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Marcos 6.

30-34
Auxilio Homilético
24/07/1994
Prédica: Marcos 6.30-34
Leituras: Jeremias 23.1-6 e Efésios 2.13-22
Autor: Claudete Beise Ulrich e Carlos Luiz Ulrich
Data Litúrgica: 9º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 24/07/1994
Proclamar Libertação - Volume: XIX

Dedicamos este texto a todos e todas que se empenham pelo Sacerdócio Geral de Todos os Crentes,
que lutam para responder com suas vidas, palavras, atitudes e serviço ao que significa ser
discípulo/discípula de Jesus. Que confessam como Pedro: Tu és o Cristo (Mc 8.29), respondendo
assim à pergunta fundamental do Evangelho de Marcos: Mas vós, quem dizeis que eu sou? (Mc 8.29.)
1. Partindo do núcleo do Evangelho
O Evangelho de Marcos é muito mais um relato do que um discurso. O relato conta uma prática
(Clévenot, p. 82).
No início do livro de Marcos, lemos Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.
Evangelho significa Boa Notícia. O evangelista quer dar testemunho e interpretar autenticamente
Jesus de Nazaré, crucificado, morto e ressuscitado. Marcos mostra, claramente, a prática de Jesus.
Prática histórica, que passou pela cruz.
A questão central em Marcos é a pergunta: Quem é Jesus? Essa pergunta move lodo o Evangelho. A
pergunta central se encontra em Mc 8.27ss. Ela é tão importante quanto a confissão de Pedro (Mc
8.29): Tu és Cristo. Porém, a pergunta Quem é Jesus? está intimamente relacionada com a questão
Quem é o verdadeiro discípulo de Jesus?. Jesus não nega que ele é o Cristo; no entanto, proíbe aos
discípulos que o digam a alguém (Mc 8.30). É o segredo messiânico.
Marcos 8.27-29 indica quem era Jesus para os discípulos. Em Mc 8.31, o próprio Jesus nos diz quem
ele é: Então começou ele a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem sofresse muitas
cousas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que
depois de três dias ressuscitasse. O mesmo Pedro que acabava de confessar Tu és Cristo não consegue
aceitar e compreender essa característica essencial da pessoa de Jesus... Mas Pedro, chamando-o à
parte, começou a reprová-lo (8.32b). Jesus, porém, voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu
Pedro e disse: Arreda, Satanás, porque não cogitas das cousas de Deus e sim das dos homens (Mc
8.33).
A incompreensão dos discípulos se mostra ao longo do Evangelho. Segundo Marcos, somente quem
está disposto a seguir Jesus no caminho da cruz está em condições do compreender a sua mensagem,
conforme Mc 8.34-35. Esse caminho implica uma determinada maneira de viver e não só uma
compreensão intelectual da mensagem de Jesus. Esse caminho também é o do serviço... Se alguém
quer ser o primeiro, será o último e servo de todos (Mc 9.35). Em Marcos encontramos também o
núcleo da teologia luterana: o seguimento a Jesus passa pela cruz (teologia da cruz). A ressurreição
passa pela cruz. Xavier Alegre também diz que Marcos apresenta uma visão de Jesus que se contrapõe
totalmente a uma visão triunfalista de sua figura, como a que frequentemente encontramos nas
esperanças messiânicas da época de Jesus (pp. 20-21).
Após essas rápidas pinceladas sobre o núcleo do Evangelho, vamos ao texto de Marcos 6.30-34.
2. A volta dos apóstolos
O texto de Marcos 6.30-34 encontra-se dentro do contexto da missão dos doze. Jesus chama os doze
(Mc 3.13-19) e passa a enviá-los de dois a dois (Mc 6.7), faz recomendações sobre o modo de vestir,
agir e comportar-se (Mc 6.8-11). Então, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse; expeliam
muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo (Mc 6.12-13).
Marcos 6.30 nos conta que os apóstolos voltaram à presença de Jesus, depois da sua primeira atividade
missionária. O termo apóstolos, derivado do verbo apostellein, enviar (6.7), denota o envio e a
atividade dos doze (6.12). Os apóstolos têm aqui o sentido de os enviados. Os apóstolos contam a
Jesus tudo o que tinham feito e ensinado. Aqui são muito importantes os verbos feito e ensinado. O
fazer está ligado com o ensino. O ensino está ligado com o fazer.
Jesus se mostra muito sensível e atencioso para com os apóstolos. Ele lhes diz: Vinde repousar um
pouco, à parte, num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem
numerosos os que iam e vinham (Mc 6.31). É muito natural a necessidade que os apóstolos têm de
compartilhar com Jesus a sua primeira experiência missionária. Necessidade de ficarem sozinhos...
compartilhar e avaliar o que aconteceu... o que fizeram... o que ensinaram... Jesus toma a iniciativa.
Ele convida: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto. A atitude de Jesus é pastoral. É
poimênica. É pedagógica.
Será que isso não falta a nós? Afastar-se da agitação! Ficar junto com os/as companheiros/as de
caminhada. Compartilhar e avaliar o ensino e os trabalhos/ serviços realizados... O método de
trabalhar e ensinar. Sentimos que nós fazemos isso pouco, aqui em Cunha Porã. Enviamos muitas
pessoas para cursos e atividades. A Igreja tem, aqui, muitas pessoas aluando nos mais diversos
trabalhos. No entanto, é pouco o tempo que temos para assimilar em conjunto o jeito de realizar esses
trabalhos. É preciso acompanhar muito mais as pessoas, para que o Sacerdócio Geral de Todos
Crentes se torne mais efetivo e real. É necessário ter a sensibilidade de Jesus. A volta é importante.
Não só o envio.
Também nós, pastor e pastora, com outros/outras colegas, devido à diversida¬de das muitas
atividades, sofremos com a falta de tempo para nós... a intimidade... o recolhimento pessoal para a
assimilação do trabalho e aprofundamento da prática. Jesus também nos convida para repousarmos e
nos afastarmos da agitação.
O texto conta que os apóstolos foram sós no barco para um lugar solitário (Mc 6.32). Desde 3.9,
quando Jesus se sente muito apertado pela multidão, ele usa o barco numa espécie de vaivém de uma
margem para outra no lago de Tiberíades. O começo e o fim desses vaivéns estão bem marcados.
Inicia em 3.7, quando as multidões chegam de todos os lugares (Judéia, Transjordânia, Fenícia), e
termina em 8.29, quando Pedro diz a Jesus: Tu és o Cristo. Ao longo dessas travessias de barco, os
doze descobrem pouco a pouco o fio condutor da prática de Jesus, à qual eles assistem e da qual
participam. a partir de 9.30 aparece uma outra figura: o caminho (Clévenot, pp. 107-109).
No entanto, dá para perceber pelo texto que essa margem não era muito distante. Muitos, porém, os
viram partir e, reconhecendo-os, correram para lá, a pé, de todas as cidades, e chegaram antes deles
(6.33). As pessoas correm a pé para se encontrar com Jesus. São pessoas de todas as cidades. Mc 3.7-
8 nos diz: Seguia-o da Galileia uma grande multidão. Também da Judéia, de Jerusalém, da Indumeia,
dalém do Jordão e dos arredores de Tiro e de Sidom uma grande multidão, sabendo quantas cousas
Jesus fazia, veio ter com ele. A multidão são as pessoas que vêm de todos os lugares, pois são atraídas
pela pregação e pelos ensinamentos de Jesus.
Quando Jesus desembarca, ele vê uma grande multidão (Mc 6.34). Jesus não inunda as pessoas
embora porque quer ficar sozinho com os discípulos. Ele se compadece das pessoas da multidão.
Jesus sente a situação da multidão. Ela está como que perdida, sem rumo e direção. A multidão é
como ovelhas que não têm pastor. Lembramos, aqui, o texto de Jeremias 23.1-6, onde o profeta lança
a denúncia contra os pastores que dispersaram, afugentaram e não cuidaram das suas ovelhas: Mas
eu cuidarei em vos castigar a maldade das vossas ações, diz o Senhor (Jr 23.2). E anuncia: Levantarei
sobre elas pastores que apascentam, e elas jamais temerão, nem se espantarão; nem uma delas faltará,
diz o Senhor... rei que é, reinará c agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra... será
chamado: Senhor Justiça Nossa (Jr 23.4-6). Essa promessa se cumpre em Jesus.
Jesus sente compaixão da multidão, porque era como ovelhas que não têm pastor. No AT, temos
muitas passagens que falam que Deus é pastor do seu povo (Sl 23.1, 78.52, Mq 7.14, Zc 10.3 por
exemplo). O povo é o rebanho de Deus (Sl 79.13, 95.7, Jr 13.17, por exemplo). Essa comparação
recorda os primórdios da história do povo de Israel, povo de pastores nómades.
No NT, Jesus é o bom pastor (Jo 10.1-16). Ele veio para reunir, conduzir, guardar e defender (Mt
15.24, Jo 10.4, Lc 12.32, por exemplo), levar à pastagem da salvação (Mt 2.6, Jo 10.9, Ap 7.17) para
julgar, isto é, purificar e distinguir dos outros rebanhos (Mt 25.31-46, l Pe 5.4). Ter Jesus como pastor
é ter a paz, o repouso (Mt 9.36) e a vida abundante (Jo 10.10).
Jesus é sensível, humano... sente compaixão pela multidão... e passa a ensinar-lhe muitas cousas.
Jesus reúne a multidão através do seu ensinamento. Marcos não especifica em que consistia esse
ensinamento. E por quê? Uma frase talvez o esclareça: 'Muita gente, tendo ouvido as coisas que fazia
(Jesus), veio ter com ele' (3.8); o que atrai as multidões não é o ensinamento sob forma de 'discurso',
mas sim o relato, propagado por mil vozes, daquilo que Jesus faz, da sua prática (Clévenot, p. 82).
Os apóstolos são aquele grupo que está mais próximo de Jesus. A multidão, porém, é como ovelhas
que não têm pastor. Naquele momento, portanto, a multidão tem maior necessidade do que os
apóstolos.
Logo após, o ensino é praticado na multiplicação dos pães. Jesus organiza a multidão em grupos, e o
pão e os peixes são repartidos (Mc 6.35-44). Também nessa perícope encontramos a incompreensão
dos discípulos (6.36-37).
3. Lições de Marcos 6.30-.14
Em nosso texto, o ensino é o ponto central. A perícope inicia contando a volta dos apóstolos, que
relatam para Jesus tudo quanto haviam feito e ensinado. O texto encerra com Jesus ensinando muitas
coisas à multidão. Esse ensino não é uma simples teoria, mas ensino que se torna prática na vida.
Existe uma coerência entre ensino e prática. Jesus também tem o seu método de ensinar e fazer... por
isso envia os apóstolos... organiza a multidão... reparte o pão... Não é só Jesus que ensina e faz, mas
também aqueles/aquelas que o cercam devem ensinar, viver e guardar tudo aquilo que ele ensinou e
fez. Os discípulos e discípulas são realmente dignos de serem chamados de discípulos/discípulas
quando ensinam e vivem na prática/na vida os ensinamentos de Jesus.
Ao mesmo tempo, o texto nos mostra que o contato com as pessoas é n nulo importante. Não é
possível ensinar sem viver junto com as pessoas, sem ter contato com as pessoas. Jesus estava
próximo dos doze, mas também era cercado por outros grupos, entre esses a multidão.
Ser sensível às necessidades é outra lição. Jesus é atencioso, sensível à volta dos apóstolos. Mas
também vê a situação da multidão... São como ovelhas que não têm pastor. Jesus se compadece. O
grupo íntimo de Jesus não é exclusivista (só para si). Há necessidade de ficar sozinho, para repousar.
Porém a multidão se apresenta mais necessitada para Jesus. Os olhos de Jesus ajudam os apóstolos
também a se voltarem para fora... verem a situação da multidão.
4. Dicas para a pregação
1. Pedir para pessoas da comunidade contarem sobre sua prática missionária (de preferência pessoas
que foram incumbidas de uma tarefa e receberam formação para desempenhá-la, por exemplo, líderes
dos grupos de pessoas enlutadas, orientador/a do Culto Infantil, leitor/leitora, pessoas portadoras de
deficiência, menores de rua, mulheres agricultoras...)
2. Encenação do texto de Mc 6.30-44, lembrando também o texto de Mc 6.7-13. Dando a ênfase à
alegria da volta dos apóstolos (contaram tudo quanto tinham feito e ensinado). Jesus quer conceder
um momento de repouso. A compaixão de Jesus pela multidão... ovelhas que não têm pastor.
3. Enfatizar o ensino de Jesus... Coerência entre ensino e prática. Jesus volta-se para os discípulos,
mas também se volta para a multidão. A comunidade deve fortalecer-se a si, mas também deve estar
voltada para fora.
5. Celebração
A celebração desse culto deveria contar com a participação de muitas pessoas da comunidade e ser
preparada com antecedência por um grupo litúrgico.
As leituras indicadas de Jeremias 23.1-6 e Efésios 2.13-22 são muito importantes para a compreensão
de Marcos 6.30-44. Sugerimos que essas leituras sejam leitas com um breve comentário sobre cada
uma. Isso ajuda na assimilação da leitura bíblica.
Sugerimos que, na oração de confissão de pecados, o grupo litúrgico colete entre a comunidade as
situações de pecados existentes. Na oração da coleta, pessoas da comunidade poderiam trazer um
símbolo, representando alegrias e tristezas da vida, do trabalho, da família, da Igreja, da sociedade...
O Credo e o Pai-Nosso poderiam ser orados de mãos dadas, simbolizando o compromisso de fé e de
amor ao próximo.
Deveria ficar claro, no todo da celebração, a importância da coerência entre ensino e prática... o que
realmente significa ser discípulo/discípula de Jesus? Seguir Jesus significa também segui-lo na cruz.
6. Bibliografia
ALEGRE, Xavier. Marcos ou a Correção de uma Ideologia Triunfalista. In: Centro de Estudos
Bíblico, N° 8, Belo Horizonte, 1988 (Artigo publicado na REVISTA LATINO-AMERICANA
DE TEOLOGIA, tradução do Centro de Estudos Bíblicos).
CLÉVENOT, Michel. Enfoques Materialistas da Bíblia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 71-
151 (Tradução Paulo Ramos Filho).
LANCELLOTTI, Battaglia Uricchio. Comentário ao Evangelho de São Marcos. Petrópolis, Vozes,
1978.

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