados distintos dos utilizados na cartografia, com estruturas vectoriais mais
complexas e descritores alfanuméricos complementares. Sendo a cartografia input para estes sistemas, e gerindo
e actualizando estes não só informação adicional, como também informação organizada de uma forma diferente,
é essencial garantir a entrada adequada da informação cartográfica no sistema bem como a articulação dos
mecanismos de actualização da informação nas suas vertentes de base de dados geográfica e de produção
cartográfica.
Considera-se a cartografia digital, mantendo o termo consagrado pelo uso, como um caso particular de conjunto
de dados geográficos (CDG) com uma estrutura básica vectorial e com os atributos estritamente necessários à
identificação do tipo de objecto, complementada com informação alfanumérica com elementos gráficos de texto,
em ambiente de desenho assistido por computador. Reconhece-se que esta é uma definição algo insatisfatória,
dado que uma estrutura de CAD pode ser enriquecida com atributos para os elementos gráficos, armazenados ou
não num sistema de gestão de base de dados, tornando difusa a separação relativamente ao que se considera
como sistema de informação geográfica.
A questão em apreço na presente comunicação prende-se essencialmente com as bases cartográficas digitais de
âmbito nacional, regional ou municipal e de propósito genérico. Tipicamente, esta informação é compilada por
uma entidade pública para servir fins geralmente não especificados detalhadamente, podendo ser fornecida aos
utilizadores em subconjuntos organizados por regiões ou por temas.
Na medida em que se trata de um recurso de interesse público, são especialmente relevantes as preocupações
com a sua estrutura e formato. Os aspectos relativos a conteúdo e qualidade, sendo igualmente importantes, serão
no entanto aqui abordados com menos profundidade.

2. Estrutura e Formato de uma base cartográfica digital


2.1 Estrutura
Ao nível da estrutura da informação apresentam-se cinco aspectos básicos:
– a existência e o tipo de objectos;
– a estrutura que suporta a diferenciação dos objectos por temas;
– o seccionamento;
– as propriedades topológicas;
– a forma de inserção de informação alfanumérica.
A estrutura de diferenciação dos objectos (aquilo que, por exemplo, permite identificar uma estrada ou um rio),
pode ser feita com base numa estrutura de camadas – cada conjunto de objectos numa camada diferente – ou
numa conjugação de camadas com outro tipo de atributos que possam ser associados aos elementos gráficos,
como a cor ou a espessura de uma linha (p.ex. camada A e espessura 2 para curvas mestras e camada A e
espessura 1 para curvas de nível normais). A opção pela primeira ou pela segunda estrutura deve ser ponderada
em função das potencialidades e limitações do software de exploração e da facilidade de conversão, sendo que
para uma posterior utilização em SIG a opção por estruturar em camadas é mais segura do ponto de vista da
facilidade de conversão.
O seccionamento do conjunto de dados em folhas para impressão é uma prática corrente, requerendo no entanto
a posterior edição dos elementos gráficos para utilização em SIG, dado introduzir fronteiras artificiais nos
objectos (p.ex. um edifício que não chega a formar um polígono porque fica cortado no limite da folha). A
alternativa é a utilização de cartografia contínua, mais adequada a posterior integração em SIG, salvaguardando a
opção de impressão por folhas, ou a operação com partes do conjunto de dados, através de funcionalidades já
disponíveis em software comercial.
As propriedades topológicas, relativas a características não métricas de constituição dos objectos e do seu
relacionamento espacial, consistem basicamente no fecho de polígonos e na conectividade de linhas. Assim,
deverá ser estabelecido quais os objectos que deverão obrigatoriamente ser representados por polígonos fechados
e quais as condições de conectividade a verificar numa estrutura de rede (p.ex. todos os elementos lineares
representando linhas de água devem estar quebrados nas intersecções e só nas intersecções, devendo gerar redes
conexas, só interrompidas no mar ou nos limites do conjunto de dados). A verificação deste tipo de condições é
em geral automática em ambiente SIG, não havendo justificação para a ocorrência de inconsistências.
A forma de inserção da informação alfanumérica pode apresentar problemas, resultantes do conflito entre a
legibilidade na impressão e um posterior carregamento em SIG. Exemplos típicos de problemas desse tipo são a
partição de nomes de rua por várias palavras e a inserção de identificadores de polígonos fora do interior destes.
Deverá dar-se prioridade à impressão ou à utilização do SIG sendo muitas vezes possível conciliar os dois
interesses ou, quando tal não seja possível, considerar a possibilidade de utilizar dois conjuntos de dados
distintos.
As propriedades gráficas são talvez o aspecto menos relevante, dado que as opções sobre cores, espessuras e tipo
de linha, tipo de texto, etc. são facilmente alteráveis em qualquer fase da utilização da cartografia. A definição
destas propriedades pode ser feita de acordo com as possibilidades da cartografia digital para impressão.
2.2 Formato
O formato de um conjunto de dados só parcialmente é condicionado pela estrutura, ou seja, uma mesma estrutura
pode ser armazenada em diferentes formatos.
O formato em que é armazenada a cartografia digital pode ser um formato de transferência (por exemplo dxf ou
vpf) ou um formato de utilização (p.ex. dwg, dgn, shapefile).
Para um formato poder ser considerado um formato de transferência eficiente é necessário que:
– possa ser produzido por exportação a partir de formatos de utilização comuns;
– possa ser importado para formatos de utilização comuns;
– utilize tipos de objectos comuns a um conjunto significativo de formatos de utilização.
Esta última característica é fortemente relacionada com a estrutura.

3. Conteúdo e Qualidade
3.1 Conteúdo
O conteúdo é definido por um catálogo de características e deve traduzir o nível de generalização (“escala”)
escolhido e o interesse para a utilização prevista. Não existe actualmente uma forma objectiva de definir o nível
de generalização em todas as suas vertentes e para todos os tipos de características, assim como a dedução do
conjunto de características mais adequadas para um dado produto. Actualmente em elaboração, a futura norma
ISO 15046-10 (ISO TC-211,1998;1) apresenta indicações importantes para a construção e especificação de
catálogos de características.
Não tencionando aprofundar aqui as questões associadas à construção de um catálogo de características, é no
entanto de referir dois aspectos: a clarificação de conceitos e a estrutura.
As características a inserir num catálogo provêm do designado “universo do discurso”, existindo um
conceptualização verbal da sua existência. Atendendo a que os conceitos não surgiram obviamente para
sustentarem a informação geográfica, ocorre frequentemente um conceito não ser suficientemente claro para
permitir uma delimitação espacial inequívoca (p.ex. montanha) e pode ainda acontecer a sobreposição parcial de
conceitos (p.ex. igreja, monumento, edifício).
A estrutura de um catálogo, visando uma utilização sem dificuldades inultrapassáveis e que permita a
conformidade de casos particulares com uma estrutura geral, deverá apresentar uma estrutura que permita a
agregação de características, necessária para atingir a satisfação de um propósito e nível de generalização
específicos.
Tanto a utilização de catálogos-tipo como de características solicitadas pelos utilizadores deverá ser feita com
sentido crítico, ponderando os benefícios de maior número e detalhe das entidades contra o maior custo directo
na produção. É ainda da maior importância avaliar até onde é razoável levar a descriminação das características
numa estrutura gráfica vectorial, tendo presente a possibilidade de utilizar informação alfanumérica associada
numa base de dados com uma estrutura SIG.
3.2 Qualidade
Sobre a forma de abordar a qualidade remete-se para os documentos normativos da Comissão Técnica 211 da
International Standards Organization (ISO) (ISO TC 211, 1998;2,1999) e para a versão portuguesa da norma
CEN (Comissão Europeia de Normalização) ENV12656.
Relativamente aos aspectos de qualidade de produtos específicos, questão não abordada nas normas referidas,
refira-se simplesmente que deverão ser avaliados em função da utilização prevista e do custo de produção.

4. Normas existentes para cartografia digital e tendências evolutivas


4.1 Normas existentes
As iniciativas de elaboração de normas para estruturas e outras características de cartografia digital remontam a
1980 (Spatial Data Transfer Standards) tanto a nível nacional como internacional. Uma listagem de identificação
e algumas características principais é apresentada em anexo, baseada na recolha promovida pela ICA
(Moellering, 1996), sendo aqui apresentada uma breve síntese dos âmbitos de aplicação e componentes de
algumas mais representativas.
Pode verificar-se na generalidade das normas a preocupação com a inclusão não só dos elementos tradicionais
(ponto, linha e polígono) mas também de topologia e atributos. Isto é, as normas de cartografia digital
aproximam-se de normas para informação geográfica em geral, reforçando de algum modo o sentimento de
desconforto com as definições mais conservadoras de cartografia como simples desenho.
A generalidade das normas apresentam também um modelo conceptual, como característica fundamental para a
possibilidade de realização de transferência de informação. Como exemplos simples da importância deste
aspecto, uma estrutura que só contenha pontos e linhas não pode exportar polígonos, do mesmo modo que uma
estrutura que não contenha topologia não a pode importar ou exportar.
Nalguns casos (p.ex. SDTS e DIGEST) a norma é complementada pela definição de perfis, orientados para um
tipo específico de produto. Esta afigura-se como sendo uma opção que satisfaz simultaneamente a generalidade
desejável para uma norma e a especificidade requerida para cada tipo de produto.

4.2 Tendências evolutivas


Os SIG posicionam-se como a base universal do conhecimento geográfico num futuro próximo. Afigura-se
assim como sendo de maior interesse, procurar enquadrar a designada cartografia digital neste contexto e não
perpetuar uma situação de produção de desenhos para posterior conversão.
A própria estrutura para SIG apresenta-se em fase de evolução. A importância que os dados geográficos tem
vindo a assumir na gestão de sistemas empresariais, condicionou os desenvolvimentos recentes na tecnologia de
sistemas de base de dados relacionais (SGDBR), com os diferentes fabricantes a desenvolverem extensões
espaciais para suportar os tipos de dados geridos pelos SIG.
Esta é uma clara tendência actual da indústria de software e previsivelmente os SIG recorrerão a tecnologia
SGDBR para gerir todos os tipos de dados que utilizam, nomeadamente dados vectoriais 2D e 3D, endereços,
curvas paramétricas, topologia, dados raster, CAD, SQL, metadados e relações entre dados.
O modelo georelacional, utilizado pelos principais intervenientes do mercado, embora como implementações
físicas diferentes, serviu as necessidades de SIG nas duas últimas décadas. As necessidades actuais e futuras dos
sistemas de informação geográfica, obrigam a redefinir os modelos de organização espacial, e conduziram à
definição de um novo modelo, de que é exemplo o designado por GeoDatabases, introduzido pela ESRI no
ArcInfo 8.
Os elementos numa GeoDatabase são objectos com comportamentos e propriedades, baseados em elementos
simples (pontos, linhas, polígonos, anotações, etc.), representados de acordo com as actuais normas OpenGIS
(SQL3/OGC), e elementos definidos pelos utilizadores. A inclusão destes métodos e comportamentos na
GeoDatabase, permitirá modelar os regras aplicáveis nos processos de edição, exploração, visualização e análise
dos dados. Estes comportamentos deixam de ser tratados como até aqui ao nível do desenvolvimento
aplicacional, e são expostos por via dos respectivos objectos, para desenvolvimento em linguagens de
programação orientadas por objectos.

5. Estratégias de produção e utilização da cartografia digital


A discussão de vantagens e inconvenientes para uma dada estrutura e formato de cartografia digital deve ser feita
avaliando a sua adequação em diferentes estratégias de produção, transferência e utilização. Sob este ponto de
vista são aqui identificados seis tipos de estratégia diferentes para a produção e utilização de cartografia digital,
abarcando a sua utilização em SIG e para impressão. Para a generalidade das situações de utilização em CAD (p.
ex. no apoio a projectos de arquitectura ou engenharia), a base utilizada para impressão ou a resultante de uma
exportação a partir de uma estrutura SIG serão satisfatórias, pelo que não são incorporadas nas estratégias de
produção e utilização indicadas:
1 - Estratégia em que o único objectivo é a produção RESULTADO DO LEVANTAMENTO
de cartografia impressa;
MODELO CARTOGRÁFICO

IMPRESSÃO

2 - situação correspondente à conversão analógico- RESULTADO DO LEVANTAMENTO


digital de cartografia impressa ou utilização num SIG
em que a componente cartográfica funcione MODELO CARTOGRÁFICO
principalmente como cartografia de contexto;
SIG

IMPRESSÃO
3 - satisfação simultânea do objectivo de produção de RESULTADO DO LEVANTAMENTO
cartografia impressa e produção de dados para
utilização em SIG (estratégia seguida pelo IPCC e pelo MODELO ANALÍTICO MODELO CARTOGRÁFICO
IGeoE);
SIG IMPRESSÃO

4 - estratégia orientada para a utilização em SIG RESULTADO DO LEVANTAMENTO


(versões para impressão como objectivo secundário)
passando por uma fase de geração de um modelo MODELO ANALÍTICO
analítico com estrutura CAD (estratégia seguida pelo
grupo EDP); SIG IMPRESSÃO

5 - estratégia em que o objectivo principal é o SIG. RESULTADO DO LEVANTAMENTO

SIG

A primeira estratégia é actualmente aceitável para um número reduzido de situações, em que o objectivo final é a
cartografia impressa e a versão digital não se destina a divulgação. A segunda estratégia foi e é adoptada como
solução de recurso para conversão para SIG de cartografia já elaborada. A terceira estratégia é talvez a mais
aconselhada para satisfazer o objectivo
simultâneo de fornecimento de cartografia digital
de propósito genérico e de produção de CDG Exploração
cartografia impressa de elevada qualidade gráfica.
A quarta estratégia é vantajosa em situações em
que o SIG seja efectivamente o objectivo e a
preocupação com a qualidade gráfica das Actualização
impressões uma preocupação secundária. A
passagem por um produto intermédio com
estrutura CAD justifica-se por razões ligadas ao
próprio processo de produção e prevendo
eventuais utilizações exclusivamente em CAD. A Actualização
CDG
última estratégia corresponde à assumpção do
SIG como produto final para utilização e um Exploração
modelo analítico com estrutura CAD, a ser
necessário, é gerado a partir do SIG (basicamente
Figura 1
corresponde à inserção dos atributos directamente
em SIG e não como propriedades gráficas).
Do ponto de vista de utilização é importante
salientar duas situações (Figura 1):
- a base cartográfica é produzida e mantida de modo independente da utilização;
- a base cartográfica é actualizada no decurso da utilização:
- por introdução, alteração ou remoção de novos objectos;
- por introdução de novos tipos de informação (novos temas);
- por acréscimo com informação derivada ou adaptada da existente.
Do ponto de vista da utilização é importante identificar qual o CDG principal, o que constitui o núcleo que deve
ser mantido actualizado e consistente, em confrontação com os CDG transitórios e os de utilização que não
geram repercussões no CDG principal.
Se o CDG principal tiver uma estrutura SIG, a quinta estratégia apresentada (e em menor grau a quarta) é a mais
racional.
6. Estruturas de dados cartográficos utilizadas em Portugal
6.1 Cartografia do Instituto Português de Cartografia e Cadastro

6.1.1 A estrutura de multicódigos


O Instituto Português de Cartografia e Cadastro (IPCC) iniciou em 1991 (Fernandes, 1996) o processo de
elaboração de especificações para cartografia, consubstanciado na publicação de uma “Proposta de Caderno de
Encargos para Elaboração de Cartografia em Escalas Grandes” (IPCC,1992), onde surge referida a
multicodificação e os códigos a utilizar para o catálogo de objectos apresentado. Encontram-se actualmente em
finalização de produção algumas folhas da série cartográfica nacional à escala 1/10000 elaborada com base nessa
estrutura.
Existe um muito reduzido volume de publicações relativas à estrutura de multicódigos expondo as razões que
levaram à adopção deste tipo de estrutura e as suas características de implementação, sendo a presente análise
resultado do estudo da documentação disponível, da comunicação verbal com produtores de cartografia e da
experiência adquirida no desenvolvimento de uma rotina de conversão (Matos, 1999b).
Não é possível concluir da análise da informação disponível se a estrutura de multicódigos baseada em
Microstation consiste num formato para produção, para transferência ou para utilização, sendo assim aqui
discutidas essas três vertentes.
As vantagens correntemente apontadas para a estrutura de multicódigos consistem essencialmente no facto de
evitar a duplicação e a inconsistência dos elementos gráficos. De algum modo contorna também a limitação do
programa Microstation de restringir a separação da informação num desenho a 63 níveis, sendo também
frequentemente referido o facto de permitir de realizar a verificação topológica e da conformidade com as
especificações gráficas.
De entre as vantagens referidas, o volume de informação gerado pela duplicação de algumas linhas do desenho
não é actualmente relevante, a limitação do Microstation é de interesse somente para quem o utiliza e as duas
últimas são passíveis de realizar com qualquer outra estrutura. Subsiste assim a tentativa de resolução do
problema da inconsistência gerada pela duplicação de elementos gráficos, uma das questões mais interessantes
colocadas actualmente no domínio da cartografia.
Aparentemente, esta última característica da estrutura de multicódigos poderá apresentar vantagens no processo
de produção embora seja discutível se a edição manual ou semi-automática numa estrutura convencional de
camadas não permitiria alcançar o mesmo objectivo.
A estrutura de multicódigos apresenta em contrapartida diversos inconvenientes, nomeadamente:
- poucos programas lêem directamente a “user area” onde estão armazenados os códigos;
- a importação para uma estrutura de camadas só possível se seguida por queries sistemáticas (derivado do facto
de os códigos serem armazenados numa lista de dimensão indeterminada e não, por exemplo, numa estrutura
relacional);
- a exportação não está assegurada até ao momento e depende do conjunto de temas agrupados para exportação
(ou seja, a exportação só é possível com todos os temas para exportação presentes, não sendo possível exportar
directamente sem necessidade de processamento para uma estrutura de multicódigos já existente);
- após a importação para utilização em SIG, o modelo analítico original dificilmente será actualizado, em parte
pelas razões apontadas no ponto anterior e também porque não existem códigos para todos os temas que possam
vir a ser gerados ou integrados;
- o formato não é independente (dgn) embora seja já importável pela generalidade dos programas e a exploração
da estrutura depende de um programa que não é do domínio público, embora seja possível ao utilizador
desenvolver uma aplicação de leitura (as especificações do formato não estão publicadas e requerem um
conhecimento aprofundado de Microstation).
- têm um número de objectos reduzido (linhas e pontos, faltando os objectos do tipo polígono).
Uma das vantagens apontadas para os multicódigos, como já foi referido, é a de assegurar a consistência entre
elementos gráficos (p.ex. um contorno que seja simultaneamente uma vedação e um limite de olival não tem
duas representações distintas). Esta vantagem só é válida na produção conjunta de todos os objectos para um
ficheiro único (opção que inicialmente não era seguida), ao ser introduzido um novo tema produzido
independentemente, já essa consistência não é assegurada devido ao erro posicional e nível de generalização
inevitavelmente associados à informação geográfica. Concretizando com um exemplo: dada a base cartográfica
de um concelho estruturada com multicódigos, ao tentar inserir-se na mesma base a carta de ordenamento do
Plano Director Municipal, os polígonos da carta de ordenamento terão limites que poderão ser comuns aos
limites de concelho ou a estradas com as quais é gerada uma inconsistência de resolução automática não trivial
(Matos,1999c).
Dos inconvenientes expostos e em face das funções possíveis para aplicação da estrutura de multicódigos,
poderão sintetizar-se as seguintes conclusões:
- não é um formato de transferência porque, se a importação é possível (apesar de não serem do domínio público
os programas que a executem) já a exportação para uma estrutura de multicódigos só é possível prescindindo das
alegadas vantagens dos multicódigos e alterando o seccionamento dos elementos lineares;
- não é uma estrutura adequada para a generalidade dos utilizadores SIG que só lhe acederão (fora do conjunto
de utilizadores Intergraph) para importação;
- não é um formato adequado a SIG, entre outras coisas porque o seccionamento dos elementos lineares não é
feito pelo objecto em si mas pelos segmentos que eventualmente partilhe com outros segmentos vizinhos (p.ex.
uma linha de água não será armazenada como um único segmento mas sim como um conjunto de segmentos,
construídos consoante a linha de água seja simultaneamente limite de outros objectos).

6.2 A cartografia do Instituto Geográfico do Exército (IGeoE)


O IGeoE elabora as suas séries cartográficas em formato dgn, disponibilizando com estrutura de camadas
passível de importação simples pela generalidade dos programas de SIG. O facto de o IGeoE não incluir na sua
missão funções de regulamentação da actividade de produção cartográfica e de disponibilizar os seus produtos
num leque suficientemente amplo para a generalidade dos utilizadores, torna a estrutura de dados utilizada numa
questão estritamente interna.
Embora utilizado somente em parte da produção cartográfica do IGeoE, o formato VPF (Vector Product
Format), desenvolvido pela ESRI para o NIMA (National Imagery and Mapping Agency) como parte integrante
do projecto DCW (Digital Chart of the World), justifica uma apresentação um pouco mais detalhada das suas
características.
O VPF foi concebido como uma norma genérica, independente do equipamento, para ser utilizado na criação de
outros produtos de base de dados SIG. Desde então foi incorporado no Digital Geographic Information
Exchange Standard (DIGEST) (Chan,1998) por um comité de normalização com representantes de 13 países da
Europa, América do Norte e Pacífico, incluindo os Estados Unidos.
Utilizado inicialmente no âmbito do projecto DCW (VMAP0), uma base de dados SIG mundial à escala 1/1 000
000, e depois no projecto VMAP1 em curso, uma base geográfica SIG mundial à escala 1/250 000, o VPF está já
hoje a ser utilizado por vários organismos militares em todo o mundo, para a produção de séries cartográficas de
grandes escalas (1/25 000 e 1/10 000) Vmap – Vector Smart Map) e Urban VMAP (UVMAP). Em Portugal o
IGeoE tem já disponível a última série da cartografia à escala 1/250 000 neste formato, e participa no projecto do
VMAP1 do NIMA.
O VPF é um formato para conjuntos de dados geográficas baseadas num modelo geo-relacional. O VPF foi
concebido para ser compatível com uma grande variedade de aplicações e produtos, e permite que software de
utilização de CDG leia os dados sem qualquer conversão prévia para um formato intermédio.
Enumeram-se em seguida algumas das características do VPF: suporta bases de dados contínuas; é um formato
neutro; suporta atributos; contém um dicionário de dados auto-explicativo; suporta texto livre e metadados;
suporta ficheiros índice; permite o acesso directo pelas aplicações; é um esquema flexível e de propósito
genérico; inclui definições dos elementos, permitindo a verificação da consistência.

6.3 Cartografia do Instituto Hidrográfico


O Instituto Hidrográfico produz a sua cartografia de acordo com a norma internacional S57 da Organização
Hidrográfica Internacional.
Das características desta cartografia há a salientar a incorporação do conceito de perfis, tornando-a aplicável
tanto a cartogafia digital como a cartografia impressa. É utilizada na produção da ECDIS (Electronic Chart
Display and Information System).
O elevado ritmo de actualização desta cartografia devido, entre outras razões, a questões de segurança marítima,
fez com que a própria norma incorporasse os procedimentos de actualização.
6.4 A cartografia do grupo EDP
O grupo EDP não é obviamente uma entidade produtora de cartografia, no entanto, no âmbito da elaboração do
seu projecto ) tem assumido um papel relevante na produção de cartografia a escalas grandes.
Tendo como objectivo a utilização da informação em ambiente SIG (Smallworld), a cartografia elaborada neste
âmbito tem seguido os padrões mais convencionais de elaboração de cartografia digital, apresentando no entanto
um cuidado especial na especificação das propriedades topológicas e da estrutura dos elementos gráficos.
As especificações foram entretanto reestruturadas, ficando a estrutura da cartografia para utilização no sistema
de informação da rede eléctrica mais orientada para a satisfação desse objectivo e um pouco menos para a
cartografia convencional, racionalizando custos por simplificação do catálogo de objectos aos elementos
considerados essenciais.
As novas especificações para o produto apresentam ainda uma componente muito forte de especificações para a
produção, com vista a garantir a obtenção dos níveis de qualidade pretendidos.

7. Considerações finais
Em face do anteriormente exposto é conveniente sintetizar algumas conclusões de âmbito geral:
- é evidente a necessidade de melhorar o processo de construção de catálogos de características tendo em conta a
clarificação de conceitos e características associadas, a facilidade de adaptação a diferentes produtos específicos;
- a tendência de evolução para estruturas SIG e não para estruturas estritamente CAD, conduzindo à necessidade
de avaliar se será razoável prosseguir pela produção completa em CAD para posterior conversão.
No caso específico de Portugal afigura-se recomendável o uso de prudência e reflexão relativamente à utilização
da estrutura de multicódigos como norma nacional implícita. As características desta estrutura apresentam-se
como profundamente negativas para a sua constituição como formato de transferência e como estrutura de dados
para utilização. A situação actual é ainda reversível, evitando prejuízos futuros consideráveis.
A sua utilização ao nível de produção, que apresenta vantagens e inconvenientes, não é aqui objecto de análise,
devendo essa avaliação ser feita pelos produtores com base na sua eficiência e nas alternativas possíveis.

8. Referências
Chan,K. – DIGEST: A Primer for the International GIS Standard. Ed. Lewis Publishers, 1998.
Fernandes,J. – A Nova Carta Topográfica 1:10000 do IPCC. In Cartografia e Cadastro, nº5, pp 3-9. Ed. IPCC,
1996.
IPCC – Proposta de Caderno de Encargos para Elaboração de Cartografia em Escalas Grandes. Ed. IPCC,
1992.
ISO TC-211 – Geographic Information – Part 10: Feature Cataloguing Methodology. Documento N604
(Committee Draft) ISO TC-211, 1998.
ISO TC-211 – Geographic Information – Part 13: Quality Principles. Documento N531 (Committee Draft)
ISO TC-211, 1998.
ISO TC-211 – Geographic Information – Part 13: Quality Evaluation Procedures. Documento N665
(Committee Draft) ISO TC-211, 1999.
Matos,J.;Bento,J.;Gonçalves,A.;Costa,F. – The 4-Sets Classification Problem. Proceedings EPMESC VII, pp.
1117-1126. Macau, 1999.
Matos,J. – Contributo para uma Sistematização da Abordagem ao Projecto em Informação Geográfica.
Ingenium, Revista da Ordem dos Engenheiros, II Série, nº35, Março de 1999, pp.73-77
Matos,J.;Gonçalves,A.;Costa,F. – MC2LAYER: Guia de utilização. Relatório ICIST, EP nº 14/99. Instituto
Superior Técnico, 1999.
Moellering,H.; Hogan,R. (Eds.) – Spatial Database Transfer Standards 2: Characteristicas for Assessing
Standards and Full Descriptions of the National and International Standards in the World. Ed. ICA,
Pergamon, 1996.
ANEXO 1
Normas nacionais para dados cartográficos

País Designação Data Trf Soft MD Lay Qual. C.C. Smb LPP Top Att
África do Sul NES 1993 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim
Alemanha ATKIS 1993 Sim Sim Não Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim
(in. 1977)
Austrália SDTS - Austrália 1994 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim
Áustria ONORM A 2260 1994 Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim ?
Canadá SAIF 1995 Sim Sim Sim Sim Sim Não(?) Não(?) Sim Sim Sim
(v. 3.2)
China DEFS 1993 Sim Não Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim
Espanha NICCa 1989 Sim Não Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim
EUA SDTS 1992 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim
(In. 1980)
Finlândia JHS 111-119 1993 Sim Sim Sim Sim Sim S/N Não Sim Sim Sim
França EDIGEO 1992 Sim Sim Sim Sim Sim ? Não Sim Sim Sim
Holanda NEN 1878 1993 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Israel IEF’91 1992 Sim Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não(?) Sim
Japão SPDFDM 1988 Sim Não Não ? Sim Não Sim Sim Não Sim
Noruega SOSI 1994 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim
Reino Unido NTF 1992 Sim Sim Sim Não Sim Não Não Sim Sim Sim
(In. 1985)
Rússia DEMTS 1995 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim

Suíça INTERLIS 1991 Sim Sim Sim Sim Sim Não Não Sim Sim Sim

Trf – formato de transferência; Soft – Software para apoiar a implementação da norma; MD – Metadados; Lay – Aceita estrutura de layers; Qual – Modelo de qualidade;
C.C. – Catálogo de características; Smb – Simbologia gráfica; LPP – Contempla linhas, pontos e polígonos; Top – Contempla topologia; Att- Contempla atributos .
ANEXO 2
Normas internacionais para dados cartográficos

Organismo Designação Data Trf Soft MD Prod. Qual. C.C. Smb LPP Top Att
DGIWG DIGEST 1991 Sim Sim Sim Não Sim Sim Não Sim Sim Sim
CERCO ETDB (1991-...) S/N Não Sim Não Não Sim Sim Sim Sim Sim
IHO S-57 1985-96 Sim Sim Sim ? Sim Sim Sim Sim Sim Sim

Trf – formato de transferência; Soft – Software para apoiar a implementação da norma; MD – Metadados; Lay – Aceita estrutura de layers; Qual – Modelo de qualidade;
C.C. – Catálogo de características; Smb – Simbologia gráfica; LPP – Contempla linhas, pontos e polígonos; Top – Contempla topologia; Att- Contempla atributos .

Você também pode gostar