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CAPITULO 14 BIOENERGETICA € METABOLISMO oxIDATIVo | 565 Led CORRELAGAO CLINICA 14.6 Em 1993, uma mutac3o no citocromo b resultando em atividade diminuda do complexo citocromo be; foi encontrada em um homem de 25 anos de idade, que se apresentava com intolerancia a exercicio e fraqueza proximal. A mutagio substituia um resfduo de aspartato, no lugar de uma glicina conservada na posigao 200. Subseatientemente, demonstrou-se que outros pacientes cam sintomas semelhantes © atividade dimminufda do complexo be, tém mutagoes nas quais um glutamato substituiu uma glicina con- servada na posi¢éo 339, e uma serina substituiu uma glicina conservada na posigio 34, Mais recentemen- te, demonstrou-se que um paciente com severa ear- Giomiopatia hipertréficatinha uma mutagio na qual tum glutamato substituiu uma glicina conservada na posigao 166. As mutagGes de glicina para aspartato ou glutamato estavam localizadas no citocromo proximo ao sitio Qo para oxidagao de ubiquincl, en- quanto a mutagdo glicina para serina localizava-se préxima do stio Q, da redugio de ubiquinona. Todas @| Intolerancia a Exercicio em Pacientes com Mutacées no Citocromo b essas mutagdes envolvern uma transi¢ao de guanina para adenina no mtDNA, sugerindo que a mutagao podle ter resultado de dano oxidative. Além disso, em todas as mutagdes de sentido errado (missen- se), uma glicina conservada foi substituida por uma molécula carregada maior; isto alterou a estrutura do citocromo b, resultando em atividade catalitica diminuida do complexo bey. Mutacdes sem sentido (wonsense) resultando em citocromo b truncado mutagdes envolvendo delecdes de 4-24 pares de ba- ses do mtDNA foram identificadas. Estas mutagdes nonsense e por delecdes freqientemente levam a severa intolerdncia a exercicio, acidose léctica no es- tado de repouso e ocasionalmente mioglobintria. Era. contraste com a maioria das mutagSes no mtDNA, as, rmutagbes identificadas no gene do citocromo b nao so de heranca materna. Além disso, a maioria foi ex- pressa apenas em tecidos musculares, sugerindo que sejam mutagtes somsticas, que ocorreram durante diferenciacao de células troncos miogénicas, 5a RET Fonte: Andreu, A. L., etal. Exercise intolerance due to mutations in the cytochrome b gene of mitochondrial DNA. N. Bingl. J. Med. 241-1037, 1999. 14.10 | ESPECIES REATIVAS __DE OXIGENIO (ROS) Oxigénio é essencial para a vida. A maioria das oxida- goes intracelulares resulta em transferénela de dois elétrons para aceptores apropriados, como NAD" ou FAD, que sio entao oxidados pela cadeia de transporte de elétrons. A etapa final desta cadeia catalisada por citocromo ¢ oxidase, que liga fortemente O, ao centro binuclear, oncle redhucao passo a passo do Oy ocorre, sem liberagao de intermedisrios no processo de axida- 0 (ver Seco 146, p. 542). A esirutura eletrOnica do Os, entretanto, favorece sua reducao por adigao de um elétron de cada ver, levando 2 geragao de radicais de oxigénio que podem causar dano celular. Um radical € ‘uma molécula corn um elétron nao-pareado muito reati- yo em um orbital externo, que pode iniciar uma cadeia de reagoes por remocao de um elétron de outra molé- cula para completar seu proprio orbital. A transteréncia passo a passo de elétrons para Oy resulta em formacao de Anions super6xido (0;°, depots peréxido de hi- drogénio (H,0,), ¢ finalmente radieal hidroxila 1i- vre (OH*) (Figura 14.61) O radical hidroxila 6, sem davida, radical livre mais perigoso, uma vez que esta envolvido em reagdes como peroxidagio de lipideos e geracdo de outros radicais t0- xicos. Peréxido de hidrogénio nao é um radical livre, mas € convertido pelas reagoes de Fenton ou de Haber- Weiss no radical hidroxila, em presenca de Fe** ou de Gu’, que sao prevalentes em células (Figura 14.62). Producao de Espécies Reativas de Oxigénio Embora processos oxidativos em células geralmente resultem em transferéncia de elétrons para O» para for- mar Agua, sem liberacao de intermedirios, um peque- no mimero de radicais de oxigénio ¢ inevitavelmente formado devido a vazamento nas reagdes de transferén- cia de elétrons. A principal fonte intracelular de radi- cais de oxigénio € a cadeia de transporte de elétrons itocondirial, onde superoxido ¢ produzide por transfe- réncia de um elétron para O., a partir da semiquinona estavel produzidda durante a redugao de ubiquinona pe- los complexos I Il (Figura 14.63). Superdxido também pode ser produzidepor transferéncia de um elétron de lumma flavina, cam FMN. As espécies reativas de oxi- 566 | PARTE 4 VIA METABOLICAS E SEU CONTROLE oO: Ovigtio fe or Supereedo ee Hde Pexbido de hrogtrio ie Ho + [6 ecica Hirose fae 20 eva FIGURA 16.61 Etapas de um-elétron na reducéo do oxigénio, levando & formagzo das espécias raativas de oxiganio superoxido, eréxide de hidrogénioe radical hidrovila, espe deFenion rete thdop—> Fate OB OFF Resgio de Haoe-Wes ie OF +02 S—> 021108 FIGURA 14.52 ‘As reacoes de Fenton @ Haber-Weiss para formagSo de radicel hidroxila tox genio produzidas om mitocdndrias incluem superéxido, peréxido de hidrogénio c radical hidroxila. Bspé- cies téxicas de oxigénio também so produzidas em peroxissomos, nos quals dcidos graxos de cadeia longa € outros compostos sto oxicados por transferéncia de dois eléteons de FADH, para O2, com formagio de pe- FIGURA 14.63 Comalexo! Gerace de Snions superéxido pela NAOH ‘adela mitocondrial de transporte de ‘rte elétrons. Paes ‘Assemiquinona formada durante 2 redugao por dois-elétrons da ae Ubiquinona pelos centros ferro- ‘enxorre de ambos os complexos Tell pode wansferir um elecron para oxigénio para formar o anion Superdxide. Em contraste, o centro binuclear da citocrome c oxidase impede a liberacao de intermedia na redusdo de oxigenio, cons FAD Fes ~) Fumseato Complexot 1réxido de hidrogénio, que é rapidamente convertido em radical hidroxila (Figura 14.63), O sistema citocromo 450, localizaco no reticulo endoplasmstieo, também pode produzir radicais cle oxigénio, Radicais de oxigénio também so produzicos em cor tas oSlulas durante inflamacao, devido a infeegio bac- terlana, Para combater infecqdes microbianas, fagéeltos produzem radicais téxieos de oxigénio em um processo conhecido como explosao respiratéria. Os fagécitos (Fi- gura 14.64) entao matam as bactétias endocitadas. Em ‘uma infeceao aguda, produgio de radicais de oxigénio e morte de bactérias sa0 processos eficientes; entretanto, em infecgdes prolongadas, fagdeltos tendem a mnorrer, liberando radicais de oxigénio toxicos, que afetarn as células vizinhas, Radiagao césmica, ingestdo de compostos quimicos drogas, bem como fumo, podem levar a formagao de espécies reativas de oxigénio, Lesies causadas por es- pécies reativas de oxigénio freaiientemente ocorrem durante perfusio de teeidos com solucdes contendo altas concentracses de Os, como acontece em pacien= tes que sofreram um episédio isquémico no qual niveis localizados de O, esto reduzidos devido a um bloqueio de uma artéria e, depois, passaram por procedimentos ‘tromboliticos ou outros para remover o bloqueio (ver Corr, Clin, 14.7). Dano Causado por Espécies Reativas de Oxigénio Espécies reativas de oxigénio causam danas a todas as classes prineipais de macromoléculas das células, Os fosfolipideos de membranas plasmatica e de organelas, esto sujeltos a peroxidaeao de lipideos, uma reagao ‘em cadeia de radical livre iniciada por remogao de hi- drogénio de um dcido graxo poliinsaturado por radical idroxila. Os radicais lipidicos resultantes reagem, en- ‘ao, com Os, formando lipideos perdxi-radicais e peré- xidos de lipideos, juntamente com malondisldefdo, que 6 solivel em agua e pode ser detectado no sangue. 0. Comelexo I Complexe va 402 Ctocremo 8 Checromo 2 Gtecrmo.e, > Clase 2 > Cision a Protein Fes lens cu Ho CAPITULO 14 BIOENERGETICA E METABOLISMO OxiDaTIVo [| 567 CORRELAGAO CLINICA 14.7 Lesdo por Isquemia/Reperfusao. A ochusio de uma artéria coronéria importante du- rante infarto do mioc4rdio resulta em isquemiz, ou suprimento diminufdo de oxigénio. Conseqiiente- ‘mente, a cadeia mitoconstrial de transporte de trans- porte de elétrons ¢ inibida, com um concomitante Aeclinio nos nivels intracelulares de ATP e creatina fosfato, A medida que os niveis celulares de ATP diminuem, glicdlise anaerdbica € ativada, numa tentativa de manter as fungées eelulares normais. Os niveis de glicogénio sao rapidamente depletados © 0s niveis de Acido lactico no citosol aumentam, baixando o pH intracelular. Apesar das conseqiién- cias diretas da isquemia, 0 dano aos tecidos afeta- dos parece ser ainda mais severo quando oxigénio é reintroduaido (ou reperfundido) e radicais de oxigénio, ineluindo superéxido (0,"), peréxido de hidrogénio e radical hidroxila (OH) séo formados. Umestudo recente observou a formacao de radicals de oxigénio incluindo peroxinitrito (ONOO") pro- duzido a partir de xido nitrico (NO) e superéxido durante reperfusio aguda de coragio isquémico. Demonstrou-se que peroxinitrito contribui para a baixa recuperacao da fungao mecanica de coragoes isquémicos, enquanto antioxidantes como glutatio- na, que remover o radical peroxinitrit, protegem contra o dano a fungio mecéinica. Reperfusio do coragao isquémico pode levar a ativagao de leucé- citos, que s4o mediadores do processo inflamatério ¢ levam a maior lesto tecidual Isquernia/reperfusao do miocardio representa um problema clinico associado com trombilise, angio- plasta ¢ cirurgia para coloeagio de pontes corond- Fins, Lesbes no mivedrdio devido a isquemiairepertu- so inchuem disfungao contrtil cardiaca, arritmias fe dano irreversivel aos miscitos. Isquemia também pode surgir durante cirurgia, especialmente duran- te transplante de tecidos. O papel postulado de ra- dicais de oxigénio na les por isquernia/reperfusao 6 enfatizado pelas observagoes de que antioxidantes, ‘protegem contra a les&o por reperfusao do tecido is- ‘quémico, Atvalmence, investigagao ativa de métodos para proteger contra lessee de reperfusao vem sendo realizada em modelos animais. 0 uso aumentado de procedimentos invasivos em clinica médica indica a importancia do desenvolvimento de métodos para proteger contra lesdo por isaueria/tenerfusto Fonte: Cheung, P. ¥., Wang, W. ¢ Schulz, R. Glutathione protects against myocardial ischemia-reperfusion injury by detoxifying peroxynitrite. J Mol, Cell, Cardiol. 32:1669, 2000. feito de peroxidacao de lipfdeos no homem ¢ exernpli- fieado pelas manchas escuras comumtente observadas rnas maos de idosos. ‘Bssas manchas “tla idade” contém o pigmento lipo- fuseina, que 6 provavelmente uma mistura de liptdeos unidos por ligagbes cruzadas e produtos de peroxida- ‘Gio de lipideos, que se acummulam ao longo de toda uma vida. Uma conseguéncia significativa da peroxidacao de lipideos € permeabilidade de membranas aumenta- a, levando a um influxo de Ca" e de outros fons, com ssubseqiiente inchamento da célula, Aumentos similares de permeabilidade de membranas de organelas podem resultar em ma distribuiggo de fons e causar dano in- tracelular. Por exempio, aetimulo de quantidades ex- cessivas de Ca em mitocéndrias pode desencacear apaptose Prolina, histidina, arginina, cisteina ¢ smetionina so susceptiveis a ataque por radicais hidroxila, com subseqiiente fragmentacio de proteinas, ligacies cru- zadas ¢ agregacao, Proteins danificadas por radicals de oxigénio podem ser alvos de digestao por proteases intracelulares. A conseqiiéncia mais importante dos radicais de oxi- @nio € dano ao DNA maitocondrial e nuclear, resultando fem mutagies. A ligagao nao-especifica de fon ferroso (Fe) ao DNA pode resultar em formaczo localizada de radicais hidroxila, que atacam bases individuais ¢ causa quebras de fitas. DNA mitocondrial é mais sus- ceptivel a dano, uma vez que a cadeia de transporte de elétrons ¢ uma fonte importante de radicais téxicos de oxigénio. DNA nuclear esta protegido de dano perma- nente por uma capa protetora de histonas, bem camo por mecanismos ativas ¢ eficientes de reparo do DNA. Dano ao mtDNA geralmente resulta em mutagdes que afetamn produgao de energia. Os sintomas em individa- os afetados sto manifestados em processos que reque- rem energia, como contragao muscular. Um exemplo das conseqiiéncias de uma mutagao somética no gene itocondrial do citocromo b que pode ter sido causada por radicais de oxigénio ¢ apresentado na Correlacao Clinica 147, Defesas Celulares Contra Espécies Reativas de Oxigénio Células que vivem em um ambiente aerdbico desenvol- ‘verain miltiplas formas para remover espécies reativas de oxigénio e,assim, se protegem contra seus efeitos deletérios. Mamiferos tem trés isoenzimas diferentes 568 | PARTE 4 ViA METABOLICAS & SEU CONTROLE FIGURA 14.64 Explosdo respiratéria em fagécitos ‘Uma cada de transferéncia de elétrons envolvendo um itocromo b singular transtere eldtrons de NADPH para ‘oxigénio, com formacto de anion superOxido. Superdxido Econvertido em radical hidroxila, que mats batteries subsequentemente endocitadas por fagacitos, da superéxido dismutase, que catalisa conversio de super6xido em perdxido de hidrogénio (Figura 14.65). ‘A forma citosélica da superséxid dismutase contém, Cu/Zn no seu sitio ativo, assim como a eneita extra- celular; entretanto, a enaima mitocondrial contém Mn no seu sitio ativo. Perdxiclo de hidrogénio é removido pela catalase, uma enzima contendo heme presente fem concentragdes muito altas em peroxissomas e, em menor quantidade, em mitoc6ndrias e citosol, Glutationa peroxidase catalisa a reducao de pe- rOxido de hidrogénio e de perdxidos de lipideos (Figura 14.66). Esta enzima contendo selénio usa os grupos sul- fidrila da glutationa (GSH) como doador de hidrogénio | BIBLIOGRAFIA | remas de Producio e de Utilizacéo de Energia Hanson, R. W. The Tole of ATP in metabolism. Biochem. Educ. 17:86, 1989. Fontes e Destinos da Acetil-Coenzima A Harris, R.A., Bowker Kinley, M. 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Cherm, 277:30408, 2002. oe ao fresno hos oo 7 pre ‘cls 7 ‘somuase FIGURA 14.65 Superoxido dismutase e catalase protegem células por ‘emoverem superéxido e perdxide de hidrogénio, ‘austin poroiase toa 2osk tse NADPH» He uustona FicuRa 14.66 lutationa peroxidase remove peréxido de hidragénio, bem camo perdxidos de lipideos, Elétrons séo transferids para persxide de hidrogénio dos grupos sulfirila da glutationa reduzida (GSH), para formar qua e alutations oxdada (6586). Glutationa redutase entdo reduz G386 a GSH, com NADPH como agente redutor, com formagao da forma oxidada ou dissulfeto da gluta- tiona (GSSG). Glutationa redutase converte a forma. dissulfeto de volta na forma sulfidrila, usando NADPH produzico na via das pentoses fosfatos como doador de elétrons. Protegao contra espécies reativas de oxignio também pode ser obtida por ingestio de agentes que re mover oxigenio (oxygen scavengers), como vitamina Cee B-caroteno. Estrutur condriais Scheffer, LE, Mitochondria, New York: Wiley-Liss, 1998. Compartimentalizacao das Membranes Mito- ‘Transporte de Elétrons Hunte, C, Pasldottir, H. e Trumpower, B, L. Protonmotive pa- thiveys and mechanisms in the evtachrome be, complex. FEBS Lett. 545130, 2008. Iwata, ML, Bjorkman, J. e Iwata, S. Conformational change of the Rieske [2Fe25) protein in cytochrome be, camplex. J Bioenerg. Biomembr, 1:180, 1009, Mills, D. A. © Ferguson-Miller, S. Understanding the me- chanism of proton movement liked to axygen reduction in eytochrome ¢ oxidase: Lessons from other proteins FEBS Leit. 45:47, 2003. Richter, OM, He Ludwig, B. Cytochrome oxidase - structure, ‘unction, and physiology ofa redox driven molecular machi. ne. Ret. Physiol. Biochem. Pharmaacol. M47, 2003, Xia, Det al, Crystal structure of the eytochrome bc, complex rom bovine heart mitochondria, Science 277:60, 1097. Yagi, T. e Maisuno-Yagl, A. 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