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Isaura Monica Souza Zanardini


Paulino José Orso
(Organizadores)

ESTADO, EDUCAÇÃO
E SOCIEDADE CAPITALISTA

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Programa de Pós-Graduação em Educação
Mestrado em Educação - PPGE
Pró-Reitoria de Pesquisa Pós-Graduação em Educação
Universidade Estadual do Oeste do Paraná

EDUNIOESTE
CASCAVEL - PR
2008

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


© 2008, dos autores

Capa:
Ana Paula Silva

Diagramação e Arte Final da Capa:


Antonio da Silva Junior

Catalogação:
Marilene de Fátima Donadel - CRB 9/924
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Estado, Educação e Sociedade Capitalista / organização de


Isaura Monica Souza Zanardini, Paulino José Orso. —
Cascavel : Edunioeste, 2008.
249 p. — (Coleção Sociedade, Estado e Educação ; n. 2)

Vários autores

ISBN: 978-85-7644-176-2

1. Educação - Estudo e ensino (Pós-graduação) - Brasil 2.


Pesquisa educacional 3. Educação e Estado - Brasil 4. Ensino
superior - Aspecto político - Brasil 5. Reforma do Estado 6.
Política e educação - Brasil I. Zanardini, Isaura Monica Souza,
Org. II. Orso, Paulino José, Org.

CDD 20. ed. 379.81


378.81
370.78

Impressão e Acabamento
Editora e Gráfica Universitária - Edunioeste
Rua Universitária, 1619 - E-mail: editora@unioeste.br
Fone (45) 3220-3085 - Fax (45) 3324-4590
CEP 85819-110 - Cascavel-PR - Caixa Postal 701

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


Isaura Monica Souza Zanardini
Paulino José Orso
(Organizadores)

Coleção Sociedade, Estado e Educação


ESTADO, EDUCAÇÃO
E SOCIEDADE CAPITALISTA

COLEÇÃO SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO


(VOLUME 2)

Programa de Pós-Graduação em Educação


Mestrado em Educação - PPGE
Pró-Reitoria de Pesquisa Pós-Graduação em Educação
Universidade Estadual do Oeste do Paraná

EDUNIOESTE
CASCAVEL - PR
2008

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


UNIVERSIDADE ESTADU
ESTADUAL DO OESTE DO P
ADUAL ARANÁ - UNIOESTE
PARANÁ

REITOR
Alcibiades Luiz Orlando

VICE-REITOR
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PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO


Geysler Rogis Flor Bertolini
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO
Eurides Küster Macedo Júnior
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO
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PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


Fabiana Scarparo Naufel

CONSELHO EDITORIAL
Alfredo Aparecido Batista
Ana Alix Mendes de Almeida Oliveira
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Clarice Aoki Osaku
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Fabiana Scarparo Naufel
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José Carlos dos Santos
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Miguel Ângelo Lazzaretti
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Paulo Cezar Konzen
Reinaldo Aparecido Bariccatti
Renata Camacho Bezerra
Rosana Katia Nazzari
Silvio César Sampaio
Udo Strassburg
Wilson João Zonin

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


SUMÁRIO

Apresentação ......................................................................... 7

Para um exame das relações históricas entre capitalismo


e escola no Brasil: algumas considerações
teórico-metodológicas ............................................................ 11
Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier

Liberalismo educacional: o receituário de Milton Friedman ...... 25


Roberto Antonio Deitos

Trazendo o Estado de volta para a teoria:


o debate Miliband-Poulantzas revisitado ................................. 39

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Alvaro Bianchi

A evolução do Estado burguês no Brasil:


a leitura de Décio Saes ........................................................... 57
Francis Mary Guimarães Nogueira

A reforma do Estado brasileiro no contexto


da globalização e da pós-modernidade .................................... 65
Isaura Monica Souza Zanardini

A reforma do Estado e a descentralização na área da educação..79


Ireni Marilene Zago Figueiredo

Políticas sociais e Estado burguês no Brasil ............................ 95


Celso Hotz

Educação superior e sociedade:


a mediação do Estado a serviço do mercado ........................... 113
Claudio Afonso Peres

O ensino, a pesquisa e a extensão na Universidade ................ 135


Paulino José Orso

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


CAPES, LATTES, QUALIS: o homo academicus
entre aforismos e desaforismos ............................................. 145
João Virgilio Tagliavini

A criação e formação na universidade bolivariana


e o processo político na Venezuela ......................................... 165
Maria Lucia Frizon Rizzotto

O partido político, seus parâmetros e seus


círculos de participação .......................................................... 177
Gilmar Henrique da Conceição
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Partido político e democracia burguesa: alguns


contrapontos entre a escola marxista e a escola weberiana ..... 209
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Mário de Jesus Barboza e Gilmar Henrique da Conceição

A escola de Estado na perspectiva marxista ............................ 231


Amarilio Ferreira Junior e Marisa Bittar

SOBRE OS AUTORES ............................................................ 245

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


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APRESENTAÇÃO

A sociedade é constituída por meio de relações que são marcadas


pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas que sintetizam
o acúmulo de conhecimentos, tecnologias e relações de forças de cada
momento. Desse modo, o Estado e a educação, sua forma, seu
conteúdo e sua qualidade, decorrem das lutas travadas entre indivíduos,
grupos e classes sociais. Isto significa dizer que, se a sociedade é
dinâmica, o Estado e a educação também o são e, em função disso,
configuram-se de forma diferente em cada contexto histórico. Portanto,
para compreendê-los, precisamos situá-los como expressão do
movimento da sociedade, fugindo das concepções abstratas e a-
históricas.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Tendo essas relações como pressuposto, este novo volume da
“Coleção Estado, Sociedade e Educação” — como sugere seu título:
Estado, Educação e Sociedade Capitalista — apresenta alguns resultados
de estudos que vêm sendo desenvolvidos pelo corpo docente e discente
do Programa de Pós-Graduação em Educação do Curso de Mestrado
em Educação, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus
de Cascavel.
Particularmente, este segundo volume, além de artigos de
docentes e discentes do Programa, também reúne artigos de professores
de outros programas de pós-graduação, que em suas pesquisas tratam
de temáticas ligadas à relação entre capitalismo, Estado e educação,
reforma do Estado e políticas para o ensino superior.
O primeiro artigo intitulado “Para um exame das relações
históricas entre capitalismo e escola no Brasil: algumas considerações
teórico-metodológicas”, de autoria de Maria Elizabete Sampaio Prado
Xavier, Professora Livre-Docente da Unicamp, foi publicado pela primeira
vez em 1993, nos Cadernos da Escola Pública. O artigo é publicado
novamente em função da pertinência do tema, que apresenta as
tendências que se colocam no campo da historiografia educacional
brasileira e, deste modo, procura discutir as relações entre capitalismo
e escola na sociedade brasileira.
No segundo artigo, “Liberalismo educacional: o receituário de
Milton Friedman”, Roberto Antonio Deitos, professor do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UNIOESTE, analisa o liberalismo
educacional expresso na obra Capitalismo e Liberdade de Milton
Friedman e, particularmente, chama atenção sobre algumas das

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


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proposições desse teórico a respeito do papel do governo na educação.


Nesse artigo, o autor expõe suas reflexões sobre o receituário de
Friedman e suas propostas educacionais para os diversos níveis de
ensino, bem como apresenta os argumentos políticos e ideológicos
que são arrolados para a política educacional brasileira.
No artigo, “Trazendo o Estado de volta para a teoria: o debate
Miliband-Poulantzas revisitado”, Álvaro Bianchi, professor da Unicamp,
mostra o debate entre os teóricos Ralph Miliband e Nicos Poulanztas
travado sobre a teoria do Estado apresentado na revista New Left
Review, entre os anos de 1969 e 1976. Por meio desse debate, o autor
discute os desafios de uma teoria marxista do Estado e da política.
Segundo ele, a retomada de discussão permitiria uma reformulação
das questões que nortearam a discussão e a redefinição de uma agenda
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

para a pesquisa marxista do Estado e da política.


Francis Mary Guimarães Nogueira, Professora do Programa
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

de Pós-Gradução em Educação da Unioeste, trata da posição teórica


de Décio Azevedo Marques de Saes sobre a Evolução do Estado
Brasileiro no artigo “A evolução do estado burguês no Brasil: a leitura
de Décio Saes”. A autora analisa a posição de Décio Saes particularmente
a partir do artigo A Evolução do Estado Brasileiro (uma interpretação
marxista), publicado na obra “República do Capital: capitalismo e
processo político no Brasil”. Seu objetivo é apresentar reflexões e,
deste modo, contribuir com a discussão sobre uma temática da ciência
política, da economia e da sociologia que, segundo a autora, é
pertinente para a análise das políticas sociais e, particularmente, para
as políticas educacionais.
A professora do Programa de Pós-Graduação em Educação,
Isaura Monica Souza Zanardini em seu artigo “A Reforma do Estado
no contexto da globalização e da pós-modernidade”, que é resultado
de sua tese de doutorado, trata da reforma do Estado brasileiro como
condição para assegurar sua correspondência à formação social
capitalista e, desse modo, produzir as condições necessárias para a
reprodução das relações de produção. Neste artigo, Zanardini analisa
a Reforma do Estado a partir do Plano Diretor da Reforma do Estado
publicado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado
(MARE) em 1995.
A professora do Programa, Ireni Marilene Zago Figueiredo,
também apresenta resultados de sua tese de doutorado no artigo “A
reforma do Estado e a descentralização na área da educação”, onde
demonstra como os projetos financiados pelo Banco Mundial para a
Educação Básica, de modo particular, para o Ensino Fundamental
contribuíram para o processo de reforma e modernização do Estado e

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


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de suas instituições públicas. A autora evidencia que a ênfase na reforma


do financiamento e da administração das instituições educacionais
articulada à reforma do Estado, tem como uma das estratégias a
descentralização.
No artigo “Políticas Sociais e Estado burguês no Brasil”, o
mestrando Celso Hotz, analisa a incorporação e a alteração das funções
pelo Estado burguês, na passagem do capitalismo concorrencial ao
monopolista, a partir de tensões e conflitos das classes sociais existentes
e das frações que as compõem e do movimento global do capitalismo
controlado pelo seu núcleo hegemônico. O autor chama atenção para
a implementação de políticas sociais cada vez mais focalizadas, tendo
a educação como estratégia ideológica pautada na eqüidade, na justiça
social e no alívio da pobreza, principalmente nos países periféricos.
Cláudio Afonso Peres, também mestrando do Programa, em
seu artigo “Educação Superior e sociedade: a mediação do Estado a
serviço do mercado”, preocupa-se com a identificação das relações de

Coleção Sociedade, Estado e Educação


mediação do Estado com a educação superior e com a sociedade, com
ênfase nas questões econômicas que norteiam as políticas educacionais
e atendem aos interesses do mercado. Ao analisar as mediações do
Estado frente ao Ensino Superior, Peres procura identificar como esta
instituição atua nos momentos de crise para estabelecer as mediações
necessárias em cada momento, visando à manutenção das relações
capitalistas de produção.
No artigo, “Ensino, pesquisa e extensão na Universidade”, o
professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unioeste,
Paulino José Orso, realiza uma discussão em torno do tripé que sustenta
a universidade - ensino, pesquisa e extensão - e evidência que, para
compreender sua qualidade, suas condições, bem como seus desafios,
faz-se necessário trazer presente a organização social, sua forma de
organização e a produção da vida material.
O professor da Universidade de São Carlos, João Virgilio
Tagliavini no artigo “CAPES, LATTES, QUALIS: o homo academicus entre
aforismos e desaforismos” discute a necessidade de realização constante
da avaliação do ensino superior, principalmente interna, porém sem
desconsiderar as relações mais gerais, em especial nas instituições
públicas, em razão dos princípios constitucionais da publicidade,
transparência e controle dos gastos públicos pela população. Mas, o
autor também trata das repercussões dos chamados “indicadores”
de avaliação sobre a academia e discute sobre o chamado produtivismo
quantitativista e suas implicações sobre a hierarquia no interior da
academia.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


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A Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unioeste, Maria Lucia Frizon, no artigo “O Projeto Revolucionário e a
criação da Universidade Bolivariana da Venezuela” trata dos aspectos
históricos e conjunturais que ajudam a compreender a emergência do
projeto revolucionário bolivariano e identificar as razões que levaram à
criação dessa universidade como uma alternativa de formação em nível
superior.
No artigo “As tipologias de partidos políticos e suas implicações
educativas”, de autoria de Gilmar Henrique da Conceição, professor
do Programa, o partido político é apresentado como agente educativo.
Nesse artigo, são apresentadas as concepções fundamentais que
orientam a prática política dos partidos políticos a partir do
entendimento de que os problemas da educação brasileira são mais
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

políticos do que técnico-pedagógicos. Seu objetivo é abordar aspectos


que tratam das idéias, conceitos e valores que indicam os parâmetros
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(esquerda, direito e centro) e as tipologias partidárias, uma vez que


são os partidos que elaboram a política educacional que atingem os
diferentes níveis de ensino.
O professor Gilmar Henrique da Conceição também escreve
junto com o mestrando Mario de Jesus Barboza o artigo “Partido Político
e democracia burguesa: alguns contrapontos entre a escola marxista e a
escola weberiana”, em que discutem uma questão que consideram
extremamente atual: a questão do programa e do partido recolocada
no início do século XXI. Os autores partem do pressuposto de que a
compreensão do pensamento de Marx e Weber pressupõe a clareza
de que suas formulações estão vinculadas ao contexto político,
econômico, social e cultural do seu tempo, mas que em alguns aspectos
continuam atuais e podem, deste modo, ajudar a compreender questões
postas na contemporaneidade.
Finalmente, no texto “A escola de estado na perspectiva marxista”
os professores da Universidade Federal de São Carlos, Amarilio Ferreira
Jr. e Marisa Bittar, discutem a trajetória histórica que a escola de
Estado percorreu no âmbito da chamada “civilização ocidental”,
considerando os “percalços” que ela teria sofrido desde a Antigüidade
Clássica grega até a segunda metade do século XX.

Cascavel, novembro de 2008.


Os Organizadores.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


PARA UM EXAME DAS RELAÇÕES HISTÓRICAS ENTRE
CAPITALISMO E ESCOLA NO BRASIL: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO- METODOLÓGICAS (*)

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier 1

A preocupação básica que vem norteando o meu trabalho de


pesquisa é a de operar uma espécie de revisão historiográfica, a partir
da identificação e da tentativa de superação de alguns vieses presentes
na análise histórica da educação brasileira, e que se devem a

Coleção Sociedade, Estado e Educação


determinadas tendências, que marcaram e vêm marcando a nossa
historiografia educacional.
De um modo geral, eu diria que há duas grandes tendências
nessa área. A primeira delas é a que poderíamos chamar de tradicional.
É aquela que concebe o educacional como uma esfera autônoma da
realidade e, muitas vezes, como a esfera hegemônica dentro dessa
realidade, determinante dos seus rumos e da sua evolução. Encontra-
se, nessa produção historiográfica, uma mescla de traços positivistas,
expressos na preocupação com a descrição e a documentação de fatos,
e de traços idealistas, revelados numa interpretação voluntarista do
processo histórico, centrada nos grandes acontecimentos e nas grandes
personalidades. Quando busca colocar-se numa perspectiva crítica,
essa tendência apela à noção do transplante cultural que, em última
instância, seria responsável pelas “inadequações” de nossa realidade
educacional em relação às reais necessidades do país. E o transplante
cultural é explicado, nessa ótica, como um resquício da dominação
colonial, transformado em hábito arraigado, ou, na tentativa de avançar
na crítica, como um hábito incrementado pela internacionalização
econômica e cultural, promovida pelo avanço capitalista.
A outra grande tendência parece ser aquela que teve o seu
apogeu nos anos 1970 e marca, até hoje (**), a nossa produção
historiográfica no âmbito da educação. Caracteriza-se pela tentativa
de explicar a realidade educacional brasileira, a partir de uma concepção
apriorística de nossa sociedade e do que toma como suas “necessidades
reais”. Funda a sua análise em um paradigma capitalista, em um modelo
universal de sociedade e de escola capitalista e, portanto, em uma

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


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concepção de funções típicas e de relações supostamente necessárias


entre escola e ordem econômico-social capitalista.
Essa tendência manifestou-se, e ainda se tem manifestado como
o resultado de duas diferentes vertentes, inspiradas em formulações
de nossa filosofia da educação. Em primeiro lugar, aparece como o
resultado da sobrevivência e da difusão das concepções escolanovistas,
que produziram uma interpretação, tornada corrente no senso comum,
de que a nossa escola estaria “defasada” em relação às necessidades
geradas pelo avanço do capitalismo, e isso a transformaria na principal
responsável pelo “atraso” do país. Segundo essa perspectiva, assim
como há um modelo de sociedade capitalista, há uma escola tipicamente
capitalista, que viabiliza a realização desse modelo. A pobreza e a
extrema desigualdade social seriam, em nosso país, o resultado de
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

uma realização lenta e imperfeita desse ideal de sociedade, na ausência


da colaboração de uma escola “adequada”, instrumento privilegiado
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de progresso e de reforma social. Na análise histórica, são esses os


pressupostos que se encontram, por exemplo, na base das
interpretações que apontam para um suposto conflito, iniciado nos
anos 1920 e 1930, entre dois modelos de escola, um conservador e
elitista, e outro moderno e democrático, que expressaria um conflito
entre a oligarquia rural e a burguesia industrial. Admitida essa espécie
de interpretação, seríamos forçados a concluir, equivocadamente, que
a burguesia industrial ainda não teria conquistado o poder no Brasil.
Essa segunda tendência, que poderia ser denominada modelar
ou paradigmática, aparece ainda, e contraditoriamente, como um
resultado da assimilação da crítica marxista à escola capitalista, através
das chamadas teorias crítico-reprodutivistas. Expressa-se na tentativa
de entender a escola brasileira como um aparelho reprodutor da ordem
vigente, e também incorre no vezo de universalizar as necessidades
escolares geradas pelo capitalismo, atribuindo à nossa escola funções
vitais na massificação da ideologia dominante e na formação da
população para o trabalho e/ou para o consumo. Segundo essa ótica,
numa sociedade capitalista, a passagem da população pela escola é
essencial para a reprodução das classes sociais, por via da distribuição
diferencial do conhecimento, e para a manutenção da hegemonia
burguesa, através da persuasão ideológica. Se levada a sério essa
espécie de interpretação, parece surpreendente a aparente solidez do
capitalismo e do Estado burguês no Brasil. Na análise histórica, essa
tendência tem se traduzido na pretensão de uma releitura da história
da nossa escola, que desvende as suas funções enquanto “aparelho de

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


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Estado”, mesmo num período em que sequer se podia falar em Estado


Brasileiro, como no período colonial, e mesmo que as evidências
documentais e empíricas insistam em revelar a pouca importância
concedida pelo Estado à escola, popular ou de elite, ao longo da nossa
história.
No âmbito de nossa filosofia da educação, vem se constituindo,
recentemente, uma nova vertente, que ainda não se refletiu diretamente
em nossa produção historiográfica (***), e provavelmente não o faça,
já que parece justamente secundarizar, se não dispensar, a análise
histórica, na discussão da problemática educacional brasileira. É aquela
que, inspirada ainda no marxismo, e denominando-se histórico-crítica,
pretende superar concepções “reprodutivistas” e “economicistas” da
escola, através de uma “ crítica da crítica”. Para tanto, procura
empreender, pela via teórica ou conceptual, a explicitação e a depuração
do modelo marxista de análise e, através dele, do materialismo dialético,

Coleção Sociedade, Estado e Educação


trazer à luz o caráter contraditório da escola, a um só tempo
conservador e transformador, denunciando a função ideológica das
concepções que negam ou escondem esse potencial emancipador. E,
permanecendo no âmbito do que poderíamos chamar de dialética de
idéias, propõe uma nova didática, um novo currículo, uma nova
modalidade de administração escolar e uma nova escola pública, que
maximizem o caráter transformador da educação formal, como se
essa fosse apenas uma questão interna da organização escolar,
condicionada à consciência e à vontade dos seus agentes. Em outras
palavras, discute a questão como se o predomínio da função
reprodutora ou da função transformadora da escola não fosse o
resultado de determinações econômicas, políticas e sociais, que abarcam
e ultrapassam as intenções e os projetos dos nossos filósofos e
educadores. Essa perspectiva acaba, ao contrário do que pretende,
por levar a nossa reflexão educacional de volta ao tratamento autônomo
da questão da escola, numa abordagem teórica, universalista e intra-
escolar, típica das concepções tradicionais e escolanovistas. Acaba,
ainda, por induzir a uma concepção voluntarista da prática escolar;
uma prática que, sem o respaldo de um diagnóstico e de um projeto
solidamente assentados numa leitura histórica, fracassa em suas
intenções transformadoras e colabora com a reprodução.
Isso significa que, traduzido em um materialismo mecanicista,
nas abordagens crítico-reprodutivistas, ou em um voluntarismo
idealista, tal como vem se revelando na proposta histórico-crítica, ou
seja, conciliando-se com os traços característicos, ou, melhor dizendo,

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


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deixando-se absorver pelas tendências tradicionais de nossa


historiografia, o materialismo histórico parece não ter logrado instalar-
se plenamente e alterar efetivamente os rumos da nossa pesquisa
educacional. A realidade atual da produção teórica no âmbito da história
da educação brasileira revela, portanto, a precocidade da crítica,
inspirada nas postulações da chamada Nova História, que se insurge
contra a “camisa de força” que o pensamento marxista teria imposto
à nossa análise educacional. Essa mesma realidade expõe ainda o
anacronismo daquela crítica, produzida pelo ranço acadêmico positivista,
que insiste em distinguir as “áreas” da economia, da sociologia e da
história, denunciando supostos economicismos ou sociologismos nas
escassas e férteis tentativas de análise sócio-histórica da nossa educação,
não raro identificando-as como abordagens “político-ideológicas”.
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Vanguardistas ou anacrônicas, essas críticas historiográficas (como


se pretendem) coincidem no repúdio à suposta ideologização da análise
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histórica da educação brasileira, e tal como os “reprodutivistas” e os


“dialéticos” o fazem de modo diferente, a seu modo tendem a levar a
pesquisa de volta à memória escolanovista.
Superar as indiscutíveis insuficiências e as deficiências que
verificamos nesse âmbito do nosso conhecimento implica, no momento,
avançar na compreensão das possibilidades e das implicações do
materialismo histórico, enquanto referência teórico-metodológica para
a investigação histórica da educação brasileira. Os desvios que
verificamos nas críticas e nas análises que, inspiradas no marxismo,
se difundiram em nossos meios acadêmicos e educacionais, parecem
dever-se basicamente à desconsideração da dimensão histórica das
categorias de análise que esse pensamento produziu e produz. Não
pode ser outra a explicação para as abordagens paradigmáticas, que
distanciam a nossa produção teórica da realidade concreta e, não
obstante a sua intenção transformadora ou revolucionária, acabam
alienando a nossa consciência educacional e a nossa prática pedagógica.
É preciso considerar que a análise marxista e mesmo a leninista, que
avança na compreensão do capitalismo em sua fase imperialista, não
respondem satisfatoriamente a questões cruciais relativas ao
capitalismo, tal como se manifesta nas formações sociais ditas
periféricas, dentro do sistema capitalista mundial. Não permitem a
compreensão plena do processo de constituição e funcionamento
dessas sociedades capitalistas dominadas; e, não o fazendo, pouco
revelam sobre questões, particularmente relevantes quando se investiga
e se reflete sobre a problemática educacional, como aquelas que dizem

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


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respeito às suas vias próprias de avanço e às suas possibilidades


objetivas de transformação. E isso acontece porque, assim como as
análises de Marx sobre a constituição, o funcionamento e o avanço
das sociedades capitalistas, as análises de Lenine sobre as razões e as
implicações da dominação imperialista foram efetuadas na perspectiva
das sociedades hegemônicas. Não chegam a captar, portanto, a
singularidade do desenvolvimento capitalista periférico e a especificidade
de suas implicações políticas e culturais.
Uma retomada dessas análises, na perspectiva das sociedades
dominadas, revela uma noção particular, derivada da noção de
imperialismo, que é a da dependência estrutural. A dependência
estrutural é o resultado, na sociedade dominada, do imperialismo que
se manifesta na sociedade dominadora. Essa nova categoria, que se
desdobra de modelos clássicos e já se incorporou há décadas à nossa
análise sociológica, parece ainda não ter fertilizado a nossa pesquisa

Coleção Sociedade, Estado e Educação


educacional. É por aí, ao que tudo indica, que deve se iniciar a nossa
trajetória rumo à compreensão dos determinantes gerais do modo de
produção capitalista, na direção do desvendamento das determinações
particulares e históricas da sociedade que temos como objeto. Essas
determinações, sem dúvida complexas, já que se produzem como o
resultado da síntese de fatores internos e externos, manifestam-se no
conjunto da sociedade brasileira, desde as relações econômicas às
políticas e culturais. É dessa ótica que devemos começar a examinar a
produção das ideologias educacionais e da realidade escolar brasileira,
superando as análises que as concebem autônomas ou como produtos
imediatos dos transplantes culturais, assim como as interpretações
que, partindo de pressupostos liberais ou marxistas, permanecem no
âmbito dos modelos e deduzem funções gerais da escola, ao invés de
investigarem as suas funções peculiares, numa sociedade capitalista
singular como a nossa. Colocando-nos em nossa perspectiva, uma
perspectiva histórica, somos levados a uma nova apropriação das
categorias do materialismo histórico e a uma compreensão de nossa
sociedade diversa daquelas a que as deduções, a partir das “leis gerais”
formuladas pelo pensamento marxista, têm induzido filósofos e
historiadores da educação, em nosso país. É esse, parece-me, o caminho
que se impõe, diante da constatação da rigidez que as abordagens
paradigmáticas impuseram às nossas investigações e do academicismo
a que condenaram os nossos debates educacionais, e não a decretação
precoce da falência do materialismo histórico, enquanto instrumento
de análise, ou o seu repúdio em nome da “desideologização” da pesquisa

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


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histórica. Um repúdio embutido na crítica epistemológica rançosamente


positivista e explícito no “pós-marxismo” para onde se lançou
entusiasticamente o anti-marxismo entrincheirado em nossos meios
acadêmicos educacionais.
Diante do quadro geral de nossa produção historiográfica
educacional, parece extremamente fértil a adoção da noção da
dependência estrutural, como uma nova categoria de análise para a
investigação histórica. Assim como parece inevitável a concentração
dessa investigação no exame das estruturas, sem descartar o exame
das instâncias que medeiam a determinação das estruturas sobre a
realidade educacional, enfatizando justamente o processo de produção
e expressão da consciência educacional dos sujeitos políticos, que
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

refletem e reagem às determinações estruturais. Saindo do âmbito da


dialética de idéias, é impossível desconsiderar o caráter histórico desse
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processo de ação das estruturas e de reação dos sujeitos, numa


manifestação concreta, particular e peculiar, das relações entre sujeitos
e condições objetivas. Por outro lado, não se deve confundir essa
ênfase no exame das estruturas na produção da realidade educacional
com a ênfase, típica das concepções mecanicistas, no papel das
estruturas na produção daquela realidade. Se é preciso evitar o viés do
ideologismo, que reduz a análise histórica ao estudo dos sujeitos,
também urge não cair em um economismo, que centre o movimento
histórico nas condições dadas. Mas a pesquisa educacional brasileira
não tem senão recentemente se ocupado com a questão das estruturas,
como revelam as tendências que predominam no âmbito da nossa
historiografia educacional, desistoricizando-as numa abordagem
modelar, que acusa a sobrevivência dos positivismos e dos idealismos,
ainda que travestidos de marxismos. É, portanto, porque predominam
em nossos estudos históricos tendências que privilegiam a ação dos
sujeitos sobre um pano de fundo, um cenário emprestado das teorias
e dos paradigmas econômicos e sociológicos, que devemos nos ocupar
particularmente com o exame das nossas condições materiais de
existência.
Na intenção de ultrapassar as tendências presentes em nossa
pesquisa e superar os equívocos que vêm se cristalizando em nossa
literatura e em nossa prática educacional, venho recentemente
encaminhando as minhas investigações no sentido da reconstituição
do percurso material e ideológico do capitalismo no Brasil. Isso me
tem permitido confrontar os paradigmas que o liberalismo e a própria
crítica marxista acabaram por forjar, com a realidade que me interessa

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


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desvendar. A partir daí, parece possível efetivamente entender e explicar


as necessidades educacionais que concretamente emergiram, as
ideologias e os discursos educacionais produzidos, a legislação
educacional elaborada e a prática escolar desenvolvida no país. Essa
tentativa de reconstituição e esse ensaio de interpretação tiveram como
ponto de partida o exame do processo brasileiro de industrialização e
da revolução burguesa que o sustentou. Foi de importância estratégica
que as investigações se iniciassem pelo período que se estende dos
anos 30 aos anos 60. O capitalismo brasileiro aí se consolidou,
revelando os seus traços e as suas tendências particulares. Esse exame
ilumina a análise do período anterior, na medida em que fornece pistas
para a leitura histórica das formas peculiares de penetração das relações
capitalistas no Brasil que, por sua vez, sustenta a compreensão dos
rumos e dos traços definitivamente configurados na fase final de
consolidação da ordem capitalista nacional. Respalda ainda a, análise

Coleção Sociedade, Estado e Educação


do período posterior, o da realidade contemporânea, favorecendo o
desvendamento das suas tendências de desenvolvimento e das suas
possibilidades objetivas de avanço e transformação.
Não foi por acaso que grande parte da produção acadêmica, no
âmbito da história e da filosofia da educação, nos férteis anos 70 e 80,
concentrou-se nesse período. Realizaram-se, contudo, estudos parciais
e fragmentados, que não raro têm induzido simplificações e equívocos
na análise educacional. Apesar de seu indiscutível valor para a
investigação histórica que busca a identificação dos determinantes da
nossa realidade educacional, esses estudos tendem a abordar questões,
como a do conflito entre educadores católicos e renovadores, a do
confronto entre partidários da escola privada e defensores da escola
pública e a dos debates em torno de projetos de leis educacionais, a
partir do exame de matrizes doutrinárias, de modelos societários e de
interesses político-partidários, desenraizando-as do contexto material
em que se produziram. A concentração dos estudos desse período no
exame das estruturas historicamente constituídas, sob as determinações
impostas pelas relações capitalistas engendradas em âmbito mundial,
permitiu apreender essas questões em uma totalidade que lhes confere
outra dimensão e novo significado.
As investigações realizadas sob essa ótica revelam que, ao longo
do período em questão, o capitalismo brasileiro se consolidou, na
passagem para a fase industrial, as bases de uma ideologia educacional
foram assentadas no movimento pela reconstrução nacional e o nosso
sistema de ensino sofreu uma reorganização que lhe definiu a própria

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


18

estrutura. Faces de um mesmo processo, esses acontecimentos


lançaram as bases e marcaram os rumos da “nova sociedade brasileira”.
Buscar a compreensão das discussões, dos projetos, das realizações
educacionais e das ideologias subjacentes em doutrinas e em embates
políticos é tão ineficiente quanto tentar entender o capitalismo brasileiro
a partir de um paradigma de desenvolvimento capitalista. Uma visão
de conjunto da evolução do pensamento e da legislação educacional,
no período da consolidação das relações capitalistas no Brasil, acaba
revelando o modo pelo qual os mesmos fatores que determinaram os
rumos do desenvolvimento econômico-social do país condicionaram a
renovação da cultura e da educação nacional.
Segundo os paradigmas econômicos e sociológicos, a
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industrialização é um processo pela qual o modo de produção capitalista


se constitui plenamente numa determinada formação social, já que é o
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momento em que o capital atinge a área da produção, revoluciona as


forças produtivas e altera globalmente a ordem vigente. No Brasil,
esse processo veio consolidar o capitalismo dependente, adequando-
se às estruturas geradas pelas formas primitivas de dominação
capitalista que, como apêndice das formas avançadas da dominação
capitalista internacional, se instalaram no período colonial e se
reproduziram, em diferentes ciclos, através de séculos. Foi o resultado
da conjugação de fatores internos e externos, ambos ligados à superação
histórica da primeira divisão internacional do trabalho, que transformara
as economias periféricas em produtoras de gêneros agrícolas e
consumidoras de manufaturados. Passava a interessar, então, aos polos
hegemônicos do capitalismo internacional, transformar as economias
periféricas em produtoras de bens industriais de consumo e
consumidoras dos chamados bens de capital, numa nova divisão do
trabalho em âmbito mundial. Fruto da conjugação dessas injunções
externas com determinações internas, que expressavam aquela
superação na falência do modelo agroexportador, a industrialização
brasileira acabou se processando antes que todos os elementos
necessários, ainda segundo os paradigmas econômicos, estivessem
presentes internamente, o que vinha confirmar, renovar e consolidar o
caráter dependente das suas estruturas. A industrialização da economia
brasileira se operava peculiarmente, na ausência de uma produção e
um desenvolvimento científico e tecnológico endógenos, na ausência
de mecanismos formais ou informais de capacitação de mão-de-obra
para as novas atividades e na ausência de um mercado interno
significativo ou suficiente para sustentar o crescimento industrial. Daí

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


19

a necessidade do recurso à importação de tecnologia e, para tanto, de


capitais; à importação de mão-de-obra, ao menos na fase inicial; e ao
mercado externo, tendência que se cristalizará com o esgotamento do
chamado “modelo de substituição de importações”. A primeira
necessidade se perpetuaria, já que se constituirá, a partir de então e
pelas próximas décadas, no modo pelo qual o país passava a se integrar
nas relações capitalistas internacionais. A segunda seria contornada
crescentemente por mecanismos de treinamento, predominantemente
fora da escola; e, em consequência dos compromissos assumidos no
processo de endividamento externo, a solução exportadora crescerá,
apesar da extrema concentração de renda acabar permitindo que um
mercado interno limitado sustentasse alguns setores da produção
industrial.
Nessas condições peculiares, restringiu-se drasticamente a
ampliação social do avanço econômico, representado pela

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industrialização, que não alterou radical e globalmente a ordem vigente.
As contradições internas, inerentes a essa fase de consolidação da
ordem capitalista, que derivam do processo de superação e/ou
rearticulação do velho sob o novo, expressando a tensão continuidade/
descontinuidade do processo histórico, agravaram-se sob o efeito das
contradições externas, produzidas pela dependência em relação ao
capital internacional. Isso retardou e limitou o processo de superação
do velho, fazendo predominar a continuidade, ou a rearticulação do
velho sob o novo, sobre a ruptura, que se expressa na superação do
velho pelo novo. A “nova ordem”, assim constituída, alimentava-se da
desigualdade regional do avanço, que favorecia a obtenção de matérias-
primas e de mão-de-obra baratas; acomodava-se à desigualdade social,
dispensando a ampliação do mercado interno para o crescimento; e
mantinha o atraso ou o descompasso cultural, recorrendo ao transplante
de tecnologias. Essa espécie de acomodação às desigualdades acabaria
por agravá-las e a produzir, contraditoriamente, crescimento econômico
e miséria social, através da marginalização de grandes contingentes
populacionais do consumo e da própria produção de bens. 0 rápido
avanço tecnológico propiciado pela importação tenderia crescentemente
a reduzir a incorporação de mão-de-obra, antes que outros mecanismos
de absorção estivessem desenvolvidos, gerando o subemprego no setor
terciário e o inchaço do serviço público. Esse avanço, que se viabilizou
pela mediação do Estado, conciliador de interesses externos e internos,
e por via da criação de condições artificiais de crescimento, produziu
e estimulou uma consciência burguesa internacionalista e clientelista.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


20

A manutenção do nosso histórico superprivilegiamento


econômico também acabou exigindo a conservação do
superprivilegiamento político, que se expressaria em regimes anti-
democráticos, abertamente autoritários, em momentos de mobilização
da classe trabalhadora, e formalmente democráticos, em ocasiões de
“paz social” ou naquelas em que a mobilização popular conquistava
força de barganha, frente a crises econômicas e dissidências no poder.
No âmbito cultural, a revolução burguesa nacional conservou e
perpetuou a tendência academicista e literária, gestada na sociedade
agrária, patriarcal e escravista. Contribuíram para isso as dificuldades
internas de superação do atraso científico, dado o salto qualitativo que
implicava o desencadeamento de um processo de absorção ativa dos
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modos de conhecer e de produzir importados, assim como os


interesses externos, diretamente econômico e político-ideológico, na
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manutenção dos transplantes na forma de absorção passiva. Acelerou


ainda a incorporação do ideário liberal, num processo eficiente de
rearticulação ou de acomodação de suas matrizes às condições
particulares da dominação capitalista vigente no país, conforme se
iniciara já no período colonial.
Como não poderia deixar de ser, as características peculiares
dessa ordem capitalista geraram exigências educacionais particulares.
No discurso, como nos pólos hegemônicos, a escola é apontada como
fonte de progresso e de justiça social; como produtora de riqueza,
através da produção científica e tecnológica, e como meio de ascensão
social sustentada no mérito ou na competência pessoal. Esse discurso
legitimava, como ainda legitima, a ordem capitalista como o estágio
mais avançado de organização da vida social, apesar dos desvios que
poderia sofrer, na ausência de uma escola única, universal e gratuita,
que os previna e os corrija, quando dados. Na prática, no entanto, a
escola brasileira passa a ter a tarefa precípua de modernizar a educação
da elite, para prepará-la mais eficientemente para o comando, numa
sociedade mais complexa e contraditória. Não se tratava, portanto, de
fornecer às classes dominantes, como fazia a escola nas sociedades
hegemônicas, o domínio exclusivo da ciência, e à classe dominada o
treinamento na utilização dos recursos tecnológicos. Tratava-se, sim,
de fornecer aos quadros dirigentes das classes dominantes uma
mentalidade moderna, uma cultura geral sólida e habilidades intelectuais
que lhes permitissem desempenhar a tarefa de impor as novas formas
de produção e as novas relações de trabalho, em condições favoráveis
à exploração externa e à exploração interna da população. Como função

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


21

complementar e secundária, esperava-se que a escola qualificasse a


mão-de-obra, dentro dos limites impostos pela dimensão de nosso
parque industrial e da própria oferta de trabalho, restrita pela crescente
sofisticação tecnológica. Nas economias dominantes, o avanço
tecnológico e a consequente redução da absorção e da necessidade de
qualificação, em grande escala, da mão-de-obra industrial, já voltava a
escola para a tarefa de formação do cidadão, reforçando o seu papel
na produção e difusão de ideologias, na formação do consumidor e no
preparo genérico do trabalhador para as atividades do setor terciário
da economia. Em nosso país, a solução para o problema da qualificação
da mão-de-obra se expressaria em medidas de cunho
predominantemente conciliador e demagógico, ou mais propriamente,
de caráter político-ideológico, como a criação de um ensino médio
profissionalizante, ineficiente e inadequado às necessidades e às
possibilidades da classe trabalhadora, e em medidas pragmáticas como

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a criação do sistema paralelo de formação profissional, organizado e
mantido pelas empresas, segundo os seus interesses e as suas
necessidades.
As discussões, as propostas e a legislação educacional do
período que se estende dos anos 1930 aos anos 1960 confirmam
essas necessidades e essas prioridades. O discurso “Pioneiro”,
particularmente o que se expressou no chamado Manifesto, proclamava
e abandonava gradualmente a bandeira da produção e do ensino da
ciência e da tecnologia pela valorização da cultura geral “sólida e
erudita”, concluindo com a ênfase na prioridade absoluta dos ensinos
secundário e superior, cuja promoção parecia consubstanciar-se na
criação da decantada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. As
reformas educacionais empreendidas pelos ministros Francisco Campos
e Gustavo Capanema, nas décadas de 30 e 40, que construíram o
sistema nacional de ensino no país, cuidaram basicamente da
reorganização e da sofisticação dos níveis médio e superior, mantendo
e aprimorando o seu caráter literário e bacharelesco. Os ensinos
primário e normal, aparentemente secundarizados, foram os últimos
a atrair a atenção do poder público e a sofrer a reorganização legal. A
criação de um ensino médio técnico-profissional que, da forma como
foi concebido e se concretizou, desvinculado das exigências das
atividades econômicas concretas e com uma duração que inviabilizava
a frequência da classe trabalhadora, foi compensada pela criação do
sistema paralelo de formação profissional, o SENAI e o SENAC.
Verificou-se, a partir de então, uma expansão ininterrupta do

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


22

ensino médio acadêmico, acompanhado de um relativo crescimento


da oferta de ensino superior, contrastando com a precariedade da
expansão da escola primária. A luta pela privatização do ensino, que
venceu a campanha pela sua publicização efetiva, no texto da LDB,
para onde desembocaram os debates, trouxe a tona mais uma vez o
histórico compromisso de nosso poder político com a educação de
elite. Um compromisso que se desvenda, ao cabo das investigações,
como o produto e o reforço das formas historicamente assumidas
pela dominação capitalista no Brasil, do “modelo agroexportador” ao
“modelo urbano-industrial”, fase do capitalismo dependente e
excludente que aqui se instalou, sob regimes autoritários ou
democracias restritas, e que “prospera”, apesar e à custa da miséria
social e cultural que vem engendrando.
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Redirecionada por uma nova abordagem teórico–metodológica,


a pesquisa histórica permitiu definir o perfil do liberalismo educacional
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que fundou a constituição de nosso sistema nacional de ensino e


impregnou o pensamento educacional brasileiro, a partir do
desvendamento do perfil da própria ordem econômico –social que se
configurou no país. Isso implicou um rastreamento da trajetória do
capitalismo brasileiro, da arrancada “nacional desenvolvimentista” à
consolidação do modelo de “desenvolvimento associado”, fundamento
dos movimentos e das reformas educacionais dos anos 1930 e 1940,
e palco dos debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que definiram a política educacional no processo de
redirecionamento da política de expansão industrial, nos anos 1950 e
1960. Superam-se, assim, as interpretações equivocadas e os
julgamentos históricos apressados a propósito do significado das
realizações educacionais desse período, ou dos “desvios de rota” que
aí se teriam revelado.
O ideário escolanovista nacional, apesar das interpretações
tradicionais, que tendem a apresentá-lo como um produto inócuo do
transplante cultural, e da própria memória histórica que legou, onde
figura como a face progressista e “adequada” da consciência educacional
nacional, subjugada pelo conservadorismo recalcitrante e “atrasado”,
não representou senão a consubstanciação de um liberalismo
educacional peculiar que atendia às exigências e refletia, até mesmo
em seu discurso democrático e em sua prática elitista, as contradições
particulares do avanço capitalista brasileiro. As reformas educacionais
empreendidas a partir de então, no país, entendidas na ótica tradicional
e explicadas no discurso escolanovista como produtos dos interesses

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


23

imediatos das classes dirigentes, autoritárias, “fascistas” ou anti-


democráticas, e de interesses particulares privatistas, interpretações
que hoje se reforçam nas abordagens reprodutivistas e mecanicistas,
nada mais intentaram senão concretizar as postulações básicas do
novo ideário, operando as transformações necessárias à adequação
do sistema educacional à ordem que se consolidava.
As aparentes mudanças de rumo ou “desvios” do pensamento
e da política educacional, desde então, refletiram e refletem as
contradições inerentes e o próprio avanço do processo de rearticulação
dos princípios doutrinários que acompanham as mudanças concretas
nas relações econômicas e políticas no país. Continuando nesse rumo
de investigações, parece indispensável avançar no desvendamento do
percurso, particular e convergente, da consciência educacional moderna
e do capitalismo dependente no Brasil, da reação conservadora de 64,
que destruiu as resistências nacionalistas e populares ao modelo

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efetivamente consolidado, à chamada “abertura democrática”. É o
período em que o pensamento, a legislação educacional e a escola
brasileira passam por um processo de “tecnicização” e de expansão
controlada, que contraditoriamente, negam e reforçam o ideário liberal.

NOTAS

* Este texto foi produzido no final da década de 1980, e publicado, em 1993, nos Cadernos da Escola
Pública. Brasília. SINPRO, nº1, pp. 5-23.
(**) Início da década de 1990.
(***) Referência à década de 1980.

REFERÊNCIAS

XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Poder político e educa-


ção de elite
elite. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980.
—. Capitalismo e escola no Brasil
Brasil. Campinas : Papirus, 1990.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


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LIBERALISMO EDUCACIONAL:
O RECEITUÁRIO DE MILTON FRIEDMAN

Roberto Antonio Deitos

1. INTRODUÇÃO

Neste texto1 analiso uma tendência do liberalismo a partir das


proposições de Milton Friedman. Examino o liberalismo educacional
expresso na obra Capitalismo e Liberdade e algumas das proposições
do autor sobre o papel do governo na educação, especialmente as

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proposições gerais para a educação. Tais proposições revelam os
pressupostos para a implementação de uma política educacional liberal
e demonstram como deveriam ser organizadas as políticas sob a
direção estatal para os níveis educacionais: primário, secundário,
profissional e superior. Muitas dessas proposições contam com
assimilações e aproximações em formulações que vertem na
implementação e nas diretrizes educacionais nacionais nos diversos
níveis de ensino e em argumentos políticos e ideológicos apresentados
para a política educacional brasileira.
As considerações que aqui apresento tratam de uma tendência
ideológica do liberalismo educacional que historicamente influenciou
tendências ideológicas da educação brasileira. Trata-se, portanto, da
tendência ideológica do liberalismo, vertida a partir do pensamento de
um dos seus expoentes, ou seja, da figura e expressão teórico-ideológica
de Milton Friedman. Desse modo, neste artigo, tomo, como referência
particular, a obra Capitalismo e Liberdade para analisar as proposições
liberais apresentadas pelo autor, considerando que as proposições
apresentadas nesta obra são a expressão de uma tendência ideológica
da política educacional que revela as premissas liberais, as quais,
segundo Milton Friedman, seriam as mais radicalmente clássicas e
férteis para a gestão do capitalismo, do mercado e, conseqüentemente,
da política educacional.

1 Publicado originalmente na Revista Ciências Sociais em Perspectiva. Universidade Estadual do


Oeste do Paraná - Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Campus de Cascavel. Cascavel, PR:
Edunioeste, vol. 06, n. 10, jan./jun.2007, p. 137-147.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


26

Neste artigo priorizo a análise das proposições apresentadas


pelo autor sobre o tratamento dado à política educacional,
particularmente as proposições para a educação primária, a secundária,
a profissionalizante e a superior, retomando e ampliando a análise
sobre o liberalismo educacional expresso nas proposições de Friedman
(Cf. DEITOS, 2002, 2003).

2. AS ARTICULAÇÕES DA TENDÊNCIA LIBERAL DE MILTON


FRIEDMAN

Milton Friedman2 é economista norte-americano e ideólogo do


liberalismo em sua versão conservadora da nova direita, notadamente
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de uma tendência que sustenta proposições para as políticas


implementadas nas décadas de 1980 e 1990 e nos dias atuais.
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Interessante é contextualizar a articulação e a convergência dos


dois grandes nomes de uma tendência liberal ultra-conservadora:
Friedman e Hayek. Para Moraes, “O grande nome da corrente neoliberal
é sem dúvida Friedrich August von Hayek. Herdeiro da chamada ‘escola
austríaca` de economia, o pensamento de Haeyk é um descendente
de Carl Menger e, parcialmente, de Von Mises [...]” (1996, p. 122).
Mas, ainda de acordo com Moraes, “O personagem mais famoso
desse enredo – em certa medida, um astro da mídia – é Milton Friedman
[...]” (1996, p. 126).
Friedman, portanto, na obra Capitalismo e Liberdade, de forma
marcante, define-se como um liberal convicto, repudiando outras
versões do liberalismo, especialmente a tendência ocorrida nos Estados
Unidos quando da implementação das políticas keynesianas,
constituintes do chamado Estado de Bem-Estar Social, das quais é
crítico fervoroso, por entender que desfiguraram e romperam com a
tradição contra as quais tinha lutado o liberalismo clássico (Cf.
FRIEDMAN, 1984, p.14). E, nesse sentindo, afirma:
Devido à corrupção do termo liberalismo, os pontos de vista que eram
por ele representados anteriormente são agora considerados

2 Como consumação e avanço de sua tese conservadora, onde o binômio capitalismo e liberdade
são tomados como base originária do livre mercado, recebeu, em 1976, o Prêmio Nobel de
Economia, exatamente no auge de um processo de crise do capitalismo. Para Miguel Colasuonno,
apresentador de Capitalismo e Liberdade, na tradução para o público brasileiro, a obra
Capitalismo e Liberdade (publicada em 1962) pode ser considerada o livro-síntese do pensa-
mento de Milton Friedman.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


27

frequentemente conservadorismo. Mas não se trata aqui de uma


alternativa satisfatória. O liberal do século XIX era um radical – no
sentido etimológico de ir até às raízes das questões, e no sentido político
de ser favorável a alterações profundas nas instituições sociais. Assim,
pois, deve ser o seu herdeiro moderno. Não desejamos conservar a
intervenção do Estado, que interferiu tanto em nossa liberdade, embora
desejemos, é claro, conservar a que a tenha promovido. Além disso, na
prática, o termo conservadorismo acabou por designar um número tão
grande de pontos de vista – e pontos de vista tão incompatíveis um com
o outro – que, muito provavelmente, acabaremos por assistir ao
nascimento de designações do tipo liberal-conservadorismo e
aristocrático-conservadorismo.

Devido em parte à minha relutância em ceder o termo aos proponentes


de medidas que destruiriam a liberdade e, em parte, porque não fui
capaz de encontrar uma alternativa melhor, tentarei solucionar essas
dificuldades usando o termo liberalismo em seu sentido original – como

Coleção Sociedade, Estado e Educação


o de doutrinas que dizem respeito ao homem livre (FRIEDMAN, 1984,
p. 15).
Fundado no que intitula de liberalismo clássico, o autor, em sua
tese central, sustenta o pressuposto-base da doutrina liberal,
apresentada no primeiro capítulo desta obra, como sendo a organização
econômica, ou seja, o mercado, consubstanciado no que chama de
capitalismo competitivo, emergência da propriedade privada. Em
decorrência dessa concepção afirma que “[...] só há dois meios de
coordenar as atividades econômicas de milhões. Um é a direção central
utilizando a coerção – a técnica do Exército totalitário moderno. O
outro é a cooperação voluntária dos indivíduos – a técnica do mercado”
(FRIEDMAN, 1984, p. 21).
A tese de que o mercado pode gerar a unanimidade entre os
indivíduos e regular suas relações individuais e sociais é o eixo central
da doutrina liberal preconizada por Friedman. Desse modo, Friedman,
quando analisa o papel do governo numa sociedade livre, afirma que,
Para o liberal, os meios apropriados são a discussão livre e a cooperação
voluntária, o que implica considerar inadequada qualquer forma de
coerção. O ideal é a unanimidade, entre indivíduos responsáveis,
alcançada na base de discussão livre e completa [...].

Desse ponto de vista, o papel do mercado, como já foi dito, é o de


permitir unanimidade sem conformidade e ser um sistema de efetiva
representação proporcional [...] (1984, p. 29).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


28

Para Friedman a base central de toda a ordem social é o mercado,


compreendido como o regulador das vontades individuais e políticas.
Nesse cenário é que aparece particularmente o Estado. Prescreve que
a ação do governo se dá, basicamente, como legislador e árbitro do
jogo do mercado em situações muito limitadas, quando o próprio
mercado, por circunstâncias denominadas técnicas, estaria
momentaneamente, impossibilitado de estabelecê-las. Nesse aspecto,
formula duas classes de casos em que essa situação pode ocorrer; os
monopólios e outras imperfeições do mercado e os efeitos laterais
(Cf. FRIEDMAN, 1984, p. 31-34).
Como conseqüência de uma economia de mercado e para a
sua apropriada manutenção em nível internacional em bases tidas como
viáveis, defende um mecanismo que considera importante:
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[...] é um sistema de taxas de câmbio livremente flutuantes, determinadas


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no mercado por transações privadas sem a intervenção governamental.


Esta é a contrapartida apropriada do mercado livre para a norma monetária
[...]. Se não a adotamos, falharemos inevitavelmente em expandir a
área do mercado livre e teremos que, cedo ou tarde, acabar por impor
controles diretos cada vez mais amplos sobre o mercado [...]
(FRIEDMAN, 1984, p. 68).
A defesa de um sistema de taxas de câmbio livremente flutuantes
para determinar as relações econômicas internacionalmente também
é apresentada por Hayek quando, ao criticar as políticas liberais
keynesianas ao final da década de 1970, afirmava que “Agora, no
entanto, quando o sistema de taxas cambiais fixas parece ter entrado
em colapso total, e há poucas esperanças no sentido de que a
autodisciplina possa induzir alguns países a se conterem, restam
precárias razões para se aderir a um sistema que já não surte efeitos
[...]” (HAYEK, 1985, p. 37).
Esse mecanismo, apenas aparentemente monetário, está
fundamentado nos princípios básicos do liberalismo e na manutenção
de sua organização econômica central: a propriedade privada e o
mercado livre, como condição do esforço e da liberdade individual.
Portanto é a concorrência efetiva que, segundo Hayek (1987), revelará
a melhor maneira de orientar os esforços individuais. Desse modo,
esse pressuposto determinante e individualmente gerido pela livre
atuação dos indivíduos no mercado é a base para as taxas de câmbio
livremente flutuantes entre e acima de Estados Nacionais e Nações,
servindo efetivamente de mecanismo para contribuir com o controle
das políticas e ações governamentais de qualquer Estado ou Nação no

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


29

mercado livre. Esse mecanismo, a que tudo indica, tem um efeito-


chave na determinação das relações econômicas e no enfraquecimento
dos Estados Nacionais em relação ao processo de acumulação do
capital. Tal processo favorece o desmonte de políticas sociais nacionais
em todas as áreas, no momento em que os países individualmente
não conseguem sobrepor-se, minimamente, frente às oscilações
financeiras e cambiais que desestabilizam as economias e favorecem o
(neo)imperialismo na fase atual de desenvolvimento e acumulação
capitalista, coordenado hegemônica e ideologicamente pelos países
centrais do capitalismo mundial, sob a liderança dos Estados Unidos
da América (EUA).

3. O PAPEL DO GOVERNO NA EDUCAÇÃO

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Em Capitalismo e Liberdade, Friedman (1984) trata do papel do
governo na educação, fazendo inicialmente uma distinção entre
educação e instrução, afirmando que o governo em grande parte atende
à instrução. Trata de explicitar como entende o acesso à educação e à
instrução, fazendo severas críticas à ação do governo na oferta da
educação ou instrução pública, o que considera uma extensão
indiscriminada da responsabilidade do governo e, conseqüentemente,
do que entende por Estado capitalista.
A intervenção governamental no campo da educação pode ser
interpretada de dois modos, o que constitui a base de seus pressupostos
para a discussão e formulação de propostas nessa área. Para Friedman:
O primeiro diz respeito aos “efeitos laterais”, isto é, circunstâncias sob as
quais a ação de um indivíduo impõe custos significativos a outros
indivíduos pelos quais não é possível forçar uma compensação, ou produz
ganhos substanciais pelos quais também não é possível forçar uma
compensação – circunstâncias estas que tornam a troca voluntária
impossível. O segundo é o interesse paternalista pelas crianças e por
outros indivíduos irresponsáveis. Efeitos laterais e paternalismo têm
implicações muito diferentes para (1) a educação geral dos cidadãos e (2)
a educação vocacional especializada. As razões para a intervenção
governamental são muito diferentes nessas duas áreas, e justificam tipos
muito diferentes de ação (1984, p. 83).
Tomando estes dois pressupostos como referência, o autor em
questão formula proposições sobre educação, instrução primária,
secundária e superior, e trata da preparação vocacional e profissional.
Analisando esses diversos níveis de educação, sugere decisões que

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


30

deveriam ser tomadas para a sua realização no campo da política


educacional liberal, afirmando: “Nosso sistema atual de educação, longe
de igualar oportunidades, está fazendo muito provavelmente o contrário.
Torna cada vez mais difícil aos poucos excepcionais – e eles
constituem a esperança do futuro – erguer-se acima de sua pobreza
inicial” (FRIEDMAN, 1984, p. 89, grifo nosso).
Friedman entende que um mínimo de educação geral aos
cidadãos contribui de forma razoável para a aceitação de valores que
considera indispensáveis para a estabilidade de uma sociedade
considerada democrática, leia-se regulada pelo capitalismo competitivo,
compreendendo a iniciativa privada e, conseqüentemente, o mercado
livre como elementos determinantes e indissociáveis desse processo.
Essa relação de troca voluntária entre os indivíduos e o mercado
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necessita de uma base elementar de conhecimentos elementares para


fazer fluir a troca entre os indivíduos e favorecer a circulação de
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mercadorias. Portanto, para Friedman, estaria essa educação elementar


contribuindo, de modo geral, para o exercício da cidadania numa
sociedade livre, leia-se sociedade aberta ou capitalista. O processo
envolvendo algum acesso ao conhecimento elementar não pode
extrapolar os limites usufruídos nessa sociedade, considerados
estritamente como um substancial “efeito lateral”, defendendo que,
apenas relativamente, o ganho social seria maior para os níveis mais
baixos da instrução, para os quais o governo poderia apresentar
subsídios temporários e focalizados, jamais políticas sociais que possam
ter um caráter permanente de direito social ou de acesso generalizado
à população.

3.1 A Instrução Primária

Quanto à instrução primária, defende, apenas relativamente, que


o subsídio governamental deve ser aplicado em situações justificadas,
como famílias necessitadas, por exemplo, para que isso não interfira
intensamente no mercado, prejudicando a ação voluntária individual.
Postula, portanto, que a solução para a exigência de um mínimo
de instrução e o correspondente subsídio governamental deveria
romper com o que denomina de nacionalização das instituições
educacionais pelo governo. Essa nacionalização, ele considera que afeta
as empresas privadas que atuam nessa área. Para tanto, propõe que:
O governo poderia exigir um nível mínimo de instrução financiada
dando aos pais uma determinada soma máxima anual por filho, a ser

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


31

utilizada em serviços educacionais “aprovados”. Os pais poderiam usar


essa soma e qualquer outra adicional acrescentada por eles próprios na
compra de serviços educacionais numa instituição “aprovada” de sua
própria escolha. Os serviços educacionais poderiam ser fornecidos por
empresas privadas operando com fins lucrativos ou por instituições sem
finalidade lucrativa. O papel do governo estaria limitado a garantir que
as escolas mantivessem padrões mínimos tais como a inclusão de um
conteúdo mínimo comum em seus programas, da mesma forma que
inspeciona presentemente os restaurantes para garantir a obediência a
padrões sanitários mínimos [...] (FRIEDMAN, 1984, p. 86).

3.2 A Instrução Secundária

A instrução secundária, considerada um valor econômico do


indivíduo, deve para Friedman, considerando-se a situação atual,
particularmente a apresentada naquele momento nos Estados Unidos,

Coleção Sociedade, Estado e Educação


combinar escolas públicas e particulares em direção à desnacionalização
das escolas públicas. Desse modo, apresenta como saída para esse
processo que:
Os pais que quiserem mandar os filhos para escolas privadas receberiam
uma importância igual ao custo estimado de educar uma criança numa
escola pública, desde que tal importância fosse utilizada em educação
numa escola aprovada. Essa solução satisfaria as partes válidas do
argumento do “monopólio técnico”. E também resolveria o problema
das justas reclamações dos pais quando dizem que, se mandarem os
filhos para escolas privadas, pagam duas vezes pela educação – uma vez
sob a forma de impostos e outra diretamente. Tal solução também
permitiria o surgimento de uma sadia competição entre as escolas. Assim,
o desenvolvimento e o progresso de todas as escolas seriam garantidos. A
injeção de competição faria muito para a preocupação de uma salutar
variedade de escolas. E também contribuiria para introduzir flexibilidade
nos sistemas escolares. E ainda ofereceria o benefício adicional de tornar
os salários dos professores sensíveis à demanda de mercado. Com isso, as
autoridades públicas teriam um padrão independente pelo qual julgar
escalas de salário e promover um ajustamento rápido à mudança de
condições de oferta e da procura (1984, p. 89).
Para Friedman (1984), essas proposições produziriam um
conjunto de situações resultantes de sua consumação em políticas
que poderiam resultar em: a) aplicação do bônus (cartão magnético,
cupom, vale, cédula, bolsa escola, etc.) financeiro (custo/aluno/anual)
do governo para os pais individualmente escolherem a escola para
seus filhos; b) aplicação do bônus torna-se determinante para o processo

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


32

de desnacionalização progressiva das escolas; c) a desnacionalização


e a permanência das escolas aprovadas com padrão mínimo imposto
para o seu funcionamento, e a competição entre as escolas existentes,
permitiriam que as escolas desnacionalizadas ou “fechadas” fossem
vendidas, principalmente material, equipamentos e instalações, às
empresas privadas que desejassem trabalhar nessa área; d) a aplicação
do bônus desobstruiria o excesso de conformidade gerado pela
intervenção governamental ao subsidiar educação, onerando a liberdade
individual e o livre mercado; e) a aplicação do bônus financeiro individual
permite a livre escolha de escolas, que deveriam ser avaliadas por
instituições independentes do Estado, inclusive para avaliação dos
conteúdos das disciplinas e dos alunos, além do desempenho dos
professores, a contratação direta de professores e diminuição da
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

uniformidade salarial, tomando o mérito como a fixação de valores,


favorecendo especialmente os considerados mais talentosos que são
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sempre poucos.

3.3 A Instrução de Nível Superior e a Preparação


Vocacional e Profissional

Para a instrução de nível superior, Friedman não admite a


possibilidade de uma nacionalização justificada como em algumas
situações; de forma muito restritiva, se poderia admitir para o nível
primário ou elementar, por exemplo. Desse modo, verifica-se a
admissão da centralidade da educação elementar como elemento apenas
relativamente significativo para o que considera uma sociedade livre, e
da negação taxativa da educação superior ofertada pelo Estado. A
proposição para superar e disciplinar o investimento governamental
em ensino superior passaria pela decisão na qual se deveria entender
que:
Qualquer subvenção deve ser passada aos indivíduos, para ser utilizada
em instituições de sua própria escolha, com a única condição de que
sejam do tipo e natureza convenientes. As escolas governamentais que
continuarem em funcionamento deveriam cobrar anuidades que
cobrissem os custos educacionais, competindo, assim, em nível de
igualdade com as escolas não subvencionais pelo governo [...]
(FRIEDMAN, 1984, p. 94).
Com relação à preparação vocacional e profissional voltada para
a qualificação dos recursos humanos, ele entende que “O investimento

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


33

em seres humanos não pode ser financiado nos mesmos termos ou


com a mesma facilidade do investimento em capital físico [...]. A
produtividade do capital físico não depende em geral da cooperação
do que tomou emprestado. A produtividade do ser humano está
evidentemente presa a essa dependência [...]” (FRIEDMAN,1984, p.
96).
Friedman admite a intervenção do governo somente em situações
ocasionadas por uma imperfeição do mercado. Tratar-se-ia de um
subinvestimento em capital humano. Mas argumenta que a única forma
adotada até agora foi a subvenção dos treinamentos vocacional e
profissional financiada pelos impostos comuns, o que considera
claramente imprópria, pois o indivíduo não arcará com nenhum dos
custos, prejudicando sempre outros indivíduos, alega.
Para não ocorrer prejuízo aos outros indivíduos e a subvenção
não gerar superinvestimento, a solução proposta seria a de que:

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Os indivíduos devem ser responsabilizados pelo custo de seu
investimento e receber as recompensas. Não devem ser impedidos pelas
imperfeições do mercado de fazer o investimento, se estão dispostos a
arcar com os custos. Um modo de obter tais resultados seria o governo
atuar no investimento em seres humanos em termos semelhantes aos
demais investimentos. Uma agência governamental poderia financiar
ou ajudar a financiar o treinamento de qualquer indivíduo que pudesse
satisfazer um padrão mínimo de qualidade. Ofereceria anualmente uma
soma limitada durante número especificado de anos, desde que os fundos
fossem utilizados em treinamento numa instituição reconhecida. Em
troca, o indivíduo concordaria em pagar ao governo em cada ano futuro
determinada porcentagem de sua renda [...] (FRIEDMAN, 1984, p.
99).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos inferir que as proposições apresentadas por Milton


Friedman sustentam um programa liberal, acentuando seu vínculo ao
liberalismo clássico (“direita renovada”) com nuances e capacidades
de mobilização organizacional e gerencial muito mais dinâmicas e
articuladas, particularmente na construção de mecanismos de controle
e aprimoramento de instituições e agências reguladoras e controladoras
em âmbito privado de ações econômicas, político-ideológicas e
financeiras. Os postulados teóricos e ideológicos que alimentam os
argumentos e as justificativas estabelecem pragmaticamente como

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


34

devem ser implementadas diversas políticas, particularmente para a


educação, e sugerem um conjunto de ações que estão impregnadas
em diversas orientações e condicionalidades emanadas dos organismos
internacionais como o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento,
Banco Mundial e FMI – Fundo Monetário Internacional, e sustentadoras
dos empreendimentos progressivamente intensificados nas últimas duas
décadas, através dos financiamentos externos para as reformas de
ajustes estruturais e setoriais nos diversos países (Cf. LEHER, 1998;
NOGUEIRA, 1999; BAER, 1993, FIORI, 2001; BANCO MUNDIAL,
1997; BID, 1999, DRAIBE, s/d.; DEITOS, 2000, 2005).
Muitos intelectuais e proposições governamentais defendidas
e/ou implementadas nas últimas duas décadas, particularmente a partir
de 1990, ganharam força teórica e ideológica como tendências liberais
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

ultra-conservadoras em âmbito mundial (cf. BANCO MUNDIAL, 1997)


e no Brasil. No Brasil, destacam-se algumas das proposições à política
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

educacional análogas ou convergentes com as proposições políticas


ideologicamente expressas por Friedman, tais como as sustentadas
por Moura Castro (2000); Guiomar Namo de Melo (1990) e Bresser-
Pereira (2003).
No Brasil, diversos programas e políticas educacionais
configuram-se nesse cenário e estão orientadas ideológica e
pragmaticamente para a consumação dessas proposições. O governo
FHC – Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e o governo Lula –
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), considerando-se as
particularidades e peculiaridades nacionais, têm sido excelentes e
promissores empreendedores dessas premissas na gestão do Estado
brasileiro do alto de seus palácios intocáveis. Basta verificar os
programas de avaliação do rendimento escolar aplicados nos diversos
níveis de ensino com vistas a classificar as escolas e torná-las
competitivas entre si e, conseqüentemente, servir de parâmetro para
o investimento de recursos públicos. Outra situação é a redução de
investimento público no ensino superior e o avanço do setor privado
nessa área. Também pode ser observado o maior número de créditos
educativos individualizados para pagamento de mensalidades nas
instituições privadas e a criação de subsídios oficiais para políticas
focalizadas e temporárias.
A transferência de recursos públicos para instituições privadas
desenvolverem capacitação profissional cresceu assustadoramente,
contando com altos investimentos governamentais e financiamentos
externos pagos pelo Estado. Os cursos profissionalizantes,
desvinculados ou não do ensino médio geral, estão sendo ofertados

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


35

de forma a atender a necessidades imediatas do mercado em instituições


que recebem apoio e financiamento público, mas estão sob controle
da iniciativa privada.
Diversas agências sociais estão sendo propostas pelas
instituições privadas e algumas pelo próprio governo como forma de
transferir ações governamentais para a esfera privada, de maneira que
a subvenção pública seja controlada por essas instituições.
No Brasil, como em muitos países periféricos e dependentes,
avançam programas de voluntariado e caridade privada, como os
programas Comunidade Solidária, Amigos da Escola, Bolsa Escola, o
Bolsa Gás, Bolsa Alimentação e Fome Zero, focalizados e destinados
para o “alívio da pobreza”, patrocinados pelo Estado como políticas
sociais abrangentes. Tais políticas, focalizadas e alimentadas como
ingredientes de uma crença renovada do liberalismo, são a forma para
a designação das caridades aplicáveis aos seus fiéis, demonstrando

Coleção Sociedade, Estado e Educação


que o Estado brasileiro nunca firmou políticas sociais, e no seu limite
como Estado capitalista nem poderia propor uma universalização da
política social de maneira substantiva. A manifestação concreta das
relações que produzem o Estado capitalista brasileiro atual explicita a
negação de qualquer política social que efetivamente possa gerar ganhos
sociais coletivos e estruturais que rompam com o quadro de
decomposição e degeneração social em que estamos imbricados.
Avançam, também, programas de desregulamentação e
desnacionalização de políticas e setores econômicos e sociais, para
facilitar o controle privado para os grupos hegemônicos nacionais e
internacionais que, a cada dia, aumentam seus volumes de riqueza e
reprodução de capital sem que tenham preocupação alguma com as
comunidades nacionais, com os interesses sociais coletivos que, para
eles, já se tornaram desnecessárias e incômodas, ou consideradas
resto de um passado histórico que atrapalha os seus exuberantes desfiles
de cosmopolitismo de cócoras (Cf. FIORI, 2001) como integrantes da
globalização do capital (Cf. MÉSZÁROS, 2002) rumo a uma deliberada
destruição de pressupostos e condições sociais, culturais, políticas e
ideológicas que possam revelar a realidade e traçar rumos sociais
efetivamente humanitários para a sociedade brasileira.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


36

REFERÊNCIAS

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ção viável para o Brasil? Brasília, DF: MEC: Instituto Nacional de Estu-
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Brasil. Campinas, SP: Unicamp: Faculdade de Educação. Tese (Dou-
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torado). Orientadora Dra. Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier. Fe-
vereiro de 2005. 357 p. (Biblioteca Faculdade de Educação: Unicamp).
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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


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Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


39

TRAZENDO O ESTADO DE VOLTA PARA A TEORIA:


O DEBATE POULANTZAS-MILIBAND REVISITADO

Alvaro Bianchi

Quando publicou The Political System, em 1953, David Easton


pretendia questionar o lugar ocupado pela noção de Estado na análise
política e apresentar um quadro analítico alternativo para estudo da
política como um sistema de comportamento e instituições. O
pressuposto desse empreendimento encontrava-se na afirmação de
que “nem o Estado nem o poder constituem um conceito que sirva
para desenvolver a investigação política” (Easton, 1953, p. 106). A

Coleção Sociedade, Estado e Educação


análise dos sistemas políticos desenvolvida por Easton e reformulada
a partir do funcionalismo (Almond e Powell, 1966) ou do pluralismo
(Dahl, 1956) estimulou um grande número de estudos nas mais
diversas áreas e permitiu à political science estadunidense banir por
um longo período a noção de Estado do âmbito dos estudos sobre a
política.
A vitória das teorias sistêmicas sobre as chamadas teorias
estadocêntricas foi, entretanto, uma vitória de Pirro. Escrevendo em
1981, quase trinta anos depois de decretar a morte da noção de Estado,
o mesmo Easton constatava, consternado, que o “Estado, um conceito
que muitos de nós pensavam que havia sido abandonado um quarto
de século atrás levantou-se de sua tumba para assombrar-nos mais
uma vez.” (1981, p. 303.) No mesmo ano, o encontro anual da American
Political Science Association assumia como seu tema central as
“mudanças do Estado”. Nada mal para um morto.
Os responsáveis por esse inesperado renascimento foram os
marxistas e, principalmente, Nicos Poulantzas e Ralph Miliband. As
publicações de Pouvoir Politique et Classes Sociales (1968) e
imediatamente a seguir de The State in Capitalist Society (1969) marcam
uma ruptura no interior do próprio marxismo. Em sua reconstrução
da trajetória do marxismo ocidental, Perry Anderson (2004) destacou
a subvalorização da política pela teoria marxista do pós-guerra. Nas
obras de Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Jean
Paul Sartre, Henri Lefebvre e Louis Althusser, a filosofia e a cultura
ocupavam os lugares de destaque, enquanto a economia e a política

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


40

encontravam-se relegadas a uma posição secundária, quando não eram


simplesmente ignoradas.
A publicação desses livros rompe com as ênfases até então
postas e traz de novo o Estado e a política para o centro do pensamento
marxista. Evidentemente essas obras haviam sido concebidas muito
antes das revoltas estudantis e operárias que agitaram o final dos anos
1960 e boa parte da década seguinte. É certamente um anacronismo
vincular a produção delas a esse contexto. Michael Newman, em sua
biografia de Ralph Miliband, mostra como este estava às voltas com
um livro sobre o Estado desde pelo menos maio de 1962 (Newman,
2002, p. 185). E Poulantzas se manifestou mais de uma vez a respeito
da política nas páginas de Le Temps Modernes sem obter muito eco
(cf. os textos reunidos em Poulantzas, 1975). Mas foi em um novo
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contexto político que essas obras encontraram seu público e que


estimularam uma retomada dos estudos marxistas sobre o Estado e a
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

política.
O impacto desses livros pode ser avaliado pela reação que
provocaram no mainstream da political science estadunidense. O
impacto é ainda mais revelador porque a repulsa que este demonstrou
pelo marxismo esteve geralmente sustentada pelo desconhecimento
ou por uma imagem caricatural deste, e foi marcada sempre por uma
indiferença olímpica. Mas o próprio Easton (1981) foi obrigado a
reconhecer que o “sistema político” encontrava-se “sitiado pelo [conceito
de] Estado” e a atribuir principalmente a Poulantzas essa nova relação
de forças. Já não bastava a olímpica indiferença e Easton foi obrigado
a lutar em defesa de sua análise sistêmica no campo do adversário,
abandonando a atitude perante à teoria marxista que havia caracterizado
o mainstream até então.
A resposta de Easton tinha razão de ser. Não apenas Poulantzas
e Miliband haviam desenvolvido de modo original a teoria marxista do
Estado, como o haviam feito por meio de uma crítica explícita às teorias
hegemônicas na ciência política. Citando Runciman, o autor de Pouvoir
Politique et Classes Sociales, afirmava que o funcionalismo “não só
diretamente se filia ao historicismo, como também se apresenta –
através da importância que assume – como a ‘alternativa’ ao marxismo”
(Poulantzas, 1977, p. 38).1 Daí a importância do marxismo acertar as

1 Segundo Runciman, “na ciência política só há na verdade um único candidato sério a essa
teoria [geral] – usando teoria em seu sentido não prescritivo – à parte o marxismo. (...) Essa
abordagem alternativa ao marxismo é a [teoria] funcionalista” (Runciman, 1966, p. 111).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


41

contas com o funcionalismo, e principalmente com a teoria de Talcott


Parsons, para desenvolver sua própria teoria. Miliband, por sua vez,
escolhia como adversárias as teorias democrático-pluralistas: “tendo
esboçado a teoria marxista do Estado [em Miliband, 1965] eu estava
preocupado em colocá-la de encontro às visões dominantes,
democrático-pluralistas, e em mostrar as deficiências destas últimas
da única maneira que me parecia possível, nomeadamente, em termos
empíricos.” (Miliband, 1970, p. 54.)
A opção de Poulantzas e Miliband ao construir suas análises do
Estado capitalista a partir de uma crítica das teorias funcionalistas e
pluralistas, teve como conseqüência uma ruptura com o padrão anterior
de produção e difusão da teoria marxista. Ao invés da enésima exegese
dos textos marx-engelsianos e da incansável busca da verdade destes,
Poulantzas e Miliband assumiram esses textos como um ponto de
partida para a reflexão teórica, ao mesmo tempo que admitiam os

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postulados das teorias hegemônicas da political science como desafios
teóricos que precisariam ser respondidos pela teoria marxista. Ao
proceder desse modo, reposicionaram o marxismo no contexto
intelectual e forçaram uma reação por parte do mainstream que acabou
por conferir legitimidade acadêmica a suas obras.2

O ESTADO COMO OBJETO DE PESQUISA

Depois de uma rápida exposição daquelas que considera ser as


linhas gerais do marxismo e de sua constituição em duas disciplinas
unidas mas distintas – o materialismo histórico e o materialismo
dialético –, exposição essa fortemente amparada na leitura de Althusser,
o autor de Pouvoir politique et classes sociales afirma ser seu objetivo
a produção de conceitos e, particularmente, a produção de conceitos
de uma estrutura regional, o político: “é o político o objeto deste ensaio,

2 A recepção da obra de Poulantzas e Miliband não segue o mesmo ritmo devido ao fato do
primeiro ter publicado seu livro originalmente em francês e apenas cinco anos depois ele ter sido
traduzido para o inglês. Essa é uma das razões, juntamente com o estilo literário, para que a
difusão de Miliband tenha sido maior no contexto anglo-saxão. Uma vez que a publicação pela
New Left Review dos primeiros artigos da polêmica Miliband-Poulantzas, que será discutida neste
artigo, antecedem a tradução de Pouvoir Politique et Classes Sociales, não é exagero afirmar
que foi por meio destes artigos que Poulantzas se tornou primeiramente conhecido na Inglaterra
e nos Estados Unidos. Vale ressaltar, entretanto, que desde 1969 o público latino-americano
tinha acesso à edição mexicana do livro de Poulantzas, publicada pela editora Siglo XXI e que
a mesma editoria publicou o livro de Miliband no ano seguinte.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


42

em particular a superestrutura política do Estado no modo de produção


capitalista, quer dizer a produção do conceito desta região neste modo,
e a produção de conceitos mais concretos referentes ao político nas
formações sociais capitalistas.” (Poulantzas, 1977, p. 15.)
A distinção entre conceitos teóricos e conceitos empíricos
afirmada por Althusser é fundamental para compreender o objetivo
anunciado por Poulantzas. Rejeitando incisivamente o empirismo,
Althusser considerava que os conceitos teóricos tinham por objeto
determinações ou objetos abstrato-formais. “Esses conceitos não nos
dão um conhecimento concreto de objetos concretos e sim o
conhecimento de determinações ou elementos (diremos objetos)
abstrato-formais que são indispensáveis para a produção do
conhecimento concreto de objetos concretos.” (Althusser, 1997, p.
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76.) Os conceitos empíricos, por sua vez, dizem respeito às


determinações da singularidade que caracterizam os objetos concretos
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que têm lugar na história, como, por exemplo, as características de


uma dada formação social ou de uma forma estatal que tem uma
existência concreta em uma dimensão espacial e temporal dada.
Segundo Althusser, esses “conceitos acrescentam assim uma coisa
essencial aos conceitos teóricos em sentido preciso: as determinações
da existência (em sentido preciso) dos objetos concretos.” (Althusser,
1997, p. 77.)
Afirmando a necessidade de produzir conceitos teóricos sobre
a estrutura regional do político, Poulantzas descarta nesse livro a análise
concreta de qualquer forma estatal historicamente dada e propõe uma
análise conceitual do Estado capitalista em particular. Não se trata,
evidentemente, de deslegitimar toda análise concreta ou a produção
de conceitos empíricos. Mas, devido ao escasso desenvolvimento de
uma teoria regional do político a produção desses conceitos empíricos
deveria ser antecedida pela produção dos conceitos teóricos.
Essa atividade de produção de conceitos teóricos é levada a
cabo de modo rigoroso em Pouvoir Politique, mas chama a atenção
que, apesar de sua forte crítica ao funcionalismo, seu autor opte por
definir o Estado por meio de suas funções, explicitando menos o que
o Estado é e mais o que ele faz. Tomando como ponto de partida a
existência de diversos níveis ou instâncias no interior da estrutura,
que apresentariam desenvolvimento desigual, Poulantzas concebe o
Estado como uma estrutura objetiva que tem a função particular de
[...] constituir o fator de coesão dos níveis de uma formação social. É
precisamente o que o marxismo exprimiu, concebendo o Estado como

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


43

fator da ‘ordem’, como ‘princípio de organização’, de uma formação,


não no sentido corrente dos níveis de uma unidade complexa, e como
fator regulador do seu equilíbrio global enquanto sistema (Poulantzas,
1977, p. 42).
Essa função geral de coesão da unidade se traduz em diversas
modalidades referentes aos diversos níveis nos quais se articula uma
formação. Na sua função técnico-econômica o Estado é “intérprete
dos interesses da classe dominante e direção geral do processo de
trabalho”, enquanto que, em sua função ideológica organiza a educação,
o ensino, etc., e a função propriamente política consiste na “manutenção
da ordem política no conflito de classe” (Poulantzas, 1977, p. 51).
Esta última função política sobredetermina as demais funções exercidas
pelo Estado nos diferentes níveis na medida em que estas são
necessárias para a manutenção da unidade de uma formação social no
interior da qual há uma dominação de classe.
Miliband (1972, p. 8)deu a conhecer que teve acesso a essas

Coleção Sociedade, Estado e Educação


idéias de Poulantzas pouco antes de completar The State in Capitalist
Society. Newman revelou, por meio da correspondência entre
Poulantzas e Miliband, que foi o próprio autor de Pouvoir politique et
classes sociales quem lhe enviou o livro, com uma carta que dizia:
“Conheço seu livro, Parliamentary Socialism e seus artigos,
particularmente ‘Marx and the State’, o qual ajudou muito em meu
trabalho. Seus comentários e conselhos seriam muito úteis.” (Apud
Newman, 2002, p. 203.) Miliband agradeceu o livro e respondeu
prontamente: “Seu livro tornou-me apenas mais consciente das
deficiências teóricas de meu próprio trabalho e das limitações do
método que escolhi usar. Mas talvez exista alguma utilidade em mostrar
os mecanismos de dominação” (idem). A resposta de Poulantzas
destacava a complementariedade dos projetos:
Estou verdadeiramente entusiasmado com seu projeto e seu livro:
acredito que é indispensável e, certamente, não duplicará o meu. Penso,
sem falsa modéstia, que será muito mais importante que o meu, já que
estou consciente de ter permanecido em um nível ainda muito teórico
(Idem).
O livro de Miliband já estava quase pronto quando dessa troca
de correspondência e veio à luz um ano após. The State in Capitalist
Society iniciava com uma forte crítica das teorias pluralistas da política,
para, a seguir, expor rapidamente aquela que considerava ser a única
alternativa teórica: o marxismo. O ponto chave dessa rápida exposição
era a conhecida passagem do Manifesto comunista, na qual Marx e

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


44

Engels afirmavam ser o Estado “um comitê para gerir os negócios


comuns de toda a burguesia” (apud Miliband, 1972, p. 16). Segundo
Miliband, os autores do Manifesto “jamais abandonaram o ponto de
vista de que, na sociedade capitalista, o Estado era, acima de tudo, o
instrumento coercitivo de uma classe dominante, ela própria definida
em termos de sua propriedade e de seu controle sobre os meios de
produção.” (Miliband, 1972, p. 16. Grifos meus.)
A escolha desse texto já marca uma importante diferença com
a abordagem de Poulantzas. É absolutamente surpreendente que em
Pouvoir politique et classes sociales não se cite essa que é, certamente,
a mais conhecida definição de Marx e Engels sobre o Estado. Miliband,
por sua vez, não apenas reivindicava explicitamente essa definição,
como fazia dela o fio vermelho sobre o qual conduzia seu argumento.
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Com base nesse texto, a relação estabelecida entre poder econômico e


poder político era uma relação profunda:
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No esquema marxista, a ‘classe dominante’ da sociedade capitalista é a


classe que possui e controla os meios de produção e que é capaz, em
virtude do poder econômico que em decorrência disso lhe é conferido,
de usar o Estado como instrumento de dominação da sociedade
(Miliband, 1972, p. 36).
Estabelecida essa relação, a função do Estado passava a ser
concebida como sendo a de guardar e proteger os interesses
econômicos da classe dominante:
[...] o Estado, naquelas sociedades de classe, é antes de mais nada e
inevitavelmente o guardião e protetor dos interesses econômicos que
nela estão dominando. Seu objetivo e missão ‘real’ é assegurar o seu
predomínio continuado e não impedi-lo (Miliband, 1972, p. 322).
O Estado não era concebido por Miliband como uma coisa ou
um objeto. “O ‘Estado’ significa um número de determinadas
instituições que em seu conjunto constituem a sua realidade e que
interagem como partes daquilo que pode ser denominado sistema
estatal.” (Miliband, 1972, p. 67.) Governo, administração, forças
armadas, governos subnacionais e assembléias legislativas são as
principais instituições que dão forma a esse sistema estatal.
É nessas instituições que se apóia o ‘poder estatal’ e é através delas que
esse poder é dirigido em suas diferentes manifestações pelas pessoas que
ocupam as posições dirigentes em cada uma dessas instituições (...). São
essas as pessoas que constituem aquilo que pode ser descrito como a elite
estatal (Miliband, 1972, p. 72-73).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


45

Demonstrar a relação existente entre essa elite estatal e os


detentores do poder econômico é o objetivo de The State in Capitalist
Society. Tal demonstração torna-se necessária uma vez que aquela
relação profunda que era estabelecida entre o poder político e o poder
econômico não se manifestava imediatamente nos processos históricos
concretos. Miliband recordava que esse problema já havia sido posto
por Karl Kaustky, o qual observava que “a classe capitalista domina,
mas não governa” e que essa classe “se contenta em dominar o
governo” (apud Miliband, 1972, p. 74). Estabelecer o nexo profundo
entre poder político e poder econômico era, assim, fundamental para
contra-restar o argumento pluralista.
Miliband procurou demonstrar essa relação por meio de uma
intensa pesquisa empírica. Já em sua correspondência com Poulantzas
havia reconhecido que o objetivo principal de seu livro não era expor a
teoria marxista do Estado e sim revelar os mecanismos de dominação.

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Para tal, ao contrário de Pouvoir politique et classes sociales, no qual
era raro o recurso a casos concretos, as referências a situações
históricas concretas e a estudos empíricos são abundantes em The
Sate in Capitalist Society.
O debate Poulantzas-Miliband tem início com a publicação pela
New Left Review de uma resenha do livro The State in Capitalist Society,
escrita por Poulantzas (1969). O resenhista reconhecia que o livro de
Miliband tinha uma “importância capital” (Poulantzas, 1969, p. 667) e
afirmava que seu autor havia mobilizado uma assombrosa massa de
material empírico que lhe permitiu “não apenas demolir radicalmente
as ideologias burguesas do Estado, mas fornecer-nos um conhecimento
positivo, coisa que aquelas ideologias nunca haviam sido capazes de
produzir.” (Idem, 1969, p. 69.)
O tom do texto publicado era francamente amigável, como
reconheceu Miliband em carta a Poulantzas, na qual afirmou ter
apreciado muito o artigo e embora discordasse de algumas críticas,
considerou-as uma “contribuição crucial ao tema” (apud Newman,
2002, p. 204). A resposta de Miliband, publicada no número seguinte
da mesma revista reforçou essa atitude e destacou a importância dessa
discussão para a elucidação de conceitos e temas “de importância
crucial para o projeto socialista” (1970, p. 53). As questões principais
que organizaram o debate não disseram respeito, entretanto,
diretamente à teoria do Estado e sim ao método e objeto de uma
pesquisa marxista sobre o Estado.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


46

EMPIRISMO E TEORICISMO: QUESTÕES DE MÉTODO

O debate Poulantzas-Miliband tem, em primeiro lugar um caráter


fortemente metodológico. Segundo Clyde Barrow, ele “[...] nunca foi
apenas um desacordo conceitual ou empírico sobre a natureza do
Estado capitalista; ele foi desde o começo uma disputa epistemológica
sobre a existência de uma metodologia especificamente marxista.”
(Barrow, 2002, p. 4. Cf. tb. Laclau, 1975, p. 88.) Poulantzas, de fato,
iniciou seu primeiro comentário afirmando que eles “derivarão de
posições epistemológicas aqui apresentadas que diferem daquelas de
Miliband.” (Poulantzas, 1969, p. 67.) A crítica principal que lhe dirigiu
era a ausência de um tratamento teórico do Estado:
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[...] uma precondição de qualquer enfoque científico do ‘concreto’ é


tornar explícitos os princípios epistemológicos de seu próprio tratamento
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deste. Agora, é importante notar que Miliband em lugar algum trata da


teoria marxista do Estado como tal, embora ela esteja constantemente
implícita em sua obra. Ele a toma como uma espécie de ‘dado’ de modo
a responder às ideologias burguesas examinando os fatos a sua luz
(Poulantzas, 1969, p. 69).
Ao considerar as proposições da ciência politica democrático-
pluralista como proposições empíricas, Miliband não levaria o terreno
da disputa para a arena da teoria (cf. Laclau, 1975, p. 88). Ao invés de
confrontar teoricamente a teoria democrático-pluralista, The State in
Capitalist Society procurava demonstrar sua inadequação aos fatos. O
efeito resultante dessa opção metodológica era, segundo Poulantzas,
uma subordinação às problemáticas teóricas adversárias e,
particularmente, ao empirismo característico da ciência política anglo-
saxã (Poulantzas, 1969, p. 69). Uma vez que esse empirismo era
elemento fundante da perspectiva democrático-pluralista, percebe-se
como a elisão do confronto teórico não apenas deixava de pé os
fundamentos dessa teoria como, também, resultava na incorporação
pelo marxismo de seus pressupostos metodológicos.
A ausência de uma explícita afirmação da problemática teórica
que organizava sua pesquisa implicava na ausência daquele sistema de
referências internas que daria inteligibilidade não apenas às perguntas
que direcionavam a pesquisa como também às respostas às quais
poderia chegar.3 A unidade da idéias, noções e conceitos que compõem
o campo teórico a partir do qual um autor explica seu próprio

3 Sobre o conceito de problemática ver Althusser (1979, p. 43-59).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


47

pensamento e a partir do qual outros podem chegar a uma


compreensão efetiva – e não apenas alusiva – do pensamento desse
autor permaneceria oculta em The State in Capitalist Society. Mas
existiria em Miliband uma problemática propriamente marxista,
insinuava Poulantzas?
Miliband respondeu, um tanto incomodado, que já havia feito a
exposição de sua “problemática” em outra ocasião (Miliband, 1965) e
que não necessitava repeti-la. O incomodo era maior porque, na
correspondência pessoal, Poulantzas havia dito ter lido “Marx and the
State” e ter feito uso dele. A questão não era, portanto, se Miliband
tinha ou não uma teoria do Estado e sim qual o método adequado para
a pesquisa marxista sobre o Estado. De fato, todo o empenho do
autor em The State in Capitalist Society parece ter um viés popperiano
e estar voltado para falsear a teoria democrático-pluralista por meio de
dados empíricos. Laclau resumiu de modo apropriado esse método,
quando escreveu que ele “[...] consiste substancialmente do seguinte:

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começar com uma afirmação corrente da ciência política burguesa,
demonstrar que os fatos estão em contradição com ela e, concluir,
conseqüentemente, que a afirmação é falsa” (Laclau, 1975, p. 88).
Miliband prontamente rejeitou em sua resposta a acusação de
empirismo e procurou marcar a diferença entre a pesquisa empírica e
o empirismo. De modo geral, considerava necessário destacar “a
absoluta necessidade de pesquisa empírica e de demonstração empírica
da falsidade dessas ‘problemáticas’ opostas e apologéticas” (Miliband,
1970, p. 55). Mas a afirmação dessa necessidade não implicaria em
uma problemática empirista subjacente, ou seja, não implicara em
reconhecer exclusivamente na experiência a fonte de todo conhecimento
ou a fonte da validação desse conhecimento. Embora uma
“problemática” propriamente marxista não fosse explicitada no texto
de seu livro, Miliband argumentava que ela se encontrava implícita, o
que era reconhecido pelo próprio Poulantzas (idem, p. 54 e Poulantzas,
1969, p. 69).
Essa argumentação foi desenvolvida e aprofundada em uma
resenha da versão inglesa de Pouvoir politique et classes sociales,
publicada na mesma New Left Review em 1973. O tom desse artigo
era, entretanto, outro. Antes mesmo da primeira troca de artigos entre
Poulantzas e Miliband, este último havia escrito a Rosana Rossanda
que o livro publicado no ano anterior na França lhe havia desapontado.
Segundo ele, “as acrobacias hiperteóricas pareciam demonstrar a
fraqueza do método althusseriano” (apud Newman, 2002, p. 203).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


48

Foi, provavelmente, a irritação crescente com o teoricismo de


Poulantzas o que levou o autor inglês a tornar mais agressivo seu
texto.
Nesta nova intervenção no debate, Miliband abandonou a noção
de “superdeterminismo estrutural”4 por meio da qual procurava
caracterizar o pensamento de Poulantzas e procurou seus traços
distintivos nos pressupostos epistemológicos deste. Assim, o
teoricismo da obra de Poulantzas residiria em um “abstracionismo
estruturalista” que orientava epistemologicamente a pesquisa do autor
de Pouvoir politique et classes sociales. Por abstracionismo
estruturalista, entendia Miliband que
[...] o mundo das ‘estruturas’ e ‘níveis’ os quais [Poulantzas] habita
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tem tão poucos pontos de contato com a realidade histórica ou


contemporânea que isso lhe barra qualquer possibilidade de realizar o
que ele denomina como ‘a análise política de uma conjuntura concreta’
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(Miliband, 1973, p. 86).


O modelo epistemológico que sustenta o projeto de pesquisa
de Poulantzas em Pouvoir politique et classes sociales é explicitamente
referenciado naquele apresentado por Althusser em Pour Marx. O
processo de conhecimento nesse modelo seria um processo de
produção em grande parte análogo ao processo de produção material.
A prática que organizaria ambos os processos era definida, de modo
geral, como uma “transformação de uma determinada matéria-prima
dada em um produto determinado, transformação efetuada por um
determinado trabalho humano, utilizando os meios (‘de produção’)
determinados.” (Althusser, 1979, p. 144.) Embora definisse a prática
como um processo, o autor de Pour Marx destacava que o momento
determinante desse processo era o trabalho de transformação. A partir
dessa definição de prática em geral, a teoria era apresentada como
uma “forma específica de prática”, a prática teórica, capaz de
transformar uma matéria-prima formada por representações, conceitos
e fatos de modo a produzir conhecimento. O processo do
conhecimento seria, assim, o processo de realização dessa prática
teórica no qual conceitos gerais, denominados por Althusser de
Generalidades I, constituiriam a matéria-prima que será transformada
em conceitos especificados, as Generalidades III:

4 Segundo Miliband, “Poulantzas condena o ‘economicismo’ da Segunda e da Terceira Interna-


cionais e atribui a isso o fato delas terem negligenciado o Estado, Mas sua própria análise parece
conduzir diretamente para um tipo de determinismo estrutural, ou ainda um superdeterminismo
estrutural, o qual torna impossível uma abordagem verdadeiramente realista da relação dialética
entre o Estado e ‘o sistema’” (Miliband, 1970, p. 57).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


49

Quando uma ciência já constituída desenvolve-se, ela elabora sobre


uma matéria prima (Generalidades I), constituída seja de conceitos ainda
ideológicos, seja de ‘fatos’ científicos, seja de conceitos já cientificamente
elaborados mas que pertencem a um estágio anterior da ciência (uma
ex-Generalidade III). É por conseguinte, ao transformar essa
Generalidade I em Generalidade III (conhecimento) que a ciência
trabalha e produz (Althusser, 1979, p. 160).
A transformação da Generalidade I em Generalidade III ocorreria
por meio da Generalidade II, o sistema teórico determinado de uma
ciência, que não seria, senão, a generalidade que “trabalha” sobre a
generalidade trabalhada de modo a produzir uma generalidade
especificada, um concreto teórico produto desse trabalho. Para
compreender essa exposição do trabalho teórico feita por Althusser, é
importante, destacar, em primeiro lugar que a passagem da
Generalidade I à Generalidade III e, portanto, do abstrato ao concreto,

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ocorreria completamente no âmbito da prática teórica e, seria, portanto,
um ato de conhecimento. No processo de conhecimento o abstrato
não seria, desse modo, a teoria, assim como o concreto não é a realidade
material.
Concebendo o processo de conhecimento como um processo
que tem lugar integralmente no âmbito da teoria, Althusser descarta a
idéia de que a ciência trabalharia sobre um existente imediatamente
dado. Tal idéia, própria do empirismo implicaria, no reconhecimento
de que a teoria operaria sobre os fatos. Ora, a teoria opera sempre
sobre o geral e produz seus próprios fatos:
O seu trabalho peculiar consiste, ao contrário, em elaborar os seus
próprios fatos científicos, através de uma critíca dos ‘fatos’ ideológicos
elaborados pela prática teórica ideológica anterior. Elaborar os seus próprios
‘fatos’ específicos é, ao mesmo tempo, elaborar a sua própria ‘teoria’,
pois o fato científico – e não o assim chamado fenômeno puro – só é
identificado no campo de uma prática teórica (Althusser, 1979, p. 160).
Althusser reconhece, já no prefácio da edição italiana de Ler o
Capital, que sua concepção inicial encontrava-se marcada pelo
teoricismo. Mais tarde confessou que sua abordagem tratava-se de
uma modalidade do racionalismo especulativo na qual a teoria assumia
prioridade sobre a prática (Althusser, 1978, p. 95). O ponto principal
da autocrítica concentrava-se no conceito de prática teórica e na
produção, por meio deste, de uma epistemologia especulativa. Em um
sentido materialista uma epistemologia poderia ter permitido o estudo
do conjunto das condições materiais e ideais de produção do

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


50

conhecimento, mas no sentido especulativo que ela havia recebido


nos primeiros textos de Althusser, ela não era, senão, uma teoria da
prática científica e, nesse sentido, identificava-se com a própria filosofia,
definida então como a “teoria da prática teórica” (Althusser, 1979, p.
149). Por meio do conceito de prática teórica o antigo problema da
relação teoria-prática era resolvido por Althusser, restringindo essa
relação ao âmbito da própria teoria:
É nesse duplo sentido que a teoria importa à prática. A ‘teoria’ importa
à sua própria prática, diretamente. Mas a relação de uma ‘teoria’ com a
sua prática, na medida em que está em causa, interessa também com a
condição de ser refletida e enunciada a própria Teoria geral (a dialética),
onde se exprime teoricamente a essência da prática teórica em geral,
através desta a essência da prática em geral, e através desta a essência das
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transformações, do ‘devir’ das coisas em geral (Althusser, 1979, p. 146).


Como visto, era essa epistemologia althusseriana o pressuposto
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metodológico que orientava a pesquisa de Poulantzas. O efeito desse


pressuposto não deixou de ser o teoricismo que carregava
originalmente. Definindo abstratamente os diferentes conceitos a partir
dos quais organizava sua exposição, Poulantzas construiu um
argumento circular no qual um conceito abstrato encontrava sua
explicação em outro conceito abstrato, produzindo um sistema
conceitual incapaz de estabelecer qualquer nexo com o real. Em sua
intervenção no debate, Ernesto Laclau manifestou sua discordância
com a noção de “superdeterminismo estrutural” apresentada
inicialmente por Miliband, mas concordou com a caracterização do
“abstracionismo estruturalista”. Argumentava Laclau que a pesquisa
marxista da política deveria ser capaz de:
[...] (a) indicar os pontos de conflito entre a esfera da confrontação
‘empírica’ e o sistema teórico em questão [...] ; (b) começar com os
pontos em discórdia para identificar os problemas teóricos; (c) começar
com os problemas teóricos para demonstrar as contradições teóricas
internas as quais levam ao colapso do sistema teórico; (d) propor um
sistema teórico alternativo o qual pode ultrapassar as contradições
internas do precedente (Laclau, 1975, p. 95).
Miliband, como já foi visto procurava confrontar em The State
in Capitalist Society, os pressupostos da teoria democrático-pluralistas
com os resultados da pesquisa empírica por ele levantados para, desse
modo, procurar falseá-los, ou seja, mostrar a inadequação desses
pressupostos para a análise do real. O escasso tratamento teórico
dedicado à questão do Estado em seu livro impedia Miliband, entretanto,

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


51

de ir além dos testes de falseabilidade e de chegar até o ponto de


desenvolvimento da pesquisa no qual seria possível propor um sistema
teórico alternativo que ultrapassasse aquele que tinha sido objeto da
crítica.
Poulantzas, por sua vez, segundo Laclau, não confrontaria nem
empírica nem teoricamente as problemáticas adversárias, pulando
diretamente para a apresentação de um sistema teórico alternativo.
De fato, chama a atenção de que embora tenha começado sua obra
criticando as teorias concorrentes, marcadamente as teorias estrutural-
funcionalistas, Poulantzas forneça poucos argumentos para rejeitar
essas teorias, restringindo-se à apresentação rigorosa dos conceitos
que constituiriam a teoria regional do político, na expectativa de que o
rigor da exposição bastaria para rejeitar as teorias concorrentes. Assim,
Poulantzas não procura demonstrar as contradições internas das
problemáticas que rejeita e o modo a partir da qual sua própria

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problemática superaria aquelas contradições, mas confina a si próprio à
descrição dos pontos de discrepância (Laclau, 1975, p. 96).
Procedendo dessa maneira, Poulantzas apenas demonstraria a
inadequação de outras problemáticas a sua própria problemática,
chegando à conclusão banal de que as teorias estrutural-funcionalistas
não eram marxistas. Ora, essa demonstração é obviamente insuficiente
para justificar a recusa das problemáticas opostas e carrega consigo
uma enorme carga de dogmatismo. Segundo Laclau, “o que está
faltando em Poulantzas é uma concepção dialética do processo de
conhecimento, mas essa concepção é incompatível com a idéia de
problemáticas como universos fechados, sem conexão com as
contradições internas das problemáticas precedentes.” (Idem, p. 97.)
Esse modo de tratar as diferentes problemáticas não era
decorrente, entretanto, dos pressupostos metodológicos assumidos,
uma vez que o processo de transformação das Generalidades I em
Generalidades III, por meio do trabalho teórico presente nas
Generalidades II, poderia ser, também, um processo de retificação
dos erros presentes em problemáticas anteriores. Ou seja, as
Generalidades I poderiam ser, muito bem os conceitos ideológicos
próprios das problemáticas precedentes, a partir dos quais o trabalho
da teoria daria lugar a novos conceitos. A radical descontinuidade entre
as Generalidades I, II e II era o que permitiria falar de corte
epistemológico e recusar a autogênese do conceito própria do
pensamento hegeliano.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


52

A critica de Miliband e Laclau ao abstracionismo estruturalista


tocou em temas importantes e motivou uma resposta de Poulantzas
na qual evidenciava-se importantes inflexões em seu pensamento.
Embora Poulantzas discordasse prontamente da acusação que lhe havia
sido lançada, estava disposto a reconhecer os problemas que sua
perspectiva carregava. A perspectiva epistemológica anti-empirista e
anti-positivista que orientava Pouvoir politique et classes sociales exigia
que os fatos concretos fossem analisados com a ajuda de um aparelho
teórico. As análises concretas estariam presentes nessa obra, ao
contrário do que Miliband afirmava, mas elas estariam aí como objetos
da teoria. Mas se a crítica referente à ausência de análises concretas
era infundada, era preciso reconhecer que essa perspectiva
epistemológica envolvia certo teoricismo (Poulantzas, 1976, p. 66).
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No processo de produção de conhecimento por meio das


Generalidades II, o fato de começar com as Generalidades I e terminar
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com as Generalidades III, movendo-se sempre no âmbito da teoria,


criava a impressão de que “o processo teórico, ou ‘discurso’, poderia
encontrar o critério de sua validação ou ‘cientificidade’ em si mesmo.”
(Poulantzas, 1976, p. 66.) A adequação do resultado do processo de
produção do conhecimento seria, desse modo, validada por meio da
adequação dos meios teóricos utilizados para a obtenção desse
resultado. Se o trabalho das Generalidades II tivesse sido levado de
modo correto, o resultado seria correto. Esse viés teoricista que
encontrava sua máxima expressão no conceito de prática teórica era
entretanto, afirmava Poulantzas, mais forte em Althusser (e ainda mais
em Balibar) do que nele próprio. Os cuidados que teria tomado na
introdução de Pouvoir politique et classes sociales, bem como a
inexistência desse termo em sua obra atestariam a distância que ele
teria tomado, desde um primeiro momento, desse conceito e das
formas mais exacerbadas de teoricismo que a este estavam associadas.
O teoricismo, entretanto, ainda estaria presente, embora de
forma atenuada e teria levado Poulantzas a uma distinção muito aguda
entre a ordem da pesquisa e a ordem da exposição, destacando
unilateralmente esta última, o que fazia com que, freqüentemente, as
análises concretas fossem apresentadas “como meros exemplos ou
ilustrações do processo teórico” (Poulantzas, 1976, p. 67). Esse
problema próprio da exposição, destacava ainda mais o teoricismo
original e criava a falsa impressão de que as análises concretas
emanavam dos conceitos abstratos. Esta posição secundária ocupada
pelas análises concretas, por sua vez, implicava em um elevado
formalismo, conforme havia apontado Laclau.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


53

A posição de Poulantzas não lhe permitia uma resposta eficaz.


Argumentava a respeito da necessidade de tratar os “fatos concretos”
teoricamente e assinalava que tanto em Fascisme et Dictadure (1970)
como em Classes sociales dans capitaliste aujourd’hui (1974) tinha levado
a cabo análises históricas concretas. Por outro lado, escrevia que ao
contrário do que seria de se esperar, essas análises se encontravam
ausentes em Miliband, que se limitava a apresentar “descrições
narrativas” que se assemelhavam fortemente aquilo que Wright Mills
havia chamado de “abstracionismo empiricista”. As questões
metodológicas postas em discussão por Laclau, entretanto,
permaneciam sem uma resposta adequada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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No contexto intelectual anglo-saxão, esse debate foi interpretado
freqüentemente como uma oposição entre teorias instrumentalistas
(Miliband) e teorias estruturalistas do Estado (Poulantzas). É assim,
por exemplo, na conhecida apresentação do debate sobre o Estado
publicada por Gold, Lo e Wright, na revista Monthly Review (1975).4
Se fosse aplicado, neste caso, o critério metodológico mínimo da
abordagem contextualista – um autor deveria ser capaz de reconhecer
aquilo que disse na interpretação que é feita dele – provavelmente
Poulantzas e Miliband não se reconheceriam nessa interpretação. De
fato, ambos criticaram mais de uma vez as simplificações do marxismo
oficial e protestaram mais de uma vez contra essas etiquetas.
Lido como uma suposta oposição entre teorias instrumentalistas
e estruturalistas, esse debate não deixaria de ser um capítulo irrelevante
da história do pensamento político marxista assim que o equívoco se
desfizesse. (cf. afirmaram p. ex. Jessop, 1982, p. xiv e Holloway e
Piccioto, 1979, p. 2, Panitch, 1995, p. 13). Se o debate ainda desperta
interesse (cf. Aronowitz e Bratsis, 2002) é porque ele tocou em questões
vitais para o desenvolvimento da teoria marxista do Estado e da política.
Particularmente importante foram as questões metodológicas tratadas
nesse debate. É de se questionar, entretanto, se algum dos participantes
desse debate chegou a alguma solução satisfatória às questões
levantadas.

4 Ver a crítica desta abordagem em Carnoy (2003, p. 137) e Barrow (2002).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


54

A própria trajetória de Poulantzas e Miliband revela o impacto


da discussão e os impasses aos quais haviam chegado. O primeiro
dedicou-se cada vez com maior ênfase à “analise de casos concretos”
(Poulantzas, 1970, 1974 e 1974a), enquanto que o segundo voltou à
teoria (Miliband, 1977). Debatendo-se contra os limites de suas próprias
formulações esses autores revelaram o estágio incipiente de
desenvolvimento de uma teoria marxista do Estado e da política.
Continuaram, desse modo, empenhados na superação dos limites
empíricos, teóricos e metateóricos que haviam ficado evidentes ao
longo do debate. As alternativas teórico-analíticas que procuraram
construir após o debate parecem indicar um empenho cada vez mais
intenso de fusão dos materiais da pesquisa empírica com o processo
de construção de uma teoria. Desenvolver essa teoria, passados quase
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quarenta anos da redação de Pouvoir politique et classes sociales e de


The State in Capitalist Society implica percorrer novamente os caminhos
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abertos por esses pioneiros.

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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


A EVOLUÇÃO DO ESTADO BURGUÊS NO BRASIL:
A LEITURA DE DÉCIO SAES

Francis Mary Guimarães Nogueira

Apresentar um texto cuja temática central é do âmbito da Ciência


Política, sobre o Estado, e particularmente expor a posição teórica de
Décio Azevedo Marques de Saes sobre a Evolução do Estado Brasileiro
pode parecer uma ousadia leviana e uma especulação da autora, estando
do local da pesquisa educacional. Mas não me proponho a realizar
nenhum desses procedimentos na exposição deste trabalho. Tecerei

Coleção Sociedade, Estado e Educação


apenas algumas considerações sobre o artigo A Evolução do Estado
Brasileiro (uma interpretação marxista), publicado em “República do
Capital: capitalismo e processo político no Brasil” - que tem suas bases
teóricas no trabalho da Livre Docência A formação do Estado Burguês
no Brasil (1888-1891)- como exercício teórico necessário que não
prescinde de ser num primeiro momento uma paráfrase. Essa escolha
tem um objetivo: apresentar no Encontro Nacional de Educação e
Marxismo o que há muito tempo e de forma ampla vem sendo discutido
não só na ciência política, mas também na economia e na sociologia.
Portanto, me parece cada vez mais pertinente para a análise das políticas
sociais, e particularmente para as políticas educacionais, a compreensão
rigorosa da concepção de Estado na teoria marxista e, mais ainda,
compreender as diferentes correntes no interior do pensamento desta
teoria, no que diz respeito ao Estado brasileiro.
A temática do Estado na origem da Modernidade se apresentou
como um conceito e uma categoria de análise que exigia a formulação
de novos conjuntos de saberes. Thomas Hobbes (1588-1679), John
Locke (1632-1704) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), em
cada um desses períodos, e com distintos elementos teóricos,
responderam a conjunturas econômico-políticas diferentes ao
construírem um arcabouço teórico consistente para a emergência,
desenvolvimento e consolidação do Estado Burguês, que garantiu as
condições jurídico-políticas que se materializavam na liberdade de
mercado: a relação entre iguais, o comprador e o vendedor da força
de trabalho.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


58

Realizada a transição dos Estados Absolutistas em Estados-Nação


Burgueses, consagrou-se assim, juridicamente, o direito à propriedade
do uso da força de trabalho e do conhecimento aplicado à indústria,
que promoveram o avanço meteórico das forças produtivas e das
relações de produção no século XVIII, e na primeira parte do século
XIX, engendrou a nova forma societária da vida dos homens.
Concomitante a esse processo, emergiu e se constitui como parte do
mesmo movimento, e como resultado das contradições dessa
sociedade, a luta do proletariado emergente por redução das horas de
trabalho, por trabalho diferenciado para as crianças e para as mulheres,
por condições sanitárias nos locais de trabalho e pela luta por salário.
Esse processo que culmina com as revoluções democrática de 1848,
particularmente na França, indicava que o Estado não era compatível
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

com a promessa de resguardar e assegurar o bem comum de todos


integrantes da sociedade.
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

De acordo com Marx e Engels, in SAES (1994) (O 18 Brumário,


As lutas de classes na França e a Introdução de As lutas de classes na
França), o proletariado lutava pela “república social”, que se expressava
em conquistas materiais como os direitos do trabalho e da organização
do trabalho; mas a classe burguesa, pressionada, lhes concedeu a
“República Democrática”, isto é, eleições e representatividade formal
no Parlamento.
Diz Engels mesmo em Paris, as próprias massas proletárias ainda não
tinham após a vitória, nenhuma idéia clara do caminho a seguir. E, no
entanto, o movimento lá estava, instinto, espontâneo, impossível de ser
sufocado. Sobre a luta republicana afirma Marx ‘ Cada partido
interpretou-a à sua moda. Como ela tenha sido conquistada pelo
proletariado de armas na mão, este lhe imprimiu seu timbre, e proclamou-
a a república social´. E ainda: ‘A república social apareceu tanto como
frase quanto como profecia, no limiar da revolução de fevereiro. Durante
as jornadas de junho de 1848, ela foi sufocada no sangue do proletariado
parisiense, mas ela vagou como um espectro nos atos seguintes do drama.
Foi proclamada a República Democrática (SAES, 1994. P. 164/165).
Estas considerações de Marx e Engels nos mostram que as
transformações democráticas do Estado burguês não correspondiam
às aspirações da burguesia, pois esta desde o momento da sua fase
revolucionária quando, em junho de 1791, impôs ao proletariado a Lei
Le Chapelier- interdição à liberdade de organização-, e em 1795 o
sistema de voto censitário – direito de voto segundo a renda, e muitos
outros exemplos que a história guarda, demonstrando o quanto o
Estado de classe organizado na forma democrático-burguesa “é

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


59

resultado deformado de um processo de luta, não correspondendo às


intenções, nem de um, nem de outro dos agentes”(SAEs,1994. P. 168).
Realizada essa sumária e simplificada incursão da emergência
do Estado Burguês passo a apresentar a questão, o objetivo e o motivo
deste texto: a leitura teórica de Décio sobre a Evolução do Estado no
Brasil (uma interpretação marxista).
O que me chamou muito a atenção quando da primeira leitura
desse texto no Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais – GPPS/Unioeste-
Cascavel e, posteriormente, na disciplina de Política Educacional
Brasileira do Curso de Pedagogia-Unioeste, foi o destaque dado
inicialmente neste texto sobre a preocupação do autor em identificar,
na atualidade, nas ciências sociais no Brasil, a prática de um grande
número de pesquisadores, práticas essas voltadas para a o ecletismo
teórico, o que acaba tendo repercussões negativas no plano analítico.
E mais, a diferenciação entre o que é e o que não é ecletismo, pois

Coleção Sociedade, Estado e Educação


ecletismo é algo distinto da incorporação crítica de elementos teóricos
externos num esquema teórico bem definido (SAES, 2001. P. 93). Com
esse dado teórico, compreendi a prática eclética que grassa em grande
parte no curso de pedagogia em que ministro aulas e qual o caminho
metodológico para não ser um “inocente eclético”, que muitas vezes
apenas ainda significa “ausência de autonomia teórica”.
A segunda questão importante do ponto de vista metodológico
e da exposição do texto foi estabelecer um contraste teórico entre a
teoria política não marxista e a teoria política marxista de Estado. Em
face dessa proposição, o autor vai apresentar, “mesmo de forma um
pouco simplificada, duas grandes concepções de caráter não marxista
sobre a evolução do Estado no Brasil” (SAES, 2001. P. 93).
Mesmo não sendo objetivo central deste texto, vou sumarizar
as duas grandes concepções de caráter não marxista no Brasil. A
primeira está identificada com a preponderância do poder privado sobre
o Estado. Esta tese é defendida por Nestor Duarte, em um ensaio
publicado em 1939, intitulado A ordem privada e a organização política
nacional. Este texto estabelece uma relação de soma-zero entre a
sociedade(representada pelo poder privado) e o Estado. Como
decorrência dessa análise, percebe-se que o Estado é fraco no Brasil
desde a Colônia até o Estado Novo. A segunda grande concepção
defende que ao longo de toda a evolução histórica do Brasil, o Estado
sempre foi Patrimonial privatização dos cargos públicos, “redução
desses cargos à condição de instrumento de um grupo de homens na
busca de vantagens materiais ou políticas (como exercício do próprio

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


60

poder)” (SAES, 2001. P.94.). Um dos pioneiros dessa concepção foi


Raymundo Faoro, quando em 1958 publicou seu ensaio Os Donos do
Poder. Com diferenças teóricas importantes, mas não intransponíveis,
Simon Schwartzman, discípulo de Faoro, publicou em 1975 São Paulo
e o Estado Nacional. Já mais recentemente, José de Souza Martins, em
1994, publicou O poder do atraso-ensaios de sociologia da história
lenta.
Passamos então agora ao que o autor denomina de esquema
teórico alternativo de interpretação da evolução do Estado no Brasil.
Vale destacar que as análises marxista sobre o Estado têm uma
formulação teórica complementemente distinta e mesmo antagônica
às concepções apresentadas acima.
As análises marxistas dos Estados concretos se fundamentam
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

na hipótese de que, nas sociedades de classe, o Estado tem sempre


uma função social precisa a cumprir. “Qual é essa função social? É a
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

função de assegurar a coesão da sociedade vigente, mantendo sobre


controle o conflito entre as classes sociais antagônicas e impedindo
dessa forma que tal conflito deságüe na destruição desse modelo de
sociedade.”(SAES, 2001, p. 96). A não destruição dessa sociedade
está garantida pela manutenção da hegemonia de uma classe sobre a
outra, ancorada na exploração do uso da força de trabalho.
Por que o Estado e não outra instituição como a família, a igreja
ou os partidos políticos conservadores não poderia assumir o papel
de defender e preservar a sociedade em vigência num determinado
período histórico? Porque “O Estado é uma instituição que desempenha
de um modo específico uma função social (...) e assume uma
configuração institucional particular e desempenha de um modo
também particular a sua função social” (SAES, 2001. P.96) na sociedade
escravista, despótica, feudal e capitalista.
Em razão dessa formulação teórica, a tendência dominante na
análise marxista que vigorou até os anos 60 captava a especificidade
institucional e funcional de cada tipo histórico de Estado, por meio da
identificação da peculiar natureza de classe de cada um desses tipos
históricos de Estado, e em cada Estado o poder seria exercido por
uma classe proprietária/exploradora diferente. A corrente teórica
althusseriana, representada na Ciência Política por Nicos Poulantzas,
não desconsidera a identificação da classe exploradora que exerce o
poder de Estado, em cada momento histórico, e aponta que o
fundamental na análise do Estado seria a caracterização da estrutura
jurídico-política subjacente à instituição estatal em cada tipo histórico

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


61

de sociedade, bem como os efeitos ideológicos produzidos sobre os


agentes econômicos e estatais1, por essa estrutura (SAES, 2001).
Para este autor, essa estrutura jurídico-política constituiria-se
num conjunto de valores que é composto por dois elementos. Um,
são os valores jurídicos que regulam de forma duradoura as práticas
econômicas e as relações sociais por elas condicionadas. Isto é, o
direito aplicado às relações econômicas e sociais, que são as leis. O
outro são valores que orientam a atividade e a organização interna dos
agentes do aparelho do Estado, que são os responsáveis por regular
as práticas econômicas e sociais. Esses valores produziriam efeitos
ideológicos tanto sobre os detentores dos meios de produção, como
os produtores diretos e os agentes estatais; só que essa ideologia
atinge de forma diferente os capitalistas e os trabalhadores. Pelas
experiências históricas amplamente reconhecidas, quando o capital se
recicla ou entra em crise com a diminuição da taxa de lucro, resultado

Coleção Sociedade, Estado e Educação


de recessão e depressão econômica, o capitalista com pesar dispensa
parte da mão-de-obra. Nesse caso emblemático, a forma que a ideologia
atinge os capitalistas não coloca em risco a reprodução da vida material;
no caso dos trabalhadores, a ideologia oculta que o resultado da miséria
e, em última instância, a impossibilidade da reprodução das suas vidas
é da lógica do capital, e que, portanto, o capitalista, mesmo cristão e
temente a Deus, dispensou a metade dos trabalhadores para manter-
se como detentor dos meios de produção. São estes efeitos ideológicos
que atingem de formas distintas os capitalistas, os trabalhadores e os
agentes estatais ou funcionários, que possibilitam à estrutura jurídico-
política, subjacente ao Estado, a função de manter a coesão de um
tipo histórico qualquer de sociedade de classes.
Como este esquema teórico explicaria o Estado burguês no
Brasil, a partir de 1888- 1891? De acordo com SAES, é nesse momento
histórico que a instalação das condições jurídico-políticas se estabelece
e finca raízes para contratualizar de forma definitiva a mão-de-obra
assalariada no Brasil. Em razão dessa mudança substancial das relações
de produção promove-se abertura a todos os homens declarados
cidadãos, inclusive dando-lhes condições de participação como
funcionários desse Estado. A estrutura jurídico-política burguesa, a
partir de então, funda-se no direito que iguala todos os homens:
capitalistas, operários e camponeses, convertidos em sujeitos individuais

1 Estou considerando neste artigo como sinônimos de agentes econômicos tanto os produtores dos
meios de produção ou capitalistas, como os produtores diretos ou trabalhadores.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


62

de direitos. Isso só é possível no direito capitalista, que atribui a todos


os homens a capacidade de praticar atos de vontade - capacidade
jurídica em geral -, permitindo a livre venda e compra da força de
trabalho, assegurada pelo contrato. Nesse caso, a força de trabalho
assume a forma de mercadoria, pelo uso desta força de trabalho pelo
detentor dos meios de produção. Assim se tornam equivalentes salário
e trabalho. Reafirmando, o que iguala todos os homens (direito
capitalista), é que uns compram e outros vendem sua força de trabalho
no mercado, isto é, salário e uso da força de trabalho são equivalentes.
No entanto, na essência, o salário pago ao trabalhador é inferior ao
valor de troca produzido pelo uso da sua força de trabalho.
Partindo dessa lógica jurídico-política que é possível identificar
em qualquer Estado burguês, o aparelho do Estado burguês brasileiro
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

que vigorará desde esse período se organizará institucionalmente pelas


regras do universalismo e da meritocracia, no qual os homens são
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

hierarquizados pelo critério da competência. A partir daí todos os


homens desiguais, independentes de sua condição sócio-econômica,
são tratados igualmente porque podem agora pleitear acesso à condição
de funcionários do Estado, como já assinalei anteriormente. Os critérios
do recrutamento para a burocracia estatal e para a empresa privada
que hierarquiza os homens, justificando a desigualdade justa, ocorre
pelo critério da competência. Esses mecanismos integram também a
especificidade da educação escolar nas formações sociais capitalistas.
De acordo com essa orientação teórica, quais os efeitos
ideológicos que essa nova estrutura, jurídico-política, estabelecida a
partir de 1888-1891, poderia produzir sobre os detentores dos meios
de produção, os trabalhadores e os agentes estatais para garantir a
coesão pretendida pela classe burguesa? Como já indiquei, instaura-
se uma convicção, tanto nos detentores de meios de produção como
nos trabalhadores, de que a exploração do trabalho em troca do salário
é de livre e espontânea vontade desses agentes, a medida em que são
iguais perante o contrato assinado pelas duas partes, isto é, nessa
relação, trabalho e salário se equivalem. Há um outro efeito ideológico
decorrente desse: os agentes estatais têm a convicção de que é preciso
garantir a liberdade dos detentores dos meios de produção e dos
trabalhadores firmarem esse contrato/acordo, nem que for sob a
ameaça do emprego da força; esse princípio garante a liberdade de
trabalho. Estes efeitos ideológicos vão permitir a penetração do trabalho
assalariado no Brasil de forma progressiva, mas de modo desigual
entre as regiões e no interior das mesmas, não se configurando como

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


63

uma particularidade da formação social brasileira, nem dos países


dependentes.
Essa orientação teórica marxista, de corte althusseriano,
empreendida por Saes no artigo acima citado, fundamenta a demarcação
histórica da ruptura da mão-de-obra escrava para a mão-de-obra
assalariada, isto é, da abolição da escravatura e da promulgação da
Constituição da República de 1891. Do ponto de vista do autor em
pauta, os pesquisadores marxistas que se filiam a este recorte teórico
tratariam do período Colonial-Imperial e Republicano procurando
descobrir a natureza da estrutura jurídico-política subjacente ao aparelho
estatal da Colônia-Império e da República, identificando a seguinte
divisão histórica: o Estado escravista moderno se configuraria a partir
de meados do século XVI até a abolição da escravatura e o final da
monarquia; o Estado burguês desse momento histórico até os dias
atuais.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Esta posição teórica de Saes confronta-se com outras análises
de pensadores marxistas brasileiros. Primeiramente, quanto à natureza
de classe do Estado brasileiro; a interpretação de muitos pesquisadores
marxistas clássicos limitariam-se a uma interpretação restrita à evolução
do Estado no Brasil: “a) um Estado de senhores de escravos, de
meados do século XVI até 1888-1891; b) um Estado de senhores de
terras ou latifundiários, da proclamação da República até a Revolução
de 30; c) um Estado dos capitalista, de 1930 até hoje” (SAES, 2001. P.
98).
Mas, além da distinção entre a identificação de qual classe
exerceria o poder de Estado nas sociedades concretas, e a
caracterização da estrutura subjacente à instituição estatal em cada
tipo histórico de sociedade e os efeitos ideológicos produzidos sobre
os capitalistas, trabalhadores e os funcionários do Estado, há mais
duas distinções significativas: uma quanto ao momento em que se
instala o capitalismo na formação social brasileira e o Estado capitalista,
e a outra diz respeito à tese de que a Revolução de 30 teria determinado
a formação do Estado burguês no Brasil.
A primeira diz respeito à escola de Caio Prado Júnior que inspira
trabalhos de história econômica recentes, os quais afirmam que a
economia colonial é capitalista, pois seria baseada na troca,
constituindo-se em uma economia mercantil. Em face dessa economia
mercantil a economia colonial acha-se integrada de forma subordinada,
em que se dá o início do processo de acumulação de capital, que se
configuraria como um elemento fundamental para a transição do

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


64

capitalismo. Como decorrência dessa leitura, o Estado implantado no


Brasil Colônia; que seria governo central, mais câmaras municipais,
porque orientariam essa troca e favoreciam a transferência de excedente
para a Metrópole configuraria-se como um Estado Capitalista. Mas é
no artigo de Ruy Mauro Marini, El Estado em América Latina, que essa
teoria se explicita quando da análise deste autor sobre o Império
brasileiro, em que, apesar das relações serem escravistas nesse período,
o “modelo de dominação” e as “formas políticas” seriam burguesas.
Para este autor, o escravismo e as formas políticas burguesas não
seriam contraditórias, pois o papel deste Estado seria o de mediador
entre a economia escravista periférica e o mercado mundial, e sua
função econômica já seria capitalista. A segunda distinção que diz
respeito à tese de que a Revolução de 1930 teria determinado a formação
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

do Estado burguês no Brasil encontra-se nos textos que Octavio Ianni


produziu nos anos 60 e 70 do século XX.
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

O resultado, mesmo que provisório dessa paráfrase sobre a


leitura de Saes da Evolução do Estado Brasileiro- numa perspectiva
marxista -, em que além da explicitação do contraste com autores não
marxistas, há o contraste no interior do pensamento marxista sobre a
emergência do capitalismo e do Estado burguês, permitindo aos
pesquisadores das políticas sociais e, particularmente, da pesquisa
educacional uma contribuição inestimável para comparar dados da
história, argumentos teóricos e as implicações políticas desse recorte
teórico na ação prática dos educadores quando se deparam
cotidianamente com a ação deliberada de propostas e implementações
de legislações, projetos e programas dos diversos níveis de governo
no Brasil.

REFERÊNCIAS

SAES, D. A evolução do Estado no Brasil (uma interpretação marxista)


In: —. República do capital: capitalismo e processo político no
Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.
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Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1998. (Coleção
Trajetória, 1).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


65

A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO NO CONTEXTO


DA GLOBALIZAÇÃO E DA PÓS-MODERNIDADE

Isaura Monica Souza Zanardini

A reforma do Estado implementada no Brasil na década de 1990


é tomada neste artigo a partir do quadro político e econômico que se
acentua nesta década, consoante com um determinado processo de
reestruturação do modo de produção que, em meio a mais uma de
suas crises cíclicas, empreende estratégias capazes de orientar a
racionalidade do processo de produção e reprodução do capital.
Faz parte dessa estratégia o que chamamos de ideologia da

Coleção Sociedade, Estado e Educação


pós-modernidade (ZANARDINI, 2006) que, ao indicar um conjunto
de “posturas teórico-metodológicas” que propõe, por exemplo, o
desapego à teoria, a valorização do pragmatismo e a celebração da
diversidade, recomenda a reforma das instituições sociais que num
cenário de globalização econômica e social não poderiam continuar a
mercê de um paradigma de organização obsoleto e ineficiente.
Ao constituir-se como a ideologia de sustentação do modo
capitalista de produção em seu atual estágio, a pós-modernidade, em
meio aos princípios do neoliberalismo e da globalização, recomenda
que as instituições sociais sejam orientadas por uma racionalidade
dita sensível, capaz de acompanhar as demandas do mercado e da
sociedade moderna.
É em meio à proposição desse “moderno” paradigma de
racionalidade e organização, que não descarta as instituições que têm
servido ao capital, mas exige a revisão de sua forma de gestão, que
tratamos da reforma do Estado brasileiro. O que estamos afirmando é
que, tendo em vista a essencialidade do Estado em geral e,
particularmente, do Estado burguês para a reprodução do modo
capitalista de produção, não se trata, no contexto da globalização e da
pós-modernidade, de descartá-lo, mas de rever os fatores de ineficiência
para a reprodução eficaz de um determinado modelo social.
Assim, tendo em vista que: “... o Estado se afirma como pré-
requisito indispensável para o funcionamento permanente do sistema
do capital, em seu microcosmo e nas interações das unidades
particulares de produção entre si, afetando intensamente tudo, desde

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


66

os intercâmbios locais mais imediatos até os de nível mais mediato e


abrangente” (MÈSZÀROS, 2002, P. 109), é preciso, no contexto da
crise estrutural do capital e das estratégias adotadas para enfrenta-la,
reformar o Estado, assim como a todas as práticas e instituições
relacionadas à ele, incluindo suas formas de organização.
Para tratar da reforma do Estado que se constitui a partir do
processo de reformas estruturais, implementadas no contexto da
globalização contemporânea para assegurar a sua correspondência à
formação social capitalista e, desse modo, produzir as condições
necessárias para a reprodução das relações de produção empreendidas
neste modelo social, cabe antes tratar da chamada crise do Estado.
A respeito da crise do Estado, Fiori chama a atenção para o fato
de que esta expressão teria adquirido uma dimensão consensual e que
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

trata-se da: “[...] velha crítica liberal à política e ao Estado, como sendo
os fatores perversos, que nunca permitiram aos mercados
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manifestarem as suas virtudes intrínsecas. [...] apesar de a crise e


suas manifestações serem de natureza distinta, a terapia liberal-
conservadora acabava sendo a mesma para países centrais ou
periféricos: privatizar, desregular, abrir a economia, cortar o gasto
público, etc” (FIORI, 1997, p. 147-148).
Para consolidar um “novo” padrão de Estado, o neoliberalismo
utiliza o argumento de que o Estado é o principal responsável pela
crise pela qual passa a sociedade capitalista. A sua ineficiência para
atuar nos setores econômico e social, juntamente com os gastos
excessivos com os direitos sociais, estariam provocando a crise do
capital, cuja solução consistiria em rever as formas de intervenção do
Estado, instaurando-se novamente a lógica do livre mercado.
Para os teóricos neoliberais é necessário, para superar a crise e
fortalecer o capital, rever/reformar o Estado, que da forma como está
organizado, de modo improdutivo e ineficiente, tem se mostrado incapaz
de orientar o desenvolvimento do modo de produção vigente. Para os
neoliberais, portanto, a crise é do Estado e, para superá-la, faz-se
necessária a retomada da direção da economia pelo mercado, sem
contudo, como aponta Friedman (1962), eliminar a necessidade de
um governo. Afinal:

[...] um governo é essencial para a determinação das “regras do jogo” e


um árbitro para interpretar e pôr em vigor as regras estabelecidas. O que
o mercado faz é reduzir sensivelmente o número de questões que devem
ser decididas por meios políticos -, e por isso, minimizar a extensão em

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


67

que o governo tem que participar diretamente do jogo. (FRIEDMAN,


1962, p. 23)
O mercado, nessa perspectiva, na ânsia de manter eficiente a
relação produção e consumo, seria capaz de recuperar os valores e os
princípios inscritos na chamada racionalidade material/subjetiva e
garantir a liberdade econômica.
No Brasil, os liberais, que têm dentre seus principais
representantes o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-
ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, responsáveis pela definição e
implementação da reforma do Estado empreendida no Brasil a partir
de 1995, também apontam o Estado como responsável pela crise.
Já na introdução do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado, elaborado e implementado pelo Ministério da Administração e
Reforma do Estado – MARE, a partir de 1995, sob a direção do Ministro
Bresser Pereira, o então presidente Fernando Henrique Cardoso

Coleção Sociedade, Estado e Educação


expressou seu entendimento a respeito dessa crise:
A crise brasileira da última década foi também uma crise do Estado. Em
razão do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram,
o Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença
no setor produtivo, o que acarretou, além da gradual deterioração dos
serviços públicos, a que recorre, em particular, a parcela menos favorecida
da população, o agravamento da crise fiscal e, por conseqüência, da
inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento
indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento
sustentado da economia. Somente assim será possível promover a correção
das desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 1995, p. 09).
Nesse mesmo documento, temos a definição do que seria essa
crise do Estado:
A crise do Estado define-se então como: (1) uma crise fiscal, caracterizada
pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança
pública que se torna negativa; (2) o esgotamento da estratégia estatizante
de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o Estado do
bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de
importações no Terceiro Mundo, e o estatismo nos países comunistas; e
(3) a superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da
administração pública burocrática (p. 15).
Diante dessa compreensão da crise do Estado, temos, no
conjunto de princípios que orientam os liberais, a idéia de que é preciso
reformar o Estado para aumentar sua eficiência e capacidade de
regulação. De acordo com essa orientação político-teórica, para tornar

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


68

o país capaz de inserir-se na competitividade internacional, posta pelo


contexto da globalização, não se trataria de suprimir a ação do Estado
na regulação da economia. Não se trataria, então, de reformar o Estado
para torná-lo mínimo, mas de reorganizar a máquina estatal para ampliar
a sua capacidade reguladora, corretora e estimuladora.
A proposta liberal, portanto, não suprime o Estado, nem ignora
o mercado, mas propõe, para superar a crise do Estado, a sua reforma,
uma vez que o contexto do mundo globalizado e orientado por um
paradigma de racionalidade “mais sensível” lhe reserva novas funções,
novas competências, novas estratégias administrativas e novas
instituições.
Essa proposta pressupõe a superação de uma determinada
ineficiência causada por um determinado “erro de racionalidade” e,
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portanto, possibilitaria a modernização necessária para a retomada do


desenvolvimento. De acordo com Namo de Mello, responsável por
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boa parte das proposições que se materializam na reforma da educação


básica:
Há hoje um consenso razoável sobre a necessidade de diminuir o tamanho
do Estado na economia. Um Estado agigantado, cuja expansão ocorreu
de modo inorgânico e segmentado, pelo enfraquecimento da
administração direta, gerou a ineficácia, a incapacidade de governar, a
formulação de políticas contraditórias e sobretudo uma enorme
dificuldade de instituir controles públicos sobre a máquina estatal (1990,
p. 71).
A reforma do Estado tem em vista, então, ampliar a capacidade
de “governança” do Estado. Segundo o Plano Diretor: “O governo
brasileiro não carece de “governabilidade”, ou seja, de poder para
governar, dada sua legitimidade democrática e o apoio com que conta
da sociedade civil. Enfrenta, entretanto, um problema de governança,
na medida em que sua capacidade de implementar as políticas públicas
é limitada pela rigidez e ineficiência da máquina administrativa.” (BRASIL,
1995, p.19)
No entendimento de Fiori (2001), a proposição de reforma do
Estado busca a governabilidade. Este conceito, surgido na década de
1960, vem, segundo este autor, sofrendo um permanente processo
de redefinição, uma vez que se trata de uma categoria estratégica, que
varia de acordo com o lugar e com o tempo, mas que é sempre
situacionista. Assim, de acordo com Fiori: “O conceito de
governabilidade foi sendo redefinido ao longo dessas três décadas,
mas sua derivação prática apontou cada vez mais na direção de limitar

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


69

o número de atividades submetidas ao poder regulador dos estados e


apostar nas virtudes dos mercados auto-regulados” (p. 119).
A reforma administrativa, mas também política e ideológica do
Estado, é proposta a partir da implementação da chamada
administração pública gerencial. Essa perspectiva de administração é
apresentada como a solução para a crise do Estado, no que diz respeito
ao seu modo de intervenção, e substituiria o modelo racional-legal ou
burocrático que vinha orientando a administração pública.
No conjunto das críticas feitas ao modelo burocrático de
administração, parece haver o entendimento de que um “novo” Estado
não poderia conviver com uma perspectiva de administração arcaica,
típica do contexto da modernidade. Seria a afirmação de que, tendo
entrado em crise a modernidade, entram também em crise os
paradigmas por ela elaborados; uma interpretação de que urgem novas
instituições para atender às demandas da sociedade competitiva e

Coleção Sociedade, Estado e Educação


globalizada.
De acordo com MORAES:
A intervenção da autoridade pública sobre as iniciativas privadas é vista,
primordialmente, como intrusão indevida, no máximo tolerada.[...]
Quando o Estado intervém sobre os criativos empreendedores, para
supostamente preservar o bem público (as regulações legais) ou sustentar
suas atividades (a taxação), inibe aquilo que é mola propulsora do
progresso e afeta a competitividade dos agentes (2002, p. 15).
Essa sociedade, caracterizada pelo privilégio da pluralidade, não
poderia ser atendida por estratégias da administração pública
burocrática, que seria, em linhas gerais; marcada pela racionalidade
formal, pela centralização, pela rigidez de normas e procedimentos,
pelo controle dos processos, pela formalidade e pela impessoalidade.
A passagem que se segue, embora longa, é importante para
apreender, segundo a análise de um liberal, o percurso feito pela
administração pública para adequar-se ao movimento “revolucionário”
do capital, e a justificativa para a reforma do Estado proposta. Está
presente, também, nessa transcrição, a ênfase na inovação
administrativa, denotando a noção de que problemas técnicos, “erros”
de racionalidade, são geradores dos problemas enfrentados pela
sociedade brasileira no contexto da sociedade globalizada:
A administração pública burocrática foi adotada em substituição à
administração patrimonialista, que definiu as monarquias absolutas e
na qual o patrimônio público e o privado eram confundidos. Nesse tipo
de administração, o Estado era entendido como propriedade do rei.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


70

O nepotismo e o empreguismo, senão a corrupção, eram a norma. Esse


tipo de administração revelar-se-ia incompatível com o capitalismo
industrial e as democracias parlamentares que surgiram no século XIX.
É essencial para o capitalismo a clara separação entre o Estado e o mercado;
só pode existir democracia quando a sociedade civil, formada por cidadãos,
distingue-se do Estado ao mesmo tempo em que o controla. Tornou-se
assim necessário desenvolver um tipo de administração que partisse não
só da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação
entre o político e o administrador público. Surgiu então a administração
burocrática moderna, racional-legal.

A administração pública burocrática clássica foi adotada porque era uma


alternativa muito superior à administração patrimonialista do Estado.
Entretanto, o pressuposto de eficiência em que se baseava não se mostrou
real. No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX
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cedeu definitivamente lugar ao grande Estado social e econômico do


século XX, verificou-se que ela não garantia nem rapidez, nem boa
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qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao público. Na


verdade, a administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco
ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos.

Esse fato nada tinha de grave enquanto prevaleceu um Estado pequeno,


cuja única função era garantir a propriedade e os contratos. No Estado
liberal só eram necessários quatro ministérios – o da Justiça, responsável
pela polícia; o da Defesa, incluindo o Exército e a Marinha; o da Fazenda
e o das Relações Exteriores. Nesse tipo de Estado, o serviço público mais
importante era o da administração da Justiça, que o Poder Judiciário
realizava. O problema da eficiência não era, na verdade, essencial. No
momento, entretanto, que o Estado se converteu no grande Estado
social e econômico do século XX, assumindo um número crescente de
serviços sociais – educação, saúde, cultura, previdência e assistência
social, pesquisa científica – e de papéis econômicos – regulação do sistema
econômico interno e das relações econômicas internacionais, estabilidade
da moeda e do sistema financeiro, provisão dos serviços públicos e de
infra-estrutura –, nesse momento, o problema da eficiência tornou-se
essencial. Por outro lado, a expansão do Estado respondia não só as
pressões da sociedade, mas também as estratégias de crescimento da
própria burocracia. A necessidade de uma administração pública
gerencial, portanto, não decorre apenas de problemas de crescimento e
da decorrente diferenciação de estruturas e complexidade crescente da
pauta de problemas a serem enfrentados, mas também da legitimação da
burocracia perante as demandas da cidadania. (BRESSER-PEREIRA,
1999, p.241-242)
A reforma do Estado brasileiro portanto, apresentada em meio
à globalização e à ideologia da pós-modernidade, para alcançar uma

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


71

suposta capacidade competitiva e enfrentar a essência do problema


da eficiência, propõe uma “nova racionalidade” via a implementação
da chamada administração pública gerencial que, segundo seus
defensores, é orientada para o cidadão e para o controle dos resultados,
para a valorização dos administradores e demais servidores públicos,
incentiva a criatividade e a inovação, implementa a descentralização e
o contrato de gestão como formas de controle da administração
empreendida pelos gestores públicos.
A perspectiva de descentralização está relacionada à idéia de
criação de agências autônomas e de organizações sociais, entendidas
como entidades públicas de direito privado que celebram um contrato
de gestão com o Estado e assim são financiadas, parcial ou mesmo
totalmente, pelo orçamento público (Cf. BRESSER-PEREIRA, 1998,
p.242). As organizações sociais são constituídas a partir da distribuição
dos três setores de atuação do Estado, consubstanciada na reforma:

Coleção Sociedade, Estado e Educação


a) atividades exclusivas do Estado, no qual se insere o núcleo estratégico,
b) atividades não-exclusivas e, c) setor de produção de bens e serviços.
As atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder de Estado e
que implicam um poder extroverso com relação ao Estado, na medida
em que este, enquanto aparato, é a única organização com poder para
regular não apenas os próprios membros da organização, mas os de toda
a sociedade. São assim, as atividades que garantem diretamente que as
leis e as políticas públicas sejam cumpridas e financiadas. Integram esse
setor as Forças Armadas, a Polícia, a agência arrecadadora de impostos –
as tradicionais funções do Estado – e também as agências às quais o
Parlamento delega diretamente e/ou através do presidente da República
determinados poderes discricionários, em especial as agências reguladoras,
as agências de fomento e controle dos serviços sociais (educação, saúde
e cultura) e da pesquisa científica, e a agência de seguridade social básica.
Essas atividades exclusivas, portanto, não devem ser identificadas com
as do Estado liberal clássico, para o qual bastam a polícia e as Forças
Armadas.

Os serviços não-exclusivos são os serviços que o Estado provê, mas que,


como não envolvem o exercício de um poder extroverso, podem ser
também oferecidos pelo setor privado e pelo setor público não-estatal.
Esse setor compreende especialmente os próprios serviços de educação,
de saúde, de cultura e de pesquisa científica. Por fim, o setor de produção
de bens e serviços é formado pelas agências estatais. (BRESSER-
PEREIRA, 2001, p. 36).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


72

Dessa distribuição decorre a criação das chamadas agências


autônomas e das organizações sociais, pois está relacionada à questão
da propriedade de cada um desses setores. Na reforma do Estado, as
atividades exclusivas ficam, como está claro, sob a alçada do Estado;
ao setor de bens e serviços destina-se a propriedade privada, e no que
se refere às atividades não exclusivas, institui-se a chamada propriedade
pública não-estatal, que é assim explicada e justificada:
No domínio dos serviços não-exclusivos, a definição do regime
de propriedade é mais complexa. Se assumirmos que devem ser
financiados ou fomentados pelo Estado, seja porque envolvem direitos
humanos básicos (como educação e saúde), seja porque implicam
externalidades envolvendo economias que o mercado não pode
compensar sob forma de preço e lucro (educação, saúde, cultura e
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

pesquisa cientifica), não há razão para serem privados. Por outro lado,
uma vez que não implicam o exercício do poder do Estado, não há
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razão para que sejam controlados pelo Estado. Se não têm,


necessariamente, de ser propriedade do Estado, não há razão para
que sejam controlados pelo Estado. Se não têm, necessariamente, de
ser propriedade do Estado nem de ser propriedade privada, a alternativa
é adotar-se o regime da propriedade pública não-estatal, isto é, utilizar
organizações de direito privado mas com finalidades públicas, sem
fins lucrativos. “Propriedade pública” é aqui utilizado no sentido de
que se deve dedicar ao interesse público, que deve ser de todos e para
todos e que não visa ao lucro; “não-estatal”, no sentido de que não é
parte do aparelho do Estado (Idem, ibidem, p. 38).
Através da instituição da propriedade pública não-estatal e das
agências autônomas (reguladoras) que residem no âmbito das atividades
exclusivas e que requerem contratos de gestão, temos a chamada
desregulamentação, que concretamente significa a ampliação da relação
parceira entre Estado e mercado no controle das políticas públicas,
mas ao mesmo tempo assegura-se, como afirma Bresser-Pereira (1998),
os “[...] direitos básicos de cidadania, que o Estado democrático deve
garantir de forma universal, como a educação básica e a saúde” (p.241).
Esta garantia, segundo ele, parte do:
[...] pressuposto social-democrático e social-liberal de que educação
básica e saúde são direitos sociais de cidadania de caráter universal. Sendo
assim, cabe ao Estado financiar ou subsidiar esses serviços,
independentemente da contribuição de cada um. Essa tarefa será realizada
pelo Estado diretamente, como aconteceu no Estado do Bem-Estar do
século vinte, ou por intermédio de organizações públicas não-estatais,
com a Reforma Gerencial (p. 211).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


73

Detendo-nos nessa forma de regulação, é possível considerar


que, conforme é anunciado no próprio Plano Diretor, o objetivo da
reforma, particularmente a da administração pública gerencial, é mais
garantir a definição de novas instituições – agências reguladoras e
organizações sociais – do que propor estratégias de gestão. Até mesmo
porque, através dessas instituições, acirra-se a materialização dos
preceitos sociais-liberais na medida em que amplia-se a relação acima
apontada, que tem no mercado a busca da eficiência necessária no
âmbito do setor não-exclusivo do Estado implementa-se a
descentralização que é incentivada pela administração pública gerencial
e, ao mesmo tempo, assegura-se o controle do Estado através dos
chamados contratos de gestão: “Através do contrato de gestão, o núcleo
estratégico definirá os objetivos das entidades executoras do Estado e
os respectivos indicadores de desempenho, e garantirá a essas entidades
os meios humanos, materiais e financeiros para sua consecução”

Coleção Sociedade, Estado e Educação


(BRESSER-PEREIRA, 1999, p. 259).
As organizações sociais são apontadas como uma possibilidade
de espaço intermediário entre o Estado e o mercado, e, desse modo,
como uma contribuição ao “fortalecimento da democracia”. Além
disso, considera-se no âmbito da Reforma do Estado que tais
organizações são mais eficientes e podem realizar com mais qualidade
alguns serviços do que se fossem oferecidos por organizações estatais
ou privadas (Cf. BRESSER-PEREIRA, 1998).
Sobre a preocupação com a definição e implementação das
agencias autônomas e organizações sociais, e sua relação com a busca
da eficiência e, portanto, da racionalidade, declara Bresser-Pereira:
“Trata-se aqui de colocar em prática as novas idéias gerenciais e oferecer
à sociedade um serviço público de melhor qualidade, atrelando a esse
serviço um novo critério de êxito: o objetivo é sempre o melhor
atendimento ao cidadão-cliente a um custo menor. Para isto, a
implantação das agências autônomas, no nível das atividades exclusivas
de Estado, e das organizações sociais, no setor público não-estatal
será a tarefa estratégica” (2001, p. 33).
Além da definição de novas instituições sociais, encontramos,
nas chamadas organizações sociais, a materialização da crítica à ação
do Estado e ao seu funcionalismo burocrático. Moraes chama a atenção
para a imagem que se desenha, no conjunto de argumentos utilizados
para justificar a reforma do Estado, do servidor público:
Procura-se mostrar o seu apego a regras e impessoalidade – valores
positivos da burocracia na argumentação weberiana – conduz de modo

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


74

inevitável (e independente das instituições de controle popular) a traços


perversos: burocratismo, desprezo pelos resultados (o bem público, afinal),
tratamento despótico e auto-suficiente diante do cidadão comum, busca
incessante de mais poder (e portanto mais orçamentos...), insulamento
ante a cobrança de desempenho (que “por exemplo” está suposta na
competição de mercado) (2002, p. 18)
Conforme já afirmado em ZANARDINI (2007), para assegurar
o sucesso dessa “tarefa estratégica”, no que diz respeito à busca da
eficiência, há a preocupação com a competição, a disputa característica
do mercado, que representa, além da possibilidade de fiscalização
por parte do Estado, o seu controle através da chamada competição
administrada, ou:
[...] a criação de quase-mercados, para controlar as atividades
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descentralizadas do Estado. Competição administrada, entretanto, não


significa que as organizações estatais e aquelas transformadas em
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organizações públicas não-estatais (organizações sociais) passem a ser


julgadas pela quantidade de recursos que logrem obter da venda de seus
serviços, visto que muitas dessas organizações não vendem nem devem
vender serviços, mas apenas que os parâmetros utilizados pelas agências
e organizações sociais para avaliar seus resultados não são definidos
apenas nos contratos de gestão; são também comparados com os de
outras agências ou organizações similares que, desta forma, “competem”
entre si. (BRESSER-PEREIRA, 2001, p. 43)
Espera-se, a partir da implementação da administração pública
gerencial, que não se resume à definição de estratégias, mas institui a
criação de instituições que não seriam possíveis na administração pública
burocrática com sua natureza centralizadora, a reorganização do Estado
através da adoção de critérios de gestão que oportunizem a redução
de custos, uma maior articulação com a sociedade para a definição de
prioridades e a cobrança de resultados. Tendo em vista a reprodução
da ideologia do capital, espera-se a instituição de um aparelho de Estado
eficiente e orientado pelos valores da sociedade; um Estado racional
de fato, o que demanda uma melhor capacidade de informação,
necessária para que todos se envolvam com a reorganização do aparelho
do Estado.
Tal como na proposta de acumulação flexível, há na reforma do
Estado, e na administração pública gerencial, a valorização do controle
de resultados e da lógica da Qualidade Total, que se justifica a partir
da presença do mercado na regulação das ações estatais e da ênfase
na dimensão gestão. Bresser-Pereira, ao avaliar positivamente os
encaminhamentos e resultados da reforma do Estado, indica a utilização
da estratégia gerencial da Qualidade Total na administração pública.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


75

O que há na reforma do Estado, através da implementação da


administração pública gerencial e da sua preocupação com a
descentralização e a autonomia, é o desenvolvimento de formas sutis
de controle dos resultados, garantia da implementação do caráter
ideológico da reforma diante da necessidade de reafirmação do estágio
atual de desenvolvimento capitalista e sua lógica de internacionalização
econômica. Isso se dá tal como na pós-modernidade que, ao propor a
celebração das diferenças, assegura a reprodução da lógica da
desigualdade, sob a qual se afirma e reafirma o capital.
E tudo isso porque, conforme Saes (1998) e Mészáros (2002),
somente o Estado burguês tem se mostrado capaz de produzir as
condições necessárias para a reprodução das relações capitalistas de
produção. Esse entendimento é reforçado por Deitos (2005), ao
considerar que a proposição de desregulamentação, presente na
reforma do Estado, tem em vista evitar que a regulação atrapalhe o
processo de acumulação de capital.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Portanto, considerando o papel atribuído ao Estado burguês, o
de assegurar a dominação de uma classe sobre a outra e produzir as
condições necessárias para a expansão e acumulação do capital, é
possível afirmar que, através da reforma do Estado, o que se faz é
assegurar a produção e reprodução dos interesses do mercado ou do
capital em sua atual fase.
O que se tem concretamente com a reforma do Estado e sua
administração pública gerencial, que requer e materializa a constituição
de novas instituições, como evidencia a criação da categoria público
não-estatal, é a materialização do princípio liberal de regulação das
políticas sociais pelo mercado (Cf. ZANARDINI, 2007). Logo, a
preocupação em diferenciar-se de uma proposta de Estado neoliberal,
expressa nos textos que tratam da reforma do Estado, como é o caso
do próprio Plano Diretor, cai por terra, uma vez que, ao lado da noção
de crise do Estado, a proposta de publicização traduz-se no “Estado
enxuto” proposto pelo neoliberalismo. Segundo Silva Junior:
Para a periferia do sistema, tornava-se imperioso enxugar o Estado,
transferindo responsabilidades públicas para a sociedade civil, daí o elogio
às organizações não-governamentais, o que foi chamado de democrática
descentralização. No entanto, ainda que enxuto, o Estado teria de ser
forte, ou seja, produzir centralizadamente as políticas em todos os setores
de ação do Estado, daí tal instituição maior em um estágio societal ter de
estabelecer rumos e metas para a sociedade. Forte também diante da
transferência de responsabilidades na área social para a sociedade civil

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


76

segundo políticas pré-estabelecidas. Tudo isso exigia, além de radicais


mudanças em instituições, também transformações de instituições em
organizações, bem como a valorização das ONGs (2002, p. 47).
Todo esse movimento deve ser compreendido a partir da
necessidade que tem o capital, em seu processo de permanente
reprodução, de “revolucionar”, como já afirmaram Marx e Engels no
Manifesto do Partido Comunista, o processo de produção que,
entendido a partir das relações desiguais estabelecidas entre os homens,
implica na recriação/revolução das formas de controle e de racionalidade
que, no contexto da globalização e da pós-modernidade, tornam-se
mais sutis e “flexíveis”.
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

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Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação
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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


79

A REFORMA DO ESTADO E A
DESCENTRALIZAÇÃO NA ÁREA DA EDUCAÇÃO

Ireni Marilene Zago Figueiredo1

A crise financeira internacional e a crise da dívida externa (1982),


que atingiram os países periféricos, contribuíram para que o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)/Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) assumissem a liderança no
processo de renegociação da dívida dos países, por meio de uma série

Coleção Sociedade, Estado e Educação


de condicionalidades econômico-financeiras e político-ideológicas
circunscritas aos Planos de Estabilização e aos empréstimos de ajustes
estruturais e setoriais.
Particularmente, os empréstimos de ajuste estrutural (Structural
Adjustment Lending – SALs) emergiram em 1980 e os empréstimos de
ajuste setorial em 1983. Esses empréstimos compõem uma linha de
operação denominada “Policy-Base Loan” – “Empréstimo de Base
Política” e visam promover a reestruturação econômica dos países.
A necessidade de promover reformas na educação está inscrita
no contexto mais amplo do processo de reestruturação econômica do
país.
[...] o BID, FMI e Banco Mundial, convergem e articulam os
condicionantes requeridos às políticas macroeconômicas diagnosticadas
que devem se materializar nos ajustes estruturais e setoriais
implementados em cada país mutuário submetidos aos empréstimos
internacionais. [...] A implementação de ajustes estruturais e setoriais
empreendidos no Brasil [...] respondem aos interesses dominantes
internos e externos (DEITOS, 2005, p. 210-219).
As condicionalidades e orientações do BID e do Banco Mundial
para os empréstimos de ajustes estruturais e setoriais cruzam-se e

1 Este texto é resultado de parte das reflexões sistematizadas para comprovação da tese de
doutorado defendida na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP – SP. Área de Concentração: História, Filosofia e Educação. Orientação: Profa. Dra.
Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


80

articulam-se. A terapia liberal-conservadora, para os países centrais


ou periféricos, eram idênticas: “[...] privatizar, desregular, abrir a
economia, cortar o gasto público, etc.” (FIORI, 1997, p. 158).
Desde o Presidente Fernando Collor de Mello até a atualidade,
com o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, há um processo de
intensificação da reforma do Estado brasileiro e de suas instituições
públicas. O consenso construído em torno das reformas é de que os
ajustes estrutural e setorial possibilitarão a inserção do país no processo
de globalização. Nessa direção, as reformas são anunciadas e realizadas
[...] com a crença orientada sempre na direção do mercado e da competitividade
internacional, sustentadas na estratégia de ‘desenvolvimento da
competitividade para integração da economia brasileira à globalização
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

econômica’ (DEITOS, 2005, p. 163. Grifos do autor).


Como resposta à crise que se acentuou a partir da década de
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

1980, criou-se um consenso em torno da necessidade de reformar o


Estado brasileiro e redefinir as suas funções públicas. Para resolver o
impasse em torno das estratégias a serem adotadas e da direção a ser
dada ao processo de reforma e modernização do Estado e de suas
instituições públicas, serviram de parâmetro as orientações do
“Consenso de Washington”, o qual significou um programa de
ajustamento das economias periféricas, sob o monitoramento do FMI,
BID e Banco Mundial.
Na sociedade brasileira, a reforma e modernização do Estado
brasileiro se tornou mais evidente a partir do “Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado” (1995), tendo como um dos articuladores, no
plano nacional, Luiz Carlos Bresser-Pereira, representante do Brasil
na reunião de Washington. O “Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado” pressupõe a reforma do aparelho do Estado e do próprio
Estado. A reforma do Estado é concebida como um projeto amplo e
refere-se às várias áreas do governo e, ainda, ao conjunto da sociedade
brasileira. A reforma do aparelho do Estado é concebida de forma
mais restrita e tem como finalidade tornar a administração pública
eficiente e flexível (BRASIL, 1995).
A ênfase na modernização administrativa do setor público tem
sido o parâmetro para justificar a realização de reformas das instituições
que estariam com problemas, entendidos como falta de qualidade, de
produtividade (eficiência interna e externa) e de competitividade, próprios
de uma Administração Pública Burocrática, rígida e ineficiente. Nesse
processo de modernização, segundo os princípios de uma
Administração Pública Gerencial, flexível, eficiente, com controle dos

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


81

resultados e descentralizada, o Estado teria a função de regular e


promover os serviços básicos como a educação e a saúde, concebidos
como essenciais para o desenvolvimento. “Como promotor desses
serviços, o Estado continuará a subsidiá-los, buscando, ao mesmo
tempo, o controle social direto e a participação da sociedade” (BRASIL,
1995, p. 18).
O que é possível evidenciar é que a redefinição das ações do
Estado vem sendo viabilizada, entre outras medidas, por meio da
reforma do financiamento e da administração de suas instituições
públicas, entre elas, da educação. A redefinição do papel do Estado
seria inadiável, já que ele não estaria atendendo com “[...] eficiência à
sobrecarga de demandas a ele dirigidas, sobretudo na área social”
(BRASIL, 1995, p. 14).
É nessa direção que as reformas estão “[...] baseadas em
elementos de modernização do Estado e reforma do setor público”
(BID, 1998, p. 193). O argumento de que a reforma do Estado é

Coleção Sociedade, Estado e Educação


imprescindível está embasado na afirmação de que ela “[...] passou a
ser instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar
o crescimento sustentado da economia” (BRASIL, 1995, p. 09).
Portanto, a reforma do Estado articula-se ao conjunto das
reformas econômicas e, ao mesmo tempo, dá suporte à realização
dos ajustes setoriais, ao pressupor, por exemplo, que para resolver os
problemas fundamentais da reforma do Estado seriam inadiáveis: o
ajuste fiscal; as reformas econômicas orientadas para a competitividade
internacional; a reforma da previdência social; a inovação das estratégias
de política social; a reforma do aparelho do Estado, através da
descentralização de seus serviços, etc. (BRASIL, 1995).
Nesse processo, deve-se “levar a sociedade a aceitar uma
redefinição das atividades do Estado”, incluindo também uma
[...] seleção estratégica das ações coletivas que os Estados procurarão
promover, juntamente com maiores esforços para reduzir a carga imposta
ao Estado, fazendo com que os cidadãos e as comunidades participem da
prestação dos bens coletivos essenciais. [...] os Estados estão fornecendo
em excesso ampla variedade de bens e serviços que poderiam ficar a
cargo dos mercados privados. […] Em diversas outras áreas – o uso de
fundos sociais para reduzir a pobreza, a melhoria da qualidade do ensino
primário, o incentivo à participação das ONGs e da comunidade -, a
reforma pode melhorar consideravelmente a prestação dos serviços. [...]
aproximar mais o governo do povo, mediante uma maior participação e
descentralização (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 03-04-63).
Sob o enfoque da racionalidade econômica (relação custo-
benefício) e da reforma do setor público e da modernização do Estado,

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


82

o BID destaca que a redução das desigualdades sociais e a erradicação


da pobreza devem ser atingidas mediante o aumento da eficiência do
gasto social, através da descentralização e adoção de reformas
institucionais e administrativas. Trata-se de uma reforma das instituições
públicas, tendo como um dos critérios gerenciais a racionalidade
econômica, quando sustenta que se deve melhorar a eficiência do gasto
social e apoiar a descentralização dos serviços oficiais, no sentido de
estabelecer parcerias com a comunidade e a sociedade civil (BID, 1998,
2000).
O Plano Diretor define quatro setores do Estado: o Núcleo
estratégico, as Atividades exclusivas, os Serviços não-exclusivos ou
competitivos e a Produção de bens e serviços para o mercado.
Particularmente, as atividades exclusivas referem-se ao setor em que
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

são prestados serviços que só o Estado pode realizar. Envolve o poder


de regular, de fiscalizar e de fomentar, tais como: o subsídio à educação
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básica, previdência social básica, a compra de serviços de saúde pelo


Estado, etc.
Na década de 1990, a reforma e a modernização do Estado, inscritas no
processo de ajuste econômico, estão pautadas na redefinição de suas
atribuições, com elaboração de uma política de redução dos investimentos
nos serviços públicos. Todavia, cabe destacar que existe um consenso
entre o BID e o Banco Mundial do Estado oferecer os serviços essenciais
básicos, de educação e de saúde. Esses serviços têm como finalidade
atender às demandas sociais críticas, contribuindo para a estabilidade
política e social e, ao mesmo tempo, criar as condições favoráveis mínimas
para o implemento das políticas de ajuste econômico (FIGUEIREDO,
2006).
Portanto, a implementação das reformas previstas no Plano
Diretor visa à concentração do Estado no atendimento às necessidades
sociais básicas e, ao mesmo tempo; à redução de sua área de atuação,
através das estratégias de descentralização, as quais compreendem: a
privatização, a “publicização” e a terceirização.
Desse modo, a partir da crise estrutural do capitalismo e, de
forma mais expressiva, a partir da “crise da dívida externa” (1982), a
educação é concebida como parte integrante do conjunto das reformas
econômicas. A reforma da educação faz parte dos acordos de ajuste
estrutural e setorial, sendo, portanto, uma de suas condicionalidades.
A implementação dos ajustes estrutural e setorial compreende um
conjunto de reformas, dentre elas, a reforma da Educação Básica,
profissional e universitária, a reforma da saúde, a reforma administrativa

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


83

e do Estado, a reforma tributária, a reforma da previdência, a reforma


fiscal, a reforma trabalhista, a reforma do judiciário, etc.
As reformas nas instituições públicas, integradas ao conjunto
das reformas econômicas, visam a incentivar a concorrência e garantir
a racionalidade econômica (relação custo-benefício) com o controle da
produtividade (eficiência interna e externa) e da qualidade; estes são
alguns dos principais argumentos que sustentam a necessidade de
realização da reforma educacional.
Na década de 1990, a intervenção do Banco Mundial na política
educacional brasileira teve um total de financiamento combinado de
cerca de US$ 1 bilhão, com a aprovação de seis projetos, que
contemplaram treze Estados brasileiros2 . A participação do Banco
Mundial, nos empréstimos para a educação brasileira, priorizou
diretrizes e orientações para políticas nacionais que resultaram em
reformas setoriais que contribuíram para o processo de reforma e
modernização do Estado e de suas instituições públicas.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


A realização de reformas institucionais, que incluíram mudanças
no financiamento e na administração na área de educação, contemplou
plenamente a meta da descentralização nos estados de Minas Gerais,
Paraná, Ceará e São Paulo, que tiveram projetos financiados pelo Banco
Mundial.
O estado de Minas Gerais foi o primeiro que, simultaneamente:
instituiu a política de promoção automática da primeira para a segunda
série; institui o uso de testes padronizados para verificar o desempenho
dos alunos; adotou um processo objetivo para seleção e nomeação de
diretores de escola; dotou os Colegiados Escolares de autoridade, bem
como de mecanismos para assistir os diretores na administração das
escolas; iniciou o repasse de recursos específicos não destinados a
salários diretamente para as escolas; e descentralizou determinadas
atividades administrativas para as instituições escolares (BANCO
MUNDIAL, 1994).
Em Minas Gerais, como proposta para alcançar a autonomia
financeira, foi definido o repasse direto, pelo Estado, de recursos para

2 Dos seis projetos, dois continuaram para a região do Nordeste, com abrangência para todos os
estados: “Educação Básica no Nordeste II” (Maranhão, Ceará, Pernambuco e Sergipe) e
“Educação Básica no Nordeste III” (Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Bahia). Os
demais projetos foram para os estados de Minas Gerais - “Projeto de Melhoria da Qualidade da
Educação Básica em Minas Gerais”; São Paulo - “Projeto Inovações na Educação Básica em São
Paulo” (INOVAÇÕES); Espírito Santo - “State of Espírito Santo Basic Education Project”; e
Paraná - “Projeto Qualidade no Ensino Público do Paraná” – PQE.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


84

a escola. Uma das mudanças nesse procedimento é aquela em que


passou a ser competência do Colegiado a aprovação da prestação de
contas da escola e seu encaminhamento direto ao Tribunal de Contas
do Estado, sem a mediação da Delegacia de Ensino que se transformou,
posteriormente, em Superintendência Regional de Ensino – SRE. O
sistema de pessoal também foi descentralizado para as escolas. Com
a descentralização, houve esvaziamento das funções da SRE. As escolas
foram sendo estimuladas a buscar complementação orçamentária na
iniciativa privada ou em outras formas de contribuição da comunidade.
Esse procedimento é garantido pela “flexibilidade” proveniente da
descentralização administrativa, em que a escola, diante de escassos
recursos, deve buscar, fora do Estado, outros mecanismos para garantir
sua sobrevivência (OLIVEIRA, 2000).
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Em 1992, a SEE/MG requereu de cada escola o preparo e a


implementação do seu próprio Plano de Desenvolvimento da Escola
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

(PDE). O PDE era preparado pela escola, sob liderança do seu diretor,
juntamente com o Colegiado, o qual deveria aprová-lo. Nessa direção,
a escola seria responsável pela elaboração do seu orçamento, de acordo
com suas necessidades. O PDE teve como objetivo o Fortalecimento
do Planejamento Escolar, do subprojeto Melhoria da Infra-Estrutura e
Gestão da Escola (BANCO MUNDIAL, 1994).
No estado do Paraná, a estratégia de descentralização
desenvolveu-se através do componente Desenvolvimento Institucional,
do Projeto Qualidade no Ensino Público do Paraná (PQE) que, dentre
outros objetivos, visou à promoção de condições fundamentais para
garantir o suporte necessário ao aperfeiçoamento do modelo de gestão
do sistema educacional no Estado, a partir da descentralização das
ações educacionais e da parceria entre Estados e municípios para o
desenvolvimento do Ensino Fundamental (PARANÁ, SEED, 1994).
O componente Desenvolvimento Institucional do PQE/PR visou
ao aperfeiçoamento gerencial, através da reorganização administrativa
da SEED, objetivando instituir uma estrutura organizacional capacitada
a cumprir com efetividade as metas definidas para o ensino público,
segundo a proposta pedagógica e modelo de gestão compatível com
esta proposta (PARANÁ, SEED, 1994).
Nessa direção, o Banco Mundial destacou que todos os
componentes do projeto foram implementados satisfatoriamente e,
acrescentou, que as realizações mais importantes do projeto talvez
tenham acontecido na área do desenvolvimento institucional. Salientou,
ainda, que a SEED foi reorganizada, bem como foram

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


85

institucionalizados os componentes essenciais do projeto, tais como:


a capacitação de professores, a avaliação quantitativa do aprendizado
de alunos e os sistemas de gestão e de informação (BANCO MUNDIAL,
2002).
A proposta pedagógica também teve êxito com o PQE/PR. O
componente Capacitação dos Professores alcançou o objetivo
pretendido. Em termos de números de participantes, atingiu
substancialmente mais que o planejado na avaliação (mais de 250.000
participantes, comparados a cerca de 93.500 em fase de capacitação
estimados na avaliação). Esse componente foi previsto, num primeiro
momento, na forma de um planejamento descentralizado, que iniciaria
pelas escolas e a sua implementação seria descentralizada para os
Núcleos Regionais de Ensino – NRE da SEED. Entretanto, o
planejamento descentralizado foi abandonado, pois foi concebido como
não favorável à implementação rápida da reforma educacional. Para
implementar essa estratégia foi criada a Universidade do Professor

Coleção Sociedade, Estado e Educação


em Faxinal do Céu (BANCO MUNDIAL, 2002).
As medidas financeiras, administrativas e pedagógicas prescritas
para a educação integram a lógica da descentralização/centralização.
Nesse sentido, o repasse de recursos às escolas, como mecanismo de
descentralização, atendeu à meta de mudança no financiamento e na
administração da educação. “O eixo autonomia na escola é parte da
determinação do Banco Mundial para a descentralização da política
educacional no Brasil. Essa política está sendo proposta,
principalmente, por intermédio do projeto de dinheiro para a escola”
(PERONI, 2003, p. 101).
Neste sentido, no estado do Paraná, em 2001, quase todas as
escolas estaduais tinham formalmente instituído suas Associações de
Pais e Mestres – APMs. As APMs administraram os recursos de vários
programas (Fundo Estadual Rotativo para Manutenção das Escolas e
Material Didático, Programa “Dinheiro na Escola” do Governo Federal)
e participaram cada vez mais no dia-a-dia da gestão escolar, bem como
das escolhas estratégicas e pedagógicas. O projeto também forneceu,
cada vez mais, capacitação para essas associações em áreas como a
integração das escolas com a comunidade, a mobilização da
comunidade, a gestão financeira legal e pedagógica. Ficou definido na
Revisão de Meio Período, que a aquisição de biblioteca e dos livros
seria descentralizada às escolas e os recursos financeiros transferidos
para as APMs legalmente organizadas (BANCO MUNDIAL, 2002).
No Ceará, a responsabilidade pela contratação e supervisão da
reforma de escolas, em pequena escala no sistema estadual, foi

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


86

transferida aos diretores, como parte de uma política de descentralização


e maior gerenciamento da escola. A supervisão e o auxílio técnico dos
trabalhos seriam realizados por uma equipe das unidades de
planejamento físico das Secretarias. Nos quatro estados (Maranhão,
Ceará, Pernambuco e Sergipe), com financiamento do Banco Mundial
(Projeto Educação Básica no Nordeste II), os fundos para reabilitação
das escolas municipais ou sua construção seriam transferidos para as
secretarias de educação dos municípios, as quais seriam responsáveis
pela contratação dos serviços (BANCO MUNDIAL, 1993).
Na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP),
três ações estavam previstas no Projeto de Educação Continuada 1996-
1998: 1) reforma e racionalização da máquina administrativa; 2)
descentralização de recursos e competências; e 3) desconcentração
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

da gestão administrativa e pedagógica. Desse modo, a


“desconcentração da gestão administrativa e pedagógica” resultou em
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

mudanças no padrão de gestão da SEE/SP, visando assegurar a


autonomia administrativa, financeira e pedagógica às instâncias
educacionais. Neste sentido, foram desativadas as Divisões Regionais
de Ensino (DREs) e fortalecidas as Delegacias de Ensino (DEs). A essas
medidas, foram acrescidos: o repasse de recursos financeiros para as
escolas investirem na conservação física, na aquisição de materiais
pedagógicos e mobiliário adequado para as classes de CB a 4ª série,
salas-ambiente e laboratórios, bem como aquisição de vídeo, antena
parabólica e TV (SÃO PAULO, SEE, 1996).
A efetivação da descentralização, portanto, é confirmada pelo
Banco Mundial, ressaltando os estados e as cidades que estavam mais
adiantados nesse processo.
Estados como Minas Gerais, Pará, Ceará, São Paulo, Paraná e Rio Grande
do Sul e cidades como Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Cuiabá e Campinas
fizeram mudanças que incluem: (i) a introdução de critérios de
qualificação e eleição dos diretores das escolas; ii) programas para apoiar
ou comandar o estabelecimento de conselhos escolares com
responsabilidade administrativa e alguma responsabilidade financeira
para escolas individualmente; (iii) o desenvolvimento de sistemas de
teste de resultados no âmbito do estado ou da cidade para medir e relatar
o que e como as crianças estão aprendendo; (iv) a definição de critérios
operacionais transparentes para a descentralização do financiamento da
educação, e (v) programas para unificar sistemas educacionais dos estados
e municípios (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 109).
As mudanças na dinâmica da Secretaria do Ensino Fundamental
e das Secretarias Estaduais de Educação foram processadas, portanto,

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


87

por meio da criação de unidades específicas para monitorar e avaliar


os componentes ou programas de ação dos projetos financiados pelo
Banco Mundial, que resultaram em reformas institucionais e
administrativas, criando uma nova dinâmica entre as instâncias
nacionais, estaduais e municipais.
As reformas institucionais e administrativas no aparelho do
Estado e nas Secretarias Estaduais de Educação se confirmaram, por
exemplo, com a implementação do componente Gerenciamento
Educacional, do Programa Estadual, previsto no projeto Educação Básica
no Nordeste II, do componente Desenvolvimento Institucional, previsto
no PQE/PR, e do componente Melhoria da Infra-Estrutura e Gestão da
Escola, previsto no Pró-Qualidade/MG.
Nas negociações do projeto Educação Básica no Nordeste II, o
tomador deu garantias de que as equipes da Unidade Nacional
Encarregada do Suporte ao Projeto – UNESP, e da Unidade Encarregada
do Suporte ao Componente Nacional – UESCN, deveriam ser mantidas

Coleção Sociedade, Estado e Educação


durante a execução do projeto. Ficou acordado que os integrantes das
equipes da UNESP, da UESCN e das Unidades Estaduais Encarregadas
do Suporte ao Projeto – UEESPs, tivessem uma política de pessoal
aprovada pelo Banco e o coordenador do projeto e os chefes das
unidades deveriam possuir qualificações e experiências também
aceitáveis por essa instituição (BANCO MUNDIAL, 1993).
No projeto Educação Básica no Nordeste II, o Programa
Nacional, a partir de um de seus componentes, Planejamento e
Gerenciamento Nacionais da Educação, visou ajudar a Secretaria do
Ensino Fundamental (SEF) a melhorar sua eficiência. O projeto
financiaria, dentre outras ações, o apoio logístico e de equipamento à
UNESP e à UESCN, dentro da Secretaria do Ensino Fundamental,
para possibilitar o cumprimento de suas respectivas funções de
coordenação. A UNESP seria a unidade que garantiria que os
componentes do projeto fossem executados de acordo com o que foi
acordado nos termos e no cronograma do contrato. Assim, o
componente nacional seria coordenado pela UESCN, unidade separada
dentro da SEF, que, dentre as principais atividades, visou suprir a UNESP
com todas as informações necessárias, bem como com relatórios
periódicos relacionados com a execução do componente nacional
(BANCO MUNDIAL, 1993).
Além do estabelecimento formal da UNESP e da UESCN, pelo
MEC, haveria as UEESPs – Unidades Estaduais Encarregadas de
Suporte ao Projeto, instaladas em cada Secretaria Estadual de Educação

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


88

e localizadas no Departamento de Planejamento das SEEs. Dentre as


atividades das UEESPs estariam: a coordenação do preparo e execução
de todos os componentes do projeto em âmbito estadual; o
monitoramento do progresso do Estado em suas Metas Anuais de
Melhoramento Gerencial – AMETs; a elaboração de relatórios; a
avaliação do projeto; e a contratação de estudos e serviços de
consultoria (BANCO MUNDIAL, 1993).
Através do componente Gerenciamento Educacional, do
Programa Estadual previsto no projeto Educação Básica no Nordeste
II, o projeto financiaria assistência técnica, treinamento e equipamentos
para auxiliar os Estados nas seguintes ações: reorganização e
simplificação de suas secretarias de educação; melhoria na eficiência
dos gastos educacionais; e modernização do gerenciamento
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

educacional. O componente Gerenciamento Educacional apoiaria as


Secretarias Estaduais de Educação para fortalecer a capacidade de
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

planejamento educacional e financeiro; melhorar a gestão de recursos


humanos; estabelecer sistemas de monitoramento da qualidade do
nível educacional das escolas; e desenvolver sistemas integrados de
informação gerencial. Além disso, o componente apoiaria a unidade
de suporte ao projeto na Secretaria Estadual de Educação de cada
Estado (BANCO MUNDIAL, 1993).
O Programa Nacional, previsto no projeto Educação Básica no
Nordeste II, contribuiu para implementar uma nova dinâmica entre as
esferas federal, estadual e municipal, ao cumprir com a meta de
transferência de recursos financeiros aos Estados e municípios com
base em critérios objetivos, destinados a reduzir as desigualdades nos
gastos por estudante, através dos diferentes sistemas escolares e regiões
(BANCO MUNDIAL, 1993). Pode-se considerar como materialidade
dessa meta a criação, através da Emenda Constitucional Nº 14/96, do
Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério - FUNDEF - Lei 9.424/96. Conforme afirmou o BIRD, “uma
maior equivalência entre os sistemas escolares estadual e municipal
em termos de gasto por aluno também foi alcançado, embora isso
tenha ocorrido principalmente devido à criação do FUNDEF” (BANCO
MUNDIAL, 2002, p. 04).
O critério da racionalidade econômica (relação custo-benefício)
pode ser evidenciado com o FUNDEF, que sofre as conseqüências de
escassos recursos, revelando a fragilidade da suposta prioridade
dispensada ao Ensino Fundamental. A criação do FUNDEF, uma das
estratégias de descentralização, operacionaliza a implementação da

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


89

política de redução dos objetivos educacionais, limitados ao Ensino


Fundamental, em prejuízo dos demais níveis e modalidades. Portanto,
60% dos 25% constitucionalmente vinculados à educação dos Estados
e municípios deverão ser aplicados no Ensino Fundamental, totalizando,
dessa forma, 15% das receitas. Esta subvinculação, na prática,
dificilmente está integralmente respeitada, pois o Fundo criou um
problema: os recursos provenientes do ISS e do IPTU que, nas grandes
cidades, compõem mais da metade das verbas públicas, não foram
incluídos no Fundo. Assim, os 15% destinados ao Ensino Fundamental
poderão ser reduzidos pela metade (LEHER, 1998).
As reformas institucionais e administrativas no aparelho do
Estado e nas Secretarias Estaduais de Educação foram concretizadas
com o PQE/PR, através do componente Desenvolvimento Institucional,
na medida em que o monitoramento físico e financeiro do PQE,
realizado pelo Sistema de Administração Físico e Financeiro – SAFF, foi
instituído, desenvolvido e supervisionado pela RDR – Firma de

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Consultoria Nacional, que foi contratada para realizar, na Unidade de
Coordenação do Projeto – UCP, todos os relatórios de
acompanhamento físico e financeiro do PQE. Com essa prática, o
SAFF foi revisado e selecionado para ser incluído no Programa Piloto
da Iniciativa de Mudança da Administração do Empréstimo – LACI. O
PQE foi o único projeto incluído no grupo piloto do LACI.
A coordenadoria de Auditoria de Operações de Crédito Internacional,
COACI, relatou que com o LACI foi muito mais fácil acompanhar e
verificar as contas do projeto PQE. A RDR, subseqüentemente, ajudou
a implementar o LACI no Ministério da Saúde e na reforma do Instituto
Nacional de Previdência Social da Nicarágua (BANCO MUNDIAL,
2002, p. 13).
Outra forma de descentralização é a municipalização. A política
de descentralização se materializou nas décadas de 1970 e 1980, pela
via da municipalização (FÉLIX ROSAR, 1997). A municipalização
modificou a relação entre Estados e municípios, conforme se confirmou,
por exemplo, nos Estados de Minas Gerais, Paraná e São Paulo.
No Estado de Minas Gerais, a municipalização de escolas
estaduais ocorreu, sobretudo, a partir de 1994. A municipalização foi
o resultado da quinta prioridade da SEE, “integração com os
municípios”, que consistiu na busca de uma melhor relação entre Estado
e municípios. Essa prioridade foi desenvolvida através de acordos entre
o governo estadual e as prefeituras, em que a melhor relação entre
ambos foi reduzida à transferência, pelo Estado, do atendimento ao

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


90

Ensino Fundamental, com ênfase nas quatro primeiras séries, para os


municípios (OLIVEIRA, 2000).
Os investimentos do PQE/PR seriam para as escolas públicas
estaduais e municipais, de 1ª a 8ª séries. As escolas públicas municipais
seriam atendidas pelos municípios que firmassem, com o governo do
Estado, o Termo de Parceria Educacional. O Banco Mundial (2002)
enfatizou que a municipalização das quatro primeiras séries teve um
grande progresso, pois as escolas são responsáveis por 84% das
matrículas. Os Contratos de Parceria com o Estado cresceram de
275, em 1994, para 382, em 2001, ou seja, de 320 municípios para
399 municípios.
Com a edição do Decreto 30.175, de 13/09/89, instituiu-se o
Programa de Municipalização do Ensino de São Paulo (BORGES, 2002,
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

p. 161). Dessa forma, “até o fim de 1989 foram celebrados 180


convênios para a municipalização do ensino de primeiro grau, todos
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

com prefeituras de pequenos municípios [...]” (CUNHA, 1991, p. 418).


Em São Paulo, o atendimento do Ensino Fundamental esteve,
historicamente, concentrado na rede estadual de ensino. A partir de
1996 é que se inicia de fato o processo de expansão das redes
municipais, corroborado pela instituição do Fundo de Desenvolvimento
e Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(SÃO PAULO, SEE, 2000).
A diversificação da oferta, tendo como premissa básica a
concorrência como mecanismo para a promoção da produtividade e
da qualidade na área da educação, tem como uma das estratégias a
atuação do setor privado. Um exemplo pertinente é o da Federação
das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), que criou o
Conselho de Educação do Sistema da FIEMG, cujo objetivo é
transformar empresas e escolas em parceiras no desenvolvimento
econômico e construção da cidadania. Tendo como prioridade a
melhoria do ensino básico, em Minas Gerais, o “Programa de Formação
de Parcerias Empresa-Escola: Desenvolvimento e Cidadania” buscou
apoio de empresários e líderes educacionais do Estado. O Conselho
se dirigiu às empresas, sensibilizando-as para a necessidade de ajudarem
as escolas públicas. As propostas da FIEMG, para a efetivação dessa
ajuda, incluíam desde o trabalho voluntário de seus funcionários até a
implantação de programas de Qualidade Total. Esse programa
representou a tentativa de intervenção das empresas na gestão das
escolas, transferindo a lógica da economia privada para o setor público
(OLIVEIRA, 2000).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


91

No projeto Pró-Qualidade/MG, o Programa de Gestão da


Qualidade Total (TQM) teve como objetivo realizar seminários para
funcionários, pais de alunos e professores das escolas. Também apoiaria
o desenvolvimento de um programa de Gestão de Qualidade Total,
em aproximadamente 1.000 instituições escolares. Antes de expandir
o programa, a SEE/MG deveria promover uma avaliação externa da
experiência em andamento, estabelecer a Gestão da Qualidade Total
na SEE/MG e DREs, e treinar 9.000 diretores e vice-diretores de escolas
(BANCO MUNDIAL, 1994).
As atividades previstas seriam implementadas com a assistência
técnica de instituições como a Fundação Cristiano Otoni (FCO), a qual
é especializada em aspectos técnicos de TQM, tendo adquirido essa
experiência através da cooperação técnica com a União de Cientistas e
Engenheiros do Japão. O treinamento focalizaria o desempenho da
escola como uma unidade de produção, com metas e objetivos,
dispondo de recursos limitados, e responsável pelos seus resultados

Coleção Sociedade, Estado e Educação


perante a comunidade e sua clientela em particular (BANCO
MUNDIAL, 1994).
Nessa direção, recomenda-se, como mecanismo para envolver
diferentes segmentos da sociedade, a mobilização de recursos públicos
ou privados para complementar as necessidades financeiras da área
de educação. Nesse sentido, as instituições educacionais devem ser
reformadas em nome da flexibilidade do mercado e da globalização. É
preciso, nesse contexto, descentralizar e ampliar a responsabilidade
para a sociedade civil. O procedimento de envolver as ONGs nas
atividades da educação converge com as orientações do Banco Mundial,
atribuindo à comunidade responsabilidades que caberiam ao Estado.
O envolvimento de diferentes segmentos da comunidade está implícito
no discurso de que o Estado deve dar oportunidades de participação e
decisão nas ações, numa relação que supõe compromisso-participação-
tomada de decisão-exercício da cidadania.
A participação da sociedade civil, nesse processo, incorpora a
perspectiva da racionalidade econômica e a estratégia de redução da
pobreza. Nessa direção, sustenta o Banco Mundial que as associações
comunitárias estão participando cada vez mais dos projetos e também
estão se tornando os seus principais atores. Nesse sentido, dimensões
importantes na redução da pobreza significariam dar mais poder aos
pobres, bem como representatividade e a possibilidade de participação
nos processos decisórios. Essa realidade tem produzido resultados
mais sustentáveis do projeto a custos menores (BANCO MUNDIAL,
2000).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


92

Em síntese, constatamos que, a partir dos componentes ou


programas de ação dos projetos de educação, financiados pelo Banco
Mundial, na década de 1990, produziram-se importantes
transformações no aparelho do Estado e de suas instituições públicas.
De modo geral, modificaram a relação entre as esferas federal, estadual
e municipal, alterando a dinâmica entre Estado/municípios e Estado/
sociedade civil, a partir da realização de reformas institucionais, que
incluíram mudanças no financiamento e na administração na área de
educação, tendo como uma das estratégias a descentralização.
Todavia, é importante mencionar que, acreditar que o
enfrentamento da crise se viabilizaria a partir da reforma das instituições
públicas e modernização do Estado, através de reformas no
financiamento e na administração, constitui uma análise reducionista
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

da dimensão e das implicações do princípio de acumulação que rege o


sistema capitalista, bem como das rearticulações entre as diferentes
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

frações de capitais nacionais e internacionais para a continuidade do


processo de reprodução, acumulação e expansão do capital.

REFERÊNCIAS

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Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação
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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


95

POLÍTICAS SOCIAIS E ESTADO BURGUÊS NO BRASIL


Celso Hotz 1

INTRODUÇÃO

Pretendemos, neste texto, fazer algumas reflexões sobre o papel


que o Estado burguês vem desempenhando no desenvolvimento do
capitalismo, a partir da evolução progressiva do capitalismo
concorrencial ao monopolista, tendo nas políticas sociais e, sobretudo
na educação, um dos componentes estratégicos para a reprodução do
capital. Neste aspecto, entendemos o Estado a partir da concepção
tomada por Engels, segundo a qual:

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora
para dentro, tão pouco é a realidade da idéia moral, ou a imagem e a
realidade da razão como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade,
quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento: é a
confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável
contradição consigo mesma e está dividida por antagonismos
irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses
antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se
devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, torna-se
necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade,
chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da
ordem. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela e
distanciando-se cada vez mais é o Estado (ENGELS, 1984, p.227).
O Estado, numa sociedade capitalista, desempenha importante
papel na reprodução do modo de produção, agenciando suas políticas
econômicas e sociais no rumo da acumulação do capital, inclusive
com a implementação de políticas sociais que, de certo modo, amenizem
os efeitos negativos da exploração e acumulação, itens inerentes ao
capitalismo. Desta forma, o Estado persegue continuamente o
desenvolvimento econômico e, ao promover o avanço das forças
produtivas, promove também o ciclo do consumo necessário à
manutenção da sociedade capitalista, individualizando o acesso aos

1 Aluno do Curso de Mestrado em Educação - Unioeste - Universidade Estadual do Oeste do


Paraná. Membro do GEPPES - Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social.
E-mail: chotz@bol.com.br.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


96

bens produzidos pela sociedade. As políticas sociais, neste contexto,


são tidas como estratégicas.
Faremos neste artigo alguns apontamentos sobre o capitalismo
monopolista, bem como a função essencial assumida pelo Estado
burguês, particularmente no Brasil.
Em seguida, apresentamos alguns elementos das políticas sociais
implementadas pelo Estado burguês, assinalando a importância que
vêm ganhando a educação, como principal promotora da ideologia da
eqüidade, justiça social e alívio da pobreza. Nas considerações finais,
levantamos alguns aspectos sobre o percurso da temática estudada.

CAPITALISMO MONOPOLISTA E ESTADO BURGUÊS


Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

O processo histórico e constitutivo do capitalismo concorrencial


http://www.unioeste.br/pos/educacao/

e do capitalismo monopolista traz no âmbito de seu desenvolvimento


o Estado burguês, engendrado pelas respectivas sociedades e nas
condições históricas que as formaram, e que desempenhou (e tem
desempenhado) funções imprescindíveis à manutenção do capital.
Como sucessor do capitalismo comercial, o capitalismo
concorrencial pressupunha a “ [...] acumulação acelerada do capital,
que somou generoso uso da força de trabalho com abundantes recursos
das novas máquinas” (VIEIRA, 1992, p.16), o que foi alterando
significativamente as relações sociais.
Alicerçado teoricamente no liberalismo, o capitalismo
concorrencial prescrevia a intervenção mínima do Estado em relação à
economia, que deveria ser conduzida pela chamada “mão invisível” do
mercado2 , o principal precursor do acúmulo de capital.
Mas a transição gradual do capitalismo concorrencial ao
monopolista foi acompanhada dos “[...] perigos da concorrência sem
limites, num momento em que a progressiva concentração da
produção, especialmente na indústria pesada, criava as condições para
maior concentração da propriedade, intensificando o controle do
comércio” (VIEIRA, 1992, p.18). Assim, o capitalismo monopolista
“[...] especialmente a partir dos estudos lenineanos, tornou-se conhecido
como o estágio imperialista” (NETTO, 1996, p.15).
Com diferentes formas e períodos de consolidação nos diversos
países, o capitalismo monopolista proporcionou o acúmulo de capital

2 Sobre o termo “mão invisível” do mercado, ver Adam Smith (1983).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


97

em escala mundial após a segunda metade do século XIX, com


alterações3 nas relações sociais e nas relações entre os Estados, inclusive
com a intensificação da exploração do trabalho em âmbito global, sendo
a organização monopólica o elemento supremo desta exploração, ao
objetivar “ [...] o acréscimo dos lucros capitalistas através do controle
dos mercados” (NETTO, 1996, p.16).
Ao mesmo tempo em que proporcionou mudanças na ordem
das relações sociais, com sua evolução diferenciada em cada país, o
capitalismo monopolista “[...] recoloca, em patamar mais alto, o sistema
totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os seus
traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade histórica,
todos eles desvelados pela crítica marxiana” (NETTO, 1996, p.15).
Apesar de o capitalismo monopolista agregar alterações no modo
de produção e nas relações sociais, permanece ainda a “livre
concorrência”, que a partir de então “[...] é convertida em uma luta de

Coleção Sociedade, Estado e Educação


vida ou morte entre os grupos monopolistas e entre eles e os outros,
nos setores ainda não monopolizados” (NETTO, 1996, p.19).
A consolidação em escala mundial do capitalismo monopolista
inaugurou, segundo Lênin, uma nova fase imperialista, ocupando os
países hegemônicos, o “centro do furacão” da concentração do capital,
sustentados pela superexploração dos países periféricos. Assim,
Se tivéssemos de definir o imperialismo da forma mais breve possível,
diríamos que ele é a fase monopolista do capitalismo. (...) O imperialismo
é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma
a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação
dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou
a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs termo
à partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências
capitalistas (LÊNIN, 1987, p.88-89).
A inserção dos diversos Estados ao circuito mundial da economia
capitalista se torna um fato, de modo que ”[...] No cerne dessa
economia mundial, constituída como um todo estruturado, as
economias nacionais articulam-se através de relações de dominação-
subordinação, que determinam diferentes posições no processo de
reprodução ampliada do capital” (XAVIER, 1990, p.27).

3 Segundo José Paulo Netto (1996, p.15-16), “[...] a idade do monopólio altera significativamen-
te a dinâmica inteira da sociedade burguesa: ao mesmo tempo em que potencia as contradi-
ções fundamentais do capitalismo já explicitadas no estágio concorrencial e as combina com
novas contradições e antagonismos, deflagra complexos processos que jogam no sentido de
contrarrestar a ponderação dos vetores negativos e críticos que detona.”

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


98

Para o núcleo central do capitalismo, a inserção dos países


periféricos à sua lógica de acumulação sempre foi imprescindível, pois
tal núcleo aponta que “O custo da falta de abertura será um aumento
da diferença de padrões de vida entre os países que se integraram e os
que ficaram de fora” (BANCO MUNDIAL, 1997, p.13).
A importância do Estado para a acumulação do capital vai se
consolidando principalmente a partir da intervenção na contradição
entre capital/trabalho, não mais possível de ser resolvida somente pelas
organizações monopólicas. Neste aspecto, o Estado configura-se como
um mecanismo de intervenção extra-econômico, essencial para a
reprodução da acumulação capitalista, pois
Na idade do monopólio, ademais da preservação das condições externas
da produção capitalista, a intervenção estatal incide na organização e na
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

dinâmica econômicas desde dentro, e de forma contínua e sistemática.


Mais exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do
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Estado imbricam-se organicamente com as suas funções econômicas


(NETTO, 1996, p.21).
O caráter orgânico que adquire o Estado com o capitalismo
coloca a existência do Estado intrínseca e necessariamente ligada à
existência do próprio capitalismo, o que prescreve o desempenho de
funções múltiplas por parte do Estado para a continuidade do modo
de produção que o sustenta e, portanto, dele próprio, sendo algumas
destas funções diretas e outras indiretas.
Dentre as funções diretas requeridas ao Estado para a
manutenção do capitalismo está o oferecimento de indústrias de base
à produção, como as de energia e matérias-primas fundamentais; o
saneamento de empresas/indústrias capitalistas em dificuldades ou
falidas; o repasse de recursos públicos diretos ao setor privado e a
garantia de lucros aos monopólios (NETTO, 1996, p.21).
Como funções indiretas do Estado estão a encomenda/compra
de produtos das organizações monopólicas (inclusive da indústria
bélica); os investimentos públicos em transportes, estradas,
armazenamento e outros; a preparação de força de trabalho para os
monopólios e investimentos em pesquisas que beneficiam o setor
privado de produção.
No campo estratégico, o Estado desempenha funções
concomitantemente diretas e indiretas, ao atuar “[...] como um
instrumento de organização da economia, operando notadamente como
um administrador dos ciclos de crise” (NETTO, 1996, p.21).
O Estado proporciona as condições para a continuidade indefinida
das “[...] três dimensões fundamentais do sistema capitalista – produção,

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


99

consumo e circulação/realização [...]” (MÈSZÁROS, 2006, p.3) e que


“[...] tendem durante um longo período de tempo a reforçar-se e a
expandir-se reciprocamente, garantindo também a motivação interna
necessária para a respectiva reprodução dinâmica a uma escala cada
vez mais ampliada” (MÈSZÁROS, 2006, p.3).
Sem abandonar suas funções garantidoras da reprodução do
capital, o Estado tem agregado, no contexto da financeirização mundial
do capital, o “[...] papel catalisador e facilitador, incentivando e
complementando as atividades das empresas privadas e dos indivíduos”
(BANCO MUNDIAL, 1997, p.iii).

ESTADO E CAPITALISMO NO BRASIL

O processo de articulação do Brasil ao capitalismo mundial é

Coleção Sociedade, Estado e Educação


carregado de particularidades, desde a colonização e formação da
burguesia interna até a subordinação pactuada desta burguesia ao
capitalismo hegemônico, sob a tutela do Estado burguês. Não obstante,
A inserção original da economia brasileira na economia internacional e
a diversidade possível das formas de dominação do capital e de articulação
dos elementos ‘tradicionais’ e ‘novos’ nas estruturas de transição
capitalista dificultam a demarcação histórica precisa entre o colonialismo
e a dominação imperialista. Mas o capital já dominava a economia colonial
e o que se verificou no último quartel do século XIX foi a passagem para
novas formas de dominação capitalista (XAVIER, 1990, p.28).
No caso brasileiro, o Estado desempenhou historicamente
funções estratégicas na rearticulação da economia nacional. Tais funções
estão ligadas: à interferência direta no setor externo da economia,
inclusive servindo de “ponte” para o capital internacional; ao incremento
do processo de industrialização; à transferência progressiva dos
recursos da agricultura para a indústria (XAVIER, 1990, p.38).
A consolidação da exploração por parte dos monopólios somente
foi possível pelo papel desempenhado pelo Estado burguês, já que
houve historicamente “a fusão dos interesses do Estado brasileiro com
os interesses dos monopólios privados, e daí a sua fusão com os dos
monopólios internacionais” (XAVIER, 1990, p.43).
A materialização e manutenção do capitalismo monopolista no
Brasil teve a interferência e participação direta do Estado burguês aqui
constituído, o qual tem buscado constantemente a “[...] reintegração
modernizada ao capitalismo internacional” (XAVIER, 1990, p.52).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


100

O papel desempenhado pelo Estado no processo de


consolidação do capitalismo monopolista no Brasil viabilizou-se pelo
consentimento da elite burguesa aqui formada, pois “os efeitos da
subordinação econômica do país, em todas as suas fases, sempre
foram agravados pelo apoio e pela cumplicidade das classes dominantes
nacionais” (XAVIER, 1990, p.52).
Apesar da subordinação do Brasil ao núcleo central do
capitalismo apresentar-se já desde o período colonial, é a partir da
industrialização – que no caso brasileiro teve como base a produção
cafeeira –, e aproximando-se cada vez mais de associações
monopolistas, que o Estado burguês amplia sua intervenção no modo
de produção.
Na segunda metade da década de 1950, a intensificação da
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

internacionalização da indústria brasileira no governo Juscelino


Kubitschek mostrou a importância das ações do Estado burguês para
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a consolidação dos monopólios internacionais – estes ocupando o


parque industrial brasileiro com o aval e ajuda direta do Estado burguês
– ao propiciar a infra-estrutura necessária (indústria de base), além de
promover incentivos fiscais que subsidiaram instalações das indústrias
monopólicas internacionais em território nacional.4
O golpe ditatorial de 1964 fez o realinhamento do país ao
capitalismo central (em detrimento de uma possível opção socialista),
sendo que, neste período, sucessivos empréstimos contraídos dos
organismos internacionais (Banco Mundial e FMI) produziram um
consenso em torno da idéia de um “Brasil potência” e de um “milagre
econômico”.
O “pacto social” entre capital e trabalho proposto na transição
política para a “Nova República” fez parte da articulação política e
ideológica que teve continuidade nos governos posteriores à abertura
política e que desembocou num novo realinhamento do país às
premissas do capitalismo central, agora sob a égide das propostas
neoliberais, prontamente aceitas e implementadas pela elite política, a
partir do chamado Consenso de Washington.
Os ajustes e reformas estruturais implementadas pelos governos
que se seguiram na década de 1990 levaram a uma nova subordinação
política/econômica brasileira, em relação a “[...] um projeto de inserção
internacional e de transnacionalização radical de nossos centros de

4 Sobre o processo de industrialização brasileira ver, dentre outros, Paul Singer (1984) e Octávio
Ianni (1991).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


101

decisão e das estruturas econômicas brasileiras” (FIORI, 2001, p.12),


numa aliança de poder das elites internas com o capital internacional,
sempre sob a tutela do Estado burguês brasileiro.
Apesar da subordinação histórica e consentida à modernização
capitalista hegemônica por parte das elites políticas representadas pelo
Estado burguês, faz-se necessário considerar as influências globais da
acumulação do capital, principalmente a partir da financeirização
mundial do capital, uma vez que todos os países estão no círculo
mundial desta acumulação, hierarquicamente assumindo suas “devidas
funções”, seja fornecendo matérias-primas ou mão-de-obra a baixos
custos, ou tendo estes dois elementos conjuntamente superexplorados
pelas hegemonias capitalistas, de forma que
[...] não há como desconhecer a profundidade e a velocidade das
transformações que vêm redesenhando o mundo desde o início dos
anos setenta, como tampouco pode se desconhecer a especificidade destas

Coleção Sociedade, Estado e Educação


transformações dentro do movimento permanente de internacionalização
do Capital e do contexto mais próximo da internacionalização produtiva
ocorrida depois da II Guerra Mundial (FIORI, 1997, p.89).
Ao analisar o processo de globalização5 e o papel dos Estados
em relação a ela, é necessário
[...] olhar para o problema da ordem mundial como um todo, mas é
preciso cuidado para não reificar um sistema mundial. É preciso tomar
o cuidado de não subestimar o poder do Estado, mas dar a devida atenção
às forças e processos sociais e observar como eles se relacionam com o
desenvolvimento dos Estados e da ordem mundial (Cox apud FIORI,
1997, p.96).
Desta forma, ao analisarmos a requerida articulação da
modernização do Estado brasileiro ao núcleo central do capitalismo,
vemos que tal processo de modernização
[...] se expressou na estratégia ‘desenvolvimentista internacionalista’,
materializada a partir do Governo Vargas e JK – Juscelino Kubitschek
(na década de 1950), e consagrado no golpe militar de 1964,
aprofundando a ‘maturação’ da industrialização brasileira engendrada
pela internacionalização econômica” (DEITOS e XAVIER, 2006, p.72).
Assim, o processo de modernização atingiu seu “auge” na
década de 1990, quando “[...] o Brasil chegou a segunda metade dos

5 Sobre globalização ver, dentre outros: François Chesnais (1998); István Mèszáros (2006); José
Luís Fiori e Maria da Conceição Tavares (1997) e Roberto Leher (1998).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


102

anos 90 sob a égide de um pensamento e uma política de corte


neoliberal, cuja aposta fundamental era no acesso a mais um ciclo de
inserção financeira internacional e crescimento acelerado” (FIORI, 2001,
p.23).

AS POLÍTICAS SOCIAIS E O ESTADO BURGUÊS

Ao desempenhar a função de mediador de relações sociais


capazes de manter a acumulação do capital, o Estado burguês tem
incorporado estratégias que assegurem a realização de tal função e
deste modo, assegurem sua indispensabilidade para o capital. As
políticas sociais, representando uma destas estratégias, mas também
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

impregnadas de embates e conflitos – por originarem-se a partir da


contradição capital/trabalho – têm sido cada vez mais focalizadas, e a
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educação, como integrante destas políticas sociais, é utilizada pelo


Estado burguês para a promoção da ideologia da eqüidade, justiça
social e do alívio da pobreza, principalmente nos países periféricos em
relação à hegemonia central do capitalismo, como é o caso do Brasil.
O lugar estratégico das políticas sociais “[...] vem do papel que
o Estado exerce para proteger, financiar e suportar o capitalismo
monopolista, tanto nos países hegemônicos como nos países
dependentes” (FALEIROS, 1980, p.9).
Não obstante, ainda que representem estratégias para a
manutenção do capitalismo, as políticas sociais também representam
campo de tensões, onde
A reorganização das forças sociais, as mudanças na política internacional,
as conquistas internacionais dos trabalhadores, as contradições internas
dos capitalistas, as contradições internacionais, modificam a correlação
de forças e as conjunturas para transformação e implantação das políticas
sociais. Estas não são estáticas, mas tática e estrategicamente utilizadas
na dinâmica dos conflitos sociais (FALEIROS, 1980, p.71).
Embora sejam estratégicas na mediação de conflitos sociais, a
universalização das políticas sociais pelo Estado burguês não é possível,
pois
[...] uma sociedade capitalista, e seu Estado político de afirmação
permanente, jamais poderia universalizar as políticas sociais, se as
entendermos como expressão de contradições inerentes à ordem social
estabelecida. Nessa ótica, a universalização das políticas sociais seria o
caminho da própria dissolução do Estado capitalista e das determinações

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


103

materiais que o sustentam, ancoradas na acumulação e reprodução


capitalista (DEITOS e XAVIER, 2006, p.69).
Dada a inviabilidade da universalização das políticas sociais para
o capitalismo, o Estado burguês trata de priorizar o atendimento aos
mais necessitados, com a focalização das políticas sociais que, sendo
de certo modo característica da sociedade capitalista, representam parte
da riqueza socialmente produzida e que volta aos próprios trabalhadores
em forma de orçamento direcionado à área social, e gerido pelo Estado.
No contexto da área social, os objetivos dos organismos
internacionais para os países periféricos, incluindo o Brasil, estão
articulados ao auxílio na resolução de deficiências que impedem a
promoção da eficiência dos gastos com políticas sociais. Para tanto, a
focalização no atendimento das políticas sociais torna-se mais que
necessária, pois visa “[...] ao aumento da eficiência do gasto social”,
com “[...] a adoção de meios eficientes e inovadores de prestação de

Coleção Sociedade, Estado e Educação


serviços, inclusive a privatização, concessões, participação das ONGs
e envolvimento comunitário na supervisão e manutenção dos serviços
sociais” (BIRD, 1998, p.181).
A focalização das políticas sociais busca, dentre outros aspectos,
a otimização dos gastos, na medida em que “[...] permita dirigir melhor
os recursos públicos para os grupos mais vulneráveis, com uma
permanente consideração dos fatores de gênero e atendimento à infância
e à terceira idade” (BANCO MUNDIAL, 2001, p.235).
A eficiência nos gastos com políticas sociais a partir da
focalização também pode vir articulada à necessidade do crescimento
econômico acelerado, numa ligação “milagrosa”, em que “[...] a
combinação de crescimento sustentado, mesmo que a taxas ainda não
muito elevadas, com políticas sociais focalizadas, (...) pode ter efeitos
poderosos sobre a redução da pobreza” (LEVY e VILELA, 2006, p.9).

A EDUCAÇÃO COMO PROMOTORA DA EQÜIDADE, JUSTIÇA


SOCIAL E ALÍVIO DA POBREZA

No contexto da mundialização financeira6 do capital, a


competitividade internacional ganha maior expressão e é disseminada

6 De acordo com François Chesnais (1998, p.12): “A expressão ‘mundialização financeira’


designa as estreitas interligações entre os sistemas monetários e os mercados financeiros nacio-
nais, resultantes da liberalização e desregulamentação adotadas inicialmente pelos Estados
Unidos e pelo Reino Unido, entre 1979 e 1987, e nos anos seguintes pelos demais países
industrializados”.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


104

principalmente pelo núcleo hegemônico do capitalismo, como forma


de “[...] elevar o nível de vida da população, mediante ganhos de
produtividade” (CEPAL, 1995, p.3).
Nesta chamada financeirização do capital ocorrida a partir da
década de 1970 e intensificada na década de 1980, o núcleo central do
capitalismo, através de seus organismos internacionais, tem promovido
ajustes estruturais nos países periféricos por meio de financiamentos
e empréstimos, na prescritiva da inserção destes países na propalada
competitividade internacional, no contexto do fenômeno da
globalização.
Os ajustes estruturais nos países periféricos, a partir de
empréstimos contraídos do Banco Mundial e FMI, prevêem
readequações nas funções dos Estados, sempre dentro da dinâmica
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

mundial da acumulação de capital, principalmente na perseguição pelos


Estados periféricos do crescimento econômico acelerado.
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A busca pelo crescimento econômico acelerado é apontada pela


estratégia ideológica das hegemonias do capitalismo, como essencial
para a redução da pobreza, pois “a importância do crescimento na
redução da pobreza é aumentada pelas suas implicações na
sustentabilidade no programa de reformas e de políticas de distribuição”
(BANCO MUNDIAL, 2001, p.299).
E no caso brasileiro, o Banco Mundial afirma que “o consenso
de 1990 de que o Brasil sairia ganhando com a integração na economia
mundial resultou em estabilização, na privatização das infra-estruturas
e na liberalização do comércio e investimentos externos” (BANCO
MUNDIAL, 2001, p.299).
No Brasil, os ajustes estruturais deram-se, sobretudo, na década
de 1990, com três reformas estruturais fundamentais:
A Reforma Administrativa (essencialmente a retirada da estabilidade no
serviço público), Reforma da Previdência Social (que tem como ponto
maior a mudança da exigência de os benefícios dos aposentados serem
100% iguais aos do último salário enquanto na ativa; redução cumulativa
de benefícios, introdução de uma idade mínima para aposentadoria, e
checagem das contribuições), e Reforma Fiscal (melhorando a eficiência,
a conformidade e a universalização dos tributos sobre bens e serviços)
(BIRD, 1998, p.106).
Porém, tais ajustes estruturais trouxeram conseqüências diretas
para a área social, uma vez que “a implementação do ajuste estrutural
implica grandes transformações políticas e sociais” (LEHER, 1998,
p.167).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


105

As consequências sociais nos países periféricos, onde os


organismos internacionais prescreveram os ajustes estruturais, na
propalada ideologia de integração mundial, resultaram no fato de que
Os empréstimos do Banco e do FMI têm como contrapartida necessária
a adesão do país tomador ao programa de ajuste estrutural. Se por um
lado, o ajuste tem reduzido a inflação, por outro lado, o investimento, já
débil, tem estagnado e mesmo decrescido; a dívida tem-se tornado mais
pesada; e a infra-estrutura negligenciada. E pior: o ajustamento estrutural
tem implicado sofrimento social e acentuado a pobreza” (LEHER, 1998,
p.159).
Apesar dos ajustes estruturais propostos pelos organismos
internacionais – representantes da hegemonia capitalista mundial –
prescrever a competitividade como pressuposto do crescimento
econômico acelerado, a redução da pobreza não se evidencia como
resultado deste crescimento, mesmo que a estratégia ideológica adotada
pelos organismos internacionais seja a do crescimento econômico com

Coleção Sociedade, Estado e Educação


eqüidade social nos diversos países em que intervêm.
O próprio Banco Mundial aponta, no caso brasileiro, a
discrepância existente entre crescimento econômico e redução da
pobreza, quando pondera que
[...] o crescimento do PIB per capita no Brasil tem sido menos eficaz na
redução da pobreza do que em outros países. Calcula-se que um por
cento do crescimento do PIB per capita reduza a taxa de pobreza no
Brasil em apenas cerca de 0,7%, comparado com os 2% típicos dos países
em desenvolvimento. A principal razão para esta pouca elasticidade é a
grande desigualdade de renda, que implica que apenas uma pequena
parcela de qualquer aumento de renda contribui para elevar a renda dos
pobres. Além disso, os pobres com níveis de educação muito baixos são
muitas vezes incapazes de tirar proveito de oportunidades econômicas.
Em particular, os mais pobres entre os pobres – a última camada de 10-
15% da distribuição de renda no Brasil – parecem essencialmente não se
ter beneficiado do crescimento econômico (BANCO MUNDIAL,
2001, p.281-282).
Como estratégia para reprodução do trabalho vivo e manutenção
do capitalismo, as políticas sociais são implementadas pelo Estado
(apesar de advindas dos embates e conflitos demandados no âmbito
da contradição capital/trabalho), e no contexto das políticas sociais, a
educação tem se constituído, nos países periféricos, como promotora
da ideologia da eqüidade, justiça social e alívio da pobreza, na estratégia
difundida pelos organismos internacionais, como o Banco Mundial,
FMI e a UNESCO.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


106

Sobretudo a partir da financeirização mundial do capital, a


estratégia ideológica do núcleo central do capitalismo tem colocado a
competitividade internacional como sinônimo de sobrevivência dos
países dentro do mercado capitalista mundial. A competitividade, como
estratégia ideológica, é perseguida para se alcançar o desenvolvimento
econômico acelerado, o qual funciona como pressuposto à inserção
dos países periféricos ao circuito de acumulação mundial de capital e
também para o alívio da pobreza.
Para acelerar o crescimento econômico através da
competitividade internacional, os ajustes estruturais prescrevem a
modernização dos Estados. No caso do Brasil, as ações estratégicas
para esta modernização indicaram ações como:
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

[...] (i) privatização de outras atividades onde o setor privado tenha


algum interesse; (ii) um papel efetivo do Estado na regulamentação das
atividades econômicas; (iii) redefinição e redistribuição das funções do
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

setor público entre os níveis nacional e subnacionais (estaduais), e (iv)


implementação melhor de serviços descentralizados do Estado (buscando
aumentar o controle e a responsabilidade dos serviços do setor público e
das finanças) (BIRD, 1998, p.106).
Para o aumento da produtividade e competitividade internacional,
os ajustes estruturais no Brasil incluíram:
[...] intensificar o comércio exterior e a liberalização de investimentos;
o desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais para reduzir os
custos financeiros e aumentar a eficiência dos investimentos; reforma
do mercado de trabalho, objetivando particularmente a redução dos
custos não-salariais do trabalho; aumento do investimento em capital
humano; desenvolvimento da capacidade do país inovar através de
investimentos no setor de ciência e tecnologia, e redução dos custos
regulatórios, de transportes e outros para fazer negócios (BIRD, 1998,
p.107).
Não obstante, esta ideologia da competitividade para impulsionar
o desenvolvimento econômico acelerado dos países capitalistas é
desvelada pela “hierarquia” existente na ordem mundial capitalista, na
qual a divisão internacional do trabalho conduz os países periféricos a
servir de sustentáculo das hegemonias mundiais, por meio da
superexploração do trabalho e de matérias primas.
E, sobretudo a partir do fenômeno da globalização,
[...] a competição intercapitalista e a competição interestatal se dá agora
de maneira extremamente concentrada e só terão lugar neste jogo, um
número muito limitado de competidores. Além do que, por isto mesmo,

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


107

talvez esteja definitivamente afastada a possibilidade de novas


hegemonias mundiais” (FIORI, 1997, p.143).
Na manutenção da ideologia do desenvolvimento econômico
acelerado, que serve de pressuposto da integração nacional à
“globalização”, as políticas sociais, particularmente a educação, têm
servido à promoção da ideologia da eqüidade, justiça social e alívio da
pobreza.
A educação como principal promotora desta ideologia vai
tornando-se estratégica para os países periféricos, inclusive para
possibilitar a gravitação destes na órbita do capitalismo mundial. Assim,
parte-se do pressuposto de que,
Para compatibilizar a eqüidade com a inserção internacional é necessário
elevar constantemente a produtividade e melhorar a capacidade
institucional, processo no qual a educação e a difusão do progresso
técnico desempenham papéis cruciais (CEPAL, 1995, p.29).

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Sobre a contribuição do Banco Mundial para impulsionar a
educação como eixo principal das políticas sociais,
O envolvimento do Banco estará baseado no critério de seletividade (...)
incluindo apoio que inclui e que não inclui empréstimos para a
implementação de reformas que fortalecerão a prestação de serviços na
área de educação no nível da escola, um melhor uso dos recursos fiscais
através da descentralização, enfoque na interface reconhecida entre a
educação e o crescimento, alívio da pobreza e maior igualdade (BIRD,
1998, p.121).
A focalização existente nas demais políticas sociais também se
faz presente na educação, na qual a eficiência dos gastos coloca-se
como prescritiva dos organismos internacionais, como o Banco
Mundial, ao apoiar o Estado burguês brasileiro para

[...] um aumento do tempo de instrução e qualidade de ensino, incluindo


aumento de oportunidades de aprendizado para os pobres (...) com
enfoque na eqüidade, o apoio do Banco a esse setor (educação) deveria
enfatizar a educação básica ou pré-escolar sempre que possível [...]
(BIRD, 1998, p.123).
Como estratégica para a competitividade internacional,
As autoridades nacionais colocaram a educação em lugar de destaque. A
melhoria dos níveis educacionais é vista como condição fundamental a
consecução dos níveis de produtividade e competitividade necessários
para o crescimento econômico sustentável, e como ferramenta central

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


108

para se melhorar a distribuição do ingresso e reduzir a pobreza a médio


e longo prazo (BANCO MUNDIAL, 2001, p.235).
Para reforçar a ideologia da eqüidade, justiça social e alívio da
pobreza, a educação é apontada pelo Banco Mundial como uma das
causadoras da desigualdade social no Brasil, através da reduzida
escolarização:
A desigualdade na educação, mais do que a segmentação ou discriminação
do mercado de trabalho, explica grande parte da desigualdade da renda
do trabalho no Brasil (...) Um nível de educação baixo resulta em baixa
renda que, por sua vez, perpetua a pobreza. Melhorias nas realizações
educacionais têm de estar no cerne de qualquer estratégia a médio ou
longo prazo a fim de aumentar a capacidade dos pobres de tirar proveito
das oportunidades econômicas e reduzir a pobreza no Brasil (BANCO
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

MUNDIAL, 2001, p.284).


Nessa lógica, a educação é essencial para propiciar a
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

competitividade internacional, de modo a “[...] compatibilizar aspirações


de acesso aos bens e serviços disponíveis no mundo moderno” (CEPAL,
1995, p.7) , uma vez que os países hegemônicos já desfrutam do
acesso aos bens de consumo, e também nestes, a estratégia ideológica
tem colocado o “[...] caráter central da educação e da produção de
conhecimento no processo de desenvolvimento” (CEPAL, 1995, p.7).
Como o conceito de cidadania para os países hegemônicos do
capitalismo tem articulação direta com o consumo, a competitividade
vem garantir o exercício desta cidadania, pois
Imaginar que a cidadania (...) possa existir sem que se caminhe firme e
continuadamente no sentido da competitividade seria, neste final de
século, tão infundado quanto supor que a competitividade – de caráter
necessariamente sistêmico – pudesse sustentar-se em meio a atrasos
significativos no tocante à cidadania (CEPAL, 1995, p.9).
Deste modo, os países pertencentes ao núcleo hegemônico do
capitalismo vão servir de “modelo bem sucedido” de desenvolvimento
aos países pobres. E no contexto da busca pelo desenvolvimento, a
educação torna-se ideologicamente estratégica para a inserção
internacional dos países periféricos.
A ligação entre cidadania e consumo devem induzir os países
pobres a “[...] promover uma transformação produtiva que favoreça a
inserção externa, promova a eqüidade e, por esse caminho, propicie
maior integração social” (CEPAL, 1995, p.28), já que as aspirações
consumistas são “inevitáveis” e necessárias para manter a circulação
e o consumo de mercadorias.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


109

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As alterações nas relações sociais provocadas pela


financeirização mundial do capital são cada vez mais visíveis nos países
capitalistas, sejam centrais ou periféricos.
O “modelo bem-sucedido” dos países que fazem parte do núcleo
central do capitalismo tem sido constantemente perseguido pelos
Estados burgueses periféricos, inclusive o do Brasil, por meio de
contínuos realinhamentos à ótica da modernização daqueles países.
A ideologia propagada de que os países periféricos estão
continuamente atrasados em relação às hegemonias mundiais tem feito
estes países pagarem um preço social extremamente alto, num caminho
incerto, em que a única certeza é a da servidão de seu povo e exploração
de seus recursos, escamoteadas pelo ofuscamento da ideologia da
competitividade internacional.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


E o Estado burguês brasileiro não tem se furtado à tarefa de
atrelar-se aos anseios permanentes de acumulação da elite interna e
externa. Anseios estes tão lógicos e certos para a burguesia, como é o
crescimento e expansão perseguidos pelo capitalismo.
Ao atender as pretensões das classes dominantes, o Estado
burguês tem se curvado aos preceitos dos organismos internacionais
como o Banco Mundial e FMI, vigilantes da ordem mundial capitalista.
Para dar conta de sua função de mediação das relações sociais
que favoreçam o capital, o Estado burguês tem utilizado habilmente as
políticas sociais, sobretudo a educação, para a promoção da ideologia
da eqüidade, justiça social e alívio da pobreza, o que tem contribuído
em muito aos países periféricos para a continuidade de sua condição
de sustentáculo da hegemonia dos países pertencentes ao núcleo
hegemônico capitalista.
Uma possível saída desta condição de periféricos (o que também
não passa de uma estratégia ideológica) coloca os países diante da
dual opção entre capacidade competitiva ou exclusão do circuito mundial
do capitalismo.
Para possibilitar a sustentação da primeira opção, a educação
assume a tarefa ideológica de tornar os países competitivos, através
da formação de recursos humanos qualificados e capazes de alavancar
um determinado progresso técnico-científico.
O alcance máximo que a educação tem conseguido chegar no
âmbito desta lógica capitalista é perpetuar-se como promotora da
ideologia da eqüidade, justiça social e alívio da pobreza nos países
periféricos.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


110

O que percebemos, portanto, é que a competitividade


internacional apontada pelo núcleo hegemônico do capitalismo
apresenta-se como pressuposto ao crescimento econômico sustentável,
que por sua vez torna-se pressuposto à redução da pobreza.
A educação tem se constituído, deste modo, em um dos
principais eixos das políticas sociais implementadas pelo Estado
burguês, pelo caráter ideológico capaz de desempenhar nos países
pobres. Caráter este somente passível à mudança a partir de seu
necessário desvelamento.
Na propalada competitividade difundida pelos países centrais
do capitalismo, escamoteia-se o fato de que ela somente poderia ser
possível entre países com iguais condições materiais de competição, o
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

que não acontece nos países periféricos em relação aos hegemônicos.


Os periféricos, na “hierarquia” mundial do processo de acúmulo de
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

capital, dificilmente sairão da condição de explorados, e mesmo que


saiam, não haverá mudanças estruturais significativas que possam
interferir no processo de acúmulo.
Por isso, aspirar uma posição contrária a este quadro,
principalmente por parte do Estado burguês, é no mínimo questionável,
pois perspectivas que apontem para superação das funções das políticas
sociais para reprodução capitalista estariam no caminho da superação
das próprias políticas sociais, com a destruição das raízes geradoras
de sua razão de existência, ou seja, do sistema capitalista e do Estado
burguês que o legitima e o reproduz.
Enquanto tal destruição não se materializa, possibilita-se a
utilização das políticas sociais como forma de explicitar as contradições
entre capital e trabalho, inclusive com o acirramento das demandas
das classes que delas fazem uso junto ao Estado burguês, nos embates
que evidenciam os limites das políticas sociais, desde sua elaboração à
sua implementação.
E pretender uma educação anti-colonialista, divergente da ótica
da competitividade a qual está atrelada, pode apontar para a tentativa
dos países periféricos em relativizar o seu condicionamento à hegemonia
do capital, através da nacionalização de seus recursos naturais e
energéticos e com opções políticas que enfatizem os aspectos sociais,
e não somente o econômico. Porém, tais proposições não serão advindas
do Estado burguês, mas da mobilização da população explorada.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


111

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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


EDUCAÇÃO SUPERIOR E SOCIEDADE:
A MEDIAÇÃO DO ESTADO A SERVIÇO DO MERCADO

Cláudio Afonso Peres1

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o propósito de identificar o papel de mediação


do Estado capitalista entre a educação superior e a sociedade brasileira,
com ênfase nas questões econômicas que conduzem as políticas sociais
e atendem aos interesses do mercado.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Percebemos a impossibilidade de tal estudo se ele não estiver
permeado pela compreensão do que sejam o Estado capitalista e os
interesses presentes nas políticas desenvolvidas pelos seus governantes.
As determinações econômicas do capitalismo conduzem às práticas
políticas dos governos que, por sua vez, se expressam nos aparatos
de segurança para preservação da propriedade e da soberania das
nações, no controle da sociedade para a manutenção do sistema, na
proteção ao meio ambiente e nas políticas econômicas e sociais. No
âmbito das políticas sociais, encontramos as políticas para a educação
consideradas necessárias para a ordem do Estado nacional, para a
superação das desigualdades e para a formação do ser humano, visando
ainda o acesso ao mercado de trabalho e o exercício pleno da cidadania.
O Estado moderno, produto da revolução industrial e do
conseqüente rompimento com os regimes monárquicos e feudais no
contexto dos séculos XVIII e XIX, fez surgir o Estado Democrático de
Direito, conforme esclarece Evaldo Vieira (1992), em Democracia e
Política Social. É esse Estado democrático de direito que deve garantir
as condições de sobrevivência e dignidade humana propostas pelos
ideais liberais. É esta forma de Estado que aqui investigamos, buscando
identificar como ele atua e quais as influências que recebe para
estabelecer as mediações necessárias à manutenção do sistema
capitalista, muitas vezes em detrimento dos interesses da sociedade.

1 Graduado em Filosofia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), especialista em


História da Educação Brasileira e mestrando em Educação na Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (UNIOESTE), sob orientação do Professor Alexandre Fiuza. Membro do Histedbr –
GT Cascavel. Endereço eletrônico: claudioafonsoperes@gmail.com

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


114

A partir da segunda metade do século XX, com os processos de


globalização e conseqüente mundialização financeira2, o Estado brasileiro
abre mão de sua soberania e passa a atender aos interesses de
economias hegemônicas, através das orientações e “ajudas” de
organismos mundiais como o Banco Mundial (BM) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI). Esse “comportamento” do Estado
refletiu no país sob vários aspectos. No ensino superior trouxe a
privatização da rede e a conseqüente mercantilização do ensino.
Como estratégia de compreensão dos aspectos que permeiam
a educação superior e a sociedade, e tendo o Estado como mediador,
utilizaremos o método materialista histórico dialético, o único que pode
dar conta de captar as contradições inerentes ao objeto proposto, pois
o Estado capitalista brasileiro atual é resultado de transformações
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

ocorridas através da história, pois preserva características fundamentais


dos modelos políticos e econômicos de John Locke (1632-1704) e
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Adam Smith (1723-1790), respectivamente, mas que, paradoxalmente,


contrapõe-se à teoria do Estado mínimo, que seria a orientação liberal
clássica. Nossa tarefa está em identificar a contradição que existe entre
o estudo do global - do geral - e o estudo do particular, ou do específico,
além de considerarmos o aspecto temporal. O filósofo Álvaro Vieira
Pinto (1979) adverte que é a descoberta desta contradição que nos
permite o esclarecimento do objeto pretendido (p. 41). É preciso ir
além da dedução e da indução e unir a teoria à prática para buscar na
dialética o verdadeiro conhecimento.
Os princípios gerais relativos à acumulação de capital e
exploração do trabalhador são os mesmos do capitalismo clássico,
mas as práticas foram aperfeiçoadas, acompanhando as necessidades
decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade
e, acima de tudo, viabilizando a invulnerabilidade do mercado. Neste
contexto, destacamos os processos de privatização e de publicização3
do privado, estratégias em que vários setores que prestavam serviços
de interesse público passaram a serem entendidos como de interesse
e responsabilidade do Estado, mesmo sendo privados. A Educação
Superior aparece como reflexo dessas políticas, pois, mesmo privatizada

2 Termo utilizado por François Chesnais, na obra A mundialização financeira: gênese, custos e
riscos (1998).
3 Conceito adaptado pelos liberais que julgam que o serviço privado quando atende ao público
em geral passa a compor o serviço público não estatal, então ele é publicizado. Desta forma,
o Estado controla e oferece incentivos às instituições que promovem o serviço.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


115

em grandes proporções4, segue compondo o conceito de público e


sendo financiada e regulada, em parte, pelo Estado.
Na década de 1990, no Brasil, foi implementada a reforma
gerencial do Estado, seguindo as orientações liberais das economias
hegemônicas, que tratou de diminuir o Estado no campo das políticas
sociais e no controle dos meios de produção, conforme orientação
liberal, mas, ao mesmo tempo, o maximizou enquanto mecanismo de
controle e reprodução do liberalismo, atuando como agente do
mercado, cumprindo, assim, o propósito para o qual foi criado. Das
políticas sociais que restaram, várias foram transferidas para o setor
“público não estatal”, sob a forma de fundações, associações e
Organizações Não Governamentais (ONGs) diversas.

IMPERIALISMO, GLOBALIZAÇÃO E REFORMA DO ESTADO


BRASILEIRO: OS REFLEXOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Coleção Sociedade, Estado e Educação


A fase que vive a economia capitalista, a partir da segunda metade
do século XX, apresenta, na acepção de François Chesnais (1998),
sérias dificuldades de valorização do capital investido na produção (p.
17). A liberalização financeira dirige os lucros ao capital especulativo
ou fictício. Essa característica demanda interpretações que vão além
de compreender o livre comércio, os cartéis e trustes, os grandes
monopólios ou mesmo a participação das multinacionais e
transnacionais. Na verdade, a soma de todos os capitais (capital rural,
comercial, industrial, bancário, etc.) forma o capital financeiro que
não se define em nenhum deles e que não pertence necessariamente a
esse ou aquele país ou, ainda, ramo da economia.
Nesse novo modelo, os mercados financeiros e as organizações
financeiras não-bancárias, como os fundos de pensão e sociedades de
investimento coletivo, subordinam, inclusive, o volume de capitais que
passam pelas agências bancárias (idem, p. 28). Esse período, que
Chesnais chama de “mundialização financeira”, revela estreita ligação
entre os sistemas monetários e os mercados financeiros nacionais,
como resultado da liberalização e desregulamentação ocorrida a partir
da década de 1970.

4 Em 1955, haviam 6 IES privadas no Brasil; já em 1976, haviam 663, correspondendo a 75% da
rede. (VAHL, 1980, p. 49). No ano de 1998, haviam 209 IES estatais e 764 privadas; em 2003,
as estatais reduziram para 207 e as privadas aumentaram para 1.652, correspondendo a mais
de 88% da rede. (INEP/MEC, 2006).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


116

A inserção do Brasil nas políticas liberais a partir da segunda


metade do século passado se deu em sintonia com o recrudescimento
do liberalismo pelo mundo, com todo o ímpeto “inspirado” nas idéias
de Friedrich V. Hayek (1899-1992), conhecidas como neoliberais e
contidas na obra O Caminho da Servidão (1987), e de Milton Friedman
(1912-2006), explicitadas em seu Capitalismo e Liberdade (1988). Essas
idéias e práticas foram difundidas mundialmente após a eleição, em
1979, de Margareth Tatcher na Inglaterra; um ano depois, Ronald
Reagan nos Estados Unidos; e, em 1982, de Helmut Khol na Alemanha.
Na América Latina, essas orientações tomaram força política e se
tornaram prática principalmente a partir Consenso de Washington5 e
foram adotadas com ênfase no Brasil a partir da eleição de Fernando
Henrique Cardoso (FHC) em 1994 e com a conseqüente nomeação de
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Luiz Carlos Bresser Pereira6 para o Cargo de Ministro da Administração


e Reforma do Aparelho do Estado, ministério criado neste governo
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

para implementar os propósitos do Partido Social Democrata Brasileiro


(PSDB).
É a partir dessas orientações do capitalismo hegemônico que
são dirigidas as políticas sociais e econômicas do país, que, geralmente,
não se intimidam em reduzir gastos sociais e em privatizar, a preços
duvidosos, sistemas públicos sociais e setores empresariais, mesmo
que estejam em pleno funcionamento e/ou rendendo divisas ao país.
Para que se tenha apoio da população, essas políticas são precedidas
de ampla campanha contra a burocracia do Estado, acompanhada da
ausência de financiamentos públicos. A mídia internacionalizada e
globalizada é também ávida em apoiar a ampliação dos incentivos e
investimentos dos organismos internacionais ao país.
Como exemplo de que os sistemas financeiros mundiais, ao
oferecerem apoio, definem os recursos destinados à área social do
país, um estudo do grupo Oboré Projetos Especiais dá conta de que,
em 1998, o FMI aprovou um acordo com o governo brasileiro no
sentido de emprestar US$ 41 bilhões ao país. Entretanto, tal

5 Neste encontro foram tratados assuntos como disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos,
reforma tributária, liberalização financeira, regime cambial, liberalização comercial, investi-
mento direto estrangeiro, privatização, desregulação e propriedade intelectual, não tendo sido
tratados assuntos como educação, saúde, distribuição de renda e pobreza (Cf. AMARAL, 2003,
p. 47).
6 Embora na interpretação de Bresser Pereira o neoliberalismo seja acusado de conservador.
Pereira condena o Estado mínimo e o apresenta como necessário à regulação e provimento dos
serviços sociais.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


117

empréstimo estava vinculado a várias condicionantes que acabaram


por reduzir a destinação de verbas que o Congresso Nacional havia
previsto para a área social. Os membros da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, no relatório O Impacto do FMI na Educação
Brasileira, mostram que, nesta mesma época, foram encaminhados ao
Congresso Nacional dois projetos de Lei Orçamentária, um antes e
outro após o acordo. O segundo, que foi aprovado, apresentava-se
repleto de cortes, cumprindo as condições impostas pelo Fundo,
assumindo o compromisso de gerar um superávit primário equivalente
a 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), que, para tal, era preciso
elevar receitas e cortar gastos sociais, daí o reflexo no campo
educacional (Oboré Projetos Especiais, 1999, p 9-10).
Para José Luiz Fiori (1997), “o atual movimento de
internacionalização capitalista é a forma em que se deu a globalização
das finanças viabilizada pelas políticas liberais de desregulação dos

Coleção Sociedade, Estado e Educação


mercados” (p. 90). Com o incremento do artifício das dívidas públicas,
surge uma forma de “dívida pública mundial”, administrada por um
sistema de crédito também internacional, pela finança privada
coordenada por alguns bancos centrais relevantes. Portanto, é uma
administração de capitais tão difícil de ser pontuada ou localizada que
é mesmo algo virtual, impossível de ser-lhe apontada uma
responsabilidade direta pelos danos causados aos países periféricos.
Assim, seria difícil (supor) mover uma ação ou promover uma denúncia
dos males causados pelo capital fictício junto à Organização Mundial
do Comércio (OMC) ou mesmo à Organização das Nações Unidas
(ONU), mesmo que essa prática de acumulação fira princípios do
próprio liberalismo, tais como, dignidade humana, direito à saúde,
escola, etc.. Podemos dizer que elas mesmas (OMC e ONU) fazem
parte do sistema financeiro global, pois ocorre uma fusão do capital
financeiro com o poder político mundial, sendo que o último,
representado por homens, também se beneficia em seus interesses
privados com essa “mundialização financeira”.
Diante de todas as modificações sofridas a partir dos anos 50
do século passado, é importante concordar com David Harvey (1989),
com o fato de que as características essenciais do modo de produção
capitalista globalizado seguiram levando à mesma lógica do capital, ou
seja, a necessidade de crescer a qualquer custo, a exploração do
trabalho vivo garantindo o lucro, aliado às inovações tecnológicas e
organizacionais como condição para o aumento da produção (p. 166).
Todo esse processo de inovação e transformação do capitalismo,
que foi chamado de neoliberalismo 7 ou de radicalização dos

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


118

princípios do liberalismo, para István Mészáros (2003), conduz a uma


fase potencialmente fatal do imperialismo ou do próprio capitalismo e
que o conduzirá à barbárie: “Ninguém em sã consciência pode excluir
a possibilidade de erupção de um conflito mortal” (p. 39). Mészáros
considera que a crise se manifesta em caráter universal, com alcance
global, pois todos os países de forma direta ou indireta, voluntária ou
involuntária, mesmo que de maneira contraditória, estão envolvidos
no sistema. Para ele, o processo de globalização, sob a alegação de
pretender resolver a crise estrutural do capitalismo, se impôs de forma
extremamente discriminatória a favor dos mais poderosos, não só
preservando, como ampliando as desigualdades opressoras do
passado. Este “governo mundial”, o qual todos parecem ter feito um
pacto de respeitá-lo, é extremamente vil e cruel com os seus súditos
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

(os países periféricos). O fato é que assim como Thomas Hobbes não
conseguiu com que o Leviatã fosse respeitado e mantido eternamente,
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não será o “espírito” do capital financeiro mundial que permitirá ao


capitalismo perpetuar-se enquanto regime hegemônico. O consenso é
feito pelas elites que não valorizam as necessidades humanas e que
representam a minoria da sociedade, por isso, com base também nos
argumentos de Mészáros, concordamos com o mesmo de que o futuro
não exclui veementes e violentas convulsões (idem).
O “comandante” dessa insana empreitada global de dominação
é o país que detém a hegemonia militar e comercial em todo o mundo
e que controla ainda os organismos mundiais: os EUA. No entanto,
essa dominação exige um ancoramento econômico permanente e o
apoio político de algumas nações. Os britânicos, principais aliados,
seguem fiéis às suas diretrizes, no entanto, nada é permanente onde
tudo é flexível, até a própria economia pode sofrer reveses, uma vez
que seja criada uma consciência mundial anti-americana, o que nos
parece estar a pleno vapor em nossos vecinos venezuelanos.
Os mesmos organismos internacionais que não têm pátria, mas
rendem tributos aos EUA, demonstram a “preocupação” em editar
documentos específicos para determinados países e/ou com objetivos

7 Paulino José Orso, na obra Liberalismo e educação em debate, esclarece que não há motivos que
justifiquem chamar o período que se passa a partir dos anos 70 de neoliberalismo. Na verdade, ali
trata se do ultraliberalismo, definição que sintetiza e articula o liberalismo clássico (tese) com o liberal-
intervencionismo (antítese). Se houve algo de neo, ou de novo no liberalismo, se deu no momento das
políticas Keynesianas, ou no intervencionismo do Estado de Bem-Estar Social (ORSO, 2007, p.
175).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


119

determinados. Um exemplo disso é o Relatório sobre o Desenvolvimento


Mundial - O Estado num mundo em transformação, editado pelo B.M.
em 1997, que se trata de uma cartilha em favor do liberalismo e que
desfaz o mito de que o Estado liberal ou neoliberal deve ser diminuto
ou mínimo.8 Consta do documento que “o desenvolvimento requer
um Estado efetivo que desempenhe papel catalisador e facilitador,
incentivando e complementando as atividades das empresas privadas
e dos indivíduos” (BM, 1997, prefácio). Percebemos aí a que se propõe
o documento, a dar uma lição de como o Estado deve intervir a favor
das empresas privadas, do individualismo e, enfim, do mercado. De
acordo com James D. Wolfensolhn, presidente do Banco, a capacidade
de aplicar a lei para apoiar as transações do mercado é essencial para
que o Estado contribua com o desenvolvimento (idem). Desta forma,
como as leis do mercado são ditadas por interesses das elites dos
países e, agora, são flexíveis, como determina as normas, os
organismos que dão essas orientações sabem que podem se beneficiar

Coleção Sociedade, Estado e Educação


com a aplicação das mesmas. Na verdade, o documento do Banco é
um relatório, pois essas práticas já haviam sido implantadas em
plenitude, principalmente em países com governos simpáticos à
subordinação do país ao capital internacional, no nosso caso, o
“transnacional” FHC.
No campo da educação superior, vale a pena citar o documento
do B. M. La Enseñanza Superior: Las lecciones derivadas de la
experiência, que foi bastante considerado no Brasil. Nele, o Banco
demonstra claramente quais as orientações que considera chaves para
a reforma do ensino superior, visando o aumento de vagas, sem o
aumento de gastos públicos:
Promover uma maior diferenciação das instituições, incluindo a
ampliação das instituições privadas; proporcionar incentivos para que as
instituições públicas diversifiquem as fontes de financiamento, por
exemplo, a participação dos estudantes nos gastos e a estreita vinculação
entre o financiamento fiscal (Fundo Público) e os resultados; redefinir
a função do governo na educação superior; e adotar políticas que dêem
prioridade aos objetivos de qualidade e eqüidade (Tradução Nossa) (BM,
1995, p.4).
Embora passados mais de dois séculos, comprovando as
mesmas orientações liberais, essas diretivas do B. M. se assemelham
sobremaneira às que foram dadas por Adam Smith (1723-1790) na

8 Aí percebemos de onde vem a “inspiração” de Bresser Pereira, citada anteriormente.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


120

A questão do financiamento, que é o ponto crucial da educação,


obra a Riqueza das Nações (1983), ao tratar dos recursos para a
educação:
... não é necessário que ele seja tirado da receita geral do Estado. A
dotação provém, em toda parte, sobretudo de algum rendimento local
ou provincial, do arrendamento de alguma propriedade territorial, ou
dos juros de alguma soma de dinheiro concedida e confiada à gestão de
curadores para esse fim específico, ora pelo próprio soberano, ora por
algum doador particular (...) Em algumas universidades, o salário
representa apenas parte, e muitas vezes, uma pequena parte, dos
emolumentos do professor, cuja maior parte provém dos honorários ou
remunerações pagos pelos seus alunos (...) se o professor fosse pago
totalmente, ou mesmo principalmente, com o dinheiro do Estado,
poderia negligenciar seu trabalho (SMITH, p. 1983, p. 200-212).
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Sempre que tratamos das influências do capital mundial no Brasil


e recorremos aos liberais clássicos, tendemos a nos recordar, em
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

primeiro plano, do Governo FHC, por ter promovido a reforma do


Estado com base nas orientações liberais das economias dominantes,
embora não tenha sido clássico com relação ao modo de atuação do
Estado, conforme já apontamos. Tendemos a omitir que a influência
global é marcante no País desde o início dos cartéis, trustes e monopólios
do final do século XIX, pois desde sua “independência” o país herdou
dívidas de Portugal e seguiu a “cartilha” dos ingleses. Esses fatos não
devem ser omitidos em um estudo que trate da influência da economia
mundial sobre o país. Mesmo os militares, quando estiveram no poder,
mergulharam nas práticas liberais do capital hegemônico, por exemplo,
aumentando em 1.000% as matrículas do ensino superior na rede
privada (VAHL, 1980, p. 40). Com efeito, a década de 1990 e o Governo
FHC são alvos preferidos pela clareza e pela maneira com que os
planos foram “violentamente” impostos, sem qualquer critério que
defendesse os interesses da nação, seja com relação à soberania nacional
ou com relação à distribuição irregular de riquezas que gerava fome,
violência e mortes.
O B. M. orientou as reformas estratégicas no Brasil de FHC:
abertura da economia, fortalecimento e priorização da educação básica
e privatização do ensino superior como estratégia para atender a
demanda do mercado e a flexibilidade do mercado de trabalho.
Entretanto, em pleno ano 2000, o aspecto educacional é evidenciado
nos documentos com o seguinte discurso: “A baixa qualidade do ensino
que está agora sendo objeto de reformas... perpetua a pobreza” (BM,
2000, p. 284). A intenção do Banco é mostrar que as oportunidades
econômicas para a classe trabalhadora estão localizadas na educação

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


121

e se elas ainda não existem, é porque o país ainda não realizou as


reformas necessárias. Com efeito, o documento que trata desse
assunto é do ano 2000, sendo que, desde 1994, o Governo FHC está
mergulhado nas práticas orientadas pelo B.M. sem qualquer ressalva
ou oposição. O que demonstra a falácia dos argumentos, pois a situação
do país, todavia, segue caótica.
Sobre a influência direta dos Organismos Internacionais na
educação, é importante ainda considerar que o B. M. foi o maior
financiador de sistemas educativos do mundo.9 No contexto dos
recebedores de empréstimos, o Brasil ocupa posição de destaque. A
“cooperação” técnica e financeira do B. M. para com a educação
brasileira remonta aos anos 70, por meio de cinco projetos que foram
desenvolvidos das décadas de 1970 a 1990.10 Marília Fonseca (1996)
denuncia que a contrapartida por parte do país, às vezes, saía mais
cara que o próprio crédito do Banco, pois o país precisava arcar com

Coleção Sociedade, Estado e Educação


despesas de “diagnósticos, utilização de consultorias, viagens de
reconhecimento aos Estados, recepção às missões do Banco, entre
outros” (p. 244). Acrescenta-se ainda que o pagamento da dívida
envolvia encargos diversos, juros altos e ajustes cambiais. Encontramos
aí uma marcante contribuição para a composição da propalada dívida
externa brasileira.
Fonseca revela que suas pesquisas dão conta de que as decisões
sobre os projetos para o Brasil tinham a participação de dirigentes e
pessoas com alto poder decisório do governo brasileiro que, às vezes,
agiam à revelia das orientações de dirigentes e técnicos
hierarquicamente subordinados (idem, 232).11

9 Para se ter uma idéia do volume de recursos movimentados pelo Banco e de sua abrangência,
ele fez empréstimos que passaram de 500 milhões de dólares no ano de 1947, para cerca de 24
bilhões, em 1993; contando, em 1996, com 176 países-membros. De sua fundação até o ano
de 1994, o Banco acumulou um total de 250 bilhões em empréstimos, em 3.660 projetos.
(TOMMASI; WARDE; HADDAD, 1996, p. 15).
10 A partir de 1961, essa assistência técnica passou a ser administrada pela USAID (Agência para
o Desenvolvimento Internacional, do Departamento de Estado Norte-Americano), criada no
quadro da Aliança para o Progresso, que visava prover assistência técnica ao desenvolvimento do
Terceiro Mundo” (TOMMASI; WARDE; HADDAD, 1996, p. 230).
11 Sobre o Banco Mundial, cabe considerar que “por trás do aparato técnico-discursivo economicista
existe uma grande ignorância sobre o processo educativo e as necessidades futuras de nossas
sociedades, visto que boa parte do que está se propondo como política correta não passa de um
conjunto de hipóteses, que merece ser levado em conta, sim, mas não como um conhecimento
seguro já comprovado” (TOMMASI; WARDE; HADDAD, 1996, p. 110).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


122

foi amplamente discutida pelo Grupo Assessor em Educação da Unesco,


em 1995, estando reunidos especialistas de várias partes do mundo.
Os temas que nos são presentes e tanto nos preocupam também
foram e ainda são discutidos naqueles círculos, como “o papel das
ciências humanas na discussão dos rumos da sociedade, integração
entre o ensino e a pesquisa, democratização, qualidade, diversificação,
relações com o setor produtivo, educação continuada, independência
intelectual e liberdade acadêmica, impacto da globalização, dentre
outros” (AMARAL, 2003, p. 11). Estas questões são registradas em
documentos dos encontros e em outros textos produzidos pelos órgãos
internacionais, cuja análise nos permite considerar que as intenções
postas não são as mesmas da classe trabalhadora de países periféricos.
Apesar do grau de dissimulação com que as questões são colocadas,
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

uma análise apropriada nos permite concluir que as questões da


eficiência, qualidade e igualdade de condições de acesso, que estão
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

intrínsecas e tanto excluem os jovens das reais vantagens do ensino


superior, não são resolvidas, principalmente, em face de que as
responsabilidades vão sendo transferidas para o mercado, que visa
tão somente o lucro.
Na década de 1990, o Brasil apresentava diversos problemas
estruturais nos campos político e econômico, daí o fato de que, quando
se recorria a empréstimos de organismos internacionais, não se podia
pensar prioritariamente no social. Era preciso cumprir a “cartilha”
liberal do financiador, no sentido de tentar estabilizar a moeda a qualquer
custo. O capital estrangeiro precisava necessariamente passar pelo
país, para que ele pudesse “crescer”.
O relatório da Campanha Oboré Projetos Especiais (1998), já
citado neste trabalho, dá conta ainda de que o mercado de bolsa de
valores da época favorecia o ganho rápido e ainda dava a oportunidade
de se comprar valiosos patrimônios por preços baixos, devido à política
de privatizações. No entanto, com a volatilidade do capital,
característico dessa política, no final da década de 1990 ocorreu uma
enorme fuga de capitais, que se valorizaram em um curto prazo,
causando grande prejuízo à economia nacional, deixando as empresas
de serviços públicos essenciais e várias riquezas estratégicas nas mãos
de estrangeiros. Além disto, a dívida externa (e interna) continuou a
crescer sistematicamente, mesmo diante do pagamento dos juros,
amortizações e encargos.
As políticas para o ensino superior que estiveram presentes
nas orientações dos Organismos Internacionais orientavam para a

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


123

“cobrança generalizada e a busca de diversificação de fontes, adotando-


se complementarmente alguns mecanismos de apoio, como bolsas,
empréstimos e desoneração fiscal. O critério central é o retorno
econômico” (AMARAL, 2003, p. 55). Amaral lembra apropriadamente
que “a inexistência de apropriadas políticas de ensino superior e de
ciência e tecnologia pode significar a servidão e a submissão de um
país frente a outro” (p. 28).
Outro problema ainda implícito quando dos financiamentos do
B. M. em específico, é que a implementação de seus projetos é
demorada. Entre a negociação do projeto e sua efetiva aprovação
decorrem anos, o que requer elaborações sucessivas para se adequar
aos novos contextos. Nesse espaço de tempo, mudam os governos,
mudam as prioridades do país e, às vezes, os novos governantes não
se sentem comprometidos com os empréstimos contraídos pelo
governo anterior, o que provoca atrasos nos gastos e pagamentos de
juros (TOMMASI; WARDE; HADDAD , 1996, p. 202).

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Fonseca considera que os vinte anos de “cooperação” do B. M.
com a educação brasileira, analisados por ela, demonstraram que as
pretensas vantagens não beneficiaram de fato o setor. Destaca que os
projetos são provisórios e a situação volta ao estado anterior quando
as verbas terminam. Questiona, ainda, o aspecto financeiro do
empréstimo, pois dada às despesas decorrentes, faz questionar se
não seria melhor arcar com capital nacional esses projetos. Entre
outros problemas, ela destaca a exigência do Banco de que negociações
transcorressem sempre em sigilo (FONSECA, 1996, p.246).
Carlos Alberto Torres (2001) comenta, com propriedade, que o
B. M. é uma “agência de empréstimo, não uma agência que oferece
doações”. Como todo Banco, o seu negócio é emprestar dinheiro e
cobrar juros pelos empréstimos, “juros estes que são (com poucas
exceções) os de mercado”12 (p. 123-124). No entanto, diferente dos
empréstimos dos outros bancos, esses são garantidos pelos países.
O empréstimo do Banco é vinculado ao FMI e não há ajuda sem o aval
do Fundo.

12 “Até 1980, os juros dos empréstimos do BIRD eram de 8% a.a. A partir dos anos 80, foi criado
um fundo comum de moedas que integram o mercado comercial. O Banco ainda cobra taxa
de 0,5% relativa aos custos médios dos empréstimos, cobra taxa de compromisso se o país não
conseguir gastar no prazo estipulado os recursos destinados, juros e taxas cambiais” [...] “O
Banco exige ainda organização de equipes especiais, deslocamento ou contratação de funcio-
nários, consultores locais e estrangeiros”. Muitas vezes o contratante do projeto tem que arcar
com essas despesas (GENTILI, 2001, p. 177).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


124

É preciso considerar que existe um desconhecimento da história


dos financiamentos por parte dos dirigentes e técnicos que participam
das negociações dos projetos, caso contrário, a inviabilidade dos
mesmos poderia ser decretada. Porém acrescentamos também os
interesses escusos presentes nesses dirigentes e a alienação da
população em relação ao discurso liberal, fatos que dificultam o
conhecimento da verdade sobre tais “ajudas”.13
Sem qualquer questionamento sobre os danos causados pela
ingerência internacional no País, o processo de reforma do Estado
brasileiro na década de 1990 se deu por reformas expressivas da
economia através do Plano de Gestão para os Órgãos Públicos, do
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE),
sob a coordenação do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que, em
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1995, tornou público o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado,


que orientou os atos administrativos do poder executivo, sem qualquer
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

discussão com o Congresso Nacional. As discussões foram realizadas


na recém-criada Câmara da Reforma do Estado.
Esta obra trata-se de um manual em direção às práticas liberais,
porém com uma diferenciação em relação ao liberalismo clássico. O
Estado mínimo, agora, deve ser máximo em regulação, máximo em
interferência a favor do mercado e essa interferência não se dá
diretamente, mas através do fortalecimento de instituições públicas
não estatais, ou do chamado terceiro setor. O discurso do próprio
presidente da República na apresentação do plano dá o direcionamento:
“mediante a flexibilização da estabilidade e da permissão de regimes
jurídicos diferenciados, o que se busca é viabilizar a implementação de
uma administração pública de caráter gerencial” (BRASIL, 1995, p.11).
No caso da educação, seria privatizar, passar para as fundações e
captar recursos nas próprias IES estatais.
Ocorre que os mecanismos reguladores ou de controle não
foram especificados com clareza. Além da corrupção que infecta os
órgãos públicos, o próprio sistema é demasiado flexível, o que acaba
proporcionando oportunidades de prevalecer os interesses privados,
geralmente relacionados à obtenção de lucros.

13 Podemos destacar o exemplo dado por Paulo Freire, enquanto Secretário da Educação no
município de São Paulo, no governo petista de Luiza Erundina: Durante os anos de 1990 a
1992, o FMI enviou uma delegação a São Paulo para convencer Freire a aceitar um financia-
mento para projetos de reforma curricular e formação de professores. Freire não aceitou e
informou a então prefeita que, “se o empréstimo fosse aceito, ele renunciaria ao cargo. Freire
permaneceu no seu posto e, durante a administração educacional do PT em São Paulo,
nenhum empréstimo do Banco para a área de educação foi efetivado” (GENTILI, 2001, p.
131-132).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


125

As orientações para a criação das “fundações públicas de direito


privado” e para as formas de administração por “contrato de gestão”
foram planejadas no Governo FHC e estão presentes na obra de Bresser
Pereira Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil, de 1996, que
foi originalmente publicada em inglês, em Colorado nos EUA, e
posteriormente traduzida e publicada no Brasil.
Percebemos, então, até o momento, a maneira pela qual as
reformas da década de 1990 puderam influenciar na relação entre o
público e o privado na educação superior no Brasil. Para efetivar esta
reforma, o processo foi acompanhado de intensa propaganda ideológica.
Destacamos que está presente, neste contexto, toda a influência da
“mundialização financeira”, que por estar relacionada ao conceito de
mundialização econômica, é base para a mundialização das decisões
políticas e sociais, das quais os países periféricos (no caso o Brasil)
são vítimas.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


A EDUCAÇÃO SUPERIOR COMO POLÍTICA SOCIAL DO ESTADO
E INSTRUMENTO DO MERCADO

É necessário aclararmos que Educação Superior, assim como


educação em geral, é política social de governo, e que embora se trate
de um bem público necessário para o País, é dada de forma pontual e
“homeopática”, para que não cause transformações significativas nas
relações de classes. Não podemos nos esquecer que a desigualdade é
princípio do liberalismo. Embora a igualdade proporcionada pelas
políticas sociais esteja circunscrita na lei, a democracia liberal “conserva
a desigualdade”. Em que pese os embates políticos e que estes estejam
presentes e sejam importantes (e necessários), o que têm prevalecido,
em muitas ocasiões, são as injunções do mercado capitalista (VIEIRA,
1992, p. 98).
Com relação à intencionalidade presente em cada momento
histórico da educação superior brasileira, podemos concluir que o
propósito em todas as épocas e governos foi o de implementar e
manter o ensino superior estatal até o limite em que poderia atender
plenamente à classe dominante e criar algumas expectativas à classe
trabalhadora que, de fato, sempre teve pouquíssimas chances de ocupar
as escassas vagas disponíveis nas instituições tidas como centros de
excelência e, principalmente, nos cursos de excelência, isto é, aqueles
que garantem empregos mais rendosos ou participação nos processos
decisórios do futuro, principalmente na área da política e da economia.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


126

Tanto no Regime Militar (1964-1984), quanto no Governo FHC


(1995-2002), prevaleceu essa lógica, na qual o ensino superior estatal,
em geral, a despeito de todos os problemas, permaneceu de boa
qualidade, acessível a uma pequena parcela da população, enquanto
que o ensino privado foi vulgarizado a uma grande massa de
trabalhadores. Essas políticas garantiram a formação de mão-de-obra
qualificada de modo flexível, que já começa, na atualidade, a compor
também uma reserva de desempregados no mercado de trabalho. Com
efeito, o mercado reclama ainda por mão de obra especializada. Na
verdade, a intenção é que o ensino Estatal mantenha-se atualizado
com as tecnologias e forneça o profissional completo, possivelmente
até com experiência.
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As políticas educacionais danosas à classe trabalhadora não


são mero acaso, nem tampouco ineficiência de determinado Governo
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ou grupo que tenha dirigido o Estado. São, na verdade, corolário


inevitável de um sistema capitalista que apresenta uma série de falhas,
mas que não se deixa abater diante da possibilidade de mudanças em
suas bases, uma vez que implementa reformas pontuais, superando
as crises, mas que, na verdade, apenas reforçam sua lógica. As políticas
para a educação superior são utilizadas para esse fim, no sentido de
que são planejadas por esse próprio Estado sob influência dos
capitalistas que dirigem os diversos setores do mercado e que utilizam
o aparato estatal a serviço da iniciativa privada. Os danos não são
maiores em face dos embates conflitantes promovidos por segmentos
da classe trabalhadora.
Ao se tornar flexível para atender a demanda do mercado e
privatizada quase que em sua totalidade, a educação superior brasileira
perde a qualidade do ensino, que passa a priorizar a técnica, desfazendo
a necessária relação teoria e prática. A educação voltada à pesquisa
séria e de qualidade, para atender aos interesses do País, é mantida
pelas instituições estatais, que, apesar de representarem apenas 12%
das Instituições de Ensino Superior do País, garantiram, no ano de
2003, mais de 90% da produção científica de interesse Nacional
(AMARAL, 2003, p. 150).
Quanto ao público que freqüenta o Ensino Superior, nas
instituições consideradas de excelência, o ingresso é elitizado e depende
de uma formação média sólida (em cursos privados) para a aprovação
nos vestibulares. Até mesmo nas IES estatais consideradas
“periféricas”, existem os cursos também chamados de “cursos de

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


127

excelência”, que são destinados àqueles que pertencem à classe


financeiramente mais abastada, pois exigem aprovação no vestibular
e, em geral, dedicação integral, o que o trabalhador não pode pretender,
pois precisa trabalhar para garantir sua sobrevivência e
conseqüentemente a do sistema.
O ensino superior brasileiro chegou a essa crise justamente
por ter seguido as orientações dos organismos internacionais, conforme
já apontamos. A estratégia desenvolvimentista do país a partir da
década de 1980, conforme assevera José Luiz Fiori (2001), em O
Cosmopolitismo de Cócoras, está imersa na intencionalidade da inserção
internacional a qualquer custo, sendo as elites econômicas brasileiras
porta-vozes desses interesses (p. 11). Para os intelectuais capitalistas
brasileiros, o que na verdade importou foi a valorização de seu
patrimônio e a dolarização de sua riqueza, sempre trazendo discursos
retóricos que demonstram avanços insignificantes de interesse da nação.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Na verdade, a pretensão cosmopolita em um país periférico e a perversa
distribuição de riqueza e renda - como a do Brasil, são consideradas,
por Fiori, como a prática de um cosmopolitismo de cócoras. Ou seja,
uma inserção sempre subordinada aos interesses hegemônicos dos
países dominantes (p. 26-27).
A educação no Estado moderno brasileiro, como sabemos, é
um bem público promovido pelo Estado que visa atender à formação
para o mercado de trabalho e para a formação humanística do cidadão,
ao menos, é o que deixa entender o discurso liberal exposto na
Constituição Federal da República de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB 9394) e nas demais leis que compõem o
ancoramento jurídico da educação nacional. Ocorre que, no Brasil, as
leis são cumpridas parcialmente, até o ponto em que não contradiga
os interesses da elite econômica. As próprias leis tornam-se
contraditórias ao passo que transferem para a iniciativa privada o
provimento dos direitos sociais (como a educação) que deveriam ser
atividade do Estado.
O conceito de educação pública, gratuita e laica esteve presente
nos discursos desde a emergência da idade das luzes, quando o poder
da Igreja e da Monarquia cedeu espaço à racionalidade científica e ao
Estado constituído de forma democrática e de direito. Este estado de
direito trouxe consigo os princípios do império da lei, a divisão dos
poderes, a legalidade da administração e a garantia dos direitos e
liberdades fundamentais (VIEIRA, 1992, P. 9). Ou seja, a ninguém
cabe governar ou decidir sem a participação de uma coletividade, existe

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


128

legitimidade nas decisões, pois estas emanam de aparatos legais. Logo,


o Estado é dotado de total legitimidade.
Tendo a dignidade humana um ancoramento jurídico e tendo
em vista que o trabalho e a educação são pressupostos da sobrevivência
digna, entendemos que a todo cidadão é garantido o acesso à educação
do modo que lhe convier ou que suas necessidades lhe exigirem. No
entanto, não é o que ocorre. No caso do Brasil, a sociedade dita
democrática, além de não participar dos processos decisórios, e além
de suportar uma das piores distribuições de renda do mundo, não
consegue acesso a uma educação de qualidade que logre ao menos
condições básicas de sobrevivência, como alimentação, moradia,
vestuário, dentre outras.
Para Evaldo Vieira não existe participação se os indivíduos não
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participam das decisões e dos rendimentos da produção. Sem isso, “a


participação é formal ou até mesmo passiva ou imaginária” (p. 13). O
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problema da participação política do povo é agravado, pois a regra do


capitalismo “implica cada vez mais a intervenção do Estado, seja para
manter a acumulação de capital, seja para manter a ordem social, seja
para exigir a submissão ou impor o aniquilamento das forças populares
(FALEIROS, 1980, p. 71). Como o Estado não é composto pelo povo
ou pela sociedade em geral, os interesses desses não estão aí
representados.
A participação legítima da sociedade nas decisões políticas do
Estado é prevista e propagada pelo ideário liberal. No entanto, torna-
se impraticável quando entendemos que esse Estado não é composto
por pessoas de todas as classes sociais. Ele é composto por aqueles
que desde a sua gênese, coordenaram sua implementação, ou seja, a
classe que em determinada época era dominante, ou a que detinha
maior quantidade de propriedades. Quanto ao Estado moderno, Marx
considera que ele é o comitê para tratar dos assuntos da burguesia
(MARX, 1998, p. 11). Com efeito, essa interpretação de Marx é
resultado de seu estudo, que é histórico e remonta a tipos de estados
mais antigos. De acordo com os estudos de Engels, na obra A Origem
da Família, da Propriedade e do Estado, o Estado foi criado a partir do
momento em que as condições econômicas, com o advento da
propriedade e da divisão social do trabalho, transformaram a sociedade
em senhores e escravos, exploradores ricos e explorados pobres. Sendo
essas contradições levadas aos limites extremos, surgiu a necessidade
de um poder que pudesse suprimir ou conciliar esses conflitos, mantê-
los somente no âmbito econômico, em uma forma considerada legal

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


129

(ENGELS, 2002, p. 190). Quem compôs inicialmente esse poder foram


os chefes de tribo, e assim seguiu através da história, sendo que hoje
é composto pelas elites industriais, comerciais e os novos especuladores
de capitais.
Desta forma, o povo está alijado das decisões. Mesmo com
um governo oriundo da classe trabalhadora, como é o caso do Brasil
atualmente, o sistema não lhe permite impor outra lógica, pois a
dominação do Estado não se reduz ao executivo, nem mesmo ao
legislativo e judiciário, a dominação é do capital e não há como
compreendermos políticas sociais ou políticas de governo fora dessa
interpretação.
A história é contraditória, as lutas são constantes, “cada
progresso na produção é ao mesmo tempo um retrocesso na condição
da classe oprimida, isto é, da imensa maioria. Cada benefício para uns
é necessariamente um prejuízo para os outros: cada grau de

Coleção Sociedade, Estado e Educação


emancipação conseguido por uma classe é um novo elemento de
opressão para a outra” (idem, 2002, p. 190). Fugir desta lógica através
de reformas pontuais ou de políticas focalizadas é algo impossível,
totalmente impraticável.
Para Xavier (1990), existem interesses privados internos e
externos que impedem o acesso de todos aos benefícios da economia
industrializada. A “burguesia nacional” não foi capaz de fazer “revolução
industrial” (p. 56), permaneceu no egoísmo e no particularismo, o
que a faz, ela e o País, de acordo com Fiori (1997), reiteramos,
permanecer “de cócoras” em face do cosmopolitismo mundial. A
educação superior ao ser privatizada e passar a oferecer cursos
tecnológicos e flexíveis corrobora com a prática da exclusão, pois o
trabalhador não tem uma formação humanística que lhe permita ao
menos pensar na possibilidade de mudanças.
Para buscar uma compreensão, é preciso ir do geral ao particular
e voltar sempre, pois a totalidade que envolve os processos é complexa
e demanda de uma interpretação dialética. Uma análise temporal e
espacial, de dentro para fora e de fora para dentro, para daí
entendermos que o Estado imperial que consideramos nosso “inimigo”
é o mesmo Estado liberal que por vezes lutamos, mesmo
instintivamente, e que essa é a lógica do capital. Dentro dessas análises,
à educação cabe lugar de destaque, posto que a mesma pode ou não
legitimar as práticas danosas à sociedade (embora de forma relativa),
à medida que seja privada ou estatal, servindo à lógica tecnicista do
mercado ou permitindo uma formação humanística voltada para a
emancipação do homem, respectivamente.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como a tendência do capitalismo é a expansão sem limites, no


caso da mundialização financeira, percebemos que o capital especulativo
cresce dia a dia, assim como crescem as diferenças entre classes sociais.
O próprio sistema do capital gera forças de destruição à medida que
também destrói tudo que venha a impedir seu crescimento, sem
considerar sequer a mínima condição humana das pessoas.
A educação superior aparece sempre como mecanismo de
reprodução, como todas as políticas sociais, dentro do princípio da
eqüidade tão propalada pelos organismos internacionais, sem causar
quaisquer “danos” às estruturas de classes ou qualquer possibilidade
de deter a lógica do capital (isto caso permaneça no plano das ideologias
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

dominantes). A transferência ao setor privado enfraquece qualquer


compromisso político da educação no sentido de que possa servir
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

como instrumento de emancipação da classe economicamente


subordinada.
As próprias lutas por direitos sociais são contraditórias, posto
que reforçam a lógica do capital, servem de auxílio para que o capital
se mantenha e não seja destruído pela sua própria contradição interna,
já que a mídia ideológica e a própria educação não permitem o
conhecimento e a possibilidade de lutas estruturais e objetivas.
A sociedade atual é a sociedade do descartável, os produtos
são descartáveis, os empregos são descartáveis e a educação - que
reproduz o que o sistema capitalista pede - é também descartável,
uma vez que o trabalhador tem de estar em constante formação para
se adaptar às exigências atuais do mercado, sem ter tempo para se
preocupar com a política ou com a estrutura do sistema.
Remetendo ao nosso título e entendendo a mediação como um
conceito relativo à resolução de contendas e disputas entre dois lados
litigantes que não conseguem chegar a um acordo por seus próprios
meios, buscamos neste trabalho colocar o Estado como mediador das
disputas entre os interesses dos grupos economicamente dominantes
e os grupos economicamente dominados, explicitadas no desvelamento
da existência de um ensino superior de qualidade para as elites e um
ensino de baixa qualidade para a classe dominada, independente de
ser classificado como público ou privado.
Como fato irreconciliável entre o capital e o trabalhador,
consideramos a explanação de Stván Mészáros em Produção destrutiva
e Estado capitalista (1989), obra em que o autor demonstra claramente

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


131

que o “apetite” do mercado por consumidores de massa é


completamente irreconciliável com o modo de produção em que é
exigida uma quantidade cada vez menor de trabalho vivo. O autor
aponta saídas como a diminuição da carga horária de trabalho, mas
que, no entanto, sabemos que essa prática não condiz com a
necessidade permanente do lucro.
Em face da amplitude e da dificuldade do tema, principalmente
ao tentar relacioná-lo à educação superior, nosso objeto de pesquisa e
investigação, tememos não ter atingido em plenitude o objetivo a que
nos propomos a ponto de concluir com precisão ou apontar saídas
magníficas para a resolução de nosso problema. O que temos sobre a
educação superior é que ela reproduz o sistema por não permitir o
acesso da classe trabalhadora a postos elevados na escala social, por
não permitir que a sociedade civil, como um todo, exerça seu poder
político e por manter a elite econômica como detentora do conhecimento
que garante o capital.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


No entanto, reconhecemos que o ensino superior pode ser
espaço de luta à medida que produza conhecimento verdadeiramente
objetivo em nível estrutural da sociedade. Por isto, defendemos a tese
defendida por Florestan Fernandes e Demerval Saviani de que recursos
públicos devem ser destinados exclusivamente à educação Estatal,
conforme luta encampada na elaboração da Constituição Federal da
República (1988) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9394/96), respectivamente. No entanto, os privatistas venceram
esta batalha e ambas as legislações amparam a possibilidade de que
recursos públicos possam ser também transferidos para as instituições
filantrópicas, confessionais, comunitárias e ainda para pesquisas em
universidades privadas, além do financiamento de bolsas.
A partir deste estudo, consideramos com maior clareza que o
Estado, enquanto mediador, não apresenta critérios justos e adequados
que contemplem igualmente os dois interesses. A mediação que era
para ser benéfica ao trabalhador e ao patrão acaba por priorizar o
segundo, potencializando as diferenças e buscando racionalizar os
aspectos negativos, com implantação de políticas compensatórias que,
na verdade, nada têm a ver com correções na estrutura do sistema ou
que sejam, ao menos, duradouras. Para exemplificar a atuação do
Estado brasileiro, basta-nos analisarmos como ele articula a economia:
toma empréstimos junto ao sistema financeiro para financiar a indústria
nacional (que não é tão nacional). Em seguida, para pagar empréstimos,
vende títulos da dívida aos empresários, conseguindo pagar parte dos
juros, que são altos e não permitem a quitação. Mesmo as leis e

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


132

constituições elaboradas pelo Estado são verdadeiras sínteses dos


interesses das classes dominantes que as elaboram.
Como já vínhamos então concluindo na última parte do trabalho,
podemos afirmar com segurança que esse Estado capitalista brasileiro
falhou no papel de mediar a relação entre o ensino superior (que é
dominado pelos interesses do mercado) e a sociedade (principalmente
a classe trabalhadora, que busca na educação a inclusão no sistema
produtivo, com dignidade e respeito). O Estado, que seria mediador,
ao ser composto e influenciado pela classe dominante é parcial e desfaz
a possibilidade da mediação imparcial.
Diante deste contexto, consideramos que a educação superior
pública e estatal, a qual defendemos, segue sendo, dentro dos limites
impostos, o espaço privilegiado de compreensão das contradições
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

estruturais e que sua manutenção é condição para o real conhecimento


das verdades sobre o injusto mediador: o Estado capitalista.
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NA UNIVERSIDADE

Paulino José Orso1

A pesquisa, o ensino e a extensão são os três mais importantes


pilares das instituições universitárias que se prezam. A centralização
ou a redução a apenas uma ou outra destas dimensões, no mínimo,
representa uma fragilidade da própria instituição. Contudo, atualmente,
isto não é tão raro acontecer como se suporia. Há, inclusive, um
estímulo por parte dos próprios Organismos Internacionais e até dos
próprios governos no sentido de reduzir a maioria das Instituições de
Ensino Superior – IES – ao ensino. Aliás, não há IES sem ensino, no

Coleção Sociedade, Estado e Educação


entanto, não é possível dizer o mesmo em relação à pesquisa e à
extensão. Com a anuência dos órgãos oficiais, existem muitas
instituições que, numa relação mercadológica, excluem a pesquisa e a
extensão e limitam suas atividades ao ensino, não sem prejuízos, é
claro, para o próprio ensino, mas não só, também para a própria
sociedade. Neste caso, temos o conhecimento reduzido a negócio.
Ao iniciar este artigo, de imediato gostaríamos de chamar a
atenção para duas questões básicas. Uma sobre a especificidade das
IES e outra sobre o caráter público da Universidade. Vamos à primeira.
É comum ouvirmos falar que a Universidade está fundada em três
pilares: o ensino
ensino, a pesquisa e a extensão
extensão, indissociáveis entre si.
Aliás, a própria Constituição Federal, em seu artigo 207, estabelece
que “as universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. E a
LDB, Lei 9394/96, no Capítulo IV, ao tratar da Educação Superior, em
seu artigo 43, define as finalidades do Ensino Superior, nos Incisos III,
IV e VII, estabelecendo que cabe às IES:

III- incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica,


visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e
da criação e difusão da cultura, e, desse modo,
desenvolver o entendimento do homem e do meio em
que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


136

humanidade e comunicar o saber através do ensino, de


publicações ou de outras formas de comunicação;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população,
visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes
da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica
geradas na instituição.

Ou seja, as leis maiores de nosso país, no que se referem à


educação, destacam a articulação do ensino, da pesquisa e da extensão.
Especificamente a LDB reforça a idéia de que a finalidade do Ensino
Superior é “incentivar a pesquisa”, “comunicar o saber através do
ensino” e “promover a extensão”. Entretanto, não diz em que condições
e de que forma, nem afirma que estas três dimensões educacionais
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

devam ocorrer simultaneamente e de forma indissociada. Como


transparece na própria LDB, e como defendem alguns burocratas e
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

privatistas, não é necessário que estas dimensões estejam indissociadas.


Assim, a algumas Instituições de Ensino Superior, de Excelência, estaria
reservada a possibilidade de realizar pesquisas, mas a grande maioria
ficaria restrita apenas o ensino, isto é, deveriam transformar-se em
“grandes escolões de ensino superior”, o que é um grande equívoco.
Quanto à extensão, esta geralmente fica relegada a um segundo plano.
Ou seja, estabelece-se uma grande confusão quando se compreende
uma dimensão destas dissociada das demais, quer seja no Ensino
Superior ou na Educação Básica. Não há nada que impeça que, em
qualquer nível de educação, trabalhe-se de forma articulada Ensino,
Pesquisa e Extensão.
A dissociação destes componentes tem gerado sérios problemas
e reforçado ainda mais a fragmentação do conhecimento. Aliado a
este problema ou até em decorrência dele, junta-se uma outra
compreensão problemática resultante do entendimento de que público
é contrário de privado. Então, de um lado teríamos as instituições
privadas e de outro as públicas. Ao se analisar esta questão,
primeiramente, é preciso dizer que a sociedade em que vivemos e em
que ocorre a educação é permeada e carregada de contradições. Isto
significa dizer que numa sociedade como a nossa, fundada na
propriedade privada, as condições de sobrevivência não são iguais
para todos. Aliás, não é preciso demorar muito, nem fazer longos
discursos para nos convencer de que em nossa sociedade reinam
profundas desigualdades e que as distâncias entre os mais pobres e
os mais ricos são gritantes, astronômicas. Isto, porém, não é uma
exclusividade do Brasil.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


137

Segundo dados da Revista Forbes, reproduzidos pelo Jornal Folha


de São Paulo, em 1996, a riqueza acumulada por 149 pessoas no
mundo era superior ao produto interno bruto dos países pobres onde
viviam mais de 56% da humanidade. Já, de acordo com o Jornal Lê
Monde Diplomatique, também reproduzido pelo jornal citado acima,
em 1998, as três pessoas mais ricas do mundo possuíam uma fortuna
superior à soma do PIB dos 48 países mais pobres do planeta. No
Brasil, segundo Luiz C. G. Pinto, citado pela Folha de São Paulo, 1%
das maiores propriedades brasileiras detinha 47% das terras e os 50%
mais pobres detinham apenas 2,5% delas. Ainda que sempre tenhamos
que relativizar as informações jornalísticas, a menção destes dados é
suficiente para revelar as diferenças abissais que se interpõem entre
os pobres e os ricos, quer seja no Brasil ou no resto do Mundo.
Como dissemos acima, as condições reais em que vivemos são
permeadas por contradições que se fazem presentes em todas as esferas

Coleção Sociedade, Estado e Educação


da vida social. Muitas vezes, em função do idealismo e da
supervalorização da razão, temos a impressão de que, pelo fato de a
universidade ser reconhecida como um espaço de troca de idéias, de
debates, ela é compreendida como se fosse uma instituição à parte do
conjunto das relações e, portanto, estaria isenta dos embates e
contradições da vida real. Entretanto, esta compreensão é equivocada,
pois a universidade em si não existe; o prédio, por si só, não se constitui
na universidade; o que existe são pessoas (professores, alunos,
funcionários, governos, donos de instituições) reais, que vivem em
determinadas condições e circunstâncias que expressam o conjunto
das relações sociais. Portanto, uma vez que a sociedade não é
homogênea, não serão as Instituições de Ensino Superior que ficarão
isentas de contradições. Primeiro porque, em decorrência da
fragmentação da vida social, em geral, somos levados a opor as
chamadas instituições privadas e as denominadas públicas e, de fato,
estão em oposição.
O fato de opormos estas duas instituições, muitas vezes, nos
leva a tratar seus integrantes como se estivessem em lados opostos.
Digamos que, do lado dos empresários da educação, de fato, os
interesses são opostos, pois, enquanto eles têm em vista o lucro, o
mesmo não ocorre com as chamadas instituições públicas. Ou seja,
quanto maior o número de instituições públicas e quanto maior o
número de alunos ingressarem nelas, menores serão as possibilidades
de lucro das instituições privadas. Portanto, os interesses da
Universidade Pública e dos empresários ou donos das instituições de

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


138

educação privadas caminham em sentidos contrários. Contudo, há


que se fazer uma distinção em relação aos trabalhadores que atuam
nestas instituições. Tanto os professores quanto os funcionários que
atuam nas instituições públicas, assim como nas privadas, têm uma
característica básica comum, que é o fato de pertencerem a uma mesma
classe, a classe trabalhadora. E, sendo que, em função da forma e do
modo de produção existente, não existem instituições públicas
suficientes para absorver toda a massa de trabalhadores (professores,
funcionários), e que estes, mesmo assim, precisam sobreviver, muitas
vezes não resta outra alternativa senão trabalhar em instituições
privadas. O número maior ou menor de trabalhadores que atuam
nestas instituições depende do estágio de desenvolvimento das forças
produtivas e da dinâmica do capital. Em decorrência das crises do
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

capital ou da expansão do mercado, do desenvolvimento das forças


produtivas, em determinados momentos, teremos em uns mais e
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

noutros menos trabalhadores garantindo a sobrevivência nestas


instituições.
Em relação aos alunos, a situação muda um pouco. Pois, mesmo
que a maioria dos estudantes das instituições privadas seja trabalhadora,
eventualmente podemos encontrar representantes da classe dominante
também nas Instituições Privadas. E podemos nos deparar com
situações em que nem só alunos carentes estudem na Universidade
Pública. Esta contradição é resultado das contradições mais amplas
existentes na própria sociedade. Portanto, opor simplesmente as
instituições públicas às privadas em nada contribui para que, de fato,
compreendamos a realidade e construamos alternativas viáveis que
permitam aos trabalhadores das diferentes instituições identificarem-
se enquanto pertencentes à mesma classe, a classe trabalhadora, e
unirem-se para superar as contradições que os opõem na vida real.
Até neste momento, tomamos a denominação público como
oposta ao privado. E entendemos como público aquilo que não é de
ninguém, que é de todos, que está a serviço do bem comum. Contudo,
como vimos, dessa forma temos dificuldades de compreender e explicar
de fato as contradições existentes na vida real. Por isso, entendemos
que o fato de não ser privada uma instituição não garante, por si só, o
estatuto de pública. Em função disso, ao invés desta nomenclatura, é
melhor denominá-las de estatais ou, então, instituições estatais. Pois,
assim, se de fato conseguirmos superar a visão platônica ou hegeliana
de Estado e o entendermos concretamente, também entenderemos as
razões pelas quais tanto nos choca percebermos que a maioria dos

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


139

estudantes carentes só conseguem ingressar e permanecer no Ensino


Superior em Instituições Privadas, ao passo que, em algumas
instituições ditas públicas, encontramos muitos alunos pertencentes à
classe dominante. No caso da Unioeste, um dado a ser considerado é
que, nos últimos anos, cerca de 79% dos alunos que ingressam nela
são oriundos de escolas ditas públicas.
Mas, tentemos dirimir um pouco o problema criado. Dizíamos
que, melhor do que denominar essas instituições de públicas é chamá-
las de estatais. Para começo de conversa, é preciso dizer que o Estado
não é um ente abstrato, autônomo e isolado que funciona acima ou à
parte da sociedade. O Estado é um aparato ideológico, burocrático,
bélico e militar, gerido por pessoas concretas que ocupam posições
também concretas no seio da sociedade, em relação aos meios de
produção. A grande maioria dos que ocupam postos no Congresso,
nos Ministérios, nos Governos, não são oriundos da classe trabalhadora
e, quando procedem do interior dela, na maioria das vezes, não

Coleção Sociedade, Estado e Educação


representam os seus interesses, mas sim daqueles que os financiam.
Desta forma, constituído por integrantes da classe dominante ou que
representam seus interesses, o Estado constitui-se num aparelho gerido
pela burguesia, que o coloca a seu serviço – a serviço da reprodução
de suas condições de classe. O Estado, portanto, não é neutro; é um
Estado de Classe, da classe a qual pertencem os donos dos meios de
produção.
Assim, não é porque uma instituição é mantida com recursos
dos cofres do Estado, isto é, com recursos dos próprios contribuintes
que, por si só, já garante o estatuto de pública. Sendo a sociedade
fundada sobre a propriedade privada e, sendo o Estado, um Estado de
classe, privado, portanto, as instituições mantidas com os recursos
oriundos dele também não serão públicas e, uma vez que o Estado
atende os interesses da classe dominante, ele transfere as contradições
para os que atuam em seu interior. Uma das formas de reproduzir
isto é não permitir que ocorra uma articulação concreta e efetiva entre
o ensino, a pesquisa e a extensão; é não permitir que se reconheça a
identidade de classe entre os profissionais que atuam quer nas
instituições públicas ou as privadas, ou seja, é não permite que se
compreenda de fato a realidade e, assim, se reproduza sua fragmentação.
Isto posto, para que possamos compreender bem que não é
apenas uma questão de conveniência, mas sim como necessária a
articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, façamos um recuo
e nos detenhamos um pouco, realizemos uma reflexão sobre a questão

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


140

do conhecimento. Em que consiste o conhecimento? Quem e de que


forma produz conhecimento? Para que serve, qual a finalidade do
conhecimento?
Em primeiro lugar, é preciso dizer que o conhecimento não é
uma propriedade exclusiva do homem, como em geral, muitos pensam,
pois confundem conhecimento com razão, que é apenas uma de suas
formas. O conhecimento, ao contrário, é uma propriedade de toda a
matéria viva. Ou seja, todos os seres vivos conhecem. Não há vida
sem conhecimento, nem conhecimento sem vida – há uma “identidade”
entre conhecimento e vida.
Em segundo lugar, como dissemos acima, o conhecimento não
se confunde com a racionalidade humana, nem com a ciência.
Conhecimento é a capacidade que toda a matéria viva, que todo o ser
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

vivo tem de se sensibilizar em relação ao meio, aos estímulos, aos


elementos que o compõem, aos desafios que o cercam e de reagir a
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

eles, dando respostas satisfatórias e garantindo a sobrevivência. Isto é


um fato comum a todos os seres vivos, pois exige e pressupõe
conhecimento. Da mesma forma, exige que cada ser vivo ou cada
porção de matéria faça pesquisas e reaja adequadamente. É óbvio,
porém, que nenhum deles o faz da mesma forma que os demais.
Cada um o faz de seu modo, nas suas condições e de acordo com o
estágio de desenvolvimento que sua espécie já conseguiu atingir, ou
que lhe permite sua individualidade. Ou seja, cada ser conhece e faz
pesquisas de uma determinada forma. Todos, porém, têm em vista
sua sobrevivência enquanto indivíduos e enquanto espécies. Portanto,
do grau de conhecimento, de sua capacidade e da qualidade de suas
pesquisas, bem como da socialização deste, depende também a
qualidade de vida dos indivíduos.
Contudo, como podemos depreender da afirmação anterior, o
tipo de conhecimento e de pesquisas realizados pelo homem diferem
dos demais seres vivos. Todavia, não difere quanto ao caráter do
conhecimento, nem quanto sua finalidade, que diz respeito à
sensibilidade do homem e visa garantir a sobrevivência. Por outro
lado, é preciso dizer que em nenhum ser o conhecimento se
desenvolveu tanto e chegou a um grau tão desenvolvido como no
homem. Nele o conhecimento atingiu o nível científico, transformou-
se em conhecimento metódico, que permite utilizar o próprio
conhecimento como instrumento de reflexão, ação e transformação
do mundo, da realidade e de si mesmo, de forma voluntária, intencional
e consciente. Lembremos também que, ainda que no homem o

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


141

conhecimento tenha atingido um grau mais desenvolvido, o homem


também não o faz sempre da mesma forma, isto é, não conhece da
mesma forma em todas as épocas; o faz de forma mais aperfeiçoada
e complexa a cada momento, decorrente do acúmulo do conhecimento,
das experiências, das técnicas, das tecnologias e exigências legadas
pelas transformações conseguidas até o momento. Sendo o homem
um ser que pertence ao reino animal, que está submetido às mesmas
leis do conjunto da natureza, também não é difícil de compreender
que, ainda que tenha se diferenciado do conjunto da natureza, ele
ainda guarda muitas características comuns a ela. Uma é o
conhecimento.
Inicialmente, o homem não se diferenciava muito do conjunto
da natureza e dos demais seres vivos. Contudo, à medida em que foi
interagindo com ela, que foi respondendo aos desafios impostos pelo
meio, foi se transformando, adquiriu experiências, produziu

Coleção Sociedade, Estado e Educação


instrumentos de trabalho e também conhecimentos, isto é,
representações do meio.
Assim, diferente dos demais animais, o homem passou a
produzir sua sobrevivência através do trabalho. Contudo, na medida
em que foi se desenvolvendo, foi aperfeiçoando sua forma de interação
com o meio e com os demais hominídeos. Com isso, foi adquirindo
cada vez mais conhecimentos e experiências, aperfeiçoou os
instrumentos de trabalho, domesticou os animais, descobriu a
agricultura e passou a produzir excedente, isto é, mais do que exigiam
suas necessidades imediatas. A partir daí, de uma divisão simples do
trabalho, baseada no gênero, intensificou-se a divisão de trabalho e
surgiu a propriedade privada e o Estado. Até então, a produção do
conhecimento, a pesquisa e a socialização tinham a marca coletiva.
Com o surgimento da propriedade privada e das classes, com o
aprofundamento da divisão do trabalho e conseqüentemente do
conhecimento, também é marcado, cada vez mais, por isso. O ensino,
a pesquisa e a extensão também passam a ser concebidos como se
fossem dimensões autônomas e independentes, não mais permitindo
compreender a educação como um ato unitário, que pressupõe a
pesquisa, o ensino e a socialização. Dessa unidade depende, em grande
medida, a qualidade do ensino.
Diríamos, portanto, que o conhecimento de cada momento é
resultado do trabalho realizado em determinadas condições ao longo
de toda a história e de todos os homens. No entanto, a classe dominante
apropria-se dele e o transforma em instrumento de poder e dominação,

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


142

e condiciona tanto o acesso a ele, quanto o usufruto dos benefícios


proporcionados por ele, isto é, o acesso aos bens materiais, aos que
detém capital. Em conseqüência disso, a quantidade e a qualidade do
acesso aos conhecimentos e aos bens necessários à sobrevivência
produzidos historicamente dependem da quantidade de dinheiro que
cada indivíduo possui.
Nesta perspectiva, dada à natureza da instituição privada, que
tem como fim primeiro e último a obtenção de lucro, isto é, não há
nenhuma contradição no provérbio “educação rima com negócio”,
mesmo com todas as contradições possíveis que estão presentes no
Estado capitalista, são as instituições financiadas pelo Estado que têm
as melhores condições de produzir conhecimentos científicos, isto é,
de pesquisa, de qualificar o ensino e socializar o conhecimento
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

produzido. Deveria, portanto, caber ao Estado a responsabilidade pela


ampliação e melhoria das condições de pesquisa e, assim, ensino e
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

extensão. Contudo, o Estado também é histórico, não é um “espírito


absoluto” e, portanto, está sujeito às crises e oscilações do capital.
Diante disso, vejamos como era a situação da pesquisa, do ensino e
da extensão, em 2005, na Unioeste, uma universidade financiada com
recursos oriundos do conjunto da população, mas geridos pelo Estado
capitalista, que representa os interesses da burguesia.

PESQUISA

Entre o início de 2005 e o dia 25 de maio desse ano, tínhamos


na Unioeste o seguinte quadro em relação à Pesquisa:
110 Grupos de Pesquisa cadastrados
148 Linhas de Pesquisa cadastradas
367 Projetos de Pesquisa cadastrados
485 atividades de pesquisa vinculadas às linhas de pesquisa

EXTENSÃO

Nesse mesmo período tínhamos na Unioeste o seguinte quadro


em relação à Extensão:
166 Projetos cadastrados
61 Cursos cadastrados
35 Eventos cadastrados
12 Programas cadastrados

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


143

19 Projetos de Prestação de Serviços cadastrados


14 Divulgações efetivadas

ENSINO

Em relação ao ensino, em 2005, tínhamos na Unioeste o seguinte


quadro em relação ao Ensino:
Número de alunos na Graduação: 9.926
Número de alunos na Pós-graduação lato sensu: 1.026
Número de alunos na Pós-graduação
strito sensu (Mestrado): 271
Número total de alunos: 10.3441
De 2005 a 2007, estes dados só têm aumentado, em muito,
tanto no que diz respeito aos projetos de pesquisa e extensão, quanto

Coleção Sociedade, Estado e Educação


no número de alunos e cursos, inclusive de mestrado e doutorado.
Desde 1997, a Unioeste vem ampliando significativamente o
número de alunos, cursos e níveis de ensino. Em 2007, temos 11.123
estudantes, distribuídos em 63 turmas, 34 cursos de graduação, 42
cursos de especialização lato sensu, 10 cursos de mestrado e um de
doutorado. Da mesma forma, vem ampliando sua inserção na pesquisa
e na Extensão. Conta atualmente com 377 atividades de extensão, 882
atividades de pesquisa, 193 bolsas de iniciação científica para
acadêmicos2. E, há 4 anos, no ranking do MEC, a universidade foi
considerada a décima terceira Instituição de Ensino superior do País.
Estes dados são significativos, mas estão longe de nos lisonjear. Pois,
se por um lado, vemos estes dados positivos, há outros que, no
mínimo, são preocupantes. Um deles, por exemplo, é a penetração do
caráter privado até mesmo nas Instituições consideradas públicas, o
que não poderia ser diferente, uma vez que o Estado constitui-se num
Estado de classe, da classe dominante. Outro é que os recursos
destinados ao financiamento destas instituições não têm acompanhado
a mesma evolução dos números apresentados anteriormente. Ao
contrário disso, desde 1997, ano a ano a Unioeste vem sofrendo cortes
de recursos em seu orçamento.
Isto, porém, não é uma exceção da Unioeste. As IES
consideradas públicas, em geral, têm sofrido cortes assemelhados.
Inúmeras foram as formas de privatizar o conhecimento e a educação.

1 Dados fornecidos pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Unioeste – 2005.


2 Dados extraídos da Edição especial do Jornal da Unioeste sobre o Vestibular 2008.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


144

Quer seja através da institucionalização da Prestação de Serviços,


das Parcerias Público Privadas, da compra de vagas nas instituições
privadas, etc.
O surgimento da propriedade privada dos meios de produção
produziu o trabalho alienado. E, como é através do trabalho que se
produz os bens materiais necessários à sobrevivência, e é através dele
que se produz conhecimento, sendo o trabalho alienado, o conhecimento
também carrega esta marca.
Dentro desta perspectiva, a educação também adquire a marca
da sociedade privada e transforma-se em mercadoria. Senão vejamos.
Como o Estado é um Estado de classe, não é uma instância neutra,
quais são os projetos de pesquisa que são aprovados e financiados?
Em sendo as Instituições consideradas públicas, geralmente de melhor
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

qualidade, a concorrência para nelas ingressar é cada vez maior, fazendo


com que, geralmente, o critério de seleção acabe sendo o econômico.
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Como os recursos para as universidades são cada vez mais escassos,


como os salários são cada vez mais aviltados, grande parte dos
profissionais que atuam nas instituições ditas públicas (estatais)
transformam a universidade num bico, uma forma de garantir status e
projetar-se junto ao mercado, às empresas. Deste modo, ainda que se
mantenha a denominação de pública, por diferentes formas, a
universidade acaba revelando seu caráter privado, quer via seleção
dos projetos que recebem recursos das agências financiadoras, quer
através da prestação de serviços, tornando os profissionais, o
conhecimento e as instituições reféns da iniciativa privada e do mercado.
Ou seja, desta forma, ainda que as chamadas instituições públicas,
geralmente, sejam as que de fato mais e melhor realizem pesquisa,
que tenham um nível e uma qualidade de ensino melhor, e que
possibilitem uma maior socialização do conhecimento, a educação
compreendida como ensino, pesquisa e extensão não é pública. Os
produtos e a extensão da pesquisa, do ensino e da extensão não
permitem que nesta sociedade os denominemos de públicos.
Portanto, não basta a “quantidade” da produção, não é suficiente
que a instituição seja chamada de pública. É preciso que a produção
da vida material e a organização da vida social tornem possível a
realização daquilo que de fato denominamos de público, ou seja, que
de fato a Instituição de Ensino Superior atenda e volte-se aos interesses
de toda a sociedade. Entretanto, ainda que a união indissolúvel entre o
ensino, a pesquisa e a extensão não seja necessariamente garantia da
qualidade do ensino mas, para que ela realmente ocorra, a articulação
entre estas três dimensões é uma condição sine qua non.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


CAPES, LATTES, QUALIS:
O HOMO ACADEMICUS ENTRE
AFORISMOS E DESAFORISMOS
João Virgílio Tagliavini

Este texto surge da necessidade de refletir sobre a minha


transformação em homo academicus, depois de ter feito, por vinte e
cinco anos a experiência de simples homo magister. Há uma diferença
muito grande entre o magister e o academicus. Há magister que não é
academicus e há academicus que não quer nem saber de ser magister,
pois isto não lhe dá status nenhum. Mas operou-se uma segunda

Coleção Sociedade, Estado e Educação


transição na minha vida: de homo ecclesiasticus a homo academicus.
Aqui não se percebe a diferença. A academia é uma sacristia. Porque
nós somos os mesmos, na ecclesia ou na academia ou gymnasium.
Seu Catecismo Romano são os critérios da Capes; o Caderninho de
São Pedro1 é o Lattes; o Index invertido é o Qualis; Juízo Final é o
Coleta2 Capes e a Nota Trienal do Programa de Pós-Graduação; não
vamos fazer uma comparação exaustiva porque seria chata demais. O
componente arcaico religioso revitalizado pela lógica mercantil do
capitalismo transnacional3 ingressou na universidade, inclusive pelas
mãos daqueles que lhe fazem a crítica explícita. Assim escrevi na
apresentação personalizada do meu currículo Lattes4 :

João Virgílio Tagliavini é professor adjunto no Departamento de


Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) do qual
ocupa atualmente a vice-chefia e é credenciado no Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE/UFSCar), na área de Fundamentos da
Educação. Desde 2003 coordena o grupo de estudos “Educação e Direito

1 Ensinava-se ou ensina-se ainda às crianças que São Pedro tem um caderninho onde anota tudo
o que se faz, bem ou mal, para ser cobrado no Juízo Final. Agora nós saímos em desvantagem,
porque lá era São Pedro quem anotava; aqui somos nós que temos que atualizar o Lattes.
2 Quando eu pensei que já tivesse feito todas as analogias entre o ecclesiasticus e o academicus,
ainda me aparece a coleta que, até então, pensava ser apenas aquela sacolinha que se passa
nas igrejas para arrecadar doações e que atualmente pode ser substituída pelo dízimo.
3 Expressão fornecida por Antonio Álvaro Soares Zuin, colega no Departamento de Educação, ao
ler parte dos originais deste trabalho.
4 Texto disponível na página do Lattes no dia 13 de novembro de 2007.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


146

na Sociedade Brasileira Contemporânea” que, em 2007, transformou-


se em Grupo de Pesquisa, com o Projeto: “Do direito à Educação ao
direito Educacional”. Atualmente é membro da Diretoria Nacional da
Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi). João Virgílio fez os
cursos ginasial, colegial e graduação em filosofia no Seminário Diocesano
de São Carlos, complementando sua formação e licenciando-se em
Filosofia pelas Faculdades Associadas do Ipiranga (UNIFAI - 1977);
João fez ainda graduação em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa
Senhora da Assunção (1978), mestrado em Sociologia pela Universidade
Estadual de Campinas (1990), doutorado em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (1999) e pós-doutorado em Educação pela
Faculdade de Educação da UNICAMP. Fora da carreira acadêmica, mas
ainda com forte atuação educacional, foi sacerdote católico de 1978 a
1985, quando trabalhou na formação de pequenas comunidades, pastoral
carcerária etc. Hoje atua principalmente nos seguintes temas: educação,
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

ensino superior, direito, filosofia e ensino do direito.


“Depois de tudo que fiz e anunciei, eu gostaria de dizer (mas
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

quem sou eu?) como Tomás de Aquino: “tudo o que fiz não passou de
palha!” Conheci algumas coisas nesta vida e neste mundo, mas
certamente ainda não cumpri o mínimo do homem de sabedoria que
iniciaria pelo “conhece-te a ti mesmo”.
Só agora comecei a atualizar o meu Lattes em benefício do
coletivo do Programa de Pós-Graduação, de meu Departamento e de
minha Universidade. Não o fiz antes porque eu sempre acreditei na
máxima evangélica que diz que a mão direita não deve saber o que faz
a esquerda. Apoio e louvo a iniciativa do CNPQ em estabelecer uma
Plataforma Única, mesmo que ainda imperfeita, para a coleta de
currículos. Confesso aqui que gosto de trabalhar na Universidade:
sou um privilegiado porque faço o que gosto e gosto do que faço.
Gosto e me dedico à graduação, aceitando de bom grado as disciplinas
que me são atribuídas. Dedico-me à pós-graduação também com
prazer. Até o presente eu me dediquei a estudar, sozinho ou em grupo,
a escrever bastante, mas não a publicar. Entendo que “produção” não
é apenas publicação, até porque a publicação pode ser de má qualidade
e repetitiva. Entendo que “produção” é ser também um bom professor
na graduação e pós-graduação, aceitando cargos administrativos em
benefício do coletivo e participar da construção de um departamento e
de uma universidade de qualidade. Embora tenha até o presente poucos
artigos publicados, acho-me altamente produtivo como educador, que
há mais de trinta anos se dedica a essa tarefa. Por pressão e para ser
“produtivo” também quantitativamente, vou entrar com mais afinco

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


147

na publicação de meus scripta5 , até por conta de socializar mais o


muito que produzo. Mesmo assim, não gostaria, em hipótese alguma,
de cair na neurose daqueles que lembram a brincadeira de meninos no
banheiro da escola, ao compararem o tamanho do seu Lattes com o
dos outros. Declaro publicamente que “não quero o Lattes na minha
lápide”. Prefiro o Epitáfio de autoria de Sérgio Britto, interpretado
pelos Titãs.
O Lattes é o DNA do homo academicus contemporâneo. Por
isso, atualmente é possível reconhecer um indivíduo pela arcada dentária,
pelo DNA ou pelo Lattes. Num blog em que amigos deixavam
mensagens à família de um pesquisador falecido, numa tragédia,
alguém posta o seguinte comentário: Fulano morreu, agora seu Lattes
está completo, ele está com Deus. Como se parece com as palavras de
Paulo apóstolo: combati o bom combate, terminei a minha carreira,
guardei a fé (2 Timóteo, 4,7).Isto é um ensaio, construído em aforismos

Coleção Sociedade, Estado e Educação


(e desaforismos). Ensaios são mais livres, servem como contribuição
para o debate. Montaigne, que escrevia apenas ensaios, dizia:
Ora, os sinais de minha pintura [do homem] são sempre fiéis, embora
mudem e variem. O mundo nada mais é do que uma contínua gangorra:
nele, todas as coisas oscilam sem cessar (...). A própria constância nada
mais é do que um movimento mais fraco. Eu não posso fixar o meu objeto.
Ele se move incerto e vacilante, por uma embriaguez natural. Eu tomo
então tal ponto, assim como é, no instante em que me interesso por ele.
Não descrevo o ser, descrevo a passagem: não a passagem de uma idade para
outra ou, como diz o povo, de sete em sete anos, mas sim de dia para dia,
de minuto para minuto. É preciso que eu adapte a minha descrição ao
momento. Poderei mudar de um momento para outro, não só por acaso,
mas também por intenção. Trata-se de um registro de acontecimentos
diversos e mutáveis e de idéias incertas, seja porque eu capte os objetos
segundo outros aspectos e considerações. Tanto é assim que talvez eu
me contradiga, mas a verdade (...) nunca a contradigo. Se a minha alma
pudesse se estabilizar, não faria ensaios, mas soluções...6
Sinto-me mais livre também ao escrever o capítulo de um livro
do que um artigo para uma revista. Os conselhos editoriais, quando
exercem efetivamente o seu papel, matam saudades da inquisição e
dos tempos de censura.

5 É o que se costuma chamar de papers, na língua do atual império. Eu dizia que eram artigos
ou textos, mas como a academia dizia que eram papers eu apelei para scripta, pois assim se
dizia na sacristia.
6 Montaigne, in História da Filosofia, Reale Antiseri, vol II, p. 96.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


148

Bourdieu afirma que:

A hierarquia dos objetos legítimos, legitimáveis ou indignos é uma das


mediações através das quais se impõe a censura específica de um campo
determinado que, no caso de um campo cuja independência está mal
afirmada com relação às demandas da classe dominante, pode ser ela
própria a máscara de uma censura puramente política.7
Há, portanto, o que é e o que não é digno de ser estudado, de
ser pesquisado. E quem o decide? Quem decide também onde deve
ser publicado o que é produzido? Lembro-me da expressão corrente
nos regulamentos de seminários menores de formação de padres,
objeto de minha pesquisa no mestrado, que tudo aquilo que não estava
claro no regimento deveria ser decidido sempre a critério do padre
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

reitor. Isso se torna tão substancial que o padre reitor não sai de dentro
de muitos seminaristas, mesmo muitos anos depois de mortos. Talvez
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

os orientadores tenham assumido o seu papel para o homo academicus.


O Santo Ofício8, a cada triênio, fica em dúvida em relação ao
Index Librorum Necessariorum a ser adotado.9 O que não era Qualis,
o será; o que era, não mais será; nem um nem outro? Quantos
periódicos estão no Qualis? Para se publicar um artigo leva-se um
bom tempo, em geral mais de um ano. Aqueles que escreveram em
2006 e publicaram em 2007, fizeram-no no limbo do Qualis. Em
Educação, quem tem autoridade para qualisficar? Deve-se seguir a
lista da ANPEd ou poderá haver outras? Quem “autoriza” a publicação
numa revista?10 Quem credenciou apenas a ANPEd para fazer a
qualificação? Convenceram-me a jogar de acordo com as regras do
jogo, mas quais regras? Para que lado a biruta vai apontar?
Em breve, nos encontros entre acadêmicos, a saudação será:
Olá, como vai o seu Lattes? E o Qualis está passando bem? Lembranças

7Bourdieu, Escritos de educação, p. 35. Os dominados censuram seus pares.


8No espírito da Contra-reforma, Paulo III, com a bula Licet ab initio, em 1542, cria a Congre-
gação da Suprema e Universal Inquisição ou Santo Ofício, responsável pela defesa dos dogmas
e combate às heresias, e, em 1557, sob o pontificado de Paulo IV, a Igreja cria o Index Librorum
Prohibitorum cuja primeira edição é de 1559, tornando proscritas obras ofensivas à fé e à moral
católicas. A última lista foi publicada em 1948. Foi extinto por Paulo VI em 1966. Encontra-se
um fac símile da primeira edição, em latim, no endereço eletrônico: http://www.aloha.net/
~mikesch/ILP-1559.htm#A
9 Aqui não vai nenhuma crítica pessoal àqueles que ocupam tais espaços, mas é preciso, sim,
rever as classificações de livros, revistas etc. Passamos a viver numa camisa de força que nos
obriga primeiro consultar a tabela para depois enviar nossos scripta. A música é resultado de
inspiração e de composição e não de obediência às regras, diz Feyerabend.
10 O físico Alan Sokal publicou falso artigo em revista de humanidades em 1996 (Folha de São
Paulo: 08/07/2006).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


149

à CAPES. Isso é tão parecido com o ramalhete espiritual! Orações,


missas, comunhões, jaculatórias, terços do rosário de nossa senhora,
ladainhas, sacrifícios, jejuns11 e outras práticas cristãs que os religiosos
faziam na intenção de uma pessoa, de uma instituição ou pela salvação
das almas. Por que academia e não jardim de Epicuro? Eu estou a
procura de uma pequena urna funerária para colocar os últimos
documentos a serem registrados no meu Lattes. Isso serviria para não
perder a sua dimensão limitada e transitória.
Para responder à pergunta “quem é você?” é preciso responder
antes ao “quem o convida?” Alguém me disse certa vez, numa reunião,
que era necessário fazer isto ou aquilo para ter prestígio. Eu demorei a
entender a lógica da academia. Talvez a síndrome de Cura d´Ars12
tenha me contaminado durante tantos anos de formação.Quem é
ridículo, alienado ou caiu nas malhas da ideologia burra nas esteiras
das determinações da realidade objetiva? São sempre os outros,

Coleção Sociedade, Estado e Educação


obviamente. Diz Montesquieu, em Cartas Persas:
“Ah, Deus meu”, pensei comigo mesmo, “os únicos ridículos a que
sempre seremos sensíveis serão os que vislumbramos nos outros? Mas
talvez seja até uma felicidade”, logo refleti, “que possamos nos consolar
pensando nas fraquezas alheias.”13
É muito comum dizer-se que o outro é alienado. E se eu concluir
que alienado é todo aquele que sempre acha que o outro é o alienado?
Quem vai decidir essa parada? É a cotidianidade da realidade objetiva?
Lida e interpretada por quem?A verdade é filha da autoridade,
consagrada pelo tempo! Em oposição a Galileu, alguém já diria. Bacon
disse antes de Galileu e Aulo Gelio muito tempo antes de Bacon.Cujus
regio, hujus religio14 , tal orientador, tal crença. Minhas crenças levam
à escolha de meu orientador ou meu orientador leva às minhas crenças?
Posso desenvolver um trabalho fenomenológico positivista com um
orientador marxista? A leitura e discussão do Diálogo sobre os dois
máximos sistemas do mundo Ptolomaico & Copernicano, livro que levou
Galileu a ser condenado pela Inquisição, levaram o grupo da disciplina

11 Esses ramalhetes, às vezes, eram lidos em público, como forma de emular os colegas. Bem
parecido com as comunicações dos conselheiros nos conselhos departamentais da Universida-
de.
12 Santo do sul da França que, na falta de inteligência, distinguia-se em santidade.
13 Montesquieu, Cartas Persas, 92.
14 Conforme a região, assim a religião. Ou seja, deveria ser seguida a religião do príncipe. Foi o
compromisso assumido no tratado de Habsburgo, em 1555, numa tentativa de pôr fim às
guerras religiosas entre católicos e protestantes.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


150

de Leituras em Fundamentos da Educação a alguns questionamentos


muito significativos sobre metafísica e ciência. Com a destruição do
cosmo aristotélico destruía-se também o mundo no qual Aristóteles
estabelecera sua doutrina da ciência que servia de fundamentação para
uma classificação hierárquica das disciplinas e dos saberes15 , que, a
partir da releitura escolástica de Tomás de Aquino, ficara assim
constituída: a teologia era a rainha; a filosofia era a serva (ancilla); na
filosofia estariam todos os conhecimentos naturais. Se a teologia é a
rainha, os teólogos são os mais importantes nas universidades que
estão nascendo. Há uma questão de poder muito nítida na disputa
entre os saberes, tema a ser muito desenvolvido em Bourdieu, com as
categorias de Capital Social e Homo Academicus. Quem tem o poder
de decidir sobre os financiamentos poderá dizer o que é científico ou
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

jornalístico, o que merece ser publicado ou rejeitado.


A metafísica está morta definitivamente? Não serve para mais
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

nada? Houve uma evolução comtiana do metafísico para o positivo?


Na Faculdade de Direito de Recife, em 1875, no auge do positivismo
de Comte, é célebre o diálogo áspero entre Sílvio Romero e seu
examinador, Coelho Rodrigues.

Sílvio: - A metafísica não existe mais, Sr. Doutor. Se não sabia, saiba.
Coelho: - Não sabia!
Sílvio: - Pois vá estudar e aprender para saber que a Metafísica está morta.
Coelho: - Foi o senhor que a matou?
Sílvio: - Foi o progresso, foi a civilização!16

Feyerabend 17 diz que a boa ciência tem necessidade de


argumentos metafísicos para continuar a se desenvolver; hoje ela não
seria o que é sem essa dimensão filosófica. Aristóteles, em Metafísica,
defende a filosofia:
Ora, aquele que se maravilha e está perplexo sente que é ignorante;
portanto, se foi para escapar à ignorância que se estudou filosofia, é
evidente que se buscou a ciência por amor ao conhecimento, e não
visando qualquer utilidade prática... Ainda que todas as demais ciências
sejam mais necessárias do que essa ciência (filosofia), nenhuma é melhor
do que ela.18

15 Galileu, Diálogo, p. 25; 35.


16 A metafísica está viva: confira Textes Clés de Métaphysique contemporaine, de Frédéric Nef
e Emmanuelle Garcia, Paris: editora VRIN, 2007. Além disso, há muita metafísica travestida de
forma envergonhada.
17 Feyerabend, Diálogos sobre o conhecimento, 17s.
18 Metafísica, 48-49.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


151

Sobre a tarefa da filosofia, diz Aristóteles:


Patenteia-se então que diz respeito a uma ciência investigar o ser como
ser e os atributos que lhe são inerentes como ser, estando esta mesma
ciência encarregada de investigar, além dos conceitos acima indicados, a
prioridade e a posteridade, o gênero e a espécie, o todo e a parte e todos
os demais conceitos semelhantes.19 (Metafísica 108).
Contra negantes principia non est disputandum. Contra quem
nega os princípios não há o que discutir.20 Com certos homines
academici não vale a pena dialogar. Eu aprendi isso na academia. Galileu
diz que ... temos no nosso século acontecimentos e observações novas
e de tal alcance, que não tenho dúvida de que se Aristóteles vivesse em
nossa época, mudaria de opinião. O que decorre evidentemente de seu
próprio modo de filosofar...21 Galileu diz ainda:
[...] coloco-me no lugar do Sr. Simplício [que representa o defensor do
sistema aristotélico-ptolomaico]... parece-me escutá-lo dizer: “E a quem

Coleção Sociedade, Estado e Educação


se há de recorrer para definir nossas controvérsias, tendo sido afastado
do trono Aristóteles? Que outro autor deve ser seguido nas escolas, nas
academias, nas faculdades? Qual filósofo escreveu sobre todas as partes
da filosofia natural, e tão ordenadamente, sem deixar de lado nem mesmo
uma conclusão particular? Deve-se, portanto, abandonar aquele teto,
sob o qual se protegem tantos viajantes?
Os ateus não são ateus, são crentes de outros deuses,
oniscientes também. O grande engenho do artista é descobrir a estátua
no mármore: como foi que o senhor descobriu esta linda mulher dentro
daquele mármore? Regras de publicação da ABNT e conselhos
editoriais, em geral, não reconhecem essa linguagem própria dos
artistas. Um Xavante rompe a tradição de sacrificar uma criança sem
pai; outra liderança arrisca-se em adotar gêmeos que seriam
sacrificados22 : ambos romperam a cultura e começaram uma nova
prática. O homo academicus segue a procissão. Quando entrei de vez
na academia e vi arrogantes vociferarem um saber apresentado como
único, numa intolerância pré-iluminista, eu pensei: minha contribuição
seria não de caudatário, função já exercida em cerimônias com a

19 Metafísica, 108.
20 Aristóteles, Física I, 2, 185ª 1-3
21 Galileu, Diálogo, 131. Galileu está falando apenas do telescópio e de outras invenções e
descobertas muito simples. Os séculos XVIII e XIX paralisaram muitos intelectuais que empalharam
as teorias e os pensamentos.
22 O Xavante explicou que o mundo é presidido por dois princípios, Bem e Mal, Sol e Lua;
quando nascem gêmeos, um é o bem, outro o mal e, por não saber quem é quem, sacrificam-
se os dois.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


152

presença do bispo, nem de acólito ou tochífero, e sim de celebrante


principal; ou melhor, daquele que da mesma altura de um púlpito,
dialoga, debate com o outro, no outro púlpito, não para vencê-lo, mas
para trocar idéias e para aprender. Quando se deixa o seminário ou o
sacerdócio, o primeiro movimento diante do mundo e da academia é
de vergonha e de submissão para ser aceito pelos outros. Renega-se
tudo para abraçar o novo, que não é nada novo.
Ratio, oratio, operatio et... meditatio. No internato de formação
de padres, desde os onze anos de idade, tínhamos que meditar, pensar,
no silêncio da capela, entre quinze e vinte minutos diários, logo pela
manhã, antes que outros pensamentos nos ocupassem. Havia uma
leitura ou uma pregação para motivar a meditação. Mas, quem ficava
preso àquelas leituras ou sermões? Queria se ensinar sobre o que
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

meditar, mas acabava-se ensinando a pensar, sem que se percebesse


que isso poderia ser perigoso. Depois de terem aprendido o método
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

da reflexão, havia tentativas de atrelar Pegasus ao arado. Impossível!


Lembro-me de um poema de Brecht que termina assim:
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar.23
No debate de grandes paradigmas, arrebentando enormes
correntes, fica-se preso em teias de aranha de ridículas brigas por
pequenos espaços, salas, divisórias, pequenos poderes, que hoje já
não seriam mais micros e sim nanos e podres poderes. Somente aqueles
que estão submetidos a uma alienação burra é que pensam diferente
de mim, pensam eles. O verdadeiro ser é aquele que segue a ontologia
do meu ser, continuam pensando. Para Nietzsche, uns dizem eu quero
enquanto outros se conformam com o eu devo. Estes estão presos à
moral de escravos, moral de rebanho tão difundida pela visão cristã de
mundo, fundada nas bem-aventuranças, enquanto aqueles pautam sua
vida pela luta na busca de se tornarem super-homens. Não passa pela
cabeça dos inquisidores que eu possa utilizar o que me resta de livre
arbítrio para dizer eu quero o dever, numa perspectiva da moral kantiana.
Sim, meu caro, não precisa inflar as veias do pescoço para dizer que o
livre arbítrio não existe e que a existência material produz a consciência
e não vice-versa. Ou que o homem é ele e suas circunstâncias.

23 O poema intitula-se “O vosso tanque General, é um carro forte”.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


153

Eu sei que tais afirmações são historicamente condicionadas,


talvez não determinadas, e utilizadas, muitas vezes histericamente (não
foi erro de digitação, eu escrevi histericamente mesmo e não
historicamente), numa transmutação metafísica do materialismo
histórico dialético. Mas, como ler sem as lentes de sua própria biografia?
Leitores de qualquer ciência são intérpretes e intérpretes são sempre
desonestos, mesmo sem o desejar. Zaratustra não quer discípulos como
aqueles que sempre repetem o seu mestre. Pensar por si é o mesmo
que tirar aspas. Não se pode esquecer, contudo, que a linguagem
científica exige aspas e citações aqui e ali. Costuma-se até dizer que
quando se copia um só autor pratica-se plágio, mas quando muitos
são copiados, num seleciona, corta, cola, então se faz uma tese. O
homo academicus tem obrigação de citar os autores que tenham
autoridade. Aquele que não tira as aspas não pensa por si.24
Eu fico feliz em saber que a minha formação escolástica me
deu uma visão historicista e que o materialismo histórico pode ter

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levado outros à metafísica. Talvez eu tenha aprendido na meditatio o
célebre sic transiit gloria mundi que pode ser bem casado com o porro
unum necessarium est. E isto tenha me levado à essência da história: o
devir heraclitiano. Parece ser contraditório dizer essência da história,
por querer juntar a metafísica e o devir. Eu quis ser contraditório, já o
declaro, antes que chamem novamente a atenção para a minha
heterodoxia ou ecletismo.
Nos retiros e exercícios espirituais que duravam entre um dia,
três dias e uma semana no silêncio, na meditação e na oração, numa
despreocupação em relação à materialidade cotidiana da existência, o
retiro era o êxtase, o orgasmo da mente na busca de si mesma e das
verdades eternas; projetados para conseguir mentes e corpos dóceis,
como diria Foucault, como ninguém controla a mente, nem a sua nem
a dos outros, o retiro servia também para conhecer-se a si mesmo,
para a aprendizagem do questionamento e da resistência. Depois de
retiros como esses, freqüentemente, garotos, adolescentes e jovens
resolviam deixar o seminário.
Que todos os acadêmicos que se enxergam como detentores
de um único saber, permitido e possível, não menosprezem aqueles
que foram forjados nos cadinhos dos internatos, criando lá dentro
hábitos intelectuais na leitura e interpretação dos clássicos gregos, ou
latinos, na tradução da Catilinárias, das obras de Júlio César ou de

24 Galileu, Diálogo, 55..

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


154

Virgílio; adolescentes e jovens que, no silêncio dos corredores


conventuais, se debruçaram sobre uma filosofia escolástica ensinada
e aprendida em latim, no manual do Di Napoli ou em outros manuais;
que leram o mundo pela tradição judaico-cristã, num conhecimento
dos dramas humanos nos livros bíblicos.
Por que até hoje relutei em apresentar meus scripta? Não foi o
egoísmo, de que me acusou um colega, mesmo que eu compreenda
sua intenção positiva de motivar-me. Foi medo, covardia e falsa
modéstia. Eu não queria me expor. Eu queria estudar, escrever para
mim e para partilhar com meus alunos. Eles sim foram os grandes
beneficiários do meu labor intelectual. Eu tenho muita produção e
pouca publicação, e como a CAPES não pode ver a memória do meu
computador.
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É possível atingir a physis (natureza) das coisas; ou não se


consegue superar o nomos, convenção humana? Para Protágoras de
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Abdera, o homem é a medida de todas as coisas. Desde lá, a tradição


ocidental se debate entre a possibilidade e a impossibilidade do
conhecimento objetivo. Há “Protágoras contemporâneos” que
resolveram bem o problema: eu sou a medida de todas as coisas. Os
outros não têm bom senso, eu tenho; os outros não são racionais, eu
sou. Há alguns demônios no caldeirão das maldades que precisam ser
imediatamente exorcizados por aquele que quiser ser um bom educador:
o positivismo, o pragmatismo, o escolanovismo, o construtivismo, foi
o que aprendi logo, na academia. Mas o diabo não é assim tão feio. O
positivismo, em muitos aspectos, superou a metafísica. Mas, a
metafísica também tinha coisas muito boas.
O pragmatismo faz a nós da academia ver as coisas também
pela sua utilidade. Nós que estamos no mundo da estratosfera de
discussões teóricas talvez devêssemos conversar com os colegas das
áreas da saúde e das tecnologias, aqueles que vivem na casa de Salomão
da Nova Atlântida de Bacon. Só porque as ciências humanas foram
expulsas da Casa de Salomão, vamos excluir a Casa de Salomão das
ciências humanas? Quando leio Lições de coisas numa defesa do método
intuitivo de Calkins, traduzido por Rui Barbosa em 1886, ou quando
leio Dewey, Piaget, Vygotsky, Freinet etc, no século XX, nem por isso
preciso abandonar Tomás de Aquino, a Didática Magna, o Ratio
Studiorum ou o Herbart do método tradicional dos cinco passos.
Para aqueles que não sabem ler o sentido das críticas do
escolanovismo de Escola e Democracia eu lembro que, em 2002, na
comemoração dos 70 anos do manifesto dos pioneiros, Saviani disse
que sua fala naquele texto tinha sentido político: o sentido da curvatura

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


155

da vara25 , em que ele puxava a interpretação para um lado, com exagero,


para se readquirir o equilíbrio; equilíbrio que foi perdido, pendendo-se
para o outro lado. Quando se parte para o debate, a resposta que se
ouve é a seguinte: o perigo é a filosofia que está na base dessas teorias.
Isso quer dizer que só você sabe ler filosofia? Os outros não? Vamos
admitir que haja pessoas, que não sejam ingênuas26 , mas que façam
outras escolhas. A não ser que você queira convencê-las de sua verdade.
Então você não estará mais fazendo ciência e sim pregação, será retórica.
Para se construir algo novo, para a Grande Instauração, começa-se
pela pars destruens. Operação desmanche dos preconceitos. Só depois
a pars construens. Um coxo, no caminho certo, chega antes que um
corredor extraviado, e o mais hábil e veloz, correndo fora do caminho,
mais se afasta de sua meta27 . Para ter essa capacidade de diálogo eu
precisaria, pelo menos, ser baconiano, superando os preconceitos que
ele chama de idola tribus, idola specus, idola fori e idola theatri.
Geralmente são pré-noções de quem leu um livro só. Para aqueles que

Coleção Sociedade, Estado e Educação


se alimentam do debate sobre a supremacia das ciências teóricas ou
das práticas, Bacon lembra que Minerva precisa de Vulcano; Vulcano
precisa de Minerva.28 Na Universidade onde trabalho a disputa se dá
entre os aquém-lago, das ciências humanas e os além-lago, das ciências
tecnológicas e da saúde.

25 Que, num rompante de arrogância, um professor muito bem informado, ironizou um colega
que atribuía a expressão a Saviani, dizendo: Essa expressão é do Lênin e não do Saviani.
Primeiro, meu caro professor, a fonte última que conhecemos dessa expressão não é Lênin, mas
um ditado Chinês. Segundo, quem nos garante a certeza em relação ao primeiro que pronun-
ciou tal ditado? Navegar é preciso, viver não é preciso. É uma música de Caetano Veloso! Oh,
seu ignorante, essa frase é de Camões ou de Fernando Pessoa?! Não, meu caro bem informa-
do: segundo Plutarco, em Vida de Pompeu, foi o General romano (106-48 a.C.) quem disse aos
seus marinheiros, que, amedrontados se recusavam a viajar durante a guerra, que Navigare
necesse, vivere non necesse est. E o Auri sacra fames? Foi o padre Vieira, ou foi Virgílio, em
Eneida, ou o próprio Enéias? [p.54 “Oh, maldita fome de ouro”, diz Virgílio ao comentar a
atitude do rei da Trácia que mata Polidoro, outro filho de Príamo, para apoderar-se do seu
ouro]. Ou foi o Pai de Virgílio, Anquises, filho de uma deusa, quem ensinou isto a Enéias? E a
expressão A verdade é filha do tempo e não da autoridade, atribuída a Galileu, que havia sido
dita antes por Bacon, mas que, na verdade já é conhecida no autor de Noctes Atticae, Aulio
Gelio (Aulus Gelius, 120-180 d.C). Eu poderia aumentar esta lista mas me contento em finalizar
por aqui, lembrando que são ridículos aqueles que corrigem seus colegas, mesmo tendo eles
mesmos pouca cultura.
26 O script diz que agora você deve me chamar de eclético, havia se esquecido? Há um bom e
um mau ecletismo; mas não vamos discutir isto, pois este capítulo não teria fim. Para quem teve
formação em internato e aprendeu o que é coerência e o que é hipocrisia, há também um
ecletismo entre o dizer e o fazer.
27 Bacon, Novum Organum, 30 – LXI.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


156

Para os cultores do purismo metodológico, Bacon antecipa Feyeraband


ao dizer que todas as descobertas, dignas de serem consideradas como
mais nobres, quando bem examinadas, não poderão ser tomadas como o
resultado do desenvolvimento gradual e da extensão, mas do acaso. E
nada há que possa substituí-lo, pois o acaso só atua a longos intervalos,
através dos séculos, e não intervém na descoberta das formas.29
Atalanta era filha de um rei de Ciros, célebre pela sua rapidez e
que disse se casar-se com quem a vencesse em uma corrida, porque
assim, ela mesma poderia decidir sobre o casamento. Hipômenes,
com auxílio de uma deusa, conseguiu sucesso jogando pomos de ouro
para trás, sempre que Atalanta estava prestes a alcançá-lo. Movida
pela ambição, ela sempre se voltava para apanhar o ouro, deixando
escapar a vitória, sendo obrigada a casar-se com o pretendente, muito
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feio e sem jeito. Embora não sejam de ouro, esses pomos se parecem
com os estafantes relatórios que mais servem para impedir o
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pesquisador de correr em frente. A academia, às vezes, é semelhante


à nau dos loucos que, além de confinados pela sociedade para
discussões inúteis, desgastam-se fazendo relatórios. René Magritte
tem duas imagens que me fascinam: numa há um ovo grande, do
tamanho da gaiola, preso dentro dela. Diante dela, eu me pergunto: a
verdade há de caber dentro do meu ovo? Em outra obra há um artista
em seu ateliê olhando para um ovo, como modelo, e pintando um belo
pássaro. Como isso se parece com a imagem do educador! Daquele
que está preso nas suas teorias e daquele que é livre e projeta o futuro.
A academia na UTI. Não é de hoje. Quem é esse homo academicus?30
Em relação a Bacon, diz o historiador:
Quanto à sua vida pessoal, o historiador da filosofia Pierre-Maxime
Schuhl declara: “Bacon não foi um desses grandes homens dos quais se
podem admirar o pensamento e a atividade”. Sua existência teria sido a
de um cortesão adulador, intrigante, versátil e pronto a sacrificar fosse
quem fosse para alcançar melhores posições.31

28 Bacon, Novum Organum, 100, livro II, VII.


29 Bacon, Novum Organum, livro II, 151, XXXI.
30 Eu participei da banca de defesa de mestrado de Priscilla de Cássia Bessi de Mattos que
apresentou, em 2006, um trabalho intitulado: Universidade: formação de intelectuais acadê-
micos? A autora, com a orientação de Ester Buffa, utilizou conceitos de Gramsci e, principal-
mente, Bourdieu. Boa leitura para quem estuda a temática. Pode-se ter acesso a ela pelo
banco virtual de teses e dissertações da Biblioteca Comunitária da UFSCar.
31 José Aluysio Reis de Andrade, na introdução de Bacon, na coleção Os pensadores, VI.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


157

O Conde de Essex, protetor de Bacon, faz-lhe doação de um


belo solar e um parque em Twickenham, às margens do Tamisa.
Quando o Conde de Essex cai em desgraça diante da Rainha Elizabeth,
o próprio Bacon é encarregado de fazer a acusação de traição: o conde
foi executado em 1601. Um homem honesto prefere Deus a seu Rei,
seu Rei a seu amigo. Nos altares do CNPQ, Capes, Qualis, Lattes são
oferecidos amigos e benfeitores, sem que haja cordeiros ou corsas
para salvá-los como nos casos de Isaac ou de Ifigênia em Aulis. Quando
o tamanho do homo academicus é calculado pelos seus scripta, pode-
se pensar: há aqueles cujas publicações transbordam do seu grande
labor intelectual e de sua inteligência; há outros, cujas publicações,
com temas sempre repetidos, poluem as revistas e livros de todos os
seus amigos ou dependentes, orientandos ou ex-orientandos; há
aqueles, cujo labor intelectual e compromisso institucional são intensos,
mas são parcimoniosos nas publicações. Os últimos talvez devam

Coleção Sociedade, Estado e Educação


mudar de atitude: publicar suas produções. Fica claro aqui que produção
não se reduz ao que foi publicado. Há outras formas de fazê-la reverter
em benefício direto dos seus alunos. Para Bacon, saber é poder no
sentido do domínio da natureza. Na academia, é o saber expresso no
qualis das publicações que adquire ares de poder, mesmo que não
sejam avaliadas suas qualidades ou suas repetições enfadonhas, num
tom monocórdio de quem sabe falar uma coisa só, como aquele doido
que diz: foste a Punta del Leste? Não? Então não temos o que conversar.
Gramsci afirma que seria útil possuir a lista completa das Academias e
das outras organizações culturais hoje existentes, bem como dos assuntos
tratados em seus trabalhos e publicados em seus anais: em grande parte
trata-se de cemitérios de cultura.32 Quando você foi comprar o seu
carro ou seu aparelho eletrônico já pediu selo de identidade para saber
se fora fabricado no modelo fordista ou taylorista? Ou você procurou
aquele de preço mais baixo que talvez possa ter sido fabricado com
trabalho escravo? Neste texto eu estava a fim de tirar aspas. Mas não
o fiz para satisfazer a todos aqueles que gostam de argumentos de
autoridade.

Há uma Academia com aspas: vive-se de citações


Academia nota de rodapé: intermináveis reuniões para discutir picuinhas
Academia título falso: não representa o texto
Academia dos anexos: esquece-se do principal

32 Gramsci, Os intelectuais e a organização da cultura, p. 75, Trad. Paolo Nosella, apresentado


na XII Reunião da ANPEd, 1989.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


158

Academia notas bibliográficas: tudo o que não se leu


Academia abstract: em resumo, ela precisaria ser outra.
Com a metafísica perdeu-se um saber que estava na imaginação
dos mitos; com a ciência perdeu-se um saber que estava no raciocínio
metafísico; como reencontrar a imaginação, o raciocínio, num saber
científico que se alia à técnica para melhorar nossa vida?
Um aluno me disse que seu projeto de pesquisa não fora
aprovado porque tinha um viés positivista. Ser positivista é crime
intelectual? Do Novum organum de Bacon ao Curso de filosofia positiva
de Comte não existe aquilo que, muitas vezes, se ensina na Academia:
um empirismo burro, desconectado da teoria. “...para entregar-se à
observação, nosso espírito necessita de uma teoria qualquer. Se, ao
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contemplar os fenômenos, não os relacionássemos imediatamente a


alguns princípios, não somente nos seria impossível combinar essas
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observações isoladas, e, por conseguinte, extrair delas algum resultado,


mas seríamos mesmo inteiramente incapazes de retê-las; e, na maioria
das vezes, os fatos ficariam despercebidos sob nossos olhos.” (CPP. V.
I, p. 5 In: Cientistas Sociais 75).
Comte completa esse pensamento dizendo que uma pedreira
não é um edifício. Embora não se deva esquecer que a concepção de
história de Comte seja linear, progressiva e ascendente, e que sua
explicação da realidade social se dê em termos de ordem e progresso e
de normal e patológico, e que tenha pretendido instituir sua religião da
humanidade, isto não o desqualifica por completo. Os que assim o
fazem jogam fora uma parte do saber acumulado da humanidade.
Para Comte, a escola Politécnica de Paris, na qual ingressou, em 1814,
aos 16 anos de idade, é a comunidade científica de verdade que deveria
servir de modelo a toda educação superior; talvez fosse a realização
da Casa de Salomão, da utópica Nova Atlântida de Bacon, a reunião
dos sábios da era industrial. Na segunda lição do curso de filosofia
positiva, Comte comenta que, para Condorcet, quando o marinheiro
se preserva de um naufrágio pela exata observação da longitude deve
sua vida, dos seus companheiros e da embarcação a uma teoria
conhecida dois mil anos antes, por homens de gênio que tinham em
vista simples especulações geométricas. Parece ser importante que o
intelectual saiba fazer uma leitura historicizada dos autores que foram
importantes no seu tempo, num determinado estágio da história do
conhecimento e que depois foram superados, mesmo e, sobretudo,
se isso tiver acontecido num processo dialético, em que há incorporação-
negação-superação.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


159

Para quem diz que na vida o que importa é o como, lembramos


a importância dos porquês e dos para onde. Mas para aqueles que
insistem em ficar nos porquês e nos para onde, lembramos que o
como também é fundamental. Óbvio, em latim, quer dizer a única via,
clara, sem dúvida. Educar é “desobviar”. Assim como não é óbvio que
a mulher seja inferior ao homem, também não é óbvio que tudo o que
acontece no mundo atual, inclusive aquela folha que cai da árvore, seja
fruto do neoliberalismo.33 O caminho mais curto entre dois pontos é
uma linha reta, isto é óbvio! Não, diante de obstáculos, o caminho
mais curto pode ser uma curva. Educar é alargar mentes e não encurtá-
las na explicação única; às vezes eu escuto educadores falando e me
confundo com o carioquês que pela Rede Globo tornou-se português
na expressão do com certeza, num flagrante confronto com Sócrates,
Montaigne, Descartes, Nietzsche, só para falar de alguns. Como é
bom ser filósofo de carteirinha e amante da sabedoria, no sentido

Coleção Sociedade, Estado e Educação


socrático do início do diálogo Teeteto, em que Platão define a maiêutica,
o que faz do intelectual um aprendiz humilde e não convencido de ser
o dono da verdade. Como é bela aquela antiga imagem do preto velho
com um cachimbo, que neste artigo me faz lembrar que alguns têm
um cachimbo só. Se Magritte lhes disser ceci n´est pas une pipe,
ficarão perdidos.34
O meu grande propósito não é provar que era eu quem tinha
razão, mas de verificar se tinha... Tirem o pano do telescópio, e apontem
para o Sol. (Vida de Galileu, 136). O iconoclasta Galileu: Por que ele
põe a Terra no centro do universo? Para que o trono de Pedro possa ficar
no centro da Terra. (Vida de Galileu, 120)
Sagredo 35 : Galileu, vejo você num caminho terrível. É uma noite
desgraçada a noite em que o homem vê a verdade. É de cegueira o
momento em que ele acredita na razão da espécie humana. Quando
dizemos que alguém caminha lucidamente? Quando se trata de alguém
que caminha para a desgraça. Os poderosos não podem deixar solto
alguém que saiba a verdade, mesmo que seja sobre as estrelas mais

33 Na verdade trata-se apenas de uma profissão de fé, de uma substituição da doutrina cristã que
diz que tudo é fruto da providência divina. Eu lembro sempre aos alunos que há mundo além
das críticas ao neoliberalismo, ao taylorismo, fordismo, toyotismo etc.
34 Se disserem que sou surrealista, eu ficarei feliz na companhia de Dali, Picasso, Magritte,
Degas, Monet, Manet, Van Gogh, embora, é claro, não mereça tal honra. Não há conhecimen-
to no surrealismo? Ah, sim, o conhecimento está no seu texto insosso, repetitivo, auto-elogioso,
dentro das regras da academia?
35 Lembrando que ele representa Copérnico neste diálogo.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


160

distantes! Você acha que o Papa vai ouvir a sua verdade, quando você
disser que ele errou, e que não vão ouvir que ele errou? Você acha
simplesmente que ele abre o diário e escreve uma nota: 10 de janeiro de
1610 – aboliu-se o céu?... Não vá para Florença, Galileu! (Vida de
Galileu, 85)
Texto muito belo que pode levar à tentação de dizer a todos que
só eu tenho razão, mesmo que me chamem de louco. Talvez eu esteja
mais para Papa do que para Galileu.
Ouço o barulho do mar
Não ouço cada onda que se quebra na praia;
Mas sem essa onda
Não haverá barulho do mar.36
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Na Academia há o risco de matar o diálogo nas dicotomias,


em que cada um pega em suas armas e não há avanços, só mortes.
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Para Harvey, por exemplo, junto com a pós-modernidade aceita-se o


efêmero, o descontínuo, o fragmentário e o caótico. Na lista de
oposições estão:
Diferença x Uniformidade
Fluxo x Unidade
Arranjos flexíveis x Sistema
Nômade x Sedentário
Caleidoscópio x Sistema explicativo
Holismo x Individualismo
Homo sociológicus x Homo Zappiens
Parte x Todo
Ao academicus dichotomicus o homo ecclesiasticus lembra que
affirmatio unius non est negatio alterius.37 In rebus alicuius momenti ab
Aristote non recedat38. Em lugar e momento algum deixarás de aceitar
Aristóteles. Não aceitarás outro. Todos os outros oferecem os frutos
proibidos do Jardim do Éden. Se fizeres isso, comerás o pão com o
suor do teu rosto. Não terás financiamentos, não serás convidado...
Quem substituiu Aristóteles?
Virgílio e Dante, com o Lattes debaixo do braço, desceram aos
infernos; no céu não havia lugar para o Lattes, até porque o próprio

36Baseado em Leibniz que constata a importância do estudo do particular, do fenômeno.


37 A afirmação de alguma coisa não é necessariamente a negação de outra. Quem afirma a
parte não está necessariamente negando o todo. Quem estuda o fenômeno não recusa ipso
facto a grande explicação baseada na grande teoria. Na boca de alguns, “fenomenologia” é um
xingamento.
38 Regras dos Jesuítas em Diálogos, 22.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


161

São Pedro já se encarregara de anotar tudo num caderninho.


Há um bronzeamento intelectual, fruto de investimentos prolongados
no cultivar-se; e há a coleção de rótulos de bronzeadores que podem
ser colocados no Lattes, sem ter sido incorporados na própria pele
como capital cultural, como diria Bourdieu.
Tardiamente conheci o mundo bororo da Universidade Pública39 ;
talvez por isso possa vê-la melhor do que aqueles que nela nasceram
ou cresceram. De tudo, absolutamente tudo, eu tenho uma pré-
compreensão perfeita: até aquela folha que cai da árvore, eu a explico
pelo meu instrumento de uma nota só do neoliberalismo: neoliberalismo
é a base do capitalismo desenfreado que busca o lucro a qualquer
custo, mesmo que seja poluindo o mundo e provocando o aquecimento
global, que altera o ritmo da natureza e que faz a folha cair...40 É a
mesma atitude religiosa daquele que acredita que nenhum fio de cabelo
cairá de vossa cabeça sem que o Pai do Céu assim o queira. Marxismo

Coleção Sociedade, Estado e Educação


e escolástica: se o marxismo for ensinado de forma escolástica, os
alunos aprenderão marxismo ou escolástica? Se a escolástica for
ensinada de forma dialética, os alunos aprenderão escolástica ou
marxismo? Na função de magister ainda ecclesiasticus, ao lecionar, no
início de minha carreira, para futuros eclesiásticos, eu estudei, no
seminário, com eles, Perspectivas Sociológicas de Peter Berger, onde
se pode ler:
Destacamos neste capítulo alguns elementos do pensamento sociológico
que nos proporcionam uma imagem da sociedade atuando no homem,
ampliando nossa anterior perspectiva do homem atuando na sociedade.
Neste ponto, nossa imagem da sociedade como uma enorme prisão já
não parece satisfatória, a menos que lhe acrescentemos o detalhe de
grupos de prisioneiros ocupados ativamente em manter suas paredes
[do cárcere] intactas. Nosso encarceramento na sociedade já nos parece
algo criado tanto por nós próprios quanto pela operação de forças externas.
Uma imagem mais adequada da realidade social seria agora a de um

39 Na década de 1930 Claude Lévi-Strauss conhece o mundo dos índios Bororo e por causa disso,
ao voltar para Paris pode dizer que conhece melhor o seu próprio mundo.
40 A teoria marxista de que o trabalho explica a realidade estaria superada? A nova explicação
estaria fundamentada no conhecimento? Quando você estiver numa maca, num corredor de
hospital, suplicará por um médico crítico ou por um médico competente? E quem diz isto não
é alguém que despreze o compromisso político, muito menos a capacidade crítica. Mas é
alguém que também critica aqueles que descartam tudo aquilo que seja formação para
habilidades e competências, que os profissionais precisam ter. São questões que esquentam os
debates nas ciências sociais e na educação.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


162

teatro de fantoches, com a cortina se levantando e revelando as marionetes


saltando nas extremidades de seus fios invisíveis, representando
animadamente os pequenos papéis que lhe foram atribuídos na
tragicomédia a ser encenada.41
E, mais adiante, continua, na perspectiva do interacionismo
simbólico:
Ainda assim, porém, os atores têm opções – representar seus papéis com
entusiasmo ou má vontade, representar com convicção interior ou com
“distanciamento” e, às vezes, recusar absolutamente a representar. O
exame da sociedade segundo este modelo teatral altera profundamente
nossa perspectiva sociológica geral. A realidade social parece estar agora
precariamente pousada na cooperação de muitos atores individuais – ou
talvez uma metáfora melhor seria a de acrobatas executando perigosos
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

números de equilibrismo e sustentando juntos a oscilante estrutura do


mundo social.42
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Segundo Berger, os processos de controle social, socialização


e legitimação conduzem o indivíduo a desejar exatamente aquilo que a
sociedade exige dele. Quase que numa síndrome de Estocolmo, o
indivíduo ama o seu algoz. Ou como diz Raduan Nassar, em Lavoura
Arcaica:
Não se pode esperar de um prisioneiro que sirva de boa vontade na casa
do carcereiro; da mesma forma, pai, de quem amputamos os membros,
seria absurdo exigir um abraço de afeto; maior despropósito que isso só
mesmo a vileza do aleijão que, na falta das mãos, recorre aos pés para
aplaudir o seu algoz; age quem sabe com a paciência proverbial do boi:
além do peso da canga, pede que lhe apertem o pescoço entre os canzis.
Fica mais feio o feio que consente o belo...43
As paredes do cárcere em que vivemos são construídas e
mantidas por nós ou com nossa conivência. E quando cavamos sete
anos para fugir de um cárcere, como o padre Faria, na novela de
Alexandre Dumas, caímos dentro da cela do Conde de Monte Cristo.
Cavando juntos ou utilizando todos os ardis para fugir do Castelo de
If, cair no mar e conquistar a liberdade, um, pelo menos, salvou-se.
Não foi o ecclesiasticus, mas já valeu a pena. Isto não é um artigo. É
um conjunto mais ou menos encadeado de reflexões de quem, depois
de muito resistir, aceitou jogar com as regras nas mãos, com a
consciência clara de ter entrado num palco para desempenhar o script

41 Perspectivas sociológicas, 135-136.


42 Idem, 153-154.
43 Lavoura Arcaica, 164.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


163

do momento. O Fausto é bem vivo para mim. Não vendo minha alma
à santíssima trindade do qualis lattes capes. Preciso inverter o jogo de
marionettes e fazer a trindade jogar no meu time. Apesar disso, eu me
pergunto: com quantos livros na área de educação tiveram início as
editoras Cortez, Autores Associados, Vozes etc. Saviani, com História
das idéias pedagógicas no Brasil, publicou recentemente o 300º título
do catálogo da Autores Associados. Mas houve um primeiro, que não
estaria na lista qualis. Quem quer publicar hoje numa editora ou num
periódico desqualisficados?
Quem não conseguir conviver com muita idiotice poderá seguir
a receita de Antoine, personagem de Martin Page, em Como me tornei
estúpido, editado pela Rocco em 2005. Cansado de levar uma vida
politicamente correta, o personagem procura de todas as maneiras
tornar-se uma pessoa comum, igualzinha àquelas que não são críticas
e conseguem divertir-se num domingo comendo pipoca e tomando
coca-cola numa sessão da tarde de Homem Aranha, precedido de

Coleção Sociedade, Estado e Educação


anúncios de filmes da Xuxa ou do Didi, ou no sofá de casa assistindo
ao Faustão. Mas, se você não conseguir voltar à caverna de Platão,
para contemplar as sombras, azar seu, meu caro, vai continuar
sofrendo. Este ensaio em aforismos e desaforismos não tem conclusão
para que você ou eu possamos continuá-lo, pois se eu tivesse certezas
não escreveria ensaios mas soluções.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. e notas Edson Bini. Bauru, SP: EDIPRO,


2006.
BACON, Francis. Novum organum e Nova Atlântida. 2ª ed. Coleção
Os pensadores. Trad. e notas José Aluysio Reis de Andrade. São Pau-
lo: Abril Cultural, 1979.
BERGER, Peter L. Perspectivas sociológicas: uma visão humanista. 5ª
ed. Trad. Donaldson M. Garsehagen. Petrópolis: Vozes, 1980.
BOURDEIU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia
clínica do campo científico. Trad. Denice Barbara Catani. São Paulo:
Editora UNESP, 2004.
BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. 8ª ed. Seleção, organiza-
ção, introdução e notas de Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani.
Petrópolis: Vozes, 1998.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


164

FEYERABEND. Diálogos sobre o conhecimento. Trad. e notas Gita K.


Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2001.
GALILEI, Galileu. Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo
Ptolomaico & Copernicano. 2 ed. Trad. introd. e notas Pablo Rubén
Mariconda.São Paulo: Discurso Oficial e Imprensa Oficial, 2004.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Cartas Persas. Trad. e apre-
sentação Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Paulicéia, 1991.
NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. 3ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo
a Kant. Vol. II. São Paulo: Paulus, 1990.
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

VERGILIO. Eneida. 5ª ed. Trad. e notas Tassilo Orpheu Spalding. São


Paulo: Cultrix, 2004.
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


A CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE BOLIVARIANA E O
PROCESSO POLÍTICO NA VENEZUELA

Maria Lucia Frizon Rizzotto

INTRODUÇÃO

A Venezuela vive um momento de sua história em que se


processam profundas mudanças no âmbito econômico, político e social,
que podem ter repercussões em outros países da América Latina. Nesse

Coleção Sociedade, Estado e Educação


sentido, o processo venezuelano merece ser estudado tanto pelos
aspectos inovadores que apresenta, como pelo seu papel na atual
conjuntura da região, em que cerca de 70% da população está sob
governos vinculados a uma orientação de esquerda ou de centro
esquerda. Essa configuração política não é fruto do acaso, mas em
grande medida é, contraditoriamente, resultado da implementação das
reformas neoliberais, colocadas em prática, indistintamente, nos vários
países latino-americanos a partir da década de 1980. Essas reformas,
cuja ênfase se deu no campo econômico e das políticas sociais,
trouxeram como conseqüência mediata o empobrecimento brutal da
população e o aumento das desigualdades sociais intra e entre países.
Se por um lado as políticas neoliberais alcançaram seus objetivos
em manter o processo de transferência de riqueza para os países de
capitalismo avançado, de outro fizeram emergir movimentos
contestatórios que dão evidência às mazelas que essa transferência
provoca e buscam dar outra direção política aos governos de inúmeros
países da América Latina. Talvez o resultado mais visível desse processo,
no campo político, seja o surgimento de um nacionalismo de base
popular, que se propõe solucionar os graves problemas internos
presentes nos países dessa região, os quais decorrem da histórica
exclusão de grandes contingentes populacionais dos benefícios da
riqueza produzida. Para isso os governos nacionalistas que emergiram
nos anos recentes em países latino-americanos entendem ser necessário
promover a integração dos países da região, formando um bloco mais
consistente, com capacidade de romper com a atual forma dependente
de inserção na dinâmica capitalista mundial.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


166

Nesse contexto é que se insere a “Revolução Bolivariana da


Venezuela”, cujas raízes são bem anteriores à eleição de Hugo Chávez
para a Presidência da República, que ocorreu em dezembro de 1998.
Neste trabalho, não pretendemos dar conta desse processo, apenas
abordar alguns aspectos históricos e conjunturais que ajudam a
compreender tanto a emergência do projeto bolivariano, como as razões
que levaram à criação da Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV),
mostrando como o processo de formação, nessa universidade, se
articula com a implementação do referido projeto. Trata-se de uma
pesquisa exploratória, que teve como fonte documentos, entrevistas e
observação in loco, além de revisão de literatura em autores que
analisam o atual processo político venezuelano.
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ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO ATUAL PROCESSO POLÍTICO


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VENEZUELANO

De início, um fato que merece destaque na história da Venezuela,


diferente da experiência brasileira, diz respeito ao seu processo de
emancipação política. Lá, a independência não resultou de um acordo
de cavalheiros entre os colonizadores e a elite local, em que
praticamente nenhuma mudança substantiva iria ocorrer em relação a
quem governaria o país no período seguinte. Ao contrário, a
independência venezuelana foi conseqüência de intensas lutas e de
uma guerra civil que durou dez anos (1811 – 1821), cujos objetivos
não se limitavam a libertação das atuais fronteiras da Venezuela, mas
expandiam-se para outras colônias espanholas com o intuito de construir
uma grande pátria livre, a Gran Colômbia, hoje constituída pelos limites
geográficos da Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá. Simón Bolívar,
principal figura histórica da independência da Venezuela, entendia que
a liberdade de seu país só se consolidaria se todos os países do
continente fossem livres e houvesse uma integração entre eles,
constituindo uma grande nação, soberana, capaz de enfrentar de forma
conjunta as ameaças externas e inventar alternativas para resolver os
problemas internos.
Embora nunca esquecidos, figuras como Simón Bolívar e Simón
Rodrigues, seu mestre e conselheiro, são recolocadas, cotidianamente,
na cena política do país; recuperam-se princípios, visões de mundo,
de homem e de sociedade, revelando um particular projeto de república
que também agora não se restringe à nação venezuelana, mas pretende

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


167

envolver outros povos da América Latina. Esses objetivos, identificados


na defesa da soberania nacional e na integração latino-americana,
ajudam a dar conformação ao atual projeto político venezuelano. As
raízes do projeto bolivariano podem ser buscadas no campo político,
mas é na esfera econômica que se encontram as explicações mais
consistentes.
A economia venezuelana, desde o século XVIII, assumiu uma
característica extrativista, primeiro produzindo e exportando cacau;
no século XIX, expandiu para a produção de café e, a partir do início
do século XX, até os dias atuais, o petróleo tornou-se o principal artigo
de exportação. Desde 1925, quando o petróleo se converteu no
primeiro produto de exportação do país, até 1986, quando caíram os
preços pela primeira vez, o crescimento do psís foi quase constante.
(Bergquist apud Ellner, 2003: 20). Particularmente a partir da década
de 1960, com a instauração do regime democrático, a Venezuela
“comenzó un proyecto de 40 años diseñado para construir una serie

Coleção Sociedade, Estado e Educação


de instituciones y establecer prácticas para cambiar la economía de
extracción de origen hispánico y reemplazar la débil infraestructura
institucional heredada del pasado”.1 (Lombardi, 2003: 14).
Nos anos de 1970, com os altos recursos do petróleo foi possível
financiar benefícios, obviamente que diferenciados, para todas as
classes sociais, por meio de subsídios, baixos impostos, controle de
preços, serviços públicos como educação e saúde e um generoso
sistema de seguridade social. Nesse mesmo processo, a economia
petroleira, “debilitó a la oligarquía, al campesinado y a la clase obrera,
y les impidió construir sus propias organizaciones políticas...”.2 Além
disso, segundo Ellner (2003: 21/26), “los ingresos derivados del crudo
incidieron en el surgimiento de una burocracia altamente improductiva”.3
Tal burocracia ainda hoje hegemoniza as relações nas instituições
públicas daquele país e em grande medida gerencia o estado
venezuelano, perpetuando os mesmos vícios e práticas de corrupção
e clientelismo, o que evidencia que a estrutura do velho estado burguês
permanece quase intacta apesar das mudanças ocorridas no campo
político e social.

1 Começou um projeto de 40 anos desenhado para construir uma série de instituições e estabe-
lecer práticas para mudar a economia de extração de origem hispânica e substituir a débil
infraestrutura institucional herdada do passado. (tradução livre).
2 Debilitou a oligarquia, o campesinato e a classe trabalhadora, e os impediu de construir suas
próprias organizações políticas. (tradução livre).
3 Os recursos derivados do petróleo fizeram emergir uma burocracia altamente improdutiva.
(tradução livre)

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


168

A bonança experimentada nos anos de 1970 constituiu-se na


culminância de um projeto que associava democracia, nacionalismo
petroleiro e desenvolvimento, o qual teve início em 1958, com a
fundação da mais longa democracia da América Latina, por meio do
denominado Pacto del Punto Fijo, um acordo realizado entre os
principais partidos políticos da Venezuela de então. O referido pacto
“estableció los términos para la democracia, incluyendo algunos
substantivos en el campo económico, así como otros procedimientos
para respetar los resultados de las elecciones, consultar a los líderes
de los partidos de oposición y compartir responsabilidades”.4 (Norden,
2003: 128).
Segundo Hellinger (2003), no período inicial de instituição da
democracia, respaldado pelo pacto del punto fijo, a disputa eleitoral
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foi marcada por distinções de classe. De um lado, os setores populares


votavam no partido Ação Democrática (AD), que dominava as
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confederações de trabalhadores e de campesinos, e de outro os setores


conservadores vinculavam-se ao partido cristão COPEI. Com o tempo,
foi se dissipando a estrutura classista das duas principais agremiações
partidárias, os programas foram convergindo e o AD, para facilitar a
sua aceitação por parte da elite, foi moderando suas posições. Desde
então, 1958, até a crise econômica da década de 1990, esses partidos
controlaram a cena política do país sem que houvesse grandes disputas
eleitorais pelo poder do Estado.
Contudo, a estabilidade política se revelou frágil diante da
determinação econômica. Poucos anos de crise econômica fizeram
mudar radicalmente os indicadores sociais do país, levando ao fim do
Pacto del Punto Fijo e colocando em cheque o próprio modelo de
democracia, considerada exemplo para a América Latina.
Se na década de 1970 houve uma melhora substantiva nas
condições de vida da população da Venezuela (em 1978 apenas 10%
da população era considerada pobre), a partir da década de 1980 os
cortes nos gastos sociais e a contensão dos salários, decorrente da
crise, levaram a um aumento inevitável da pobreza. “Entre 1984 a
1995, el porcentaje de la población pobre aumentó de 36% a 66%,
mientras el sector en pobreza extrema aumentó más del triple, de 11%
a 36%”.5 (Evans apud Roberts, 2003: 80).

4Estabeleceu os termos para a democracia, incluindo alguns aspectos no campo econômico,


assim como outros procedimentos para respeitar os resultados das eleições, consultar os líderes
dos partidos de oposição e dividir responsabilidades. (tradução livre).
5 Entre 1984 a 1995, a porcentagem da população pobre aumentou de 36% para 66%,
enquanto o setor em pobreza extrema aumentou o triplo, passando de 11% para 36%.
(tradução livre).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


169

O progressivo empobrecimento de grandes contingentes da


população e o aumento das desigualdades sociais levaram a uma
crescente polarização da sociedade venezuelana, fazendo reaparecer,
de forma muito intensa, a divisão e a luta de classe, que estava
entorpecida pela distribuição de renda dos anos de 1960 e 1970.
Embora em todos os países latino-americanos que aplicaram as
reformas neoliberais nas décadas de 1980 e 1990 tenha ocorrido o
mesmo fenômeno, ou seja, um aumento da pobreza acompanhado de
uma ampliação das desigualdades sociais, não se observou, na maior
parte desses países, mobilizações populares que efetivamente
colocassem em cheque tais reformas; ao contrário, o que se evidenciou
foi um arrefecimento do movimento sindical e dos movimentos sociais
organizados. A Venezuela também enfrentou esse mesmo refluxo e
timidez sindical diante das reformas neoliberais, mas a reação posterior
do povo, principal vítima das reformas neoliberais, não tem nada de
tímida, ao contrário, os setores populares na Venezuela parecem

Coleção Sociedade, Estado e Educação


decididos a mudar radicalmente as relações em que produzem e
reproduzem a sua vida material e espiritual.
Para entender o processo político venezuelano e a emergência
do Projeto Revolucionário Bolivariano, porque inspirado em Simón
Bolívar, precisamos olhar para a história, não como uma seqüência
linear de fatos, mas como resultado das contradições inerentes a cada
complexo societário. Vários autores, entre eles Maya (2005), Ellner
(2003) e Márquez (2003), indicam o denominado viernes negro6 como
o marco de desarticulação do acordo democrático, baseado no pacto
del punto fijo,7 e da própria estrutura societária instaurada a partir
dele. Em 21 de fevereiro de 1983, depois de mais de 25 anos de
estabilidade econômica e política, o então presidente Luis Herrera
Campíns desvalorizou substancialmente o Bolívar, a moeda nacional,
na qual de uma relação de 4,30 Bs/U$ passou para 9,90 Bs/U$. Na
época, foi usada a seguinte frase para sintetizar o estado de ânimo que
esse fato provocou na população em geral: “la fiesta se acabó”.8 Para
Hellinger (2003:52), a desvalorização do Bolívar iniciou uma crise não
só material, mas também ideológica da qual o país ainda não se
recuperou. A partir dessa data, paulatinamente, foi crescendo “… la
proporción de venezolanos que buscaban `cambios radicales’ en vez
de `reformas parciales’ del sistema”.9

6 Sexta-feira negra. (tradução livre).


7 Pacto do ponto fixo. (tradução livre).
8 A festa se acabou. (tradução livre).
9 ... a proporção de venezuelanos que buscavam “mudanças radicais” em vez de ‘reformas
parciais´ do sistema. (tradução livre)

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


170

Depois dessa ocorrência, outro fato que marcou a história da


Venezuela se deu em fevereiro de 1989, quando o então Presidente da
República, Carlos Andrés Pérez, logo após assumir o cargo, anunciou
a negociação do primeiro acordo do país com o FMI. A exemplo do
que fez com outros países latino-americanos, esse organismo
multilateral imputou uma série de políticas restritivas ao gasto público
a serem adotadas no país. Em reação às medidas de ajuste neoliberais
impostas pelo acordo e como sintoma da degradação das condições
de vida, fato que já vinha ocorrendo desde o viernes negro, teve início
um levante popular, que começou em 27 de fevereiro de 1989, em
Caracas, e que se estendeu para várias cidades do país, conhecido
como caracazo. Este levante, que já revelava o nível de agudização das
tensões sociais, teve um saldo de mais de 1.000 mortos e durou até
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19 de março, quando o exército foi chamado para controlar a revolta,


uma vez que as polícias não haviam conseguido. O caracazo ou sacudón,
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como também é chamado o levante pelos venezuelanos, e os distúrbios


que se seguiram ao longo dos anos de 1990 colocaram por terra a
tese da excepcionalidade venezuelana, que via esse país como diferente
de seus vizinhos latino-americanos, quer por uma pretensa maturidade
política, quer pelo fato de ser um grande produtor de petróleo e ter
conseguido, em certo período, instituir uma melhor repartição da renda
em nível nacional. (Ellner, 2003).
A crescente polarização da sociedade venezuelana, que foi se
evidenciando ao longo dos anos de 1990, expressou-se em pelo menos
cinco frentes, entre elas destacamos o crescimento da economia
informal, o ressentimento mútuo entre as classes baixas e os setores
mais privilegiados da sociedade e a emergência de partidos políticos
defensores das classes mais desfavorecidas, rompendo com a tradição
dos partidos multiclassistas que copunham o pacto. (Ellner, 2003).
Nas inúmeras manifestações de protestos e reivindicações, que
ocorreram no período seguinte ao caracazo, ficou cada vez mais
evidente a incapacidade dos sindicatos de defenderem os interesses
dos trabalhadores informais e os partidos políticos de representarem
as camadas populares. Nesse vazio de representação, emergiram novas
forças sociais, entre elas um grupo cívico-militar denominado
Movimento Bolivariano Revolucionário-200 (MBR-200), ao qual se
vinculava Hugo Chávez, articulador do fracassado golpe cívico-militar
de 1992, que o levou à prisão bem como a outros militares rebeldes
que o acompanhavam. (Hellinger, 2003).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


171

Mesmo encarcerado por dois anos (1992-1994), Chávez passou


a simbolizar a possibilidade de mudança para o povo venezuelano que
em 1998, agora pela via democrática, o elegeu presidente da república.
A partir de então, o governo de Hugo Chávez vem buscando
implementar um projeto político que tem como objetivo “refundar a
república” a partir da ampliação da participação do povo nas decisões
políticas, por meio de diversos mecanismos constitucionais como o
referendo e a consulta popular.
Desde o início do Governo Chávez, apesar da debilidade e
desarticulação inicial da oposição, todas as questões, por menores
que fossem transformaram-se em polêmica nacional. Chávez não teve
tréguas, mas também não a deu aos seus adversários; protagonizou
inúmeras e diferenciadas formas de enfrentamento com a oposição,
desde manifestações massivas de rua, tentativa de golpe de Estado,
referendo revocatório, até greve com paralisação completa da produção

Coleção Sociedade, Estado e Educação


de petróleo, sem contar o confronto cotidiano com a mídia, revelando
a luta pela construção de uma nova hegemonia naquele país.
De todos os enfrentamentos que ocorreram entre o governo e
a oposição, um teve como resultado mudanças profundas nos rumos
da política interna do país, trata-se da greve ou paro petrolero, que
ocorreu entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003. Depois de quase
três meses de paralização da produção de petróleo, o governo conseguiu
por fim à greve e assumir o controle efetivo da política petrolera do
país, que até então estava nas mãos dos altos dirigentes da PDVSA
(Petróleos da Venezuela SA), estatal responsável pela exploração do
petróleo naquele país. A partir desse momento, o Governo Chávez
entendeu que teria que agir diferente no campo econômico, político e
social se quisesse dar continuidade ao seu projeto de país. Na área
social, passou a implementar uma série de políticas de caráter massivo,
denominadas de missões, sustentadas financeiramente com recursos
advindos diretamente da PDVSA. Dentre as ações voltadas para a
implementação do projeto bolivariano está a criação da Universidade
Bolivariana da Venezuela, que simbolicamente ocupa o que foi uma
das principais sedes da antiga direção da PDVSA, em Caracas.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


172

A UBV E O PROJETO REVOLUCIONÁRIO BOLIVARIANO

A Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV) foi criada pelo


Decreto Presidencial n.o 2.517 de 18 de julho de 2003, com o intuito
de ser uma “alternativa al sistema educativo tradicional, al tiempo que
da un vuelco a la vinculación de la Universidad con la realidad nacional
y latinoamericana”.10 (UBV, 2007:1). Com a criação da UBV e com a
Missão Sucre, voltada para o ensino superior, o governo pretendeu
dar uma nova direção ao ensino de terceiro grau no país, no sentido
de formar profissionais vinculados com as comunidades,
comprometidos com o projeto de “refundação do estado venezuelano”
e com a reconstrução da “Venezuela bolivariana”. Para isso, seria preciso
formar um novo homem com traços humanísticos, comprometidos e
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

solidários, cuja formação deveria se pautar em um “nuevo modelo


educativo capaz de generar conocimiento pertinente, relevante y creativo
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para realizar aportes significativos a la vida nacional”11 (UBV, 2003: s/


p.).
Tais pressupostos orientaram e ainda orientam a criação/abertura
de cursos de graduação e de pós-graduação na UBV. De início foram
criados dez cursos de graduação, sendo eles: comunicação social,
estudos jurídicos, gestão ambiental, gestão social do desenvolvimento
local, agroecologia, arquitetura, estudos políticos, informação para a
gestão social, gestão em saúde pública e Medicina Integral Comunitária
(MIC).
Observe-se que todos os cursos propostos inicialmente buscam
formar profissionais que possam de alguma forma contribuir para a
implementação do projeto bolivariano, quer seja respondendo a
problemas críticos como o de habitação e saúde (com os cursos de
arquitetura, gestão em saúde pública e Medicina Integral Comunitária);
quer para dar conta de necessidades específicas do novo Estado em
construção (curso de estudos jurídicos); do projeto de desenvolvimento
endógeno12 (curso de gestão ambiental e agroecologia) ou da nova

10 alternativa ao sistema educativo tradicional, ao mesmo tempo em que muda a forma de


vinculação da Universidade com a realidade nacional e latino-americana. (tradução livre).
11 Novo modelo educativo capaz de gerar conhecimento pertinente, relevante e criativo para
contribuir com ações significativas para a vida nacional. (tradução livre).
12 Desenvolvimento endógeno caracteriza-se como um desenvolvimento próprio a partir de,
para e por dentro. Busca criar e consolidar uma estrutura produtiva progressivamente autosuficiente,
que permita atender às necessidades de desenvolvimento social e humano das comunidades em
intercâmbio solidário com outras comunidades, com a nação e com outros países. (Venezuela,
2006: 20).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


173

dinâmica de participação protagônica13 (curso de informação para a


gestão social e comunicação social).
O conjunto de cursos, presentes na sede da UBV, localizada
em Caracas, não se reproduz igualmente em todas as regiões do país.
Pelo próprio entendimento de desenvolvimento endógeno, que prioriza
as potencialidades e necessidades das comunidades locais, a definição
de quais cursos devem ser ofertados depende do planejamento e das
demandas locais, daí a existência de uma política de municipalização
da educação, em todos os níveis, o que não significa a transferência
da responsabilidade de financiamento nem a ausência de uma
articulação nacional. O entendimento do papel do ensino superior no
processo de transformação da sociedade venezuelana é expresso por
um dirigente da UBV nos seguintes termos:
Construir el Poder Popular en nuestra naciente República Bolivariana,
pasa por la refundación de todas las políticas públicas sobre otro propósito;

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en particular la Educación Superior, la cual constituye un instrumento
que posibilita el cambio de mentalidad necesario para rescatar el valor
intrínseco y social de todos y cada uno de los venezolanos.14 (Ruiz, 2006:
1).
De acordo com essa perspectiva, a refundação da República
Venezuelana requer uma nova concepção de política social, que rompa
com o instituído até então e ajude a edificar as bases de um novo
Estado Democrático e Social de Direito e de Justiça. Nesse sentido, a
orientação geral para os desenhos curriculares deve “vincular el
programa con el desarrollo integral del país y por tanto a desarrollar la
identidad del egresado como profesional altamente cualificado,
éticamente responsable y ciudadano comprometido con la consolidación
de nuestra democracia”.15 Tal pressuposto compõe as Bases, Criterios
y Pautas para el diseño curricular de los Programas de Formación de la
UBV de 2003. Portanto, são princípios que orientam a estruturação de
todos os cursos da instituição. (UBV, 2006: 03).
13 O protagonismo é essencialmente a participação política que visa submeter os governantes ao
mandato popular revogatório e proporcionar o autogoverno do povo mediante diversas formas
constitucionais de participação.
14 Construir o Poder Popular em nossa nascente República Bolivariana, passa pela refundação de
todas as políticas públicas sobre outro propósito; em particular a Educação Superior, a qual
constitui um instrumento que possibilita a mudança de mentalidade necessária para resgatar o
valor intrínseco e social de todos e cada um dos venezuelanos. (tradução livre).
15 Vincular o programa com o desenvolvimento integral do país e portanto desenvolver a
identidade do egresso como profissional altamente qualificado, eticamente responsável e cida-
dão comprometido com a consolidação de nossa democracia. (tradução livre).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


174

Justifica-se essa orientação, na formação acadêmica, em face


de que o projeto de país que se pretende construir “requiere una apuesta
a un proyecto educativo pensado para el mediano y largo plazo. Hay
que pensar que los republicanos del mañana, serán los que deben
estar armados ética, técnica y humanísticamente para transformar su
destino y el de la república”.16 (UBV, 2006: 07). Nesse sentido, a
formação a ser desenvolvida na UBV não se pretende neutra, ao
contrário, a vinculação do processo formativo a um determinado projeto
de sociedade é justificado como elemento fundamental para operar as
transformações no campo social e econômico, tendo a “eqüidade” e a
“democratização” da educação superior como “los hilos conductores
del proyecto educativo de la revolución”.17 Era “imposible pensar en
iniciar un nuevo proyecto de país con el modelo educativo de nuestras
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universidades tradicionales”,18 portanto, a UBV “tienen la gran misión


de preparar a la generación de nuevos ciudadanos y nuevas ciudadanas,
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que encarnen el espíritu republicano, contenido en el proyecto de país,


con alto contenido ético y de compromiso social”.19 (UBV, 2006: 04).
Com este entendimento do papel da formação no processo de
transformação da realidade social, “se pretende el desarrollo y la
aplicación del proyecto bolivariano en los contenidos y formas en
consonancia con las transformaciones sociales y económicas que se
producen en la vida de nuestra sociedad”.20 (UBV, 2006: 04).
Nessa perspectiva, os alunos que freqüentam os cursos de
graduação na UBV devem receber, por meio dos programas de ensino
e das práticas pedagógicas, uma formação que contemple não só os
aspectos técnico-científicos, mas sobretudo a dimensão sócio-política
necessária à intervenção e transformação da realidade social. Dessa
forma justifica-se a criação de uma universidade que forme profissionais
comprometidos com o projeto revolucionário em curso naquele país.

16 Requer uma aposta em um projeto educativo pensado para médio e longo prazo. Tem que
pensar que os republicanos de amanhã serão os que devem estar armados ética, técnica e
humanisticamente para transformar seu destino e o da república. (tradução livre).
17 Os fios condutores do projeto educativo da revolução. (tradução livre).
18 Impossível pensar em iniciar um novo projeto de país com o modelo educativo de nossas
universidades tradicionais. (tradução livre).
19 Tem a grande missão de preparar a geração de novos cidadãos e novas cidadãs, que incorpo-
rem o espírito republicano, contido no projeto de país, com alto conteúdo ético e de compro-
misso social. (tradução livre).
20 Se pretende o desenvolvimento e a aplicação do projeto bolivariano nos conteúdos e formas
em consonância com as transformações sociais e econômicas que se produzem na vida de nossa
sociedade. (tradução livre).

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175

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise empírica é possível afirmar que a criação


da UBV se deu a partir de dois elementos distintos. De um lado, o
papel central que a educação tem no projeto bolivariano, e de outro,
as dificuldades encontradas pelo Governo Chávez na implementação
de seu projeto por dentro de um estado corrupto, com uma burocracia
que se desenvolveu vinculada ao pacto do punto fijo, portanto,
comprometida com as velhas estruturas e práticas burguesas.
Em relação ao primeiro elemento, a educação é vista como
uma variável de libertação, tanto em nível individual, na medida em
que tem como finalidade desenvolver o potencial criativo de cada ser
humano, como em âmbito coletivo, sendo um meio para conseguir a
justiça, a igualdade e a integração social. Quanto ao segundo elemento,
a explicação se encontra na necessidade de formação de uma nova

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burocracia, comprometida com o projeto bolivariano e com a
“refundação da república”, fazendo com que a escola, nos diferentes
níveis de formação, assuma o papel de ajudar a formar um novo homem
com pensamento emancipado e descolonizado, que favoreça a
independência e a soberania. Este homem será o novo republicano,
“patriótico, solidário e com um profundo sentido humanitário”,
preparado para compartilhar a vida social e “construir a integração
latino-americana”.

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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


O PARTIDO POLÍTICO,
SEUS PARÂMETROS E SEUS
CÍRCULOS DE PARTICIPAÇÃO

Gilmar Henrique da Conceição

INTRODUÇÃO

Todas as civilizações forjaram sua própria doutrina da


legitimidade, muitas vezes diferentes uma das outras. Segundo Maurice
Duverger (1970), em toda comunidade humana, a estrutura do poder

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é o resultado de duas forças antagônicas: as “crenças”, por um lado;
as “necessídades práticas”, por outro. Assim, em consequência da
disputa pelo poder, a direção dos partidos – como da maioria dos
grupos sociais (sindicatos, associações, movimentos sociais,
sociedades comerciais, etc) - apresenta o duplo caráter de uma
aparência democrática e de uma prática oligárquica. Todo poder redunda
em oligarquia e as oligarquias acabam se revestindo de legitimidade.
Como exemplo, Duverger afirmou que somente alguns partidos
fascistas fogem a esta regra, pois ousam confessar às escâncaras que
fazem a defesa de uma oligarquia dirigente. Para ele, os outros partidos
também defendem uma oligarquia, porém praticam isto
escondidamente, sob a aparência de democracia. Enquanto os partidos
comunistas buscam uma “legitimidade de classe”, os partidos
nazifascistas também buscam a sua legitimidade que repousa na idéia
de “legitimidade aristocrática”.
Em suas origens, as idéias de facção, de seita e de partido
estabeleceram algumas relações. As palavras “facção”, “seita” e
“partido”, porém, não apresentam os mesmos significados: facção se
originou do latim “facere” (“fazer”, “agir”). O significado desta raiz
latina expressa a idéia de algo que era prejudicial à ordem vigente, pois
insuflava o povo. Em razão disso, “Factio” passou a indicar um grupo
político empenhado na subversão, ou seja, em um “facere” perturbador
e danoso. A palavra “partido” também se originou do latim “partire”
(“dividir”), todavia não fez parte do vocabulário político até o século
XVII. A palavra predecessora de partido é a de “seita”, que se originou

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do latim “secare” (“separar”, “cortar”). Idealmente, os partidos políticos


apresentam um sistema de crenças e de atos de fé. Durante o século
XVII, o termo partido, que substituiu o termo seita, passou a ligar-se
à religião, e especialmente ao dito “sectarismo protestante”, que
separava e cortava a unidade católica. Neste sentido, reforçou-se a
idéia de partido como divisão e separação. A palavra “parte” também
está no verbo francês “partager” (“partilhar”) e em inglês temos o
“partnership” (“associação”) e “participation” (“participação”). Quando
“parte” se tornou “partido” ,temos uma palavra sujeita a duas
influências semânticas: “partire”(expressando a idéia de divisão) de
uma lado e “associação” (expressando a idéia de participação) de outro.
De qualquer forma, a palavra partido teve uma conotação menos
negativa que facção, mas as duas palavras continuaram sendo utilizadas
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como sinônimos.
Em princípio, parece que facciosismo é sempre divisão, de
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alguma forma. Entretanto, ele pode ser bom ou mau, a depender se


está a nosso favor ou contra. O facciosismo é bom quando ocorre nas
forças inimigas, minando-as por dentro, mas é prejudicial quando
ocorre no interior de nossas forças aliadas, que se enfraquecem. Os
revolucionários franceses tinham uma concepção que buscava destruir
“as causas” da facção; os revolucionários americanos, diferentemente,
buscaram diminuir “os efeitos” da facção. Os stalinistas também
combateram o que chamaram por “divisionistas”. Observemos assim
que, durante a Revolução Francesa, os girondinos e os jacobinos,
especilmente, condenaram os partidos, igualando-os a uma facção
perturbadora e danosa.
Ocorre que naquele contexto de guerra civil, havia uma virulência
do facciosismo que, conforme se entendia, enfraquecia as forças
revolucionárias; muitas facções e/ou os “partidos” conspiravam contra
a nova ordem que se queria instaurar. Do mesmo modo, com a
Revolução Americana, facção e partido eram quase que equivalentes,
porém considerava-se que, se não se podia impedir a existência de
facções, deveria-se tornar as facções o mais inofensiveis possível, ou
seja, buscou-se controlar os efeitos das facções e não as suas causas.
Desta maneira, a transição da facção para o partido baseou-se num
processo paralelo: a transição ainda mais lenta, mais enganosa e mais
tortuosa, da “intolerância” para a “tolerância”, desta para a “dissenção”,
e da dissenção para a “diversidade”. Aos poucos se compreendeu
que a diversidade e a dissenção não são necessariamente incompatíveis
com a ordem política, nem necessariamente a perturbam. Nesta mesma
direção compreendeu-se que um mundo monocromático não é a única
base possível da formação política.

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A IDEIA DE PARTIDO E SEUS PARÂMETROS

Maquiavel e Montesquieu são citados (SARTORI, 1982), como


precursores da idéia de partido em um sentido positivo. De fato, eles
falaram em “partes”, porém não utilizaram a palavra “partido”, por
isso não enfrentaram realmente o problema teórico, neste particular.
Considera-se, inclusive, que Montesquieu avançou, na idéia de partido,
um pouco mais que Maquiavel. Giovanni Sartori (1982) aponta alguns
nomes fundamentais para o estudo sobre partidos políticos, tais como
Bolinbroke1 , Hume2 e Burke3 .
Como acabamos de observar, nas Repúblicas antigas,
chamavam-se “partidos” as facções que disputavam o poder. Em outras
palavras, na Grécia e na Roma antigas, dava-se o nome de partido a

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um grupo de seguidores de uma idéia, doutrina ou pessoa, mas foi
somente na Inglaterra, no século XVIII, que se criaram pela primeira
vez instituições de direito privado, com o objetivo de congregar
partidários de uma idéia política: o partidoWhig e o partido Tory. Até
1850, em nenhum país do mundo (salvo os Estados Unidos) existiam
partidos políticos no sentido moderno do termo. O que havia eram
grupos parlamentares, associações de pensamento, clubes populares,
tendências de opinião.

1 Bolingbroke deu uma contribuição importante no sentido de compreender os partidos como


“princípios que dividem um povo”. Por isso, admitiu que há partidos que “precisamos ter” ou um
partido que deve acabar com todos os partidos (o “partido nacional”). Em razão disso, as
conclusões do pensamento de Bolingbroke são antipartido.
2 A principal contribuição de Hume foi a tipologia que delineou a respeito do partidarismo com
a distinção entre: “grupos pessoais” (típicas das pequenas repúblicas) e “grupos reais” ( facções e/
ou partidos típicos do mundo moderno). Hume condiderou que “os partidos de princípio” eram
o fenômeno mais extraordinário e inexplicável até então surgido. Hume, inicialmente, colocou-
se no meio termo entre Bolingbroke e Burke visto que considerou que abolir todas as distinções
de partido pode não ser praticável, talvez nem desejável num governo livre. Hume, entretanto,
se aproximou, mais de Bolingbroke do que de Burke, pois queria abolir as distinções de partido,
tendo como núcleo a idéia da “tendência à coalizão”, pois ele considerava que todo partido
sempre acabava em facção..
3 Quem de fato deu uma grande contribuição foi Burke, quando concebeu a idéia de partido,
antes que este viesse a existir, por isso somente foi compreendido décadas mais tarde. Para este
autor, os partidos tinham um uso positivo e necessário. Ele situou o partido dentro do âmbito do
governo ou seja, o governo constitucional deveria ser conduzido pelos partidos.

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De fato, a idéia de organizar a divisão e dividir os políticos em


partidos se alastrou muito, pelo mundo, a partir da segunda metade
do século XVIII, e sobretudo depois da Revolução Francesa e da
independência dos Estados Unidos.
No caso de nosso país, foi por ocasião da Indepêndencia do
Brasil que, pela primeira vez, se usou este termo em território brasileiro,
que se referiu a Partido Português e Partido Brasileiro. A separação
entre “português” e “brasileiro” foi feita militarmente. José Honório
Rodrigues (1975), em importante estudo sobre as Forças Armadas,
inicia sua análise afirmando que o Exército brasileiro surgiu da
organização militar portuguesa e que sua composição, seus oficiais e
soldados com maior experiência eram, trambém, portugueses. No
processo que culminou com a Independência, milícias e guerrilhas
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passaram a integrar os regimentos de linha e forças regulares. A


separação militar entre “exército brasileiro” e “exército português” se
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deu no confronto, no Rio de Janeiro, de 11 a 12 de janeiro de 1822.


Esta separação é, em parte, ideológica, uma vez que oficiais e soldados
portugueses que optaram pela nacionalidade brasileira, e juraram
defendê-la com dedicação, faziam parte do exército brasileiro.
Neste sentido, até 1837 não se pode falar em partidos políticos
no Brasil. As organizações políticas ou parapolíticas que existiram antes
da Independência consistiam-se numa espécie de sociedade secreta, a
maioria sob influência da maçonaria. Posteriormente à abdicação do
imperador, organizaram-se sociedades mais abertas, mas todas elas
orbitavam em torno do problema político criado pela abdicação. Com
o falecimento do ex-imperador e a reformulação constitucional, pelo
Ato Adicional, tais organizações políticas deixaram de existir. Portanto,
no Brasil, a primeira fase partidária foi a monárquica, que começou
em 1837. Os primeiros partidos políticos brasileiros que tiveram
existência legal foram o Partido Conservador e o Partido Liberal, e isto
somente ocorrereu no Segundo Reinado (1840-1889). Certamente as
consequências da descentralização e as rebeliões provinciais da Regência
alimentaram a formação destes dois grandes partidos, que acabaram
dominando a vida política até o final do Império. Mas tivemos o
aparecimento de um Partido Progressista e a fundação do Partido
Republicano, em 1870, que acabaram completando o quadro partidário
do Império. Simplificando, digamos que o Partido Conservador
objetivava reformar as leis de descentralização. Já os defensores das
leis descentralizantes articularam-se no que passou a ser chamado
Partido Liberal. Do ponto de vista da hegemonia, até o final do Império,

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o sistema partidário permaneceu tripartite, tendo, de um lado, os dois


partidos monárquicos e, de outro, o Partido Republicano. Murilo de
Carvalho escreveu que ser republicano na época era equivalente a ser
subversivo (MURILO DE CARVALHO, 1980). O Partido Progressista
– que teve curta duração – surgiu em torno de 1864; era composto
por conservadores dissidentes e liberais históricos, e dissolveu-se em
1868. Uma parte dos progressistas formou o novo Partido Liberal e
outra ingressou no Partido Republicano, fundado em 1870.
No que se refere a programas partidários, somente em 1864
foi elaborado o primeiro deles, pelo Partido Progressista. O Partido
Conservador, no entanto, não apresentou qualquer programa escrito.
O programa mais radical proposto oficialmente, durante o Império,
foi o do Clube Radical, cuja composição era de liberais históricos. Seu
programa reivindicava a) abolição do Conselho de Estado; b) abolição
da Guarda Nacional; c) eliminação da vitaliciedade do Senado; d) eleição
dos presidentes de Província; e) o voto direto e universal e f) abolição

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da escravidão. Muitos clubes radicais se transformaram em
republicanos.
Já na República Velha (1889-1930), os partidos políticos eram
organizações regionais, existindo um Partido Republicano em cada
Estado, com cada um tendo estatutos e direções próprias. Foram
frustradas as tentativas de organização de partidos nacionais.
Rigorosamente, a expressão “partido político”, com caráter nacional,
só passou a constar nos textos legais a partir da Segunda República.
Anteriormente, apenas equivalia a “grupos”, ainda que em suas
diferentes fases, como mencionamos, se falasse em partido português,
partido brasileiro, partido conservador, partido liberal e partido
republicano.
Durante o chamado Estado Novo, a existência de partidos
políticos foi proibida e as eleições ficaram suspensas em torno de oito
anos. Ao longo da história, aliás, observamos as dificuldades em se
organizar pequenos partidos, sejam eles “ideológicos” ou “de aluguel”.
Com o fim da ditadura varguista, foi aprovada a Lei Agamenon, segundo
a qual o partido político – para ter permissão de atuação – deveria
possuir, no mínimo, dez mil filiados, ao menos, em cinco Estados.
Para dificultar ainda mais, com o novo Código Eleitoral, em 1950, esta
exigência mínima subiu, e passou-se a requerer cinqüenta mil filiados.
Os pleitos eleitorais que escolhiam o presidente e o vice-
presidente da República, o governador e o vice-governador ocorriam
de forma separada. Variava, também, o tempo do mandato dos

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governadores, podendo ser de quatro ou cinco anos, conforme o que


estabelecia a Constituição de cada Estado. Sobretudo, não havia
obrigatoriedade de domicílio eleitoral, de maneira que um candidato
podia disputar eleições em diferentes Estados e para distintos cargos.
Caso o candidato fosse eleito em mais de um Estado e em distintos
cargos, o político deveria escolher apenas um cargo para exercer o
seu mandato.
A vida política brasileira da segunda metade do século 20,
notadamente, é muito instável. No Brasil, entre 1945 e 1965, ocorreu
a explosão daquilo que se chamou um “multipartidarismo”, com cerca
de 14 siglas partidárias elegendo políticos, e este processo somente
foi abortado com o golpe de 64. A propósito, existe, em muitos países,
o chamado pluripartidismo, que no Brasil é chamado erroneamente,
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sob certo aspecto, de pluripartidarismo. Afinal, a palavra


pluripartidarismo significa, de fato, “pluraridade de partidários”,
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enquanto a palavra pluripartidismo significa a “pluraridade, ou existência,


de vários partidos políticos”. De qualquer forma, para simplificar,
digamos então que vigora, no Brasil, o pluripartidismo ou
pluripartidarismo. A atual Constituição Federal garante ampla liberdade
partidária mas, na prática, estão impossibitados de se legarizarem os
partidos nazifascistas e monarquistas. Há também enormes obstáculos
para a legalização de partidos de extrema-esquerda, de modo especial,
e pequenos partidos, de modo geral. Habitualmente, somente os
partidos da “família socialista” são considerados ideológicos, como se
os partidos de direita também não o fossem. Desse modo, tais partidos
chamados “ideológicos” são perseguidos em vários aspectos, como
foi o caso do partido comunista.
Desse modo, abramos um parêntese para nos referirmos,
brevemente, à atuação dos comunistas brasileiros, tema importante
para o nosso estudo. Existem hoje pelo menos três organizações
partidárias que reivindicam a sua origem na fundação do PCB em
1922 (reconhecido mais tarde como seção brasileira da III Internacional):
O PC do B, o PCB e o PPS. Vejamos acerca dos três tipos de dissidências
(“fracionistas”, “liquidacionistas” e “revisionistas”) que dividiram o
PCB nos anos sessenta e nos anos noventa.
Importa salientar que o PCB (Partido Comunista Brasileiro)
experimentou um curto período de legalidade de apenas alguns anos
(entre 1945 e 1947) mas marcou, de forma significativa, a luta política
elegendo um senador (Luis Carlos Prestes) e mais quatorze deputados
federais, (dentre eles, Jorge Amado e Carlos Marighella). A concessão

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do registro legal do partido comunista, em 1945, deu-se em termos


provisórios e hesitantes. Foi justificada pela interpretação ou alegação
de que o partido comunista teria abandonado “os princípios marxistas-
leninistas de revolução”. Durou pouco a legalização, a Lei n. 211, de
07 de março de 1948, decretou a cassação de todos os parlamentares
do PCB, de maneira que a sua militância passou a atuar tão somente
na clandestinidade. O partido comunista somente voltou a ter permitida
a sua legalidade no Governo Sarney, em 1985. A sigla PC do B foi
criada em 1962, a partir de uma histórica divisão no interior do PCB
buscando retornar a uma possível legalização. Desse modo, o PC do
B surgiu fruto de um rompimento com a linha predominante, no PCB,
considerada por eles como “revisionistas”, pois, conforme se entendia,
“abandonava a perspectiva da luta de classes e buscava conciliação
com a burguesia brasileira”, relativizando a luta revolucionária e
fortalecendo a “via pacífica” para o socialismo. O grupo considerado

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“fracionista” surgiu nos debates travados dentro do PCB após o XX
Congresso do Partido Comunista da URSS, quando, segundo eles, ao
mesmo tempo em que o partido teria conseguido se depurar de
tendências “liquidacionistas” (em geral, era como consideravam as
organizações dissidentes que se decidiram para a luta armada,
influenciadas pelo guevarismo) fortaleceu os “revisionistas” (liderados
pelo PC soviético).
Desse modo, uma questão central surgiu quando da mudança
do significado do nome do partido, e aliado a isso, alterações no
Estatuto e no Programa. Com relação aos debates internos, as questões
eram de fundo teórico; para os chamados “fracionistas”, mudanças
de conteúdo no Estatuto e no Programa do partido somente poderiam
ser feitas mediante um novo congresso para decidir sobre as
divergências fundamentais. Até havia concordância com a mudança
de nome de PCB, com o significado de “partido comunista do Brasil”,
para PCB, com o significado de “partido comunista brasileiro”, portanto
a sigla permaneceu a mesma, a mudança deu-se de “do Brasil” para
“brasileiro” para atender e viabilizar o registro do partido no TSE.
Mas, com mudanças programáticas e ideológicas profundas e
conflitantes, tornou-se inevitável o rompimento. O PC do B portanto,
ao “surgir” ou - como querem seus militantes - ser “reorganizado”
em 1962, reivindicou para si o nome e o patrimônio simbólico do
PCB, fundado em 1922. O PC do B – refutou o que considerou “as
calúnias de Kruschev” e denunciou “a linha revisionista promovida
pelo PC Soviético”, que dava direção para os revisionistas brasileiros,

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e reivindicou ser o legítimo herdeiro e sucessor do antigo PCB. Os


dois partidos – PCB e PC do B - separados desde então, passaram,
cada um a seu modo, a defender a sua própria interpretação. Enquanto
o PCB “revisionista” abandonava definitivamente a influência de Stalin,
o PC do B “fracionista” manteve o stalinismo como uma de suas
referências teóricas e práticas. Na mesma época, a crise entre a União
Soviética e a China atingiu o seu auge, quando Mao Tse-Tung criticou
o processo de desestalinização em curso na URSS, e acusou Khrushchev
de desvios “oportunistas” e “reformistas”. Como a direção do PCB
mantinha-se articulada a Moscou, a cisão de Mao com os
“revisionistas” atraiu a simpatia do PC do B, que enviou emissários
para formalizar a vinculação ideológica com as diretrizes do Partido
Comunista da China. A partir de então, o partido aproximou-se
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progressivamente do maoísmo, considerando apenas a China Popular


e a Albânia como países comunistas, e que os demais eram
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“revisionistas”. A adesão definitiva do PC do B ao maoísmo deu-se em


1966, em seu 6º Congresso. Em 1968 foi a vez do PC do B sofrer
duas cisões internas, influenciadas pelo guevarismo: a Ala Vermelha
do PC do B e o Partido Comunista Revolucionário (PCR). A organização
de uma importante guerrilha, inspirada no maoísmo, definiu o
deslocamento do PC do B para o campo da extrema-esquerda, naquele
momento. A derrota da Guerrilha do Araguaia e a nova política adotada
pela China a partir da morte de Mao, em 1976, levaram o PC do B a
romper com o maoísmo. Em 1978, o PC do B acompanhou Enver
Hoxha na sua crítica aos dirigentes chineses e passou a considerar
apenas a Albânia como país socialista, na condição de último baluarte
do stalinismo. Posteriormente, a ruptura com a Albânia, indicou para
o partido a adoção de uma nova política internacional que buscava
“rearticular e reaglutinar as forças marxistas-leninistas e socialistas”.
Mesmo tendo abandonado o stalinismo em 1992, o PC do B
manteve-se estruturalmente como um partido organizado sob os
moldes da III Internacional Comunista. Em sua autocrítica, reconheceu
como “anticientífica” a adoção de apenas um modelo para a implantação
do socialismo, e manteve em seu programa a idéia do partido como
agente educativo, como “vanguarda consciente da classe operária e
liderança fundamental na direção do Estado e no processo de formação
da consciência social socialista. O PC do B combate o “fracionismo”
em suas forças, pois em seu estatuto veda a formação de tendências
ou frações internas, determinando uma política permanente de unidade.
No campo da esquerda e da extrema-esquerda, notadamente,
posicionamentos políticos do PC do B causam algumas polêmicas.

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Atualmente, não menos polêmica foi o posicionamento do PC do B


em relação à China pós-Mao que era caracterizada anteriormente como
“social-imperialista”, agora é cumprimentada pela direção nacional do
PC do B, pelo “fortalecimento do socialismo” e pela sua “importância
na luta antiimperialista”. A exemplo da reaproximação com a China –
com quem havia rompido nos anos 70 – o PC do B tem reavaliado sua
política em relação a Fidel Castro e Cuba. O dirigente cubano, no
passado era criticado por sua ligação com o “revisionismo de Moscou”
e com o guevarismo, mas agora tem sido saudado como dirigente
revolucionário.
Nos anos 1990, mais uma sigla passou a disputar o patrimônio
simbólico de 1922: o PPS. Pelo fato de que, nos anos 1980, com o
desmantelamento do chamado “socialismo real”, acompanhando o
processo que ocorreu com os partidos comunistas da Europa
Ocidental, o PCB mudou de nome pela segunda vez, passando a

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chamar-se PPS (Partido Popular Socialista), mas, após o X Congresso
do PCB, em 1992, um divergente setor minoritário da militância do
partido rompeu politicamente com a linha predominante, manteve-se
organizado sob o nome antigo, conservando a sigla PCB, que combate
o que considera “o governo neo-liberal de Lula”. Dessa forma, existem
hoje pelo menos três partidos que reivindicam filiação com o PCB de
1922: o PPS, o PC do B, e o PCB. Fechemos estes parênteses a respeito
da atuação dos partidos comunistas no Brasil.
Como vimos, já no Império tínhamos alguns setores políticos
que discutiam a idéia de república. O conceito de “república” está
intrinsecamente ligado ao de “democracia”, ou seja, no Estado burguês
a forma de eleição é normalmente realizada por voto secreto e em
intervalos regulares. A eletividade do mandatário e a transitoriedade
do mandato eletivo são fundamentos que guardam o bem do interesse
público. Em termos de países, no mundo todo, das aproximadamente
165 repúblicas atuais, apenas 11 mantém regimes democrático-
burgueses há mais de 30 anos, como Estados Unidos, França,
Alemanha, México, Colômbia, Itália, Irlanda, Suíça e outros. Todos
esses países - sem exceção - mantém eleições separadas e regulares
para todos os níveis de poderes legislativo e executivo; diferem apenas,
no tempo de mandato dos agentes políticos. Os Estados Unidos, por
exemplo, elegem o presidente a cada quatro anos, os deputados à
Câmara dos Representantes a cada dois anos e o senador para um
mandato de seis anos, porém, com eleição a cada dois anos para
escolha de 1/3 (um terço) das cadeiras.

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Queremos salientar que, fundamentalmente, na compreensão


do conceito de partido utilizado neste estudo, é importante a idéia de
partidos enquanto “partes” que compõem um determinado tipo de
“família”. Desse modo, mesmo os militantes mais radicais e as
organizações mais isoladas ou extremistas têm vínculos explícitos e
implícitos num sistema complexo de ramificações, a partir da díade
esquerda-direita e das diferentes concepções que permitem diferentes
classificações.
Na atualidade, há uma concordância quase unânime quanto ao
fato de que a distinção entre sistemas unipartidários, bipartidários e
multipartidários não é muito adequada Quase todos os estudiosos
apresentam um esquema próprio. Em nossos dias, encontramos
inúmeras classificações e tipologias dos sistemas partidários.Em
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qualquer caso, a fraqueza do sistema partidário é sintoma da não


institucionalização da participação política, permanecendo sob controle
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das classes dominantes. Um dos temas debatidos no parlamento


brasileiro é o da questão da fidelidade partidária. Em razão disso,
argumenta-se que os mandatos proporcionais (de vereador, deputado
estadual e deputado federal) e que os mandatos majoritários (prefeito,
senador, governador e presidente) são dos partidos, e não de quem os
exerce. Inclusive há aqueles que defendem que a questão da “fidelidade
ao programa” também deve ser responsabilidade do partido, visto
que o partido pode abandonar o programa pelo qual recebeu votos.
Neste sentido, não é somente o político que pode ser “infiel”, mas
também a organização como um todo. Neste caso, argumenta-se que
deve ser garantido ao parlamentar a possibilidade de romper com o
partido que passar a ser infiel ao programa.
De fato, tal como estabelece a legislação pertinente, nenhuma
pessoa se elege se não for filiada a um partido político. Além disso,
nenhum candidato alcança no sistema proporcional o quociente eleitoral
para se tornar deputado ou vereador sem a soma dos votos obtidos
pelo partido numa eleição. Claro que há exceções (que só confirmam
a regra) tendo em vista candidatos conhecidos no meio artístico, por
exemplo, com enorme popularidade, que se lançam por siglas
desconhecidas e se elegem com grande percentual de votos. Nestes
casos, são eles que arrastam tais partidos. Como exemplo disso
podemos citar o médico e político Enéas (cujo conhecido bordão era :
“meu nome é Enéas”) que, apesar de pertencer a um pequeno partido,
alcançava cifras espantosas de votos.

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Historicamente, a extrema-direita defendeu a fidelidade partidária


e, em nossos dias, a extrema-esquerda também defende isso. De
maneira que há uma pergunta importante que diz respeito à questão:
a qual fidelidade partidária estamos nos referindo e em que constexto?
Direita e esquerda são “ideológicas”, ainda que muitas pessoas acusem
disso somente a esquerda A idelogia da direita, neste sentido, é eficiente
em esconder os rastros. Todavia, com o golpe militar de 64, a extrema-
direita defendeu a fidelidade partidária como sinônimo de fidelidade
canina à ditadura, portanto, como forma de submissão da sociedade.
Já a extrema-esquerda, na maioria das vezes, sempre defendeu a
fidelidade partidária com vistas à coerência entre o discurso, o
programa e a prática do partido revolucionário. A ditadura militar que
se seguiu ao Golpe de 64 buscou estabelecer, em lei, a fidelidade
partidária, naquela conjuntura, como forma de controle sobre os
parlamentares. A fidelidade partidária foi introduzida no Brasil pela

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Emenda Constitucional nº 1, de 1969, cujo artigo 152 estabelecia a
perda do mandato ao parlamentar (senador, deputado ou vereador)
que “por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente
estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido
sob cuja legenda foi eleito”. Esta Emenda vigorou até 1985, quando se
deu sua revogação, pela Emenda Constitucional nº 25. A Constituição
Federal de 1988 reeditou-a, mas não estabeleceu punição ao
parlamentar “infiel”. No ínício, a ditadura militar procurou,
formalmente, garantir a estrutura do sistema do pluripartidismo (ou
pluripartidarismo), porém modificou constantemente a legislação que
orientava os partidos e as eleições. Entretanto, em 1965, com a vitória
de candidatos de oposição, nas eleições que elegeram os novos
governadores, a ditadura teve que mostrar o que procurava
grosseiramente maquiar e decretou o Ato Institucional nº 2, que
extinguiu os partidos políticos existentes, o que acabou levando ao
chamado bipartidarismo.
Atualmente, entretanto a maioria dos parlamentares parece
concordar com a idéia de que a fidelidade partidária é outro aspecto
indispensável ao fortalecimento das instituições políticas. Muitos deles
entendem que a valorização do candidato em detrimento do partido
tem propiciado uma situação que facilita a migração partidária, muitas
vezes com finalidade meramente eleitoral ou pessoal, frente à ausência
de compromisso com os programas partidários. Além das “siglas de
aluguel”, muitos dos partidos políticos do Brasil servem apenas de
abrigo para políticos sem compromissos com a vida pública, mas

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interessados em garantir vantagens, quer dizer, defender interesses


pessoais ou de pequenos grupos, igualmente descompromissados com
o público, enfim, com as políticas sociais. De qualquer forma o
popularmente chamado “troca-troca” de siglas partidárias tem sido
muito comum, porém a nova proposta de legislação para os partidos
visa exatamente coibir esta prática.
Em seu estudo sobre os partidos políticos, considerado um
clássico, Robert Michels (1982) argumentou que não se concebe
democracia sem organização, pois a organização é uma arma de luta
contra os fortes. Assim, o trabalhador desorganizado é uma presa
fácil do capital. Michels afirmou que o princípio de organização deve
ser considerado como a condição absoluta da luta política conduzida
pelas massas, ainda que tenha apontado a formação de um estado-
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maior oligárquico no interior da organização. Como conquistar e manter


o poder? A organização política conduz ao poder, mas o poder é
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sempre conservador. Quem conquistou o poder quer conservar e


ampliar o poder. Muitos partidos políticos “incendiários”, nos primeiros
anos de sua existência, se tornam partidos políticos “bombeiros”, com
o passar dos anos, quando seu leque de alianças se amplia, quando
crescem eleitoralmente, quando “amadurecem”. Até mesmo partidos
revolucionários, ou em outras palavras, partidos de extrema-esquerda
podem mudar de família. Robert Michels analisando o SPD, o principal
partido de organização de massas na viragem do século XIX para o
século XX, referiu-se à “lei de ferro da oligarquia”, segundo a qual
“quem diz organização diz necessariamente oligarquia”, na emergência,
dentro destes novos grupos, de uma nova minoria organizada, que se
eleva à categoria de classe dirigente. O partido político revolucionário
é um pequeno Estado dentro do Estado e tem por finalidade destruir o
Estado burguês para substituí-lo pela ditadura do proletariado. Porém,
o fortalecimento e ampliação da organização, segundo Michels, tende
a corromper o partido, na medida em que o crescimento do partido de
esquerda implica em seu deslocamento para o centro. Todo partido de
esquerda que se desloca para o centro, na realidade desloca-se para a
direita. Michels, influenciado por Max Weber, considera que o
predomínio da burocracia nos partidos políticos, especialmente nos
partidos fascistas, nazistas, socialistas e comunistas ocorre por uma
necessidade técnica. Há partidos que procuraram definir, no nome,
claramente sua ideologia - como fez, por exemplo, um Partido Facista,
Comunista, Nazista, Socialista. Estes partidos também foram chamados
de Partidos de Massa.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


189

Vimos que o partido político que se delineia a partir da


modernidade e sobretudo no processo a que se seguiu com a
consolidação do poder burguês, somente apareceu efetivamente no
decurso da segunda metade do século XIX. Os partidos são fenômenos
complexos, situados no espaço e no tempo. Para analisá-los e descrevê-
los é necessário localizá-los na história, no meio social, no conjunto
nacional (e internacional) de que são partes. Os partidos políticos não
constituem fenômenos ilhados da sociedade, considerando-se que
entram em relação com outros elementos que compõem os sistemas
políticos, tais como movimentos sociais, grupos de interesse, grupos
de pressão, sistemas eleitorais, cultura política, entre outros. Os
sistemas de partidos são diferentes maneiras históricas de resolução
dos conflitos político-sociais. Os partidos são canais em que o poder
legalmente constituído busca institucionalizar as diversas clivagens,
como resultado das relações de força que se exprimem nos conflitos.
O fenômeno partidário é passível de vários tipos de análise.

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Podemos situá-lo em diversos ângulos, para estudá-lo em toda sua
complexidade. A análise dos partidos, por exemplo, pode se dar sob o
enfoque do estudo das idéias políticas e da investigação sociológica.
No primeiro ponto de vista, que prevaleceu na primeira metade do
século XIX, o partido é considerado como o porta-voz de uma
“doutrina”. Depois, os estudiosos da sociologia política enfatizaram
as estruturas do partido, considerando, sobretudo, o seu aspecto
organizacional, o caráter de “aparelho” ou “máquina”. A abordagem
organizacional ou estrutural prevaleceu com Ostrogorsky4 , Michels e
Bryce, principalmente. Duverger afirmou que aspectos negativos da
política podem contribuir para aprimorá-la, numa certa fase do
desenvolvimento democrático. Na Inglaterra, a corrupção reforçou a
estrutura dos grupos parlamentares e consolidou, na América Latina,
a estrutura dos comitês eleitorais. Segundo Duverger, a darmos crédito

4 No início do século 20 o russo Moisei Yakolevitch Ostrogorsky se tornou conhecido com o livro
“Democracia e a organização dos partidos políticos”, publicado em Londres, em 1902. No
primeiro volume, ele analisou os partidos políticos americanos e ingleses. O segundo foi dedica-
do ao mais famoso partido europeu, o social-democrata da Alemanha, em que se inspirou o
autor italiano nascido na Alemanha, Robert Michels. Ostrogorsky argumentava que a ordem
social e política do século 19 vinha sendo mantida graças a uma sociedade tradicionalmente
estratificada e que o individualismo a tinha erodido. Por essa razão, a política já não era o
resultado das opções dos cidadãos informados e livres, mas sim o produto da organização
mecânica do sistema político, dominado pelos políticos profissionais e pelos aparatos partidários.
Para ele, organização era a palavra-chave, pois indicava a corrupção essencial das sociedades da
época.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


190

a Ostrogorsky, a corrupção teria ocupado lugar assaz importante no


desenvolvimento dos grupos parlamentares britânicos. Ele ressaltou
a importância que os fenômenos de corrupção assumiram, como meio
de um governo resistir a uma pressão crescente das assembléias. Por
muito tempo, os ministros ingleses asseguravam a si sólidas maiorias
mediante a compra de votos, senão da consciência dos deputados. A
coisa era oficiosa: havia na própria Câmara um guichê onde os
parlamentares iam receber o pagamento de seu voto, na ocasião das
votações.
Na Inglaterra, o nome whips” era originalmente a denominação
do chicote que dirige a matilha em direção ao animal perseguido. A
partir desta metáfora, “whips” passou a designar aquelas pessoas que
compravam votos e que fiscalizavam os discursos e os votos de quem
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recebia pagamento. Atualmente, com o apuro das atuações


parlamentares, “the whips” passou a apresentar outro significado.
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Inclusive, Duverger perguntou em seu referido livro se corrupção


parlamentar não engendrou (seja pela ação, seja pela reação) um
fortalecimento da organização interior dos grupos de deputados.
Duverger fez uma distinção entre partidos de criação eleitoral e
partidos de criação externa. Os primeiros nascem e se desenvolvem
com a democracia, isto é, com a extensão das prerrogativas
parlamentares e do sufrágio popular. Os segundos foram gerados
fora do mecanismo eleitoral e parlamentar; possuem origem externa,
tais como sindicatos, sociedades de pensamento, etc. O modelo de
Duverger, entretanto, aplica-se perfeitamente aos países centrais do
capitalismo; porém adapta-se mal aos novos Estados daquilo que foi
chamado Terceiro Mundo. No âmbito da estrutura e da vida interna
dos partidos, a distinção fundamental continua a ser dos “partidos de
quadros” e “partidos de massas”, que Duverger formulou em 1951.
A obra mais reconhecida de Duverger é a dedicada aos partidos
políticos, na qual segue a linha inaugurada por Robert Michels e continua
sendo uma das principais obras dedicadas a este tema até os dias de
hoje. Em sua obra, Duverger centrou-se no estudo da influência das
doutrinas sobre as estruturas partidárias. Para ele, o partido político,
inicialmente, é visto como ente aglutinador de indivíduos politicamente
dispersos. Mais tarde, constitui-se em uma organização autocrática e
oligárquica, em que a crença por parte da população na “infalibilidade”
dos comandantes provoca um recuo do “espírito crítico” em relação
ao “espírito de adoração”. Este recuo faz com que os partidos tornem-
se uma organização burocrática e rígida, que centraliza todos os

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


191

poderes administrativos, não permitindo a existência de outros partidos


políticos, formando sistemas fechados e assemelhando-se ao que
Duverger chamou “seitas religiosas”. Em relação ao nascimento dos
Partidos Políticos, Duverger defende a teoria de que ele está relacionado
ao surgimento dos grupos parlamentares e aos comitês eleitorais. Os
membros do parlamento, à medida que este conquistava novos
poderes, sentiram a necessidade de se agruparem para atuarem em
comum acordo. Com a ampliação do direito ao voto, passou-se a
enquadrar os eleitores em comitês, provocando assim uma
descentralização e disseminação dos partidos. Além desse tipo de
partido, existiram outros que tiveram origem externa, ou seja, nasceram
de instituições pré-existentes. Estes teriam tendêndia a estruturar-se
de maneira mais centralizada.
Ele formulou uma teoria conhecida como lei de Duverger, que
identifica uma correlação entre um sistema de eleições e a formação
de um determinado sistema partidário. Em outras palavras, a lei de

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Duverger é um princípio que afirma que o sistema eleitoral majoritário
conduz a um sistema bipartidista e que o sistema eleitoral proporcional
tende à multiplicação dos partidos.políticos. Segundo Maurice
Duverger, os “partidos” eram facções que dividiam as repúblicas
antigas, os clãs, os clubes revolucionários, os comitês, as organizações
populares. Não obstante as diferenças entre elas, todas estas instituições
apresentavam um ponto em comum: conquistar o poder político e
exercê-los. Estamos nos referindo propriamente aos “protopartidos,
uma vez que o sentido moderno de partido político surgiu muito tempo
depois. Em 1850, por exemplo, somente os Estados Unidos tinham
partidos no sentido moderno do termo a que nos referimos. Entretanto,
dez anos depois, os partidos políticos já atuavam na maior parte das
nações civilizadas.

O PARTIDO E SEUS CÍRCULOS DE PARTICIPAÇÃO

Duverger formulou duas outras questões, sendo a primeira:


qual a relação dos adeptos com os eleitores? A “adesão” não tem o
mesmo significado em todos os partidos, em razão disso não é possível
compará-los indiscriminadamente, assim ele propõe alguns tipos de
comparações, tais como: a) comparação das taxas de adesão de um
mesmo partido em diferentes épocas; b) comparação das taxas de
adesão de um mesmo partido nas diferentes regiões do país, nas

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


192

categorias sociais e nas classes etárias; c) comparação das taxas de


adesão dos partidos semelhantes, em países diferentes.
A segunda questão é: há um desenvolvimento paralelo dos
eleitores e dos adeptos, ou eles variam? Frequentemente ocorre que a
dinâmica de crescimento não seja a mesma para os eleitores e os
adeptos. Constatou-se que a taxa de adesão tende a baixar quando o
número de eleitores se eleva, e a elevar-se, quando aquela se reduz.
Apesar de superficial e fragmentária, podemos salientar a idéia de
uma disparidade entre eleitores e adeptos. Tudo parece ocorrer como
se os adeptos constituíssem uma esfera fechada em relação aos
eleitores. Parece que as reações e comportamentos gerais obedecem
à dinâmica própria, diferentes da que rege as variações dos eleitores.
Em razão disso, não são os adeptos que determinam a dinâmica dos
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eleitores.
A categoria de “simpatizante”, contrariamente, é vaga e
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complexa. Simpatizante é mais que um eleitor e é menos que um


adepto, ou um “militante”. Um aspecto importante é que aquele eleitor
que declarar o seu voto habitual não é mais um simples eleitor: ou
seja, ele começa a se tornar simpatizante. A manifestação deste eleitor
já traz em si um elemento de propaganda e um certo nível de adesão.
Não existe uma “comunidade de eleitores”, pois, pelo fato do voto ser
secreto, eles não se conhecem, porque para se conhecerem teriam
que declarar o voto. Como vimos, ao declarar o voto, ele deixa de
fazer parte do grupo dos eleitores. Por outro lado, consequentemente,
há uma “comunidade de simpatizantes”, que se caracteriza inicialmente
pela publicização de um voto habitual em um partido, a que se segue
normalmente à leitura do jornal do partido e ao comparecimento a
algumas das manifestações do partido.
Para compreendermos o partido político, as questões do projeto
partidário e da organização ocupam um lugar importante e estratégico
em suas implicações teóricas e práticas. O projeto partidário vincula-
se aos objetivos do partido e à organização, ou seja, aos meios que
permitem assegurar o primeiro. O estudo da unidade partidária, no
entanto, não se reduz ao simples estudo da estrutura partidária; pode-
se analisar também a imagem que o partidário tem da sua organização,
de seu projeto político, da significação de sua adesão, da natureza do
laço de filiação ideológica. Sob este ponto de vista, considera-se o
partido como uma sociedade especial, como um microcosmo
específico, com suas leis, os seus ritos, os seus sentimentos coletivos,
etc. A ação dos partidos na vida política se realiza mediante a

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


193

organização, que assegura aos partidos as condições para trabalhar


em direção do cumprimento de seus objetivos.
À idéia de “esquerda”, como é um parâmetro e não um conceito,
dependendo do que estamos nos referendando como parâmetro,
podemos pensar quase todo tipo de sistema partidário e organizações
políticas em termos de “de esquerda” e “de direita”. Assim, tem sentido
falarmos, por exemplo, numa “esquerda militar” (MORAES, 1991),
ou mesmo numa “esquerda nazifacista”, ainda que talvez possa causar
espanto. No caso do Brasil, costuma-se dizer que, ideológica e
nacionalmente, a UDN (União Democrática Nacional) pode ser
considerada o principal “partido de direita”. Em seu contexto histórico,
o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o de “esquerda” e o PSD (Partido
Social Democrático), o de “centro”. O PCB dos primeiros anos, em
alguns momento, também pode ser considerado de “extrema-esquerda”
e a AIB (Ação Intregralista Brasileira), de “extrema-direita”. Mas, afinal,

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qual a importância dos parâmetros esquerda, direita e “centro”?
Uma delimitação inicial em estudos sobre partidos políticos
que é importante para a compreensão de seu sentido é a que se refere
às polarizações fundamentais entre os partidos e dentro dos partidos,
quais sejam: esquerda, direita, centro se é que existe centro. Nas
chamadas “sociedades democráticas”, colocam-se, entre a direita e a
esquerda, posições intermediárias (centro-direita, centro-esquerda) e
posições extremistas (extrema-direita, extrema-esquerda). As partes
têm, entre si, convergências e divergências que tornam possíveis as
mais variadas combinações. Assim, o centro pressupõe a. antítese: se
existe o centro, em cada um dos partidos há uma direita, situada mais
à direita, e uma esquerda, mais à esquerda. Desse modo, no âmbito
da esquerda localiza-se uma esquerda moderada, que tende ao centro,
e uma esquerda extrema, que se contrapõe ao centro.
Como vimos, esquerda e direita são parâmetros flexíveis, que
nos ajudam a entender o fenômeno político. Tais parâmetros não são
pré-estabelecidos, mas dizem respeito à realidade concreta que se quer
analisar; e portanto têm uma definição relacional e comparativa; são
parâmetros que têm a ver com o contexto político-social. Desse modo,
esquerda, direito e centro são acompanhados de valores e de emoções.
Neste sentido, por exemplo, “esquerda” tem dois significados
axiológicos que podem ser positivos ou negativos, a depender de quem
delas se serve e o contexto em que tal apropriação ocorre. Direita e
esquerda também têm um significado descritivo e um significado
avaliativo, mas definir como positivo um dos pólos não depende do

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


194

significado descritivo, e sim dos juízos de valor que são atribuídos às


coisas descritas.
As idéias de negação, transgressão e ruptura parecem
acompanhar o significado histórico do termo “esquerda”.
Curiosamente, em alguns detalhes religiosos, a aura negativa e
destrutiva acompanham a palavra esquerda: segundo a Bíblia, os bons
se sentam à direita de Deus; os maus à sua esquerda. Nos cultos
afro-brasileiros, em suas diferentes linhas e falanges, esquerda é uma
categoria que agrega entidades negativas e das trevas, em oposição à
direita, que é o reino do bem e da luz. A figura de Satanás – o anjo
preferido do Senhor que se rebelou contra Deus – parece acompanhar
Marx, pois na intimidade, Marx também era conhecido como “Old
Nick” (Satanás).
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Os termos direita e esquerda também remontam à Revolução


Francesa. Estas palavras são muito utilizados nos partidos, nos
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sindicatos, nos movimentos sociais, nas universidades, nos jornais,


na rádio, nos livros, nos debates públicos, nas revistas especializada,
etc. Se pensarmos o partido como “parte”, cada partido como um
todo pode ser entendido e situado como de “direita”, de “esquerda”
ou de “centro”, além é claro, de “extrema-direita” e de “extrema-
esquerda”. Entretanto, no interior de cada partido podem existir setores
de extrema-direita e de extrema-esquerda. Há também a posição
política de “ultra-esquerdismo”, que na realidade é anti-partido.
Rigorosamente falando, há diferenças profundas e antagônicas entre
ultra-esquerdismo e extrema-esquerda. Além dos aspectos simbólicos,
direita e esquerda tornaram-se categorias universais da política;
compõem as noções de base que informam genericamente o
funcionamento das sociedades contemporâneas. Como os partidos
não se mantêm imóveis em sua trajetória, movimentos pendulares de
força política atraem-nos ora mais para a direita, ora mais para a
esquerda, e eles podem resistir a estas atrações ou não. Um detalhe
que considero importante é que “estar `a esquerda” não significa,
necessariamente, “ser de esquerda”. Partidos, agrupamentos ou
pessoas podem “estar à esquerda” circunstancialmente e não “ser de
esquerda”.
A partir destas considerações quero mencionar algumas questões
relativas às diferenças entre: a) esquerda e direita, b) esquerda e
extrema-esquerda, c) extrema-esquerda e ultra-esquerdismo.
Inicialmente, é importante ressaltar que a aspiração à igualdade
econômica aparece como a razão fundamental dos movimentos de

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


195

esquerda, e os de direita apóiam-se sobre a idéia do não-igualitarismo.


Pensando nos extremos da vida partidária, podemos colocar uma
questão: como diferenciarmos, entre os partidos, aqueles que são de
esquerda daqueles que são de extrema-esquerda? Uma das diferenças
básicas: a esquerda atua dentro da “ordem” e quer se servir do
parlamento para a conquista do poder, ou seja, quer se utilizar de
métodos eleitorais e parlamentares. Deste ponto de vista, nos
processos insurrecionais, no momento em que a esquerda se torna
revolucionária e fortalecida, passando a atuar predominantemente em
ações diretas, ela passa para o campo da extrema-esquerda. Para a
extrema-esquerda, os processos eleitorais são secundários, a sua
verdadeira ação é a agitação política, a construção partidária e a ação
direta, pois relaciona-se com a proposta de ruptura da ordem
econômico-social. Considera que apesar de as eleições serem
necessárias para o funcionamento da democracia e da legitimidade,

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são insuficientes em si mesmas.
A extrema-esquerda, portanto, é declaradamente crítica do
parlamento (embora não em absoluto), e recusa-se a pensar que
transformações fundamentais possam ocorrer por sua via. Porém,
entende que a participação nas eleições parlamentares e a luta através
da tribuna parlamentar são necessárias para educar, despertar e instruir
o povo, e por isso trabalha arduamente para eleger alguns dos seus
representantes. Entretanto, há circunstâncias em que a extrema-
esquerda poderá se abster de participar do parlamento. No geral, a
extrema-esquerda apresenta uma centralização bastante desenvolvida
e uma disciplina mais rígida que outros partidos. Um outro aspecto
fundamental, que julgamos pertinente na busca de uma caracterização
da extrema-esquerda, é a visão de que os conflitos sociais – em última
instância – exprimir-se-ão em confrontos armados.
Há um ponto comum entre extrema-esquerda e extrema-direita,
pois ambas atuam contra a “ordem”, a primeira busca a ruptura do
capitalismo tendo em vista uma sociedade economicamente igualitária,
a segunda busca a ruptura tendo em vista a defesa do capitalismo. O
extremismo, seja qual for o fim por ele prefigurado (de esquerda ou
de direita) milita pela ruptura da ordem social. Para a extrema-direita,
a ruptura da ordem destina-se a preservar o status quo; para a extrema-
esquerda, a ruptura destina-se a criar uma outra ordem.
Norberto Bobbio (1992, P. 93), escreveu que a tendência ao
deslocamento para as posições extremas tem por efeito, em
circunstâncias de particular tensão social, a formação de uma esquerda

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196

mais radical à esquerda da esquerda oficial, e de uma direita mais


radical à direita da direita oficial. O jacobinismo é citado como o
exemplo histórico mais importante da extrema-esquerda e que
denunciou “o caráter formal e hipócrita da bandeira burguesa” que
buscava a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Também no
jacobinismo, entretanto, havia uma esquerda mais à esquerda e uma
direita mais à direita. O bolchevismo também pode ser visto como
outro exemplo histórico da extrema-esquerda quando rompeu com a
social-democracia.
Já com relação às diferenças entre extrema-esquerda e ultra-
esquerdismo, temos o seguinte: na concepção de Lênin, o ultra-
esquerdista é o pequeno-burguês (pequeno proprietário, pequeno
patrão, etc) que, ao arruinar-se, numa situação de crise, passa para
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uma posição ultra-revolucionária. Todavia, ele é incapaz de adequar-se


ao espírito de uma organização partidária, à disciplina e à firmeza de
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um militante no trabalho coletivo, ao contrário do que faz a extrema-


esquerda. Além disso, o ultra-esquerdista nega a necessidade do partido
e privilegia a prática do terror individual e dos atentados como ação
principal, isolada do trabalho metódico com as massas. Por fim, o
ultra-esquerdismo não valoriza muito o estudo teórico, em prol da
ação, pois entende que somente o que falta são as armas e as bombas.
Os parâmetros esquerda e direita tem uma razão histórica, de maneira
que a idéia de esquerda, em nossos dias, não é mais a mesma de
ontem., mas “enquanto existirem homens cujo empenho político seja
movido por um profundo sentimento de insatisfação e de sofrimento
perante às iniqüidades das sociedades contemporâneas (...) carregarão
consigo ideais que há mais de um século têm distinguido todas as
esquerdas da história” (BOBBIO, 1992, p. 33).
O Partido Social Democrático foi, no século XIX, o partido político
de Marx e Engels. Os partidos comunistas surgiram de dissidências
mais à esquerda no Partido Social Democrático. Lênin lançou o combate
político pelo êxito da revolução socialista dentro do Partido Bolchevique
onde, naquele momento, se encontrava em minoria. Desse modo,
para Lênin, a maioria dos social-democratas oficiais havia desertado e
traído o socialismo Em seu escrito, As Teses de Abril (1979, p. 29),
Lênin propôs modificar-se o nome de Partido, passando a chamá-lo
“comunista”. Desse modo, os revolucionários se reagruparam em
partidos comunistas. Portanto, a nomenclatura “comunismo”, enquanto
partido político com programa e método de luta específica, nunca
existiu antes da Revolução Russa de 1917.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


197

O nazifascismo e o comunismo constituíram, no século XX, a


maior antítese entre esquerda e direita, inclusive o pacto de não-agressão
entre nazistas e stalinistas teve breve duração, e foi ideologicamente
sem conseqüências a formação de alguns pequenos grupos de
stalinistas-nazistas. Em vista disso, o comunismo e o nazismo não
podem ser comparados sob uma ótica unilateral e unidimensional. No
que se refere ao primeiro, trata-se de um “ideal” que percorre toda a
história da humanidade, enquanto o segundo, desde o início, foi
considerado “teoricamente falso e moralmente perverso”. Com exceção
dos partidos nazifascistas, a idéia de “partido de massas” é alheia à
direita; aliás, o nazifascismo imitou os partidos de esquerda para ser
mais eficaz em suas lutas contra eles. O nazifascismo saqueou o campo
teórico do inimigo. Enquanto a direita tradicional tendeu a desmobilizar
os trabalhadores e reduzi-los à passividade política, o nazifascismo
tendeu a educar as massas na impressão de estarem em permanente

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mobilização e de terem uma relação direta com o Chefe.. Hitler,
inclusive, propôs a criação de um partido antimarxista, fundamentado
nas mesmas bases de disciplina e organização dos comunistas. Os
comunistas tinham Escolas de Quadros e os Nazifascistas, Escolas de
Chefes.
É claro que os partidos nazifascistas não eram blocos
absolutamente coesos e harmônicos. Havia importantes conflitos entre
as diversas frações políticas e organizações que compunham o
nazifascismo. Para a extrema-esquerda anticapitalista do partido
nazifascista era necessário dirigir-se com o mesmo rigor contra a direita
capitalista conservadora, do mesmo modo que foi feito com os
comunistas. Porém, para a ala dirigente que controlava as organizações
nazifascistas, o capitalismo apresentava um lado bom: era preciso
distinguir o “capital de rapina” e o “capital criativo” e a estes era
preciso fortalecer. A crítica que o nazifascismo fazia ao capital foi se
abrandando, na medida em que destruiu os inimigos externos e em
que se expurgou de sua oposição interna. Podemos distinguir duas
alas extremas no interior dos partidos nazifascistas: esquerda e direita.
Podemos observar assim que, internamente, o nazifascisamo tinha
divergências com um setor mais à esquerda, além dos opositores
externos. Em razão disso o nazifascismo realizou expurgos internos
caracterizados pela eliminação de sua extrema-esquerda nazista, e
expurgos externos pela destruição da oposição.
A esquerda nazifascista foi progressivamente eliminada, em razão
inversa do fortalecimento da direita, Muitas vezes tais conflitos, no

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198

interior do nazifascismo, tiveram um desfecho sangrento, como quando


da eliminação de sua extrema-esquerda. Hitler considerava a extrema-
esquerda nazifascista como excessiva e perigosa. Vários líderes dessa
ala foram assassinados. Mussolini também procurou eliminar qualquer
elemento de independência entre seus seguidores: líderes fascistas
foram afastados e substituídos por pessoas de sua confiança. Depois
que Mussolini e Hitler expurgaram grande parte dos militantes, as
organizações nazifascistas foram reduzidas a instrumentos políticos
bem mais dóceis. Com a eliminação dos socialistas, dos comunistas e
da extrema-esquerda nazifascista, isso tranqüilizou parte dos industriais,
dispostos a simpatizar com os nazifascistas. Dentre as duas alternativas:
comunismo e nazifascismo, os capitalistas ficaram com a segunda,
apesar de ser uma política extrema, inclusive para si. Em última
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instância, o capitalismo encontrou no nazifascismo condições de


reprodução. Em razão disso, o nazifascismo constituiu-se num
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instrumento de destruição da organização operária, por isso o


capitalismo não pode extinguir definitivamente o nazifascismo, porque
precisa dele.
Todo Estado nazifascista tornou-se uma ditadura, mas nem todas
as ditaduras tornaram-se nazifascistas, ainda que possam ter
incorporado alguns de seus elementos. O nazismo, por exemplo, tem
raízes em certas correntes políticas de extrema-direita da baviera. No
caso do Brasil, o Estado Novo incorporou muitas das idéias presentes
no programa integralista. Embora os partidos nazifascistas se
apresentassem como “de trabalhadores”, foi a classe média que se
tornou o maior campo de ação de suas propagandas.
O nazifascismo não é um fato do passado; suas rearticulações
se fazem presente neste início de terceiro milênio. A crise econômica,
o desemprego, a degradação do nível de vida, as mazelas parlamentares,
a impunidade, a desesperança generalizada, o ressurgimento de velhos
preconceitos raciais e étnicos favoreceram, a partir dos anos 80, a
retomada de movimentos nazifascistas. No caso da Europa, os
nazifascistas manifestam-se de forma brutal e têm nos estrangeiros o
alvo principal de ataques, em especial Alemanha, Áustria, França e
Itália. Dentre estas forças nazifascistas, os skinheads têm ganhado
destaque na mídia. Usualmente associa-se os skinheads à extrema-
direita, porque, de fato, um setor dos skinheads aderiu ao
nazifascismo.Entretanto, nem todos os skinheads são racistas ou
simpatizantes do nazifascismo. Desse modo é importante esclarecer
que os skinheads estão rompidos em várias frações, mas basicamente

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


199

podemos distinguir em seu interior um setor de extrema-direita e um


setor de extrema-esquerda Os White Power, junto com a Aryan White
Resistence, por exemplo, são skinheads de extrema-direita. Há, também,
os que são de extrema-esquerda como os Red Anarquist Skinheads
(RASHS: Skinheads Comunistas e Anarquistas). Os skinheads surgiram
na Inglaterra dos anos 60, com jovens que começaram a raspar a
cabeça (como “atitude” e como higiene, pois piolhos infestavam os
cabelos, notadamente dos trabalhadores dos portos. A partir do final
dos anos 70, uma organização inglesa de extrema-direita denominada
National Front viu no violento cotidiano dos skinheads e dos hooligans
um terreno propício para a pregação da “supremacia branca” e do
nacionalismo extremado. Há, inclusive, um minoritário movimento
nazifascista brasileiro que se dedica ao separatismo e que prega a
superioridade do povo sulista. Ou seja, este movimento almeja a
“República dos Pampas” (que, conforme prega, conteria os Estados
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), constituindo-se numa

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espécie de um núcleo de partido de extrema-direita sulista que pretende
que o sul do Brasil se separe dos demais Estados, para que este deixe
de ser “explorado por baianos e paraíbas” e deixe de “sustentar o
nordeste parasita” que “suga” o trabalho e os impostos que são pagos
pelos habitantes do sul.

CONCLUSÃO

Renato Janine Ribeiro escreveu que:


Quem diz que não existe mais diferença entre esquerda e direita é de direita.
Esse é um adágio levemente maldoso, mas, mais ou menos correto. Se não
houver mais diferenças ideológicas, devemos escolher os dirigentes pela
competência; ora, por definição, quem tem maior experiência de poder conhece
melhor os seus mecanismos. Portanto, a tradição tenderá a ser mais competente
que a ruptura. E por isso a direita tenderá a desimcumbir-se melhor. Não é
fortuito, pois, que primeiro a direita e depois o centro insistem tanto na
competência (...) (2004, p. 40).
Observamos que direita e esquerda não são substâncias ou
conceitos; elas são parâmetros que têm um caráter relacional e
comparativo. Mas, um posicionamento de esquerda não é volátil ou
“oco”; há uma idéia comum que é a luta pela igualdade econômica que
a acompanha por toda a história e é isto que caracteriza o “ser de
esquerda”, que é diferente do “estar à esquerda”, que está ali

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


200

circunstancialmente, porém não comunga convicta e duradouramente


com o horizonte socialista. Para a esquerda a questão da transformação
da sociedade é fundamental, mas é possível a esquerda extinguir a
propriedade privada dos meios de produção somente pelo voto? A
esquerda privilegiou atuar nos limites da ordem e do parlamento, porém
ela tem utilizado, em algum momento na luta pelo poder político, a
violência revolucionária. Quando a esquerda recorreu às armas deu-
se o que comumente se chamou “esquerda armada”, que neste
momento, sob o meu ponto de vista, torna-se extrema-esquerda. A
extrema-esquerda, por sua vez, atua predominantemente de forma
clandestina, e ela pode ser de dois tipos: “massista” ou “militarista”, e
se define pelo ataque radical à propriedade privada dos meios de
produção.
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Não se pode desconhecer a capacidade de auto-engano de alguns


intelectuais que justificam o abominável pelo contexto, pelas
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necessidades históricas, pelo sentido político. Assim, muitos


intelectuais fizeram a defesa da URSS, da China, da Iugoslávia e de
Cuba, por exemplo, mas também se perguntaram se toda crítica a
estas revoluções - que suscitaram tanta esperança – significou “fazer
o jogo da direita”. Nesta direção, a crítica que o trotskismo (TROSTKY,
1979) fez à burocratização da Revolução Russa foi de fato a crítica de
“traidores” que serviu à direita, como argumentou o stalinismo?
Efetivamente, a redução da luta política – inclusive interna - ao uso da
força, principalmente a militar, se no início fortaleceu o stalinismo, ao
longo dos anos tornou-o infecundo e ferido de morte, pois impediu a
democratização socialista do Estado.
Como vimos, em páginas anteriores, historicamente a idéia e
organização de partido político, em seu sentido moderno, se
desenvolveu mais à esquerda do que à direita. O que provocou o
surgimento de partidos de quadros e partidos de massa. Observamos
também que todo governo tem que ter controle sobre as forças militares
e controle sobre as forças políticas. As ditaduras, mormente, procuram
controlar os partidos. No Brasil, especificamente, durante a Constituição
de 1967/1969, o partido político era definido como “entidade de direito
público”, ou seja, o partido na prática ficava reduzido a uma espécie
de autarquia subordinada à justiça eleitoral (e à ditadura militar). Como
exemplos mais flagrantes, nos quais o partido político transformou-se
em órgão do próprio Estado, à direita, podemos citar o Partido Nacional
Fascista, na Itália de Mussolini, o Partido Nacional Socialista, na
Alemanha de Hitler e, à esquerda, o Partido Comunista, na União

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


201

Soviética de Stalin. Todavia, como vimos, institucionalmente falando,


a razão de ser dos partidos políticos conservadores e reformistas é “a
tomada do poder pelos meios democráticos e legais”, (ao contrário
dos partidos extremistas). Em razão disso, em conjunturas de
“democracia”, procura organizar politicamente “partes”, segundo um
programa, um discurso e uma prática no interior da ordem vigente.
Assim, com a “redemocratização” que aprovou a Constituição de 88,
o partido político passou a ser uma sociedade civil de direito privado,
fora do Estado, mas “com a finalidade de prestar serviços de interesse
público em benefício de todo o grupo social”. O partido político é
obrigado a realizar dois registros: o civil, que cria a “personalidade
jurídica”, e o eleitoral, que lhe possibilita participar da vida político-
partidária. O partido é obrigado também a registrar o seu estatuto,
junto ao TSE, pelo menos um ano antes das eleições. É livre a criação,
fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos, cujos programas
respeitem “a soberania nacional”, “o pluripartidarismo” e “os direitos

Coleção Sociedade, Estado e Educação


fundamentais da pessoa humana”.
Como já nos referimos aos simpatizantes, aos eleitores e aos
militantes, em termos de círculos de participação, portanto, podemos
diferenciar a “filiação”, a “desfiliação” e o “cancelamento da filiação”,
tendo como exemplo o caso brasileiro. Na prática, não é tão fácil a
criação de partidos políticos no Brasil. Requer-se a aquisição da
mencionada personalidade jurídica do partido, que é feita por meio do
registro do estatuto no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas,
no Distrito Federal. Este requerimento deve ser subscrito pelos seus
fundadores, cujo número não poderá ser inferior a 101 eleitores, com
domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço dos Estados. É necessário
também buscar o apoio de eleitores correspondente em pelo menos
três aspectos: a) meio por cento dos votos dados na última eleição
geral a câmara dos deputados, não computados brancos e nulos5 , b)
distribuídos por um terço ou mais dos Estados6 , c) com um mínimo
de um décimo por cento(1/10%) do eleitorado que tenha votado em
cada um deles7. Somente depois do registro definitivo do seu estatuto
no Tribunal Superior Eleitoral é que o partido adquire o direito de
credenciar delegados que representem o partido; de receber recursos
do fundo partidário; de participar do processo eleitoral; de ter acesso
gratuito ao rádio e televisão e ainda ter direito exclusivo ao uso de seu
nome, sigla e símbolos.

5 Hoje seriam aproximadamente 228.000 assinaturas.


6 Isto equivale em nossos dias a nove Estados.
7 Atualmente, no Estado do Paraná, por exemplo, seriam cerca de 4.700 assinaturas.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


202

Já retomamos o processo de filiação. retomemos agora a


desfiliação. Este caso ocorre quando alguém se filia a outro partido,
devendo fazer a comunicação ao partido e ao juiz da respectiva zona,
para cancelar sua filiação, no dia imediato ao da nova filiação. Se não
fizer isto ficará configurada a “dupla filiação”, sendo ambas
consideradas nulas. Para o controle da desfiliação, atualmente, a lei é
mais rigorosa.Não prevalece mais aquela situação anterior em que se
cancelava a filiação mais antiga, permanecendo como válida a última
filiação. Diferente da desfiliação é o cancelamento da filiação. A
desfiliação é voluntária, enquanto que o cancelamento da filiação é
automática e compulsória, que pode se dar por morte, perda dos
direitos políticos, expulsão, entre outras formas previstas em lei.
Para concorrer a cargo eletivo, o “eleitor” deve se tornar
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

“militante”, filiando-se ao partido pelo qual irá concorrer pelo menos


um ano antes do pleito. Estão proibidos de se filiarem a partido político
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os militares, os magistrados e promotores de justiça. No Brasil,


atualmente, para que o “cidadão” possa filiar-se a um partido político,
a primeira condição é que seja eleitor no município onde deseja se
inscrever e somente pode filiar-se a partido político o eleitor que “estiver
em pleno gozo dos direitos políticos”. Não há “candidato independente”
ou candidatura avulsa; unicamente através de um partido político o
candidato pode pleitear o registro oficial de sua candidatura.
Para Panebianco (1982), os destinatários dos incentivos
organizacionais são os filiados, os eleitores e os militantes. Para obter
o voto - essa forma mínima de participação de um dos círculos do
partido - as lideranças do partido devem distribuir incentivos coletivos
de identidade também aos eleitores. Os filiados, muito mais que simples
eleitores, por seus contatos mais diretos com os militantes, entre outras
coisas, têm mais oportunidades de beneficiar-se das redes de
solidariedade que se articulam em torno das organizações do partido.
Não obstante, uma separação clara entre os filiados e os eleitores é,
pelo menos, problemática; igualmente incerta é a que se dá entre filiados
e militantes. Podemos nos referir a uma escala de participação, mas
não de grupos claramente distintos, com características de participação
completamente diferentes..
Fizemos esta breve discussão porque, para compreendermos a
diferença de estrutura entre os partidos, é preciso que compreendamos
as diferentes circunstâncias do seu surgimento (de seus parâmetros e
de seus círculos de participação).O desenvolvimento dos partidos

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


203

parece associado ao da democracia, isto é, à extensão do sufrágio


popular e das prerrogativas parlamentares. Quanto mais o direito de
voto se estendeu e se multiplicou, tanto mais se tornou necessário
enquadrar os eleitores. Duverger distinguiu “partidos de criação eleitoral
e parlamentar” e “partidos de criação externa”. Esta distinção, porém,
não é rígida; caracteriza antes tendências gerais do que tipos definidos;
ele procurou realizar uma distinção entre partidos de criação externa e
partidos de criação externa. Assim, conforme a primeira distinção, o
nascimento dos partidos encontra-se ligado ao dos grupos
parlamentares e comitês eleitorais. Geralmente, os grupos
parlamentares antecedem os dos comitês eleitorais. O que vale dizer:
houve assembléias políticas antes que se realizassem eleições. O
impulso para a formação de grupos parlamentares originou-se de
“doutrinas políticas” (grupos ideológicos, vizinhança geográfica, defesa
profissional). Assim, por exemplo, o “clube bretão” assumiu o aspecto

Coleção Sociedade, Estado e Educação


de um grupo ideológico que reunia deputados de diferentes províncias,
que partilhavam os mesmos pontos de vistas. Desse modo, a partir
de um “grupo local” temos também um grupo ideológico que se tornou
conhecido como “os jacobinos. Houve também o caso de deputados
que se reuniam no mesmo local porque já tinham idéias comuns antes
de se reunirem. Temos, neste caso, um “grupo ideológico” de pronto,
e não um “grupo local”. Claro que as “doutrinas” ainda não eram
muito nítidas.
A adoção do sufrágio universal acarretou o crescimento dos
partidos socialistas no início do século XX, na maioria dos países
europeus. Do mesmo modo, o advento dos comitês eleitorais está
diretamente ligado à extensão do sufrágio popular para enquadrar novos
eleitores. Além disso, os sentimentos igualitários e a vontade de
eliminação das “elites sociais tradicionais” contribuíram para o advento
dos comitês eleitorais. Portanto, a criação de comitês eleitorais tende
a ser uma iniciativa da esquerda (no espectro político) para tornar
conhecidas “novas elites”. A direita também seguiu este exemplo de
criação de comitês eleitorais para manter e ampliar a sua influência.
São os grupos parlamentares e comitês eleitorais que constituíram
duas “células-mater” para a criação de partidos políticos, na acepção
moderna do termo. Mais tarde haverá uma inversão nas iniciativas,
pois, com o desenvolvimento dos partidos, serão estes que suscitarão
a criação de comitês eleitorais onde eles ainda não os possuem. De
criatura o partido passou a ser criador. Conforme a segunda distinção
que se refere a partidos de criação externa - inicialmente expressa

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


204

neste texto - sindicatos operários, parlamentares, intelectuais,


associações, maçonaria, igrejas, sociedades de pensamento, jornais,
etc, podem criar partidos com maior ou menor base popular. Um
detalhe que chama a atenção é que os partidos de criação externa (que
nascem na base) são, geralmente, mais coerentes e disciplinados que
os partidos de criação eleitoral e parlamentar (que nascem da cúpula).
Aproximadamente até 1900, a maioria dos partidos era de criação
eleitoral e parlamentar, mas com o desenvolvimento dos partidos
socialistas, a criação externa tornou-se a regra. Os “partidos
burgueses” do século XIX não queriam multiplicar seus partidários,
nem enquadrar grandes massas populares. Preferiam agrupar “grandes
personalidades” e decidir politicamente pelo alto. Tais partidos somente
tinham preocupações eleitorais. Afinal, o poder estava quase sempre
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

sob controle de uma das frações das classes dominantes. Para eles a
ideologia, o programa partidário e os trabalhadores tinham uma
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

importância secundária.
Por outro lado, os partidos socialistas tinham uma estrutura
voltada para as massas populares. Consequentemente, as questões
ideológico-educativas e a ideologia assumiram grande relevância. Tais
partidos valorizavam a filiação dos trabalhadores e a cotização. Os
partidos socialistas queriam multiplicar seus partidários e organizar
as massas populares. O recrutamento de militantes passou a ter um
caráter fundamental, do ponto de vista político e financeiro. A militância
socialista estava junto à base: as decisões eram tomadas em congressos,
apoiadas em comitês, conselhos e secretariados. Ou seja, os socialistas
educam e financiam suas atividades a partir de cotizações e contribuições
de seus militantes e simpatizantes.
Fiquemos um pouco no campo do socialismo. O conceito de
partido de Lênin entende que o partido não deve englobar toda a classe
operária e sim somente a “parte mais consciente”, ou seja, a vanguarda.
Segundo Duverger, a concepção marxista do “partido-classe” levou a
uma estrutura forte de partido, visto que como o partido é entendido
como a expressão de uma classe social, ele tende a buscar organizar
esta classe, a educá-la politicamente, pois dela virão membros para a
direção e administração do partido. Esta organização e educação
permitiria libertar a classe operária da tutela dos partidos burgueses,
inclusive com candidatos operários, financiamento coletivo e difusão
de um jornal.
A propagação das idéias socialistas e o desenvolvimento do
comunismo, com seus métodos revolucionários de luta alertou a

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


205

burguesia sobre a insuficiência dos partidos de quadros e sobre a


necessidade de empreender seriamente a criação de partidos de massas.
De forma que há um ponto comum, pelo menos até agora, entre os
partidos socialistas, os partidos comunistas e os partidos fascistas:
englobam massas numerosas, mesmo antes de sua tomada de poder
e se transformam em partidos únicos, depois de algum tempo da
conquista do poder. Por isso Duverger perguntou se estamos lidando
com verdadeiros partidos de massas, ou se estamos lidando com
“partidos de fiéis”; mais abertos que os partidos de quadros, porém
mais fechados que os partidos de massas. Ele também indagava,
naquele momento: o período histórico dos partidos de massas estará
superado? Estaremos ingressando no período do “partido elite”? Mas,
como a idéia de “partido-elite” é muito vaga para se constituir uma
categoria à parte, ele escreveu que podemos classificar os partidos
comunistas e os partidos nazifascistas nos partidos de massas, mas
com a condição de observar o seu caráter um pouco diferente.

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Como ressaltamos, ao longo do trabalho, para este estudo,
importa distinguir os círculos de participação: “os eleitores”, “os
simpatizantes” e “os militantes”. Em termos de estudo, a categoria de
eleitores apresenta uma vantagem em relação às outras duas, uma vez
que é facilmente mensurável. Sob este determinado ponto de vista
eleitoral, por exemplo, podemos definir a força e a fraqueza de um
partido pelo número dos seus eleitores e pelo número de cadeiras
ocupadas no parlamento. Duverger também estabeleceu a distinção
de graus na “participação”, mas ele problematizou ao colocar duas
possibilidades: trata-se de graus ou de diferenças de natureza? De
fato, eleitores, simpatizantes, adeptos e militantes caracterizam-se
menos pela intensidade dos seus laços com o partido e mais pela
qualidade destes. Cada categoria de partidários corresponde a um
tipo de participação, caracterizado antes por sua qualidade do que por
sua intensidade. Essa qualidade de participação varia no próprio âmbito
de cada categoria. Finalmente, a própria organização partidária filia-se
a um determinado tipo de “família” política, que forma e educa para
numa determinada perspectiva ideológico-educativa.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


206

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Estado, Educação e Sociedade Capitalista


PARTIDO POLÍTICO E DEMOCRACIA BURGUESA:
ALGUNS CONTRAPONTOS ENTRE A
ESCOLA MARXISTA E A ESCOLA WEBERIANA

Mário de Jesus Barboza


Gilmar Henrique da Conceição

INTRODUÇÃO

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Este texto surgiu de pesquisas e estudos no âmbito da teoria
política realizados no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unioeste, a partir de reflexões acerca dos partidos políticos e da
educação, ou mais precisamente acerca das “escolas políticas” marxista
e weberiana, de maneira que este artigo busca organizar uma breve
introdução dos conceitos trabalhados pelos clássicos do pensamento
político, dos debates e preocupações que nortearam os profícuos
momentos de exercício intelectual e acúmulo de experiências
proporcionado pela leitura e discussão dos textos indicados pelo
professor da disciplina. Estes escritos são, portanto, uma tentativa de
apresentar minimamente uma formulação, ainda que provisória, de
uma questão que parece ser extremamente atual, ou seja, a questão
do programa e do partido recolocada no início do século XXI. O foco
deste trabalho é buscar compreender as organizações conhecidas por
partidos políticos, as quais têm por objetivos conquistar o poder político
(ou seja, as instâncias decisórias do Estado) por meio do voto, no
caso dos partidos reformistas e dos partidos conservadores, ou pela
revolução, no caso dos partidos revolucionários. Como limite de reflexão
neste artigo, nos reportaremos a alguns contrapontos teóricos entre
Karl Marx e Max Weber.
Ao acompanharmos o passado político no Brasil é fácil sermos
levados a classificar o partido político apenas como uma ferramenta
fisiológica, já que nestes últimos vinte anos de exercício da
“democracia”, casos de escândalos envolvendo partidos e seus
dirigentes têm se acumulado na história política brasileira. Lembramos

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


210

dos financiamentos ilegais que vieram a público e causaram o


impeachment do presidente Collor, ou a denúncia de “caixa dois”
operada por quadros do PSDB em outros momentos, e do Partido
dos Trabalhadores na campanha eleitoral de 2002, além é claro dos
recorrentes argumentos de experientes políticos profissionais que
afirmam ser esta uma prática comum a todos os que participam da
vida política institucionalizada no Brasil, ou seja, é recorrente o custeio
dos gastos eleitorais por setores privados que visam privilégios em
futuras negociatas com as instâncias burocráticas estatais. Na realidade,
a prática da corrupção tem acompanhado o exercício do poder e a
prática da maioria dos partidos ao longo dos anos. Neste sentido, se
é praticamente impossível zerar o índice de corrupção, o que se busca
idealmente é reduzi-lo a níveis ínfimos. A tarefa parece hercúlea.
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Não se pode reduzir, entretanto, o partido a simples elemento


de manipulação fisiológica, isto porque esta interpretação revela pouco
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e, em certos casos, ainda impede-nos de descortinar as suas


possibilidades e limitações. É preciso então buscar quais têm sido e
como têm sido as suas realizações nos vários momentos da história
das sociedades. Nesta perspectiva, os escritos de Max Weber e Karl
Marx têm especial importância.

A ATUALIDADE DE MARX E WEBER

A compreensão do pensamento de Marx e Weber pressupõe a


clareza de que suas formulações estão vinculadas ao contexto político,
econômico, social e cultural do seu tempo, mas que em alguns aspectos
continuam sendo atuais e podem nos ajudar a compreender as questões
da contemporaneidade.
Por isso, inicialmente faz-se necessário uma breve sistematização
de algumas das idéias de Max Weber que contribuíram com a
formulação das bases teóricas da concepção burguesa de partido,
presente, particularmente, no livro: A Ciência e a Política: duas Vocações,
(WEBER, 2000), produto de uma conferência a acadêmicos
universitários alemães no ano de 1918, a fim de descrever a atividade
política do mundo moderno. Weber estudou a maneira pela qual a
prática científica contribui para o desenvolvimento da racionalidade
humana e analisa com percuciência as condições de funcionamento
do Estado moderno, focalizando assim a oposição básica entre a “ética
de condição” do cientista e a “ética de responsabilidade” do político na

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


211

qual ele mencionou vários tipos de políticos profissionais. Estudando


a “política como vocação”, Weber descreveu organizações partidárias,
procurando mostrar, por exemplo, que a democracia tende a criar a
figura de políticos profissionais fora do parlamento, que controlam as
organizações e tendem a administrar os partidos como empresários.
Na perspectiva de Weber, os luteranos difundiram a expressão
Beruf (SCHILLING, 2007) , entendida como algo bem mais do que
seguir uma vocação, mas sim um projeto de uma vida inteira. A alteração
proposta por eles de abandonar-se a vida contemplativa trocando-a
por uma vocação para o trabalho secular, teve efeitos duradouros nas
estruturas sócio-econômicas que se seguiram.
Weber não aceitava as teses de Marx sobre a “acumulação
primitiva” apresentadas no “O Capital”, que denunciavam a exploração
dos camponeses medievais ingleses; as bases primeiras do capitalismo.
Weber divergiu de Marx quando escreveu que nenhuma ciência poderá
indicar à humanidade qual é o seu futuro. A religião, segundo Weber,

Coleção Sociedade, Estado e Educação


não era uma ideologia produzida por interesses econômicos (o ópio
do povo, como havia escrito Marx); era sobretudo o que havia
possibilitado o surgimento da sociedade capitalista. Assim, o
pensamento weberiano se definiu como um esforço destinado a
compreender e a explicar os valores aos quais os homens aderiram, e
as obras que construíram. O pensamento de Weber caracterizou-se
pela crítica ao materialismo histórico, que – segundo ele - dogmatiza e
petrifica as relações entre as formas de produção e de trabalho (a
chamada “estrutura”) e as outras manifestações culturais da sociedade
(a chamada “superestrutura”), quando na verdade se trata de uma
relação que, a cada vez, deve ser esclarecida segundo a sua efetiva
configuração. Para Weber, isso significava que o cientista social deve
estar pronto para o reconhecimento da influência que as formas
culturais, como a religião, por exemplo, podem ter sobre a própria
estrutura econômica, especialmente no que respeita à interação de
idéias religiosas com o comportamento econômico. Ele definiu o
espírito do capitalismo como as idéias e hábitos que favoreceram, de
forma ética, a procura racional de ganho econômico.
É indiscutível que os escritos de Weber, profundos e complexos,
constituiram uma contribuição fundamental para a compreensão dos
fenômenos históricos e sociais e, ao mesmo tempo, da reflexão sobre
o método das ciências histórico-sociais. Como é sabido, Weber é
considerado - junto com Marx e Émile Durkheim - um dos fundadores
da sociologia e dos estudos comparados sobre cultura e religião,

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


212

disciplinas às quais deu um impulso decisivo. A sua abordagem diferia


da de Marx, que utilizou o materialismo histórico para explicar as
transformações históricas das relações de produção e das forças
produtivas.
Marx e Weber se voltaram para o exame dos aspectos mais
importantes da ordem sócio-econômica do mundo ocidental, nas várias
etapas de seu desenvolvimento histórico. Porquanto, não surpreende
que subjacente a Weber em sua obra Ética Protestante e o Espírito
Capitalista1 , esteja a realidade econômica da Alemanha do princípio
do século XX. Nesse seu trabalho ele tinha a intenção de examinar as
implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos
homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante, em
especial o calvinismo, na promoção do próprio capitalismo; ele
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

investigou as razões do capitalismo se haver desenvolvido inicialmente


em países como a Inglaterra ou a Alemanha, concluindo que isso se
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deveu à mundividência e hábitos de vida praticados ali pelo


protestantismo. A doutrina calvinista da predestinação levava os crentes
a tentarem demonstrar sua situação de “eleitos por Deus”, o que
faziam dedicando-se ao comércio e ao acúmulo material.
Os escritos de Marx, além de seu caráter teórico, constituíram
elementos fundamentais para a luta econômica e política dos partidos
operários. Por essas razões, a pergunta que os sociólogos alemães se
faziam era se o materialismo histórico elaborado por Marx era ou não
“indiscutível”, ao considerar a esfera econômica no elemento
determinante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a
religião. Inúmeros trabalhos foram escritos divergindo de Marx,
buscando substituir o fator econômico como dominante por outros
fatores, tais como raça, clima, topografia, idéias filosóficas, poder

1 Quanto às relações entre a cultura protestante e o “espírito do capitalismo”, pode-se dizer, de


maneira esquemática, que estão relacionadas principalmente com a doutrina da predestinação
e da comprovação — entendidas aqui, respectivamente, como a idéia de que Deus decretou
o destino dos homens desde a criação e a idéia de que certos sinais da vida cotidiana podem
indicar quais são os eleitos por Deus e quais os danados. Conquanto, para os católicos, há certos
elementos atenuantes que permitem ao crente cometer certos deslizes, para os protestantes,
sobretudo os calvinistas, a exigência de uma comprovação de que se é eleito impõe vastas
restrições à liberdade do fiel, de modo a levar a uma total racionalização da vida. Essa
racionalização, entendida como uma “ascese intramundana” — isto é, uma visão de mundo
que propõe a iluminação através da santificação de cada ato particular do cotidiano —, abre
um campo para o enaltecimento do trabalho, visto como a marca da santificação. É essa
característica que permite a articulação entre a ética protestante, por um lado, e o espírito do
capitalismo, por outro.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


213

político. Alguns autores, já tinham orientado-se no sentido de ressaltar


a influência das idéias e das convicções éticas como fatores
determinantes, e chegaram à conclusão de que o moderno capitalismo
não poderia ter surgido sem uma mudança espiritual básica, como
aquela que ocorreu nos fins da Idade Média. Contudo, somente com
os trabalhos de Weber foi possível elaborar uma verdadeira teoria
geral como contraponto às idéias de Marx.
Para Weber, o Estado é uma das fontes de produção jurídica, a
que na modernidade consolidou-se como a mais eficaz justamente por
possuir a violência como monopólio estatal como forma legítima da
ação coercitiva e de repreensão à sua desobediência. Esta violência é
considerada legítima, pois se apóia num conjunto de normas. Weber
estudou o poder sob dois aspectos; enquanto Matcht e enquanto
Herrschaf. O poder enquanto Macht é a mera possibilidade de uma
pessoa impor a sua vontade a outra pessoa, mesmo contra a vontade

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dela. Situa-se no âmbito do sociologicamente amorfo, sendo uma
simples casuística do poder, típica do poder das constelações de
interesses que dominam um “mercado livre”. O poder político,
enquanto Herrschaft, é sempre uma estrutura complexa de práticas
materiais e simbólicas destinadas à produção do consenso,
pressupondo sempre uma relação política estável, institucionalizada,
legitimada e concentrada, entre um fator de organização, o comando,
e a obediência ou a aceitação dos comandados. Implica a probabilidade
de se encontrar obediência, que haja a presença efetiva de alguém
mandando eficazmente em outros. Se no Macht o comando não é
necessariamente legítimo, nem a submissão é obrigatoriamente um
dever, já no Herrschaft, a obediência fundamenta-se no reconhecimento,
pelos que obedecem, das ordens que lhe são dadas, isto é, tem de
haver consentimento. Neste sentido, converte uma ação comunitária
amorfa numa ação racional. Estamos na zona da metafísica do poder
que emerge quando surge uma autoridade estabelecida, impondo-se
que haja quatro elementos: “governantes”; “governados”; “governantes
com vontade de influenciar a conduta dos governados”, de maneira
que haja um grau objetivo de obediência; e, finalmente, uma “aceitação
subjetiva desse comando”, o que só pode ser conseguido pela
legitimidade, como se o governado tivesse feito do conteúdo da ordem
a máxima da sua conduta por si mesma. É a partir do Herrschaft que
se atinge o político, pelo fato de que uma associação de Herschaft
transforma-se em associação política quando e na medida em que a
sua existência e a validade das suas ordens - dentro de um âmbito

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


214

geográfico determinado - estão garantidas, de modo contínuo, pela


ameaça e aplicação da força física pelo quadro administrativo.
A política deverá ser entendida, então, como qualquer atividade
em que o Estado tome parte, de que resulte uma distribuição relativa
da força. A política obtém assim a sua base no conceito de poder e
deverá ser entendida como a produção do poder. Ao escrever sobre a
processualística político-institucional, Weber passou a ser um dos mais
importantes referenciais acerca do desenvolvimento da burocracia
estatal. Suas idéias são tidas como um conjunto de “interpretações
clássicas”, as quais influenciam fortemente as práticas representativas,
historicamente verificáveis no estudo dos Estados modernos do século
XX.
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A QUESTÃO DO PARTIDO
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Em termos de origens, Weber identificou os primeiros partidos


políticos com os agrupamentos existentes nas cidades medievais –
ainda sem a presença organizada do Estado moderno, evidentemente
– como os guelfos e os guibelinos das cidades italianas, os quais
caracterizavam-se por serem um grupo de séqüitos pessoais que se
congregavam nas disputas violentas por poder político ou terras. Em
seguida, Weber tratou do surgimento do partido articulado à
implantação e configuração do Estado moderno, identificando no
ambiente da nobreza inglesa a gênese dos partidos, os quais não
passavam de simples conjunto de dependentes da aristocracia,
identificados às grandes famílias da nobreza, que exerciam fortes
influências nos burgos eleitorais, necessários à legitimação do
parlamento inglês.
De acordo com Weber, apesar da ascensão política da burguesia,
os partidos que operam no cenário do século XIX ainda herdam e
conservam o mesmo tipo de organização da estrutura partidária da
nobreza, ou seja, “partidos de notáveis”, mais identificados como
“facções” ou “clubes de políticos locais”, possíveis de serem
encontrados em grandes centros e que se reuniam apenas em períodos
eleitorais.
Mesmo na virada do século XIX, na Inglaterra, quando se fez
necessário à organização partidária ganhar corpo regional mais amplo,
com uma movimentação política unificada, o partido em geral manteve,
em princípio, o caráter de agrupamento de “homens de projeção” que

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


215

mantinham controlados os membros do grupo parlamentar. Além dos


empregados da sede central, não havia funcionários remunerados,
ocorrendo que não era possível viver profissionalmente da prática
partidária.
Ao estudar o funcionamento da “empresa política” francesa no
início do século XX, Weber observou que os programas dos partidos
eram elaborados por circunscrição eleitoral, ou pelos próprios
candidatos às vésperas das campanhas eleitorais, não caracterizando
um pensamento hegemônico e único capaz de identificar com clareza
o cerne ideológico do partido.
O número de pessoas que, até poucos anos atrás, fazia da atividade
política a ocupação principal era muito reduzido. Abrangia,
principalmente, os deputados eleitos, o punhado de empregados do
organismo central, os jornalistas e, além disso - na França - os que estão
“à cata de um posto” e os que, tendo já ocupado um posto, estão à espera

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de conseguir uma situação nova. Em geral, a política se constituía, de
forma preponderante, em uma segunda profissão. (Weber, 2000, p. 87)
Tendo testemunhado o processo de unificação do reino sob o
comando de Bismarck, na qual ocorria a eliminação dos movimentos
liberais da classe média, é possível perceber que o entendimento
weberiano de partido tem suas raízes na lógica liberal burguesa da
“igualdade jurídica”. O que vale dizer, mesmo realizando uma crítica
ao ambiente político existente na França, que visou uma melhora dos
encaminhamentos político-burocráticos de representação, todavia não
avançou muito além da igualdade jurídica.
Para os marxistas, a formulação burguesa de partido falseia as
relações de classe existentes na sociedade. Desse modo, considera-se
que os estudos de Max Weber, quando verificam o funcionamento do
partido seja na França, Inglaterra ou Alemanha, não enfrentam o caráter
contraditório e falso da chamada democracia burguesa e o papel
conservador das instâncias de decisão, ocupados pelos partidos que
governam e da “base aliada”. No Estado sob hegemonia burguesa,
sua direção conserva um caráter de classe, portanto de defesa do
capital. Observamos assim que o Estado como uma instância de
dominação das classes economicamente dominantes, mesmo sendo
operado sob um regime democrático-burguês, historicamente não tem
permitido duradouramente que o parlamento se configure em um
espaço de amplos ganhos da luta política proletária, haja vista o refluxo
das conquistas dos trabalhadores, o avanço da contra-revolução mundial
que tem excluído os trabalhadores do conjunto de riquezas socialmente

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


216

produzidas em todo o mundo, mesmo em países centrais do


capitalismo, como os Estados Unidos da América.
Contraditoriamente, por sua condição de existência ser o próprio
terreno da política, o partido tem sido o locus no qual podemos ver
congregados, em certos momentos da história, o que até hoje tem se
constituído enquanto movimento organizado de resistência e de luta
(ao lado de sindicatos, associações e movimentos sociais), seja pelo
entendimento das forças políticas de direita que concebem o partido
como um elemento de defesa e manutenção da ordem econômico-
social, a partir do exercício do poder político institucional, ou as forças
políticas de esquerda – especialmente os de extrema-esquerda - que
concebem o partido como instrumento de subversão da ordem
econômico-social, a partir do exercício da ação revolucionária.
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No caso de Marx e Engels é sabido que eles não puderam


desenvolver satisfatoriamente uma teoria acabada dos partidos políticos,
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os quais, inclusive, estavam somente se iniciando nas formas sob as


quais as conhecemos atualmente. Também não nos legaram uma teoria
completa da formação da consciência de classe do proletariado. Para
eles, os partidos eram a expressão, mais ou menos adequada, de
classes e frações de classes, mas não consideravam que toda e qualquer
luta partidária devesse exprimir interesses econômicos conflitantes. O
proletariado somente age como classe organizando-se em partido.
Ou seja, para eles, a importância do partido está em que ele é o principal
instrumento que promoveria a passagem da “classe em si” para “classe
para si”, como sujeito coletivo autoconsciente.
Marx entendia que a energia revolucionária dos trabalhadores
se dilui quando não é canalizada e organizada por um partido, de
forma que não se pode militar consequentemente para a revolução,
sem tratar da organicidade de sua força mais destacada que são os
trabalhadores. Na ótica de Marx e Engels, enquanto todas as revoluções
do passado somente apresentavam a substituição de uma forma de
exploração por outra, o objetivo da revolução proletária é a liquidação
de toda exploração do homem pelo homem, de todas as formas de
opressão social e a criação do comunismo. Eles combateram a
concepção burguesa de liberdade, de educação, direito, etc.
Esta interpretação de partido enquanto instrumento
revolucionário tem como principal influência as idéias de Marx e Engels
contidas no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, que se constituiu
para boa parte da esquerda mundial como o documento que mais
influenciou o movimento organizado dos trabalhadores, os

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


217

partidos comunistas e organizações revolucionárias. Ora, carece-nos,


então, perguntar: como e quanto tem o Manifesto Comunista a
contribuir para o entendimento desta dinâmica em que toma forma a
organização política dos trabalhadores sob a forma de partido político?
O Manifesto foi escrito num contexto revolucionário. A redação
deste documento foi solicitada a Marx e Engels pela Liga dos Justos,
que se organizava conforme os jacobinos, em grupos conspirativos
fechados, de cunho radical. Posteriormente, ambos criticaram este
modelo de organização revolucionária e propuseram a dissolução da
Liga. Para eles, os trabalhadores, organizando-se num partido
revolucionário, deverão destruir o Estado burguês e organizar um novo
tipo de Estado, capaz de eliminar a propriedade privada dos meios de
produção. Na fase comunista, o próprio Estado deixará de existir,
porque desnecessário.
O referido Manifesto apresentou ao debate público uma das

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interpretações que mais influenciaram o conhecimento do mundo
contemporâneo, ou seja, que a “história de todas as sociedades que
existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes”. (p.
21). Em outras palavras, o Manifesto foi fruto das tendências pertinentes
ao movimento revolucionário que sacudia a Europa no ano de sua
publicação, atingindo a França, a Prússia, o Império Austro-Húngaro,
a Itália, a Polônia, a Romênia, entre outras nações que não passaram
sem sobressaltos, como a Rússia, por exemplo, que foi um solo fértil
de práticas revolucionárias, mas que somente dariam frutos em 1917.
Todavia, uma observação deve ser feita relativa à interpretação
equivocada de que os resultados positivos e negativos da revolução de
1848 é fruto da convocação feita aos operários no Manifesto
Comunista. Ao contrário, foram as realizações concretas do movimento
operário que levaram os autores a sistematizar naquele documento, a
realidade que se apresentava, desde os finais do século anterior com
as sublevações dos ludistas.
Engels, na introdução escrita em 1895 para a obra de Marx As
lutas de classes na França de 1848 a 1850; afirmou que:
[...] a crise do comércio mundial, ocorrida em 1847, fora a verdadeira
mãe das revoluções de fevereiro e de março e que a prosperidade industrial,
que voltara pouco a pouco, a partir de meados de 1848, e chegara ao seu
apogeu em 1849-1850, foi a força vivificante na qual a reação européia
hauriu renovado vigor (Engels, p. 95).
Para Engels, esta dedução somente foi possível depois de dez
anos de estudos sobre a história econômica realizados por Marx. De

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


218

maneira que isto levou ambos, no prefácio à edição alemã do Manifesto


Comunista, em 1872 – devido ao enorme desenvolvimento da industria
moderna a partir de 1848 –, a reconhecerem que “este programa está
agora envelhecido em alguns pontos”. (p. 14). Hoje sabemos que a
segunda metade do século XIX corresponde à segunda etapa da
revolução industrial, e ao contrário da derrota eminente do capitalismo
presente no discurso do Manifesto – o qual seria fruto do próprio
desenvolvimento das forças produtivas, acelerado no modo de produção
capitalista – o que se deu, concretamente, foi a continuidade do modo
de produção capitalistas e dos interesses burgueses.
Qualquer que seja o fenômeno investigado, este se apresenta
sob uma forma dialética, portanto, o partido, no caso – por não ser
uma construção positiva, retilínea, crescente –, deve ser entendido
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dentro das especificidades de cada formação social, com suas próprias


lutas internas, ao mesmo tempo em que estabelece uma relação com
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o desenvolvimento geral do capitalismo. Por conseqüência, isto implica


não ser possível analisar a trajetória de um determinado partido político,
suas contradições, seu programa e militância,, sem entender a realidade
hegemônica do caráter democrático-burguês do Estado. Afinal, é nessa
instância que as lutas contemporâneas entre reacionários, reformistas
e revolucionários têm se desenrolado. Como dirigente revolucionário,
Lênin escreveu que aos militantes não convinha se isolarem da disputa
política, ainda que fosse no campo do inimigo:
Enquanto não tenhais força para dissolver o parlamento burguês e
qualquer outra organização reacionária, a vossa obrigação é atuar no
seio dessas instituições, precisamente porque ainda há nelas operários
embrutecidos pelo clero e pela vida nos rincões mais afastados do campo.
Do contrário, correis o risco de vos converter em simples charlatães.
(1978, p. 55).
Por ser fruto de sua época histórica e do acúmulo teórico reunido
até meados do século XIX, é que na concepção de partido no Manifesto
está subjacente as referências daquela época. Assim, o partido
comunista em 1848 se construiu com uma identidade ideológica e
política enquanto uma teoria que se filia à escola socialista, produzindo
conhecimentos e atuando na realidade social, fundamentado numa
interpretação da realidade social sob a perspectiva dos trabalhadores.
Desse modo, o que podemos observar é que no Manifesto Comunista,
ou nos vários escritos posteriores de seus autores a respeito do
movimento dos trabalhadores, na luta pela superação do modo de
produção capitalista, se institui, enquanto elemento principal da luta
política proposta, o fim da propriedade privada dos meios de produção.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


219

Em resumo, os comunistas apóiam em toda parte qualquer movimento


revolucionário contra o estado de coisas social e político existente. Em
todos estes movimentos, põem em primeiro lugar, como questão
fundamental, a questão da propriedade, qualquer que seja a forma, mais
ou menos desenvolvida, de que esta se revista”. (Engels e Marx, p. 47).
No âmbito da luta política, a ação revolucionária e a contra-
revolucionária encarnam os movimentos de “avanços”, de “estabilidade”
e de “refluxos”, comuns à história de luta das classes sociais pela
emancipação econômica, como podemos observar ao analisarmos a
argumentação de Engels presente em Ludwig Feuerbach e o Fim da
Filosofia Clássica Alemã.
Pelo menos na história moderna fica, portanto, demonstrado que todas
as lutas políticas são lutas de classes e que todas as lutas de emancipação
de classes, apesar de sua inevitável forma política, pois toda luta de classe

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é uma luta política, giram em última instância em torno da emancipação
econômica. (p. 201)
No livro Partidos Políticos e Educação (CONCEIÇÃO, 2000),,
discute-se o espectro dos diferentes tipos de partidos políticos. Assim,
“esquerda”, “direita e “centro” constituem-se em parâmetros não
rígidos, de modo que se torna necessário explicitar a tipologia de partidos
a que se refere para se estabelecer comparações e classificações entre
os partidos da América Latina; o que não é possível dado os limites
deste artigo. De qualquer modo, esta “esquerda”, no início do terceiro
milênio, apesar de descaracterizada pela ausência da militância
revolucionária, e por isso mesmo incapaz de uma antítese prática ao
discurso liberal, tem galgado as instâncias governamentais, sem que
isto tenha resultado em melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.
Ou seja, o Estado burguês não garante, necessariamente, avanços
qualitativos ao trabalhador, pelo simples fato de permitir,
“democraticamente”, que um partido que se considere de esquerda
seja o regente das políticas de Estado. Isto porque, como afirmamos,
sendo o Estado um Estado de classe, o compositor destas políticas
continua sendo a classe que detêm os meios de produção.
Intelectuais de renome afirmam que considerar como válida
ainda hoje a estratégia revolucionária proposta no Manifesto Comunista
é, no mínimo, prova de agudo anacronismo (COUTINHO, 1992, p.
39). Contudo, organizações revolucionárias de extrema-esquerda
insistem que a ação do partido que luta pela mudança da estrutura
jurídica-política do Estado deve ser, portanto, a de elevar, ainda mais,

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


220

a bandeira desfraldada no Manifesto Comunista, entendida como a


luta pelo fim da propriedade privada dos meios de produção. Tais
organizações entendem que mesmo tendo que lutar no terreno concreto
da chamada democracia burguesa, o partido proposto inicialmente
por Marx, Engels, Lênin e Trotsky não pode abandonar este princípio
de coerência íntima entre o “escrito”, o “dito” e o “feito” (GRACINDO,
1991), ou seja entre o programa, o discurso e a prática.. Ainda que
faça alianças políticas, tais alianças são fortemente marcadas pelo caráter
ideológico-educativo; não é toda e qualquer aliança que pode ser feita.
O partido político - notadamente o de extrema-esquerda – não
deixa de ser um microcosmo com sua ética, suas normas, seus ritos,
seus sentimentos coletivos, etc. O caráter do partido parece se definir
no que transmite, a quem transmite e como transmite. Para os partidos
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revolucionários, em especial, educar o povo significa desalienar as


massas das influencias dos partidos burgueses e construir uma
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sociedade comunista. Esses partidos pretendem estar a serviço da


independência dos trabalhadores que, conforme se supõem, serão os
novos dirigentes da sociedade.
A extrema-esquerda, exemplo privilegiado dessa tendência,
busca constituir-se num partido de massas sem abdicar de sua
radicalidade, ou seja, para ela o crescimento numérico deve ser
acompanhado de uma intensificação de sua energia revolucionária.
No seu entender, na busca de “governabilidade” e na administração
do poder institucional, quanto mais um partido que se expande
eleitoralmente busca a sua tranqüilidade, procurando agradar a
burguesia, mais se atrofiam suas garras revolucionárias, acabando
por ser engolido pela prática política dominante “tradicional”, e isso
faz com que os partidos, sejam de “esquerda” ou de “direita”, quase
sempre fiquem iguais, praticamente, quando são eleitos. Em vez de
intensificar sua energia revolucionária, o aumento de suas forças
políticas e a solidez de sua estrutura o leva, cada vez mais, a ficar
cauteloso e centrista, de tal maneira que acaba abandonando os seus
antigos princípios e suas “bandeiras históricas”. Parece que o
crescimento institucional dos partidos de esquerda implica,
normalmente, em afrouxamento da militância e num discurso político
mais genérico, do tipo “agarra-tudo”.
Alguns militantes, comprometidos historicamente com a luta
dos trabalhadores, têm mostrado que acabam concordando in extremis
que é preciso fazer pactos e alianças com a burguesia a fim de garantir
a “governabilidade”. Todavia, a extrema-esquerda argumenta
politicamente que isto tem garantido, na verdade, o governo à

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


221

burguesia. Provavelmente, se isto estiver correto, às vezes um partido


de esquerda - sob certas circunstâncias de crise - pode ser uma
alternativa mais segura para o capital do que um partido de direita.
Marx e Engels afirmam, no Manifesto Comunista, que a
burguesia emergente pôde agir de forma revolucionária contra a
monarquia absoluta, contra a propriedade rural feudal e contra a
pequena-burguesia. Por isso, sustentaram teoricamente que os
comunistas podiam, naquele momento, fazer alianças com a burguesia
no caso da Alemanha, porque isto significava combater pelos interesses
objetivos imediatos da classe operária. Todavia, fazem uma importante
ressalva:
Mas nunca, em nenhum momento, esse Partido se descuida de despertar
nos operários uma consciência clara e nítida do violento antagonismo
que existe entre a burguesia e o proletariado, para que, na hora precisa,
os operários alemães saibam converter as condições sociais e políticas,

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criadas pelo regime burguês, em outras tantas armas contra a burguesia,
a fim de que, uma vez destruídas as classes reacionárias da Alemanha,
possa ser travada a luta contra a própria burguesia. (p. 46).

CONCLUSÃO

Como afirmamos inicialmente, o objetivo deste texto


despretensioso tem como limite de reflexão nos reportarmos a alguns
contrapontos teóricos entre Karl Marx e Max Weber, visto que ambos
se voltaram para o exame dos aspectos mais importantes da ordem
sócio-econômica do mundo ocidental, nas várias etapas de seu
desenvolvimento histórico.
Buscamos argumentar que Karl Marx e Max Weber são situados
em campos opostos, no que tange às conseqüências de suas reflexões
acerca da sociedade moderna e com interpretações antagônicas.
Simplificando, entende-se que naquilo que se refere ao pensamento
político, Weber, por exemplo, contribuiu com a formulação das bases
teóricas da concepção burguesa de partido e Marx, com a concepção
de partido revolucionário. Não obstante estas divergências, podemos
encontrar nesses dois pensadores uma convergência de análise centrada
no capitalismo, que se tornou clássica no campo das ciências sociais e
da história.
Sob certo aspecto, parece que naquele momento Weber
apresenta uma visão pessimista sobre a modernidade, pois para ele

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


222

todos os barômetros da economia prevêem o aumento das restrições


à liberdade. Para ele, a política é o reino do poder e da força, por trás
do qual se perfila a violência. O dilema ético colocado por Weber, no
que se refere ao uso do poder e da força, está na forma usá-los e
através de que mecanismos legitimá-los.
Esta visão contrasta com a análise esperançosa de Marx sobre
a sociedade moderna, cujo parto, entretanto, se dá por meio da
violência revolucionária, dirigida pelo partido revolucionário. A
formulação teórico-metodológica geral que fundamenta a escola
weberiana está na idéia de separação entre “juízos de valores” e “juízos
científicos” e na análise do processo de racionalização e da
modernidade. Weber partilha com Marx, todavia, da tentativa de colocar
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os fenômenos ligados às “forças espirituais” (notadamente os


ideológicos) em alguma correlação com os interesses das”forças
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materiais” das ordens econômica e política.


Weber busca equilíbrio entre paixão e perspectiva, entre o
desejável e o possível. Nesta direção, o verdadeiro “político por vocação”
seria o “político responsável”, que é capaz de sacrificar algumas de
suas convicções – se assim o contexto exigir – cuja maleabilidade,
porém, se estende até um determinado limite de seus princípios, o
qual ele não pode ultrapassar, pois esta maleabilidade não pode ser
absoluta.
O conceito de burocracia racional é contraposto ao conceito
marxista de luta de classes. Weber, porém, não nega as lutas de classes,
mas não as considera como a dinâmica central. Nem nega a
possibilidade de uma socialização dos meios de produção. Simplesmente
relega essa exigência a um futuro bem distante e refuta qualquer
possibilidade de socialismo em nossa época (Cf. WEBER, 1997: 275).
Para Weber, a concepção de socialismo contida no Manifesto Comunista
está assentada na esperança revolucionária da ditadura política do
proletariado. Do seu ponto de vista, porém, um socialismo dessa
natureza levaria à maior servidão – a burocratização: “o que - ao menos
por enquanto - está em marcha é a ditadura do funcionário, e não a do
trabalhador” (1997: 268).
Como mencionamos, Weber também se referiu ao “político da
convicção” (o político dos fins últimos) e ao “político da eficiência” (o
político de resultados). Nesta direção, políticos eruditos, inclusive,
volta e meia fazem referências a Weber em seus discursos, citando
particularmente a idéia desenvolvida por ele de “ética da
responsabilidade” e “ética da convicção”. Tais políticos dizem que em

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


223

certos momentos seguem a ética da responsabilidade e que a ética


das convicções fica em segundo plano. Ou seja, a governabilidade,
por exemplo, é considerada mais importante que os princípios. Claro
que seleção e o uso responsável dos meios para atingir os fins
propostos indicam uma ética da responsabilidade. Na fórmula
weberiana, entretanto, as duas éticas não são contrastes absolutos,
mas antes partes, que só em uníssono constituem um homem genuíno
-um homem que pode ter a “vocação para a política”.
Weber refletiu sobre a univocidade da ética moderna. Assim,
segundo Teixeira (ANO), para Weber os valores políticos não podem
ser reduzidos unicamente a valores éticos; o universo da política não
se confunde com o da ética. Em uma sociedade concebida como uma
totalidade hierarquizada, cada dimensão tem uma ética particular que
se integra ao todo, segundo uma cosmologia que atribui preceitos
distintos a inserções distintas (como ocorre, por exemplo, na ordem

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de castas indianas e na doutrina de salvação cristã). Contudo, a ética
na modernidade constitui-se a partir de valores universalistas e
igualitários, toma como referência o indivíduo e faz exigências absolutas
à sua consciência. Desse modo, a fragmentação das esferas de valor
engendrou um aparente paradoxo: a ética tornou-se um domínio
relativamente autônomo, dotado de lógica própria; porém,
simultaneamente, a ética teve de se especializar, pois cada esfera da
vida, também, por sua vez, segue leis particulares.
De questões como estas é que decorreu a possibilidade de
algumas aproximações rudimentares e contraponto entre Marx e
Weber, especialmente na questão do partido político. Afinal, será o
partido político o principal instrumento para a luta política? As origens,
possibilidades e limitações do partido há que serem buscadas no
Programa (princípios), na Propaganda (discurso) e na Agitação
(militância), a partir dos diferentes contextos em que atua e em vários
momentos da história das sociedades. Nesta perspectiva, os escritos
de Max Weber e Karl Marx têm especial importância, como
ressaltamos.
Para Weber, a sociedade pode ser compreendida a partir do
conjunto das ações individuais. Para ele, as normas e regras sociais
são o resultado do conjunto de ações individuais. Estas são todo tipo
de ação que o indivíduo faz, orientando-se pela ação de outros. Só
existe ação social quando o indivíduo tenta estabelecer algum tipo de
comunicação, a partir de suas ações com os demais. Nos conceitos
de ação social e definição de seus diferentes tipos, Weber não analisou

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


224

as regras e normas sociais como exteriores aos indivíduos. Segundo


Weber, a mesma racionalização progressiva que libertou o homem da
ignorância e das superstições tendia a escravizá-lo em rígidas estruturas
institucionais, por isso via na burocracia e na sua expansão no sistema
social o maior perigo ao homem.
Partindo do pressuposto de que o principal terreno da luta política
proletária, dirigida pelo partido, tem sido o da realização e ampliação
do conteúdo da democracia,
faz-se necessário, ao menos mencionar, que há muitas formas
de abordagens a respeito do conceito de democracia e diferentes formas
de entendimento no que se refere à sua realização plena. As discussões
presentes, sobre o ideal democrático a partir do momento histórico
da “redemocratização brasileira”, ocorrida na década de 80, por
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exemplo, buscaram identificar minimamente o discurso ideológico de


“igualdade”, em uma sociedade de classes, portanto, de indivíduos
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economicamente desiguais.
É notório – através dos chamados arautos liberais – o discurso
de que a saída para o desenvolvimento da nação passa pela
“democratização social”. Ou seja, que basta a participação do indivíduo,
através do sufrágio universal, para que a promessa de ampliação do
seu direito em intervir nas políticas ocorra. Entretanto, cabe argumentar
teoricamente sobre as limitações e determinantes da democracia que,
segundo Eric Hobsbawn, em seu artigo “A Falência da Democracia”
(2001), afirma não ser esta, por si só competente e ideal, e que se
opta pela democracia por falta de práticas consideradas mais eficientes.
O entendimento da realidade, em que condições, e como se dá a
construção do discurso democrático, contribuirão na análise e
compreensão do papel do partido.
Importante mencionar que, na segunda metade do século XIX,
verificamos a crítica de Marx ao formalismo democrático liberal, que
tem na social-democracia sua “principal vertente burguesa” de defesa
daquilo que acredita ser o melhor caminho para a realização de uma
representação real da classe trabalhadora no Estado e, a partir dele,
poder construir uma melhor “equalização” da relação trabalho versus
capital (e não de “igualdade econômica”).
Segundo o pensamento de Marx e Engels, a destruição da ordem
capitalista e a criação da sociedade socialista estabelecem um grande e
histórico processo, que exige um novo conteúdo para criar novas
relações.. Segundo eles, o ser humano deveria ser um criador consciente
de seu próprio mundo, um criador de si mesmo. O problema da

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


225

organização do processo revolucionário constituiu, para eles, a principal


questão para a qual dedicaram suas vidas, centrados na idéia de que a
consciência revolucionária somente pode ser adquirida na ação
revolucionária.
Em uma de suas obras históricas, O Dezoito Brumário de Luís
Bonaparte, Marx denunciou o aspecto conservador presente na
democracia:
O caráter peculiar da social-democracia resume-se no fato de exigir
instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com
dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu
antagonismo e transformá-lo em harmonia. Por mais diferentes que
sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que
sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o
conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da
sociedade por um processo democrático, porém uma transformação
dentro dos limites da pequena burguesia. (p. 226).

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Ao mesmo tempo, se observamos a principal bandeira
democrático-burguesa, a do sufrágio universal, verificaremos seus
limites na vida das sociedades modernas, nas quais a igualdade material
não se realiza concretamente, mas nas quais a igualdade formal
obscurece a visão da realidade social. Busca-se confundir o povo
imaginário com o povo real. Outras formas de manifestação social, a
não ser pelo voto, não são bem vistas. Desta forma, temos o constante
não cumprimento de promessas “ditas” e “escritas” – sempre renováveis
– como parte deste fenômeno. Atentemos para a citação abaixo, presente
em outra obra histórica de Marx, As Lutas de Classe na França de 1848
a 1850, ao tratar do caráter das eleições para a Assembléia Nacional
na França em meados do século XIX: “(...). Tal era seu culto ao povo.
Ao invés deste povo imaginário, as eleições trouxeram à luz do dia o
povo real, isto é, os representantes das diversas classes em que este
se subdivide.” (Marx, p. 127).
Em relação aos regimes ditatoriais, segundo Engels, tratando-
se da organização da classe trabalhadora, os governos democrático-
burgueses permitem um melhor encaminhamento das propostas e
estratégias dos partidos, já que lhes é garantido o direito de existência.
Na introdução escrita por Engels, presente na já citada obra As lutas
de classes na França de 1848 a 1850, lemos o seguinte: “A ironia da
história mundial põe tudo de pernas para o ar. Nós, os revolucionários,
os ‘subversivos’ florescemos muito melhor pelos meios legais que
pelos ilegais e a subversão.” (ENGELS, p. 108).

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


226

Na ótica de Marx, Engels, Lênin e Trotsky, o partido proletário


não pode privar-se de disputar o poder político pelo fato de que o
modelo de governo, o sistema partidário, as regras eleitorais e o direito
são de caráter burguês e tem por fim reproduzir o modo de produção
capitalista. Assim, consideram que a democracia burguesa tem espaços
contraditórios, já que sua premissa liberal permite que os trabalhadores
se organizem, o que poderá – não necessariamente – levar ao
desenvolvimento da “consciência de classe”. O partido revolucionário
surge assim como um importante agente educativo da militância.
O partido revolucionário privilegia a ação direta e apresenta
uma face que atua legalmente e outra que atua na clandestinidade,
dado que, conforme, se entende as principais transformações não
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

virão pelo voto, pela lei, pelo parlamento ou pelas instituições


tradicionais. Afirma-se que é necessário que este partido se prepare
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paralelamente para a luta revolucionária, elaborando teorias e práticas


subversivas, formando quadros para as mais diferentes tarefas. Assim,
não se pode dispensar a inserção popular, daí a importância da
expressão pública do partido.
Ao nos propormos a discutir partido político e democracia
burguesa não há como deixar de fazer algumas referências à Revolução
Russa. Afinal, no caso deste nosso estudo, preocupações com a Rússia
nós encontramos tanto em Marx e Engels quanto em Weber, pois a
situação da democracia burguesa na Rússia era foco de suas reflexões.
Aquilo que os elaboradores do materialismo histórico denominaram
“despotismo oriental” era também objeto de preocupação para Weber
que pensava haver um suposto imobilismo no ambiente russo, ainda
arcaico. O interesse de Weber pela Rússia se estendia desde muitos
anos. Ele se familiarizou com a literatura de Dostoiévski e Tolstói,
bem como com os escritos do filósofo Vladimir Soloviev.
Anteriormente, Engels já havia observado que as finanças do
Estado russo estavam arruinadas. Weber fez um diagnóstico idêntico,
mostrando como tal situação levou a uma dependência crescente do
Czar frente a bancos estrangeiros, o que, em contrapartida, lhe permitiu
manter-se insensível às demandas da burguesia russa e dos que a
representavam na Duma. Particularmente, Weber simpatizava com a
plataforma dos kadets (constitucional-democratas). Tanto é verdade
que quando o “domingo sangrento” precipitou os acontecimentos e
as rupturas dirigidas pelos bolcheviques, Weber acompanhou
atentamente os seus desdobramentos pela imprensa.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


227

Weber avaliava as possibilidades dos reformistas a partir da


confluência de distintas forças sociais e econômicas favoráveis: os
zemstvos (conselhos comunais criados por Alexandre II), para o
desenvolvimento do capitalismo e da organização crescente dos
partidos liberais. Weber, porém, manteve-se pessimista, pois
considerava que a massa popular ainda não possuía formação política.
Em razão disso, tudo lhe parecia configurar um quadro em que o
exercício de uma realpolitik era virtualmente impossível, visto que o
núcleo das preocupações de Weber era a racionalidade. Todavia, Weber
acreditava que valia a pena acompanhar de perto as experiências norte-
americana e russa; elas seriam as últimas oportunidades para construir
culturas livres, começando pela base.
Traçando comparações com outras revoluções, Weber escreveu
que havia uma outra diferença que acreditava ser fundamental: na
Rússia faltariam líderes à altura das exigências históricas do momento
e ele não os reconhecia entre os líderes da esquerda, de modo geral e

Coleção Sociedade, Estado e Educação


muito menos entre os bolcheviques, particularmente. Provavelmente,
a revolução de fevereiro de 1917 surpreendeu Weber, pois uma solução
de tipo não-burguês lhe parecia improvável, consoante seus princípios
da hierarquia e da autoridade de comando como a forma de organização
estrutural ideal.
A partir de escritos de Lenin, podemos diferenciar “tipos” de
democracia, cujos conteúdos se alteram, tais como as denominadas
democracias pré-burguesas, democracia burguesa e democracia
socialista. Assim, tendo a Revolução Russa como parâmetro principal
para a discussão e crítica que se forjou sobre a democracia burguesa,
Décio Saes afirma ter encontrado nos escritos de Lênin fórmulas
político-práticas prepositivas a respeito da democracia proletária.
Em a Revolução proletária e o renegado Kaustsky, por exemplo,
Lênin detecta o fenômeno do desenvolvimento contínuo e progressivo
da democracia ao longo da história da humanidade: a democracia
burguesa é superior, enquanto democracia, às democracias pré-burguesas
(escravistas, feudal); mas a democracia socialista e proletária, por sua
vez, é superior, enquanto democracia, à democracia burguêsa. (1994, p.
175)
De acordo com Saes, o caráter democrático do Estado proletário
residiria no controle da burocracia pelas massas trabalhadoras, ou
seja, a burocracia não deixaria de existir, todavia perderia sua aparente
autonomia, deixando de estar separada do conjunto da maioria dos
trabalhadores. Além do controle sobre a burocracia, o Estado proletário
teria como aspiração comunistas implementar um conjunto de políticas

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


228

desestatizantes que orientasse o deslocamento das funções e


obrigações administrativas – que até o advento da revolução, eram
executadas pelo Estado – para a mão das massas de trabalhadores.
Ou seja, enquanto a soberania popular na democracia burguesa é
apenas uma promessa que não se cumpre, na democracia proletária,
a “participação popular na definição da política para o conjunto da
sociedade deixa de ser uma pura forma de princípio” (Saes, 1994, p.
185). Saes acertadamente observa que, apesar de reconhecer a
necessidade de preservar e estudar as ponderações de Lênin acerca da
participação política no Estado socialista, lembra que a teoria leninista
da democracia proletária não indica quem dirigiria o processo de
desestatização progressiva. Todavia, a história recente já nos mostrou
que esta tarefa não poderá ser cumprida pelo próprio grupo de agentes
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burocráticos que trabalhariam pela sua extinção, é a massa de


trabalhadores organizados que deve fazê-lo. Lembramos que, no seu
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combate ao stalinismo, o próprio Trotsky até se referiu à necessidade


de uma “revolução política” nos Estados socialistas burocratizados.
Os trabalhadores têm dois inimigos: a burocracia e a burguesia.
De acordo com Marx, a burguesia não forjou apenas as armas
que lhe darão morte, mas também os homens que manejarão essas
armas – o proletariado. Marx analisou a sociedade moderna, procurando
entendê-la conceitualmente, por outro lado, ele vislumbrou a
possibilidade de transformá-la, criando as condições para uma
sociedade comunista - uma sociedade sem exploração e opressão.
Portanto, o capitalismo, como modo de produção burguês, pode ser
destruído, edificando, assim, em seu lugar uma sociedade sem classes.
Esta luta revolucionária deve ser dirigida pelo partido político como
agente educativo.
Segundo a concepção de Weber, o capitalismo não poderia ser
efetivamente transcendido num futuro previsível e que o modo
capitalista de produção não estava levando a uma luta de classes aberta
e irresistível entre trabalho e capital, ao contrário de Marx, para quem
é em nosso tempo que o antagonismo de classe aparece de forma
mais aguda, em que a sociedade divide-se em dois campos fundamentais
e diametralmente opostos: a burguesia e o proletariado.
Para concluir estes apontamentos, se como pressuposto os
trabalhadores entendem que o movimento da sociedade na história
tem sido dialético, é necessário que o partido também tenha uma ação
ideológico-educativa consciente no sentido de orientar o movimento
dos trabalhadores, visando a elaboração de um pensamento

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


229

revolucionário que vise dar conta das especificidades da transição do


processo revolucionário e que possibilite melhor compreender os
aspectos históricos inerente às experiências do chamado “socialismo
real”, mas que também possa instrumentalizar os trabalhadores na
construção de uma sociedade no qual os seres humanos sejam criadores
de si mesmo. É na ação revolucionária que a própria transformação
dos homens coincide com a transformação das circunstâncias, por
isso a destruição da ordem capitalista e a criação da sociedade socialista
estabelecem um grande e histórico processo, que exige um novo
conteúdo do problema ideológico-educativo para criar novas relações.

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Marx

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


A ESCOLA DE ESTADO NA PERSPECTIVA MARXISTA

Amarilio Ferreira Jr.


Marisa Bittar

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo explicar a trajetória histórica


que a escola de Estado percorreu no âmbito da chamada “civilização
ocidental”. Trata-se da idéia de se estabelecer uma espécie de “fio de
Ariadne” explicativo sobre os percalços que ela sofreu desde a sua
origem – no contexto da Antigüidade Clássica grega – até a segunda

Coleção Sociedade, Estado e Educação


metade do século XX. Para tanto, como base de interpretação,
utilizamos uma literatura cuja filiação se inscreve na tradição do
pensamento crítico inaugurado por Karl Marx e Friedrich Engels. A
concepção marxista da história, tal como na passagem que se segue,
possibilita deslindar o papel que a instituição superestrutural escolar
desempenha no âmbito societário fundado na propriedade privada dos
meios de produção, pois
[...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento
das forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a
qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem
determinadas formas de consciência social (MARX, 1971, p. 28).
Foi nos marcos desse referencial teórico-metodológico que
procuramos tecer o fio condutor elucidativo das possíveis funções
que a instituição escolar criada pelo Estado exerceu em diferentes
contextos históricos. Ou seja, agência superestrutural mediadora entre
a base econômica de sustentação material da sociedade e o mundo
das idéias que reveste, como um invólucro, as várias dimensões
espirituais necessárias à existência dos homens, tais como:
conhecimento científico, ideologia, religião, expressões artísticas, etc.
A expressão “escola de Estado” foi utilizada no texto com o mesmo
sentido que Marx empregou em a Crítica do Programa de Ghota, isto
é, no âmbito de uma sociedade estruturada na propriedade privada

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


232

dos instrumentos de produção e, por conseqüência, com a população


dividida em classes sociais antagônicas, nas quais os explorados não
devem aceitar o Estado como educador do povo, mas, ao contrário, a
sociedade civil é que deve educar o Estado. Com base nesse preceito,
Marx afirmava que:
[...] ‘uma educação do povo a cargo do Estado’ é absolutamente
inadmissível. Determinar por uma lei geral os recursos das escolas
primárias, as aptidões exigidas ao pessoal docente, as disciplinas ensinadas,
etc., e, como acontece nos Estados Unidos, fiscalizar por meio de
inspetores do Estado a execução destas prescrições legais é completamente
diferente de fazer do Estado o educador do povo! Pelo contrário, é preciso,
pelas mesmas razões, banir da escola qualquer influência do governo e
da Igreja” (MARX, 1971, p. 27).
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Assim sendo, a escola de Estado, desde a sua origem até o


século XX, atravessou uma longa trajetória marcada por conjunturas
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históricas nas quais nem sempre pode concretizar os ideais mais radicais
de universalização, estatização, laicidade e gratuidade, inscritos nos
movimentos revolucionários burgueses. Nesse sentido, no final do
século XIX, quando Marx formulou sua crítica ao capitalismo, assinalou
que a burguesia não fora capaz de concretizar os ideais que havia
preconizado para a educação. Ele, por sua vez, não rejeitou esses
princípios, mas os incorporou como válidos, estabelecendo a crítica à
burguesia não por tê-los formulado, mas sim por não tê-los cumprido,
e acrescentou-lhes, ainda, uma concepção mais orgânica da união entre
instrução e trabalho na perspectiva da formação integral de todos os
homens. Além disso, deixou claro que para ele e Engels educação
significava três coisas: instrução intelectual, física e tecnológica. Desse
modo, é importante reconstruir os caminhos que a escola de Estado
percorreu na forma de uma síntese explicativa das múltiplas
condicionantes históricas que a perpassaram desde a Antigüidade
Clássica grego-romana.

A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ESCOLA DE ESTADO

A idéia de materialização da escola de Estado remonta à


Antigüidade Clássica. Manacorda afirma que “a partir do século V se
discute se o Estado, a pólis, deve assumir diretamente a tarefa da
instrução”, e registra que, à época, “o processo de estatização da escola
é especialmente testemunhado pelas inscrições, encontradas em grande
quantidade em várias cidades” (MANACORDA, 1995, p. 66 ).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


233

Talvez a mais importante referência sobre esse processo tenha


sido Aristóteles. Na obra Política, ele defendeu a seguinte tese:
Não devemos pensar tampouco que qualquer cidadão pertence a si
mesmo, mas que todos pertencem à cidade, pois cada um é parte da
cidade, e é natural que a superintendência de cada parte deve ser exercida
em harmonia com o todo. Quanto a este aspecto, deve-se louvar os
lacedemônios, pois eles dão a máxima atenção à educação das crianças e
fazem dela um encargo público (ARISTOTELES, 1988, p. 267).
Depois, com o advento da sociedade feudal, a escola de Estado
submergiu. A consolidação da patrística cristã engendrou uma nova
concepção de educação. Por conseguinte, a Igreja Católica, a instituição
supranacional das sociedades feudais da Europa Ocidental, tratou de
organizar uma escola à sua imagem e semelhança. Diferentemente da
escola de Estado grega, cujo objetivo era formar o cidadão, o político,
aquele que governaria a pólis, na Idade Média, as escolas paroquiais e

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cenobiais tinham como finalidade divulgar o logos, ou seja, formar o
cristãos. O seu princípio pedagógico fundamental era o seguinte: “no
que diz respeito a todas as coisas que compreendemos, não consultamos
a voz de quem fala, a qual soa de fora, mas a verdade que dentro de
nós preside à própria mente, incitados talvez pelas palavras a consultá-
la” (SANTO AGOSTINHO, 1973, p. 351) . Portanto, quando a Igreja
Católica dispensou a “voz que falava de fora”, na prática, ela estava
conferindo um novo significado pedagógico para a arte do falar, um
dos termos fundadores da Paidéia Grega. Desse modo, a retórica que
era ensinada pelos sofistas da Antigüidade Clássica nas escolas de
Estado perdeu o seu sentido político e, juntamente, com ela saiu
enfraquecido o próprio helenismo. Assim, além de educar segundo os
preceitos religiosos do cristianismo, as instituições educacionais do
medievo formavam quadros intelectuais e criavam uma hegemonia
cultural favorável à nobreza feudal, papel que coube particularmente
às escolas cenobiais. Elas tinham, entre outras, a tarefa de transformar
os oblatos, isto é, os meninos oferecidos, nos intelectuais orgânicos
que pensavam o processo de reprodução do status quo da ordem
feudal.
O advento do capitalismo mercantil colocou o “mundo de ponta-
cabeça”, segundo analisou o historiador Christopher Hill. A combinação
do humanismo renascentista com a Reforma Protestante no século
XVI deu um outro alento à idéia de escola de Estado. Coménio, o
grande educador protestante, em Didáctica magna, já defendia o

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


234

que seria no futuro uma das grandes tarefas a que se proporia a escola
pública: “queremos dar a todos aqueles que nasceram homens uma
instrução geral capaz de educar todas as faculdades humanas”
(COMENIO, p. 425) . Entretanto, quanto ao seu caráter laico, ainda
se travariam grandes batalhas ideológicas. Com certeza, uma das mais
importantes frentes desse campo de luta foi aquele sustentado pelo
Iluminismo francês do século XVIII. Nas famosas “cartas” de Diderot
à czarina Catarina, a Grande, cujo principal tema era a transformação
da Rússia feudal numa sociedade burguesa, o enciclopedista vaticinou
em favor do caráter civil da educação alertando “Vossa Majestade”
para que “a educação em suas escolas públicas” fosse “civil, isto é,
relativa ao bem da sociedade e que convenha, pelo menos até certo
grau, a todas as condições sociais e a todos os indivíduos” (DIDEROT,
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1995, p. 08) . Assim, a batalha das idéias também ajudou a abrir a


vereda que pavimentaria o caminho entre a escola de Estado e o
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capitalismo urbano-industrial.
A revolução industrial garantiu a vitória do projeto societário
burguês. A burguesia – nas afirmações de Marx e Engels (1848) –
“durante seu domínio de classe, apenas secular, criou forças produtivas
mais numerosas e mais colossais que todas as gerações passadas em
conjunto” (MARX e ENGELS, 1982, p. 111) . Mas, prisioneira da sua
própria lógica de acumulação do capital, a qualquer custo, “a burguesia
– ainda segundo Marx e Engels – só pode existir com a condição de
revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por
conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações
sociais” ((MARX e ENGELS, 1982, p. 109), ou seja, mesmo que o
revolucionamento incessante da sociedade capitalista, no início da
revolução industrial, tenha implicado na destruição da família proletária.
A socióloga brasileira Suzanna Sochaczewski descreveu essa tragédia
social que ocorreu no início do século XIX assim:
[...] na 1ª Revolução Industrial, a burguesia inglesa foi quem propôs o
controle sobre o trabalho infantil. A indústria de ponta era a têxtil, que
empregava batalhões de crianças de 4, 5, 7 anos. E por quê? Porque
tinham habilidade imensa com as mãozinhas nos teares. As crianças
eram alimentadas ali, nas máquinas, enquanto trabalhavam 14, 15 horas.
Alimentadas por pais desempregados. Começaram a morrer, lógico. Então
a burguesia inglesa disse ‘alto lá, estamos matando a galinha dos ovos de
ouro’. Foi uma discussão importante no Parlamento inglês. Chegou-se
a conclusão de que era preciso dispensar as crianças, colocá-las para
comer, dormir, estudar, brincar, se, enfim, a Inglaterra quisesse ter uma
classe operária no futuro”(SOCHACZEWSKI, 2006, p. 5).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


235

Assim, para não secar as fontes de mais-valia, a burguesia,


premida pelas contradições da sua própria revolução e pressionada
por anseios populares, institucionalizou, entre outras agências, a escola
estatal, pública, laica e para todos, independentemente da origem de
classe social e sexo das crianças.
No final do século XIX, a Inglaterra já havia universalizado tal
paradigma escolar. Chesnais, em A vingança do terceiro mundo, informa
que
[...] entre 1840 e 1889, a proporção de adultos capazes de ler aumenta
em metade, passando de 59 a 90%; no final do século XIX, o analfabetismo
praticamente desapareceu por completo. Em pouco tempo dá-se o triunfo
da escrita: multiplicam-se os manifestos políticos, os panfletos religiosos
e toda sorte de boletins; as obras literárias encontram um público cada
vez mais numeroso e interessado”(CHESNAIS, 1989, p. 143).
Contudo, a constituição de uma rede nacional de escolas públicas

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nasceu atada por um nó górdio: a qualidade do ensino, ou seja, da
efetiva capacidade da escola em garantir o processo de ensino-
aprendizagem a todas as crianças e adolescentes que nela ingressaram.
No começo, a questão da qualidade do ensino estava muito marcada
pela ausência do Estado. As escolas mantidas pelas igrejas se
aproveitavam dessa situação para instrumentalizar a educação apenas
do ponto de vista dos seus interesses religiosos, isto é, dos dogmas
teológicos.
Para tentar desatar esse nó entrou em cena o movimento
operário. Engels, em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra,
nos dá conta de que “os operários já exigiram muitas vezes do
parlamento uma instrução pública puramente laica” (ENGELS, 1985,
p. 131). Pode-se perceber então que a luta pela melhoria da qualidade
de ensino nas escolas públicas historicamente foi uma reivindicação
proletária. Tanto Marx quanto Engels, em suas obras, denunciaram a
baixa qualidade de ensino da escola pública produzida pela revolução
industrial inglesa do século XIX. Engels, apresentando excertos do
relatório da Children’s Employment Commission, destacou, por
exemplo, que “uma jovem de dezesseis anos não sabia quanto são dois
vezes dois, [...] e um terceiro, com dezesseis anos de idade, respondeu
muito rapidamente a algumas perguntas muito simples: ‘não sei nada
de nada’” (ENGELS, 1985, p. 132). Marx, em O capital, vai na mesma
balada. Para tanto, bastou citar o relatório do próprio inspetor de
fábrica nomeado pelo governo inglês: “ao visitar uma dessas escolas
que expediam certificados, fiquei tão chocado com a ignorância do

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


236

mestre-escola que lhe perguntei: Por favor, o senhor sabe ler? Respondeu
ele: Ah! Sei somar. Para justificar-se, acrescentou: Em todo caso, estou
à frente dos meus alunos” (MARX, 1984, p. 456).
Mas, “o trabalhador inglês que mal sabe ler e ainda pior escreve”
(ENGELS, 1985, p. 133), como aludiu Engels, já tinha conquistado
uma consciência de classe, ou seja, sabia a quais interesses políticos
deveria historicamente se filiar. A primeira metade do século XIX foi
marcada por intensas lutas operárias. O famoso movimento cartista,
termo derivado da Carta do Povo (1837-1838), elaborada pelos
sindicatos dos trabalhadores ingleses, passou a reivindicar uma
legislação social tanto de proteção ao trabalho quanto de garantia das
liberdades democráticas. Num processo de ampla mobilização político-
sindical, o movimento operário inglês viu uma série de suas
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

reivindicações serem colocadas em prática: “no decorrer desse período,


foi adotada a primeira lei de proteção ao trabalho das crianças (1833), a
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primeira lei relativa ao trabalho de mulheres e crianças nas fábricas (1842),


a lei da jornada de dez horas (1847), a lei de imprensa (1836), a lei da
reforma do Código Penal (1837), a lei da supressão dos direitos sobre os
cereais (1846) e a lei de associações políticas (1846)” (BEER, p 1968,.
436). Foi nesse contexto histórico da luta de classes entre burgueses e
proletários que a escola pública do ensino fundamental transformou-
se numa realidade cotidiana da sociedade urbano-industrial. Mas, como
escreveu Manacorda, esse processo foi sempre permeado pelo conflito
entre aqueles que defendiam a expansão da escola a todas as camadas
sociais e os que, pelo contrário, advogavam que tal expansão
ocasionaria o rebaixamento da sua qualidade ao nível das multidões.
Ele enfatiza que esse sempre foi o medo dos conservadores.
Ao longo do curto século XX, essa escola pública passou por
várias reformas. Sem dúvida alguma, a mais importante delas foi aquela
concebida pelo filósofo norte-americano John Dewey. No início desse
século, chamado pelo historiador Eric Hobsbawm de a “era dos
extremos”1 , o capitalismo já não se pautava mais pela livre concorrência.
O “imperialismo como fase superior do capitalismo”, como propugnou
Lênin (1979, p. 575), havia imposto profundas transformações na forma
de organização das relações de produção. Segundo Dewey, esse novo
contexto da sociedade urbano-industrial evidenciou que a escola pública
estava defasada e que a posição social que desempenhava era
conservadora. Imperava um divórcio entre os conteúdos didáticos que

1 Título da obra sobre o século XX escrita pelo historiador Eric Hobsbawm (1995).

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


237

ela ensinava – “impostos de cima para baixo e de fora para dentro”


(DEWEY, 1967, p. 05) – e aquilo que as crianças adquiriam em suas
experiências cotidianas no mundo da sociedade industrial, ou seja, “a
‘velha educação’ tinha a tendência para ignorar a qualidade dinâmica, a
força intrínseca de desenvolvimento da experiência infantil” (DEWEY,
1980, p. 145)2 . Dewey justificava a necessidade de se organizar um
movimento pedagógico em defesa da nova escola pública desse modo:
“o surto do que se chama de educação nova e escola progressiva é ele
próprio o resultado do descontentamento com a educação tradicional”
(DEWEY, 1967, p. 5). Para ele, a “educação nova” tinha que valorizar
“a relação intrínseca entre a matéria, ou objeto, e a pessoa” (DEWEY,
1980, p. 162), determinada pelo “prazer que acompanha o interesse
autêntico e legítimo” (DEWEY, 1980, p. 157) manifestados pelas
crianças. Os preceitos educacionais da “escola nova”, particularmente
o princípio pedagógico baseado no learning by doing, isto é, “aprender
fazendo”, repercutiram em todas as sociedades industriais, inclusive

Coleção Sociedade, Estado e Educação


no Brasil.
A escola pública do ensino fundamental, no contexto da
sociedade urbano-industrial organizada no entorno das fábricas de
chaminés, era uma instituição superestrutural que tinha a finalidade,
entre outras tarefas, de ajudar a construir os métodos industriais
modernos, isto é, de “desenvolver ao máximo, no trabalhador, as atitudes
maquinais e automáticas, romper o velho nexo psicofísico do trabalho
profissional qualificado, que exigia uma determinada participação ativa
da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador [o artesão das
corporações de ofícios], e reduzir as operações produtivas apenas ao
aspecto físico maquinal” (GRAMSCI, 1978, p. 397). A sua função de
garantir minimamente o domínio da escrita, da leitura e das operações
elementares da matemática também era instrumentalizada
ideologicamente pelos interesses da hegemonia política burguesa. Esses
conhecimentos basilares, ministrados formalmente nas escolas públicas,
serviam como condutos nos quais transpareciam a concepção de
sociedade plasmada pela lógica produtivista imposta pelo fordismo3.

2 DEWEY, John. Vida e educação, p. 145.


3 Fordismo significa uma determinada fase do desenvolvimento das forças produtivas no âmbito
das relações capitalistas de produção. Trata-se de um conjunto de teorias de administração
industrial preconizadas pelo fundador da Ford Motor Company (1902), o industrial norte-
americano Henry Ford (1863-1947). Pioneiro da indústria automobilística nos EUA, ele lançou
a construção em série e imaginou a padronização das principais peças que compõem um
automóvel, isto é, “a especialização dos trabalhadores exasperada até a repetição exaustiva

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


238

Para a escola pública não era necessário ir além dessa tarefa


atribuída ao ensino fundamental. O mundo da produção fordista estava
baseado no uso da força física e repetitiva do trabalhador. Não se
exigiam habilidades cognitivas abstratas que implicassem em atividades
intelectuais sofisticadas por parte do proletariado fabril. Neste caso, a
escola pública do ensino fundamental tinha como principal papel social
ajudar na organização da racionalidade produtiva que imperava na
sociedade industrial moderna, onde “a fábrica é transformada num
imenso relógio no qual os homens e as máquinas desempenham o
papel de engrenagens programadas” (DE MAIS 1993, p. 44).
Ao iniciar o século XXI, são outros os desafios da escola pública.
As transformações por que passam a organização, a distribuição e o
consumo no âmbito das relações capitalistas de produção têm
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

provocado abalos sísmicos nas relações existentes entre educação e


sociedade urbano-industrial. O fordismo já não é nem mesmo capaz,
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

como entendia Gramsci, de “racionalizar a produção e o trabalho,


combinando habilmente a força (repressão contra o movimento operário)
com a persuasão (altos salários, benefícios sociais diversos, propaganda
ideológica e política habilíssima) para, finalmente, basear toda a vida do
país na produção” (GRAMSCI, 1978, p. 381). O processo de superação
da linha de montagem baseada no fordismo ameaça pôr a pique um
dos axiomas pedagógicos da civilização ocidental: a educação para o
trabalho. Ou, como afirmou Sanchis, “a fé quase cega nos efeitos
benéficos da educação sobre o emprego” (SANCHIS, 1997, p. 204).
O desenvolvimento das “economias supersimbólicas” (TOFFLER,
1990, p. 99) está exigindo cada vez mais novas demandas do processo
de formação escolar dos trabalhadores. A transformação do proletariado
em “cognitariado”4 implicou, necessariamente, num repensar sobre o
papel sócio-econômico desempenhado até então pela escola pública.
Para Toffler, a qualificação profissional dos trabalhadores das “economias
supersimbólicas”, ao contrário daquelas organizadas em torno dos
métodos criados por Frederick Taylor, está assentada em outros
paradigmas escolares. Para continuar desempenhando uma função
social relevante no mundo das “fábricas” automatizadas e robotizadas
a escola pública, segundo Toffler, terá de ser capaz de dar conta do

de poucos movimentos elementares e a padronização dos produtos e dos processos de modo a


chegar à produção em série, à sincronização” (DE MASI, 1993:44). Assim, podemos considerar
o conceito de fordismo como sinônimo de taylorismo.
4 Denominação usada por TOFFLER (1990:99) para designar o novo tipo de trabalhador
produzido pela chamada “economia supersimbólica”.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


239

seguinte paradigma educacional: “a pergunta-chave quanto ao trabalho


de uma pessoa hoje tem a ver com o quanto o serviço envolve
processamento de informações, o quanto ele é rotineiro ou programável,
que nível de abstração está envolvido, qual o acesso que a pessoa tem
ao banco central de dados e ao sistema de informações da diretoria, e
de que grau de autonomia e responsabilidade o indivíduo goza” TOFFLER,
1990, p. 99). Essa concepção de educação, entretanto, vem marcada
pelo cariz ideológico da era do capital global: o neoliberalismo. Na
nova configuração assumida pela hegemonia política do capitalismo, a
educação é concebida exclusivamente como um instrumento que
alavanca o processo de acumulação do próprio capital. A tese
educacional do neoliberalismo também se expressa por meio de
fórmulas econômicas: “a educação escolar determina o desempenho
produtivo da força de trabalho (...); em conseqüência, aumentos do
nível médio da escolaridade da força de trabalho (...) levariam, imediata
e inevitavelmente, e com poucas medidas complementares, ao aumento

Coleção Sociedade, Estado e Educação


da eficiência do sistema produtivo” (BRASIL, 1997, p. 102).
Contudo, é evidente que as tarefas sociais da escola pública,
em qualquer época da história humana, vão além daquelas tipificadas
pelo mundo do trabalho. Portanto, não vai ser a combinação entre os
novos fatores tecnológicos e organizacionais aplicados nas relações
capitalistas de produção, criados pela revolução técnico-científica, que
colocarão fim à idéia da escola pública, essa grande invenção da história
da educação ocidental. Essa nova lógica da produção capitalista está
colocando em perspectiva a possibilidade histórica da existência de
uma sociedade urbano-industrial “sem trabalho”. Isto porque a atual
etapa das relações capitalistas de produção tem se distinguido pela
[...] forte aceleração tecnológica, caracterizada pela intensa difusão das
inovações telemáticas e informáticas, e pela emergência de um novo
padrão de organização da produção e da gestão na indústria e nos serviços;
padrão esse caracterizado pela articulação das cadeias de suprimento e de
distribuição através de redes que minimizam estoques, desperdícios,
períodos de produção e tempos-de-resposta, tornando os processos mais
rápidos e eficientes (COUTINHO, 1996, p. 220).
O corolário mais evidente desse quadro econômico é o chamado
desemprego estrutural. A manifestação orgânica de tal fenômeno social,
ao contrário do que se imaginava inicialmente, está pondo em
evidência, mais uma vez, a importância cultural da escola pública. Na
sociedade urbano-industrial sem emprego – que levou Forrester, em
O horror econômico, a afirmar que vivemos “sob o signo da

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


240

cibernética, da automação, das tecnologias revolucionárias”


(FORRESTER, 1997, p. 25) –, o mundo da cultura passou a ser o
principal locus da humanização do próprio homem.
Nessa perspectiva, é impossível imaginar a difusão da cultura
humana sem o concurso da linguagem, pois, ela, segundo Gramsci,
“significa também cultura e filosofia (ainda que no nível do senso comum)
e, portanto, o fato ‘linguagem’ é, na realidade, uma multiplicidade de
fatos mais ou menos organicamente coerentes e coordenados”
(GRAMSCI, 1986, p. 36). A escola pública ainda é uma instituição que
deve reunir um conjunto de elementos sócio-políticos fundamentais
para o processo de socialização e propagação da linguagem, o principal
elemento da humanização do homem. Neste sentido, a educação formal
deve ter todas as condições institucionais para realizar na prática os
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

novos desafios da cultura, tal como tem propugnado De Masi:


[...] a cultura se traduz na capacidade de compreender a beleza do que já
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

se tem. É o oposto da mentalidade em vigor na sociedade industrial, em


que era apreciada a beleza somente do que ainda não se possuía. Educar
é a capacidade de dar sentido às coisas. Quantas pessoas passam em
frente a uma igreja histórica e nem sequer a enxergam? A educação
serve para dar conta das novas exigências do trabalho, que é mais
intelectualizado e criativo. Mas deve servir também para viver bem nas
horas em que não se trabalha”(DE MASI, 1994, p. 33).
Nos atuais tempos de “economia supersimbólica”, em que
impera a sociedade dos meios de comunicação e informação, e que
tende a ser apenas uma sociedade do efêmero e do instantâneo, urge
contrapor-se à tirania do denominado “tempo real”. A construção de
um outro tempo em objeção a esse novo paradigma das relações
sociais de produção da sociedade capitalista funda-se em diferenciados
padrões de manifestações da espiritualidade humana. Os princípios
que estruturam o tempo do amadurecimento, o tempo da cultura e da
apropriação dos saberes, ainda exigem a interferência institucional da
educação formal.

CONCLUSÃO

Historicamente, a escola de Estado, isto é, pública e para todos,


foi uma conquista das classes sociais que no passado foram privadas
desse direito. Na Antigüidade Clássica, a idéia de uma escola mantida
pela polis, ou seja, pelo poder público da cidade, foi preconizada por

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


241

Aristóteles, para quem a educação deveria visar o bem comum,


e, portanto, se ficasse a cargo de cada família, isto não seria possível,
porque ela teria caráter privado e não cívico e político. Esse princípio
voltou a estar presente na história da educação na época moderna,
especialmente com as idéias iluministas que antecederam e inspiraram
a revolução francesa. É quando a educação passa a ser alvo da
preocupação política e conclui o processo de sua passagem do âmbito
religioso para o estatal. Esse fenômeno veio atender também às
necessidades do mundo produtivo, uma vez que a Europa vivia os
efeitos da revolução industrial, que requeria trabalhadores alfabetizados.
Os ideais de universalidade, estatalidade, gratuidade, obrigatoriedade
e laicidade construídos no século XVIII, entretanto, não foram totalmente
concretizados. Por essa razão, eles continuaram em pauta como
bandeiras do século seguinte, recebendo, em acréscimo, a assunção
do trabalho como princípio educativo, conforme formulação do
pensamento marxista. Neste sentido, Manacorda afirma que

Coleção Sociedade, Estado e Educação


[...] o marxismo não rejeita, mas assume todas as conquistas ideais e
práticas da burguesia no campo da instrução já mencionadas:
universalidade, laicidade, estatalidade, gratuidade, renovação cultural,
assunção da temática do trabalho, como também a compreensão dos
aspectos literário, intelectual, moral, físico, industrial e cívico. O que o
marxismo acrescenta de próprio é, além de uma dura crítica à burguesia
pela incapacidade de realizar estes seus programas, uma assunção mais
radical e conseqüente dessas premissas e uma concepção mais orgânica
da união instrução-trabalho na perspectiva oweniana [Robert Owen]
de uma formação total de todos os homens”(MANACORDA, 1995, p.
296).
Finalmente, na perspectiva teórica de Marx, a escola de Estado
não foi concebida como uma instituição controlada ideologicamente
pelo aparelho estatal, ao contrário, ele foi bem explícito em suas
considerações quando enfatizou que a instrução poderia ser estatal
sem, no entanto, ficar sob o controle do governo, pois a emancipação
da escola deveria ser simultaneamente da Igreja e do Estado. Não há
em suas formulações nenhuma tendência ao estatismo, mas, sim, o
postulado de que ao Estado caberia o dever de criar e manter escolas
para todas as crianças e adolescentes, tal como preconizava desde a
redação do Manifesto comunista, de 1848, quando reivindicou,
juntamente com Engels, educação pública e gratuita a todas as crianças,
abolição do trabalho infantil nas fábricas, na forma como ocorria, e
unificação da instrução com a produção material (MARX e ENGELS,
1982, p. 125). Em seus escritos posteriores, sempre lembrando que

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


242

todos, a partir de uma determinada idade, deveriam trabalhar não


somente com o cérebro, mas também com as mãos, enfatizava os
três princípios que constituíam sua concepção de educação: instrução
intelectual, educação física e treinamento tecnológico. Mas, contra a
ingerência do Estado ou da Igreja, ressaltava, acima de tudo, que a
educação deveria ser livre e laica.

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http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


SOBRE OS AUTORES

Isaura Monica Souza Zanardini


Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Doutora em
Educação pela UNICAMP, Mestre em Educação pela Universidade
Estadual de Maringá - UEM, Especialista em Fundamentos da Educação
e Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política
Educacional e Social – GEPPES.

Paulino José Orso


Possui graduação em Filosofia (1989), especialização em

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Psicopedagogia (1998), mestrado (1996) e doutorado (2003) em
Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná. É líder do Grupo de Pesquisa HISTEDOPR.

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier


Possui graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (1971), Mestrado em Educação: área Filosofia e História
da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/
SP (1975) e doutorado em educação: área Filosofia e História da
educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/SP
(1988). Livre Docência pela Universidade Estadual de Campinas -
UNICAMP (2002). Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação (mestrado e doutorado) da FE/UNICAMP.

Roberto Antonio Deitos


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste
do Paraná - UNIOESTE (1992), mestrado (2000) e doutorado (2005)
em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP,
na área de história, filosofia e educação. É professor adjunto da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel,
coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado
em Educação e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política
Educacional e Social – GEPPES.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


246

SOBRE OS AUTORES

Alvaro Gabriel Bianchi Mendez


Professor Doutor do Departamento de Ciência Política da Universidade
Estadual de Campinas, com doutorado em Ciências Sociais pela
Universidade Estadual de Campinas (2004).

Cláudio Afonso Peres


Possui graduação (licenciatura e bacharelado) em Filosofia pela
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (2001). É especialista
em História da Educação Brasileira, pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE) (2005). Mestre em educação pela
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

UNIOESTE (2009). É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas


“História, Sociedade e Educação no Brasil” – GT da Região Oeste do
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

Paraná - HISTEDOPR (UNIOESTE).

Ireni Marlene Zago Figueiredo


Graduação em Pedagogia e Especialização em Fundamentos da
Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE.
Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual
Campinas - UNICAMP – SP. É docente do Curso de Pedagogia e do
Mestrado em Educação da UNIOESTE. É pesquisadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social – GEPPES.

João V irgílio T
Virgílio agliavini
Tagliavini
É professor adjunto no Departamento de Educação da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar) do qual ocupa atualmente a vice-chefia
e é credenciado no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/
UFSCar), na área de Fundamentos da Educação.

Gilmar Henrique da Conceição


Possui doutorado em Filosofia e História da Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (1999), mestrado em Fundamentos da Educação
pela Universidade Federal de São Carlos (1991), graduado em Filosofia
pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Lorena (1985), graduado
em Ciências Contábeis pelo Centro de Ensino Superior de São Carlos
(1985). Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


247

SOBRE OS AUTORES

Amarilio Ferrira Junior


Possui graduação em História pela Universidade Católica Dom Bosco
(1978), graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (1986), especialização em Ciências Sociais pelo Instituto
de Ciências Sociais de Moscou (1984/1985), mestrado em Educação
pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1992) e doutorado
em História Social pela Universidade de São Paulo (1998). Atualmente
é professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar).

Marisa Bittar
Possui Graduação em História - Faculdades Unidas Católicas de Mato
Grosso (1978), Mestrado em Educação pela Universidade Federal de

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Mato Grosso do Sul (1992) e Doutorado em História Social pela
Universidade de São Paulo (1997). Atualmente é Professora Titular de
História e Filosofia da Educação da Universidade Federal de São Carlos
atuando no Departamento de Educação e na Pós-Graduação em
Educação (PPGE/UFSCar), no qual exerce o cargo de Coordenadora.

Francis Mary Guimarães Nogueira


Possui graduação em Letras pela Universidade Tuiuti do Paraná (1987),
especialização em Metodologia e Prática de Ensino da Língua
Portuguesa pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1988),
mestrado em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1993) e doutorado em Filosofia e
História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1998).
Atualmente é Professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná.

Maria Lucia Frizon Rizzoto


Professora Associada na UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, com Graduação em Enfermagem (1982), Mestrado em
Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1995), doutorado
em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e
pós-doutorado pela UFSC (2007), tendo realizado parte dos estudos
do pós-doutorado no CENDES - Centro de Estudos del Desarrollo/
UCV/ Venezuela. Atualmente atua no Curso de Graduação em
Enfermagem, Especialização em Saúde Pública e no Mestrado em
Educação na UNIOESTE.

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)


248

SOBRE OS AUTORES

Mario de Jesus Barboza


Possui graduação em História pela Universidade Paranaense (2003),
pós-graduação em História da Educação Brasileira pela Unioeste (2006)
e Mestrado em Educação pela Unioeste. Atualmente é professor de
história, filosofia e sociologia – Colégio Osvaldo Cruz, professor de
História - Colégio e Faculdade Harpa e professor de História - Colégio
Expressão - Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio.

Celso Hotz
Graduado em Pedagogia, pós-graduado em História da Educação
Unioeste - Programa de Pós-Graduação em Educação

Brasileira, Mestre em Educação pela UNIOESTE - Universidade Estadual


do Oeste do Paraná. Pedagogo pela Secretaria de Estado da Educação
http://www.unioeste.br/pos/educacao/

do Paraná.

Estado, Educação e Sociedade Capitalista


EDITORA E GRÁFICA UNIVERSITÁRIA

Assessoria Especial
do Gabinete da Reitoria Paulo Konzen
Laurenice Veloso
Hélio A. Zenati

Assistente Administrativa Geyze Colli Alcântara Lima

Coleção Sociedade, Estado e Educação


Criação e Diagramação Antonio da Silva Junior
Paulo Henrique Soares
Rachel Cotrim

Impressão Gilmar Rodrigues de Oliveira


Izidoro Barabasz

Acabamento Gentil David Teixeira


Leandro Miranda
Vera Müller

Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino José Orso (Orgs.)

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